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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro
Ofício Criminal de Lavagem de Dinheiro, Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Cooperação Internacional
Passiva
10º OFÍCIO
EXMOEXMO (A). SR (A). DESEMBARGADOR (A) FEDERAL RELATOR DA 2ª TURMA (A). SR (A). DESEMBARGADOR (A) FEDERAL RELATOR DA 2ª TURMA
ESPECIALIZADA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃOESPECIALIZADA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO
PROCESSO: 0501501-35.2015.4.02.5101
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Apelado: EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA
RAZÕES DE APELAÇÃO
E. Tribunal,
C. Turma,
D. Procuradoria Regional da República,
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos autos da MEDIDA CAUTELAR INOMINADA
em epígrafe, vem, inconformado com a respeitável decisão de fls. 909/937, apresentar as presentes
RAZÕES DE APELAÇÃO conforme decisão de recebimento do Apelo à fls. 2009:
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I - DOS FATOS/DA IMPUTAÇÃO
1 – O cerne da controvérsia estabelecida no presente recurso versa sobre o montante a ser
objeto de ser constrição cautelar e a possibilidade de decretação de medida cautelar de sequestro sobre
determinados bens que foram objeto de doação por parte do apelado.
Para a devida compreensão dos fatos, das cautelares anteriormente decretadas e do pedido no
presente recurso se faz, inicialmente, uma breve exposição dos fatos que são imputados ao apelado.
2 – Parece não haver dúvidas que a Ordem Econômica da Constituição de 1988 representa uma
verdadeira simbiose entre a ideologia capitalista e o viés conformador da atuação estatal em prol de certos
valores de índole social. De sorte que a livre iniciativa, tal como posta no art. 170 e seu parágrafo único,
verdadeiro corolário do liberalismo econômico, não é ampla a ponto de deixar ao mercado a resolução de
todas as relações econômicas.
Sobressaem no próprio art. 170 as ideias de “valorização do trabalho humano” e de “justiça
social”, o que é bastante a compreensão de que não há uma liberdade absoluta.
Neste sentido ensinava Washington Peluso Albino de Souza:
Fundamentada ideologicamente no “capitalismo”, pelo direito à propriedade privada abrangente de toda espécie de bens, aí incluídos os de produção, registra restrições como a da função social da propriedade ou da repressão ao abuso de poder econômico [...] Para identificar seu caráter simbiótico, composto ou plural, apontam-se a função social da propriedade, a defesa do consumidor e a redução
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das desigualdades regionais, especialmente as sociais. Sobrepondo-se-lhes, citam-se os “fundamentos” da “valorização do trabalho humano” e da “justiça social”, que, ao lado da “livre iniciativa”, tanto atendem ao neoliberalismo, como à social-democracia identificada pelos seus prosélitos nesta mesma Carta de 1988. (SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da Constituição Econômica. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002, p. 459/461)
3 - Klaus Tiedemann1 afirma que a vigente Constituição Brasileira adotou “uma economia de
mercado mitigada pelo poder intervencionista do Estado”. Com efeito, vale recordar que a intervenção estatal
no espaço econômico se dirigiu à superação dos descaminhos do liberalismo, que, conforme Eros Grau2,
reduzia-se ao reconhecimento da realidade. A transformação do papel do Estado fez com que se lhe
atribuísse a missão de coordenar políticas públicas para conformar o “mundo do ser”3, fazendo-o, entre
outras formas, mediante intervenção nos regimes jurídicos do contrato e da propriedade. 4
Dito de outra forma, a ordem constitucional vigente não só permite como fomenta em certos casos
a intervenção estatal na economia, não para fazer ruir a estrutura capitalista, senão para mitigar os efeitos
nefastos de uma liberdade sem controles. É dizer, ao tempo em que não se pode negar o compromisso da
vigente Constituição com a preservação do capitalismo5, abre-se espaço para a intervenção motivada à
manutenção do próprio capitalismo.
1 TIEDEMANN, Klaus. Apresentação Crítica: crimes contra a ordem econômica. In: ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 17.
2 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 95.3 Ibidem. p. 73-74.4 Ibidem. p. 95.5 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 75.
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4 – Há que se ter como presente para a devida compreensão dos fatos, que um dos postulados
básicos do sistema (econômico)6 descentralizado (ou capitalista) é “o acesso de todos os operadores de um
mercado, ou seja, de todos aqueles que nele exerçam influência, às informações sobre o mesmo e sobre as
características dos produtos nele negociados”.7
Em outros termos, só seria possível alcançar o preço natural de cada bem econômico quando todos
os que atuam no mercado dispõe das mesmas informações, possibilitando, assim, relações de troca baseadas
na manifestação da escassez de um bem no seu preço8.
5 – Exsurge daí a importância da tutela jurídica do fluxo de informações dentro do sistema
capitalista, tanto no campo do consumidor onde inúmeras normas se apresentam, quanto também no âmbito
da lei das sociedades anônimas:
Fora do campo do consumo, a própria lei das sociedades anônimas contém diversos dispositivos agrupados sob o título Dever de informar, o mesmo valendo para a regulamentação das operações em Bolsa e em diversas outras hipóteses. Em uma empresa dedicada a empreitadas públicas, os diretores e principais assessores podem ficar sabendo a respeito de um grande contrato a ser por ela celebrado, por exemplo, para a construção de um trecho do metrô de uma grande
6 - “À situação vivida por toda e qualquer sociedade de limitação de recursos para o atendimento de necessidades sem o limite previsível de crescimento dá-se o nome de problema econômico. (...) Para enfrentar o seu problema econômico, as sociedades organizam-se institucionalmente, ou seja, estabelecem um conjunto orgânico de instituições, por meio das quais ocorrerá um processo coerente e concatenado de decisões sobre a utilização dos seus recursos escassos e, ademais, se realizará o controle daquelas decisões. A tal conjunto de instituições dá-se o nome de sistema econômico. (NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao Direito Econômico. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 121).7 - NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 143.8 - Idem.
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cidade. Estes personagens poderão ir à Bolsa de Valores e adquirir grande quantidade de ações daquela companhia, para revende-las com substancial lucro, logo depois, quando a notícia do contrato chegar ao mercado bursátil, elevando os preços daqueles papéis. O mesmo poderá se dar, em sentido inverso, se o contrato vier a ser cancelado. A isso chama-se de “informação privilegiada” ou em inglês insider trading, isto é, negociação por aqueles de dentro – em muitas legislações capitulado como crime -, caso não feita ao mercado a competente comunicação. (NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 145)
6 – É nesta senda que se deve compreender as condutas imputadas ao apelado.
No processo de criminalização de condutas relacionadas às atividades econômicas se materializa a
intervenção do Estado na economia de modo a conformar a liberdade do empresário a outros interesses de
índole coletiva, evitando que o mercado se torne o palco para a atuação de burlões, especuladores e
fraudadores.
Como já se disse, tal intervenção tem o propósito de proteger o capitalismo dos capitalistas 9, nada
além disso.
Esclarecendo a minúcias o citado processo de intervenção do Estado assim discorre a doutrina:
Mais uma vez, uma legislação inteiramente estranha aos cânones liberais vem sendo paulatinamente introduzida, à ilharga daquela puramente destinada a fazer
9 - GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 58.
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funcionar o mercado. Note-se não ser ela endereçada aos agentes econômicos em suas relações bilaterais de uns com os outros. O seu escopo é outro: defender a chamada economia popular, ou seja, o conjunto indistinto e não identificável diretamente de poupadores, consumidores, investidores e acionistas, consorciados segurados e tantos outros que como um grupo sempre bem delimitado - porque pode incluir até mesmo membros potenciais - estão a mercê da informação ou da desinformação que lhe queiram transmitir. Surge aí, o conceito moderno, desenvolvido no campo do Direito Econômico e do Direito Processual de interesse difuso [...] (NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 145/146)
7 – Desta forma, não há que se confundir o insucesso empresarial, a ruína econômica ou a falência
propriamente dita, com o processo de criminalização de condutas no âmbito do mercado de capitais, da
tutela da concorrência ou mesmo do processo falimentar.
O que se tem em conta, por exemplo, no delito de insider trading é uma restrição à livre disposição
de bens, tudo em homenagem a um modelo econômico que depende da simetria de informações entre
aqueles que atuam no mercado. Trata-se da conformação da propriedade privada a uma finalidade social,
qual seja, a manutenção do modo de produção capitalista, o que restringe a possibilidade de que
determinadas pessoas, possuidoras de valores mobiliários, possa dispor de determinados títulos.
Nilo Batista bem destaca essa ideia de função social da propriedade presente nos delitos
falimentares:
[...] buscaremos dois insumos um legal e outro doutrinário. O artigo 75 da nova lei falimentar estabelece que “a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e
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recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa”. Aí está não apenas assinalado o caráter de preservação do patrimônio, que constitui garantia dos credores, mas também programada sua utilização produtiva [...] o objeto jurídico dos crimes falimentares é o patrimônio, visto a partir de sua função social (art. 1228, § 2º CC). É a função social da propriedade que converte o aparente exercício de um direito – a dissipação dos próprios bens – num abuso, criminalizado nos tipos legais falimentares, em detrimento dos credores. (BATISTA, Nilo. Lições de Direito Penal Falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 64-65) (sem grifo no original)
8 – Destaque-se que são duas as condutas principais imputadas ao apelado, o delito de
manipulação de mercado10 e o de insider trading11.
10 - Manipulação do Mercado
Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.11 - Uso Indevido de Informação Privilegiada (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negoci -ação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: (Artigo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
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Parece necessário estabelecer algumas linhas para a devida compreensão dos crimes que são
imputados ao apelado e é disso que se irá desincumbir este órgão ministerial.
Quando estamos diante de mercados regulados, isto é, mercados para os quais são estabelecidas
certas normas que favorecem a captação de recursos de terceiros por parte de empresários, não há que se
cogitar de uma liberdade absoluta de disposição de bens (cotas ou ações).
Os valores mobiliários, ao integrarem um mercado específico (mercado de valores mobiliários)
passam a funcionar como verdadeiro instrumento de captação da poupança privada, isto é, parte de um
sistema maior (Sistema Financeiro Nacional) o que induz e legitima a regulação estatal de tais negociações.
Porém, mais do que uma regulação, o que se percebe é que a tutela jurídica se volta para um
capitalismo mais ético, onde aparecem o dever de transparência e o de não utilizar de informações
ainda não divulgadas ao mercado.
Neste sentido a doutrina espanhola (tradução em nota)12:
Una inversión depende en gran medida no sólo de la pericia y la buena gestión del patrimonio empresarial o financeiro de la sociedade cotizada por parte de sus administradores, sino también, fundamentalmente de las informaciones suministradas y puestas em conocimiento del público en general. Entre ellas destacan las que pueden influir en la cotización de los títulos, como son las operaciones realizadas por los propios órganos de la sociedade, porque con la difusión se puede estimar el valor de la empresa por parte de los invesores y de
12 - Todos os textos em língua estrangeira foram preservados para a maior fidelidade ao que argumenta o autor citado, porém, contarão com tradução livre para cada extrato colacionado.
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esta forma permitirles calcular la rentabilidade de su inversión a la vista de aquella información. (GÓMEZ INIESTA, DIEGO J. Fraudes en el mercado de valores: A propósito de la propuesta de eurodelitos de manipulaciones bursátiles y abuso de información privilegiada. In ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN. Adán (Coordinadores). Fraude y Corrupción en el Derecho penal económico europeu. Eurodelitos de corrupción y fraude. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilha-La Mancha, 2006, p. 159)13
A frequência com que fatos similares tem ocorrido nos Estados Unidos e na Europa apenas
demarcam a importância da regulação do mercado de capitais para que ele não se converta num instrumento
de espoliação de muitos em benefício de dirigentes e controladores de sociedades.
Neste sentido a doutrina espanhola:
Esto que parece uma evidencia assombrosa, no ha sido así. La lista de escândalos producidos en los últimos años se multiplica: Gescartera o Alierta, em nuestro país; Enron o WorldCom, en Estados Unidos. En muchos casos, los administradores actuando en beneficio proprio y al margen de las reglas contables, llevaron a cabo un entramado suministrando información incompleta y dejando activos y deudas fuera de su cuenta de resultados, o bien los falsearon mostrando más beneficios de los reales, cuando uma correcta contabilidade habría indicado enormes perdidas. (GÓMEZ INIESTA, DIEGO J. Fraudes en el mercado de valores: A propósito de la propuesta de eurodelitos de manipulaciones bursátiles y abuso de información privilegiada. In ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN. Adán (Coordinadores). Fraude y Corrupción en el
13 - Em tradução livre: “Um investimento depende em certa medida não apenas da perícia e da boa gestão do patrimônio empresarial ou financeiro da sociedade cotizada por parte de seus administradores, senão, também, das informações fornecidas e postas à disposição do público em geral. Entre elas se destacam as que podem influir na cotação dos títulos, pois com a divulgação se pode estimar a rentabilidade do investimento e o valor da empresa por parte dos investidores.
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Derecho penal económico europeu. Eurodelitos de corrupción y fraude. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilha-La Mancha, 2006, p. 160)14
Em síntese, fatos como os descritos verificados nos EUA e na Europa guardam não apenas uma
proximidade, mas verdadeira identidade ao que ocorreu com o Grupo X capitaneado pelo apelado.
A divulgação incompleta de fatos por parte do réu, especificamente no que dizia respeito à
verdadeira situação da empresa OGX e a possibilidade real do aporte de elevada quantia por parte do
controlador levou milhares de investidores a acreditarem numa realidade muito mais próxima da fantasia.
E é a isso que se denomina de manipulação de mercado.
Por outro lado, quando determinados agentes se utilizam de informações que ninguém possui,
especificamente os demais investidores e potenciais investidores, e tal conhecimento se vincula à
gestão/controle da empresa, sua atuação é contrária à regulamentação do mercado de valores mobiliários, a
importar em sua afetação pelo que se denomina insider trading.
Esses procedimentos fraudam a legítima expectativa dos investidores, na medida em que possibilitam
14 - Em tradução livre: Isto que parece uma assombrosa evidência, não foi assim. A lista de escândalos produzidos nos últimos anos se multiplica: Gescartera o Alierta , em nosso país; Enron o WorldCom, nos Estados Unidos. Em muitos casos, os administradores, atuando em benefício próprio e à margem de regras contábeis, levaram a cabo um quadro de divulgação de informação incompleta deixando bens e dívidas fora de suas contas de resultados, ou bem os falsearam, exibindo mais benefícios que os reais, cuando uma contabilidade correta haveria indicado enormes perdas.
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atender às ganâncias de diretivos das empresas e de seus controladores.15
Neste sentido o socorro da avançada doutrina penal econômica espanhola:
Cuando se habla de abuso de mercado nos estamos refiriendo a comportamentos realizados por sujetos que se aprovechan de su especial situación para utilizar informaciones no disponibles por el resto de operadores (insider trading), que falseam el mecanismo de fijación de precios de los instrumentos financeiros o que divulgan informaciones falseas o erróneas (manipulación de mercado), obstaculizando la real y plena transparencia del mercado. (GÓMEZ INIESTA, DIEGO J. Fraudes en el mercado de valores: A propósito de la propuesta de eurodelitos de manipulaciones bursátiles y abuso de información privilegiada. In ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN. Adán (Coordinadores). Fraude y Corrupción en el Derecho penal económico europeu. Eurodelitos de corrupción y fraude. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilha-La Mancha, 2006, p. 162)16
Todo esse quadro delitivo não afeta apenas o patrimônio individual de acionistas, como tenta fazer
crer a defesa do apelado em sua insistência em retirar o feito da alçada da Justiça Federal.
Pelo contrário, perturba a funcionalidade do sistema financeiro na medida em que atinge a
15 - GÓMEZ INIESTA, DIEGO J. Fraudes en el mercado de valores: A propósito de la propuesta de eurodelitos de manipulaciones bursátiles y abuso de información privilegiada. In ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN. Adán (Coordinadores). Fraude y Corrupción en el Derecho penal económico europeu. Eurodelitos de corrupción y fraude. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilha-La Mancha, 2006, p. 16016 - Tradução livre: Quando se fala de abuso de mercado, estamos nos referindo a comportamentos praticados por indivíduos que se aproveitam da sua situação especial para usar a informação não está disponível para outras pessoas que operam no mercado (insider trading), que falseiam o mecanismo de fixação de preços dos títulos ou ainda divulgam informação falsa ou errada (manipulação de mercado), dificultando a transparência real e completa do mercado.
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confiança do mercado de valores mobiliários enquanto parte daquele sistema. 17 Esse traço é importante para
que se demarque que o bem jurídico principal nos delitos cometidos pelo requerido é a confiança dos
investidores no mercado de valores mobiliários:
[...] nos encontramos ante un assunto de confianza: confianza en una aplicación estricta de las normas contables y del mercado de valores, para que los que ocupan cargos de administración o direción no maipulen los resultados contables en beneficio próprio, ni utilicen de información privilegiada [...](GÓMEZ INIESTA, DIEGO J. Fraudes en el mercado de valores: A propósito de la propuesta de eurodelitos de manipulaciones bursátiles y abuso de información privilegiada. In ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN. Adán (Coordinadores). Fraude y Corrupción en el Derecho penal económico europeu. Eurodelitos de corrupción y fraude. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilha-La Mancha, 2006, p. 162)18
Ora, tudo quanto está descrito nas denúncias apontam para o uso de informações privilegiadas,
bem como para a manipulação do mercado através da divulgação de informações que não correspondiam à
real situação da empresa OGX.
Há farto material probatório a embasar o reconhecimento do fumus comissi delicti, tanto que a
própria decisão atacada assim demarcou.
17 - Neste sentido, abordando os delitos de fraude no investimento de capital, manipulação ou cotação de preços de mercado, incitação a operações especulativas e uso de informação privilegiada na Alemanha, Tiedemann reconhece que o bem jurídico tutelado imediato é o mercado de capitais e sua capacidade de funcionamento, tutelando-se, também, o patrimônio individual do investidor de capitais e a liberdade de disposição relacionada com o mesmo: TIEDEMANN, Klaus. Manual de Derecho Penal Económico: Parte General y Especial. Valencia: Tirant to blanch, 2010, p. 374.18 - Tradução livre: nós estamos diante de uma questão de confiança: a confiança na aplicação estrita das regras de contabilidade e do mercado de valores mobiliários, de modo que aqueles que se encontram em posições de gestão ou contabilidade não manipulem os resultados contábeis em benefício próprio nem utilizem de informação privilegiada
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9 – Porém, há um ponto que não pode deixar de ser enfrentado, os dois delitos imputados
embutem a ideia de fraude, daí porque a proximidade aparente com o estelionato.
Contudo, isso não remete a uma identidade entre ambos, porque a fraude não esgota o contexto
típico das figuras aqui cogitadas, senão representa a deslealdade, o engodo, o aproveitamento de
oportunidades que não são franqueadas aos demais operadores do mercado.
A par de estarmos diante de um crime material (estelionato) e outro formal (insider), não parece
possível identificar, por exemplo, a vantagem ilícita do estelionato com aquela decorrente dos delitos de
manipulação de mercado e insider trading, porque a essência das condutas é bastante distinta.
10 - No estelionato há uma equação econômica decorrente da troca empreendida pelos sujeitos
ativo e passivo de forma que a vantagem ilícita corresponde à diferença entre a troca justa e a troca
fraudulenta.
Assim, por exemplo, se um sujeito consome mil reais em energia elétrica e retrocede o relógio que
marca o consumo para que lhe seja cobrado apenas duzentos reais, o que é, de fato, pago, não é possível dizer
que a vantagem ilícita no estelionato corresponde a mil reais, senão a oitocentos reais, a diferença entre o
devido (troca justa) e o pago (troca fraudulenta).
Este raciocínio não pode ocorrer, por exemplo, no delito de insider , porque a troca
(negociação de ações) em si é vedada.
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Dito de outro modo, tudo o que é obtido neste delito contra o mercado de capitais é escuso,
contrário ao ordenamento jurídico e, por tal razão, ilícito, é dizer, corresponde à vantagem ilícita.
Se assim não fosse, aquele que se utiliza de uma informação privilegiada num determinado dia,
mas que posteriormente, quando da divulgação daquela informação ao mercado, por força de uma outra
informação, simultaneamente divulgada, vê o preço das ações subir, jamais seria sancionado com a pena de
multa, embora tenha, naquele momento inicial, obtido uma vantagem ilícita.
Imaginemos, por exemplo, que determinada empresa não terá renovado um grande contrato com o
Estado ou com terceiros e que isso, ao ser divulgado, terá um impacto no sentido de provocar a queda brusca
de suas ações. Diante desse quadro, um diretor, ciente de tudo, vende em determinado dia grande parcela de
suas ações com uma cotação na qual não se embute o impacto da perda do contrato.
Um mês despois, no dia exato da divulgação ao mercado daquela informação relevante o Governo
anuncia que irá promover um novo programa de infraestrutura e que fará contratações que podem beneficiar
todas as empresas do setor, inclusive aquela cujo diretor realizou a venda com informações privilegiadas.
Por força das duas informações relevantes a empresa, ao invés de ver uma queda em suas ações,
tem elas valorizadas para um patamar acima daquele no qual o diretor vendeu.
Teria isso o condão de retirar o caráter ilícito da vantagem obtida com a informação que ninguém
mais possuía?
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A resposta é desenganadamente negativa.
A aferição da licitude ou ilicitude de uma vantagem obtida no mercado de capitais se
dá em razão da conformação da conduta do agente com a regulamentação do mercado, de
modo que toda a vantagem obtida com violação a tal regramento é considerada uma
vantagem ilícita.
Por outro lado, em relação ao delito de manipulação de mercado soa intuitivo que o ganho
decorrente da manipulação, ou seja, a vantagem ilícita deva corresponder ao incremento no valor das ações
possuídas pelo agente em decorrência do expediente fraudulento.
É dizer, confronta-se aqui o patrimônio em ações do sujeito antes de depois da manipulação,
porque como é perceptível, a manipulação pressupõe a tentativa de movimentar a cotação dos valores
mobiliários, que pode concretamente não ocorrer. Ainda assim haverá crime, pois se trata de delito formal.
Porém, o ganho, neste caso, dependerá, como é óbvio, da ocorrência de uma movimentação concreta
no mercado. Em síntese, o delito dispensa o resultado para sua consumação, porém, este é relevante para fins
de aferição da vantagem ilícita ou do dano causado.
11 – Ocorre que com a decisão recorrida todos os bens do apelado que estavam sob constrição por
decisão do Juiz Federal afastado foram liberados, ressalvados os que, por decisão anterior ao marco do
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afastamento, se encontravam sob custódia cautelar da Justiça Federal.
Porém, tem este órgão ministerial que andou mal o prolator da decisão guerreada, pois limitou no
mínimo o montante que é objeto de bloqueio por parte da Justiça, quando havia por parte do apelado a
demonstração cabal de intenção de esvaziar seu patrimônio para frustrar qualquer tipo de sanção de
conteúdo pecuniário.
Como bem já disse Juarez Cirino dos Santos19, “a criminalidade sistêmica econômica e financeira de
autores pertencentes aos grupos sociais hegemônicos não produz consequências penais: não gera processos
de criminalização, ou os processos de criminalização não geram consequências penais”, é dizer, o decisum
recorrido apenas reforçou a ideia de que a criminalidade de classe alta não tem repercussões para seus
autores, e por esta razão precisa ser revista.
II - DAS MEDIDAS CAUTELARES
12 – Trata-se de processo cautelar autuado em separado em 06/02/201520 relativo à decisão
prolatada, em 07/01/2015, pelo Juiz Federal afastado Flávio Roberto de Souza, na qual foram decretadas as
19 - SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: parte Geral. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 13.20 - fls. 01.
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seguintes medidas21:
a) Bloqueio e arresto de todos os ativos financeiros no país de EIKE FUHRKEN
BATISTA, THOR BATISTA, OLIN BATISTA, FLÁVIA SAMPAIO e LUMA DE OLIVEIRA,
por meio do sistema BACENJUD;
b) Sequestro dos bens imóveis até o valor de 1 bilhão e meio – sem explicitar a moeda –
das mesmas pessoas mencionadas no item anterior.
c) Arresto de bens móveis até o referido valor;
d) Sequestro de participações societárias de empresas em nome de EIKE FUHRKEN
BATISTA com determinação de expedição de ofício às juntas comerciais do Rio de Janeiro
e de São Paulo;
e) Bloqueio dos saques e resgates de qualquer aplicação financeira em nome das pessoas
mencionadas no item “a” acima;
f) Busca e apreensão de valores em moeda nacional e estrangeira, joias, objetos
suntuosos, obras de arte, instrumentos musicais e outros objetos ou papéis
representativos de ativos financeiros, tais como títulos de créditos e outros, além de
veículos que se encontrem nos locais de busca.
Esta é a síntese das medidas que foram decretadas anteriormente à decisão ora recorrida.
13 – Para que não se afigure uma repetição de argumentação lançada na manifestação de fls. 697/735,
reporta-se a tal pronunciamento naquilo que especificamente não for aqui tratado. 21 - fls. 04/05.
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14 – Cumpre salientar que nos autos da medida cautelar nº 0022054-97.2014.4.02.5101
(2014.51.01.022054-6) o Juiz Federal afastado Flávio Roberto de Souza, atendendo a requerimento
ministerial, prolatou, em 06/05/2014, decisão no sentido de deferir o sequestro e arresto de valores em
nome de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA até o montante de R$ 122.006.970,00 (cento e vinte e dois
milhões, seis mil, novecentos e setenta reais).
15 - Por outro lado, no Processo 029175-79.2014.4.02.5101 (2014.51.01.029175-9), atendendo a novo
pedido de arresto do Ministério Público Federal22, o Juiz Federal afastado Flávio Roberto de Souza, em
15/09/2014 23 , prolatou decisão decretando o bloqueio de todos os ativos financeiros de EIKE FUHRKEN
BATISTA DA SILVA até o montante de R$ 1,5 bilhão.
É de relevo, porém, observar que aquele requerimento cautelar não se dirigia apenas a EIKE
FUHRKEN BATISTA DA SILVA, mas também, ainda que de forma mais restrita, a FLÁVIA SOARES
MONTEIRO, THOR DE OLIVEIRA SANTOS e OLIN DE OLIVEIRA BATISTA, como se transcreve:
[...] requerer o ARRESTO de bens (imóveis, móveis e valores monetários em espécie) de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA, devidamente qualificado na inicial, e familiares doravante qualificados, até o montante de R$ 1,5 bilhão [...] Em relação à FLÁVIA SOARES SAMPAIO [...], THOR DE OLIVEIRA SANTOS [...] e OLIN DE OLIVEIRA BATISTA [...] considerando o teor do depoimento prestado pelo denunciado EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA sede policial, a denotar, como demonstrado, manobra voltada a afastar seus bens de futura medida
22 - fls. 742/754.23 - fls. 755/756: Mesma data do recebimento da denúncia no Processo nº 0029174-94.2014.5101
(2014.51.01.029174-7).
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constritiva, em contexto caracterizador da tentativa de furtar-se aos efeitos cíveis de eventual condenação, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:a) O arresto dos bens imóveis recebidos a título de doação efetivada pelo
denunciado EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA a partir de 24/10/2012, data da divulgação do “put” ao público investidor, até a presente data, até o limite de R$ 1,5 bilhão [...]
O lastro probatório era encontrado no depoimento do próprio EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA em sede policial e reproduzido na peça ministerial:
“10) Recentemente o Sr. Fez doação de imóveis a seus filhos? Quais? Onde se localizam? Qual o valor de mercado? Doou a casa ao lado de onde mora na Rua Caio de Melo Franco, 168 ao seu filho Thor, no valor aproximado de mercado de 10 milhões de reais e sua propriedade em Angra dos Reis, situada na Vila Velha, na Estrada do Contorno não sabendo precisar o número, doada a ambos os filhos THOR e OLIN, no valor aproximado de dez milhões de reais. [...] O senhor já fez outras doações de imóveis? A quem? Informa ter feito recentemente doação à sua companheira FLÁVIA SAMPAIO, um imóvel em Ipanema, não sabendo precisar a rua, no valor de aproximadamente cinco milhões de reais.”
Assim, não obstante pedido ministerial para que o bloqueio de bens alcançasse não apenas o réu no
processo principal, limitou-se o magistrado a bloquear os ativos financeiros a EIKE FUHRKEN BATISTA DA
SILVA conforme se estratifica:
[...] DECRETO, por ora, apenas o bloqueio de todos os ativos financeiros de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA, no país, até o limite dos valores de R$ 1,5 bilhão (Um bilhão de reais) por meio do BACENJUD.
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Porém, tempos depois, readequou o montante bloqueado para alcançar o montante de R$ 237
milhões, reputados suficientes para satisfação de custas processuais e pena de multa.
16 – É preciso, ainda, ressaltar, que nos autos 0042674-33.2014.4.02.5101 há outra medida cautelar
de sequestro24 em face de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA, ainda pendente de apreciação, de onde são
colhidos inúmeros indícios de disposição atípica de bens por parte do requerido.
Registre-se, ainda, que esse quadro foi levado em conta pela própria decisão guerreada (fls. 929).
Entre outras pode-se colher dali:
a) Doação de imóvel a Thor de Oliveira Fuhrken Batista e Olin de
Oliveira Fuhrken Batista25 situado à Rua Caio de Mello Franco, 168 –
doação já mencionada acima quando se tratou da cautelar do Processo 029175-
79.2014.4.02.5101 (2014.51.01.029175-9) -, cuja escritura teria sido lavrada em
9/07/2013, isto é, meses após a prática do insider trading envolvendo ações
da OSX Construção Naval S/A e nove dias depois de a OGX Petróleo e Gás
Participações S/A anunciar que suspenderia a sua produção, e, por esse
motivo, cancelaria as encomendas à OSX Construção Naval S/A;
b) Doação de imóvel a Thor de Oliveira Fuhrken Batista e Olin de
Oliveira Fuhrken Batista situado à Rua Caio de Mello Franco, nº 330, cuja
24 - fls. 02/17.25 - Repetem-se aqui os nomes lançados na citada peça processual.
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escritura teria sido lavrada em 9/07/2013, isto é, no mesmo contexto
fático descrito no item anterior;
c) Doação de imóveis a Thor de Oliveira Fuhrken Batista e Olin de
Oliveira Fuhrken Batista sediados à Estrada Vereador Benedito Adelino,
número 4639; Estrada Vereador Benedito Adelino, número 4639, hangar;
Estrada Vereador Benedito Adelino, parte de cima, sem número; Estrada
Vereador Benedito Adelino, número 4703; Estrada Vereador Benedito Adelino,
parte de cima, número 4736, Parte D, cuja escritura de doação foi lavrada
em 9/12/2013, meses após a prática dos delitos mencionados nas denúncias;
d) Compra de imóvel com cessão de direitos à Flávia Soares Sampaio ,
sua companheira, em 15/05/2014, dias após a primeira decisão
cautelar do Juiz Federal afastado Flavio Roberto de Souza
(06/05/2014), que não é referida na petição uma vez que aquele processo
tramitava em São Paulo, não neste Juízo;
A citada peça processual revela, ainda, uma série de outros atos de disposição, todos
posteriores às práticas delituosas, por meio dos quais EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA estaria
esvaziando seu patrimônio como a venda de ações da empresa SIX (noticiada em 13/01/2014), venda do
Hotel Glória (noticiada em 01/02/2014), a venda de um jato modelo Gulfstream 550 (noticiada em
18/01/2014), a venda da empresa mineradora AUX por apenas US$ 400 milhões (concretizada na primeira
quinzena de setembro de 2014) e que fora adquirida em 2011 por US$ 1,5 bilhão26, transferência não onerosa
26 - A venda de uma empresa que se ventilou valer, segundo a peça já citada, US$ 4 bilhões, por “meros” um décimo de tal valor denota fortes indícios de subfaturamento.
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ao fundo Mubadala da empresa IMX (em 18/09/2014) e outros tantos negócios suspeitos ali mencionados.
É dizer, não se trata de uma ou outra doação inocente, mas de um número elevado de atos de
disposição que não foram praticados antes do cometimento dos delitos e do início da persecução penal, senão
depois dela.
17 – Diante de tais fatos, cumpre salientar, como já manifestado anteriormente, que não se poderiam
atacar as medidas cautelares anteriores a 18/11/2014.
Daí porque há de se ler a decisão de fls. 02/06 como mera revisão de ofício daquilo que anteriormente
havia sido decido pelo Juiz Federal afastado. É o que se colhe do trecho abaixo:
[...] DECRETO, por ora, apenas o bloqueio de todos os ativos financeiros de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA, no país, até o limite dos valores de R$ 1,5 bilhão (Um bilhão de reais) por meio do BACENJUD. (Processo 029175-79.2014.4.02.5101 (2014.51.01.029175-9) (sem grifo no original)
Não obstante se possa falar, como regra, em preclusão para o juiz da causa, a possibilidade presente,
tanto no art. 127 do CPP quanto o art. 4º da Lei n. 9.613/98, de decretação de medidas cautelares de ofício
impedia sua configuração.
Discorrendo sobre o tema a doutrina esclarece:
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No sistema acusatório, como tantas vezes mencionado nesse trabalho, não se reserva ao juiz qualquer atividade de essência investigativa e nem postulatória. E como o sequestro se destina, sobretudo, à proteção da vítima, não obstante suas funções da natureza penal, deve o interessado (vítima), em princípio, requerer a medida. De igual modo, mas por razões distintas, ligadas aos aspectos de interesse público da intervenção penal, poderão fazê-lo também a autoridade policial e o Ministério Público, seja na fase de investigação preliminar, seja no curso do processo. Na hipótese de decretação de sequestro no curso do processo, admite-se a atuação, de ofício, do magistrado, justificando-se a alternativa exatamente em razão de aspectos de interesse público que acompanha toda a fundamentação da citada intervenção penal, abstraídas, por impertinência nesse espaço, quaisquer considerações acerca da legitimidade ou não do Direito Penal. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 4.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 276) (sem grifo no original)27
Destarte, estando em curso ação penal em face de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA, não se
poderia afirmar nula uma decisão prolatada de ofício por um juiz, até então competente, sob pena de se estar
negando vigência a dispositivos processuais em vigor.
Desta forma, em tese, a decisão de fls. 02/06 não pode ser tida por ilegal tão somente por decorrer de
uma atuação de ofício do juiz, pois a lei autoriza tal intervenção.
Sua nulidade decorre da declaração de suspeição e assim constou do decisum agora atacado (fls. 918).
18 – Contudo, a citada decisão foi declarada nula pelo D. Juiz Federal prolator do decisum guerreado, 27 - No mesmo sentido, porém, sem restrições quanto ao momento de atuação do magistrado: NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 332.
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diante de determinação desta E. Turma, o qual acabou por entender que o montante a ser constringido seria
de R$ 162.646.092,00 (cento e sessenta e dois milhões, seiscentos e quarenta e seis mil e noventa de dois
reais) (fls. 935).
Por essa razão determinou a liberação de bens do requerido e demais pessoas a ele vinculadas a partir
da decisão declarada nula. Os demais bens, cujo bloqueio decorreria de decisões anteriores à data limite da
declaração de suspeição, permanecem sob constrição.
19 - É sabido que o fundamento das medidas cautelares está no fumus comissi delicti e no
periculum in mora.
Sabe-se que o fumus comissi delicti corresponde tão somente ao fumus boni iuris não é mais do que “a
probabilidade de uma sentença favorável, no processo principal, ao requerente da medida. ... O fumus
traduz-se no binômio prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria”.28
Por outro lado, o periculum in mora reside “no fato de que a demora no curso do processo principal
pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser dada, não tenha mais eficácia, pois o tempo fez
com que a prestação jurisdicional se tornasse inócua”. 29
20 – O fumus comissi delicti pode ser avistado nas diversas denúncias ofertadas em face de EIKE
FUHRKEN BATISTA DA SILVA, o que foi reconhecido, inclusive, pela própria decisão recorrida (fls.
924/928).
28 - RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 22. ed.. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 770.29 - Idem.
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21 – No que diz respeito ao periculum in mora ele é extraído de uma série de atos de disposição
praticados por EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA e mencionados acima.
Em uníssono três membros diferentes do MPF vislumbraram atos de disposição atípicos por parte do
réu, o que abre espaço, ainda que em cognição provisória, para que se lhes entenda como uma tentativa do
acusado de tornar inviável qualquer reparação decorrente do delito, de impedir a cobrança da pena de multa
(multa criminal) e, no que diz respeito às investigações ainda em curso, a impossibilitar a recuperação do
proveito ilícito decorrente da desoneração fraudulenta da cláusula PUT.30
Este quadro, que se entende justificou até mesmo a preservação das cautelares por parte desta E.
Turma, é o que dá substrato à decretação das medidas cautelares patrimoniais em face do réu.
22 - Em relação às medidas cautelares em espécie, tal como já entabulado na manifestação anterior,
o sequestro de bens imóveis (art. 125 CPP) é medida que se justifica apenas se tais bens são obtidos com
proveitos do crime, o que se extrai dos objetivos da medida:
Tutela-se, em primeiro lugar, a vítima da infração, de modo a se buscar a recomposição patrimonial do dano causado pelo crime. De outro lado, pretende-se também a afirmação da efetividade do processo penal, fora do âmbito da imposição da pena privativa de liberdade e/ou de medidas cautelares de natureza pessoal. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 301)
30 - Mais adiante serão colacionados elementos que permitem reconhecer, em tese, o delito de lavagem de dinheiro.
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Ainda que se possa ter cogitado nesses autos de referência à aquisição de bens com o proveito da
infração, não parece correto afirma-lo, na medida em que a aquisição dos bens se deu em momento anterior
aos delitos imputados, daí porque não parece ter lugar o art. 125 CPP.31
Não é preciso, assim, trazer a baila a discussão quanto à legitimidade ou não do Parquet para pleitear
a indisponibilidade dos bens do acusado visando resguardar o interesse dos lesados.
23 - Por outro lado, não há que se confundir essa questão com a decretação de medida cautelar de
sequestro destinada a apreender o proveito econômico do delito de lavagem de dinheiro.
Isto é, reconhecido um ganho econômico decorrente, por exemplo, do crime de manipulação de
mercado através da “cláusula PUT”, o processo de ocultação, não apenas desse proveito, mas de todo o
patrimônio visível, por meio de atos de disposição atípicos autoriza a decretação do sequestro com base na
existência de indícios do delito de lavagem de dinheiro (art. 4º da Lei n. 9.613/98).
Cumpre, então, cogitar da ocorrência, em tese, de um delito de lavagem de dinheiro para que se possa
31 - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO PENAL. MEDIDA CAUTELAR DE SEQÜESTRO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE O BEM SEQUESTRADO TENHA SIDO ADQUIRIDO COM PROVENTOS DO CRIME. PROVIMENTO DO INCONFORMISMO. 1. O art. 125 do CPP dispõe que "caberá sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado, com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro", sendo certo que o art. 126 do mesmo Codex assim determina: "para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens". 2. Portanto, para que o sequestro seja válido, necessária a presença de indícios de que o bem tenha sido adquirido com proventos da infração. 3. In casu, observa-se que os fatos delituosos descritos na denúncia ocorreram, em tese, a partir do ano de 2002, razão pela qual merece provimento a irresignação da recorrente, uma vez que o imóvel objeto de constrição foi adquirido pela mesma em 1987, consoante cópias de escritura pública e certidão do cartório de registro de imóveis juntadas aos autos em apenso. 4. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 28627 RJ 2009/0007082-7, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 06/10/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/11/2009)
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admitir o sequestro de bens com base na citada lei. E neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal parece ser inafastável:
Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a literatura. (STF: RHC 80816 / SP, DJ 18-06-2001) (sem grifo no original)
Em síntese, o fato de estarmos diante de um esquema simples, doação de bens aos filhos, entre outros
atos de disposição, não afasta a lavagem de dinheiro.
Desta forma, reconhecido que houve um delito de manipulação de mercado com a divulgação parcial
do contrato relativo à “cláusula PUT”, há que se perceber a conexão entre o descumprimento e o delito
cometido.
O mesmo contrato que dá ensejo à PUT, cuja divulgação parcial consubstancia o móvel do engano ao
mercado, é aquele que descumprido fraudulentamente – porque a alegação de mudança no plano de
negócios como forma de excluir a responsabilidade até poderia ser válida, mas não diante do controlador -
gera um proveito econômico ilícito consistente na desoneração patrimonial a partir daquela fraude.
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24 – Diante do quadro de alienação de bens já relatado, a demonstrar o periculum in mora, e da
correlata necessidade de resguardar a efetividade de um provimento condenatório, é de se examinar o poder
cautelar do juiz criminal.
É cediço que ao juiz criminal não falta, por força do art. 3º do CPP e do art. 798 do ainda vigente
Código de Processo Civil, um poder geral de cautela.
Neste sentido a firme jurisprudência:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ART. 366 DO CPP. NECESSIDADE. RÉU FORAGIDO. PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. I - Toda produção antecipada de provas realizada nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal está adstrita a sua necessidade concreta, devidamente fundamentada. II - Paciente que se encontrava foragido do distrito da culpa, ensejando a antecipação da oitiva das testemunhas até então arroladas nos autos. Precedentes. III - Cabe ao juiz da causa decidir sobre a necessidade da produção antecipada da prova testemunhal, podendo utilizar-se dessa faculdade quando a situação dos autos assim recomendar, como no caso em apreço, especialmente por tratar-se de ato que decorre do poder geral de cautela do magistrado (art. 366 do CPP). IV - No caso sob exame, as provas antecipadamente produzidas nos autos da ação penal não causaram prejuízo à defesa do paciente, tendo em vista que o magistrado de primeiro grau nomeou defensor dativo para acompanhar a colheita cautelar da prova testemunhal, que poderá ser renovada no plenário do júri. V - Habeas corpus denegado. (STF - HC: 109728 SP , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 15/05/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-109 DIVULG 04-06-2012 PUBLIC 05-06-2012)
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A suspensão do livramento condicional, por meio de uma interpretação conjugada do art. 87 do Código Penal com o art. 145 da Lei de Execução Penal, iluminada pelo poder geral de cautela do juiz das execuções penais, pode ser autorizada quando o liberado deixa de cumprir as obrigações que lhe são impostas. In casu, o paciente, há mais de cinco anos, deixou de comparecer, como lhe fora imposto, ao patronato - situação que não foi corrigida nem mesmo com a expedição de mandado de prisão. [...] (STJ: HC 202844 / RJ, Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 26/02/2014)
[...] Não há constrangimento ilegal na decisão do Juiz das Execuções Criminais que, analisando a possibilidade de concessão da liberdade provisória, requer, dentre outras providências, o encaminhamento da Folha de Antecedentes Criminais atualizada e devidamente esclarecida, bem como da ficha de término de pena do paciente, haja vista a existência de três Cartas de Execução de Sentença em aberto, postura que exemplifica o poder geral de cautela ínsito à atividade judicante. 2. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 3. Ordem denegada, com recomendação de agilidade no trâmite do pedido formulado pela defesa. (HC 102124 / RJ, Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJe 15/03/2010)
HABEAS CORPUS. VÁRIOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. TRANSFERÊNCIA DE PRESO PARA PRESÍDIO FEDERAL. DECISÃO FUNDAMENTADA NA ALTA PERICULOSIDADE DO PACIENTE E PARA EVITAR O SEU RESGATE. CARÁTER EMERGENCIAL. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. 1. A teor do art. 86 da Lei de Execução Penal, as penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade da Federação podem ser executadas em outra, em estabelecimento local ou da União, cabendo ao Juiz competente definir o estabelecimento adequado ao cumprimento da reprimenda e determinar, se for o caso, desde que por decisão devidamente fundamentada, a transferência de
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presídio do condenado, para a sua segurança ou no interesse da segurança pública. 2. Na hipótese, descabe falar em ilegalidade da decisão impugnada, na medida em que o magistrado a quo, amparado em seu poder geral de cautela, justificou a necessidade de remoção do Paciente, em caráter emergencial, tendo em visa as peculiaridades do caso concreto, que refletem ser o Paciente dotado de alta periculosidade e diante da notícia de que os seus comparsas estariam preparando uma tentativa de resgate. Ressalvou, ainda, o mencionado decisum a necessidade de oportuna observância das exigências previstas na Resolução n.º 502/2006, do Conselho da Justiça Federal. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 3. Este Superior Tribunal de Justiça já consignou, em casos de transferência que se deu em caráter de urgência, "que o cumprimento, ainda que com atraso, das formalidades exigidas pela Resolução 502/2006 do Conselho da Justiça Federal (a qual foi substituída pela Resolução 557/2007, de similar teor, e, agora, pela Lei 11.671/2008) não tinha o condão de macular o procedimento, desde que o Juízo Federal providenciasse a regularização do feito oportunamente" (HC 77.835/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJ de 08/10/2007). Precedentes. 4. Ordem denegada. (HC 85106 / PR, Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 01/03/2010)
I - PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. II - AGENTE ADMINISTRATIVO DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL. AFASTAMENTO CAUTELAR. III - AUTORIDADE IMPETRADA. COMPETÊNCIA. IV - LEGALIDADE DA MEDIDA. PODER GERAL DE CAUTELA. V - NECESSIDADE. DEMONSTRAÇÃO. VI - ILEGALIDADE. ABUSO DE PODER. NÃO CONFIGURAÇÃO. VII - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I - As medidas cautelares previstas no processo penal não são taxativas. Necessidade de adoção de providências que possibilitem o desenvolvimento regular e a prestação jurisdicional útil e efetiva na ação principal. Cabimento de medidas cautelares inominadas com fulcro no poder geral de cautela. Competência do MM. Juiz que conduz a instrução criminal em que é acusado Agente Administrativo do Departamento de Polícia Federal para determinar o afastamento cautelar do exercício de qualquer função no
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âmbito da Polícia Federal. II - Afastamento cautelar é medida menos severa que a prisão preventiva anteriormente decretada. Paciente em liberdade em decorrência de decisão liminar proferida em writ impetrado perante o E. STF. III - Mencionados trechos de interceptação telefônica indicativos de que houve vazamento de informações que, em tese, envolveriam o paciente. Evento a ser perscrutado no contexto das apurações na “Operação Furacão”, cujos integrantes dedicam-se à exploração de jogos ilegais, dentre outras imputações. Fumus boni iuris configurado. IV - Periculum in mora para o afastamento cautelar demonstrado. Irrelevância de funções e prerrogativas do cargo de Agente Administrativo serem diversas daquelas do cargo de Agente de Polícia Federal. Possibilidade de conhecimento de informações sigilosas que circulam naturalmente no meio policial não elidida. Inconveniência do tão-só afastamento do cargo com a substituição de desempenho, pelo investigado, de funções burocráticas. V - Necessidade de afastamento total para debelar a possibilidade de adoção de medida pelo réu que pudesse interferir na regularidade da instrução criminal demonstrado. Ilegalidade ou abuso de poder não constatados. VI - Segurança denegada. (TRF-2 - MS: 9475 RJ 2007.02.01.015143-8, Relator: Desembargador Federal ABEL GOMES, Data de Julgamento: 23/07/2008, PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::13/08/2008 - Página::63/64)
Diante disso, o poder geral de cautela precisa operacionalizar uma medida tal que resguarde a
efetividade do provimento condenatório, sob pena de se permitir ao réu fazer tábula rasa da Justiça
brasileira.
Assim, cumpre a esta E. Turma perceber que delitos econômicos com frequência conjugam penas
privativa de liberdade e de multa, de forma a reprimirem não apenas pela mecânica tradicional, mas também
sob a perspectiva econômica.
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Não parece ser por outra razão que a jurisprudência do E. T.R.F. da 4ª Região admite o manejo do
sequestro, enquanto medida cautelar, para garantir o pagamento futuro da multa criminal:
PROCESSO PENAL. SEQUESTRO DE BENS PARA FINS DE GARANTIA DE PAGAMENTO DE PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. BEM DE FAMÍLIA. A impugnação à decisão que decreta o sequestro prévio do imóvel para fins de garantia do pagamento da pena de multa deve ser processada nos próprios autos da medida cautelar de sequestro de bens, e não autuada como incidente apartado. Pedido de conversão em correição parcial da apelação interposta pelo réu contra a decisão que rejeita a impugnação indeferido porque ausente prejuízo à defesa. O Ministério Público tem legitimidade para requerer medida assecuratória de sequestro e posterior hipoteca legal, como forma de garantir a eficácia de futura e eventual sentença penal condenatória. O bem de família pode ser objeto de penhora para garantir execução de sentença penal condenatória, consoante previsto no artigo 3º, inciso VI, da Lei 8009/90. (TRF-4 - ACR: 702 PR 2005.70.02.000702-4, Relator: Revisor, Data de Julgamento: 10/11/2009, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 18/11/2009)
Assim a medida cautelar requerida ao final, quer se nomine sequestro ou mesmo de arresto, deve
alcançar o montante descrito no item anterior correlato à pena de multa decorrente dos crimes praticados.
25 – Contudo, é necessário ter-se em conta nas infrações penais relacionadas às ganâncias ilícitas32,
isto é, nos delitos econômicos, o móvel da conduta é, a mais das vezes, lucro, aqui também incluída a
32 - Tratando da questão do objeto material no crime de lavagem de dinheiro Blanco Cordero (BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de Blanqueo de Capitales. Tercera Edición. Pamplona: Thomson Reuters/Editorial Aranzadi SA, 2012, p. 251) esclarece: “Se entende mayoritariamente que sí pueden ser objeto del delito de blanqueo de capitales las ganancias obtenidas con la realización del delito prévio (scelere quasita), el precio del delito, y los bienes que genera el delito prévio antes inexistentes” (Em tradução livre: Se entende majoritariamente que podem ser objeto do crime de branqueamento de capitais as ganâncias obtidas com o cometimento do delito prévio, o preço do delito e os bens que foram gerados pelo delito prévio e antes inexistentes)
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minimização de prejuízos.
Daí porque é necessário observar a previsão no preceito secundário de dois dos delitos imputados a
EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA de pena de multa de até três vezes a vantagem ilícita.
Tal previsão parece que se alinha à necessidade de que a criminalidade econômica seja reprimida não
apenas por meio de pena privativa de liberdade, mas também através de penas pecuniárias.
A adoção exclusiva da primeira, a depender da vantagem obtida no delito, faria com que houvesse um
verdadeiro estímulo ao cometimento de certos crimes, na medida em que se poderia operar através de
“laranjas”.33
De outra banda, a adoção apenas da segunda faria com que o crime se resolvesse numa equação de
custos benefícios sempre favorável ao cometimento do delito, em especial diante da restrita capacidade do
Estado de reprimir tais fatos.
A conjugação de sanções cria uma equação econômica desfavorável ao criminoso e, por outro lado, o
intimida com uma sanção que tradicionalmente se voltou aos mais pobres, mas que não tem um único
dispositivo constitucional a consagrar tal segregação às classes mais baixas.
33 - Trata-se da questão da fungibilidade dos instrumentos aventada por Roxin em outro contexto e que permite que se utilize na empresa de variadas pessoas que, substituídas na medida da perda de sua utilidade, possibilitam que a empreitada criminosa prossiga: ROXIN, Claus. “Autoria Mediata por meio do Domínio da Organização”. In: GRECO, Luís; LOBATO, Danilo (Coord.). Temas de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 323-342.
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Alinha-se, pois, a uma concepção que reconhece o homem e, em especial o criminoso do colarinho
branco, como um calculador racional das oportunidades que se lhes oferece a vida e, neste caso, o mercado. 34
Destarte, deve este D. Juízo ter em conta, também, a pena de multa a ser possivelmente aplicada.
26 – É preciso, então, quantificar o montante da vantagem ilícita para que se possa investigar, ainda
que por estimativa, o possível valor da pena de multa.
Colhem-se da denúncia oferecida nos autos do Processo nº 0029174-94.2014.4.02.5101 os seguintes
fatos e os valores recebidos pelo denunciado:
III.1 – DA CONDUTA DELITIVA DE INSIDER TRADING OCORRIDA NO PERÍODO DE 24.5.2013 A 10.6.2013
Em um primeiro intervalo temporal, compreendido entre 24/5/2013 a 10/6/2013, o denunciado EIKE, através de fundo financeiro de sua propriedade35 – Centennial Asset Mining Fund LLC –, alienou 126.650.500 (cento e vinte e seis milhões, seiscentos e cinquenta mil e quinhentas) ações de emissão da empresa OGX, tendo, como contrapartida, recebido o montante de R$ 197.247.497,00 (cento e noventa e sete milhões, duzentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e noventa e sete reais)36, gerando um lucro indevido para si no montante compreendido entre R$ 123.790.497,00 e R$ 126.323.497,0037. [...]
34 - Sobre a necessidade dessa ponderação: POSNER, Richard A. El análisis económico del derecho. México: Fondo de Cultura Económica, 2007. p. 350.
35 De acordo com o termo de declarações do denunciado acostado às fls. 64.36 Fls. 38/39 do Apenso I.37 Fls. 5/6 do Apenso II.
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III.2 – DA CONDUTA DELITIVA DE INSIDER TRADING OCORRIDA NO PERÍODO DE 28.8.2013 A 3.9.2013 E DE 27/8/2013 A 2/9/2013
No período de 28/8/2013 a 3/9/2013, o denunciado EIKE, através do fundo Centennial Asset Mining Fund LLC38, promoveu a venda de 227 milhões de ações de emissão da sociedade anônima OGX, o que lhe rendeu, como contrapartida, a quantia de R$ 111.183.328,00 (cento e onze milhões, cento e oitenta e três mil e trezentos e vinte e oito reais).
Em contexto fático idêntico, porém em lapso temporal diverso – entre 27/8/2013 e 2/9/2013 –, o acionista controlador do grupo econômico EBX, através do referido fundo financeiro, alienou 29.054.100 (vinte e nove milhões, cinquenta e quatro mil e cem) ações de emissão da OSX, cuja celebração do referido negócio jurídico lhe rendeu R$ 24.759.473,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três reais).
As alienações mencionadas, responsáveis por propiciar ao denunciado EIKE o lucro indevido que varia entre R$ 12.528.980,00 e R$ 27.601.685,0039, foram efetivadas após a publicação de fato relevante – ocorrido em 1/7/2013 – em que se noticiou a inviabilidade econômica do desenvolvimento dos campos de “Tubarão Tigre”, “Tubarão Gato” e “Tubarão Areia” com a tecnologia existente à época, o que resultou, inclusive, em uma queda de 25% (vinte e cinco por cento) da cotação da ação da OGX40.
Destarte, em tal peça acusatória os membros do MPF ali atuantes entenderam que a soma dos valores
auferidos nas operações de insider trading ali imputadas seria de R$ 308.430.825,00 (trezentos e oito 38 O referido fundo financeiro era titularizado pelo próprio denunciado, de acordo com o seu termo de declarações
acostado fls. 64.39 Fls. 6 do Apenso II.40De acordo com fls. 73 do Apenso 1, “ao realizar a divulgação do fato relevante de 01.07.2013, a cotação de abertura da ação da Companhia nesse dia foi de R$ 0,58 (cinquenta e oito centavos), quando havia fechado o dia anterior cotada a R$ 0,77 (setenta e sete centavos), em uma queda de aproximadamente 25% (vinte e cinco por cento) com a sua divulgação”.
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milhões, quatrocentos e trinta mil, oitocentos e vinte e cinco reais), porém, o ganho ilícito corresponderia a
R$ 166.454.162,00 (cento e sessenta e seis milhões, quatrocentos e cinquenta e quatro mil, cento e sessenta e
dois centavos).
Na mesma denúncia é imputado o crime de manipulação de mercado relativo à divulgação da cláusula
PUT no valor de US$ 1 bilhão (Um bilhão de dólares)41 entendendo, ato contínuo, que o ganho pelo
descumprimento da citada avença ficaria em R$ 1,5 bilhão (um bilhão e quinhentos mil reais).
No processo 0042650-05.2014.4.02.02.5101 cuja denúncia42 imputa a EIKE FUHRKEN BATISTA DA
SILVA o cometimento, em 19/04/201343, do delito de insider trading (art. 27-D da Lei n. 6.385/76) relativo
à venda por parte do denunciado de um volume de R$ 33.700.460,00 (trinta e três milhões, setecentos mil,
quatrocentos e sessenta reais) de ações de sua propriedade da OSX Construção Naval entendendo como
prejuízo causado neste delito o valor de R$ 70.326.802,80 (setenta milhões, trezentos e vinte e seis mil,
oitocentos e dois reais e oitenta centavos).44
Nota-se, como é evidente, uma diversidade de apreciação da vantagem ilícita nos delitos imputados.
Este membro do MPF como delineou acima, diverge de ambos os critérios adotados.
Ora, se como descreve a denúncia45 do Processo nº 0042650-05.2014.4.02.02.5101 era
terminantemente proibido, com base na Instrução CVM 358/02 - cujo fundamento legal é encontrado nos
41 - fls. 150.42 - Ainda pendente de apreciação.43 - fls. 297.44 - fls. 305.45 - fls. 300.
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artigos 4º e seus incisos, 8º incisos I e III, 18, inciso II, letra “a” e 22, parágrafo 1º, incisos I, V e VI, todos da
Lei n. 6.385/76 e art. 157 da Lei n. 6404/76 – às pessoas ali mencionadas vender ações naquelas
circunstâncias, todo o ganho decorrente de tal negociação é ilícito, pois se trata de negócio que
não poderia ser feito.
Veja-se, por oportuno, acórdão do STJ que considerou que o ganho decorrente de contravenção
cobrado mediante grave ameaça era ganho ilícito de modo a aperfeiçoar o delito de extorsão:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. EXTORSÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. VANTAGEM ECONÔMICA ORIUNDA DE JOGO DE AZAR. ORIGEM ILÍCITA. ART. 50 DO DECRETO-LEI N.º 3.688/41. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULAN.º 07 DO STJ. [...] 2. O valor referente à prêmio pelo acerto dos números da chamada "lotinha", que é um jogo de azar, constitui vantagem indevida, pois se origina da prática da contravenção penal prevista no art. 50 do Decreto-lei n.º 3.688/41. Dessa forma, apresenta-se como escorreita a classificação da conduta perpetrada como extorsão. 3. A pretensão recursal de se aplicar o art. 29, § 1.º, do Código Penal implicaria o reexame do conjunto probatório, que é inviável em sede de recurso especial, consoante o verbete sumular n.º 07 desta Corte. 4. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (STJ: RESP 741.599 / DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe: 19/12/2008)
Desta forma entende este órgão ministerial que o montante da vantagem ilícita auferida
corresponde à soma do que foi recebido por EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA pela venda
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das ações que não poderia realizar. Isto é, R$ 342.131.285,00 (trezentos e quarenta e dois
milhões, cento e trinta e um mil, duzentos e oitenta e cinco reais).
Veja este D. Juízo que não se está nesse ponto cogitando da questão da cláusula PUT, do
descumprimento desta, da veracidade ou falsidade dela, nem muito menos da análise da possível flutuação
provocada no mercado por seu anúncio, o que se fará abaixo.
Também não se está discutindo o prejuízo causado aos investidores, como foi feito por uma das
denúncias aqui mencionadas.
Tais questões demandam análises de outros dados que, ao ver deste órgão ministerial, não foram
trazidas aqui e, portanto, não merecem ser cotejadas agora.
Restringe-se a análise deste órgão ministerial àquilo que corresponde a uma vantagem ilícita por ser
decorrente de crime.
Sendo assim, tomando a pena de multa no patamar máximo previsto na lei, uma vez que nesse
momento processual o que importa é garantir possível eficácia de um provimento jurisdicional condenatório,
o montante a ser considerado para fins de pena de multa é de R$ 1.026.393.855,00 (um
bilhão, vinte e seis milhões, trezentos e noventa e três mil, oitocentos e cinquenta e cinco
reais), três vezes o valor da vantagem ilícita.
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27 – Cumpre então tecer algumas considerações acerca das transferências de bens imóveis a
FLAVIA, THOR e OLIN.
Como já se disse nesses autos, o denunciado EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA prometeu aportar
na empresa OGX 1 bilhão de dólares de seu patrimônio pessoal.
Tal avença é legítima e faz parte dos negócios que envolveram o controlador e a empresa controlada,
pelo que emergiu daí uma obrigação para o primeiro.
Contudo, quando o agente faz a divulgação de tal cláusula - e aqui devemos separar a cláusula em si
mesma, que obriga o controlador, de sua divulgação – movido pela intenção de estimular a subida da cotação
das ações de sua empresa, tal fato foi bem caracterizado pela denúncia como manipulação de mercado.
É dizer, não é a cláusula em si mesma, decorrente de um contrato, que é ilícita, o que se faz contrário
ao ordenamento jurídico é a divulgação parcial de fatos, isto é, a divulgação exclusiva da promessa de aportar
aqueles valores com a posterior utilização de expedientes para descumprir tal avença.
Dito de outro modo, o descumprimento da Cláusula PUT quando instado pela empresa, sob o pretexto
de mudança no plano de negócios e dentro do contexto de um delito de Manipulação de Mercado anterior
induzem a ocorrência de uma vantagem indevida na justa proporção da citada cláusula, posto que ela
representava um gravame sobre seu patrimônio.
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Assim, o expediente fraudulento de alegar mudança no plano de negócios, quando o requerido era o
controlador das duas empresas envolvidas na questão (OSX e OGX), representou para o requerido uma
vantagem ilícita correspondente ao montante da desoneração.
Note esta E. Turma que, ainda que tenha a OGX exercido a PUT em patamar inferior a esse US$ 1
bilhão, o correspondente econômico ao que não foi aportado é uma vantagem econômica ilícita.
28 – Como é intuitivo a PUT seria honrada através de bens de seu patrimônio pessoal, que
embora anterior ao cometimento do crime, passou a estar gravado pela promessa de aporte no montante de
1 bilhão de dólares.
Destarte, ao descumprir a avença de modo fraudulento e no contexto do crime de manipulação de
mercado por divulgação parcial do contrato relacionado à PUT, aquela parte de seu patrimônio
correspondente à tal cláusula passa a se constituir em vantagem indevida e decorrente do crime, de maneira
similar ao ganho ilícito de uma sonegação.
Neste sentido:
O empresário, por meio de artifício (comprando nota fria, por exemplo) realiza caixa 2, obviamente que está proporcionando acréscimo ilícito em seu patrimônio. A despesa, quando fictícia, redunda num ganho de capital ilícito. Também na hipótese de apropriação do imposto de renda retido na fonte por quem tem obrigação legal de recolhe-lo aos cofres públicos [...] (DIAS, José Carlos. Lavagem de Dinheiro no Contexto dos Crimes Contra a Ordem
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Tributária. Rio de Janeiro: Repertório IOB de Jurisprudência, 1999. p. 280)
Quando então, em ato contínuo ao crime praticado passa o requerido a abrir espaço para a ocorrência
de uma lavagem de dinheiro, pois aquela desoneração corresponderia a uma vantagem ilícita decorrente do
crime e a ocultação posterior o branqueamento.
Sobre o tema do objeto material no delito de lavagem de dinheiro Blanco Cordero assim discorre
sobre o termo "bens" previsto no Código Penal Espanhol:
Se refiere el art. 301 CP a los «bienes» como objeto de la acción. [...] En general, se ha de interpretar el término bienes como comprensivo tanto los muebles como los inmuebles, los materiales los inmateriales, derechos o valores así como los créditos, en definitiva, como cualquier activo que tenga valoración económica, en definitivo, cualquier ventaja económica que pueda ser incorporada al patrimonio. (BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de Blanqueo de Capitales. Tercera Edición. Pamplona: Thomson Reuters/Editorial Aranzadi SA, 2012, p. 248)46
Destarte encontra-se justificada a incidência da medida cautelar prevista no art. 4º da
Lei n. 9.613/98 para o resguardo daqueles bens imóveis transferidos pelo requerido EIKE FUHRKEN
BATISTA DA SILVA no contexto de uma verdadeira ocultação em nome de seus filhos, ficando tais imóveis, 46 - Em tradução livre: Se refere o art. 301 CP aos "bens" como o objeto da ação. [...] Em geral, tem que se interpretar
o termo como a abranger os bens móveis e imóveis, materiais e imateriais, direitos ou valores, assim como os créditos, em última instância, como qualquer ativo que tenha valor econômico, qualquer vantagem econômica que possa ser incorporada ao patrimônio.
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em tese, a salvo de qualquer repercussão do que se passe no processo criminal.
29 – Ressalte-se que todas as alegações em torno da destinação dos valores obtidos a partir dos
crimes de Insider Trading para pagamento de dívidas, e mesmo a desoneração da PUT no bojo do processo
de recuperação judicial é de todo irrelevante.
Quanto à destinação dos valores do crime de insider porque o legislador não atribuiu valoração a
tal destinação. Aliás, apenas para que se argumente, aceitar tal alegação, como já dito acima, é sobrepor o
contrato à lei. E, além disso, é admitir que se possa cometer um crime para que se possa destinar o valor ao
pagamento de uma dívida ou a qualquer finalidade altruísta.47
Quanto à desoneração, é de se ver que o acordo no processo de recuperação judicial,
com a noticiada reestruturação societária que fez surgir uma nova empresa, não tem
qualquer repercussão aqui. Porque não se está mais diante da OGX, antiga credora da PUT,
mas Óleo e Gás Participações S/A pessoa constituída por meio de acordo do apelado com
seus credores.
30 - Em todo quadro desenhado cuidadosamente por EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA por meio
de seus delitos há um grande grupo de prejudicados, os acionistas minoritários.
Sócios que perderam dinheiro quando da diminuição do valor da companhia e que desprotegidos pela
47 - Se tal alegação tivesse alguma guarida seria no âmbito do art. 24 CP (Estado de Necessidade), porém, no Brasil tal excludente de ilicitude jamais teria o condão de possibilitar o sacrifício do interesse coletivo em benefício da empresa (interesse individual).
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falta das informações privilegiadas manejadas pelo apelado viram sua participação ser pulverizada dentro
do processo de reestruturação ocorrido no processo de recuperação judicial.
Por tudo isso é necessário acautelar tais bens de modo que, comprovado o delito de lavagem se possa
destinar tais valores à reparação do dano e ao pagamento das penas pecuniárias como consta da própria Lei
n. 9.613/98:
Art. 4º. [...] § 2o O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Diante de tal quadro é de se reiterar os termos dos pedidos constantes nas cautelares de número
0042674-33.2014.4.02.5101 e 029175-79.2014.4.02.5101 (2014.51.01.029175-9), esta segunda conforme
cópia que acompanha a presente, se faz necessário o sequestro exclusivamente dos imóveis indicados e
transferidos por EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA a FLÁVIA SOARES SAMPAIO, THOR DE OLIVEIRA
SANTOS e OLIN DE OLIVEIRA BATISTA.
Por todo o exposto, vem o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL REQUERER A REFORMA DA
DECISÃO RECORRIDA PARA DETERMINAR:
a) O sequestro cautelar de bens imóveis e móveis, incluídos valores mobiliários e
quaisquer ativos financeiros, de EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA até o
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montante de R$ 1.026.393.855,00 (um bilhão, vinte e seis milhões,
trezentos e noventa e três mil, oitocentos e cinquenta e cinco reais)
visando resguardar o pagamento futuro da pena de multa;
b) Do sequestro cautelar previsto no art. 4º da Lei n. 9.613/98 em relação aos bens
doados/transferidos/cedidos pelo requerido EIKE FUHRKEN BATISTA DA SILVA a
FLÁVIA SOARES SAMPAIO, THOR DE OLIVEIRA SANTOS e OLIN DE OLIVEIRA
BATISTA;
Rio de Janeiro, 22 de junho de 2015
JOSÉ MARIA PANOEIROProcurador da República