148
100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn McluhaN MCLUHAN MCLUHAN MCLUHAN JANARA SOUSA, JOÃO CURVELLO E PEDRO RUSSI (ORGANIZADORES)

100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

  • Upload
    vominh

  • View
    233

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

100 ANOS DE

mcLuHanmcluhAnMcluhaNMCLUHAN MCLUHANMCLUHAN

JANARA SOUSA, JOÃO CURVELLO E PEDRO RUSSI (ORGANIZADORES)

Page 2: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

© 2012, Brasília: Casa das MusasProjeto gráfico e diagramação

Rodrigo Farhat

i

100 anos de McLuhan

Este livro é resultado do debate realizado durante o “Seminário Internacional 100 anos de McLuhan”, financiado pela Capes e pelo Decanato de Pós-Graduação, da Universidade de Brasília (UnB).

O evento, ocorrido nos dias 10 e 11 de novembro de 2011 e organizado pela linha de pesquisaTeorias e Tecnologias da Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Co-

municação da UnB, também teve apoio da Universidade Católica de Brasília.

C394 100 anos de McLuhan / organizadores Janara Sousa, João Curvello, Pedro Russi – Brasília, DF: Casa das Musas, 2012.

148 p. ISBN 978-85-98205-80-9

1. Comunicação – pesquisa. 2. Meios de comunicação - estudos. 3. Meio e Mensagem. 4. Transformações sociais. I. Sousa, Janara (Org.), II. Curvello, João (Org.), Russi, Pedro (Org.).

316.77 - CDU

Ficha elaborada pela bibliotecária Paloma Guimarães Correa de Oliveira CRB1/1774

Page 3: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

INTRODUÇÃO

O “conteúdo” de um meio é como a “bola” de carne que o assaltante leva consigo para distrair o cão de guarda da mente. O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu “conteúdo” é um outro meio (MCLUHAN, 1964, p. 33)

Page 4: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

O “meio é mensagem” é certamente um dos aforismos mais co-nhecidos do autor canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980). Para além do jogo de palavras e da evidente provo-cação, essa afirmação, que também foi título de uma das suas principais obras, trazia um conteúdo completamente novo e di-ferente para a pesquisa em Comunicação; outra forma de enten-der (significar) o mundo relacionada aos processos e dinâmicas anteriores, não como uma episteme do tipo “ponto zero” que desconhece todo o anterior, senão, muito pelo contrário. Assim, pode-se compreender que o destaque para a importância do ca-nal no processo de comunicação desperta a pesquisa na área do período marcado pelos estudos dos efeitos globais e do conteú-do e acusa a tecnologia de ser responsável por efeitos muito mais peremptórios e revolucionários do que qualquer conteúdo que a primeira página de um jornal ou as notícias de última hora de um canal de televisão poderia trazer.

O estudo dos meios de comunicação marcava também uma ruptura na forma de ver a tecnologia, fato que já estava sendo pautado em outras áreas. O meio não era neutro, nem um mero instrumento, nem somente o transmissor. O meio é o conteúdo porque cada canal criava um “novo” ambiente diferente do an-terior que demandava esforços diferentes, organização social diferente, respostas diferentes e outras interações entre os ór-gãos dos sentidos. Para McLuhan, o estudo dos meios de comu-nicação poderia trazer a luz essa mensagem que consistia nas transformações sociais muito mais profundas que as transfor-mações que os conteúdos transmitidos poderiam causar.

A pesquisa em Comunicação não passou incólume pela obra de McLuhan. A década de 60 foi marcada pela polêmica e admira-ção que o pensamento desse autor causou. Porém, vale desta-car: polêmicas lamentavelmente contaminadas por dicotomias (favor/contra; certo/errado; integrado/apocalíptico; esquer-da/direita e assim por diante), favorecendo uma defesa da posi-ção política defendida, em detrimento do conhecimento apro-fundado, do conteúdo apresentado pelo autor canadense.

Ao ser traduzido em diversos idiomas, McLuhan conquistou a façanha de em pouco tempo ser conhecido, citado, amado e odiado. O contexto social e político eram conturbados. Se por um lado, para uma parte do mundo pairava o medo da corrida armamentista, da Guerra Fria e quem sabe até de uma nova guer-ra mundial; por outro, a América Latina, por exemplo, além des-sas questões, sofria com ditaduras militares sangrentas e voltava o foco da sua pesquisa para as questões políticas-práticas.

A recepção da obra de McLuhan no Brasil também não foi diferente. No final da década de 60 e até o início dos anos 70, três das principais obras de McLuhan já haviam sido traduzi-das para o português: “Os Meios de Comunicação como Ex-tensões do Homem”, “O Meio é a Mensagem” e “A Galáxia de Gutenberg”. Embora o momento político conduzisse para o debate das políticas da Comunicação, a rápida tradução do pensamento de McLuhan revela que as questões sobre a tec-nologia e os meios de comunicação também reverberavam no ambiente intelectual e acadêmico brasileiro.

3

Page 5: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Como em outros países do mundo, a obra de McLuhan provo-cou dicotomia no Brasil. Por um lado, admirado e até diciona-rizado, por outro tido como o ingênuo capaz de, num momen-to político tão delicado para o mundo, voltar seu foco para o debate sobre a tecnologia. O fato é que, embora houvesse dico-tomia, era impossível não mencionar o pensamento instigante e provocador de McLuhan.

As décadas que se seguiram foram de abertura democrática para o Brasil e para América Latina, abertura de perspectivas para a pesquisa em Comunicação e fortalecimento dessa pes-quisa evidenciado pelo aumento dos cursos de graduação e pós-graduação. Esse momento marcou também um longo si-lêncio com relação à obra de McLuhan. Menos citado e mais esquecido, o autor se tornou o capítulo perdido, o pensamen-to exótico. Alguém para o qual não valia o esforço de olhar ou entender, os resultados já estavam definidos e os fatores deter-minados, i.e., alea jacta est.

Mas, é aproximadamente no final dos anos 90, tanto no Bra-sil quanto em diversos países do mundo, que o pensamento mcluhaniano passa a ser outra vez relembrado, revisitado e celebrado. O fenômeno da rede mundial de computadores pode ter sido o estopim para que o papel do meio de comuni-cação fosse outra vez revisto no processo comunicacional. As evidências das profundas transformações que esse novo ca-nal causou fizeram com que os pesquisadores da área da Co-municação se voltassem outra vez para obra do “Sábio de

Aquários”, como McLuhan foi jocosamente apelidado, para buscar chaves de compreensão.

As comemorações do centenário de McLuhan, no ano de 2011, deixaram claras as provas do respeito e da importân-cia seminal do pensamento do autor para a pesquisa em Co-municação e de que nem tudo estava tão claro como foi pre-tendido, dessa forma, a sorte não estava lançada. Diversos países do mundo programaram eventos para celebrar o ani-versário do autor, aprofundar o debate sobre sua obra e, cla-ro, construir mais material de estudos sobre o tema. O reco-nhecimento da obra do teórico, desde a popularização da Internet, torna evidente a capacidade desse pensamento dis-tinto e peculiar de resistir ao tempo e continuar podendo explicar fenômenos que acontecem tempos depois da morte desse destacado pensador.

Este livro é resultado das apresentações que aconteceram duran-te o “Seminário Internacional 100 Anos de McLuhan”, nos dias 10 e 11 de novembro, na Faculdade de Comunicação – FAC, da Universidade de Brasília – UnB. O Seminário, organizado pela linha de pesquisa Teorias e Tecnologias da Comunicação, do Pro-grama de Pós-Graduação da FAC/UnB, teve como objetivo parti-cipar dos eventos de comemoração à obra desse autor e aquecer o debate sobre o papel dos meios de comunicação.

Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo Co-mitê Científico do evento para participar do debate e escrever artigos para coroar e eternizar o Seminário com esta publica-

4

Page 6: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ção. Os 10 artigos aqui presentes, seguramente, traduzem a ri-queza dos dois dias de debate travados entre os autores e os alunos de graduação e pós-graduação, professores, jornalistas e outros tanto que participaram do Seminário.

Esta publicação está divida em três partes que agrupam os tex-tos conforme a leitura da obra de McLuhan que eles foram tra-zendo. A primeira parte – fundamentos – traz reflexões sobre aspectos e/ou conceitos da obra do autor e mergulham pro-fundamente nesse debate. Neste sentido, o escrutínio e análise da obra do autor foi o foco principal destes trabalhos. As ou-tras duas partes – Aproximações I e II – nos trazem leituras de fenômenos ou de conceitos a partir do aporte teórico construí-do por McLuhan. Esses artigos buscam aproximar, discutir e comparar aspectos do pensamento mcluhaniano com outros autores, temas e conceitos.

Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos alunos da graduação e pós-graduação da FAC, especialmente, os que compuseram o Comitê Científico e Organizador e tornaram possível a realização desse evento. Agradecemos também o apoio e os recursos de suma importância concedidos pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Faculdade de Comunicação, Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação, da UnB, e Universidade Católica de Brasília – UCB. Reservamos também um agradecimento especial à Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES que con-tribui com os recursos para realização do Seminário e desta

publicação. Finalmente, gostaríamos de agradecer a todos que participaram do “Seminário Internacional 100 Anos de McLuhan” e tornaram possível o debate e a celebração do pensamento de Herbert Marshall McLuhan.

JANARA SOUSA, JOÃO JOSÉ CURVELLO E PEDRO RUSSI

BRASÍLIA, 2012

5

Page 7: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

PARTE 1

FUNDAMENTOS

McLuhan en el espacio acústicoJESÚS O. ELIZONDO MARTÍNEZ

Contribuição de McLuhan para uma visão de mundo global e inclusivaIRENE MACHADO

Explorations e Probes (Encontrando McLuhan)A. R. TRINTA

McLuhan e as extensõesRODRIGO MIRANDA BARBOSA

Page 8: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan en el espacio acústico

ResumenEste trabajo expone los resultados de una investigación acerca del con-cepto ‘espacio’ en la obra de H. Marshall McLuhan a cien años de su natalicio. Creemos que este es un concepto clave que nos permite en-tender su obra desde una perspectiva innovadora, especialmente atrac-tiva para artistas y desarrolladores de tecnologías locativas. Discutire-mos acerca de la forma en que un proyecto artístico desarrollado en el espacio abierto (acústico) ayuda a la orientación espacial en contextos dramáticos de supervivencia. Observaremos los efectos de las tecnolo-gías locativas en la creación de nuevas prácticas contraculturales en el contexto de la frontera México-Estados Unidos. Nos referimos específi-camente al caso de la Herramienta del Inmigrante Transfronterizo de-sarrollada por el profesor y artista Ricardo Domínguez.

Palabras claveespacio, frontera, arte público, medios locativos, medios móviles, GPS, TransborderImmigantToo

7

JESÚS O. ELIZONDO MARTÍNEZ

UNIVERSIDAD AUTÓNOMA METROPOLITANA, CUAJIMALPA, MÉXICO

MCLUHAN FELLOW, UNIVERSIDAD DE TORONTO, CANADÁ

[email protected]

Page 9: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan, teórico del espacio

Uno de los acercamientos más innovadores y coherentes pro-puestos recientemente en el estudio de la obra de Herbert Mar-shall McLuhan (1911- 1980) tiene que ver con el concepto de espacio. Este concepto aparece en el pensamiento de McLuhan desde el comienzo de su trabajo y evoluciona a la par que su obra se amplía en temas y complejidad, superando los límites naturales de la literatura, por un lado y la teoría de la comunicación, por el otro. El concepto establece un puente entre la teoría del espacio visual, el cual caracteriza la primera etapa de su investigación y la teoría del espacio aural (audio-táctil) de su última fase. Representa una de las contribuciones menos analizadas, aún cuando se encuentra entre los aspectos más reveladores del trabajo del erudito canadiense.

Nuestro punto de partida es la hipótesis de que el espacio es la categoría conceptual más consistente en el trabajo de McLuhan, y que ese espacio es la noción que enlaza una mul-tiplicidad de elementos propuestos a lo largo de su pensami-ento. El interés inicial de McLuhan por el alfabeto -concebi-do como una tecnología que entre otros efectos, tuvo el de haber transformado la concepción de espacio- fue comple-mentado por el hallazgo de la idea de espacio abierto – como en arquitectura- y espacio acústico –como lo usan los invi-dentes- así como por los conceptos de tendencias o sesgos es-paciales y temporales propuestos por Innis para el estudio

de los medios de comunicación. Esto deja ver el interés que el canadiense mostró por los problemas espaciales - manifes-tado inclusive durante eventos traumáticos de su vida- y en su carrera intelectual. En cuanto a la naturaleza del espacio acústico en particular, es esencial entender que estamos tra-tando aquí con un concepto híbrido, resultado de lo oral y literario –modos de ser alfabéticas-, y de que la noción es más material que abstracta. Esta visión materialista es resul-tado de la influencia de Innis. No obstante, veremos una se-paración entre las dos, originada desde la naturaleza misma de la relación entre espacio y tiempo. Sin embargo, si consi-deramos a McLuhan un ‘teórico del espacio’, como lo hace Cavell (2003, 4), puede ser éste un enfoque innovador, inven-tivo, pero sobre todo creativo. Desde que McLuhan descu-briera las ideas de SiegfriedGiedion sobre arquitectura: el es-pacio abierto y cerrado, asumiría que el espacio visual era sólo una de las múltiples formas del espacio (Cavell); tal es el caso de la experiencia sensorial que una persona invidente experimenta en espacios abiertos. Tomando como ejemplo éste caso, McLuhan desarrollaría más tarde el concepto del espacio acústico. Y es que había encontrado al fin la forma de incorporar el tiempo en un modo relacional, dentro de la configuración espacial a través de las dinámicas de lo acústi-co. Si el espacio es considerado como ‘el mundo creado por el sonido’, entonces tenemos que estar conscientes de que sus características serán totalmente diferentes de aquellas del espacio visual. Este espacio no tendrá límites fijos o cen-tro, ni un limitado sentido de la orientación. Además, estará

8

Page 10: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

más eficientemente conectada al sistema nervioso central que cualquier otro elemento visual: la imagen nunca es tan fuerte como lo es la sensación espacial directa.

En una segunda etapa de este trabajo discutiremos acerca de la forma en que un proyecto artístico desarrollado en el espa-cio abierto - territorio y mapa - ayuda a la orientación espaci-al en contextos dramáticos de supervivencia. Abundaremos en el estudio de los efectos que las tecnologías locativas tie-nen en la construcción de nuevas concepciones culturales en el contexto de la frontera México- Estados Unidos. Nos referi-mos específicamente al caso de la llamada Herramienta para el Inmigrante Transfronterizo (TransborderImmigrantTool) desa-rrollada por el profesor y artista Ricardo Domínguez. El pro-fesor Domínguez y su equipo en la Universidad de Califor-nia en San Diego, había venido trabajando sobre la idea de orientación en el territorio. Domínguez había encontrado ins-piración en el proyecto llamado ExcursionistaVirtual (Virtual Hiker) de BrettStalbaum. El Excursionista Virtual es un apa-rato basado en tecnología GPS que lee el portátil del ta-maño de una reloj de pulsera, que “lee” el terreno para lue-go proponer una ruta a seguir sobre la topografía de la zona en cuestión. Con esto en mente Domínguez se pregun-tó si podría adaptar esta herramienta basada en el GPS para ayudar a los migrantes a cruzar la frontera México- Es-tados Unidos. Así las cosas, desarrollo su propia versión. La herramienta debía ser lo más sencilla posible como para po-der ser usada por cualquier tipo de usuario (letrado o no, ha-

blante de la lengua ingles a o no). La interface fue diseñada de tal manera que se parece a una brújula y en la manera en que despliega la información en su pantalla es más pictórica o icónica que textual. La herramienta también funciona como detector de zonas de peligro (o elemento localizador), ya que se activa - vibra - cuando el usuario se acerca a pozos de agua o carreteras. La orientación es ciertamente un proble-ma real para los sujetos en la frontera entre dos países, lugar donde las autoridades llevan a cabo un monitoreo constante de los movimientos y conductas de los individuos. La herra-mienta para Inmigrantes trans-fronterizos deja ver algo im-portante: que conocer la propia ubicación dentro del espacio es de vital importancia, y también subraya la relevancia de la elaboración de un mapa mental de la propia ubicación y la ruta a seguir. Mientras Domínguez y su equipo definen y de-fienden el proyecto como una la herramienta de carácter hu-manitario que ayuda a salvar vidas, no es de sorprenderse que la extrema derecha norteamericana lo haya interpretado como una declaración de guerra y ha tomado acciones con-tra él. Así las cosas su nombre saltó a los medios de comuni-cación cuando fuera nombrado como una de las personas más interesantes en 2009 por la cadena de noticias CNN. Él no sólo ha tenido que enfrentar la amenaza de un juicio le-gal, sino que también ha sido víctima de amenazas contra su vida, como resultado del proyecto. Más adelante volveremos sobre este tema.

9

Page 11: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Sobre el rigor de la ciencia, la geografía y la cartografía

El cuento de Jorge Luis Borges, Sobre el rigor de la ciencia, cuen-ta la historia de un mapa increíblemente detallado y de ta-maño real que “eventualmente se rasgó en jirones a lo largo de todo del territorio que cubría”. Corner – especialista en car-tografía –, dice al respecto que esta historia es citada frecuente-mente en ensayos científicos, de cartografía y mapeo. El cuen-to no solamente captura bellamente la imaginación cartográfi-ca, sino que va hasta el corazón de la tensión que se establece entre realidad y representación. Esta premisa deja ver otro punto que Corner declara muy claramente en su ensayo El quehacer de la Cartografía: “La realidad, entonces, en concep-tos tales como ‘paisaje’ o ‘espacio’, no es algo externo y ‘dado’ para nuestra comprensión; más bien está constituido, o ‘formado’, a través de nuestra participación con cosas: obje-tos materiales, imágenes, valores, códigos culturales, luga-res, esquemas cognitivos, eventos o mapas.” (Corner). Esta cosa que ha sido “formada” constituyen el mapeo y la carto-grafía. Desde el punto de vista de los Estudios culturales po-demos decir que estamos ante nuevas relaciones entre cultu-ras y tecnologías; entre el concepto de lo nacional y lo trans-nacional, territorios y migraciones. Este nuevo contexto de-manda un nuevo acercamiento a nuevos fenómenos; son ne-cesarias nuevas herramientas para pensar nuevos proble-mas. A menudo el problema de la migración aparece en de dis-cusiones políticas, económicas y artísticas. Como Canclini (2009) lo expresa “es difícil de explicar lo que está pasando

con migraciones o con naciones, sin tomar en cuenta los proce-sos culturales”. Ciencia, tecnologías, territorios, mapas, arte, gente: Vivimos en medio de tensiones entre la concepción ter-ritorial de nación y otros conceptos de nación que no son ya territoriales. ¿Dónde están los nuevos límites? ¿Existe alguno entre arte y política? Por ejemplo, ¿cómo emergen estas tensio-nes cuando se hace arte (Augmentedreality) y la aplicación de la ley? Éstas son algunas de las preguntas que nos interesan.

10

Page 12: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Del espacio visual al espacio acústico

Uno de los acercamientos más innovadores y coherentes para examinar los trabajos de McLuhan tiene que ver con el estudio del espacio. Este concepto aparece desde el principio en el pen-samiento de McLuhan y evoluciona a lo largo de su trabajo in-cluso cuando crece hacia cuestiones más amplias y más comple-jas; más allá de los límites naturales de la literatura por un lado, y la teoría de la comunicación por el otro. Este concepto propor-ciona un puente entre la teoría de lo visual – característica del primer período – y el espacio auditivo del último período. Es también uno de los conceptos menos explorados y uno de los más enriquecedores.

Tanto McLuhan mismo como su trabajo académico han sido es-tudiados y criticados desde muchas perspectivas, pero sólo al-gunos han puesto énfasis en la importancia que la noción del espacio ha tenido en la totalidad de su trabajo. Lo atractivo acer-ca de la idea del “espacio acústico” es que describe un espacio abierto y por lo tanto, permite discutir la cuestión de la medi-ción y el movimiento a través de “espacio-tiempo” y la veloci-dad. La noción del espacio acústico desarrollada por McLuhan se deriva de la descripción del “espacio auditivo” de la psicolo-gía conductista de E. A. Bott en la Universidad de Toronto. La idea de Bott dibuja en un espacio auditivo que no tiene centro o márgenes, de manera similar a cuando escuchamos sonidos que provienen de todas direcciones al mismo tiempo. Esta idea atrajo la atención de McLuhan inmediatamente, quien ya esta-

ba trabajando con las ideas de SigfriedGiedion sobre el tema. Como veremos más adelante, McLuhan desarrollará primero la idea de “espacio auditivo” hasta conformar la noción de “espa-cio acústico”, con el fin de hacer su naturaleza abstracta más “dramática”, tal como Theall (2002) lo sugiere.

McLuhan in Space A cultural Geographyes el título del libro escri-to por Richard Cavell (2003). En él Cavell plantea la hipótesis de que el espacio es la categoría conceptual más consistente a lo largo de todo el trabajo de McLuhan, y que es la noción que entrelaza una multiplicidad de elementos a lo largo de toda su obra. Nosotros estamos de acuerdo con esta idea y la usa-mos en este trabajo como premisa básica. Para comenzar la búsqueda de los orígenes de esta idea debemos echar un vista-zo al influente libro del escritor, artista y crítico cultural Wyndham Lewis Time and Western Man (1927). Cabe mencio-nar aquí que el pensamiento de Lewis estaba alejado de la filo-sofía analítica de la época con Alfred N. Whitehead y Ber-trand Russell la cabeza, así como del pragmatismo psicologis-ta de William James. Durante sus estudios de posgrado, McLuhan conoció las ideas post einsteinianas acerca del espa-cio, el tiempo y la energía, que comenzaban a revolucionar toda la disciplina de la física moderna. También se familiarizó con el trabajo del historiador y arquitecto Suizo SiegfriedGie-dion, particularmente con el concepto de “espacio cerrado” (citado en Elizondo, 2009). El entusiasmo por estos estudios se vio reforzado con la lectura de la obra de Harold A. In-nis, quien impulsó la idea de “tendencias” o sesgos tanto

11

Page 13: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

espaciales como temporales en los medios de comunicación atrayendo así, la atención de McLuhan al campo del trans-porte y las tecnologías de comunicación.

Cavell sugiere que se llevó a cabo algún tipo de colaboración entre McLuhan y Edmund Carpenter -quien entonces estudia-ba el sentido de espacio en comunidades Inuit de Canadá-. Theall señala la importancia de esta colaboración para las ar-tes, poesía, geometría y física: “Carpenter contribuyó con las con-cepciones que los indígenas Inuit, tenían sobre el espacio acústico; McLuhan elaboró su visión sobre la relación de las artes contempo-ráneas y la poesía, con la geometría cuatri-dimensional y la nueva física.” (Theall, 2002). Creemos que la colaboración con Car-penter fue esencial para McLuhan pues lo puso en contacto con grupos indígenas y su modo de vida—en donde el espa-cio acústico adquiere una dimensión esencial— y detonó la vi-sión idealizada de la vida (oral) tribal, que se convirtió en una referencia constante en toda su obra.

Sobre la naturaleza del espacio acústico, Cavell enfatiza que se trata de un concepto híbrido entre los modos orales y letra-dos —o literarios—, y que es una noción más material que abs-tracta (Cavell, 2002, xiv). Este argumento difiere de la percep-ción general que eruditos tienen sobre este tema. El materialis-ta punto de vista de Cavell se debe a la influencia de Harold A. Innis. De cualquier modo, una ruptura entre los dos emer-ge debido a las diferencias en la naturaleza de espacio-tiem-po. Incluso así, tratando las obras de McLuhan y considerán-

dolo como un “teórico del espacio” como lo hace Cavell (Ca-vell, 2003, 4), provee un acercamiento fresco y especialmente creativo, dado por el hecho de que el trabajo de McLuhan ha sido estudiado casi exclusivamente dentro del marco de las ciencias de la comunicación y los medios electrónicos, muy le-jos del campo propio de la geografía. El interés inicial de McLuhan en el efecto del alfabeto como tecnología que transformó el concepto de espacio, vino a ser complementa-do con el descubrimiento de la noción de espacio acústico. Además, los conceptos de sesgos o tendencias a lo espacial o temporal expuestas por Innis, nos deja ver el amplio inte-rés de McLuhan por los problemas del espacio en particu-lar. Cavell dice

“la evolución de estos intereses hacia una preocupación más amplia por la ‘espacialización’ es coherente con la trayectoria total de su carrera intelectual, así como con las más amplias corrientes cultura-les de su tiempo” (Cavell, 2003, 4).

En el campo de la literatura, McLuhan puntualizó que el movimiento modernista representaba la transición desde una cultura orientada por lo visual y la palabra escrita, ha-cia una cultura electrónica con una tendencia a lo acústico. De manera similar, el Renacimiento fue el paso de transi-ción entre la palabra hablada característica de la sociedades tribales, al nacimiento de una cultura alfabetizada en la que el ojo sería llamado a dominar. Ahí hay una tendencia a enfatizar la simultaneidad en textos lineales, como en las

12

Page 14: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

obras de James Joyce (Ulysses, 1992, Finnegan’s Wake, 1939) y Stéphane Mallarmé (Un coup de désjamaisn'abolira le ha-sard, 1897). Estos autores y sus escritos son una referencia constante en el trabajo de McLuhan.

De acuerdo a Cavell, McLuhan tuvo una “revelación” cuando entró en contacto con las ideas de Gideon en arquitectura, es-pacio abierto y el espacio cerrado. Después de esto, asumió que el espacio visual es sólo una forma de espacio. Por lo tanto, la experiencia sensorial experimentada por una persona inviden-te en espacios abiertos, como por ejemplo en estadios, es una en la que un espacio auditorio no tiene límites físicos y es ade-más, multi-lineal. Desde esta idea, McLuhan desarrollará el concepto de espacio acústico. Este concepto será después ajus-tado en La Aldea Global al concepto de espacio audio-táctil. Si observamos el espacio como “el mundo creado por el soni-do”, entonces debe estar claro que sus características son completamente diferentes al espacio visual. Carece de lími-tes fijos, no hay centro y hay un muy limitado sentido de di-rección. Adicionalmente, el espacio visual está más directa-mente conectado con el sistema nervioso central que cual-quier otro estímulo visual: la imagen no es tan poderosa como la directa sensación espacial. Cuando en el contexto de las tecnologías electrónicas McLuhan dice que la fuerza audi-tiva aniquila el espacio, en realidad se está refiriendo al espa-cio visual. Esta perspectiva se aproxima a la concepción post einsteniana del espacio-tiempo (donde ambas colapsan). Para Cavell, la obra de McLuhan Comprendiendo a los Medios,

es la afirmación de que tiempo y espacio desaparecen en la era electrónica de información instantánea. Así, “el espacio acústico encapsula al tiempo en una dinámica de flujo cons-tante” (Cavell, 2003, 22).

Ambos McLuhan e Innis fueron críticos de la modernidad y para sostener esta crítica inventaron una versión particular de teoría crítica con un fuerte rasgo canadiense: la fusión de la política económica y algunos de los críticos racionales de la Escuela de Frankfurt. McLuhan, sin embargo, no abogó por el retorno de valores de la palabra hablada / temporalidad como Innis hubiese deseado. Al contrario, trató de difundir la idea Inniana de que la característica de la sociedad contempo-ránea es el espacio; se trata entonces de reconfigurar el espa-cio (visual) en términos de lo acústico, el cual es el efecto de la tecnología electrónica en la cultura visual. De hecho, Cavell cita un enunciado de Comprendiendo los Medios donde McLuhan dice que el efecto de la tecnología contemporánea es dejarnos sin habla, mudos (Cavell, 2003, 25).

La crítica marxista a la teoría del espacio resalta el argumento de que el estudio del espacio deja el concepto de tiempo —que organiza el trabajo humano— en segundo plano, McLuhan estaría entonces, superponiendo el entorno material a la evolución histórica.Este énfasis en el entorno material (es-pacial) es lo esencial para la producción social y cultural con-temporáneas (Cavell, 2003, 24). El entorno no es otra cosa más que el contexto creado por los medios electrónicos que aparen-

13

Page 15: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

temente no percibimos. Parece que McLuhan fue criticado por-que su idea de espacio puede sonar estática, y sólo el trabajo, el dinero y la acción social pueden ser procesos dinámicos. Pe-ro esta crítica [argumenta Cavell] revela que la naturaleza di-námica del espacio planteada por McLuhan no ha sido com-prendida adecuadamente. “Era espacio visual, por consiguiente, lo que McLuhan criticaba. Era el espacio visual el que era estático, no per se el espacial (…) él se vio a sí mismo trabajando dentro de las tendencias espaciales, pero en contra del espacio visu-al.” (Cavell, 2003, 26). McLuhan desarrolló su crítica desde las cualidades espaciales del sonido; un espacio que incorpora lo temporal como una de sus dimensiones. Para él, la Aldea glo-bal estaba constituida por una paradoja fundamental; está situada en una dinámica simultánea y en un lugar espacial, lo que implica concebir un concepto cosificado y situado en un espacio y tiempo. De este modo, si el espacio en la Moder-nidad era sincrónico, en el Post-Modernismo el espacio es dia-crónico, debido a que que la yuxtaposición de historias será su característica principal. A partir de aquí podemos decir que la Naturaleza pasa a pertenecer a la Cultura, por el que ya no es posible hablar de ambas nociones como fenómenos separa-dos. Ésta será la dinámica característica de la Aldea global. McLuhan buscó analizar no sólo la forma en que la sociedad produce espacios sino también cómo las tecnologías espacia-les producen a la sociedad misma.

Arte, el artista y el territorio

Si la pregunta básica que McLuhan hizo fue "¿Qué efectos tiene cualquier medio, como tal, en nuestra vida sensorial?" (Nevitt, 1995, 143), la respuesta se encuentra en los cambios que se generan en la percepción del espacio y en la idea de que el espacio es el medio en el que la comunicación se realiza. Las relaciones espaciales son más que simplemente relaciones perceptuales entre objetos pues además implican la noción de perspectiva. McLuhan afirma que los efectos de la tecnología no se producen a un nivel de opiniones o conceptos, sino que modifican las relaciones de sentido o patrones de percepción constantemente y sin ninguna resistencia” (1964, 33). Los artis-tas, a diferencia de otras personas, ven esto claramente. De acuerdo a él, ellos son la única gente que domina las transicio-nes tecnológicas porque tienen un entendimiento innato de la mecánica de la percepción sensorial. (1964, 33). Para McLuhan, fue la imprenta —no el contenido impreso— lo que produjo una división entre el sentido auditivo y las experienci-as visuales. Éste medio produjo un sentido de individuación y un sentido de continuidad entre espacio y tiempo (1964, 86-87). Para otra persona interesada en la teoría cultural sobre el espacio y el tiempo, la novelista GertrudeStein, el único aspec-to que ella creía que cambia de una generación a otra, es nues-tra percepción sensorial, o lo que ella llamó nuestro “sentido del tiempo” (time-sense). Ella definió “visión” como lo dinámi-co en el sistema creativo que transformó nuestro sentido del tiempo y que produjo nuevas escuelas de pensamiento y arte

14

Page 16: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

(“Composition” 513). McLuhan también atribuye un lugar es-pecial al rol del artista en la transgresión y subversión del or-den establecido: ‘…Es posible relacionarnos con el entorno como una obra de arte…’, escribió. ¿Cómo es que la función del artista atenta contra el orden espacial? En el Renacimien-to, el arte, la arquitectura y la horticultura usaron un punto fo-cal único como medio para representar la perspectiva, pero este único punto de vista anula el movimiento. Las tecnologí-as más recientes tienen un efecto continuo en nuestras nocio-nes de perspectiva como algo dinámico y a la vez localizado. La ciencia del cuerpo en movimiento en los espacios del mun-do crea múltiples, cambiantes puntos de vista, y trayectorias del sujeto, el cual, por definición, no puede quedar fijo excep-to en un lugar y un tiempo; ese lugar particular es ‘ahora’. Por esto los nuevos medios no usan la perspectiva como elemento para la orientación, sino que eligen en su lugar la desorienta-ción y la desvinculación. Un punto de vista, por definición, ha sido siempre fijado en un tiempo dado, pero la dinámica de la naturaleza de la desorientación implica dimensiones transfor-madoras espaciales a momentos ilimitados en el espacio. El movimiento es una forma de perspectiva desorientada en los nuevos medios de comunicación.

El dominio del espacio geográfico a través de la manipulación de sus datos es algo que damos por hecho—y que incluso cele-bramos—en un mundo rico en información. La historia nos ha enseñado que sin embargo que la “sistematización de la in-formación geográfica resulta común en una centralización del

control y en la pérdida de autodeterminación local” (Butt 30). Michel Foucault (1923- 1984) le dio al clavo cuando propuso que el panóptico contemporáneo operaba desde dentro de no-sotros. Vivimos ahora en la “cultura de la cámara de vigilan-cia”, culturas donde todo es observado, monitoreado, graba-do, supervisado y controlado. En el periodo comprendido en-tre el año 1989 y 1993, los militares estadounidenses lanzaron 24 satélites a órbitas alrededor de la Tierra para establecer un sistema global posicional o GPS—sistema de mapeo- ahora aparentemente considerado inocuo por la mayoría de las per-sonas y felizmente abrazado por individuos en movimiento alrededor del mundo con tecnologías móviles. En mayo de 2010, el primer sustituto de esa red fue enviado al espacio ex-terior. Si los satélites originales daban una fidelidad cartográfi-ca tridimensional exacta hasta 6,096 metros (20 pies), las nue-vas y mejoradas versiones incrementarán nuestra habilidad para ver de forma precisa hasta 0,091 metros (3 pies) (Ver Goo-gle Earth Blog). No es fortuito que ésta última tecnología carto-gráfica fuese un dispositivo militar. La experiencia de “ser en-contrado” o “ser seguido” son muy diferentes a la de orientar-se uno mismo en el espacio geográfico…

15

Page 17: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Una herramienta portátil para el inmigrantetransfronterizo

El artista Ricardo Domínguez y su equipo en la ciudad de San Diego, California se interesaban por el desplazamiento y la ori-entación como aspectos del trabajo artístico. Inspirado en el proyecto Excursionista Virtual de BrettStalbaum, que lee el ter-reno de un área –vía satélite- y genera una propuesta de cami-no a seguir en la topografía, Domínguez se preguntaba si po-dría adaptar esta herramienta móvil para ayudar a la los mi-grantes que cruzan diariamente la frontera México-Estados Unidos. Lo que crearon lo bautizaron con el nombre de Herra-mienta para el Inmigrante Transfronterizo. Domínguez seleccionó un teléfono celular barato que tuviera la función GPS sin una base de datos. Adaptó el Motorola i455 y lo usó para interferir el sistema GPS. La herramienta debía ser tan universal que cualquier usuario—letrado o analfabeta, mexicano o chicano, hispanohablante o no—pudiera usarla. Tenía una interface icó-nica visual que se asemeja a una brújula. La herramienta tam-bién actúa como detector de agua, que vibra cuando se acerca al agua o a refugios, y alerta al usuario cuando se acerca a una carretera. El grupo contaba con fondos para ensamblar 500 unidades y estuvo trabajando con el grupo de un conocido grupo de apoyo a migrantes, los Ángeles de la Frontera (Borde-rAngels) y otras organizaciones humanitarias que proveían de agua y otros enseres necesarios a los caminantes en el desier-to, además de informarles de la existencia de esta herramienta de navegación.

La herramienta cuenta con múltiples usos y funciones que han sido desarrolladas una por una por el grupo de Domín-guez. Ellos están adquiriendo datos geográficos de la zona que les permitirá mapear la frontera Mexicano-Estadouniden-se para que el GPS los pueda usar; está investigando la ubica-ción de las redes de apoyo e infraestructuras actuales de vigi-lancia trans-fronteriza; está ubicando los lugares con alimen-tos y pozos de agua comunitarios; escribe el código y prueba la precisión de los mapas y unidades; crea interfaces duales en Inglés y en Español; prueba la herramienta; y la distribuye a las comunidades más susceptibles a cruzar la frontera (Ho). Interfiriendo datos de satélites y robando esa información (hacking) y haciéndolos disponibles, la Herramienta para el Inmi-grante Transfronterizo

añade una nueva capa de recursos a esta geografía virtual que permitirá a segmentos de la sociedad global, que habi-tualmente están fuera de este emergente enrejado de poder híper-poder-geográfico de mapeo alcanzar un rápido y simple acceso con el sistema GPS. Herramienta del Inmigrante Transfronterizo no sólo ofrece acceso a este emergente seg-mento de la economía del mapeo sino que añadirá un nue-vo elemento un “algoritmo inteligente” que podrá analizar las mejores rutas y senderos de ese día y hora para inmi-grantes a cruzar este accidentado paisaje, de la forma más segura posible (thing.net).

La orientación, el movimiento en el espacio, es un problema permanente en esta zona fronteriza entre los dos países donde

16

Page 18: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

la vigilancia es el modusoperandi. Todos los movimientos son vigilados y el movimiento es monitoreado incesantemente. La Herramienta para el Inmigrante Transfronterizorevela que “sim-plemente conocer el lugar donde uno mismo se ubica es un privilegio” (Ho) y demuestra lo realmente vital y peligroso que es hacerse cargo uno mismo de su ubicación y su ruta a seguir. Mientras Domínguez y su equipo definen el aparato en específico y al proyecto en general como una herramienta humanitaria diseñada para ayudar a salvar vidas, no es de sor-prender que haya sido interpretada por la extrema derecha Es-tadounidense conservadora como un acto bélico y una afrenta a la seguridad nacional. Nombrado por CNN como una de las personas “más interesantes” de 2009 Domínguez, quien es profesor invitado del departamento de Artes visuales de la Universidad de California en San Diego, no sólo ha sido ame-drentado con acciones penales en su contra, sino que ha recibi-do amenazas de muerte y está en peligro de que su posición en la universidad sea revocado debido a este delicado asunto y a otros proyectos similares. Esta herramienta sostiene no obstante, es completamente legal; esgrime los siguientes ar-gumentos y premisas:

Una larga historia en el arte de caminar, disturbios fronteri-zos y medios locativos de comunicación. El tema aquí es un interesante vínculo formado entre valores humanita-rios y valores artísticos. Mientras Domínguez declara que “Todos los inmigrantes que de algún modo pudieran parti-cipar en este proyecto, de cierta manera contribuirían a

crear un vasto paisaje de naturaleza estética” dadas las múltiples capas de comunicación (icónicas, sonoras, vibra-torias) y la forma en que el algoritmo de la herramienta puede ayudar al usuario a encontrar “una ruta más estéti-ca,” [él dice], yo sugeriría que el valor artístico emergiera desde su más profundo vínculo con el aspecto humanita-rio. La Herramienta del Inmigrante Transfronterizo subvierte los modismos habituales de los medios locativos e interac-tivos (tales como “realidad virtual”) para revelar lo virtual virtual – en el sentidoDeleuziano (el cual es bastante dife-rente) – de los medios locativos de comunicación. Y lo vir-tual, aquí, es guerra (Ho).

Actualmente en muchas ciudades, artistas de medios digitales siguen interesándose por el sentido del espacio (y los lugares) y por este entramado complejo, constituido en buen aparte pe-ro únicamente, por los dispositivos que compran, reescriben, reinventan, acoplan, dividen y reasignan información perma-nentemente. Algunas ciudades tienen un pasado tan complejo que mapear su historia se ha vuelto el tema de obras de me-dios digitales, de medios locativos de comunicación y del arte in situ. Los medios digitales poseen habilidades únicas para “trascender los límites de tiempo, espacio y hasta de lengua-je… para mediar rupturas producidas históricamente que vin-culan pasado y presente” (FayeGinsberg, citado enMeek 21).

17

Page 19: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Prácticas Geo-espaciales y arte público

El estudio del espacio se está volviendocada vez más impor-tante para el arte, los negocios y el pensamiento contempo-ráneo. Conforme nuestro entrono urbano se vuelve cada vez más complejo, debido en parte a que nuevas capas de informa-ción se sobreponen en nuestro entorno cotidiano, los medios locativos pueden servir como estrategias para nuestra reinser-ción en el paisaje citadino. McLuhan sitúa el nacimiento de la ciudad a la par del de la escritura (1964, 99), y Bruno Latour ve los mapas como una forma de anotar el mundo. En el nue-vo espacio de la información, no obstante, los mapas basados en texto e imagen se han fusionado ya para dar origen a un nuevo tipo de coordinación: un sujeto en movimiento que va escribiendo en el espacio. Si bien la cartografía buscó fijar la ciudad sobre un soporte físico, ahora mediante encuentros ur-banos se explora más bien los flujos, su fluidez. Los movimien-tos contraculturales característicos de los espacios urbanos desde el grafiti hasta los juegos de “geocaching” y el movimien-to contracultural a favor de los peatones llamado “psychogeo-graphicwanderings” hasta el Parkour (arte de trepar por objetos y mobiliario urbano) han hecho del espacio público una for-ma radicalmente nueva para pensar la vinculación creativa y activa en entre cuerpos, tecnologías y relaciones dinámicas.

A pesar de la mala reputación de los medios digitales como una forma que niega el cuerpo y valora la dispersión de la información en la Red, ahora hay “una tendencia hacia re-

pensar la importancia del lugar y el hogar, ambos como pa-rámetros geo-imaginarios y socio-culturales” (Thielmann 5). Los medios locativos de comunicación son la antítesis de la fi-losofía “Vivir sin Límites” eslogan publicitario que compañías trasnacionales como LG y otras compañías multinacionales nos quieren hacer creer que deseamos. Los medios locativos se han erguido en la última década como una respuesta a la inmaterialidad del net.art basado en códigos y la desregula-ción del mundo bajo la globalización. Abundantes datos geo-espaciales y tecnologías móviles manufacturadas de forma ba-rata han hecho de la información cartográfica un bien accesi-ble de forma gratuita. Durante mucho tiempo, una de las pala-bras de moda era la llamada ‘realidad virtual’ de la cual, la gente acuñó el concepto de simulación y de la creación de mundos alternativos. Ahora la moda es todo lo que tenga que ver con ‘realidad aumentada’ (augmentedreality); un mundo re-al pero con información adicional desplegada sobre la pan-talla del dispositivo móvil en tiempo real. Este es un mundo sobre en el que nos podemos inscribir nosotros mismos. De forma opuesta a la World Wide Web, el centro aquí está localiza-do espacialmente, y centrado en cada usuario individual; una cartografía colaborativa del espacio y las mentes individuales, los lugares y las conexiones entre ellos” (citado TutersyVarne-lis 357). De hecho, en algunos círculos, la red geo-espacial ha sido anunciada como el próximo gran espacio tecnológico, es-pacio donde los artistas de medios locativos fungirán como los grandes detonadores de la nueva tercera ola de las tecnolo-gías de Internet (TutersyVarnelis 358). Lo medios locativos usan tres formas diferentes de mapeo: 1. La anotación, que añade algo al mundo; 2. La fenomenológica, que ubica algo en

18

Page 20: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

el espacio identificando el movimiento de un objeto o sujeto en el mundo; y 3. El movimiento o desempeño en medios loca-tivos puede ser claramente conectado a la práctica situacionis-ta de vagar hasta perderse, un acto psicogeográfico. Marc Tu-ters y KazysVarnelis equiparan los dos primeros tipos de ma-peo—anotación y fenomenología—con las otras “prácticas si-tuacionistas de détournementy la derive” (359). Los situacionis-tas fueron un grupo de artistas radicales y filósofos que vivie-ron en y cerca de París durante los años 50 hasta los 70. Su lí-der pensador GuyDebord definió el movimiento como “un proyecto efímero: antiestético, no-objeto, basado en lo no-arte-facto, de creación colectiva con un nuevo énfasis en el ego. Su finalidad es la creación de un nuevo ‘tú’ politizado” (Debord 99). En su manifiesto Sociedad del Espectáculo, Debord llama a un arte participativo que liberará las masas del entumecimien-to que los medios masivos de comunicación les han impuesto. Debido a que la meta del situacionismo era romper el cuarto muro (el público) de la cultura del espectáculo, sus ideas están en boga como cultura participativa y a la para de la cultura-Web 2.0 (“user-generated”).

Si bien estas tres prácticas geo-espaciales no necesariamente se ajustan perfectamente a la definición de actividades mediá-tico-locativas, sí al menos nos liberan de la lógica Cartesiana (cartografía clásica) y permiten que nos familiaricemos con la lógica que implica pensar en mapas dinámicos. Los mapas estáticos del pasado privilegiaron al espacio (visual) en detri-mento del tiempo. Los nuevos mapas de datos, sin embargo, plantean también problemas específicos, como Coco Fusco

ha observado en una crítica sobre los peligros de los medios locativos de comunicación, “el acto mismo de mirar el mun-do como un mapa ‘elimina el tiempo, se enfoca desproporcio-nalmente en el espacio y deshumaniza la vida”’ (2004, citado en Mitew 5). Los medios locativos pueden permitirnos re-correr un camino donde podamos volver a poner la aten-ción en su sito adecuado, es decir en la información, los da-tos. De tal suerte que podamos abrir un intervalo temporal (time-lag) entre la geografía real y nuestras interacciones con el espacio de información; un intervalo donde podríamos in-sertar estrategias contraculturales en forma de “contrama-peos” (countermappings) frente a las narraciones oficiales e historias fijas tradicionales. Es en este contexto de apertura que podríamos volvernos no sólo simples participantes, sino autores de nuestro propio espacio. Bruno Latour y otros teóricos dan un paso más allá al preguntarse si no será más bien, que los mapas preceden al territorio que “representan” o bien ¿lo producen? (Noviembre 2)Ellos argumentan que las tecnologí-as digitales han reconfigurado la experiencia del mapeo en una “plataforma de navegación” (Noviembre 4). Todas las inter-faces digitales, que incluyen bases de datos, pantallas tácti-les y teléfonos móviles, actúan como “tablero[s] de mando per-mitiéndonos navegar a través de grupos de información total-mente heterogéneos que son actualizados en tiempo real y lo-calizados de acuerdo a nuestras consultas específicas. (Novi-embre 4). Algunos de estos argumentos resultan convincen-tes y hay que considerar que han sido elaborados para dar cuenta de los aspectos fuera de la Web, demostrando esto la

19

Page 21: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

capacidad de funcionar como lo hace el viejo grafiti en espa-cios urbanos. Un tipo de arte público, contracultural, crudo, indisciplinado políticamente y situado:

Los intercambios entre el grafiti contemporáneo y los nue-vos medios de comunicación abarcan un amplio rango de tecnologías (fotografía digital y video, sitos Web, teléfonos móviles, medios locativos, juegos digitales) […] Como prác-tica cultural, el grafiti también permite una reasignación del espacio urbano, abasteciendo los nuevos medios de comuni-cación con fructíferos modelos para la negociación de los actuales espacios urbanos y redes de información descentra-lizadas.” (MacDowall 138).

Conclusiones

Los días cuando el arte público consistía en un monumento des-cuidado o en una fuente solitaria en una plaza se han ido desde hace tiempo. La escultura social, los medios locativos de comu-nicación y el arte público, rompen los límites tradicionales en-tre el arte-objeto, su uso y sus nuevas propiedades, de modo tal que nacen nuevas estéticas relacionales. Es reconfortante saber lo que Domínguez publicó el 12 de Noviembre de 2010 en la pá-gina de internet laboratorio b.a.n.g (Bits.Atoms.Neurons.Genes): “Estimadas comunidades de apoyo, Nosotros (EDT/b.a.n.g. lab/yo) nos complacemos en reportar que la Cyber-división del FBI ha terminado su “investigación” el 4 de Marzo de 2010 VR Sit-In performance. […] Ciertamente [es] algo que nosotros en las comunidades de la UC [Universidad de California] debemos tomar en cuenta la próxima vez que creemos cualquier arte ha-ga una crítica al orden institucional institucional en la forma de crítica-como-acción-directa (al menos en los mundos de las rea-lidades aumentadas). Una vez más agradecemos a todas las co-munidades por su apoyo tanto en la UCSD / UC como alrede-dor del mundo. Mucha [sic] gracias, EDT/b.a.n.g. lab y yo. P.D. ¡La Lucha Sigue!” Ciertamente.

La información nos rodea de manera dinámica todos los días en cada aspecto de nuestras vida. La video-vigilancia, los me-dios locativos o medios inalámbricos así como las pantallas de computadora y el video son ya fenómenos ubicuos en los cen-tros urbanos y sobre grandes territorios. Los entornos urbanos

20

Page 22: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

son cada vez más ricos en información, están conectados en red y contienen y generan múltiples historias que cruzan a lo largo de muy diversos ámbitos identitarios: raciales, de géne-ro, geopolíticos y culturales. Éstas son las redes de informa-ción que constituyen el espacio psicogeográfico. ¿Cómo pue-de esta riqueza informacional del espacio urbano relacionarse con el individuo urbanita para crear posibles estrategias para salvar vidas? Debord vio en las psicogeografías el potencial para la contra-acción de los efectos antiestéticos de los medios masivos de comunicación porque son “el punto en el que la psicología y la geografía colindan, [proveyendo] el instrumen-to para explorar el impacto que el espacio urbano tiene en la conducta humana” (Debord). En términos contemporáneos, el compromiso psicogeográfico no es diferente a la cultura parti-cipativa—una cultura que elimina la noción y condición de au-diencia (à la Alan Kaprow) y nos reinserta en los espacios de la historia como autores y sujetos interactuantes. En su obra de 1966 titulado “Notas sobre la Eliminación de la Audien-cia”, Kaprow explora su invención de los ‘happenings’, even-tos artísticos en los que la audiencia participa. Estos eventos fueron propuestos para crear una experiencia intensa, “incre-mentada” donde los interactuantes pudieran fusionarse con el espacio-tiempo del performance. Él abogaba por que todas las audiencias deberían ser completamente eliminadas y los indi-viduos deberían volverse participantes. Para no confundirse con el teatro o el performance, los Happenings de Kaprow eran improvisados en el momento como los niños imaginativamen-te juegan al tiempo que siguen los parámetros de un guión pre-

definido. Las tecnologías digitales podrían permitir este tipo de vinculación con un lugar o evento de forma personal y virtual.

Las tecnologías móviles que han surgido desde 2008 están ahora posibilitando que los medios locativos, el mapeo de rea-lidad aumentada así como las herramientas de las redes socia-les queden al alcance de cada individuo conectado en red en todo momento. Su potencial como un vehículo para navega-ción espacial es muy importante. Los medios locativos nos do-tan con la capacidad de “formar y organizar el mundo real y el espacio real” (Ben Russell citado enTutersyVarnelis 357). “Las fronteras reales, los límites y el espacio se vuelven flexi-bles y maleables, la fuerza del Estado se vuelve fragmentada y global; la geografía se vuelve interesante [atractiva]; los telé-fonos celulares tiene cada vez mayor conexión a Internet y a los sistemas localizadores; todo en el mundo real puede ser se-guido, etiquetado, codificado en barras y asignado.” (Ben Rus-sell citado enTuters and Varnelis 357). El novelista Peter Ackroyd habla de la “resonancia cronológica” de las ciuda-des, el espacio donde el lugar, historia e identidad convergen. Mediante la mezcla de información, la identificación de histo-rias en lugares geo-etiquetados, la creación de diarios persona-les, la creación de historias interconectadas en espacio real con-tinuará acumulándose en formas múltiples y podrá será legi-ble y a la vez reescrito para todo aquel que se proponga nave-gar en un espacio rico en información. “El artista es una perso-na experta en el entrenamiento de la percepción”, escribió McLuhan. La definición es probablemente adecuada para Do-

21

Page 23: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

mínguez y muchos otros quienes, como ellos, han transforma-do las formas en que concebimos el entorno, el territorio y las relaciones espaciales que los individuos construyen en su trán-sito constante a través de diversas formas de fronteras y lími-tes, físicas o culturales.

Referencias

Bourriaud, N 2006, “RelationalAesthetics.” In:Participation: Docu-ments of Contemporary Art. Claire Bishop, Ed. Whitechapel/MIT, London and New York.

Canclini, N 2009, “El modo rizomático: cultura, sociedad y tecnolo-gía” in Transitio_02, CONACULTA, Mexico.

Cavell, R 2003, McLuhan in Space. A Cultural Geography, University of Toronto Press, Toronto.

Cárdenas, M, &Domíguez, R, (et. al.) TheTransborderImmigrant-Tool: Violence, Solidarity and Hope in Post-NAFTA Circuits of Bodie-sElectr(on)/ic,University of Siegen, Germany.

Corner, J 1999, “The Agency of Mapping: Speculation, Critique and Invention.” In Cosgrove, D (ed.), Mappings, ReaktionBooks, London.

Debord, G 1995, Society of the Spectacle. Donald Nicholson-Smith, Trans. ZoneBooks, New York.

Dominguez, R &Stalbaum, B “TransborderImmigrantTool”,accessed 11 April 2011, http://post.thing.net/node/1642

Elizondo, JO 2009, La escuela de comunicación de Toronto. Comprendiendo los efectos del cambio tecnológico, Siglo XXI Editores, Mexico.

Google Earth Blog, http://www.gearthblog.com/

Guertin, C 2008, “BeyondtheThreshold: TheDynamic Interface as Permeable Technology.” Transdisciplinary Digital Art: Sound, Vision and the New Screen. CCIS (Communications in Computer and CommunicationScience) Series. Randy Adams, Steve Gibson & Ste-fan MullerArisona, Eds. Germany: SpringerPublishers. 313-325.

22

Page 24: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Ho, S 2008, “Locative Media As War”, post.thing.net , accessed 27 October 2010, http://post.thing.net/node/2201

TheInstituteforComparativeModernities. “Participants: Rafael Lozeno-Hemmer” http://www.icm.arts.cornell.edu/conference_2011/participants.html#

Kaprow, A 2001 “UntitledGuidelinesfor Happenings.” Multimedia: From Wagner to Virtual Reality. Randall Packer and Ken Jordan, Eds. New York: W.W. Norton & Co., 307-314

Latour, B 2008, “FromRealpolitiktoDingpolitik – orHowto-MakeThingsPublic.” In MakingThingsPublic: Atmospheres of De-mocracy. Cambridge: MIT Press, 2005. (Fromanexcerptpu-blished in Timen, Tjerk. “Dingpolitik and an internet of things.” Masters of Media: University of Amsterdam, accessed 20 September 2010, http://mastersofmedia.hum.uva.nl/2008/09/11/dingpolitik-and-an-internet-of-things/

Lozano-Hemmer, R 2011, “Project Alpha: AlphaBlend.” “Platforms for Alien Participation.” http://www.lozano-hemmer.com/

Lozano-Hemmer, R 2001, BodyMovies, Installation, Rotterdam.

Lozano-Hammer, R Video, http://www.lozano-hemmer.com/video/bodymovies.htmlMacDowall, L 2008, “TheGraffiti Archive and the Digital City”, Place: Local Knowledge and New Media Practice. Eds. Danny Butt, J onBywater, and Nova Paul, 138

Massey, D 2005, ForSpace,SAGEPublications, London.McLuhan, M 1964, Understanding Media: Extensions of Man, New York: Signet.

Meek, A 2008, “IndigenousVirtualities.” in Place: Local Knowledge and New Media Practice, Eds. Danny Butt, Jon Bywater and Nova Paul. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 20-34

Mitew, T 2008, “RepopulatingtheMap: WhySubjects and Things are NeverAlone.” Fibreculture13. Eds. CarolineBassett, Maren Hartmann, Kate O'Riordan, Accessed 24 July 2010

Mumford, L 1934, Technics and Civilization.HarcourtBrace, New York.

Nevitt, B y McLuhan, M 1995, WhoWas Marshall McLuhan?,Stoddart, Toronto.

November, V, Camacho-Hübner, E &Latou, B . “Entering A Risky Terri-tory: Space in theAge of Digital Navigation.”Acceptedforpublication in En-vironment and Planning D. Accessed 03 August 2010, http://www.bruno-latour.fr/articles/article/117-MAP-FINAL.pdf

Peuquet, DJ 2002, Representations of Space and Time, TheGuilfordPress, New York.

Ramey, C 2007, "Artivists and Mobile Phones: The Transborde-rImmigrant Project", accessed 14 April 2011, http://va-grad.ucsd.edu/~drupal/node/388

Stalbaum, B "OntheEdge of theInternalFringe: Virtual Hiker Pro-ject", accessed 14 April 2011, http://video.google.com/videoplay?docid=-1909033690060374290&hl=en#

Theall, D 1984, “McLuhan and the Toronto School of Communica-tions” in Understanding 1984, OccasionalPaper 48, Canadian Commissionfor UNESCO, Ottawa.

23

Page 25: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Thielman, T 2010, “Locative Media and MediatedLocalities: AnIn-troductionto Media Geography” in Aether: TheJournal of Media Geo-graphy, Vol. V.A. 1-17

Tuters, M &Karys V 2006, “BeyondLocative Media.” Leonardo, Volu-me 39, Issue 4

Stein, G 1926, “Composition as Explanation”, Selections: Writings 1903-1932. New York: The Library of America.

Wyndham, L 1957/1927, Time and Western man. Boston: BeaconPress.

24

Page 26: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Contribuição de McLuhan para umavisão de mundo global e inclusiva

ResumoO ensaio examina as contribuições de M.McLuhan no sentido de promo-ver uma visão conjunta dos meios de comunicação do ponto de vista per-ceptual e cognitivo. Para isso, busca na história da formação do pensa-mento relacional de percepções apresentado como método de observa-ção e análise hipotético-poético. Percorre os exemplos de análise e leitu-ra das produções de meios, bem como da formação conceitual e históri-ca que entende os meios em suas interações e não como sucessões.

Palavras chavepercepção, cognição, leitura, envolvimento, sensório, história

25

IRENE MACHADO

PESQUISADORA DO CNPQ (PQ-2), PROFESSORA DA ESCOLA

DE COMUNICAÇÕES E ARTES E DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO

EM MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), SÃO PAULO, BRASIL

[email protected]

Page 27: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Treino de percepção e método analítico de observação

No início de sua carreira docente, McLuhan se aproximou da antropologia cultural travando contato com Edward T. Hall e Edmund Carpenter. O primeiro, desenvolveu um estudo sobre a linguagem silenciosa (the hidden language) do espaço; o segun-do, da gramática dos meios em processos de leitura. O conjunto das formulações de McLuhan, Hall e Carpenter trouxe à luz os trabalhos das chamadas «explorações»: investigações e análises de caráter experimental sobre a vida cultural sob o domínio dos meios de comunicação. Sem a pretensão de constituir uma teoria, as explorações abriram caminho para o desenvolvimen-to de um método de análise apoiado, evidentemente, nos fir-mes pressupostos dos meios como formas culturais.

Os experimentos analíticos de McLuhan desta fase dão ori-gem ao material reunido em seu primeiro livro, The Mechani-cal Bride: Folklore of Industrial Man, publicado em 1951. Nele exercita um método de análise orientado por aquilo que McLuhan denominou treino de percepção. Trata-se de um mé-todo deduzido de experiências vividas no Canadá e em Cam-bridge. No seu país natal aprendeu a exercitar a visão panorâ-mica: de qualquer ponto do país, parecia-lhe ser possível de–senvolver percepções formando um horizonte como num am-plo panorama. Em Cambridge, na época de seu doutorado, aprendeu a exercitar a visão para as profundezas nos exercí-cios literários conhecidos como close reading ou, leitura concen-trada, aprofundada sobre o texto, fora de qualquer foco extra-

textual. Um e outro contribuíram para a abrangência do trei-no de percepção que, no contexto dos meios de comunicação, abriu caminho para a considerar a importância das transfor-mações culturais em curso.

O treino de percepção assim vivenciado constrói um eixo que une percepção e cognição, desdobrando-se em duas linhas: uma de aprofundamento e outra de relações contrastivas. Esse treino nós vamos encontrar com diferentes graus de des-envolvimento em seus livros. Em The Mechanical Bride, há um fechamento (close reading) em anúncios em contraste com tex-tos literários; em The Gutenberg Galaxy, fecha-se no alfabeto, em contraste com os desenvolvimentos culturais tanto da prensa, das cidades, dos transportes, quanto da oralidade ou do sensório; em Understanding Media, explorações sobre os meios a partir da eletricidade em contrastes entre si graças ao movimento das extensões. Em todos eles, o treino de percep-ção é ponto de partida para alcançar o processo cognitivo so-bre os meios e processos culturais de representação e entendi-mento do mundo.

Assim podemos sintetizar os comportamentos de análise que viam nos meios de comunicação processos amplos com atua-ções e efeitos particularizados, sementes importantes para o ulterior desenvolvimento de uma visão global e inclusiva dos meios na cultura.

26

Page 28: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Percepção e cognição no jogo entre figura e fundo

Todos que se iniciam na leitura do texto de McLuhan perce-bem, imediatamente, a tendência de seu discurso à interlocu-ção, de modo a incluir o ouvinte na trama de seu pensamento. Isso ele faz, muitas vezes, recorrendo a uma certa dose de hu-mor. Uma piada é sempre caminho certeiro para exprimir o conteúdo de formulações e até mesmo para provocar, polemi-zar, ironizar. Contudo, a piada, que ele entende ter se transfor-mado em chiste – uma forma de advinha, sem fio narrativo, mas baseada em pergunta e resposta –, se constrói como uma das forças vitais da linguagem: o direcionamento à participação do outro. O feitio apelativo da linguagem assim empregada re-vela o seu caráter dialógico e, portanto, envolvente. Seja como piada ou chiste, o discurso assim enunciado não se realiza sem vínculos de duas ou mais mentes concentradas no mesmo foco.

McLuhan & Fiore, Guerra e paz na aldeia global, p. 58

Piada e chiste são gêneros discursivos de construção da lin-guagem que mantêm vivos os elos de envolvimento e partici-pação. No discurso de McLuhan, adquirem igualmente a fun-ção de distinguir dois processos sensoriais: o percepto e o con-ceito. Sem percepção impossível atingir conhecimento: esta máxima McLuhan viu plenamente realizada nos meios do en-tretenimeno cujo funcionamento não diferia muito do humor de longa vida na tradição da prosa e da retórica.

Se o percepto aciona uma sugestão, o conceito ativa inferên-cias; um provoca associações, outro, generalidades. Com base em distinção como esta, McLuhan examina o quanto percep-ção e cognição não apenas caminham juntas como condicio-nam-se. Daí que tanto a piada quanto o chiste criarem ambien-tes relacionais e de fluxo de idéias.

Em suas próprias experiências, mostra como ao ativar percep-ções. Uma piada pode evocar dimensões mais fundas de uma mensagem; por conseguinte, aquilo que emerge na superfície não é da mesma natureza daquilo que se configura no fundo. E é este o alvo que lhe interessa: a noção de que, se a relação figura / fundo não se encontra ausente na formulação de uma piada, certamente não se pode descartá-la do processo cogniti-vo. Ao que conclui: “a vantagem de sempre estudar qualquer figura em relação ao seu fundo é que aspectos inesperados e negligenciados de ambos se revelam” (McLuhan, 2005: 210). Nesse sentido, longe de ser um exercício retórico desprovido de pretensão teórica, o emprego da piada e do chiste revela a

27

Page 29: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

importância de mecanismos que ativem processos inusuais e inesperados de modo a promover, cada vez mais, o refinamen-to do treino de percepção e da atividade cognitiva.

Na mesma linha de formulação McLuhan situa o processo ba-seado em pergunta e resposta. Como formas discursivas her-dadas da tradição oral, não é muito comum entender a per-gunta-e-resposta em suas finalidades especulativas com vistas a consolidação do pensamento teórico. Sabemos que obras como os Diálogos socráticos, de Platão, ou os Diálogos sobre os dois sistemas de mundo, de Galileo, já foram considerados pou-co sérios, simplesmente pelo emprego da interlocução entre personagens como condutora da questão científica ou filosófi-ca. Em seus estudos retóricos, McLuhan acompanha a derroca-da do discurso de envolvimento (de chistes, de pergunta e res-posta, de aforismos), confinado ao limbo dos discursos pouco confiáveis. Em seus escritos, contudo, não apenas reconstitui o vigor expressivo de tais processos como mostra o quanto eles colaboram para o envolvimento no ambiente dos meios. Em suas parcerias com designers e artistas visuais, os objetos de mídia (anúncios, jornais, programas de televisão, quadri-nhos, cinema) recuperam o espírito tanto da piada, quanto do chiste ou da pergunta e resposta para a composição de rela-ções baseadas na interação fundo/figura.

Se, na observação e análise de seus objetos midiáticos, se ser-ve de piadas, chistes e aforismos, seu gesto especulativo joga com a percepção e significação de maneira que se crie uma re-

lação de dependência entre aquilo que se diz (figura) e aquilo que se mobiliza do ponto de vista do sentido (fundo). Para produzir o efeito desejado, a piada gera envolvimento, desper-ta a percepção para algo. É esse envolvimento que provoca es-tados de atenção e de compreensão simultâneos, fundamen-tais de toda mensagem. Por esse motivo, é tão importante ela-borar os meios. É assim que seu trabalho discursivo e textual caminha e se transforma.

As noções legendárias de seu pensamento como «o meio é a mensagem», «os meios como extensões» e a «aldeia global» são apenas as proposições conceituais que funcionam como as artérias primordiais das hipóteses que não foram formuladas para serem demonstradas e provadas, mas sim para abrir o di-álogo e desencadear reflexões na linha evolutiva de uma visão de mundo global e inclusiva. Trata-se de caminhos retóricos orientados para o outro, como tudo na comunicação.

28

Page 30: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Caminhos retóricos da leitura

A orientação para o outro não apenas conduz à valorização da linguagem; marca uma postura teórica ocupada com os efeitos: mais importante do que as idéias e as intenções de partida, são as reações, as provocações, aquilo que vai emergir do ponto de vista perceptual. Em nome dos efeitos é que se tornou priorida-de o desenvolvimento de uma visão global e inclusiva nos mei-os. E esta não é uma exclusividade dos estudos de McLuhan. Na verdade, representa um investimento de autores ocupados com a compreensão dos efeitos dos meios de comunicação na cultura. Se, na época de McLuhan, tal preocupação delineava um novo objeto de pesquisa, hoje é possível vislumbrar um con-junto teórico sólido, que já conta uma história considerável, cujo marco é, sem dúvida, as pesquisas de Millman Parry e Al-fred Lord. Além deles, seguem linhas diferenciadas de investi-gação: Jack Goody e Ian Watt, que se dedicam às consequências da escrita; Walter Ong que analisa a tecnologização do letra-mento; Erick Havelock que se debruça sobre o surgimento da escrita na Grécia; e, mais recentemente, temos os estudos do me-dievalista belgo-canadense Paul Zumthor sobre a poética da oralidade com ênfase na relação entre a letra e a voz, título de um de seus livros já traduzidos para o português.

Dentre as descobertas desses mestres, encontra-se a memorável proposição de Erick Havelock, segundo a qual a grande desco-berta da cultura letrada não foi exatamente a escrita, mas, sim, o surgimento do homem leitor, o homem capaz de ler e inter-

pretar signos de diferentes formações: signos gráficos, icônicos, sonoros, cinéticos, audiovisuais, enfim, signos com distintas configurações espaciais. O investimento de McLuhan, desde seu primeiro livro, ou melhor, de suas explorações, direcionou-se para o aprimoramento da leitura das produções de meios, gesto que faz jus a seu devotamento humanista de valorização da linguagem como faculdade cognitiva. A leitura torna-se, as-sim, a atividade central de seu método poético-hipotético, he-rança direta de seu aprendizado literário.

A possibilidade de exercitar a leitura das produções culturais de maneira equivalente à leitura do texto literário foi um exercí-cio que ultrapassou os limites do close reading e levou McLuhan a investidas mais radicais que resultaram no conteúdo do livro The Mechanical Bride. Dentre elas podemos situar o desenvolvi-mento de um método de observação do mundo que sustenta o modelo investigativo definido como método hipotético-poéti-co. Segundo McLuhan,

É possível discutir duas formas para abordar um problema. Uma, que se pode denominar de método teórico, consiste em formular o problema nos termos do que já se conhece, fazer acréscimos ou extensões na base de princípios aceitos, e depois proceder à comprovação dessas hipóteses experi-mentalmente. Outra, que se pode chamar de método mosai-co, considera cada problema por si mesmo, com pouca refe-rência ao campo no qual se encontra, e procura descobrir relações e princípios existentes na área circunscrita (McLuhan, 1977: 72).

29

Page 31: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

O método hipotético-poético é, pois, propositivo e, enquanto tal, constrói relações que devem levar a diferentes inferências. Um das explorações mais evidentes desse método foi propos-to nas formulações que recorre à mitologia. Uma de suas con-cepções mais divulgadas – a noção de meios como extensão – foi elaborada tendo como recurso o mito de Narciso. Nesta comparação entre o mito e a extensão tecnológica, a concep-ção é desdobrada pelas esferas interligadas do mito, da lingua-gem e da cultura. A recorrência aos mitos é uma outra verten-te do método de análise que reconhece a interação entre figu-ra/fundo como trabalho que tem muita clareza de efeitos. Uma visão que incide sobre o próprio modo de ler a historici-dade dos meios na cultura.

Uma história dos efeitos

A abordagem histórica de qualquer manifestação, via de regra, acompanha a sequência dos principais eventos mar-cantes de seu desenvolvimento. Sem fugir à regra, a histó-ria dos meios de comunicação tem início com a produção de inscrições rupestres, de palavra ou de tambor e cons-trói-se pela sucessão de inventos que fizeram dos contatos do homem com o mundo, em diferentes esferas de relacio-namentos, uma realidade possível. Na cultura ocidental, o marco é o gesto que levou à invenção da escrita a partir do surgimento do alfabeto. Das inscrições em pedras aos signos gráficos; do alfabeto fonético à tipografia; do telé-grafo ao rádio; da televisão à internet; dos cabos às redes e aos satélites. Em outras palavras: a história dos meios de comunicação já reúne um conjunto marcante de inven-ções capazes de fazer dela um evento significativo da his-tória do homem no planeta.

Nada teríamos a acrescentar, se McLuhan não tivesse explo-rado outra possibilidade de contar a história dos meios, não pela sucessão de inventos sociotécnicos isolados, mas pelos «efeitos» culturais, isto é, pelas transformações no modo de tratar as informações representativas das percepções em am-bientes vivenciais. Considerando que é por intermédio do efeito que o meio se define, e não o contrário, o autor formu-lou a hipótese dos meios como extensão, como transforma-ção, «massagem» no entendimento.

30

Page 32: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan realizou não apenas um inventário consequente des-ses efeitos como também defendeu a necessidade de produzir conhecimento de seus desdobramentos e implicações por in-termédio de uma história alfabetizadora dos meios. Alfabetiza-ção que não é eficiência técnica, mas compreensão gramatical e funcionamento para significação.

Estamos longe, pois, de creditar ao meio um papel determina-do graças a seus atributos de destaque na série de inventos rea-lizada pela humanidade ou porque um novo meio se revele mais eficiente que o anterior. O ponto significativo da hipótese de McLuhan se traduz no seu entendimento de que o modo de produzir informação interfere na maneira pela qual a própria informação é percebida e compreendida culturalmente. Nesse caso, a tecnologia coloca-se a serviço da linguagem como pro-cesso de significação. O efeito revela-se, por conseguinte, como a instrumento de transformar a informação em linguagem e esta em veículo de percepção e de conhecimento.

A história dos efeitos tornou-se, pelo viés de McLuhan, uma his-tória da linguagem, ou melhor, das diferentes formações percep-tuais e cognitivas utilizadas nos processos de trocas e de convi-vências, merecidamente, denominadas «linguagens da comuni-cação». Por isso, em vez de focalizar tão somente o viés tecnicis-ta dos inventos e descobertas, a história dos meios no contexto dos efeitos se mostra potencialmente capaz de revelar modos e processos de percepção, de compartilhamento, de conhecimen-to do mundo, como eles se implicam mutuamente, até mesmo

para impulsionar novas invenções. Fora desse viés, a tecnolo-gia não diz nada aos interesses intelectuais de McLuhan.

A televisão tornou-se o meio tecnológico que, depois do al-fabeto, mais propôs desafios para o entendimento dos efei-tos na era da eletricidade. É com a televisão que os proces-sos perceptivos visuais revelam alcances muito mais am-plos do que aquilo que se julga conter num campo visual. Com isso, ampliam-se os questionamentos sobre efeitos nunca antes cogitados.

O exercício de McLuhan pode ser acompanhado a partir de um exemplo pontual: o questionamento emergente quando a televisão torna-se o palco do debate às eleições presidenciais dos Estados Unidos nos anos 50. Ainda que as performances de J.F. Kennedy e R. Nixon tenham sido o tema central das dis-cussões, McLuhan perguntava-se sobre o que estava aconte-cendo efetivamente na vida sociocultural. Que efeito era esse? Por que um debate reproduzido entre os dois candidatos, numa tela em preto e branco, converteu-se em algo mais cati-vante que o contato humano e direto com os candidatos no palanque do espaço público? Por que um evento meramente performativo se tornava mais significativo que as análises po-sicionadas dos argumentos da imprensa escrita? Alguma transformação muito significativa estava acontecendo, uma espécie de hidden language, como diria Edward Hall, abria um dialogo com as pessoas. A resposta não apareceu de pronto,

31

Page 33: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

mas o fato de que o meio televisual produzira um efeito radi-calmente inusitado era inquestionável. Que efeito era esse?

McLuhan não é teórico de respostas imediatas, mas de reflexão que joga com proposições relacionais entre fundo e figura. No caso de suas indagações sobre os efeitos da emissão televisual, o procedimento não foi diferente. Suas conjecturas foram exami-nadas com em diferenes estudos e os argumentos foram retoma-dos e reelaborados no processo de seu próprio amadurecimen-to. Particularmente em Understanding Media: the Extensions of Man (Para compreender os meios: as extensões do homem), o autor delineia algumas hipóteses que oferecem pistas de como é pos-sível entender o porquê de o programa televisual ter conquista-do a audiência naquele debate.

(1) A televisão havia criado uma nova linguagem em que a câmera estabelecera um contato pes-soal e, portanto, mais íntimo com as pessoas.

(2) A imagem minimalista da tela da tevê revelou-se, sobretudo, emocional.

(3) O tempo pode ser dimensionado num eterno pre-sente em que milhares de pessoas se sentiram vincu-ladas, simultaneamente, numa mesma frequência.

(4) A tevê mostrou-se um meio de envolvimento e, portanto, de participação profunda do especta-dor: a imagem envolvia com som, luz, tato, mo-vimento. Esta experiência sensorial era comple-tamente inusual.

Com base em suas observações e intuições, chegou a uma hipó-tese mais generalizada: o tratamento da informação foi traduzi-do em termos do meio, o qual produz, por sua vez, um efeito decisivo sobre a mensagem. Esse efeito revelou-se sob forma de apelo à participação e ao envolvimento sensorial. O que McLuhan verifica também é que a tela eletrônica da televisão permite um trânsito inusitado de percepções provenientes da imagem icônica, quer dizer, a imagem que não se restringe à vi-sualidade, sobretudo porque a qualidade visual é muito baixa.

Com base em observações como essa, McLuhan formula a hipó-tese desconcertante de que a televisão toca as pessoas na pele. Muito mais do que um meio que fala aos ouvidos e oferece-se ao olhar, a televisão condensa som e imagem visual em luz que incide e toma conta do ambiente, fazendo emergir aquilo que ele entende como “tato ativo” que, embora não seja cutâneo, toca a pele de algum modo (McLuhan, 2005: 101), atingindo to-dos os sentidos, perceptuais e cognitivos. Prolongam-se, daí, a compreensão sobre a tatilidade da imagem e os efeitos ambien-tais do meio nunca antes experimentados.

O efeito tal como se manifesta na projeção televisual pode ser entendido como um ponto de transformação cujo caráter indicial atua na percepção e no entendimento. A imagem da projeção eletrônica por trás da tela (backscreen), a envolver com pontos de luz o telespectador, levou os candidatos a con-versarem com as pessoas individualmente. Esse efeito de pre-sença intensificou-se naquele debate e acabou revelando,

32

Page 34: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

para McLuhan, a força daquela linguagem. Não é propria-mente o conteúdo do debate, mas o fato de ele ser realizado para as pessoas em suas casas que criou o envolvimento.

Com fundamento nesse contexto especulativo, é levado a crer que o modo de tratar e de apresentar a informação age decisi-vamente sobre a percepção e provoca diferentes contatos com o mundo. Com isso, é possível dizer que a nova forma de apresentação das ideias conduz a modificações significativas das relações humanas. O efeito é o forte indício de mudanças perceptivas, sensoriais, cognitivas, performativas, bem como de um conjunto de relações e implicações em que nada pode ser considerado isoladamente. Assim o meio adquire a condi-ção de objeto de pesquisa e de entendimento. Em última análi-se: o meio cria padrões de conexão formadores de ambientes, como as palavras de McLuhan confirmam.

O meio, ou processo, de nosso tempo – de tecnologia elétri-ca – está remodelando e reestruturando padrões de interde-pendência social e todos os aspectos de nossa vida pessoal. Por ele somos forçados a reconsiderar e reavaliar, pratica-mente, todos os pensamentos, todas as ações e todas as ins-tituições anteriormente aceitos como óbvios. Tudo está mu-dando – você, sua família, sua vizinhança, sua educação, seu emprego, seu governo, sua relação com os outros. É essa mudança é dramática.

As sociedades sempre foram moldadas, mais pela natureza dos meios que os homens usam para comunicar-se que pelo conteúdo da comunicação (McLuhan, 1969: 36).

Os efeitos constituíam, assim, forças fundamentais da revolu-ção que os meios de comunicação introduziram na cultura. Era urgente estudá-los com seriedade.

Do ponto de vista dos efeitos, a história dos meios pode ser, en-tão, dimensionada de acordo com a profundidade das transfor-mações perceptivas, sensoriais e cognitivas, deixando-se de lado a horizontalidade e causalidade dos inventos. A dinâmica é dada pelas alterações introduzidas pelos meios de comunica-ção na cultura de modo que se reveja a história das relações en-tre eles, bem como dos sentidos que mobilizam e enunciam. Com essa finalidade, McLuhan propõe uma gramática para os meios que pudesse ser ensinada. Lançou-se, assim, ao estudo de formas de organização de mensagens, particularmente anún-cios e notícias, que permitissem elaborar a leitura que se faz de-les. Com isso, em vez de meros consumidores ou usuários, os envolvidos poderiam se tornar interpretantes dos processos transformadores da informação em mensagem. Interpretante, nesse caso, no sentido semiótico do termo: um intérprete capaz de transformar a mensagem e requalificar a informação em novo meio. É nesse contexto que propõe acompanhar a história dos meios como uma história alfabetizadora, na qual os efeitos, e não as sequências, são agentes das interações sociais.

Descobrir como as épocas respondem às invenções culturais é a tarefa da história alfabetizadora dos meios, uma vez que os acontecimentos se desenvolvem em superfícies de contato e de encontros culturais.

33

Page 35: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Diferentemente de muitos estudos que procuram tão somente montar sequências – oralidade > escrita > tipografia > eletrôni-ca > informática –, McLuhan convida-nos a observar intera-ções e, por conseguinte, a comparar os efeitos de uns meios em relação aos outros, a começar do caráter ambiental da pró-pria informação. Surgem algumas articulações que podem ori-entar nossa compreensão:

(a) efeitos ambientais da informação;

(b) efeitos da integração dos sentidos na oralidade;

(c) efeitos de síntese visual na invenção do alfabeto;

(d) efeitos sensoriais da gravação e do manuscrito;

(e) efeitos de multiplicação da escrita tipográfica;

(f) efeitos da leitura no contexto das línguas nacionais e polifônicas

(g) efeitos de simultaneidade da eletricidade.

A história que valoriza os efeitos, e não as sucessões, tem o mérito de acompanhar o desenvolvimento dos meios de co-municação não como aparatos tecnológicos, mas, sobretudo, como linguagem – ponto de partida das explorações de McLuhan. Graças à capacidade de elaborar linguagem, os mei-os podem mudar comportamentos, ações, percepções. Esse é o mérito maior da história alfabetizadora. Ao assumir o centro do processo de alfabetização pelos meios, a linguagem mos-tra-se em seus diferentes códigos históricos. O alfabeto é o grande marco de invenção da escrita que permite, comparati-

vamente, recuperar formações culturais distintas como orali-dades, visualidades, cinetismos.

Por isso, McLuhan situa o alfabeto no eixo de deslocamentos que ampliam a história dos meios em desdobramentos como o grafismo visual fundado pela perspectiva, ou a escrita de nú-meros e não de letras, base das linguagens científicas; como as matemáticas e os cálculos, que são constituintes elementares das linguagens elétricas, eletrônicas e informáticas. Ainda que o foco seja o estudo dos efeitos traduzidos em comportamen-tos culturais, o objeto de análise é um processo de linguagem em transformação ou mesmo transmutação.

34

Page 36: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Dos efeitos às leis da mídia

A história alfabetizadora dos meios distingue-se da sucessão pura e simples, uma vez que, para comunicar, os meios pres-supõem uma cadeia de eventos: ação perceptiva, interpreta-ção sensorial e organização cognitiva sob forma de linguagem aberta para a leitura. É impossível ignorar as ocorrências hu-manas que constituem esse intervalo entre informação e men-sagem; percepção e conhecimento.

Tal é o caráter da argumentação de McLuhan que interessa para compreender, por um lado, o processo de alfabetização pelos meios, por outro, os padrões de funcionamento que tais efeitos organizaram. As leis da mídia a que chegou McLuhan surgem como intuições dessa visada global e inclusiva de efei-tos conjugados. As leis da mídia não estão acima da história, pelo contrário, resultam do jogo entre transformação e perma-nência, como toda lei dialética de mudança.

Se os meios naturais de comunicação se desenvolveram por intermédio dos órgãos humanos em contato com o ambiente, isto é, da boca ao ouvido, as inscrições e a escrita colocam em evidência formas visuais em suportes diferenciados: pe-dra, tijolo, pergaminho, couro, papel, tela. Por conseguinte, os meios, em seu processo histórico, são agentes transforma-dores de possibilidades sensório-cognitivas. Se, do ponto de vista da cultura, as formas elaboram mensagens que signifi-cam diferentemente nos diversos meios, do ponto de vista cognitivo, as diversas significações explicitam modos distin-

tos de percepção e de sensorialidade. O jogo entre processos de significação das mensagens perante as percepções das lin-guagens desenvolvidas pelos meios é o que sustenta a mais conhecida formulação de McLuhan: “o meio é a mensagem”. A função alfabetizadora dos meios seria uma maneira de ex-plicitar as regras desse jogo.

A descoberta de que os meios se relacionam por comparação, e não como termos de uma sucessão, apresenta outro viés da história dos meios tomada com base nos efeitos. A noção de que um novo meio, em seu nascimento, desencadeia tanto in-terações quanto distinções quer dizer o seguinte: as forças re-lacionam-se para conjugar um funcionamento integrado, em expansão, com avanços e recuos, idas e vindas.

Quando McLuhan afirma que a história dos meios não desen-volve sucessões, mas simultaneidades, ele nos apresenta uma concepção permeada pela visão elétrica do «tudo ao mesmo tempo» – lição que ele aprendera ao acompanhar, por exem-plo, os debates televisionados dos candidatos americanos à su-cessão presidencial. O mérito maior é a valorização das rela-ções nas quais nenhum meio, como nenhuma invenção ou tec-nologia, pode ser considerado isoladamente: o meio concen-tra traços dominantes e estes são inclusivos, não exclusivos.

Com isso, as interações podem delinear relações entre percep-ções diferenciadas, tais como as que consagraram os diversos sistemas culturais, que os não estudiosos da obra de McLuhan conseguiram colocar numa sequência. Deixando de

35

Page 37: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

lado as sequências, é possível alcançar as interações emergen-tes na galáxia de Gutenberg e na aldeia global.

Desde os anos 60, McLuhan entendeu que “quando um novo veículo entra em cena é que nos tornamos conscientes das características básicas dos veículo mais antigos, de um modo que não víamos quando as coisas estavam acontecen-do” (McLuhan, 2005: 62). Quando este raciocínio ganha peso teórico, pela análise histórica dos efeitos, McLuhan alcança uma visão de conjunto sobre as transformações, formulada em termos de um diagrama conceitual concebido como «té-trade», figura geométrica constituída de quatro pontos soli-dários. Com ela, as relações entre figura e fundo projetam uma dinâmica correlacional em que o efeito se colocam, so-bretudo, como movimento perceptual. Explorando a dinâmi-ca das relações no diagrama das tétrades, McLuhan chega à formulação das leis da mídia.

O diagrama da tétrade é constituído por uma superfície com quatro instâncias interligadas. A exemplo da fita de Moebius (Möbius string), trata-se de uma superfície com um limite que, quando articulada em suas extremidades, exibe o seu reverso. No diagrama de McLuhan, o que se enfatiza é a passagem de uma dimensão à outra, tanto do ponto de vista de uma ordem reversa, quanto da conversão ao estado anterior. Quer dizer, a mudança de estado não é causa para uma ruptura, mas sim para uma retomada a partir de outras bases. Este movimento é o que leva McLuhan à lei da mídia: aquilo que se apresenta

como extensão pode evoluir num sentido reverso, do mesmo modo como pode ser retomado em outras circunstâncias. Na verdade, com este diagrama, formula padrões de funcionamen-to em que os meios podem ser dimensionados em suas exten-sões; reversões; recuperações e obsolescência.

Graficamente, a tétrade abrigando as quatro leis que regem a dinâmica dos meios na cultura foi assim representada:

A – AMPLIFICAÇÃO D – INVERSÃO

C – RECUPERAÇÃO B – OBSOLESCÊNCIAEstrutura tetrádica (apud McLuhan & Powers, 1996: 27)

A norma de quatro partes demonstra com clareza que a ver-dadeira tétrade tem dois fundos e duas figuras em equili-brada proporção entre si, o que tende a realçar a natureza da etapa de inversão (McLuhan & Powers, 1996: 54).

Tornado instrumento teórico para a investigação dos efeitos, o diagrama da tétrade transforma o processo de composição de figura/fundo num princípio de pensamento para se acompa-nhar o desenvolvimento dos meios e suas transformações am-bientais. Ao invés de adotar um modelo fundado na causalida-

36

Page 38: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

de, a tétrade organiza um artefato baseado na simultaneidade e inclusividade das relações.

As tétrades sintetizam as leis dos meios que emergem a partir do próprio conceito que o orientou na concepção de tecnologia como extensão de nosso corpo e de nossas faculdades. Toda tec-nologia surge amplificando. “A necessidade de amplificar as ca-pacidades humanas para lidar com vários ambientes dá lugar a essas extensões tanto de ferramentas quanto de mobiliário. Essas amplificações de nossas capacidades, espécies de deficações do homem, eu as defino como tecnologias” (McLuhan, 2005: 90).

A tétrade ajuda a ver a figura e o fundo, trazendo este último para um plano visível. Nesse caso, a tétrade é o revelador, ou melhor, “um instrumento para revelar e predizer a dinâmica das inovações e as novas situações” (idem, ibidem: 34). No caso específico das tecnologias, há que se examinar como a ele-trônica desloca o espaço visual para recuperar o espaço acústi-co de um modo inovador sob o pano de fundo da cultura alfa-bética, tornada obsolescente, o que não impede, contudo, que continue parte integrante da estrutura tetrádica. Isto porque, não se trata de eliminar o confronto, mas de promover o equi-líbrio. A tecnologia eletrônica tem a função de reposicionar o sensório, valorizando o que na época de Cícero era o sensus communis, isto é, a integração do sensório.

A tétrade de McLuhan está desenhada para explicar os acon-tecimentos culturais que os meios de comunicação impulsio-

nam. Não se baseia numa teoria ou um conjunto de concei-tos, mas sim na observação, experiência e idéias.

os tétrades não se baseiam em uma teoria mas sim em um conjunto de perguntas; se apóiam na observação em-pírica e portanto são comprováveis. (...) ainda que os té-trades sejam um meio para concentrar o conhecimento de qualidades ocultas ou inadvertidas em nossa cultura ou suas tecnologias, atuam fenomenologicamente (McLuhan & Powers, 1996: 24).

O aspecto inverso do tétrade está sucintamente exemplificado na máxima da teoria da informação: uma sobrecarga de dados é igual a um padrão de reconhecimento.

O principal ponto da argumentação aqui formulada confere ao circuito elétrico a possibilidade de criação de um ambien-te de percepção totalizante e inclusivo, bem diferente da per-cepção fragmentária da condição visual desenvolvida pelo alfabeto. Um ambiente em que as extensões não são os mei-os, mas os efeitos e seus processos. Nesse caso, não é exata-mente o meio tecnológico que se encarrega de alterar a condi-ção perceptiva, mas sim os efeitos processados. Figura e fun-do, interior e exterior, olhar de dentro e olhar através: tudo emerge para compor um conjunto de interações em conflito, sem que uma anule a outra.

As leis da mídia revelam ainda como o raciocínio que partiu do treino de percepção caminha para a ecologia das formas

37

Page 39: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

culturais onde as permanências sobrevivem às mudanças que muitas vezes confundem figura e fundo e nos levam a ver ape-nas um lado. Ficam aqui um alerta, uma lição ou apenas um convite a novas elaborações e respostas.

Considerações finais

No contexto do pensamento sobre visão global e inclusiva, o movimento da informação na era eletricidade tem papel deci-sivo, como McLuhan procurou examinar em sua obra. É da na-tureza do meio a inclusão e a participação simultânea. E isso não tem nada a ver com automatismo. Por isso o pensamento de McLuhan não cabe nos limites de uma mera sucessão ou substituição de um veículo por outro. Cresce a importância dos efeitos na formulação história de seu pensamento onde a eletricidade ocupar o lugar de grande desafio.

Diferentemente da tecnologia do alfabeto e da causalidade me-cânica – diferente, não em oposição a – a tecnologia elétrica se-gue a orientação do campo físico unificado, afastando-se da percepção do espaço newtoniano, ainda que recuperando a sensorialidade do espaço tribal.

Por isso McLuhan reporta-se à teoria segundo a qual, no mundo elétrico,

...a idéia de força tendia a ser substituída pelas idéias de inter-ação e da energia possuída pelo agregado de um conjunto de partículas; e ao invés de considerar corpos singulares sob a influência de forças, os físicos matemáticos desenvolveram teorias, tais como as de Lagrange na dinâmica, em que se ob-têm equações matemáticas capazes de predizer o futuro de todo um sistema de corpos simultaneamente, sem de ne-nhum modo recorrer às idéias de “força” ou “causa” (apud McLuhan, 1977: 92).

38

Page 40: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Desenha-se, assim, a noção de aldeia global num campo unifica-do, seja pela eletricidade, seja pela percepção simultânea de acon-tecimentos. A simultaneidade já não é mais da ordem da visuali-dade, mas sim da audibilidade.

Independente de toda questão de valores, o que temos de aprender hoje é que nossa tecnologia elétrica tem conse-qüências para nossas percepções e hábitos de ação mais co-muns e que tais conseqüências estão recriando rapidamente em nós os processos mentais dos homens mais primitivos. (...) Vivemos num único espaço compacto e restrito em que ressoam os tambores da tribo (McLuhan, 1977: 57; 58).

Considerando o diagrama da tétrade, alcança-se o elo que aproxima a eletricidade do mundo intuitivo das sociedades orais: recupera-se um estado de cultura baseado num senso comum de participação e de envolvimento. Os circuitos elétri-cos não apenas expandem as possibilidades espaciais, mas en-volvem, criam vínculos e participações. McLuhan entende que ao propiciar este estado de comunidade numa base elétri-ca, a percepção e o conhecimento do mundo recuperam aque-le estado em que o ouvido ocupava o lugar do cérebro.

Do ponto de vista conceitual, percebe-se, igualmente, uma aproximação entre intuição e a noção de campo unificado. Tal noção foi examinada pro McLuhan em diferentes momentos de suas indagações sobre o efeito de simultaneidade introduzi-do pelos circuitos elétricos.

A coexistência num mesmo campo sensorial e perceptivo é di-mensionado também numa escala cultural uma vez que a era eletrônica recupera tempo e espaço culturais diferenciados e que aprendem a conviver. Nesse sentido McLuhan alcança o caráter oral do campo eletrônico. Em seus estudos sobre televi-são não é a visualidade que tem o poder de definição maior sobre o meio, mas sim a oralidade e a tatilidade. A noção de tatilidade da imagem só faz sentido se inserida no contexto do envolvimento de sentidos que as transmissões eletrônicas inseriram na cultura. Simultaneidade implica envolvimento e participação; vinculada ao contexto das percepções na era elé-trica, implica invisibilidade e ubiquidade. Com tais noções, são ampliadas as configurações do entendimento dos meios como ambiente, ao mesmo tempo em que são lançadas semen-tes para a compreensão do espaço acústico, a ecologia dos mei-os e as bases do que seriam as leis dos meios.

Tanto do ponto de vista da análise, quanto das formulações teóricas, as explorações que procuraram focalizar os efeitos to-cam em raízes históricas que estão na base dos processos for-mativos com vistas à amplitude das relações panorâmicas sem perder as raízes históricas e contextuais.

39

Page 41: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências

CARPENTER, Edmund & McLUHAN, Marshall (1980). Revolu-ção na comunicação (trad. Álvaro Cabral). Rio de Janeiro: Zahar.

GOODY, Jack & WATT, Ian (1968). The consequences of literacy. Li-teracy in traditional societies. Cambridge: Cambridge University Press.

HALL, Edward T. (1977). A dimensão oculta (trad. Sonia Couti-nho). Rio de Janeiro: Francisco Alves.

HAVELOCK, Eric A. (1996). A revolução da escrita na Grécia e suas consequências culturais (trad. Ordep J. Serra). São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______ (1963). Preface to Plato. Cambridge: Belknap Press.

_______ (1986). The muse learns to write. Reflections on orality and literacy from Antiquity to the present. New Haven and Lon-don: Yale University Press.

McLUHAN, Eric & McLUHAN, Marshall (1988). Laws of Media. The New Science. University of Toronto Press.

McLUHAN, Eric & ZINGRONE, Frank (eds.) (1998). McLuhan: escritos essenciales (trad.J. Basaldúa e E. Macías). Barcelona: Pai-dós.

McLUHAN, Marshall (1977). A galáxia de Gutenberg. A forma-ção do homem tipográfico (trad. Leônidas G. de Carvalho e Aní-sio Teixeira). São Paulo: Cia. Editora Nacional.

_______ (2005). McLuhan por McLuhan: conferências e entrevis-tas (org. Stephanie McLuhan e David Staines); (trad. Antonio de Pádua Danesi). Rio de Janeiro: Ediouro.

_______ (1971). Os meios de comunicação como extensões do ho-mem (trad. Décio Pignatari). São Paulo: Cultrix.

_______ (2002). The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man. Corte Madero: Ginko Press.

_______ (1998). Understanding Media. The Extensions of Man. Cambridge and London: The MIT Press.

McLUHAN, Marshall & FIORE, Quentin (1971). Guerra e paz na aldeia global (trad. Ivan Pedro de Martins). Rio de Janeiro: Re-cord.

_______ (1969). Os meios são as massagens. Rio de Janeiro: Companhia Gráfica Lux.

_______ (1967). The Medium is the Massage. An inventroy of Effects. New York: Bantam Books.

McLUHAN, Marshall; FIORE, Quentin & AGEL, Jerome (2001). War & Peace in the Global Village. Ginkopress.

McLUHAN, Marshall & POWERS, B.R. (1989). La aldea global. Transformaciones en la vida y los medios de comunicación mun-diales en el siglo XXI (trad. Claudia Ferrari). Barcelona: Gedisa.

ONG, Walter J. (1977). Interfaces of the Word: studies in the evolution of consciousness and culture. Ithaca and London: Cornell University Press.

_______ (1982). Orality and literacy: the technologizong of the Word. London and New York: Metheen.

ZUMTHOR, Paul (1983). Introduction a la poésie orale. Paris: Seuil.

________ (1987). La lettre et la voix. Paris: Seuil.

40

Page 42: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Explorations e probesou encontrando McLuhan

Resumo

Este ensaio versa duas modalidades do que poderia ser chamado de “aventuras heurísticas”, delineadas e levadas a termo por Herbert Marshall McLuhan. Explorations & Probes terão servido menos a inten-tos de explicação teórica ou justificativa filosófica do que a tentativas (bem) feitas no sentido de um desvelamento cognitivo e da proposi-ção de introvisões poeticamente transpostas e assim (a)firmadas. Ser-vido por uma metaforização intencional, pelo “sequestro criativo” próprio à formulação de hipóteses ousadas e pelo gosto desenvolvi-do pela expressão paradoxal, Herbert Marshall McLuhan, em pensa-mento e obra, elevou os estudos de mídia (e mesmo da teoria da co-municação) a um novo patamar. O período histórico subsequente à sua morte, em 1980, vem dando provas cabais do acerto de suas hipó-teses exploratórias e investigativas.

Palavras chaveexplicação, probes, explorations, metaforização, eletricidade

41

A.R. TRINTA

PROFESSOR ASSOCIADO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

MINAS GERAIS/BRASIL

[email protected]

Page 43: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Ecce homo: Herbert Marshall McLuhan

Por tudo que de sua personalidade e de sua obra refletida já se conhece, passados trinta anos de sua morte, parece ser de fácil execução a tarefa de explicar o professor de língua ingle-sa e teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan (1911-1980), por exemplo, em referência a seus intentos explo-ratórios e a seus probes. Neles, sua magnífica figura intelectual se mostra de corpo inteiro; e, no curso de três décadas, tanto se escreveu e falou a seu respeito que a tantas leituras e a algu-mas nutridas interpretações nada parece haver a acrescentar. Non nova, sed nove, reza o provérbio latino: se não há como di-zer coisas novas, então por que não dizê-las de uma nova ma-neira — (em) nova mente?

Ao coligir seus probes — espécie de “pensamento em drá-geas”, servido por frases conceituosas, a exemplo dos aforis-mos — Marshall McLuhan dava curso às suas explorações. Não o fazia, porém, em um vácuo histórico e no vazio epistemoló-gico; antes, inscrevia-se como teórico renovador no âmbito das ideias comunicacionais gestadas ao longo do século XX, a elas emprestando sua verve e sua intensa criatividade. Em uma de suas perspicazes lições, ele nos ensina que a mídia ele-troeletrônica não encerra nem manifesta tendências; acata e adota princípios, normas ou leis, cujo entendimento se faz ur-gente — tal como se aprende na parábola do marinheiro em luta para escapar da vertigem do redemoinho que está prestes a tragar seu barco.

O conjunto de sua obra, a par da mudança paradigmática que provocou e o desenvolvimento posterior, que culmina com as tétrades e a ecologia midial, permitem inscrever Herbert Marshall McLuhan no rol dos mais destacados maîtres à penser da Modernidade.

42

Page 44: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Época, reflexão e obra

A expressão de seu pensamento em livros, aulas, conferências e entrevistas trouxe nítida marca de cultivada inventividade, aproximando-se ora do conto filosófico, à moda de Edgar Allan Poe (USA, 1809-1849), ora do texto literário poetica-mente instruído e inspirado pelos artifícios verbais (a metáfo-ra e o jogo de palavras, em primeiro plano) do escritor irlan-dês James Joyce (1882-1941). McLuhan fez ainda uso progra-mático da abdução — o modo metodológico da “hipótese ex-ploratória” — ao feitio do filósofo pragmaticista Charles Sanders Peirce (USA, 1839-1914), assim como adotou com en-tusiasmo as vantagens expressivas do paradoxo, ao gosto do escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, bió-grafo, teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico G. K. Chesterton (1874-1936). Mestre da retórica, Chesterton teria influenciado McLuhan no sentido de uma rejeição algo conser-vadora de valores caros à Modernidade, tais como certo cienti-ficismo ateu, de talhe reducionista e determinista.

Professor universitário de língua e literatura inglesa, formado pela escola inglesa do New Cristicism e do close Reading — em-penhada na valorização do texto em si mesmo, em regime de imanência estética — Marshall McLuhan foi homem de seu tempo e de seu lugar, absorvendo a cultura pop para dominá-la e pô-la a serviço da exposição de suas ideias. Afeito à ex-pressão artística e cercado por artistas e intelectuais provin-dos de distintas áreas, com os quais fez parcerias, Marshall McLuhan iria ainda tornar-se conhecido pelo mote “I don’t explain, I explore”, ao qual reiteradamente recorria para justifi-

car investidas e investimentos de um irrequieto, indagativo pensamento. Detratores houve, no Brasil, que em evidente tom de zombaria disseram que McLuhan e o animador de TV Abelardo ‘Chacrinha’ Barbosa, morto em 1988, proclamavam a mesma coisa: “Eu vim para confundir; não vim para explicar”. À exceção talvez de artistas acostumados a experimentações, poucas vezes suas investidas exploratórias foram levadas a sé-rio, não tendo seus probes tido melhor sorte.

Colunista da prestigiosa revista semanal francesa L´Express, Jean-François Revel certa vez o chamou de “Salvador Dali metido a Lavoisier”, afirmando que as proposições do cana-dense empalmavam o “método paranoico-crítico” do célebre pintor catalão. Compunham esta “metodologia” três etapas, distribuídas em graus sucessivos de pretensa complexidade no propósito de provocar surpreendentes efeitos de sentido: mistificação (temática) deliberada, delírio (interpretativo) ha-bilmente orientado e confusão mental (enfaticamente induzi-da). Não é, portanto, fato incomum o de que agressividade na cédula e pouca ou nenhuma sutileza no selo constituam uma maneira de se deslustrar, desqualificar, reduzir e infa-mar o que não se chega a compreender ou, ainda, aquilo que se decide ver de través ou em obliquidade intencional, tal-vez porque não se queira (ou não se tenha podido) ver tal como é. A personalidade conhecida de Herbert Marshall McLuhan terá sempre sido motivo de viva controvérsia1. Em se tratando de um pensador revolucionário a seu modo pró-

43

____________________

1 McLuhan Pro & Com (New York: Funk & Wagnalls, 1968), livro editado por Raymond Rosenthal, figura entre

as melhores obras de referência à polêmica que, em seu tempo, o notável professor da Universidade de Toronto

suscitou, em particular no mundo acadêmico da América do Norte.

Page 45: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

prio, tal como McLuhan, adeptos e fiéis cultores do “mcluha-nismo” o tinham na conta de um “estilo de pensamento” ou um “modo de pensar” a Modernidade, tal como esta se afigu-rava projetada pela mídia eletroeletrônica, plasmada pelas indústrias da cultura e traduzida pela cultura pop ao longo da segunda metade do século XX.

Quanto aos que sequer o haviam lido, mas tampouco havi-am gostado do que ele escrevera ou dissera, a rejeição limi-nar reproduzia pejorativamente um trocadilho inspirado em seu nome: “mclunatismo”. Amor e ódio situados num plano a-histórico, não teórico e apolítico, contíguo à devoção quase religiosa ou, ao contrário, desacordo visceral ou forte senti-mento de inveja, motivo de surdas disputas por poder simbó-lico e notoriedade acadêmica ou mundana.

Em seus livros e intervenções, Marshall McLuhan ilustrou — verbal, vocal e visualmente — suas ideias acerca da comunica-ção de seu tempo, prefigurando a de tempos por vir. Para tan-to, preferiu realizar estudos exploratórios da mídia eletrônica, em reconhecimento teórico de seu papel formativo — sobretu-do informativo — e sua ação continuada sobre a percepção hu-mana, individual e coletiva. Chamado de “filósofo da mídia” e rotulado, com simplismo e alguma impropriedade, “determi-nista tecnológico” por ter-se ocupado dos canais (evolução dia-crônica) e dos meios (situação sincrônica), ressaltando o peso específico de sua incidência em meio sociocultural, Marshall McLuhan aludiu, metaforicamente, a um environment (“am-biência”), que em toda parte presente é, por paradoxal que

seja, invisível. Ele se referiu a um recondicionamento sensori-al e mental, que então se delineava; e muito disse de altera-ções em curso que logo afetariam nossos hábitos de percep-ção, nossos métodos de pensamento e as linguagens de que fazemos uso. Em processo de mudança estava também a relati-va acuidade de nossos sentidos elementares e, com eles, nos-sos valores estéticos. Ao menos em parte, estas transforma-ções ocorreriam subliminarmente, alojando-se em nosso sub-consciente; assim, somente quando, por obra e graça de uma tecnologia de inclinação prometeica, viessem a se tornar am-biência, isto é, a compor o espaço de um ambiente físico e psi-cológico (e, por esta via, estético) propício a toda espécie de práticas humanas e relações socioculturais. Somente aí tería-mos delas algum grau de consciência. “Mind your media men!” era a advertência que ele repetidamente fazia: necessitamos compreender o ambiente em que estamos imersos, se desejar-mos exercer sobre ele algum controle. O mestre canadense da comunicação procurou mostrar (e demonstrar) que a forma de sairmos do maelström (“a tremendous vortex of power”, em su-as palavras) em que nos encontramos (causado pela ação inin-terrupta de uma ambiência midiática) e nos apercebermos como as tecnologias modificam profundamente nossa cosmovisão e nosso “sentimento do mundo”, pode dar-se por uma convi-vência íntima com a arte e a arte literária, além de uma filoso-fia da cultura. O artista, o poeta/escritor e o animador cultu-ral, com sua excepcional sensibilidade, são os únicos que con-seguem perceber e captar mudanças introduzidas em nosso meio ambiente (físico, psicossocial e cultural), no qual vêm

44

Page 46: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ocorrendo rápidas e repetidas transformações. Marshall McLuhan se esmerava em citar, além de James Joyce, críticos e teóricos da literatura moderna tais como Thomas S. Eliot (Lon-dres, 1888-1965) e Ezra Pound (EUA, 1885 - Itália, 1972), bem como poetas da estirpe de Charles Baudelaire (França, 1821-1867), com seus “poemas em prosa”, e Arthur Rimbaud (Fran-ça, 1894-1991), o jovem poeta do decadentismo de fins do sécu-lo XIX, mestre do artifício literário. Interessou-se muito pela obra de William B. Yeats (1865-1939), escritor e poeta irlandês que se notabilizou por seu patriotismo, seu idealismo românti-co e sua imaginação fantasiosa. De um modo ou de outro, a todos estes autores caracterizam uma feição moderna, a afir-mação literária de sua identidade nacional, a capacidade criati-va e a visão crítica de um novo tempo pelo viés da arte, tendo a expressão metafórica como veículo de causa eficiente.

McLuhan apreciaria a pop art — dimensão ético-estética da cultura pop, da qual, em seu tempo, ele próprio foi figura em-blemática — a ela creditando os contornos artísticos dados a uma miríade de objetos que integravam a ambiência trazida e fomentada pelas indústrias da cultura. O meio (a “massagem psíquica”) portava e informava a mensagem, uma vez chega-do o momento histórico da “massa média”2, McLuhan reite-

rava que, por sua presença e, sobretudo, por sua ação conti-nuada, a mídia — a televisão em plano de destaque — influ-encia a cultura, conforma o comportamento social, informa a experiência dos fatos do mundo, altera a percepção pelos sentidos elementares e dita estratégias de conhecimento. As três “idades da humanidade”, a que se referia, contemplam e consagram a prevalência de um dado meio de comunica-ção, tendo seu início na transmissão de boca a ouvido da cul-tura oral e passando à era da alfabetização e do impresso; aparece, enfim, a mídia eletrônica, impulsionada pela indus-trialização, o capitalismo de mercado e conquistas tecnológi-cas alcançadas no último século, além da informatização cres-cente. Ela ocupa hoje o proscênio, em virtude de numerosos gadgets (equipamentos ou dispositivos de uso cotidiano que contam com múltiplas funções) e aplicativos. A internet e as conhecidas mídias sociais tornaram o mundo pequeno, im-primindo velocidade à vida social, ao abolir na prática as co-ordenadas tradicionais de espaço e tempo. A virtualidade em voga substituiu a realidade, tal como a conexão (múlti-pla, variada, instantânea) veio ocupar o lugar que um dia foi do contato (real, experiencial, vivido). Triunfo da mediação obtido por uma, ao que parece, definitiva midiação, sempre e cada vez mais “natural”, “necessária” e, assim, consentânea.

45

____________________

2 A exemplo de James Joyce, Marshall McLuhan apreciava jogos de palavras. Fazendo deslizar o significante (sensível)

sobre si mesmo, obtinha um significado (inteligível) novo, poeticamente elaborado e filosoficamente procedente. O

mote “The medium is the message” (o meio é a mensagem) desdobrava-se em “The medium is the massage” (o meio é

a massagem [psíquica]) e “The medium is the mass age” (o meio chega ao tempo da massa); enfim, “The medium is the

mess age” (o meio é a era da balbúrdia), talvez em premonitória visão de um mundo ciberpunk ou o advento de uma

idade de “desreferencialização” generalizada, à qual se vem chamando de Pós-Modernidade.

Page 47: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Eletricidade é informação

Tal como sucedeu com a descoberta e o uso do fogo, operan-do uma mediação entre o ser humano e o meio natural, a des-coberta e o uso da eletricidade vieram mediar uma nova rela-ção do homem a seus espaços culturalmente instituídos e demarcados.3 Uma nova luz, em acepção literal e figurada. A eletricidade é triunfo e trunfo técnicos, alcançados pelo des-envolvimento da física, tal como se deu no curso do século XIX. O notável avanço obtido com (e pela) conquista, por exemplo, da luz artificial consumou-se ao fim de pouco mais de um século, uma vez que entre 1830 e 1850 o que se conhe-cia, nas principais cidades europeias e nos EUA, era a ilumi-nação a gás: imprecisa, bruxuleante e invariavelmente cre-puscular. Entre 1930 e 1950, a par de outros avanços da ele-trotécnica, o emprego de lâmpadas a vapor de mercúrio e tu-bos fluorescentes proporcionou a interiores uma luz branca, abundante e uniforme, a qual, sob alguns aspectos, admitia honrosas comparações à luz solar.

Em um de seus muitos vislumbres, Marshall McLuhan deu a entender que um meio afeta a sociedade em que (como um ator dramático) atue; não o faz, porém, por seu conteúdo even-tual, senão por suas características tecnológicas, em sua primá-ria condição de canal e, logo depois, de ambiência. A invenção

da lâmpada elétrica4 serviu a uma esclarecedora explicação: ela não dispõe de conteúdo — tal como um jornal traz artigos e a televisão oferece programas — mas, ainda assim, consti-tui-se em meio de grande efeito social. Ao cair da noite, uma lâmpada acesa permite que sejam criados novos espaços; sem ela, a escuridão envolveria a mente em trevas ancestrais, em todas as acepções desta expressão.

A luz elétrica fazia bem mais do que completar ou substituir a iluminação natural, vindo mesmo a suplantá-la. Conquista téc-nica de grande importância para a civilização ocidental, distin-guia-se por ser regulável e, mediante variações controláveis, produzia efeitos; satisfazia ainda a um bom número de requi-sitos referentes, por exemplo, à iluminação de interiores, bene-ficiando a projetos arquitetônicos. Construídos com a impres-cindível assistência dos computadores, não serão nossas edifi-cações, literal e metaforicamente falando, “extensões” de nós mesmos? O controle da luz (natural e artificial) é comparável ao diafragma ocular; elevadores e andares vêm em auxílio a nossas pernas, em percursos que fazemos no interior de um prédio, que nos envolve ainda como ambiente.

De fins do século XIX a meados do século XX, a eletricidade já se vinha impondo como meio técnico ideal para a transmissão

46

____________________

3 “Today, after more than a century of electric technology, we have extended our nervous system itself in a global embrace,

abolishing both space and time as far as our planet is concerned”. (Marshall McLuhan, Understanding Media. New York,

McGraw-Hill, 1964 p. 28.

____________________

4 “The light bulb creates an environment by its mere presence”, disse certa vez em uma de suas exposições no Centrer

for Culture and Technology da Universidade de Toronto. Esta proposição viria reafirmar a tese de que “o meio é a

mensagem”, isto é, as qualidades características de um dado meio produzem tanto efeito quanto a informação que,

por seu canal, se transmite.

Page 48: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

da informação. A história de seu emprego para tal finalidade ofe-rece marcos notáveis, ressaltando-se a invenção do telégrafo por volta de 1850; do telefone, entre 1850 e 1880; da transmis-são hertziana, ao redor de 1900; do rádio, na década de 20 do século passado; e da televisão, entre 1940 e 1960. Estendia-se o alcance dos sinais, fossem eles portadores da voz humana ou da imagem do homem e, por via de consequência ,do “homem imaginário”, proposto pelo cinema. Anunciava-se uma “telepre-sença”, algo que somente se concebia como ficção científica e que, em nosso tempo, tornou-se inteiramente factível pelo re-curso a uma tecnologia chamada “ponte holográfica”, em que pessoas, localizadas em pontos distintos, conversam ao vivo como se estivessem partilhando um só e mesmo ambiente.

Marshall McLuhan observou que não seria possível compre-ender inteiramente a natureza e a influência exercida pela mí-dia eletrônica, fosse a televisão, fosse o rádio (e, hoje, telefo-nes celulares, computadores etc.) sem se aperceber e entender bem a natureza da eletricidade. Potencialmente perigosa em seu manejo, a eletricidade, como a mídia em si mesma, em seu ser ou em sua natureza é serventia, pois permite cone-xões. Uma nuvem de chuva se conecta à terra na forma fulgu-rante de um trovão, forte descarga elétrica na atmosfera. A cor-rente elétrica que chega por um fio instalado conecta a lâmpa-da de uso doméstico a um polo de energia, fazendo supor a conexão a uma rede e esta, a atividades de uma concessioná-ria de luz — em cadeia ou a exemplo de um jogo de dominós.

Considerando-a, portanto, como prodígio técnico, a importân-cia da eletricidade em plano sociocultural poderá ser estima-da tanto por seu alcance quanto pela amplitude das mudan-ças que promoveu. Semanticamente, “elétrico” significará “de modo muito rápido”; em adaptação metafórica, servindo à descrição de uma personalidade, dirá “brilhante”, além de “agitado” e “nervoso”. “Moderno” e “dinâmico”, enfim.

Na “era mecânica”, ação e reação não se correspondiam em referência ao curso do tempo; respostas chegavam lentamen-te, desencorajando todo envolvimento emocional. Na “era ele-trônica”, estendemos o sistema nervoso central à escala do pla-neta, abolindo as coordenadas de tempo e espaço, uma vez que ações e reações passaram a acorrer em simultaneidade. A extensão tecnológica de nosso self — a esquina do eu com o mim — nos comove e mobiliza no sentido de uma intensa par-ticipação em ocorrências havidas em qualquer parte de nossa “casa planetária”.

Ao comparar a energia elétrica ao sistema nervoso central5, McLuhan desvelou sua função unificadora no que tange à ex-periência humana e social. A energia elétrica faz bem mais do que iluminar; seu uso continuado promove alterações em no-

47

____________________

5 O sistema elétrico que nos habita chama-se sistema nervoso, ao qual compete conectar cada parte de nosso organismo

a todas as demais. Por este sistema circula nossa auto percepção, nosso conhecimento interior, a atenção que a nós mes-

mos damos. Ficamos sabendo do que se passa conosco e em torno a nós. Se, portanto, admitirmos que sistemas elétricos

de qualquer espécie ponham coisas em contato e, assim fazendo, proporcionem formas de apreensão (veja-se o significa-

do de “tomada”), não ficaremos surpresos em constatar que a mídia eletroeletrônica de nosso tempo — a internet em

primeiro plano — põe efetivamente em risco a manutenção da privacidade individual. Esta situação tende a agravar-se,

porque tal apreensão e a conectividade dependente da energia elétrica encerram, por sua natureza, um ímpeto de difícil

contenção. Uma e outra existem para burlar defesas, vencer resistências, transpor fronteiras e analisá-las por completo.

Page 49: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ções bem conhecidas e há muito estabelecidas, modificando, desta maneira, o complexo psicossocial e cultural humano. Processos de automação tendem potencialmente a introduzir modificações no mundo que um dia conhecemos, ao qual dis-tingue a fragmentação trazida por procedimentos de mecani-zação. Letrado e habituado, pela ordem alfabética, a sequen-ciamentos, o homem da virada do último século já é tido por “criatura complexa” por definição; aos poucos, vem for-mando uma consciência planetária, porque, com os empre-endimentos da mundialização, adquiriu a condição de “ha-bitante da aldeia global”. Com a popularização das mais recen-tes tecnologias eletroeletrônicas — telefonia móvel, transmissão de TV em alta definição, redes wi-fi, conexão 3G e aparelhos (por-)táteis de comunicação digital — campos eletromagnéticos (de baixa e alta frequências) integram, de fato e de direito, domí-nios de nossa vida cotidiana, tornando-os, com seus (e os nossos) toques, um pouco mais “agitados”. Afinal, temos o mundo na palma da mão ou na ponta dos dedos. Um mundo literalmen-te digital, escolhido a dedo.

Isto sucede porque, enlaçando funções sociais e políticas, e tantas vezes as implodindo ou provocando seu colapso interi-or, a velocidade da energia elétrica6 e sua consumação tecnoló-gica expandiram a percepção e elevaram a consciência huma-na. O tradicional “ponto de vista”, com sua conhecida aptidão para separar e pôr em destaque, tornou-se obsoleto, cedendo o passo à “imagem total”, pregnante, impactante, configurada

em forma e fundo como totalidade organizada, indivisível. Em sua magnífica inteireza, sua unidade e sua fina confecção, ela é tecnologicamente dotada; com isto, suscita simpatia e in-cita a uma tomada de consciência, de modo a mobilizar cama-das profundas do psiquismo humano.

O título de uma das obras paradigmáticas de McLuhan — que, de certo modo, inaugura um campo de investigações que a posteridade poderá denominar Estudos Mediais — é Understanding Media: The Extensions of Man. Nele o teórico da escola canadense de comunicação delineia uma teoria geral da tecnologia, pela qual toda tecnologia — e não so-mente a eletroeletrônica — prolonga aspectos e característi-cas da fisiologia humana. Esta tomada de posição habilitou o autor a empreender uma pesquisa exploratória, na qual o circuito elétrico inteiro e todas as coisas que a ele ligamos (e com ele ligamos) representam acréscimos ao nosso siste-ma nervoso: “all technologies extend and enhance the natural physiological capacities of the human beings who create them”. Eis porque entender (os mecanismos de funcionamento da) mídia eletroeletrônica requer conhecimento prévio do que é e como opera o circuito elétrico. As tecnologias anteriores à era do eletrônico eram parcelares e fragmentadas; a eletri-cidade é totalizadora e inclusiva.

Marshall McLuhan não pôde prever ou antecipar o momen-to histórico em que, em todo o planeta, com a popularização do hipertexto e a popularidade da internet e seus mecanis-

48

____________________

6 “Electricity does not centralize, but decentralizes. It is like the difference between a railway system and an electric grid system: the one

requires railheads and big urban centers. Electric power, equally available in the farmhouse and the Executive Suite, permits any place to

be a center, and does not require large aggregations”. (Marshall McLuhan, Understanding Media).

Page 50: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

mos de busca, ocorreu um sensível aumento da velocidade do fluxo da informação (vetor energético) produzido e propa-gado graças à eletricidade.

Em linha com as proposições de McLuhan, enuncia-se aqui um princípio: eletricidade é conectividade; correlativamen-te, interconexões ou apreensões de ordem sensorial com-põem parte substancial da mensagem... da eletricidade.

Explorando domínios da comunicação

Explorations foi o título de uma revista, publicada entre os anos de 1953 e 1959, no Canadá. Em fins de 1960, algumas de suas edições circularam como encarte da revista Varsity Graduate, publicação oficial da Universidade de Toronto. Ver-sando temas de comunicação, seus destaques iam para inte-lectuais, estudiosos e professores atuantes em domínios como antropologia, arte e linguagem da poesia, além de ou-tros mais. Seus editores eram Edmund Carpenter e Marshall McLuhan. Naquela mesma década, no ano de 1966, a editora americana Beacon Press, em sociedade com a canadense Saunders of Toronto Ltd. publicaria a antologia Explorations in Communication, sob a supervisão editorial de Carpenter e McLuhan. Partilhavam ambos os ideais nativistas afirmati-vos de Harold Innis (Canadá, 1894-1952).

Este volume, eminentemente ensaístico, explorava distintas gramáticas e linguagens dos meios de comunicação, tais como as da imprensa e da televisão, dando merecido relevo a “movimentos exploratórios” de assuntos como a comunica-ção não verbal, a comunicação tátil, o espaço acústico, as tra-dições da oralidade e da era da escrita; abordava também questões das disciplinas linguísticas e literárias — sem distin-guir língua de literatura — bem como modos lineares e não lineares de comunicação da realidade. Sob a inspirada batu-ta de seus editores, o livro traduzia esforços e muito empe-

49

Page 51: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

nho em demonstrar que todas as revoluções operadas em processos de formação e difusão de ideias, assim como de sensações e sentimentos, haviam tido o condão de modificar não somente as relações humanas, senão também padrões de expressão de todas as formas existentes de sensibilidade. En-tre outros “resultados exploratórios”, dados a conhecer, figu-rava a advertência quanto à ignorância generalizada acerca do papel desempenhado pela literacy (“letramento”) na for-mação psicossocial e cultural do homem do Ocidente; afirma-va-se igualmente a necessidade de se proceder a um reexa-me inovador da posição central ocupada pela mídia eletroele-trônica, em particular no que respeitasse à constituição de uma escala de valores filosóficos e socioculturais. Compon-do ambiências, letramento e revolução midial da era eletrôni-ca deixavam-se assinalar por sua “permeabilidade” e sua “capacidade de penetração” (pervasiveness), tornando-se vir-tualmente invisíveis e, assim, pouco passíveis de investiga-ção científica apurada, melhor dizendo, “exploratória”. Nes-te sentido, para levar a bom termo a “atividade de explora-ção”, seria preciso tomar, metaforicamente, uma mídia por outra, abordando-se então a imprensa pela ótica da mídia eletrônica ou se estudando a televisão por meio de uma vi-são analítica da imprensa. Com a comutação operada de uma configuração linear a outra em forma de feixe, o letra-mento entrou em declínio no âmbito da educação e na estru-tura social da Modernidade, posto que que o principal incen-tivo dado ao ensino da leitura, de par com o desenvolvimen-

to de uma alta cultura letrada, residia em sua propalada rele-vância para todo e qualquer projeto individual a realizar-se.

Desponta aqui, em filigrana, o educador Marshall McLuhan, a quem inquietava o fato de que, à sua época, os conceitos utilizados para a análise das mídias eram ainda de extração literária, limitando-se a “análises de conteúdo” nutridas por uma sociologia de pertinência duvidosa. Em qualquer caso, eram débeis ou inexistentes os vínculos à nova configuração da mídia eletroeletrônica. McLuhan faria uma proposição pa-radoxista, qual fosse a da “ignorância organizada”7. Reco-mendava pôr de lado as especializações, estritas (e, portanto estreitas), que fazem uso de um conhecimento disponível, jogando intenso feixe de luz (light-on) sobre algo que se mos-tra opaco; há então de haver insistência obstinada em lançar outro feixe luminoso, que se dê através (light-through) do ob-jeto em questão. Sob este aspecto, a televisão diferirá da foto-grafia e do cinema pelo fato capital de sua imagem chegar a nós através de um cinescópio. O que então se pode denomi-nar “modo de comunicação atravessado” requer iluminação total proveniente do interior (os bilhões de minúsculos pon-tos catódicos do cinescópio tradicional) e, assim, diametral-mente oposta ao modo analítico da tradição literária, que considera uma coisa por vez. Simultaneidades (all-at-once-ness) e não mais unidades linearmente dispostas em sequên-

50

___________________

7 “If you beam knowledge at a new situation, you find it is quite opaque; if you organize your ignorance, tackling the

situation as an over-all project, probing all aspects at the same time, you find unexpected apertures, vistas,

breakthroughs”.(Op. cit. pág. X).

Page 52: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

cias, que James Joyce chamou “ABCD-mindedness”, oferecem a garantia de que não haverá fraturas, fissuras ou fragmenta-ções no campo da percepção humana, bem ao feitio do que se havia estipulado como meta artística, cultural e científica em Explorations in Communication.

Herbert Marshall McLuhan conhecia retórica e tinha apreciá-veis dotes de orador. Estava seguro do impacto e da ressonân-cia da comunicação dramática, aprendida com sua mãe Elsie, mulher culta, atriz e diseuse de poesia. Donde suas conhecidas sound-bites (“formulações breves e altissonantes”), as quais, verbalmente bem elaboradas, ele acrescentava doses de um humor algo irônico, temperando-as com pitadas de um exage-ro expressivo que beirava a hipérbole. Não ficará aqui desloca-da, portanto, uma breve digressão filológica.

Tal digressão poderá demonstrar que a língua inglesa fixa uma distinção semântica entre os verbos to explore e to exploit, conferindo a este último o significado pouco abstrato de “fa-zer uso de recursos de uma região, um país etc.” ou, pejorati-vamente, “usar uma pessoa para satisfazer propósitos egoís-tas”; “aproveitar-se de alguém para atingir finalidades própri-as”. Quanto a to explore, seu étimo é o latim ex-plorare (“grito alto dado por caçadores ao localizar presas de caça”). Sincroni-camente, to explore diz o mesmo que to search out (“lançar-se a uma busca”), especializando-se to explore em “to look wisely and carefully”.8 Por extensão de significado, tem-se “viajar por um território com o propósito de conhecê-lo”; acessoriamente, “proceder a um exame atento, com a finalidade de detecção de problemas e possibilidades”; “inquirir com seriedade”. To explore subsume as funções de “explorar riquezas”; “investi-gar sistematicamente” ou “escrutinar criativamente”. Quer também dizer “prospectar (coisas úteis ou valiosas)”. Há ain-

51

___________________

8 In Collins Thesaurus of the English Language. New York: Harper-Collins, 2002.

Page 53: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

da um sentido médico especializado, que é o de “examinar para (se) chegar a um diagnóstico”.

Pense-se um instante em browsers como o antigo Netscape e o conhecido Internet Explorer. Seus nomes lembram ou não uma viagem espacial ou, com maior precisão, uma exploração de espaços virtuais? Em inglês, um explorer viaja, desloca-se daqui para ali (travels around) ou dá um giro ou uma volta (tours), inspeciona ou observa do alto (algo) em seu conjunto (surveys), com uma preocupação eminentemente heurística, isto é, ocupando-se com descobertas. O Explorer 1 terá sido o primeiro satélite artificial terrestre lançado ao espaço pelos EUA, em 31 de janeiro de 1958.

“I may be wrong, but I’m never in doubt”. Com este dístico, Mar-shall McLuhan estava dizendo que a si próprio não concedia os benefícios da dúvida. Desassombrado, corajoso e assertivo, foi um explorer9 como poucos haverá, por seu pendor aventuresco (jamais aventureiro) e a generosidade intelectual, além da mag-nanimidade, uma e outra prerrogativas dos homens de espíri-to, no sentido que, na França, se dá a esta expressão. Viajante mercurial e, a seu modo, andarilho e alpinista, além de mari-nheiro como o personagem de Edgar Allan Poe, Marshall McLuhan subiu colinas, chegou a cumes e desceu a cavernas da comunicação teórica; jamais demonstrou incômodo ou can-saço em percorrer planícies ou subir em direção a um planalto.

Aventurou-se em mares sem dispor de cartas náuticas, tendo conseguido sobrenadar onde outros afundaram. Internauta avant la lettre, era cioso de sua condição de viajor destemido, fu-gindo de sendas batidas apontadas por guias de turismo con-vencional ou à la mode, para acolher o imprevisto ou ir ao encon-tro do inesperado. Parecia gostar de mostrar-se em flashes, ofere-cer insights pela clareza instantânea de sua mente e, bem ao gos-to de sua época, dar aulas como se de um happening — a inter-venção festiva e descontraída ou a representação teatral impro-visada, solicitando a participação ativa dos circunstantes — se tratasse, para nada dizer da “tempestade de ideias”, técnica à qual amiúde recorria.

Em tudo e por tudo distintas dos relatórios de pesquisas (uni-versitárias) contemporâneas, suas explorações, de porte filosófi-co e cariz multidisciplinar, representaram um exercício de sen-sibilidade aguda ao que emergia como novo, exigindo um novo modo de pensar. McLuhan as tinha na conta de um au-têntico “campo de provas” ou uma “área de manobras”; ja-mais, porém, uma “zona de conforto”.

Por fim, mas não menos importante, explorer, como substanti-vo, designa um instrumento ou ferramenta usado para (uma) exploração; tem, por sinônimo, probe.

52

___________________

9 A este respeito, é particularmente instrutivo o livro de Carlos F. Collado e Roberto H. Sampieri, Marshall McLuhan,

el explorador solitário. (Mexico: Grijalbo, 1995).

Page 54: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Probes

A exploração filosófica se associa à investigação filológica para elucidar “de dentro” o que se oculta sob a pele das palavras.

Oriundo do latim probare (“provar” ou “aprovar mediante teste”), probe diz respeito a uma ação exploratória, a uma “ex-pedição ou incursão que se destinem a coletar informações acerca de uma região remota ou desconhecida”. O mesmo substantivo serve também para nomear a “sonda cirúrgica”. To probe significa “sondar”, no sentido de “explorar”, “inves-tigar” ou “fazer uma sindicância”; donde, “inquirir” e mes-mo “esmiuçar”. Quando dizia “I´m probing (this or that)”, McLuhan fazia referência à condução de uma busca de cará-ter exploratório (para eventual estabelecimento dos fatos), uma perquirição.10 É este também o significado de probe no jargão jornalístico dos EUA.

Em suas estratégias de reflexão e de expressão de seu pensa-mento, McLuhan elegeu o aforismo11 — daí talvez o epíteto de

“oráculo da era eletrônica” — como forma simples de lingua-gem, com a qual pudesse dar a conhecer porções (bits/bites) de informação, dar curso à sua percepção expandida, exercitar sua inteligência ou fazer valer seu talento lítero-filosófico. Marshall McLuhan fez manejo apto desta forma metafórica de expressar-se, na qual reconhecia, em sua face interna, um elemento intuiti-vo, às vezes mesmo irracional, mesmo sob a aparência de uma construção sintática rigorosamente estruturada. A inspiração e o bom humor que invariavelmente o assistiam, permitiam a McLuhan imprimir a seus probes, como aforismos, uma tensão entre um polo de natureza lógica e outro de ordem ético-estéti-ca, deixando entrever um intuito prospectivo e uma intenção pedagógica.12 Em nada aleatórios e, menos ainda, ingênuos — engenhosos, certamente — os “mcluhanismos” (para os mais críticos, “mcluhanices”) valem por uma surpreendente coleção de juízos bem definidos, de proveniência abdutiva (pela descon-textualização), recorte metafórico e alinhavo feito sob a impres-são desconcertante causada pelo paradoxo.

O pensador canadense da comunicação e da mídia preferiu o aforismo ao argumento de cátedra; a enunciação da hipótese sedutora à da tese sisuda. Seus quips (“tiradas”) e wittcisms (“comentários denotativos de grande presença de espírito, que se caracterizam pela capacidade de percepção e a escolha de palavras”) revelam-no por inteiro. Agudeza teórica, com-plexidade filosófica e simplicidade na expressão final; convo-cação dos sentidos elementares, em sinestesia; e referência alu-siva a sentidos intelectualmente estabelecidos

____________________

10 The Probes é hoje marca de um produto do Nova Scotia College of Art and Design,no Canadá, que abriga arqui-

vos originais (em formato PDF) em regime de comodato com The Herbert Marshall McLuhan Foundation, detentora

dos direitos eletrônicos da obra do eminente teórico canadense da comunicação.

11 Substantivo derivado do verbo grego antigo aphoricsein (“definir”; “estabelecer limites”), aforismo quer dizer “decla-

ração”, “frase curta e concisa”, veiculada pela tradição (cultural, literária, jurídica, filosófica) e corrente em “praça públi-

ca” ou “fórum”, no intento de exprimir um princípio (“algo que é como é por princípio”). Com o aforismo, pode-se

expressar uma verdade que se pretenda incontrastável. Caracterizam-no o modo categórico, terminante e irretorquí-

vel que marcam sua forma e demarcam seu conteúdo. Textos econômicos, sucintos e mesmo lacônicos, em construção

frasal paratática (orações absolutas e frases autoexplicativas), aforismos convêm a um estilo fragmentário e assistemáti-

co na escrita filosófica, relacionando-se ainda a uma reflexão de natureza prática ou moral, dadas a sua admissível perti-

nência e sua evidente incisividade. Da Antiguidade aos tempos modernos, filósofos da estatura de F. Nietzsche (Alema-

nha, 1844-1900), L. Wittgenstein (Viena, 1889-Cambridge, 1951) e M. Heidegger (Alemanha, 1889-1976), recorreram a

aforismos (frases lapidares) para substanciar suas proposições filosóficas. E obtiveram o mesmo grande sucesso.

53

____________________

12 Marshall McLuhan e David Carson publicaram The Book of Probes, (Gingko Press, 2003), tendo como editores Eric

McLuhan e William Kuhn. Compõem também o volume comentários feitos por Eric McLuhan e W. Terrence Gordon.

Page 55: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Para constar, segue-se a transcrição, em língua portuguesa, de alguns probes de Herbert Marshall McLuhan.

‣“Somente os pequenos segredos precisam de proteção. As grandes descobertas são protegidas pela incredulidade do público”.

‣“Com o telefone e a TV, não é tanto a mensagem, mas sim o mensageiro, que está sendo enviado”.

‣“O dinheiro vivo é o cartão de crédito do pobre”.

‣“Olhamos para o presente por um espelho retrovisor. Va-mos de ré para o futuro”.

‣“Você quer dizer que minha falácia inteira está errada!”

‣“A lama às vezes dá a ilusão de profundidade.”

‣“O carro se tornou a carapaça, a concha protetora e agres-siva do homem da cidade”.

‣“O problema da educação especializada e barata é que você nunca para de pagar por ela.”

‣“As pessoas, na verdade, não leem os jornais. Elas entram ne-les toda manhã, como num banho quente”.

‣“Hoje em dia todos nós vivemos muitos séculos em uma década”.

‣“O grande negócio dos negócios está se tornando hoje a constante invenção de novos negócios”.

‣“Quando você está ao telefone, você não tem corpo”.

‣“O amanhã é o nosso endereço fixo”.

‣“As respostas estão sempre contidas nos problemas, e não fora deles”.

‣“Esta informação é de segurança máxima. Quando a tiver lido, autodestrua-se”.

‣“Os homens na fronteira do tempo ou do espaço abandonam suas identidades prévias. A vizinhança confere identidade. As fronteiras a roubam”.

‣“A ignorância quanto ao uso do conhecimento cresceexponencialmente”.

‣“A nova mídia não é a forma como nos relacionamos com o ´velho´ mundo. Ela é o novo mundo e remodela o que ain-da resta do velho”.

‣“Os efeitos da nova mídia em nossas vidas sensoriais são comparáveis aos efeitos da nova poesia. Eles não mudam os nossos pensamentos, mas a estrutura do nosso mundo”.

Eis o homem: Herbert Marshall McLuhan, quintessencial!

54

Page 56: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências

CARPENTER, Edmund e MCLUHAN, H. Marshall (editores). Ex-plorations in Communication. Boston (MA): The Beacon Press, 1960.

COLLADO, Carlos F. e SAMPIERI, H. Marshall McLuhan, el explora-dor solitário. Mexico: Grijalbo, 1995.

IRVING, John A. (editor). Mass Media in Canada. Toronto: The Ryer-son Press, 1962.

LORIMER, Rowland e MCNULTY, Jean. Mass Communication in Canada. Toronto/New York/ Oxford: Oxford University Press, 1996.

MCLUHAN, Herbert Marshall e CARSON, David. The Book of Pro-bes (Editado por Eric McLuhan e William Kuhns). Berkeley (CA): Ginkgo Press, 2003.

MCLUHAN, Herbert Marshall. Understanding Media: the Extensions of Man. New York: McGraw-Hill, 1964.

_________. Verbi-voco-visual Explorations. New York: Something Else Press, 1967.

ROSENTHAL, Raymond. McLuhan Pro&Con.: New York: Funk&Wag-nalls, 1968.

55

Page 57: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan e as extensões

ResumoO artigo pretende chamar a atenção para o esquecido conceito de extensões utilizado por McLuhan e outros autores, apresentando o seu início e as problemáticas que envolvem discutí-lo, como a rela-ção homem e máquina, biológico e tecnológico, o conceito de tecno-logia e a busca de uma melhor definição do conceito de extensões.

Palavras chaveMcLuhan, tecnologia, extensões do humano, Ernst Kapp

56

RODRIGO MIRANDA BARBOSA

DOUTORANDO EM COMUNICAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL, BRASIL

[email protected]

Page 58: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Meu tema principal é a extensão do sistema nervoso na era elétrica, e assim, a ruptura completa com cinco mil anos de tecnologia mecânica. Isso eu declaro e repetida-mente. Eu não digo se é uma coisa boa ou ruim. Fazê-lo seria inútil e arrogante. (McLuhan, 1987, p. 300)1

Marshall McLuhan, o literato canadense que se tornou um dos maiores nomes sobre os estudos dos meios de comunica-ção e seus efeitos, alcançou seu sucesso estrondoso com o li-vro Understanding Media: the extensions of man em 1964. É de se esperar que a concepção de meios de comunicação en-quanto extensões do homem seja então um ponto fundamen-tal para a discussão do trabalho deste autor.

Apesar dessa aparente importância pouco se discutiu sobre uma concepção tão abrangente que envolve filosofia da tec-nologia, antropologia da tecnologia, o conceito de técnica e de meios de comunicação, isso para elucidar apenas algu-mas problemáticas possíveis.

Ainda assim, parece-nos que a sua simples expressão encerra o debate, sofrendo de um processo de naturalização que pou-cos ousam questioná-lo. É também enganoso pensar este des-prezo pelo conceito se deu apenas por aqueles que não se aprofundaram nos estudos de McLuhan. Um dos exemplos mais emblemáticos é o de W. Terrence Gordon que no glossá-rio produzido para a versão crítica do livro Understanding Me-dia: the extensions of man (2003) e no índice remissivo da biogra-

fia Marshall McLuhan: Escape Into Understanding (1997) escrita pelo mesmo autor, o termo “extensão” é simplesmente inexis-tente. Na biografia Marshall McLuhan: The Medium and the Mes-senger (1989) escrita por Philip Marchand também não há men-ção ao termo “extensão” ou similares no índice remissivo. Será então que a noção de extensão é tão óbvia assim?

McLuhan é possivelmente o maior expoente do conceito de extensões, mas não o único. Atrevemo-nos assim a investi-gar outros autores que problematizaram as relações entre ho-mem e tecnologia e as possíveis influências no pensamento de McLuhan com o objetivo de trazer a tona a vasta proble-mática que traz consigo o conceito de extensões e como este pode ser um dos pontos fundamentais para compreender as tecnologias e os meios de comunicação.

A concepção mais básica de extensão é a de que os objetos téc-nicos estendem faculdades mentais e corporais do humano.

Aristóteles talvez tenha sido o primeiro a colocar em discus-são o tema por volta do século 5 a.C.. Para Martin Lister (2009) em dois trabalhos Aristóteles iniciaria a discussão das ferramentas enquanto extensões. O primeiro trabalho seria Eudemian Ethics e o segundo A Política. Aristóteles percebe nestes o corpo como uma ferramenta natural da alma. Os ins-trumentos são como escravos sem vida, e os escravos en-quanto instrumentos com vida. O autor estende esse concei-to ao relacionar que para a navegação, o leme é o instrumen-to inanimado e o piloto, o instrumento animado.

57

____________________

1 Tradução livre. Trecho de carta enviada para o jornalista canadense Robert Fulford em 1 de Junho de 1964.

Page 59: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Em Eudemian Ethics diz “Para o corpo é o instrumento natu-ral da alma, enquanto o escravo é como se fosse uma parte e ferramenta destacável do mestre, a ferramenta sendo uma espécie de escravo inanimado” (Barnes, 1984 apud Lister, 2009, Tradução livre).

No livro A Política Aristóteles reafirma:

Existem dois tipos de instrumentos: uns inanimados, ou-tros animados. Assim é que, para a navegação, o leme é o instrumento inanimado e o piloto, o instrumento anima-do. Em todas as artes, o trabalhador é uma espécie de ins-trumento. (Everson 1996, p. 15 apud Lister, 2009)

Ainda que Aristóteles possa ter sido um dos primeiros a situ-ar o problema da extensão, é o geógrafo e filósofo da tecnolo-gia alemão Ernst Kapp que em Grundlinien einer Philosophie der Technik (1877) inaugura o termo “filosofia da tecnologia” e onde a noção de extensão (ou, projeção) ganha realmente corpo e importância fundamental. O autor concebe a tecnolo-gia, da mesma forma que Aristóteles, como uma forma de “projeção do órgão” (organ projection) (Lister, 2009), optando pelo termo projektion em vez do equivalente em alemão para extensão (Brey, 2000).

… a relação intrínseca que surge entre as ferramentas e ór-gãos, e que é para ser revelada e enfatizada - embora seja mais uma descoberta inconsciente do que consciente de invenção - é que na ferramenta o ser humano produz conti-

nuamente a si mesmo. Uma vez que o órgão cuja utilidade e poder deve ser aumentado é o fator dominante, a forma apropriada de uma ferramenta pode ser obtida somente a partir desse órgão. A riqueza das criações intelectuais, por-tanto, surge de mãos, braços e dentes. O dedo dobrado tor-na-se um gancho, o oco da mão uma tigela; na espada, lan-ça, remo, pá de ferro, rastilho, arador e pá de cavar, obser-va-se diversas posições de mão, braço e dedos, cuja adap-tação à caça, jardinagem, pesca, e ferramentas do campo é facilmente perceptível. (Kapp, 1877, p. 44-45 apud Mi-tcham 1994, p. 23-24, Tradução Livre).

O aspecto mais importante da visão de Kapp sobre a tecnolo-gia enquanto projeção dos órgãos é que o objeto técnico tem um aspecto morfológico intrinsecamente ligado ao órgão que o objeto técnico está estendendo. Percebemos que a rela-ção entre forma e função é essencial para Kapp. Os instru-mentos devem ter o aspecto de órgão humano, assim um gancho deve parecer-se com uma mão.

Para Kapp a tecnologia configurava-se como um meio de “superar a dependência da natureza bruta” (Mitcham 1994, p. 23). E isso se dá a partir da colonização do espaço e do tempo que permite “ligar as línguas mundo, semiótica, e in-venções em uma transfiguração global da terra e um habitat verdadeiramente humano.” (Mitcham 1994, p. 23). Neste tex-to Kapp teria previsto uma rede de telégrafos "universal tele-graphics" que iria transformar (encolher) o tempo e (manipu-lar) o espaço. Argumentando que o telégrafo seria uma exten-

58

Page 60: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

são do sistema nervoso assim como as estradas de ferro são extensões do sistema circulatório.

Somente após o fato, em muitos casos, os paralelos morfo-lógicas tornam-se aparentes. (Na verdade, o capítulo 9 do Grundlinien é dedicada ao inconsciente). E é só nesta base que a ferrovia é descrita como uma externalização do siste-ma circulatório (capítulo 7), e o telégrafo como uma exten-são do sistema nervoso (capítulo 8). (Mitcham, 1994, p. 23, Tradução Livre).

E para Carl Mitcham, Kapp leva essa relação morfológica ao extremo ao considerar a linguagem como uma extensão “Fi-nalmente, até mesmo a linguagem e o Estado são analisados como extensões da vida mental e da res publica ou externa da natureza humana.” (Mitcham, 1994, p. 23).

Para o filósofo Taede A. Smedes (2009), o conceito de Kapp não se restringe a uma projeção do órgão, pois estes órgãos também são ampliações e exteriorizações. "Grande parte da tecnologia foi, segundo Kapp, um alargamento e externaliza-ção de órgãos humanos, como a tecnologia que substitui as ca-pacidades humanas." (2009, p. 50, Tradução livre).

A comparação morfológica parece simples, mas esconde que esta projeção não é apenas da forma. Uma forma semelhante deve ter uma função semelhante para Kapp, assim os nervos humanos transformam-se em cabos de telégrafo, as lentes em instrumentos óticos imitam as lentes do olho humano, e os sis-temas ferroviários imitariam a estrutura do sistema vascular.

Segundo Kapp, “Os seres humanos inconscientemente transfe-rem forma, função e as proporções normais de seu corpo para as obras das suas mãos” (Kapp 1877, p. v-vi, apud Brey, 2000, Tradução livre).

Isso significa que os humanos usam suas próprias faculda-des como um padrão de referência sempre que criam novos artefatos, e esse processo não se dá de forma consciente. Esta última característica sendo a mais duvidosa, pois retira qual-quer possibilidade de intencionalidade na ação de construir um objeto técnico.

Sendo assim, as propriedades dos órgãos biológicos são transferidas aos artefatos (forma, função, proporção) e estes órgãos projetados realçam estes poderes naturais. Ainda que para Kapp a forma sempre siga a função, ou seja, para duas coisas serem funcionalmente similares, elas devem ser tam-bém morfologicamente similares, segundo Brey (2000), Kapp tende a perceber essas projeções mais como substitutas dos órgãos humanos do que como complementos. Este propõe assim, a partir do seu conceito de projeção, uma naturaliza-ção da produção dos artefatos tecnológicos.

59

Page 61: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

O debate das extensões em McLuhan

Dentre os diversos autores que escreveram sobre extensões, sob qual McLuhan se apóia? Parece difícil precisar quem apre-sentou e foi sua inspiração para o conceito. Dois autores pro-curaram sistematizar de forma mais profunda essas influên-cias: Richard Cavell no livro McLuhan in Cultural Space (2003); e Alice Rae na sua tese McLuhan’s Unconscious (2008).

Para estes autores as referências de McLuhan podem ter vindo de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), Henri Bergson (1859-1941), Ernst Cassirer (1874-1945), Teilhard de Chardin (1881-1955), James Joyce (1882-1941), Sigmund Freud (1856-1939), Edward T. Hall (1914-2009), Buckminster Fuller (1895-1983), e Lewis Mumford (1895-1990). Todos estes devidamente citados por McLuhan em seus trabalhos. Mas talvez o caso mais interes-sante seja a relação de McLuhan com Edward T. Hall.

Segundo Rae (2008), apesar de McLuhan ter lido o livro de Freud nos anos anteriores a publicação de The Mechanical Bri-de (1951), é Edward T. Hall com o seu livro The Silent Langua-ge (1959) que aparece no livro A Galáxia de Gutenberg (1977):

Hoje o homem desenvolveu extensões para praticamente tudo o que ele costumava fazer com seu corpo .... todas as coisas materiais feitas pelo homem podem ser tratadas como extensões do que o homem fez uma vez com seu cor-po ou alguma parte especializada do corpo dele. (Hall, 1959, p. 79, Tradução livre; McLuhan, 1977, p.21).

Ted Carpenter (2001, p. 19) que até escreveu livro com McLuhan atribui justamente a Edward Hall o conceito utiliza-do por McLuhan. McLuhan em diversas cartas enviadas a Wal-ter Ong, fala do seu apreço por Edward Hall e em uma delas atribui crédito do conceito de extensões a este. Após McLuhan conhecer Hall, os dois trocaram diversas cartas e Hall até envi-ou uma versão prévia do seu livro Beyond Culture (1976) no qual inclui uma nota em que afirma que o termo extensão foi tomado "emprestado" por McLuhan A Galáxia de Gutenberg (Hall, 1976, p. 245, nota 4; McLuhan, 1987, p. 515, nota 1).

McLuhan, triste com a acusação, contesta que Hall tenha sido um dos primeiros a conceitualizar o termo extensão, em uma de suas cartas para Walter Ong em 1962. Dizendo que a ideia de Hall veio de Buckminster Fuller. Ele “teve a idéia de nossas tecnologias como outerings de sentido e função a par-tir de Buckminster Fuller” (McLuhan, 1987, p. 287;308, nota 1, Tradução livre). Mas é possível que o próprio Fuller esti-vesse ciente do trabalho de Freud, pois o mesmo tinha gera-do muita atenção nos EUA.

Para Richard Cavell, o autor James M. Curtis em Culture as Polyphony (1978) deu algumas pistas indicando que até Hegel te-ria influenciado McLuhan:

Não se costuma associar Hegel com a tecnologia, mas ele o fez e com o princípio com que McLuhan chocou as pessoas cento e cinqüenta anos depois: a interpretação da tecnologia como a extensão do homem (Curtis, 1978, p. 34-35 apud Ca-vell, 2003, p. 256-257, nota nº52, Tradução livre).

60

Page 62: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Cavell encontra ainda outros autores que poderiam ter influ-enciado McLuhan. Notando outras apropriações como a de Georg Von Békésy (1967) e a do arquiteto Le Corbusier em que a arte decorativa é “uma extensão de nossos membros - de fato de membros artificiais“. (1987, p. 72).

Uma vez que fica difícil rastrear de forma assertiva a partir de qual conceito McLuhan se apropria. O que parece ficar claro, é que o próprio McLuhan rastreou o “conceito”2 de ex-tensões nestes autores tão diversos, mas ainda assim não pro-pôs um conceito de forma clara e objetiva.

Mas qual é o sentido de extensão utilizado por McLuhan? Para McLuhan toda tecnologia é uma extensão. Ela pode ser tanto do corpo como da inteligência do homem.

Em termos gerais não podemos dizer que McLuhan tenha um conceito muito desenvolvido ou que propõe uma diferen-ciação clara entre vários tipos de extensões. A própria no-menclatura escolhida pelo autor cria essa dificuldade uma vez que o mesmo por vezes utiliza o termo “extensão”, em outras pode denominar de “tradução”, “repetição” ou “inten-sificação” para representar o mesmo processo.

Segundo Rae (2008), a partir de 1973, McLuhan deixa de utili-zar muitas vezes a noção de tecnologias enquanto extensões e passa a utilizar termos relacionados a linguagem como "metáfora" ou "palavra" com uma "estrutura lingüística" e

que vai desembocar no modelo tetrádico do livro Laws of Me-dia (1988) escrito com seu filho, Eric McLuhan.

Ainda assim, podemos chegar a algumas definições. As ex-tensões de McLuhan podem ser divididas em dois tipos. De um lado extensões do corpo e de outro, extensões de faculda-des cognitivas como as funções dos sentidos, sistema nervo-so central e até a consciência. Esta última encarada como a fronteira final das extensões.

Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciên-cia, pela qual o processo criativo do conhecimento se esten-derá coletiva e corporativamente a toda a sociedade huma-na, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos meios e veículos. (1969, p.17)

Já as extensões do corpo podem ser extensões de partes do corpo humano que podem ser usadas para agir no mundo, se proteger do ambiente ou regular certas funções do corpo. As roupas, por exemplo, são uma extensão da pele e que es-tendem a função do controle de temperatura e de proteção do corpo. Outros utensílios como jarras, fósforos, e dinheiro também são considerados como tecnologias que estendem funções de “armazenamento e mobilidade” (1969, p. 207).

Os meios de comunicação são analisados enquanto extensões dos sentidos. Em destaque o sentido da visão e da audição. O rádio e o telefone, por exemplo, funcionam como orelhas de lon-

61

____________________

2 Ainda que possamos identificá-las mais como ideias do que propriamente conceitos elaborados de forma sistemática.

Page 63: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ga distância. E as extensões como a escrita e a imprensa são ex-tensões visuais. E foram analisados como executando funções de processamento de informação do sistema nervoso central. Funções como gestão da informação, armazenamento e a recu-peração que eram executadas pelo sistema nervoso central.

Um dos pontos importantes do conceito de extensão é que para ele as extensões criam um entorpecimento e devido a isso não são percebidos enquanto extensões e também não permite perceber os novos ambientes criados decorrentes dos efeitos dos meios.

O exame da origem e do desenvolvimento das extensões individuais do homem deve ser precedido de um lance de olhos sobre alguns aspectos gerais dos meios e veículos — extensões do homem — a começar pelo jamais explicado entorpecimento que cada uma das extensões acarreta no indivíduo e na sociedade. (1969, p.20).

McLuhan recorre ao mito de Narciso em Understanding Me-dia para se referir ao efeito de entorpecimento enquanto um efeito do processo de extensão. No mito grego de narciso, o jovem narciso é conhecido pela sua beleza e orgulho e dessa forma desdenha daqueles que o amam. Nemesis ao ver essa situação induz Narciso a olhar o seu reflexo na água. Narci-so apaixona-se pelo seu próprio reflexo, ou seja, por si mes-mo. E não conseguindo escapar da beleza de seu reflexo, Narciso morre.

Para McLuhan, Narciso não se apaixona por si mesmo, pois este não percebe se trata de um reflexo. Ele acreditava que era

outra pessoa, quando na verdade era uma parte sua estendi-da. "A extensão de si mesmo pelo espelho embotou suas per-cepções até que ele se tornou o servomecanismo de sua pró-pria imagem prolongada ou repetida." (1969, p. 59).

Cada nova extensão exerce uma pressão sobre nós, e em de-corrência dessa pressão exercida pela faculdade estendida, nosso corpo procura nos proteger entorpecendo aquela área ou bloqueando a percepção. Dessa forma, toda extensão é (também) uma amputação. Para lidar com essas pressões, se-gundo McLuhan, contra-irritantes devem ser aplicados, e que se resumem em novas extensões.

Fisiologicamente, o sistema nervoso central, essa rede elé-trica que coordena os diversos meios de nossos sentidos desempenha o papel principal. Tudo o que ameaça a sua função deve ser contido, localizado ou cortado, mesmo ao preço da extração total do órgão ofendido. […] Qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputa-ção de nosso corpo, e essa extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo. Assim, não há meio de recusarmo-nos a ceder às novas re-lações sensórias ou ao “fechamento” de sentidos provoca-do pela imagem da televisão. Mas o efeito do ingresso da imagem da televisão variará de cultura a cultura, depen-dente das relações sensórias existentes em cada cultura. (1969, p.61;63)

62

Page 64: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Se McLuhan não se preocupa com a descrição do processo de projeção, só pontua que existem os paralelos entre artefa-tos e faculdades humanas, fato que é levantado por seus críti-cos. Em contraposição ele aponta o que considera mais im-portante, que são os efeitos dos seus usos, e a relação que te-mos com nossas extensões.

Incorporando continuamente tecnologias, relacionamo-nos a elas como servomecanismos. Eis por que, para utili-zar esses objetos-extensões-de-nós-mesmos. devemos ser-vi-los, como a ídolos ou religiões menores. Um índio é um servomecanismo de sua canoa, como o vaqueiro de seu ca-valo e um executivo de seu relógio. […] Fisiologicamente, no uso normal da tecnologia (ou seja, de seu corpo em ex-tensão variada vária), o homem é perpetuamente modifica-do por ela, mas em compensação sempre encontra novos meios de modificá-la. É como se o homem se tornasse o órgão sexual do mundo da máquina, como a abelha do mundo das plantas, fecundando-o e permitindo o evolver de formas sempre novas. O mundo da máquina correspon-de ao amor do homem atendendo a suas vontades e dese-jos, ou seja, provendo-o de riqueza (1969, p. 64-65)

McLuhan apresenta a partir da noção de extensão e de tecnolo-gia uma visão importante e diferenciada de outros autores, ao colocar que o homem e o objeto técnico fazer parte de um mes-mo sistema. A canoa necessita do homem para configurar um sistema funcional, eles são partes intrínsecas de um mesmo projeto. Da mesma forma como Aristóteles situa que para a

navegação é uma composição de partes animadas e inanima-das, mas que ainda assim ambos servem como um tipo de ins-trumento para um projeto maior que é a navegação.

Para McLuhan as extensões são extensões funcionais de pro-priedades de faculdades humanas, mas não necessariamente propriedades morfológicas, ainda que algumas dessas analo-gias possam ser traçadas. Neste quesito McLuhan não fica apenas na morfologia como Kapp e percebe que outras fun-ções também podem ser exteriorizadas. Ainda assim em al-gumas propostas Kapp e McLuhan se aproximam, pois am-bos vão considerar, por exemplo, o telégrafo como uma ex-tensão do sistema nervoso central. Ou ainda na concepção de que os meios elétricos (telégrafo no caso de Kapp) teriam a potencialidade de abolir as dimensões do tempo e do espa-ço.

Kapp percebe os mais variados artefatos a partir da dupla: similaridades morfológicas - similaridade funcional. O mai-or problema da similaridade morfológica para entender as extensões, é que elas não dão conta da noção de máquina. Quando a força motriz vista a partir de André Leroi-Gour-han (1984; 1965) e Georges Friedmann (1968) passa a ser exe-cutada pela máquina, a relação entre forma e função deixa de correr em paralelo. McLuhan escapa dessa limitação ao relacionar as extensões a partir das funções exercidas.

63

Page 65: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Considerações

A noção de McLuhan de extensão se complica na tentativa de perceber uma relação exata da função exercida pelo huma-no, seja mentalmente, seja fisicamente. Isso é percebido, no caso de McLuhan, ao encarar a roupa como uma extensão da pele ou a casa como extensão do controle de temperatura in-terna do corpo. Poderíamos então nos perguntar o que seria estendido então com uma indústria de química? Um avião estende as asas que não possuímos ou nossa faculdade de lo-comoção? Ou estamos falando de um sentido mais restrito de extensão? Assim, quando se recorre a uma demasiada abs-tração e as propriedades se tornam inverossímeis, a ideia de que os artefatos são cópias funcionais de órgãos humanos pode tornar-se cada vez mais vazia.

Percebemos assim que há diversas problemáticas envolvidas na noção de extensão. Tentamos mostrar como uma concep-ção vista como “simples”, ou “esquecida” de tecnologias en-quanto extensões do homem abre espaço para uma série de perguntas e problemas que tem repercussão tanto para a filo-sofia da tecnologia, antropologia da técnica, quanto para a comunicação. Entre estas estão:

(1) Quais as diferenças entre termos como extensão, exterio-rização, prótese, projeção e simulação? Encontramos aqui a necessidade de uma investigação sobre as nomenclaturas, pois se não sabemos com o que estamos tratando encontra-remos fatalmente dificuldades em avançar nas definições.

(2) Toda tecnologia é uma extensão do humano? Esta ques-tão desemboca no que estamos considerando como tecnolo-gia, e consequentemente no conceito de meios de comunica-ção. Além disso, coloca a questão de o que é que é estendido: é o sensório humano, músculos, ou órgãos, como em Aristó-teles e McLuhan, ou é a própria tecnologia, como em Jacques Ellul? O que significa dizer que os meios de comunicação es-tendem a consciência?

(3) A noção de extensão carrega consigo a proposta de um fim da separação entre homem e máquina, entre biológico e tecnológico? Tanto Freud, Bergson, Teillard, Mumford e Edward Hall, segundo Rae (2008), percebem as extensões em termos de um processo evolutivo. E dessa forma, borrando cada vez mais as diferenças entre tecnologia e o que é orgâni-co, ou seja, uma não separação. E que pode tomar sentidos mais extremos como para Rae (2008, Tradução livre) que diz que “Se a tecnologia não é nada mais de que uma adaptação evolutiva, então não há distinção para ser encontrada entre um órgão como o olho e uma tecnologia como o telescópio”.

(4) A relação de causalidade das tecnologias e a concepção de determinismo tecnológico3. A definição básica de determinis-mo é a de que o desenvolvimento tecnológico condiciona a dinâmi-ca social e indica o rumo das transformações culturais. Uma vez que Innis e McLuhan encaram que as tecnologias exercem

64

____________________

3 Para um aprofundamento sobre a questão do determinismo tecnológico ver MARTINO, L.C. & BARBOSA, R. M. Do determinismo tecnológico à determinação teórica [no prelo].

Page 66: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

uma influência maior do que sua relação meio e fim, e nem sempre previsíveis ou conscientes, devido a isso estes são fre-quentemente acusados de serem deterministas tecnológicos. É possível falar de determinismo quando as tecnologias são nos-sas extensões? É possível se livrar do determinismo? O deter-minismo pode ser encarado como um aporte epistemológico, e/ou como uma questão metafísica?

(5) A extensões como objetos essencialmente físicos? Como lidar com objetos que possuem uma relação maior com a fun-ção de status. Para McLuhan, o dinheiro, por exemplo, pode ser encarado como uma extensão, pois “No começo, é muito vaga a sua função de prolongar o anseio do homem por coi-sas distantes a partir dos bens e produtos mais próximos.” (1969, p.153). Mas seu caráter físico deixa ser prioritário para a noção de extensão, uma vez que o aspecto material do di-nheiro é praticamente inexpressivo. O dinheiro pode ser fei-to de moedas de ouro, sal, plástico como em cartão de crédi-to, ou qualquer outro material, trata-se em grande parte de uma convenção social.

Ou seja, o aspecto principal do dinheiro é o que Brey chama de “funções de status”, onde os poderes e funções correspon-dentes não provêm de suas propriedades físicas, mas inclu-em funções simbólicas, morais e religiosas. Ainda que isto não signifique que um artefato como um martelo que tenha uma função física, não possa ter também uma “função de sta-tus” atribuída a ele.

Assim, cada vez mais nos distanciamos de uma definição de ex-tensão e de tecnologia. O dinheiro estende alguma faculdade me-tal ou corporal? Ela pode ser considerada como uma tecnologia?

(6) Podemos considerar o uso de animais e humanos enquanto extensões? Um moinho movido por força animal, ou uma fábri-ca gerenciada por pessoas e máquinas são também considera-das extensões? Um dos exemplos é o uso do cavalo para o com-bate e para a agricultura são considerados como tecnologias no estudo de Lynn White sobre a tecnologia medieval

(7) Objetos naturais como pedras, pedaços de madeira, ou água podem ser considerados extensões ou somente aqueles construídos? A água em uma roda d'água não seria uma tec-nologia? Ou teríamos que enquadrar todo funcionamento da natureza enquanto extensões e dessa forma aproximar a um funcionalismo extremo?

Estas questões são apenas amostras da importância e para onde a questão das extensões, colocadas em destaque por McLuhan, podem nos levar, e que pedem a meu ver de uma análise mais sistematizada. A naturalização do conceito de extensões, e uma falta de atenção às demarcações do concei-to de tecnologia, nos levam a colocar a tecnologia como sen-do ao mesmo tempo tudo e nada. Fato que ocorre nas discus-sões epistemológicas da comunicação, ou na falta delas, no que se refere ao conceito de meios de comunicação enquanto tecnologias da comunicação. Nesse sentido, o debate em rela-

65

Page 67: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ção ao conceito de extensões, meios de comunicação e tecno-logias são essenciais para o saber comunicação.

66

Page 68: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências

ARISTÓTELES. Eudemian Ethics, book VII, In: ARISTÓTELES; BARNES, Jonathan. The Complete Works of Aristotle: The Revi-sed Oxford Translation. vol. 2. Princeton, N.J: Princeton Univer-sity Press, 1984.

ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Mário da Gama Cury. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1985. 317p.

EVERSON, Stephen (ed). Aristotle, The Politics and The Constituti-on of Athens. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

BÉKESY, Georg von. Sensory Inhibition. Princeton University Press, Princeton, N.J., 1967. 277 pp.

BERGSON, Henri. Creative Evolution. Trans. Arthur Mitchell, London: Macmillan, 1911.

BERGSON, Henri. The Two Sources of Morality and Religion. Trans. R.Ashley Andra and Cloudesley Brereton, London: Macmillan, 1932.

BREY, P. (2000). “Technology as Extension of Human Faculties.” Me-taphysics, Epistemology, and Technology. Research in Philo-sophy and Technology, vol 19. Ed. C. Mitcham. London: Elsevi-er/JAI Press.

CARPENTER, Edmund. “The not-so-silent sea,” In. THEALL, Donald. The Virtual Marshall McLuhan. Montréal, McGill-Queen's University Press, 2001. Pages 236-261. Disponível em: http://mediatedcultures.net/phantom/Silent%20Sea.pdf

CAVELL, Richard. McLuhan in Space: A Cultural Geography. Uni-versity of Toronto Press. 2003. 360pp.

CURTIS, James M. Culture As Polyphony: An Essay on the Nature of Paradigms. Columbia: University of Missouri Press, 1978.

EBERSOLE, Samuel E.. Media Determinism in Cyberspace. 1995. Disponível em http://faculty.colostate-pueblo.edu/samuel.ebersole/mdic/index.html

FRIEDMANN, Georges. 7 Estudos sobre o Homem e a Técnica. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.

GORDON, W. Terrence. Marshall McLuhan: Escape Into Unders-tanding: A Biography. Basic Books. 1997. 465pp.

HALL, E.T. The Silent Language, New York: Doubleday, 1959.

HALL, E.T. Beyond Culture, New York: Doubleday, 1976.

KAPP, Ernst. Grundlinien einer Philosophie der Technik. Zur Ents-tehungsgeschichte der Kultur aus neuen Gesichtspunkten. Braunschweig: Verlag George Westermann, 1877.

LE CORBUSIER. The Decorative Art of Today. Trans. James I. Dun- nett, Cambridge, Mass.: MIT Press, 1987, p. 72.

LEROI-GOURHAN, André. Evolução e técnicas I - O homem e a ma-téria. Lisboa, Edições 70, 1984.

LEROI-GOURHAN, A. O Gesto e a Palavra II. Memória e Rit-mos. Lisboa: Edições 70, 1965.

LISTER, Martin. New Media: A Critical Introduction. 2nd Ed.. New York: Routledge, 2009

MARTINO, L. C.; BARBOSA, R. M. “Do Determinismo Tecnoló-gico à Determinação Teórica”, [no prelo].

67

Page 69: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLUHAN. Marshall. Os meios de Comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1969.

________. The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man. New York: Vanguard Press, 1951.

________. Understanding Media: The Extensions of Man. London: Routledge & Kegan Paul, 1964.

McLUHAN, Marshall; GORDON, W. Terrence. Understanding Me-dia: The Extensions of Man. Corte Madera, CA: Gingko Press, 2003.

McLUHAN, Marshall; MOLINARO, Matie, McLUHAN, Corri-ne; TOYE, William (eds.). Letters of Marshall Mcluhan. Toronto: Oxford University Press, 1987.

McLUHAN, Marshall; McLUHAN, Eric. Laws of Media: The New Science. Toronto, Buffalo and London: University of Toronto Press, 1988.

MARCHAND, Philip. Marshall McLuhan: The Medium and the Messenger. Random House. 1989. 320pp.

MITCHAM, Carl. Thinking Through Technology. Chicago: Uni-versity of Chicago Press, 1994.

RAE, Alice. McLuhan’s Unconscious (2008). Thesis at School of History and Politics, University of Adelaide - May, 2008.

SMEDES, Taede A. “Technology and What It Means to Be Hu-man” .In: Drees, Willem B.. Technology, Trust, and Religion: Roles of Religions in Controversies on Ecology and the Modification of Life. Lei-den: Leiden University Press, 2009, p.41-54.

68

Page 70: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Parte 2

APROXIMAÇÕES 1

Marshall McLuhan: meios,mensagens, determinismo eesquecimento na aldeia globalMARIANE CARLA FONSECA

FILOMENA MARIA AVELINA BONFIM

Profundo e nefasto: o debatesobre a televisão na obra de McLuhan e AdornoJANARA SOUSA

PEDRO RUSSI

McLuhan e Anísio Teixeira:aproximações em tornoda tecnologiaRAQUEL DE ALMEIDA MORAES

Page 71: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Marshall McLuhanmeios, mensagens, determinismoe esquecimento na aldeia global

ResumoEste trabalho tem como objetivo estabelecer um traçado conceitual e histórico da trajetória de Herbert Marshall McLuhan a partir de um le-vantamento bibliográfico e exploratório. Com isso, constrói-se um apa-nhado “vida-obra” com apontamentos críticos sobre o canadense que morreu em 1980 amargando certo ostracismo e críticas ferrenhas dos acadêmicos em Comunicação. Além disso, carregou os fardos do deter-minismo e do senso comum, considerados norteadores de seu traba-lho. O curioso, porém, foi a reviravolta percebida em seu pós-morte. A partir dos anos 90, com a ascensão tecnológica e dos meios de comuni-cação, a obra mcluhaniana veio à tona novamente, impulsionada pela publicação de Laws Of Media – que expõe as noções das Tétrades.

Este artigo vem ao encontro dessa dualidade de McLuhan, levantando os contrapontos à obra do professor canadense e apontando, ao mes-mo tempo, sua pertinência ao contexto atual.

Palavras chavecomunicação, McLuhan, mídias, tétrades, determinismo

70

MARIANE CARLA FONSECA

GRADUADA EM GESTÃO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA

HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS (CAMPUS ARCOS)

PÓS-GRADUANDA NO PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI, MINAS GERAIS, BRASIL

[email protected]

FILOMENA MARIA AVELINA BOMFIM (ORIENTADORA)

PÓS-DOUTORA MCLUHAN PROGRAM IN CULTURE AND

TECHNOLOGY (MPCT), UNIVERSIDADE DE TORONTO, CANADÁ

PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI,

MINAS GERAIS, BRASIL

[email protected]

Page 72: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Introdução

Nos anos 90 o termo “globalização” se transformou em uma das pautas da década. Falou-se em colapso da União Soviética, telescópio Hubble, Aids, genocídio em Ruanda e na tal transfor-mação eminente a que o mundo inteiro estaria sujeito. Para al-guns, o significado desse fenômeno estava ligado à empolga-ção de unir territórios desde a queda do muro de Berlim (talvez a onda chegasse à Coréia ou sensibilizasse Cuba). Para outros, tratava-se de uma nova Pangeia, desta vez simbólica, com o pla-neta se transformando em uma grande vizinhança mediada por computadores.

Entre uma teoria e outra, a questão veio à baila em happy hours, elevadores, metrôs, bancos de praça e carteiras escolares. Na época, redações iniciadas com “no mundo globalizado em que vivemos” se transformaram em clichês insuportáveis para os professores de Língua Portuguesa. Não demorou muito para que o terceiro planeta do Sistema Solar, quinto maior do uni-verso, com 71% de seu território coberto por água e único ha-bitado passasse a ser chamado de “aldeia global”, algo bem semelhante ao que John Lennon cantava em Imagine e fazia dele um popstar sonhador. Mas de onde surgiu esse termo?

A resposta está em Herbert Marshall McLuhan, teórico cana-dense que usou a expressão pela primeira vez em 1962 – no livro A Galáxia de Gutenberg – e não chegou a presenciar esta e outras de suas idéias tornando-se realidade. Ao menos total-mente. Morto em 31 de dezembro de 1980, um ano após sofrer

uma trombose que o impossibilitaria de qualquer atividade, McLuhan testemunhou com olhos atentos a formação de uma tribo mundial que agregava novos aparatos tecnológicos às comunicações, reestruturando métodos, transformando men-sagens e reformatando sociedades. Segundo o autor, a partir dessa nova “ordem” os processos cognitivos seriam alterados e a própria cultura impressa encontraria sua crítica mais pun-gente devido a seu compromisso quase absoluto com a lineari-dade. McLuhan também alertou que a nova estrutura promo-veria identidades coletivas formadas em meio a um trânsito de informações intenso e multidirecional.

Ao trazer a perspectiva mcluhaniana para a atualidade, a questão da World Wide Web parece se encaixar à teoria do cana-dense, algo curioso ao considerar que McLuhan pareceu esbo-çar esse cenário quando a internet ainda era uma ideia1 e Bill Gates um garotinho de sete anos.

Com isso, longe de ser beneficiado por dons premonitórios, McLuhan é por vezes apontado como um visionário, além de transgressor. Os títulos se devem principalmente ao fato de que enquanto muitos aplaudiam a Teoria Matemática da Co-municação2, centrada na emissão de mensagens, por exemplo,

71

____________________

1 Na realidade um mecanismo de comunicação recém-desenvolvido nos EUA com o objetivo de conectar bases

militares e departamentos de pesquisa do país.

2 Defendida por Shannon e Weaver – matemáticos e engenheiros elétricos norte-americanos – essa teoria

apontava que “o objetivo da comunicação seria reproduzir num ponto de forma exata, uma mensagem selecio-

nada em outro ponto. Porém, toda transmissão de informação poderia chegar acarretada de interrupções e

ruídos” (REBOUÇAS, 2008).

Page 73: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan defendia que o foco deveria ser voltado aos meios em si, já que um novo cenário estava sendo construído, aba-lando conceitos e paradigmas como tempo, espaço e oralida-de. Dentro dessa dinâmica, novos media demandariam novas estruturações de mensagens e, consequentemente, instituiri-am novas formas de comportamento. Segundo Tapley (1998, p.04), a lógica mcluhaniana está aí: trata-se de assumir que as mídias constituem parte do mundo que as pessoas habitam e em que interagem. Não por outro motivo o mesmo autor ates-ta que ao surgir um novo meio ou ser transformado um anti-go, o tecido social sofre mutações para se adaptar.

Assim, das pinturas rupestres aos emoticons no MSN, o que se percebeu – sob o ponto de vista mcluhaniano – foram modifica-ções na forma de expressar ou relatar fatos em diferentes supor-tes. Com a expansão dos mesmos e a facilidade de acesso a eles, formou-se o infomar3 cantado por Gilberto Gil. Antes dele, McLuhan apontou que o excesso de informações e a característi-ca mutante dos meios alienariam seus usuários. Não se tratava de uma questão marxista envolvendo dominantes e domina-dos. Dizia respeito, antes, ao excesso. Munday (2003) lembra a analogia feita por McLuhan baseando-se no conto A descent into the Maelström, de Edgar Allen Poe. Nele, um marinheiro relata como evitou ser engolido por um redemoinho gigantesco ao es-tudar os efeitos das correntes. Para McLuhan, o turbilhão aquá-tico de Poe seria uma metáfora para o caos do mundo moderno enquanto as ações do marinheiro em Maelström esboçariam

uma solução: cada indivíduo garantiria sua passagem pelo tur-bilhão, a salvo, depois de adentrá-lo e estudá-lo.

Todavia, mesmo ao apresentar audiências até certo ponto au-tônomas e capazes de expelir a “bala mágica”4 dos meios de massa, McLuhan deixou expostas grandes contradições teóri-cas que, rebatidas com veemência, se transformaram em trun-fos de seus críticos mais intensos: alguns acadêmicos detec-tam em seus textos traços de arbitrariedade e senso comum; grandes expoentes como Raymond Williams o acusam de co-meter o pecado do determinismo tecnológico.

O que se percebe é a construção de um novo modelo de “médico x monstro” em que McLuhan atua como “visionário x louco”. Para Friesner (2005), um dos aspectos mais notáveis em relação ao teórico canadense não está ligado à teoria em si, mas à rapi-dez com que ele oscilou entre a aclamação popular e a rejeição geral. Rockman (1968, p.138) ressalta esse mesmo paradoxo:

DeMott chamou McLuhan de “Mr. Big da midcult5”. Tom Wolfe o colocou no patamar de Darwin, Freud e Eistein. (...) Uma carta ao jornal Daily Star de Toronto, assinada por um certo Dr.Holt, chamou-o “a maior farsa de sua década”. E Frank Kermode acreditava que se vivêssemos em uma Era Literata, o livro “A Galáxia de Gutenberg” seria leitura obri-gatória para todo mundo.

72

____________________

3 “Criar meu web site, fazer minha homepage. Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje... que

veleje nesse infomar?” (Pela Internet, Gilberto Gil, 1996).

____________________

4 Termo cunhado pela Escola Norte-Americana em meados da década de 40. Para os pensadores da época, como

Laswell, chamados behavioristas, as audiências (“alvos fáceis” dos meios de comunicação), reagiriam de forma unifor-

me às investidas midiáticas.

5 “Diz-se da cultura intelectual intermediária, entre o erudito e o “popular”; cultura média”. (Dictionary.com)

Page 74: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Nesse quase maniqueísmo, McLuhan se perde. Muito embora atualmente seja abençoado por algum reconhecimento tardio, o canadense ainda não figura como grande referência quando a comunicação é colocada como objeto de estudo. Por quê?

Este artigo tem como objetivo levantar essa questão, ao mes-mo tempo em que apresenta as teorias mcluhanianas em con-sonância com a contemporaneidade, num contexto em que das interações mais simples aos processos educacionais, as mensagens passaram a ser mediadas por conectores que pare-cem ignorar tempo, espaço e linearidade.

2. Herbert Marshall McLuhan: prazer em conhecer

Herbert Marshall McLuhan nasceu em Edmonton, Canadá, a 21 de julho de 1911. Filho de um corretor de seguros e de uma atriz, McLuhan foi desde cedo a plateia mais atenta da mãe: ao colocar o filho mais velho para dormir, Elsie McLuhan fu-gia aos padrões mais comuns e, ao invés de contar alguma his-tória assinada pelos Irmãos Grimm, recitava Shakespeare. Por alguma razão que só a Neurolinguística consegue explicar, o menino desenvolveu verdadeira paixão por Literatura e gra-duou-se em Literatura Inglesa pela Universidade de Manito-ba na década de 30. Mesmo tendo escrito em um diário, em 1931, que jamais se tornaria um acadêmico, McLuhan logo se viu atuando em salas de aula.

Após a obtenção do título de Mestre em Artes e Língua Ingle-sa (também pela Universidade de Manitoba), McLuhan pas-sou dois anos na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Conforme conta Trinta (2003), ali McLuhan teve contato com I.A Richards, psicólogo, crítico, poeta e professor de Literatu-ra que apresentou o canadense aos segredos da filosofia da retórica; além de F.R. Leavis, crítico e educador. Mais tarde McLuhan passou a lecionar New Criticism inglês na Universi-dade de Saint Louis. Em 1944 retornou ao Canadá, onde leci-onou Humanidades no Assumption College. Dois anos de-pois já fazia parte do corpo docente da Universidade de To-ronto, passando a conviver com o professor de Economia Po-lítica Harold Innis.

73

Page 75: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Salta aos olhos a jornada transdiciplinar de Marshall McLuhan. Tal multiplicidade não tinha relação com mera curiosidade aca-dêmica, mas com a crença de que a totalidade estava longe de definir saberes e os próprios meios de comunicação.

Por mídia, McLuhan entendia bem mais do que meios tais como o jornal, o rádio e a TV. Neste rol estavam incluídos a estrada, o dinheiro, o relógio, a roda, a roupa e outros tan-tos artefatos humanos que se prestassem à realização de ati-vidades de comunicação: são tecnologias ou aplicações de conhecimentos científicos, conquistas humanas e sociais. (TRINTA, 2003, p.06)

Tais concepções mcluhanianas aparecem dispostas ao longo de sua obra datada inicialmente da década de 40, muito embo-ra seu primeiro livro, The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man, tenha sido publicado em 1951. Segundo Marchessault (2005), essas foram as décadas mais importantes na constru-ção teórica de McLuhan. Apesar de a produção do canadense acumular 17 livros de autoria própria e dezenas de artigos pu-blicados ao longo dos anos até o final da década de 80, a auto-ra defende que foi nas primeiras publicações que McLuhan mostrou seu caráter mais “profético”, cristalizado na década seguinte com A Galáxia de Gutenberg.

A carreira acadêmica de McLuhan foi brevemente interrompi-da em 1967, quando exames detectaram a presença de um tu-mor na parte inferior de seu cérebro. Uma intervenção cirúrgi-ca foi realizada, mas acarretou perda de memória e de sensibi-

lidade a ruídos e cheiros. Mesmo assim, McLuhan retomou su-as atividades meses depois.

Na década de 70, após os saltos de Neil Armstrong na Lua te-rem sido transmitidos ao vivo pela TV, Woodstock ter virado comportamentos do avesso e os Beatles anunciarem que o so-nho havia acabado, McLuhan prosseguiu publicando artigos e participando de conferências. O cinema também o solicitou: o canadense interpretou a si mesmo em Annie Hall, realizado por Wood Allen em 1977. Herbert Marshall McLuhan morreu três anos depois, em casa, às vésperas de um Réveillon.

74

Page 76: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

3. As ideias de McLuhan: genialidade ou loucura?

Quando McLuhan falou sobre a aldeia global, o rádio e a TV ain-da eram as grandes coqueluches do mundo, trazendo som e ima-gens a um planeta habituado à oralidade crua e à escrita. Naque-la época, ele não imaginou que no século XXI o Google se trans-formaria em um dos grandes inventos da humanidade, trazendo no mesmo barco o Youtube, o Wikipedia e o Twitter. Obviamen-te, ele não poderia deduzir que Susan Boyle viraria celebridade instantânea ou que a morte de Michael Jackson seria anunciada em primeira mão em um site de fofocas da internet.

Todos esses fenômenos atualmente parecem banalizados por uma geração que nasceu em frente a computadores. No con-texto mcluhaniano, falar sobre eles exigia, no mínimo, um grande nível de abstração. Quando McLuhan começou a apre-ender as ideias de I.A.Richards, se deparou com a possibilida-de de não ser “o conteúdo de um poema o que, esteticamente, importa; mas, antes, o impacto que uma sucessão de inspira-das metáforas produzirá, como efeito psíquico, na mente do leitor” (TRINTA, 2003, p.03). Foi partindo desse princípio de negligência ao conteúdo e importância aos efeitos que McLuhan baseou suas teorias.

Para o canadense, os homens não eram os únicos protagonis-tas do teatro do absurdo que parecia se inaugurar. Os meios pareceram vívidos à medida que eram reformatados e toda uma gama de material de entretenimento e informação come-çou a convergir. Enquanto grandes teóricos se debruçavam so-

bre paradigmas de emissores-receptores ou bradavam contra a Indústria Cultural e a reprodução em massa, McLuhan olha-va com mais atenção para o fato de que tudo aquilo não causa-ria mudanças na sociedade. Toda parafernália e mistura já eram em si pacotes de grandes transformações. Mais do que aparelhos, eram extensões dos homens e manifestações soci-ais. “Para cada meio, McLuhan pousava um sentido e repousa-va nele a sua tese de exploração sensorial” (ESTRÁZULAS, 2007, p.03). Assim, além de uma caixa mágica com luz, som e imagem, a TV seria um prolongamento da visão e da audição. Da mesma forma, um carro seria uma extensão dos pés e as camisetas (das lisas às estampadas com o rosto de Che Gueva-ra) seriam extensões da pele.

Com essas proposições, McLuhan abriu duas vertentes: a) os mei-os correspondem a um vasto conjunto de suportes e b) são pro-longamentos físicos. As mensagens, assim, seriam tão mutantes e complexas quanto os meios que as abrigam, adaptando-se a eles. Daí o surgimento da máxima “o meio é a mensagem”.

No contexto de McLuhan, a TV trazia à tona o fato de que os conteúdos jornalísticos apresentados ali não podiam ser apre-endidos com a profundidade e o requinte crítico dos jornais impressos. Ao ler uma página do Toronto Star6 a informação podia ser decodificada e assimilada no tempo exigido por seu receptor, mas o mesmo não era permitido quando as notícias

75

____________________

6 Jornal impresso canadense, fundado em 1892. Atualmente o impresso de maior circulação no país, com cerca de

400 mil exemplares.

Page 77: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

eram veiculadas por um telejornal, dada a rápida transição en-tre as matérias e os assuntos abordados.

Para McLuhan, os indivíduos não ficavam imunes aos proces-sos de reconstrução midiática, passando por transformações à parte simultaneamente. Ao analisar a dinâmica evolutiva das últimas décadas, percebe-se que o desenvolvimento dos mei-os esteve intimamente ligado às mudanças sociais. Nos anos 2000 a informação assumiu status de “item de sobrevivência”. Ironicamente, o ritmo pós-moderno pareceu tolher a comodi-dade de ler um jornal ou uma revista e assistir a um telejornal.

Ante esse cenário e em resposta ao emprego dos computado-res, surgiram os jornais online com seções de Tempo Real. A notícia deixou de ser composta por um texto longo e analítico, passando a ser representada por fragmentos atualizados minu-to a minuto, com links que permitem aprofundamento ou res-gate de informações a qualquer momento, em qualquer or-dem. A princípio, a troca de átomos por bits significou ameaça de extinção aos impressos. Mais tarde, com a aceitação do novo meio e suas formas de transmissão, ficou claro que o sur-gimento de uma mídia não demandava “a morte” de seus pre-decessores. Para esse fenômeno McLuhan também teceu expli-cações, no exato momento em que teóricos e universitários questionavam seu legado.

4. McLuhan e seu “crime”: senso comum?

Eric McLuhan, filho de Marshall e co-autor de Laws of Media, divide os desafetos do pai em dois grupos: o de leitores que diziam não entender suas ideias e o de detratores que o des-prezavam por não detectarem traços científicos em sua obra. No primeiro grupo estava Dwight Macdonald, que chegou a escrever em uma resenha sobre Understanding Media – no Bra-sil publicado sob o título Os meios de comunicação como exten-sões do homem – que “as partes são melhores que o todo. Uma única página é impressionante, duas são estimulantes, cinco levantam sérias dúvidas, dez as confirmam" (MUNDAY, 2003, p.01). Adiante, Macdonald classifica seu texto como “nonsense impuro”.

DeMott (1969), por sua vez, preferiu rotular o trabalho de McLuhan como delirante, de difícil compreensão, embora com sentido. Segundo o autor, McLuhan produzia com opaci-dade, lançava livros densos com expressões como “interiori-zações de tecnologia alfabética” e publicações que mais lem-bravam recortes acumulados sobre Matemática, Teologia Po-lítica e História, fugindo do que convencionalmente poderia ser chamado de “dissertação”. Em relação a isso, Federman (2003, p.01) diz o seguinte: “McLuhan não é de fácil leitura, pelo menos até que você tenha aprendido a decifrar sua lin-guagem e a quebrar o hábito de ler linearmente”.

De fato, o trabalho mcluhaniano não respeita um critério cro-nológico e pode ser apreciado em qualquer ordem, sob qual-quer perspectiva, sem anular a conexão estabelecida entre su-

76

Page 78: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

as ideias. Todavia, “ler” McLuhan não diz respeito somente a “assimilar” um conteúdo, mas também a “decodificá-lo”. “Uma lição que McLuhan teve de cor referia-se à necessidade de acostumar estudantes universitários a uma análise crítica de seu ambiente cultural – com destaque para a difusão da propaganda comercial” (TRINTA, 2003, p.03). Não por outro motivo, livros como The Mechanical Bride (1951) e Counterblast (1969) são verdadeiras coletâneas de anúncios, tirinhas de jor-nais, gravuras, acrósticos ou representações abstratas de um McLuhan que defendia os meios de comunicação como for-mas de arte, de expressão.

Quanto às acusações de teorias pautadas no senso comum, as mesmas se baseavam no fato de McLuhan não ter adotado em nenhum de seus livros qualquer critério científico. Ao invés de análises bibliográficas ou exploração de teorias em voga, McLuhan seguiu outros caminhos. “McLuhan se apartou do pesquisador tradicional, obrigado por praxes e convenções acadêmicas a se definir e pautar por critérios peculiares ao que se pode ter por uma postura científica. Fale-se, antes, em envergadura poética” (TRINTA, 2003, p.06).

Para Friesman (2005), estava aí o grande erro: McLuhan pre-feria citar artistas a teóricos, ler menos como um estudioso e mais como um visionário, se posicionar como um poeta, e não como um cientista empírico. Se para ele comunicar era uma atitude de arte, então que seus escritos também o fos-sem. No entanto, para a pesquisa em comunicação na época,

aceitar as estripulias mcluhanianas na academia era equiva-lente a permitir que Jimi Hendrix conduzisse a Orquestra Fi-larmônica de Berlim.

Além disso, ao afirmar que os meios alteravam sociedades e moldavam novos comportamentos ao sugerir novas lingua-gens, McLuhan fez disparar o alerta de pensadores dos media. Com isso, foi taxado determinista e fundou-se aí a corrente an-ti-McLuhan mais forte.

77

Page 79: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

5. Determinismo tecnológico

Conforme lembra Tremblay (2003, p.16), em McLuhan “a socie-dade e o indivíduo são modelos para as mídias”, estabelecendo uma relação de interdependência entre criadores e criaturas. No entanto, ao focar essa relação, McLuhan negligenciou fato-res sociais, econômicos, culturais e políticos em favor da valori-zação técnica, passando a pertencer, então, ao grupo de determi-nistas tecnológicos – posto dividido também com Harold Innis.

A grande diferença é que o segundo parecia contar com maior credibilidade: ao contrário de McLuhan, que recusa-va a roupagem de um universitário clássico, Innis assumia o estereótipo do verdadeiro intelectual canadense. “Sob vá-rios aspectos, Innis encarnava um típico representante da cultura livresca da era Gutenberg, segundo McLuhan. A fi-gura que evoca seu personagem é, sobretudo, a do escriba mais estudioso do que a do profeta carismático” (TREM-BLAY, 2003, p.17). Portanto, entre o estritamente acadêmico e o pensador pop, a escolha mais evidente beneficiava In-nis, o que não o excusou de também ser apontado como portador da síndrome do determinismo tecnológico.

Na definição do dicionário Aurélio (1993, p.183), o verbete determinismo corresponde a um termo filosófico que represen-ta “uma conexão rigorosa entre os fenômenos (naturais ou humanos), de modo que cada um deles é completamente condicionado pelos que o precederam”. Vieira (2008, p.42), completa essa definição:

O determinismo constitui uma concepção da ciência experi-mental que se fundamenta pela possibilidade da busca de relações constantes entre os fenômenos; isto é, uma doutri-na que afirma serem todos os acontecimentos, inclusive vontades e escolhas humanas, causados por acontecimen-tos anteriores, ou seja, o homem é fruto direto do meio.

Ao fugir um pouco da concepção antropológica de Laraia (1997), que aplica o determinismo sob os pontos de vista social e geográ-fico, o determinismo tecnológico supõe que tecnologia e transfor-mações sociais se inscrevem numa relação em que a primeira atua como uma força condutora de mudanças sociais, indepen-dentemente de escolhas e ações humanas. Assim, conforme lem-bra Lima (2001), sob a ótica do determinismo tecnológico as tec-nologias são apresentadas como autônomas, forças independen-tes, autocontroláveis, autodetermináveis e autoexpandíveis.

Aplicada à análise da obra de McLuhan, surgiria a interpre-tação de que este autor pensaria a evolução das culturas como decorrentes de uma afetação direta dos modelos de tecnologias que emergem, fazendo com que sua compreen-são ficasse reduzida a uma lógica causal, linear e sequenci-al, na qual a tecnologia, exclusivamente, determinasse os modos de se ser humano. (PEREIRA, 2006, p.04)

Foi a partir dessa premissa que Raymond Williams, um dos maiores contestadores de McLuhan, baseou suas críticas. Para Williams (2003), a metáfora do meio como mensagem seria ideológica, ofensiva, abstraída de sentido e alheia a caracteres

78

Page 80: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

históricos. O autor, defendendo a efetividade humana, susten-tou que os meios podem incitar transformações, mas não de-terminá-las. Williams aponta que os meios foram desenvolvi-dos e implementados para ajudar nas práticas humanas já co-nhecidas ou almejadas, todas ligadas a interesses e vontades dos grupos que as contêm.

A princípio, nesse ponto, McLuhan parece ter dado um tiro no próprio pé.

Todos os meios agem sobre nós de modo total. Eles são tão penetrantes que suas conseqüências pessoais, políticas, eco-nômicas, estéticas e psicológicas, morais, éticas e sócias não deixam qualquer fração de nós mesmos inatingida, intoca-da ou inalterada. (MCLUHAN, 1969, p.54)

No universo mcluhaniano, na galáxia de Gutenberg, os meios deixaram de ser interpretados como meros canais e passaram a ser reconhecidos como agentes inanimados dos processos de interação. Embora manipulados por seres humanos, os arte-fatos em si ganhavam amplitude e destaque nas teorias de McLuhan, sendo responsáveis por mutações sociais que iriam desde a gramática das mensagens à estruturação das socieda-des. Assim, ao invés de os meios se adaptarem a construções sociais inéditas, os grupos estariam sujeitos a novas formata-ções frente às tecnologias. Trinta (2003, p.09) resume essas idéi-as da seguinte forma:

O conteúdo de um meio é sempre um outro meio. O conteú-do da escrita é a fala, tal como a palavra escrita é o conteú-do da imprensa, e a imprensa, o conteúdo do telégrafo. (...) Todos os meios são metáforas ativas por seu poder de tradu-zir a experiência em novas formas (...). Não haverá mudan-ça tecnológica nos meios de comunicação que não venha acompanhada por uma espetacular mudança social. Todas as mudanças sociais representam efeitos das novas tecnolo-gias sobre o equilíbrio de nossa vida sensorial.

Curiosamente, nessa explanação tem-se intrínseca uma outra noção de McLuhan: a das Tétrades, também conhecidas como “Leis da Mídia”, uma tentativa mcluhaniana de adequar seu pensamento à demanda cientificista. Ao receber uma proposta editorial para revisar e reeditar Understanding Media, McLuhan optou por buscar um ponto de equilíbrio entre a ci-ência convencional e seu estilo rejeitado pelos acadêmicos. Para chegar a esse ponto, concluiu que precisaria encontrar e defender pressupostos de fácil verificação. Foi daí que levan-tou o seguinte problema: “Que tipo de afirmação podemos fa-zer sobre a mídia e que pode ser testada, provada ou refutada por qualquer um? O que todas as mídias têm em comum? O que fazem?” (MCLUHAN, 1988, p. 08). O resultado dessas in-dagações foram quatro postulados que, na verdade, já esta-vam dispersos ao longo de sua obra.

79

Page 81: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

6. As leis da mídia: o quarteto fantástico de McLuhan

Conforme já citado anteriormente, McLuhan propôs encarar os meios como extensões do homem. Isto é, ante as limitações dos indivíduos, aparatos tecnológicos eram desenvolvidos para am-pliar suas potencialidades. Assim, em suma, toda tecnologia amplifica algum órgão ou faculdade do usuário. Consequente-mente, todo meio, quando explorado ao máximo e tendo esgo-tado seu potencial (ou caindo em desuso por desinteresse de seus usuários) pode reverter no seu oposto (avanço e reversão). Tem-se aqui duas leis da mídia elucidadas por McLuhan.

A terceira diz respeito ao fato de que ante uma nova proposta midiática, o artefato anterior se torna obsoleto sem que isso im-plique em sua extinção: de acordo com McLuhan, os arquéti-pos que antecedem novas mídias se convertem, nesse momen-to, em exemplares de arte. Há de se frisar – abrindo frestas para a quarta lei – que caracteres dos meios anteriores mani-festam-se nos aparatos considerados “modernos” (recupera-ção). Daí o fundamento para se dizer que o conteúdo de um novo meio é sempre um antigo meio. “Toda inovação, enquan-to torna algo vigente obsoleto, recupera características similares, anteriormente em desuso (...). Comunicar algo novo é como um milagre: difícil, mas não impossível. Mais arte do que ciên-cia” (NEVITT, MCLUHAN, 1994, p.15).

Segundo Theall (2001), as Tétrades podem ser associadas à ana-logia da proporcionalidade (A está para B assim como C está para D). No entanto, conforme frisa o autor, McLuhan voltou sua atenção muito mais às diferenças do que às similaridades

de cada uma. Daí a defesa de que não se tratam de fatores se-quenciais, mas de complementos. “Os quatros aspectos são ine-rentes a cada artefato desde o início. Todos são complementares e requerem observação atenta dos meios como algo concreto em seu contexto, não abstrato” (MCLUHAN, 1966, p.98).

Assim que as quatro proposições foram (re)descobertas, McLuhan iniciou uma busca ferrenha por dois fatores: a quinta lei da mídia e, ainda, algum exemplo de artefato que pudesse refutar o que acabara de elucidar. Não encontrou nada. Resol-veu então pôr em prática sua intenção cientificista e apresentou as Tétrades a colegas de trabalho e acadêmicos da Universida-de de Toronto, além de visitantes e alunos do Centro de Cultu-ra e Tecnologia. A intenção era alcançar leitores em potencial do que seria a segunda edição de Understanding Media e, mais tar-de, se transformou em Laws of media: the new science.

Contudo, nem assim McLuhan recebeu aprovação. As Leis da Mídia só foram divulgadas oito anos após sua morte. Nes-se período, McLuhan amargou considerável ostracismo que só foi remediado na década de 90, quando a aldeia global co-meçou a ser efetivamente materializada na contemporaneida-de.

80

Page 82: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Conclusão

Na cena acadêmica, McLuhan foi durante décadas um teórico negligenciado. Entre coadjuvante e antagonista, o canadense foi acusado de dois delitos: não ser cientificamente inclinado e, assim, não oferecer teorias prontas ao Olimpo da comunica-ção. O erro de McLuhan foi fazer de seu trabalho um arquéti-po de toda poesia que o rodeava desde o berço. Poder-se-ia di-zer que, traído por suas próprias teorias, o canadense ignorou a fugacidade dos públicos modernos e esperou deles que com-preendessem toda a metáfora e hipertextualidade de suas pu-blicações. Todavia, McLuhan usava mais uma vez de sua irre-verência: se o que pregava era o criticismo, entregar teorias prontas a acadêmicos e universitários seria como entregar a fórmula da Coca-Cola para os fabricantes da Pepsi. Talvez a grande questão fosse de fato esperar que seu “público-alvo” estivesse realmente preparado para entender sua teoria, já que falar de aldeia global, extensões e redes parecia absurdo demais à sua época.

Ao considerar que sua atuação foi visionária, chega a ser possí-vel compreender o porquê de tantas críticas. McLuhan era a bug da Matrix – ameaçava adentrar o sistema causando rebuli-ço. Ora, incidir sobre os meios os holofotes analíticos tendia à balela quando o foco até então voltava-se a quem os administra-va e à passividade da grande massa numa relação vertical imu-tável. Daí deduzir que chamar a atenção para transformações sociais dinâmicas e constantes no ritmo das evoluções tecnológi-

cas não fizesse sentido. Obviamente, a aventura interdisciplinar também soava como ameaçadora e beirava à heresia quando um canadense metido a analista comunicacional sugeria mistu-rar cânones da literatura a peças publicitárias e discussões so-bre canais de comunicação dilatados e populares.

A falha de McLuhan, portanto, foi ater-se a objetos considera-dos paralelos aos interesses “batizados” como científicos e tar-diamente dar o braço a torcer para amenizar seu caráter “van-guardista” em nome de uma possível congruência entre suas perspectivas e a de seus opositores.

Mas agora, às portas da revolução informacional, McLuhan ressurge das cinzas. Muito embora seus postulados ainda se-jam pouco estudados e soem muito mais como slogans dos anos 2000, o canadense vem sendo tardiamente resgatado, reti-rado do limbo em que se encontrava como indigente enquan-to parte de suas teorias ganhava notoriedade de forma quase anônima – os créditos foram dados a McLuhan de forma apa-gada, praticamente restrita aos grupos de estudo no Canadá.

Ainda assim, com tantos arquétipos, novos conceitos e para-digmas virtuais em voga, McLuhan parece ter oferecido ao mundo as provas que tanto lhe cobraram ao longo do tempo. Nada mais cientificista que isso.

81

Page 83: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências

ALEXANDROVA, G. Lynne. Publications by, with and about Marshall McLuhan: books, articles, multimedia. Toronto: UToron-to – The McLuhan Program in Culture and Technology. Disponí-vel em: <http://www.utoronto.ca/McLuhan/images/Fellows/lynneresource_McLuhanbibliography.pdf>. Acesso em: 03 de julho de 2009.

DEMOTT, Benjamin. Against McLuhan. In: Supergrow: essays and reports on imagination in America. New York: Dutton, 1969. p.35-44.

ESTRÁZULAS, Jimi Aislan. Os efeitos da Comunicação de Massa Digitalizada: uma releitura de McLuhan na pós-modernidade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO DA REGIÃO NORTE, 6, 2007. Belém. Anais... Belém: Universida-de Federal do Pará, 2007.

FEDERMAN, Mark. On reading McLuhan. Ago. 2003. In: McLuhan Program in Culture and Technology. Disponível em: <http://individual.utoronto.ca/markfederman/OnReadingMcLuhan.pdf>. Acesso em 06 de julho de 2009.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Determinismo. In: Minidi-cionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 183.

FRIESNER, Nicholas. (A review of) Method is the Message: rethinking McLuhan through Critical Theory. In: Cyberspace, Hypertext e Critical Theory. Rhode Island: Brown University, 2005. Disponível em: <http://www.cyberartsweb.org/cpace/infotech/McLuhan1.html>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2010.

GORDON, Terrence. Marshall McLuhan. Jul.2002. Disponível em: <http://www.marshallmcluhan.com/gordon.html>. Acesso em: 02 de julho de 2009.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 12. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997.

LIMA, Karina Medeiros. Determinismo Tecnológico. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE COMUNICAÇÃO – INTERCOM, 24, 2001. Campo Grande. Anais... Campo Grande: UNIDERP, 2001. 1 CD-ROM.

MARCHAND, Philip. Marshall McLuhan. Jul.2002. Disponível em: <http://www.marshallmcluhan.com/marchand.html>. Acesso em: 02 de julho de 2009.

MARCHAND, Philip. Marshall McLuhan: the medium and the messenger. Massachussets: The MIT Press, 1998.

MARCHESSAUT, Janine. Marshall McLuhan. London: SAGE Publi-cations, 2005.

MCLUHAN, Marshall; WATSON, Wilfred. Do clichê ao arquéti-po. Rio de Janeiro: Record, 1973.

MCLUHAN, Marshall; MCLUHAN, Eric. Laws of media: the new science. Toronto: University of Toronto Press, 1988.

MUNDAY, Roderick. Marshall McLuhan declared that “the me-dium is the message”. What did he mean and does this notion have any value? Disponível em: <http://www.aber.ac.uk/media/Students/ram0202.html>. Aces-so em: 28 de janeiro de 2010.

82

Page 84: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

NEVITT, Barrington; MCLUHAN, Maurice. Who was Marshall McLuhan: exploring a mosaic of impressions. Stoddart Books. To-ronto, Canada: 1994.

PEREIRA, Vinícius de Andrade. Marshall McLuhan, o conceito de determinismo tecnológico e os estudos dos meios de comunicação contemporâneos. In: UNIrevista - vol. 1, n° 3, jul. 2006.

REBOUÇAS, Fernando. Teoria da Informação. In: InfoEscola. Jul.2008. Acesso em: 13 de junho de 2009. Disponível em: <http://www.infoescola.com/comunicacao/teoria-da-informacao/>.

ROCKMAN, Arnold. McLuhanism: the natural history of an in-tellectual fashion. In: Marshall McLuhan: critical evaluations in cultural theory. New York: Routledge, 2005. p.138-153.

SOMMER, Vera Lúcia. Uma breve revisão do legado de McLuhan. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNI-CAÇÃO - Intercom, 28, 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janei-ro: UERJ, 2005. 1 CD-ROM

SOUZA, Clinio Jorge de; SOUZA, Ady Arlene Amorim de. Da Pré-História à Pós-Escrita. In: RECE – Revista Eletrônica de Ciênci-as e Comunicação. v.1, n.1. Jun. 2002. Disponível em: <http://www.facecla.com.br/revistas/rece/trabalhos-num1/artigo01.pdf> . Acesso em: 13 de junho de 2009.

TAPLEY, Dan. Marshall McLuhan: what is media and why should they be studied?. Wilfrid Laurier University: 1998. 14 slides: color.

THEALL, Donald F. The virtual Marshall McLuhan. Canada: McGill – Queen’s University Press, 2001.

TREMBLAY, Gaëtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Al-deia Global ao Império Mundial. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre. n. 22, p.13-22, dez. 2003.

TRINTA, Aluízio R. Marshall McLuhan, essencial. In: Lumina. Juiz de Fora – Facom/UFJF – v.6, n.1/2, p.1-14, Jan/Dez.2003.

VIEIRA, Candy Packer. Inovação tecnológica e desenvolvimento regional: as dimensões territoriais da Lei de Inovação Tecnológi-ca. 2008. 109f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regio-nal) – Universidade Regional de Blumenau. Blumenau – SC.

WILLIAMS, Raymond. Television: Technology and Cultural Form. London: Fontana, 1974.

83

Page 85: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Profundo e nefasto: o debate sobre a televisãona obra de McLuhan e Adorno

ResumoAdorno e McLuhan foram e continuam sendo um dos principais expo-entes da pesquisa em Comunicação no século XX. Lidos e citados por investigadores do mundo inteiro, eles compõem um grupo bastante restrito que poderíamos arriscar chamar de clássicos da pesquisa em nossa área, dadas a qualidade e a importância de suas obras. Represen-tantes de duas escolas de pensamento seminais para o saber comunica-cional – Escola de Frankfurt e Escola de Toronto – os autores se desta-cam ainda por sua capacidade de continuar a influenciar e inspirar ge-rações de novos pesquisadores. A proposta deste artigo é, na medida do possível, comparar a matriz teórica e metodológica desses teóricos no que diz respeito ao estudo da Televisão. Aparentemente opostas, as contribuições de McLuhan e Adorno convergem em alguns pontos, em especial, na centralidade dada aos processos de comunicação media-dos como chave de leitura para explicar os fenômenos sociais e no lo-cal de destaque que ambos destinaram à Televisão em suas obras.

Palavras chavecomunicação, televisão, Marshall McLuhan, Theodor Adorno

84

JANARA SOUSA

PROFESSORA-ADJUNTA DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASÍLIA, BRASIL

[email protected]

PEDRO RUSSI

PROFESSOR-ADJUNTO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASÍLIA, BRASIL

[email protected]

Page 86: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Introdução

Theodor Adorno (1903-1969) e Marshall McLuhan (1911-1980) marcaram profundamente a tradição de pesquisa em Comuni-cação. Fulguram nos textos sobre a história das teorias da área como personalidades importantes, pensadores destacados, que formaram escolas de pensamento e inspiram continuado-res. Os contemporâneos optaram por matrizes diferentes (e por que não dizer opostas?) para analisar o impacto do proces-so comunicacional. Mas, o que eles tiveram, indiscutivelmen-te, em comum foi a preocupação de compreender os efeitos do processo comunicacional, contudo, privilegiando chaves de leituras diferentes: McLuhan, o meio; Adorno, a mensa-gem. Nosso interesse está em perceber tais chaves de leitura e compreender as formas (pesquisa) por meio das quais eles procuraram conhecer o mais destacado no entorno aos meios, o meio e a mensagem respectivamente.

As décadas 50 e 60 foram os períodos em que mais se concen-trou a produção científica de McLuhan e Adorno. O canaden-se McLuhan publicou nessa ocasião três das suas mais impor-tantes obras: “A Galáxia de Gutenberg”, “Os Meios de Comu-nicação como Extensões do Homem” e “O Meio é a Mensa-gem”. O trabalho de McLuhan foi profundamente marcado por um debate sobre o impacto da tecnologia, i.e., de que for-ma haveria uma penetrabilidade dessa tecnologia nas ações cotidianas. Para o autor, os meios de comunicação criam um novo ambiente social e isso muda profundamente a maneira

como percebemos e estamos no mundo. A centralidade dada aos meios de comunicação fez com que McLuhan fosse acusa-do de um determinismo tecnológico. Um determinismo que, até hoje, se emprega não como compreensão do que isso signi-ficou ou significa – se for o caso –, senão, como categorização de validação de um pensamento. Nesse sentido, as discussões de McLuhan não seriam válidas por serem deterministas ou vice-versa. A questão é pensar quais foram as formas epistêmi-cas que lhe possibilitaram pensar a centralidade dos meios. Se partirmos de que não foi por acaso, é necessário compreender suas particularidades epistemológicas e metodológicas.

Por sua vez Adorno – expoente da Escola de Frankfurt – esta-va preocupado em denunciar os danos causados pela Indús-tria Cultural sobre a cultura de massa (conceito especialmen-te acunhado, junto a Horkheimer, em “Dialética do Esclareci-mento”, no ano 1947). A análise e interpretação da cultura será para entender uma ideologia capitalista em co-autoria com a Indústria Cultural. Nessa linha, o autor apontou o efei-to perverso dos meios de comunicação que fizeram da cultu-ra um negócio de grandes proporções, cujo objetivo princi-pal é conformar, controlar e manipular a audiência. A pers-pectiva crítica de Adorno foi apontada por muitos como pes-simista. Aqui retomamos o supramencionado, é importante destacar o pessimismo de Adorno ou, se nosso interesse é epistêmico, a compreensão dos processos intelectuais que lhe permitiram pensar dessa forma.

85

Page 87: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Se o leitor observar detidamente estas linhas de apresentação, deparar-se-á com dois pensadores que, pelas suas condições e maneiras de produção intelectuais relacionadas à Comunica-ção (seja pelo meio ou mensagem), tornam-se referentes inten-sos nas suas posições epistêmicas.

A proposta deste artigo é a de investigar como esses dois auto-res, aparentemente tão opostos, enfrentaram o debate sobre a televisão. Como é a experiência da TV? Qual o impacto dessa experiência? Ambos os teóricos escreveram textos específicos para tratar somente deste tema e acreditamos que esse debate é fundamental para compreendermos os efeitos dos processos comunicacionais não somente na perspectiva de entender ex-clusivamente a visão de dois representantes de escolas de pen-samento distinto, mas, especialmente, para compreender a nós mesmos na medida em que eles formam as nossas princi-pais influências que nos auxiliam hoje no debate sobre a Co-municação. Adorno e McLuhan, certamente, ainda têm muito a nos dizer sobre o poderoso, profundo e nefasto “gigante tí-mido” (MCLUHAN, 1964).

Televisão: “A sala de aula sem paredes”

Antes de mergulharmos nas semelhanças e diferenças no modo de debater a experiência e o efeito da televisão, entre Adorno e McLuhan, vamos primeiro apresentar um pouco do pensamen-to de cada um desses autores sobre esse meio de comunicação.

Comecemos, então, por McLuhan que escreveu dois textos im-portantes, no qual a televisão é o aspecto privilegiado de análi-se. O primeiro texto é “A televisão: o gigante tímido”, publica-do na obra “Os meios de comunicação como extensões do ho-mem”, em 1964. O segundo texto, chamado “Visão, som e fú-ria”, foi publicado originalmente 1954 no periódico americano Commonweal. Seguramente, há mais na obra de McLuhan sobre a televisão do que somente estes dois textos. Certamente, pode-mos encontrar esse debate diluído em diversas obras do autor, entretanto, optamos por esse material considerando que ele traz o recorte específico sobre a televisão e, em certa medida, sumariza o pensamento do autor sobre o tema. Entretanto, é preciso esclarecer que, à medida que se fez necessário, recorre-mos a outros textos do autor no intuito de esclarecer conceitos e dúvidas. Não há dúvidas de que para um mergulho mais pro-fundo fosse necessário recolher mais material, tarefa que opor-tunamente será empreendida.

Ao começar o seu debate sobre as características e efeitos da televisão, McLuhan (1964) deixa claro que sua análise não é sobre conteúdo e sim sobre o meio. Esse é, evidentemente, um dos argumentos mais contundentes e inovadores na obra do

86

Page 88: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

autor, o qual ele faz questão de enfatizar, quando se refere à TV. De acordo com ele, a imagem desse canal causa uma per-turbação psíquica e social e não a sua programação. McLuhan (1964) reclama que os cientistas políticos e os historiadores têm sistematicamente negligenciado o estudo dos efeitos soci-ais e pessoais dos meios separadamente do seu conteúdo. E essa é a tarefa que o autor se propõe a empreender, abrindo o caminho inferencial para compreender a esfera mediática des-de outra perspectiva, a dos meios, i.e., desenha outra porta de entrada analítica ao configurar um saber diferente para inter-pretar a relação sociedade-meios.

É importante trazer uma classe de conceitos fundamentais do pensamento de McLuhan, que nos auxiliará na leitura sobre as características da televisão. Trata-se do debate sobre meio frio e meio quente, um tema que para muitos atuais críticos e estudio-sos de McLuhan não seria necessário mais enfrentar, porque já foi resolvido ou não leva a nenhuma compreensão afinada da proposta desse pensador. Porém, para avançarmos na empresa de analisar o pensamento do teórico sobre a televisão, vale desta-car essa tipificação dos meios de comunicação. Segundo aspectos da sua natureza, os meios quentes são caracterizados por sua alta definição: “(...) Alta definição se refere a um estado de alta saturação de dados” (MCLUHAN, 1964, p. 38). Essa alta defini-ção faz com que os meios quentes, como o rádio, o cinema e o im-presso, não deem margem para participação e envolvimento da audiência. Já o que caracteriza os meios frios é exatamente a po-breza das informações, que obrigada o receptor a participar e se

envolver na perspectiva de “completar”, “fechar” o significado das informações que recebem.

Assim colocado, a televisão, enquanto meio frio, promove a parti-cipação. “A TV não funciona como pano de fundo. Ela envolve. É preciso estar com ela” (MCLUHAN, 1964, p. 350). Quanto mais alta definição um meio tem, menor a possibilidade de participa-ção. Contudo, se o meio é de baixa definição, o envolvimento do receptor é maior. Na TV, segundo McLuhan (1964), a programa-ção deve ser envolvente do tipo “faça você mesmo”. O próprio ator deve assumir esse espírito e estar pronto para improvisar e manter a intimidade com o público. “A TV não é tanto um meio de ação quanto de reação” (MCLUHAN, 1964, p. 359). Por isso, McLuhan acredita que o consumidor da televisão é ativo, en-quanto o dos meios quentes é passivo.

O meio frio da TV incentiva a criação de estruturas em pro-fundidade no mundo da arte e do entretenimento, criando ao mesmo tempo um profundo envolvimento da audiência. Quase todas as tecnologias e entretenimentos que se segui-ram a Gutenberg não têm sido meios frios, mas quentes; frag-mentários, e não profundos; orientados no sentido do consu-mo e não da produção (MCLUHAN, 1964, p. 350 e 351).

Vamos avançar e compreender que a experiência da televisão é fortemente marcada por suas características tecnológicas. A construção da imagem da TV é uma trama em mosaico, ao contrário dos meios impresso, por exemplo, cuja imagem é vi-sual e linear. Por causa dessa característica, o público precisa

87

Page 89: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

de um envolvimento profundo no processo de construção da trama. É por essa razão que McLuhan afirma que um ator tele-visivo precisa ter essa interpretação íntima, quase improvisa-da, por que esse meio não suporta personalidades bem deline-adas e favorece mais a construção de processos do que a apre-sentação de produtos prontos e acabados. Esse argumento é algo que os continuadores de McLuhan foram reafirmar e aprofundar, como é o caso do pesquisador estadunidense Joshua Meyrowitz (1985)1, que fez um livro sobre o impacto da televisão no comportamento social.

A televisão exerce uma força sinestésica e unificadora sobre a vida das populações letradas e desmonta, assim como os outros meios eletrônicos, a rigorosa especialização dos senti-dos e a hierarquia imposta pelos meios escrito/impresso. As-sim colocado, outra característica da TV é justamente a capa-cidade de promover a singularidade e a diversidade, já que as experiências profundas são únicas e de significados parti-culares e não massivos.

A TV, conforme McLuhan, instaura uma nova maneira de en-carar a realidade, avançando pode-se estabelecer também como uma forma diferente de descrever a realidade. Ela ali-menta a paixão pelo envolvimento profundo e isso não se li-mita somente à experiência com a televisão, mas se estende para todos os outros setores das nossas vidas. O autor argu-menta que ela mudou a nossa organização imaginativa por-

que não separa e especializa os sentidos. Haveria, dessa ma-neira, um entendimento de conjunção dos sentidos, não uma dicotomia dos mesmos, i.e., note-se a interdependência de sentidos. A televisão é uma extensão do tato e isto implica dizer que ela envolve uma inter-relação dos sentidos. A cul-tura letrada, por exemplo, ao estender a visão e promover uma organização uniforme do espaço e do tempo, permitia o distanciamento e o não-envolvimento.

A televisão é menos um meio visual do que tátil-auditivo, que envolve todos os nossos sentidos em profunda inter-re-lação. Para as pessoas há muito habituadas à experiência meramente visual da tipografia e da fotografia, parece que é a sinestesia, ou profundidade tátil da experiência da TV, que as desloca de suas atitudes correntes de passividade e desligamento (MCLUHAN, 1964, p. 378).

Um aspecto interessante que podemos interpretar a partir da argumentação de McLuhan sobre as características da TV é que não há passividade nessa experiência. Embora a televisão seja vista por muitos como espaço da falta de ação e de acolhi-mento ingênuo das mensagens, McLuhan defende que essa maneira de encará-la é herdeira da cultura letrada. A TV, ao contrário dessa cultura, exige participação imediata, envolvi-mento e respostas criativas: “(...) ela nos envolve numa profun-didade móvel e comovente, mas que não nos excita, agita ou revoluciona. Presume-se que seja esta a característica de toda experiência profunda” (MCLUHAN, 1964, p. 379). Essa rela-

88

____________________

1 O título original do livro é “No Sense of Place: The Impact of Electronic Media on Social Behavior”.

Page 90: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ção implica uma ação distante e distinta ao que poderia ser A→B. Tal situação de ingerência direta e de mão única (A→B) não sustenta uma compreensão de interdependência e inter-re-lação dos sentidos. Daí a crítica, por parte de McLuhan, ao en-tendimento de uma relação unidirecional de acolhimento.

O efeito de séculos vivendo sob a influência da cultura letrada faz McLuhan (2002) se perguntar se essa especialização faz com que não consigamos encarar os novos meios de comuni-cação como cultura séria. O livro nos hipnotizou de tal forma que McLuhan questiona se somos capazes de perceber que a forma própria de um meio de comunicação é tão importante quanto o conteúdo que ele transmite. O que o autor chama a atenção é que as tecnologias criam novas formas de ambiência e isso, sem dúvida, é a sua principal mensagem. “Cada forma (dispositivo ou metrópole), cada situação planejada e realiza-da pela inteligência factiva do homem é uma janela que revela ou deforma a realidade” (MCLUHAN, 2002, p. 155). O autor completa afirmando que as inovações nos meios de comunica-ção promovem profundas mudanças sociais.

Ainda com relação ao binômio meio/mensagem, McLuhan (2002) coloca, como exemplo da importância do próprio meio para além do conteúdo veiculado, que mesmo que o conteúdo jornalístico fortaleça o nacionalismo, a página do jornal não o faz já que sua característica é ser intercultural e internacional. A mensagem que não está explícita é a de que o mundo é uma única cidade.

A política, por exemplo, está para McLuhan (1964) profunda-mente afetada pelas características da televisão, afetada por suas lógicas. O teórico acredita que chegou ao fim a votação em legendas. Nós votamos, agora, em personalidades. Ou seja, em lugar de ponto de vistas políticos, optamos por atitu-de e posições políticas inclusivas. Para exemplificar esse argu-mento, McLuhan dá o exemplo das eleições presidenciais dos Estados Unidos, que foram disputadas por Kennedy e Nixon. O primeiro foi o vencedor por que era uma personalidade muito mais afeita às características da televisão, que suporta menos o conflito de opiniões e promove o envolvimento em profundidade, do que o bem delineado perfil de Nixon. Perso-nalidades facilmente classificáveis frustram o telespectador porque não lhes permite a possibilidade de complementar/participar do conteúdo veiculado (MCLUHAN, 1964). Como exercício analítico, podemos nos aproximar aos tempos atuais e observar o pano de fundo “marketeiro” nos “embates políti-cos”, em detrimento dos programas políticos dos partidos. Presenciamos o redesenho de candidatos políticos (personali-dade a ser desenvolvida), por exemplo, no trânsito de um “Lula Talibã” para um “Lula paz e amor”.

Finalmente, vale terminar o escrutínio do pensamento de McLuhan sobre a televisão trazendo um último exemplo, que é bastante enfatizado na obra do autor: trata-se do papel edu-cativo da televisão. O título desse apartado traz a sugestão de que a televisão seria uma sala de aula sem paredes. McLuhan acredita que a televisão impactou profundamente a educação.

89

Page 91: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

“A TV mudou a nossa vida sensória e nossos processos men-tais. Criou um novo gosto por experiências em profundidade, que afeta tanto o ensino da língua como o desenho industrial dos carros” (MCLUHAN, 1964, p. 373). As crianças, que nasce-ram sobre a égide da televisão, lançam sobre os meios impres-sos todo o seu envolvimento sensório e tentam viver a experi-ência da leitura como vivem a experiência da TV.

Aprendendo a assistir televisão

Adorno escreveu três textos específicos sobre a televisão: “Prologue to Television” e “Television as Ideology”, ambos publi-cados originalmente no livro “Critical models: interventions and catchwords”, em 1963; e “Television and the patterns of mass culture”, publicado originalmente com o título “How to look at television”, em 1954, no periódico americano “Quartely of film, radio and television”. Mais uma vez, retomamos o argu-mento colocado sobre a questão da escolha dos textos de McLuhan para explicar também nossa escolha com relação aos textos de Adorno. Para tornar mais factível a compara-ção e desenhar categorias mais sólidas de análise, buscamos os textos dos dois autores que declararam abertamente mer-gulhar no tema da televisão. Embora, não tenhamos coloca-do essa ação como uma camisa de força, na medida em que consultamos outros textos para sanar dúvidas e questões que ficaram em aberto.

O primeiro aspecto que Adorno esclarece em seu texto “Tele-vision and the patterns of mass culture” é que ele pretende analisar a natureza da televisão e do seu repertório de ima-gens e não programas televisivos específicos, embora no seu texto “Television as Ideology” ele apresente o resultado da análise de conteúdo de trinta e quatro programas de tele-visão. Os três textos se complementam e apresentam um quadro importante do pensamento de Adorno sobre os efei-tos da televisão.

90

Page 92: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Sobre esses efeitos, o autor acredita que para compreendê-los é preciso ter nas mãos categorias da psicologia e conhecimento so-bre os meios de comunicação de massa. Adorno acredita que de-vamos questionar sistematicamente os estímulos sócio-psicológi-cos do material televisivo, tanto do ponto de vista descritivo, quanto do psicodinâmico, assim como analisar os pressupostos prévios da pauta desse meio para avaliar seus possíveis efeitos.

Ao revelar as implicações sócio-psicológicas e os mecanismos da televisão, que com frequência atuam sob o disfarce de um falso realismo, não somente poderão melhorar seus progra-mas, mas, também – e isto talvez seja mais importante – pode-rá sensibilizar o público quanto ao efeito nefasto de alguns des-tes mecanismos (trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 239).

Um aspecto interessante do debate de Adorno sobre a televi-são é que ele pensa em termos de um “melhoramento” da programação desse meio. Ou seja, para Adorno precisamos compreender bem a televisão para aprender a lidar com ela e a melhorar sua pauta. Porém, melhorar a pauta implica uma ação direta: melhorar a sociedade. Contudo, ainda a in-tensidade mantém-se: meios→receptores. O teórico acredita mesmo que não se trata somente de um aprimoramento de um ponto de vista estético ou artístico, mas, sobretudo, de uma nova postura do telespectador: “(...) o esforço que se re-quer é em si mesmo de natureza moral, pois consiste em en-carar com conhecimento de causa dos mecanismos psicológi-cos que atuam em diversos níveis com o propósito de nos converter em vítimas cegas e passivas” (trad. livre) (ADOR-

NO, 1977, p. 259). Adorno acredita que sua análise trará reco-mendações claras ao público, que de posse desse conheci-mento terá mais condição de se defender do efeito nefasto da televisão. Adverte-se um despertar do público, dar ele-mentos para que ele tome consciência, desvende o que está oculto e que por não ser possível observar diretamente, leva-o, nessa manobra danosa, à funesta falta de consciência.

Antes de passar para as características e efeitos da televisão pro-priamente ditos, vale destacar dois aspectos da cultura de mas-sa que nos permitirão compreender melhor a argumentação de Adorno. O primeiro aspecto a ser destacado é o fato da cultura de massa fazer referência aos arquétipos estabelecidos durante o desenvolvimento da sociedade de classe média, mais precisa-mente no final do século XVII e XVIII, na Inglaterra. Desde en-tão a produção de produtos culturais cresceu e, segundo o au-tor, não somente em quantidade, mas, também, em novas quali-dades. O ponto crucial é que a cultura de massa incorporou ele-mentos de sua predecessora, inclusive as proibições. A diferen-ça entre as duas culturas está no fato de que a cultura de massa se estabeleceu como um negócio em larga escala.

Quanto mais se expande o sistema de "comercialização" da cultura, mais ela tende a assimilar a arte também "séria" do passado, mediante a adaptação desta arte aos próprios re-quisitos de sistema. O controle é tão amplo que qualquer violação das suas regras é estigmatizada a priori como "pe-dantismo" e é improvável que alcance a maior parte da po-pulação. O esforço conjunto do sistema resulta no que pode-

91

Page 93: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ria ser chamado a ideologia dominante do nosso tempo (trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 241).

Outro efeito dessa cultura de massa, que mantém uma relação direta com a ideologia da cultura de classe média do passado, é o seu caráter conservador, controlador e dogmático. O autor defende que essas características tendem a favorecer reações automatizadas e a fragilizar a capacidade de resistência indivi-dual. Haveria uma falta de compreensão (alienação) das pró-prias condições e relações nas quais o indivíduo se encontra na existência do mundo.

O segundo aspecto apresentado por Adorno (1977) como comum nos meios de comunicação de massa é a estrutura sociológica da audiência, que mudou profundamente. O au-tor considera que não existe mais a antiga “elite culta”. Agora vários estratos populacionais que não tinham conta-to com a arte foram convertidos em consumidores cultu-rais. Esses novos consumidores costumam ser exigentes quanto à perfeição técnica e a exatidão das informações e parecem conhecer o seu potencial poder sobre os produto-res (ADORNO, 1977). De certa forma, parece existir um in-cômodo “de classe” na análise de Adorno, exposto quando se admite o acesso e consumo da “não elite culta” – a modo de ilustração lembramos da crítica realizada pelo autor, comparando o Jazz e a música Culta (Clássica).

Um aspecto dessa ideologia que impregna a cultura de mas-sa de hoje é que antes se vivia um equilíbrio entre a ideolo-gia e as condições sociais concreta dos consumidores. Hoje, há um problema porque não há mais esse equilíbrio.

A mensagem implícita dos meios de comunicação é dos valo-res conservadores de outrora, essa mensagem transforma es-ses valores em normas de uma estrutura social cada vez mais hierárquica e autoritária. As mensagens de adaptação e obedi-ência impregnam o nosso cotidiano.

Quanto mais inarticulado e difuso parece ser o público da cul-tura de massa, maior a probabilidade dos meios de comunica-ção alcançarem a sua “integração”. Os ideais de conformidade e convencionalismo eram inerentes nos romances populares desde o início. Agora, porém, esses ideais foram traduzidos em prescrições bem claras sobre o que fazer e o que não fazer. O resultado dos conflitos é predefinido e todos os conflitos são farsa pura. A sociedade é sempre a vitoriosa e o indivíduo é apenas um fantoche manipulado pelas normas sociais (trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 245 e 246).

Adorno explica que esse constante reforço dos valores tradici-onais poderia significar o esvaziamento deles, mas não é bem assim. Trata-se mais propriamente de uma estratégia na medi-da em que quanto menos se crer na mensagem, e quanto me-nos ela está em harmonia com a existência dos espectadores, mas ela se mantém na cultura moderna.

92

Page 94: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Pois bem, essas são características comuns aos meios de comuni-cação na cultura de massa e que, seguramente, estão presentes na televisão. Mais quais as características específicas que Adorno confere a esse meio de comunicação? Porque o autor reservou es-paços para discuti-lo em profundidade?

Adorno aponta três características próprias da televisão, que nos auxiliam a compor o quadro dos seus efeitos: a sua estru-tura de várias camadas, a previsibilidade e a redução da sua narrativa em estereótipos.

A primeira característica está ligada ao conteúdo que está explí-cito e ao que está oculto na televisão. Adorno não acredita que as mensagens de controle e dominação estejam tão evidentes para o público. Os meios de comunicação não representam para as massas apenas uma soma de ações, mas diversos estra-tos de significados superpostos. A mensagem da TV é impreg-nada de um pseudo-realismo: o conteúdo mais explícito é apa-rentemente mais realista e menos totalitário, mas ele funciona somente como uma estratégia para derrubar as barreiras para que o significado oculto se instale e conduza as reações do pú-blico: “Tem lugar uma clara divisão em gratificações permiti-das, gratificações proibidas e repetição das gratificações proibi-das, em uma forma um pouco modificada e desviada” (trad. li-vre) (ADORNO, 1977, p. 248). Esses múltiplos estratos de signi-ficados são, para o autor, estratégias do meio tecnológico para controlar a audiência. Alentando, dessa forma, uma passivida-de da audiência, isso não deixa de ser um entendimento da ma-nipulação nos processos comunicativos massivos. A televisão está à disposição de um aparato dominador diante do qual as

estratégias desviantes da recepção não aconteceriam de forma espontânea. Somente a participação de algum outro (ilumina-do), provocaria um processo de possível resistência, porém ca-rente, mantendo-se, não obstante, a maldosa condição da TV.

A outra característica atribuída à televisão é a previsibilidade da sua tipologia de programas. O público já está familiarizado com a divisão de conteúdo em diversas classes, como: comédia, histórias românticas, de terror e etc. Esses gêneros se transfor-mam em fórmulas que programam o espectador. Ou seja, ele supõe o que vai acontecer e como vai se sentir sem mesmo ter começado a assistir o programa. O autor defende que somente a televisão consegue transformar essas pautas em universais.

Na verdade, o pseudo-realismo permite a identificação dire-ta e sumamente primitiva alcançada pela cultura popular; e apresenta uma fachada de prédios, salas, vestidos e rostos triviais como se constituíssem a promessa de que algo exci-tante e emocionante pode acontecer a qualquer momento (trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 253).

Como última característica, Adorno discute a tendência à cria-ção de clichês da televisão. Ela tende a deformar o mundo pro-movendo perigosas dicotomias, como bem/mal, ruim/bom e branco/preto. Embora considerando a importância dos este-reótipos para organização e previsão da experiência, no caso da TV o autor pondera que eles são demasiados e endureci-dos. O efeito perverso é que as pessoas perdem a sua capacida-de de compreensão da realidade e de mudar de ideia.

93

Page 95: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Considerações Finais

As propostas de leituras, como chave de acesso a duas esferas in-terpretativas, sobre o meio (McLuhan) e mensagem (Adorno) permi-tem compreender as distinções entre esses autores. Tais distinções não são simplesmente performáticas, e sim com relação à matriz interpretativa dos processos comunicacionais.

Vamos iniciar pelo primeiro autor: McLuhan. O entendimen-to do meio coloca no cenário um conceito de amplificação, não só no sentido do alcance (mais público), senão também – e principalmente – no que diz respeito a uma amplificação temporal e espacial - tecnológica. Isto é, um meio posterior avança com relação ao outro, porém não o anula, muito pelo contrário. Veja-se que haveria uma matriz de continuidade de significados (semioticamente falando), não unicamente de dispositivos mais avançados. Cabe dizer que estamos di-ante de uma proposta epistêmica que prima pelo reconheci-mento de uma sociedade em ação contínua de significações. Se um dispositivo supera o outro, a superação não se dá pela aniquilação e sim pela dinâmica de acrescentar sentidos.

Para Adorno, a mensagem está na cena principal da sua compre-ensão sobre a relação estabelecida no âmbito da comunicação de massa. A postura crítica desse pensador ancora-se justamente na-quilo onde um aparato ideológico da indústria cultural amarra a sua força, i.e., na mensagem direcionada para um espectador que simplesmente exerce a sua função de testemunha de algo so-bre o qual não pode exercer nenhum outro tipo de movimento. A

possível saída mantém a mesma linha de raciocínio, ela acontece de outro ato também alheio a esse espectador desconectado da realidade, por estar embrulhado pela mensagem A→B, a luz ofe-recida por aquele que pode e entende o que está por trás da más-cara. A mensagem, nesta postura epistêmica, não é observada na-quilo que entendemos como estratégias desviantes, muito pelo contrário. Há nesse sentido, uma concepção conservadora dos processos comunicacionais (mediáticos).

É importante notar essas diferenças, porque ao falar mensagem, neste caso, ou meios, no anterior, ambos devem ser compreendi-dos como conceitos (i.e., processos epistêmicos, lógicos) e não me-ramente como termos que podem ser utilizados indistintamente.

As diferenças entre os dois autores também são evidentes com relação ao caminho construído para pensar a Comunica-ção. Adorno, ao privilegiar a mensagem, segue o caminho da análise no sentido próprio da palavra, ou seja, decompondo cada parte desta, separando os elementos para compreender e desvelar seu conteúdo ideológico. As mensagens destrincha-das revelam o conteúdo repressor, controlador e manipulador dos meios de comunicação. A análise de conteúdo aliada a um quadro teórico próprio da dialética marxista permite ao autor encontrar as evidências desse conteúdo ideológico nos meios.

Já McLuhan percorre o caminho do método histórico e compa-rativo, tentando observar o quadro atual de impacto dos mei-os a partir de um olhar para o passado que pode revelar os si-nais dos efeitos macro e microssociais destes. A comparação com o efeito de outros meios de comunicação dá ao autor as

94

Page 96: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

pistas e os insights para pensar o “meio ambiente” que cada novo canal vai criando. É esse caminho que permite ao pesqui-sador afirmar que a televisão é uma experiência envolvente e em profundidade que estimula a participação. Já a era impres-sa, por exemplo, foi o predomínio do olho, da especialização, burocratização e individualização (SOUSA, 2009).

A experiência da televisão para Adorno é o cenário do perverso já que os valores do seu conteúdo são conservadores e controla-dores. O enfoque na mensagem fez Adorno perceber o desfile de estereótipos disfarçados em conteúdos pretensamente criativos, mas que sempre traziam mais do mesmo.

Acreditamos que os quadros de interpretação dos pesquisa-dores e suas distintas chaves de leitura do mesmo fenômeno não são opostos e sim profundamente complementares. Meio e mensagem são aspectos do complexo fenômeno do impacto dos meios de comunicação. Enfocar o meio é tentar ver o quadro mais amplo no sentido temporal e espacial. É valorizar efeitos mais duradouros e menos pontuais e passa-geiros e tentar dar um quadro analítico mais amplo sobre os processos que vivem as sociedades complexas. Valorizar a mensagem é não perder a importância da atualidade e consi-derar a relevância das demandas que nos desafiam no pre-sente momento. Além disso, é trazer o debate político para o seio da pesquisa em Comunicação.

O debate sobre a televisão que trouxemos para pensar o trabalho de Adorno e McLuhan talvez tenha mudado bastante. O próprio

McLuhan (1964) afirmou que quando a definição da imagem da televisão mudasse e melhorasse – e, portanto, já não exigisse tan-to a participação do espectador – não deveríamos mais chamá-la de televisão. Seria outro meio, outra proposta, outro ambiente novo e singular. Já para Adorno, provavelmente, o que teríamos seria mais do mesmo. Em uma escala muito maior sentenciando, assim, o triunfo da Indústria Cultural.

Para além de pensar como esse quadro teórico pode ou não responder às questões da atualidade, vale a pena destacar que o pensamento de Adorno e McLuhan seguramente têm in-fluências profundas na pesquisa na nossa área, na medida em que compõem, provavelmente, o quadro das referências mais lido e citado. Portanto, rever a obra desses investigadores é compreender também o cenário e as perspectivas da atual pes-quisa em Comunicação.

95

Page 97: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências Bibliográficas

ADORNO, T. W. "Television and the patterns of mass culture". IN: NEWCOMB, H. The critical view television. New York: Oxford University Press, 1976.

____________. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

____________. Critical models: interventions and catchwords. Co-lumbia University Press, 2005.

McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.

____________. Os meios são as massa-gens. Rio de Janeiro: GB, 1969.

____________. “Visão, som e fúria”. IN: LIMA, L. C. Teoria da Cul-tura de Massa. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

MEYROWITZ, Joshua. No sense of place: the impact of electronic media on social behavior. NewYork: Oxford University Press, 1985.

SOUSA, Janara. Teoria do Meio: contribuições, limites e desafios. Brasília: Editora Universa, 2009.

96

Page 98: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan e Anísio Teixeiraaproximações em torno da tecnologia

ResumoO artigo estabelece aproximações sobre o conceito de tecnologia entre Marshall McLuhan e Anisio Teixeira. Utilizando o método bibliográfi-co é descoberto que Teixeria inspirou-se em McLuhan o seu conceito de tecnologia como extensões dos sentidos, incluindo a problemática dos valores com fundamento em John Dewey. Por fim, são feitas consi-derações sobre a atualidade desses autores.

Palavras chavetecnologia, Marshall McLuhan, Anísio Teixeira

97

RAQUEL DE ALMEIDA MORAES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (UNB)

BRASÍLIA, DF, BRASIL

[email protected]

Page 99: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Introdução

O objetivo deste texto é tecer algumas aproximações entre Marshal McLuhan e Anísio Teixeira em torno da tecnologia.

Prefaciando, em 1969, o livro de McLuhan dentro de sua cole-ção: “A galáxia de Gutemberg”, Anísio Teixeira assim expressa:

A novidade dos nossos tempos tumultuados, com o início da era eletrônica em substituição à mecânica e tipográfica de nossa extinta era moderna pela maior transformação tec-nológica de toda a história, será a de que vamos entrar na nova era tribal da aldeia mundial pelos novos meios de co-municação, mas agora em contraste com os nossos antepas-sados espontaneístas e semiconscientes, em estado de aler-ta, como diz McLuhan (McLuhan,1972, p.13)

Pelo o que se pode apreender, Teixeira juntamente com McLuhan, foram entusiastas da tecnologia eletrônica e viam nela a possibilidade da entrada da humanidade na era da “al-deia mundial”, só que num estado de alerta.

A seu ver, não mais como os antepassados “espontaneístas e semiconscientes”, mas ao contrário, conscientes e com plane-jamento das suas experiências, voltados para o benefício da própria humanidade.

Vejamos com um pouco mais de detalhes as concepções desses filósofos, no que se assemelham e algumas das críticas a McLuhan quanto à tecnologia.

McLuhan e a Tecnologia

Para McLuhan (1988) os meios podem ser entendidos como extensões dos sentidos humanos. Para ele, o meio é a mensa-gem e significa “em termos da era eletrônica, que já se criou um ambiente totalmente novo. O “conteúdo” desse novo am-biente é o velho ambiente mecanizado da era industrial. O novo ambiente reprocessa o velho tão radicalmente quanto a TV está reprocessando o cinema.” (idem, p. 11-12)

Para ele a humanidade está se aproximando da fase final da extensão do homem com a possibilidade da “simulação tecno-lógica da consciência pela qual o processo criativo do conheci-mento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a socie-dade humana” (idem, p. 17). E pondera que se isso será bom ou não, é uma questão em aberto.

Ao analisar a questão da linguagem e da tradução, Mcluhan argumenta que o computador, pela tecnologia, pode traduzir qualquer língua instantaneamente e que o próximo passo lógi-co seria não traduzir, mas “superar as línguas através de uma consciência cósmica geral, muito semelhante ao inconsciente coletivo sonhado por Bergson”. (idem, p. 99)

Mais adiante ele argumenta: “Mas um computador consciente ainda seria uma extensão de nossa consciência, como um tele-scópio é uma extensão do olho, ou um boneco de ventríloquo é uma extensão do ventríloquo”. (idem, p. 394)

98

Page 100: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

McLuhan concebia a linguagem como tecnologia que transla-da o pensamento para a fala e é transladado por outras tecno-logias no decurso da civilização: hieróglifos, alfabeto fonético, imprensa, telégrafo, fonógrafo, radio, telefone etc.

Para Maria Isabel Nascimento (2001), MacLuhan via na evolução tecnológica um ator principal na vida social: “o que é dito é condi-cionado pela maneira como se diz. O próprio meio passou a ser a principal atração, a informação”.

Com sua tese de aldeia global, o canadense trouxe para a edu-cação um novo enfoque baseado nas teorias da comunicação, algo que só viria à tona nos anos noventa do século XX com a Educomunicação.

Andrew Feenberg (2010, p. 205), por sua vez, vindica que MacLuhan percebia a tecnologia como “órgãos sexuais do mundo máquina”. Mas critica sua visão de tecnologia argu-mentando que ela é determinista assim como a de Marx.

Anisio Teixeira e a Tecnologia

Segundo Anísio Teixeira, com a moderna intensificação do processo tecnológico, criou-se a “cultura tecnológica” que re-presenta “mais do que tudo, o reino dos meios em contraposi-ção ao reino dos fins e valores fundamentais da vida huma-na”. (Teixeira, 1971, p.19) [grifos do autor]

Recorrendo a John Dewey quando afirma que “os meios são parcelas dos fins, não podendo, portanto, considerá-los neu-tros nem indiferentes” (idem, ibidem), Anísio Teixeira conside-ra fundamental o estudo do processo cultural no intuito de as-segurar a correspondência entre meios e fins de modo a ter seu controle.

Em vista disso, afirma que: “Tal estudo é que poderá dar-nos consciência do processo da cultura sob que vivemos e de que somos hoje cegamente dependentes, e, pela consciência, a pos-sibilidade de dirigir e orientar seu desenvolvimento”. (idem, ibidem) [grifos do autor].

No entanto, a separação entre o saber humanístico do saber cien-tífico foi motivada, segundo o filósofo e educador, por “causas que não foram intelectuais mas sociais” (idem, ibidem), especiali-zou o cientista de tal modo “que ele próprio chegou a ser excluí-do do mundo do pensamento propriamente dito”, criando a “fa-lácia das duas culturas do homem” (idem, ibidem).

Indo mais longe do que a cultura humanista, a ciência pôs-se a serviço do sistema econômico dominante dando origem à

99

Page 101: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

indústria, “como solução do problema da produção, sem con-sideração a quaisquer aspectos humanos” (idem, p. 15).

E continua:

Aliada ao sistema econômico dominante, criou as tecnolo-gias que transformaram materialmente o mundo, tecnolo-gias que, por sua vez, moldaram o homem para a fácil conformação às condições do sistema econômico que aca-bou por assimilar a ponto de incorporá-lo a sua segunda natureza (Ibid)

Partindo das críticas de Whitehead ao ciclo fechado do pensa-mento positivo, pragmático e operacional da ciência moderna, Teixeira alerta sobre “o perigo de estarem as tecnologias limitan-do, senão destruindo, a inerente natureza transcendente e críti-ca do pensamento humano” (idem, p. 11).

Diante disso, formula sua tese sobre a possibilidade da ex-tensão do método científico ao processo cultural e, desse modo, à restauração da educação humanística do homem combinando autores como Raymond Williams (cultura), Marshal Macluhan (tecnologia) e John Dewey (educação).

A partir dessas referências, Teixeira desenvolve uma concep-ção de educação que, ao mesmo tempo em que adapta, ajusta o homem à sua cultura, lhe fornece as bases para uma compre-ensão que ultrapasse os limites da pura especialização para o trabalho, tornando-o partícipe no controle, revisão e reforma des-

sa mesma cultura, que é a grande marca do seu pensamento liberal progressista.

100

Page 102: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Considerações finais

À guisa de comparação, temos que para esses autores a tecno-logia assume diferentes nuances dependendo da concepção de homem e mundo em que se baseiam.

Em McLuhan há uma fusão do humano com o tecnológico aproximando-se de um entusiasta das mídias (Mattelart, 2001) e do pós-humano, com o cyborg e a Internet (Rüdiger, 2007).

Como entusiasta da mídias Mattelart, no entanto, critica McLuhan argumentando que ele, ao aproximar o significante do significado (meio e mensagem), conteúdo e forma, acaba por beneficiar o monopólio da forma, do meio sob o conteú-do, à mensagem (idem, p. 75).

Outra crítica à McLuhan é a partir do geopolítico Brzezinski (1969 apud Mattelart 2002, p. 100) . Para este o canadense, ao se apoiar nas idéias de Teilhard de Chardin da “nova unidade mun-dial” da aldeia global, não percebe que ao invés de aldeia global assiste-se à formação de uma “cidade global”, isto é, “um nó de relações interdependentes, nervosas, agitadas e tensas, produto-ras de anomia, anonimato e de alienação política” (idem, p. 100)

Sobre essas críticas contemporâneas o próprio McLuhan argu-menta que sua visão utópica da aldeia global não se aplica na atualidade. Para ele: “Village is fission, not fusiuon, in depth...The village is not the place to find ideal peace and har-mony” (Gordon, 1997, p. 105). Traduzindo livremente: Aldeia

é fissão, não fusão, em profundidade... A aldeia não é o lugar ideal para encontrar a paz e a harmonia.

Ele considera que as tribos têm maior potencial de unidade. Nesse sentido, para Josef Mikovec (2011), Geers (2011) e Xiangsui (1999), o movimento Zapatista está se mantendo na luta contra-hegemônica para se libertar da dominação mexica-na e da alienação graças à Internet, e faz sua estratégia políti-ca considerando esse meio de comunicação eletrônica.

Para Ronfeldt et al (2011, p. 27) os índios de Chiapas (Exército Zapatista de Litertação Nacional, EZLN) não querem tão so-mente a terra, como Marx suporia, mas buscam encontrar um meio de preservar sua comunidade e cultura. E vem na netwar (guerra eletrônica) um caminho para alcançar essa meta.

Já Anísio Teixeira utiliza como referência evolutiva a tecnologia na comunicação teorizada por McLuhan ponderando, no entan-to, sobre os riscos que há por estar subordinada ao mundo do poder econômico, aproximando-se, portanto, mais do humanis-mo como postura filosófica e educacional.

Por fim, para Grosswiler (1996), o método de McLuhan era como o método dialético de Marx, não era mecânico nem de-terminista mas garimpava nos interstícios da interação midiá-tica para alcançar a abertura da consciência e a autonomia. Embora discordasse da análise marxiana sobre a infraestrutu-ra da economia capitalista determinar o avanço tecnológico da sociedade simbolizado pela indústria, MacLuhan propu-

101

Page 103: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

nha os meios de comunicação determinando o desenvolvimen-to social, à semelhança do que Marx fazia com a economia. Essa é uma polêmica, no entanto, que desenvolveria numa ou-tra oportunidade, dado a complexidade temática e o escopo deste Seminário que ora participo.

Referências

GORDON, W. Terrence. McLuhan for Begniners. London: Writers and Riders, 1997.

GEERS, Kenneth. Sun Tzu and Cyber War. CCD CoE · February 9, 2011. Disponível em: http://www.ccdcoe.org/articles/2011/Geers_SunTzuandCyberWar.pdf Acesso em 13/11/2011.

GROSSWILER, P.. The Dialectical Methods of Marshall McLuhan, Marxism, and Critical Theory. Canadian Journal of Communicati-on, North America, 21, jan. 1996. Disponível em: http://www.cjc-online.ca/index.php/journal/article/view/925/831. Data de acesso: 15/10/2011.

NEDER, Ricardo. (Org.) A teoria crítica de Andrew Feenberg: ra-cionalização democrática, poder e tecnologia. Brasília: CDS, 2010.

MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutemberg. Tradução de Leô-nidas Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira.São Paulo:EDUSP Companhia Editora Nacional. (Coleção Cultura, Sociedade, Educa-ção, Direção: Anísio Teixeira), 1972.

_______.Os meio de Comunicação como extensões do homem. Tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1988.

MIKOVEC, Josef. Návraty do budoucnosti aneb tak to zase vyhrál Evo čili latinskoamerická renesance a autopoiesis. Disponível em http://www.noveslovo.sk/c/11420/Navraty_do_budoucnosti_aneb_tak_to_zase_vyhral_Evo_cili_latinskoamericka_renesance_a_autopoiesis Acesso em 12/11/2011.

MATTELART, Armand. História da Sociedade da Informação. São Paulo: Loyola, 2002.

102

Page 104: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. McLuhan. Revista Educação, nº 46, 10/2001.

RONFELDT, John; ARGUILLA, Graham; FULLER, Melissa. The Zapatista "Social Netwar" in Mexico. Disponível em: http://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR994.html Acesso em 15/11/2011

RÜDIGER, Franscisco. Introdução às teorias da Cibercultura. Por-to Alegre: Sulina, 2007.

TEIXEIRA, Anísio S. Cultura e Tecnologia. Rio de Janeiro: Funda-ção Getúlio Vargas, 1971.

XIANGSUI, Qiao Liang and Wang.Unrestricted Warfare.Beijing: PLA Literature and Arts Publishing House, February 1999. Dispo-nível em: http://www.missilethreat.com/repository/doclib/19990200-LiangXiangsui-unrestrictedwar.pdf Acesso em: 13/11/2011.

Webgrafia

EZLN a Low Intensity Operations Ejercito Zapatista de Liberatión National Zapatistická armáda národního osvobozeníhttp://en.wikipedia.org/wiki/EZLNhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Subcomandante_Marcos

Geostrategie, geopolitika a mezinárodní vztahyhttp://en.wikipedia.org/wiki/Geostrategy

Návraty do budoucnostihttp://aulavirtualedemocracia.blogspot.com/2011/04/navraty-do-budoucnosti.html

103

Page 105: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Parte 3

APROXIMAÇÕES II

Muito além da interatividade:o olhar de McLuhan sobre as novasformas de ver o telejornalismoANA CAROLINA ROCHA PESSÔA TEMER

Marcas do narrador implícito numaaproximação conceitual com McLuhanALEXANDRE KIELING

Visão e atualidade das contribuições de McLuhan sobre a automação e osconsequentes impactos nas organizações, na comu-nicação e no mundo do trabalhoJOÃO JOSÉ CURVELLO

Page 106: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Muito além da interatividadeo olhar de McLuhan sobre asnovas formas de ver o telejornalismo

ResumoOs avanços tecnológicos provocam mudanças estruturais na sociedade e nos próprios meios de comunicação. A televisão, como meio de comu-nicação de massa, vem inserindo espaços dentro de sua programação para novas práticas centradas nas possibilidades de interação/interati-vidade o telespectador. Essas mudanças têm alterado o formato e o con-teúdo do telejornal, e até mesmo a forma como os telespectadores “vê-em” esse produto jornalístico. Este artigo faz uma análise ampla sobre as possibilidades que essas mudanças trazem para o telespectador, e em especial, como afetam a relação telejornalismo/cidadania.

Palavras chavetelevisão, internet, telejornal, interatividade, cidadania

105

ANA CAROLINA ROCHA PESSÔA TEMER

DOUTORA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PELA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

PROFESSORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, BRASIL

[email protected]

Page 107: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

“Qualquer inovação ameaça o equilíbrio da organização existente.” (Marshall McLuhan)

Sobre televisão: uma breve introdução

Desde a criação da televisão o jornalismo esteve presente na programação diária das emissoras. No entanto, a dinâmica de uso destes espaços foi reconfigurada ao longo das décadas, passando por períodos de maior e menor prestígio, e por usos diferenciados das imagens e recursos tecnológicos diversos. O momento atual aponta para uma nova reconfiguração do espa-ço destinado ao telejornalismo, em um claro indicativo de que está ocorrendo um processo diferenciado na pela conquista e manutenção da audiência e principalmente, uma busca quase frenética retomada de um prestígio ou importância estratégica que as emissoras de televisão percebem que está lentamente se deslocando para outros setores, como a Internet e até mes-mo as Redes Sociais.

No mundo atual, falar a notícia, a informação, é um capital precioso e volátil, e a transmissão de novos dados em tempo real não apenas virou sinônimo de bom jornalismo, como também se tornou elemento fundamental para credibilidade e prestígio do telejornalismo, estratégia essencial para o tele-jornalismo buscar seduzir uma audiência cada vez mais sabe, em geral via internet, os principais assuntos do dia. A rede mundial é sinônima de um mundo que se move em alta velocidade, no qual o ontem é um passado longínquo, e in-

formação esta acessível em tempo real em cada esquina, por meios cada vez mais portáteis e de baixo custo. A questão é: como esses novos meios estão impactando no telejornalis-mo? Como este modelo já tradicional de transmissão de in-formações jornalística está se adaptando a essas mudanças, inclusive utilizando, de forma instrumental, estes novos mei-os? Quais são as novas faces do telejornalismo em tempos de internet, redes sociais e twitters?

Não são perguntas fáceis de serem respondidas. E, ainda mais grave, o futuro aponta para a radicalização deste cenário. De fato, uma pesquisa feita pela Microsoft sobre o comportamen-to do consumidor de internet europeu, divulgada em abril de 2009 em vários sites1, indica que a rede já superou a televisão em número de usuários/horas de uso. Apesar de todas as es-pecificidades do Brasil, seria ilusão que a audiência brasileira segue em outro sentido. No Brasil, assim como em várias par-tes do mundo, os jovens estão cada vez mais “ligados” na In-ternet, e fascinados pelas tecnologias de última geração.

De olho nessa mudança de comportamento, as emissoras de televisão brasileiras de sinal aberto – apenas para fazer um re-corte - vêem investindo em sites e em outros elementos que possibilitem um link entre a sua programação os usuários das redes – (web, redes sociais, twitters). Essa relação se estende para o telejornalismo, que tem buscado se adaptar a esses no-vos recursos, tanto no que diz respeito a estratégias para a pro-

106

____________________

1 www.bit.pt, www.fábricadeconteudos.com

Page 108: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

dução de conteúdos como também – ou principalmente – como elemento para conquistar os receptores mais jovens ou mais equipados em recursos para acessar as redes.

Neste texto, iremos analisar algumas destas práticas, entendo-as como estratégias que criam novos espaços para que os teles-pectadores interajam de forma diferenciada com os telejor-nais, mas também buscando compreender se essa interação/interatividade efetivamente cria condições para uma comuni-cação dialógica, que efetivamente muda o caráter do telejorna-lismo, eventualmente abrindo espaço para que questões liga-das ao interesse público e à cidadania tenham mais destaque e/ou sejam tratadas de forma diferenciada. Ou ainda, se as no-vas tecnologias interativas apontam caminhos para efetivas mudanças no telejornalismo nacional.

Sob o olhar de McLuhan e da Escola Canadense

Mas se estamos falando de tecnologia, e principalmente, se esta-mos questionando como a tecnologia afeta aos indivíduos e as rela-ções sociais convêm olhar para a tecnologia a partir de um olhar específico, um olhar que, apesar de já não ser novo, ainda tem algo ao mesmo tempo sedutor e assustador: o olhar de McLuhan.

A preocupação com os efeitos dos próprios meios de comuni-cação como tecnologia foi uma questão colocada de forma tardia nos estudos da mídia. O pioneiro nessa corrente foi Harold Adams Innis, mas sem dúvida Marshall McLuhan, um canadense, historiador da economia, que partia do princí-pio segundo o qual a principal força da transformação cultu-ral são as transformações ocorridas nas tecnologias e, princi-palmente, nas tecnologias da comunicação, deu novo impul-so aos questionamentos sobre essa relação.

McLuhan foi um fenômeno no seu tempo, mas o seu legado foi em muitos momentos mal compreendido e/ou marcado por leituras superficiais. Visto com maior aprofundamento, seus escritos revelam um pesquisador com sólida formação humanista e grande estudioso de retórica. Na visão do au-tor os meios – ou seja, tudo aquilo que cria vínculos entre dois ou mais indivíduos – são os elementos que determi-nam os processos de comunicação e a própria articulação social. Neste processo, o desenvolvimento de cada um dos meios de comunicação – que em essência nada mais são do que extensões do sistema nervoso humano – exerce um

107

Page 109: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

tipo de influência decisiva na ação social do indivíduo e na própria estruturação social, transformando o modo de o ho-mem entender a si mesmo.

Focado nesta perspectiva, a preocupação central de McLuhan era entender o papel dinâmico das mídias e das tecnologias, que por sua vez são vistas como meios que articulam o proces-so básico da construção histórica da sociedade. McLuhan não apenas analisa os meios a partir de sua ligação com as trans-formações antropológicas e simbólicas, como também traba-lha a partir de uma perspectiva diferenciada da história, atri-buindo à cultura um papel semelhante a um “espelho retrovi-sor”, uma vez que se fundamenta no olhar da tradição, do pas-sado, do que tende a ser conservador, enquanto as novas tec-nologias apontam para a mudança e a transformação não ape-nas das técnicas, mas da própria vida social.

McLuhan não estava solto no tempo e no espaço, ao contrário, dialogava com outros autores de sua época, inclusive com pes-quisadores de outras esferas do conhecimento. Assim, na mes-ma época em que Einstein buscava entender a relação tempo/espaço na teoria da relatividade, McLuhan também procura en-tender como os meios estruturam essa relação e, ao modificá-la, estruturam (desestruturam, re-estruturam) também a maneira como o homem organiza o seu raciocínio e a sua vida.

Para McLuhan, o ambiente criado pelo homem, condicionado pela tecnologia que ele domina, é a sua segunda natureza: “o

homem é perpetuamente modificado por ela [tecnologia], mas em compensação sempre encontra novos meios para modifi-cá-la” (McLUHAN: 2002, p. 65).

Em função disso, esse autor desloca os estudos de comunicação da questão do conteúdo das mensagens para o estudo dos mei-os, invertendo a maneira de olhar da Teoria Crítica (TREM-BLAY: 2003), vendo a tecnologia e a forma como o homem pas-sa a lidar com essa tecnologia, e especialmente com as tecnolo-gias da comunicação, como fator fundamental ao processo his-tórico. Os meios de comunicação reajustam psiquicamente os indivíduos, são tecnologias da inteligência, cuja compreensão é o ponto central da organização social. Toda tecnologia é tam-bém um “ambiente” um ordenador cultural que afeta tanto o corpo quanto as mentes. “Os ambientes não são envoltórios pas-sivos, mas processos ativos” (GOMES: 1997, p. 118-119).

São os meios, e não os conteúdos, que modificam a sociedade. Ainda que “todos os meios existam para “...conferir as nossas vidas uma percepção artificial e valores arbitrários” (McLUHAN: 2002, p. 224), cada meio tem uma dinâmica pró-pria, uma vez que nenhum meio existe por si só, ele usa e se apodera dos conteúdos de outros meios, em um processo que modifica as possibilidades de utilização do novo meio, mas que também altera os usos sociais do meio já existente.

108

Page 110: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

E é justamente neste ponto que a relação dos novos meios com o jornalismo, e especificamente com o telejornalismo, torna-se um elemento ao mesmo tempo sedutor e angustiante. Sedutor porque traz promessas de uma interatividade antes impossível, de avançar no “ouvir o público” e prestar novos e melhores ser-viços. Mas também angustiante porque a prótese técnica que é inserida no processo, essa nova extensão do corpo, causa a mes-ma dor de uma amputação: o corpo conhecido se torna desco-nhecido, oferecendo limites e possibilidades que o seu usuário deve, eventualmente de forma dolorosa, testar.

O que é jornalismo?

Ainda que nenhuma atividade seja mais representativa da mo-dernidade do que o Jornalismo, é difícil relacionar seu estudo, que de muitas formas se construiu sobre bases empiristas e funcionalistas, a visão de McLuhan sobre as mudanças sociais decorrentes das tecnologias.

A imprensa, como nós a construímos no nosso imaginário atual, tem como base valores como a busca permanente pela verdade, o questionamento de todas as autoridades e todos os mitos, a luta pela transparência nas ações do estado, a confiança no progresso e no próprio se humano (Marcondes Filho: 2000, p. 9).

O jornalismo é tudo que se opõe ao atraso, ao obscurantismo, ao que dúbio ou secreto. O jornalista é um comunicador, mas é tam-bém um profissional da informação, indivíduo inserido em um processo produtivo ao mesmo tempo organizado e direcionado, ordinariamente inserido em uma organização empresarial cuja fi-nalidade principal é o lucro, e que não vacila em utilizar tecnolo-gias que racionalizem economicamente o processo de produção.

Não é surpreendente, portanto, que a atividade profissional caminhe em paralelo com as mudanças tecnológicas, apresen-tando-se e inserindo-se com desenvoltura em cada novo meio de comunicação que alcança um mínimo de atenção dos recep-tores. Um olhar mais atento, no entanto, verá que a cada novo meio, a cada nova tecnologia, o jornalismo se adapta, se modifi-ca, se reconstrói, em um processo que reconstrói não apenas a

109

Page 111: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

própria atividade profissional – o jornalismo -, mas também os jornalistas e as expectativas e comportamentos dos receptores.

De fato, cada nova possibilidade tecnológica representa tam-bém uma nova possibilidade de articulação interna de um sis-tema que, ao mesmo tempo em que expõe a pluralidade de opiniões, também controla a exposição dessas opiniões. Cada nova tecnologia representa também uma nova possibilidade de acesso à informação, e a cada nova possibilidade cresce no receptor a falsa sensação de que desfruta incondicionalmente dos benefícios resultantes da liberdade de expressão.

No entanto, é inegável que o jornalismo “... via de regra, atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglo-merado jornalístico raramente fala sozinho.” (MARCONDES FILHO: 1989, p.11). Desta forma, mesmo tempo compromis-so com a informação verdadeira e atual, os veículos jornalís-ticos também buscam defender seus próprios interesses. Neste sentido, a vantagem oferecida pelos novos meios, pe-las novas tecnologias, está em proporcionar aos produtores de informações – grandes ou pequenos_ melhores condi-ções de publitizar seus próprios pontos de vista, oferecen-do aos leitores um maior leque de possibilidades de acesso a/as informação/informações.

Este novo jornalismo, que Marcondes Filho (2002) define como quarto jornalismo2, é resultante de processos que tive-ram início por volta dos anos 1970, que se acoplam a expan-são da indústria da consciência no plano das estratégias de comunicação e persuasão dentro do noticiário e da informa-ção. Esse modelo é marcado pela inflação de comunicados e de materiais de imprensa fornecidos por agentes empresari-ais e públicos (assessorias de imprensa) eventualmente de-preciando-a informação “pela overdose”. O modelo também é marcado pela perda de importância da informação jornalís-tica, e do próprio jornalista, que passa a competir com “...sis-temas de comunicação eletrônica, pelas redes, pelas formas interativas de criação, fornecimento e difusão de informa-ções” (MARCONDES FILHO: 2002, p. 30).

Especificamente quando falamos de telejornalismo, falamos também de um processo de comunicação que envolve mais de uma etapa, em uma relação híbrida de apreensão da realidade e representação dos acontecimentos atuais (os fatos) à socieda-de. Estas ações, cuja simplicidade aparente escondem tramas complexa de atividades profissionais especializadas, é direta-mente afetada pelas mudanças tecnológicas. O modelo de tele-jornalismo como conhecemos hoje, com múltiplas reportagens e várias entrevistas, só se tornou possível em função da porta-bilidade dos equipamentos de filmagem.

Mudanças mais recentes, como elementos facilitadores da transmissão ao vivo em tempo real e a edição não linear,

110

____________________

2 Para Marcondes Filho (2002) o primeiro jornalismo nasce com a Revolução Francesa, a partir do ideal de trazer raciona-

lidade os acontecimentos e expor a verdade. O segundo é o embrião do modelo de jornalismo moderno: o início do

jornal como empresa capitalista e do jornalismo que valoriza a imparcialidade e o interesse público. O terceiro jornalismo

surge no século 20, quando ele assume características de monopólios. O quarto jornalismo é o da era tecnológica.

Page 112: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

também tem afetado em maior e menor grau o conteúdo do telejornalismo. Da mesma forma, ainda que nem todas as emissoras e todos os telejornais tenham aderido incondicio-nalmente às novidades, sem dúvida que as possibilidades de interação em tempo real via internet já afetam o modo de fazer o telejornalismo.

A preocupação das emissoras com os novos meios fica clara tam-bém em outras ações: os sites dos telejornais são cada vez mais ela-borados tanto em termos estéticos quando em navegabilidade, e os conteúdos estão sendo disponibilizados cada vez mais rápido ou até mesmo tempo real (paralelamente a transmissão pela TV).

Todos estes recursos criam não apenas novas possibilidades de acesso a informação, mas também novas possibilidades de indivíduos ou grupos sociais interagirem – mandarem suas mensagens, mostrar a sua presença e interesse – aos produto-res dos telejornais. Essas ações, evidentemente, afetam o pró-prio jornalismo como ator social, criando novas relações de força (relações de poder) não apenas entre os produtores e consumidores de produtos jornalísticos, mas nas relações de força/poder entre o jornalismo e a sociedade.

Neste sentido, ainda que tenham proliferado trabalhos que analisam o jornalismo a partir das ações profissionais e o conteúdo do jornalismo, é necessário rever também como as tecnologias afetam as relações do jornalismo como insti-tuição social, como alimentador dos processos agente ativo na vida da sociedade.

Nesta perspectiva é necessário rever também rever o jornalis-mo a partir do olhar de McLuhan, entendendo que as novas tecnologias não representam “a morte da notícia”, mas abre espaço para que a atividade atue não apenas em novos espa-ços, mas também desenvolva novos papeis. Igualmente impor-tante é acrescentar que o jornalismo, como reflexo do compor-tamento da própria sociedade na modernidade, absorveu as tecnologias sem racionalizar esse processo.

A adoção de computadores, sistemas de rede, acesso on line à Internet, fusão e mixagem de produtos na tela conduzi-ram as empresas jornalísticas a uma reformulação completa de seu sistema de trabalho, adaptando em seu interior a alta velocidade de circulação de informações, exigindo que o homem passasse a trabalhar na velocidade do sistema (MARCONDES FILHO: 2003, p. 36).

111

Page 113: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Sobre o conteúdo do (novo?) jornalismo

O telejornalismo mudou, mas a questão é: mudou para me-lhor? Antes de responder a essa pergunta, é importante fazer-mos algumas reflexões. A verdade é que, para a maior parte dos estudiosos da área, o telejornalismo nunca foi marco de qualidade de informação jornalística. Ainda que tenha aponta-do para uma grande massa de indivíduos sem o hábito da lei-tura do jornal impresso a importância da informação, o telejor-nalismo brasileiro sempre esteve atrelado a interesse das gran-des empresas de mídia, ou até mesmo a interesses do Estado. O indivíduo, o público receptor, foi tratado como audiência; sua voz só passou a ser motivo de preocupação quando a que-da desta audiência – que aconteceu em parte por motivos eco-nômicos e estruturais - começou a incomodar.

Neste sentido, a principal preocupação nas redações não são as mudanças estruturais e sociais que as novas tecnologias podem trazer, mas se a tecnologia pode estar trazendo de volta para as redações uma proximidade com o público que havia sido perdida e/ou diluída nas rotinas produtivas das redações desde o processo industrial. Ou, em outras pala-vras, se a tecnologia pode trazer/manter/conquistar uma boa audiência para o telejornal. Aliás, como a redação dos te-lejornais de sinal aberto está cada vez mais consciente que parte do publico migrou para outros veículos e para as emis-soras codificadas (cabo ou satélite) a palavra de ordem é usar buscas novos espaços de interatividade (real ou não)

que conquistem o público C, a fatia alvo para qual os produ-tores hoje voltam seus olhares ambiciosos.

Mas antes de se deter sobre essas estratégias, no entanto, é im-portante analisar se no ambiente de convergência tecnológica o fazer jornalístico sofre impactos tanto em seu aspecto teóri-co quanto na ética de seu exercício profissional. De fato, a in-serção da tecnologia aproxima cada vez o jornalismo de ou-tros modelos de comunicação mediada e consequentemente o afasta da informação, da neutralidade e da imparcialidade que, em tese, é característica do jornalismo.

A emergência dos novos meios aponta para um destronamento do jornalista da sua “a tendência de apoiar-se em si mesmo” (WOLTON: 1991), forçando-o a se relacionar-se com o mundo e suas exigências estéticas que antes não prevaleciam: a notícia deixa de se impor a partir do interesse implícito que carrega consigo: “agora é preciso fazer significar ao destinatário que se tratada dele” (MARCONDES FILHO: 2002, pág. 39).

112

Page 114: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Internet, televisão e interatividade

Os sistemas tecnológicos complexos de comunicação e informa-ção afetam não apenas o jornalismo, mas exercem um papel es-truturante na organização da sociedade e da nova ordem mun-dial (MATTELART E MATTELART: 2002). Não há como sepa-rar os avanços tecnológicos da compreensão de como a socieda-de se organiza e age: “na época atual, a técnica é uma das di-mensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo” (LEVY: 1993, p.7).

Na análise do jornalismo essa separação fica ainda mais difí-cil. Vivemos na sociedade midiatizada e mediada pelos meios, na qual todos os acontecimentos cotidianos estão sempre pas-síveis de se tornar públicos: as redes sociais, as propostas de transparência do Estado, as relações virtuais cada vez mais constantes, criam possibilidades para se conhecer detalhes da vida de indivíduos que, em outro momento histórico, seria inacessível. Todos os assuntos, importantes ou não, estão dis-postos e explicados em milhares de site na Internet, dando a impressão de que nada mais é secreto ou desconhecido.

É verdade que a pauta das conversas diárias (ainda?) passam, quase sempre, pelo que foi divulgado na TV e nos jornais. Mas a perspectiva mudou. Em um estudo realizado este ano no Campus da UFG comprovou-se que a maior parte dos estu-dantes tiveram acesso à informação sobre a morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden pelos veículos tradicionais de jor-

nalismo3. Da mesma forma, um estudo do mesmo grupo de pesquisa, mas do ano anterior, mostrou que os jovens estudan-tes de jornalismo não acompanhavam diariamente os telejor-nais, e mesmo quando o “viam”, ele atuava como pano de fun-do para outras atividades4.

Estes são apenas alguns dos estudos que apontam que, no mundo onde proliferam informações, a importância do jorna-lismo não está simplesmente em mostrar os fatos, mas em mostrar como compreendê-los, em classificá-los, sistematizá-los, hierarquizá-los. Além disso, o telejornalismo atual já não se limita ao modelo tradicional de transmissão de informa-ções, e tem voltado os seus esforços para o jornalismo diver-sional e a prestação de serviços. De fato, alguns telejornais – como é o caso do Jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão – tem se especializado em assuntos mais leves, aparentemente voltados para as donas de casa, com dicas de culinária, moda e lazer. Da mesma forma, tem sido significativa a pre-sença do material voltado para “ensinar alguma coisa”, se-jam em matérias direta ou indiretamente ligadas aos direitos do consumidor, sejam aspectos específicos do serviço públi-co, reforçando a relação do telejornalismo com a cidadania.

Mas isso não é tudo, pois a relação da televisão com meios como a internet e o twitter exigem um olhar mais complexo. E

113

____________________

3 TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Bin Laden e a morte da notícia - Trabalho apresentado no GT – Jornalismo do

XI Congresso Lusocom, realizado de 4 a 6 de agosto de 2011.

4 TEMER, A. C. R. P. . Espiando a notícia: a recepção do Jornal Nacional por jovens estudantes de jornalismo. In: BARBOSA,

Marialva; MORAIS, Osvando J de. (Org.). Comunicação, Cultura e Juventude. 01 ed. São Paulo: Intercom, 2010, v. 01, p. 183-212

Page 115: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

neste olhar é necessário considerar também até que ponto na incorporação das tecnologias, as novas mídias surgem com a promessa de serem espaços democratizantes porque ampliam o acesso à informação, e principalmente, na elaboração/cons-trução da informação.

Neste sentido, o mais recente questão mágica que de tempos em tempos assombra os estudiosos, é a interatividade. Mas o que é interatividade?

No Brasil a expressão surge a partir do neologismo inglês interac-tivity, e é utilizada para principalmente para denominar uma qualidade específica da chamada computação interativa (interacti-ve computing). A denominação, no entanto, era insuficiente clarifi-car a qualidade da modificação na relação usuário-computador re-sultante da incorporação de periféricos que permitiam acompa-nhar, em tempo real, os efeitos das intervenções do usuário. Da mesma forma, dado a intervenção mediada, essa nova relação não constituía uma interação, uma vez que o termo remete a no-ção de contato interpessoal. Para enfatizar essa diferença passou-se a usar a expressão 'interatividade', aceitando-se que o adjetivo interativo um qualificador de interação em seu sentido amplo. Portanto, interatividade é caráter ou condição de interativo, é a capacidade de interagir ou permitir interação.

Apesar de ser uma expressão que ganhou notoriedade com o surgimento da internet, a interatividade também pode ser dis-cutida dentro dos meios de comunicação tradicionais. De fato, os processos interativos estão presentes em diferentes estân-

cias na comunicação mediada, mas somente a expressão inter-atividade se torna mais aplicável quando há uma “interven-ção permanente sobre os dados”, ou seja, um tipo especifico de interação quantitativamente e qualitativamente mais signi-ficativa, ou pelo menos significativo o suficiente para alterar a relação predominantemente unidirecional que caracterizada os processos de comunicação mediados anteriores a dissemi-nação dos computadores pessoais.

Partindo desses significados, há interação na televisão quando o telejornal abre espaço para o cidadão se manifestar enquan-to o telejornal está sendo veiculado, e essa manifestação tam-bém veiculada dentro do telejornal. Ou seja, jornalista e cida-dão exerceram uma ação mutuamente.

No entanto, é importante observar que a interatividade não cor-responde necessariamente a uma resposta genuína dos mem-bros da audiência, uma vez que o poder comunicativo não está dividido de forma igualitária. Neste sentido, a participação do telespectador dentro do telejornal pode ser reativa, uma vez que sua ação está limitada pelos profissionais de redação.

Desta forma, os dispositivos interacionais midiatizados, ou desenvolvidos em zonas de incidência da midiatização são flexíveis, mas não plenamente acessíveis para os receptores. Consequentemente, tendem a ser rápidos e superficiais.

114

Page 116: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

As tensões entre televisão, telejornalismo e interatividade

O diálogo entre comunicação e cidadania ganha fôlego novo a partir das novas tecnologias da comunicação. Isso porque “os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os senti-dos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem qualquer resistência.” (MCLUHAN: 2002, p. 34).

As mídias digitais e as possibilidades da interatividade afe-tam diretamente a relação das mídias tradicionais com o seu público e com o modo de produzir e/ou fazer telejornalismo.

A partir das novas possibilidades oferecidas pela computa-ção, pela telefonia móvel e acessível, já não é possível pen-sar mais dentro da lógica homogeneizante da sociedade de massas, da imprensa unidirecional elaborada a partir da ló-gica da produção industrial. As novas possibilidades tecno-lógicas mudam o conteúdo dos telejornais, mas, sobretudo, afetam as expectativas dos receptores e os usos que os re-ceptores fazem deste conteúdo.

Neste sentido, convém perguntar: se as tecnologias mudam as condições de interatividade dos receptores com as mídias, como fica a relação do telespectador com a telejornalismo?

A elaboração desta resposta exige que se reveja as diferenças entre os conceitos de conceito de público/audiência para, so-mente a partir do seu entendimento, compreender melhor o telespectador do jornalismo produzido para a televisão.

O termo audiência ganhou destaque nos estudos de comunica-ção a partir da década de 1980, conforme destaca Orozco (2006), ao assinalar que o público deixa de ser visto como alie-nado diante dos meios de comunicação e passa a ser compre-endido como um ente capaz de agir e reagir. Público ou audi-ência é um coletivo de telespectadores que, por razões varia-das se conectam a certa programação ou programa de televi-são, movidos pelo interesse em assimilar determinados temas ou conteúdos que satisfaçam seus interesses sociais, políticos ou culturais, ou as necessidades específicas de lazer ou busca por satisfação, a partir de escolhas subjetivas mas condiciona-das pelos seus valores e percepções do mundo.

A audiência, portanto, não é uma massa homogênea, mas um público com interesses direcionados, que só responde aos estí-mulos dos produtores se estes compreenderem o contexto cul-tural, social e econômico no qual estão inseridos.

No Brasil, pensar a audiência significa pensar também nas características históricas da televisão brasileira, no seu pas-sado fortemente influenciado por interesses comerciais, pela qualidade estética de suas produções, pelo seu vínculo estreito com o lazer. Em função disso, a tensão na relação do veículo com seu público, é que, para os empresários da televisão, a audiência só é válida quando formada por con-sumidores em potencial.

115

Page 117: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Esta é a importância maior da comunicação em um sistema produtivo: transforma a população em mercado ativo de consumo, gerando a disposição ao consumo, relacionando cada bem, produ-to ou serviço ao extrato social a que está destinado, atingindo simultaneamente a todos os extratos e imprimindo maior agili-dade ao mecanismo produtivo. (In KEHL: 1986, p. 205).

No entanto, o consumo de produtos (anunciados exaustiva-mente pela publicidade) quanto de bens simbólicos (comporta-mento, visão de mundo, etc.) nem sempre pode ser diagnosti-cado previamente, ou elaborado de forma a produzir, sem margem de erros, resultados específicos. Sabemos hoje que nem o público consome tudo o que vê na TV, nem a televisão expõe de forma clara todos os seus interesses e produtos5, mas na sociedade moderna fica difícil trabalhar com a hipóte-se de que há uma ingenuidade de parte a parte nesta relação. O planejamento e o conhecimento dos interesses do público – para não falarmos das estratégias de uso da televisão adota-das pelo público – não suprimem, no entanto, o caráter impre-visível desta relação.

Entre as previsões anunciadas que se concretizam se alojam também reações inesperadas para as quais os pesquisado-res buscam explicações posteriores. Ainda que conscientes disto, os planejadores também são movidos por pautas cole-tivas, por modismos específicos e por pretensas soluções

mágicas de conquista do público. A mais recente destas re-ceitas mágicas, é a interatividade.

Mas nem mesmo a interatividade é resposta a todos os proble-mas – ou todas as mudanças e necessidades de adaptações que a televisão tem que enfrentar. De fato, é importante considerar que, embora tenham se passado mais de 60 anos da chegada da televisão no Brasil, o comportamento dos produtores de televi-são e do telejornalismo frente ao receptor não mudou expressiva-mente. Todas as ações continuam voltadas para a conquista cega dos números, para o aproveitamento das tecnologias como for-ma de deslumbrar o telespectador e manter alto o número de aparelhos ligados. O interesse pelo cidadão está esta em segun-do plano, aliás, em alguns casos nem mesmo está nos planos, não interessa à programação. Mesmo nos momentos em que a televisão usa termos como jornalismo cidadão ou cidadania, ou se direciona ao cidadão com algum pretexto, o faz na expectativa transformá-lo em audiência, de cativá-lo.

Essa relação é comprovada a partir da estratégia que a TV em se apoiar nas pesquisas para definir sua grade de programa-ção e, principalmente, a se colocar como mediadora dos confli-tos e questões do público ao tratar dos assuntos pertinentes à cidadania como saúde, segurança, emprego, entre outros.

Neste sentido, a interatividade oferecida hoje aos receptores – e que tem vínculos estreitos com a cidadania, está limitada aos registros das possibilidades. Para ser assegurada, para efe-

116

____________________

5 Um exemplo disso são as reportagens que criam expectativas sobre jogos e disputas esportivas que a própria

emissora vai transmitir.

Page 118: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

tivamente assumir uma dimensão de inclusão do cidadão, essa interatividade obrigatoriamente deveria conferir a todo membro da sociedade o igual direito de ser plenamente repre-sentado, de ter acesso aos meios e da participar da vida em co-mum e das decisões coletivas de forma plena.6

Quando consideramos que somente podemos pensar no in-divíduo enquanto cidadão quando, além de ter a liberdade de forma plena, alcançando não somente os seus direitos civis e sociais, mas também conquistando a condição de in-terferir ou participar em todos os âmbitos da vida em socie-dade – aí, incluído na própria agenda dos meios – verifica-mos que a “interatividade” hoje oferecida aos telespectado-res do telejornalismo não assegura o direito de acesso do cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de co-municação social na condição de emissores – produtores e difusores – de conteúdos, e portanto não assegura os pro-cessos de cidadania que deveriam ser inerentes a interativi-dade. Desta forma essa interatividade é antes uma estraté-gia (pouco efetiva) de busca pela audiência. Seu equivoco, aliás, está justamente em voltar-se para um público que já não aceita estratégias, pois busca espaços onde possa se ex-primir como cidadão.

Isto não quer dizer que a televisão não tenha mudado, não este-ja mudando, mas aponta a imensa dificuldade dos produtores de televisão, entre eles os próprios jornalistas responsáveis pelo telejornalismo, em aceitar as mudanças que as mudanças trazi-

das pelas novas mídias vão além do instrumental. Para esses produtores é muito bom que o computador seja uma “maquina de escrever” mais eficientes, que o telefone celular substituía os ruídos e interferências dos rádios ponto a ponto acoplados aos carros de reportagens, que as fermentas de busca permitam que os arquivos desocupem espaços. Mas é só isso.

O que parece estar fora de sua visão são as mudanças estru-turais que estes equipamentos trazem consigo. Que frente em frente a “velha tela da televisão” existe um novo telespec-tador, uma nova audiência, um novo público, que já desequi-librou a organização do modelo televisivo atual. No entanto, o próprio McLuhan vê a audiência como uma elemento ati-vo, e seguindo essa visão produtores devem se conscientizar que a opção não é mais convencer esse público de que a tele-visão é moderna e interativa, nem mesmo buscar elementos de multimídia. Ou a televisão muda de fato a sua relação com a audiência e se insere em uma relação transmidiática, - na qual a soma da televisão com a internet não é apenas uma mudança de ambiente, mas na criação de uma nova am-biência que exige modelos de narratividade diferentes dos modelos até então utilizados na televisão ou mesmo na inter-net, - ou a audiência irá migrar para espaços onde possa se expressar de forma mais completa.

O que, aliás, já está acontecendo...

117

____________________

6 Este trecho remete ao próprio conceito de cidadania, conforme definido na obra de Gentilli (2005, p. 93)

Page 119: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências

COSTA, Alcir Henrique da, SIMÕES, Inimá Ferreira e KEHL, Ma-ria Rita. Um país no ar: a história da TV Brasileira em 3 canais. São Paulo: Brasiliense/ Funarte,1986.

GENTILLI, Victor. Democracias das Massas: jornalismo e cidadania – estudo sobre as sociedades contemporâneas e o direito do cidadão a informação. Coleção Comunicação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.

Gomes, Pedro Gilberto. Tópicos De Teoria Da Comunicação. São Leopoldo: Unisinos, 1997.

LEVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência – o futuro da inteligên-cia na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos cães perdidos. Comunicação e Jornalismo. São Paulo: Hacker, 2000.

MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da Notícia – Jornalismo como Produção Social da Segunda Natureza. 2º ed. São Paulo: Ática, 1989.

MARCONDES FILHO, Ciro. O Espelho e a Máscara – O enigma da comunicação no caminho do meio. São Paulo: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2002.

MARCONDES FILHO, Ciro. A produção social da loucura. São Paulo: Paulus, 2003.

MATTELART, Michèle e MATTELART, Armand. História das Teori-as da Comunicação. 9º ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. (Understanding media). 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.

OROZCO, G.G, Comunicação Social e mudança tecnológica: um cená-rio de múltiplos desordenamentos. In: MORAES, Dênis de (org). A so-ciedade midiatizada. Rio de Janeiro, Mauad, 2006

TEMER, Ana Carolina R. P. Espiando a notícia: a recepção do Jor-nal Nacional por jovens estudantes de jornalismo. In: BARBOSA, Marialva; MORAIS, Osvando J de. (Org.). Comunicação, Cultura e Juventude. 01 ed. São Paulo: Intercom, 2010, v. 01, p. 183-212.

TEMER, Ana Carolina R. P.. Bin Laden e a morte da notícia - Trabalho apresentado no GT – Jornalismo do XI Congresso Lusocom, realizado de 4 a 6 de agosto de 2011.

TREMBAY, Gaetán. De Marshall macluhan a Harold Innis ou da Al-deia Global ou Império Mundial. Porto alegre: Revista Famecos, n. 22, dez.2003.

118

Page 120: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Marcas do narrador implícito numaaproximação conceitual com McLuhan

ResumoO presente artigo ocupa-se de uma primeira reflexão diante das experi-ências narrativas operadas no âmbito do projeto de pesquisa de conteú-dos digitais interativos e transmidiáticos abrigado no mestrado em Co-municação da Universidade Católica de Brasília. À luz das perspecti-vas de McLuhan, busca-se uma análise das incursões com uso da tecno-logia digital nos cruzamentos de linguagem e códigos da Internet e TV. Promove-se uma aproximação com o entendimento de que na transmi-dialidade a tecnologia pode se inscrever como narrador implícito.

Palavras chavenarrador implícito, tecnologia, ambiência, transmidialidade

119

ALEXANDRE KIELING

DOUTOR EM COMUNICAÇÃO

PROFESSOR E PESQUISADOR DO MESTRADO EM COMUNICAÇÃO

DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

DISTRITO FEDERAL, BRASIL

[email protected]

Page 121: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

1 Os pressupostos de McLuhan

Nosso exercício de reflexão recorre a três pressupostos encon-trados nos postulados de McLuhan: (a) a ideia de implicação sociocultural que cada nova tecnologia produz; (b) a noção de ambiente; e (c) a perspectiva de decorrência e interligação de um meio em relação ao outro. Este último, do nosso pon-to de vista, a partir dos processos comunicacionais e da cons-trução textual.

1.1 O primeiro pressuposto

O pensador canadense destacava nos anos 1960 que nenhum meio ou tecnologia, concebido com extensões do homem, era introduzido na sociedade sem produzir consequências sociais e pessoais nas nossas vidas. No entendimento de McLuhan, “a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (p. 22). Efetivamente, o presente proces-so de transição entre as mídias analógicas e as digitais tem re-sultado em algumas reconfigurações. Nós temos defendido (KIELING, 2009/2010) que uma das mais significativas se dá nos processos de produção, circulação e consumo de bens sim-bólicos gerados, ofertados e acessados por meio da comunica-ção mediada pelas mídias.

Sabidamente, cada meio analógico, jornal, revista, cinema, rá-dio, TV e mesmo a nativa digital, que é a Internet, era opera-do a partir de sistemas com fluxos verticais e bastante hierar-quizados. Cada qual obedecia às lógicas dadas pelas condi-ções de produção impressa, da radiodifusão e da rede fixa. No jornal e na revista era necessário trabalhar textos dentro de de-terminados limites de linhas e diagramação, submetidos aos processos gráficos e de impressão, depois distribuídos nas bancas ou entregue na casa do assinante para ser lido no dia seguinte. No cinema, complexas ações de gravação em pelícu-la, revelação, montagem, cópias, distribuição em salas de exi-bição e apresentação em sessões diárias. No rádio e TV, capta-

120

Page 122: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

ção de imagens e/ou som em equipamentos eletrônicos arma-zenados em fitas magnéticas, editados e transmitidos em siste-mas irradiantes de ondas hertzianas sintonizadas por apare-lhos de recepção. Na Internet o processo exigia computadores de mesa, redes fixas e acesso discado pela linha telefônica.

Com a digitalização esses processos estão também horizontali-zados. Atualmente, produção, circulação e consumo de cada texto midiático pode se dar em um mesmo aparelho portátil, ser disponibilizado em conexões sem fio e acessado em recep-tores móveis. Até mesmo a velha TV, graças ao middleware Ginga e aos outros dispositivos de conectividade, pode exibir qualquer conteúdo de imagem, som e dados.

1.2 O segundo pressuposto

A nossa dinâmica nos encaminha para o segundo pressuposto: a ideia de ambiente. McLuhan ensina que “toda tecnologia gra-dualmente cria um ambiente humano totalmente novo” (p. 10). E mais, destaca que esses ambientes são somente envoltórios. Uma espécie de esfera passiva, ao contrário, é ativa e interfere na dinâmica do espaço. Nesse sentido configuraria e controla-ria tanto a proporção, quanto a forma, a ação e as associações humanas (McLUHAN, 1964, p. 10). Tal entendimento justifica-ria o postulado de que o meio, ao delimitar, ao estabelecer deter-minadas condições operativas no seu interior, configuraria a condição de mensagem. Se pensarmos no ambiente analógico e vertical dos meios, analisados, na época, pelo pesquisador da escola de Toronto, há pertinência de sentido. Mas se perceber-mos o novo ambiente digital horizontalizado, no qual as instân-cias de produção e recepção podem experimentar interações numa oferta tecnológica bidirecional (BARBOSA FILHO; CAS-TRO 2009; KIELING, 2010), o meio enquanto mensagem tende a se diluir em processos dissipativos.

Verón (2004) nos provoca quanto ao fim da experiência das mí-dias, no caso da TV, como fenômeno de recepção massiva. Eco (1984), que estudou o exemplo europeu no qual a TV Pública veio antes da TV Comercial, ao fazer uma classificação tempo-ral e histórica, entendia como Paleo TV o período inicial da mí-dia televisiva quando esta procurava reproduzir tudo que suas câmeras pudessem captar do mundo exterior. Neo TV seria o

121

Page 123: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

que veio a seguir, quando o conteúdo se volta para o interior do meio e sua capacidade de criar realidades, um mundo pró-prio (auditório, ficção, celebridades) numa operação autorrefle-xiva. Por fim, alguns teóricos fora do ambiente semiótico falam de a Pós TV (Piscitelli, 1998; Ramonet, 2002) que se encaminha-ria para a segmentação. Para Verón, essa diluição, que se vê agravada pela digitalização, a dispersão de audiência, a quebra da recepção contínua vinculada ao fluxo da grade de programa-ção, tende a desconstituir o fenômeno da assistência massiva. Imagine-se então agora com a audiência fragmentada pelos gra-vadores digitais, pelos repositórios de vídeos nas redes e pelos receptores móveis. Ou então a possibilidade dos públicos tam-bém produzirem. O princípio de controle oferecido pelo meio à instância de produção parece se relativizar.

O fato é que vai se configurando um novo ambiente que ten-siona o anterior, perturba sua ordem, seu sistema enquanto meio ordenador social, regulador das condições de sociabilida-de, produção, acesso e consumo. Todavia, nesse processo, o ambiente anterior não desaparece. Da mesma maneira, suas lógicas e suas dinâmicas passam a conviver com o novo. McLuhan entendia que “o conteúdo de qualquer meio ou veí-culo é sempre o outro meio e veículo. O conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa, é o conteúdo do telégrafo” (p. 22). Por esse motivo, a tendên-cia do conteúdo de um meio seria se tornar mais forte porque o conteúdo seria outro meio. No fenômeno presente da digita-lização, em certo sentido, essa perspectiva pode ser verificável

nos portais, nas redes sociais que reúnem diversos conteúdos revitalizados a partir da sua herança analógica. É o caso dos vídeos e das fotos permanentemente disponíveis, das publica-ções dos conteúdos colaborativos, da interação com os públi-cos. Novas formas de construção textual que se apropriam das antigas e, às vezes, tão somente a reproduzem.

E nesse movimento, os processos de seleção, filtros, e velhas hierarquias procuram se manter. Defende-se que nessa dinâ-mica, mais complexa de revitalização dos conteúdos, e nos processos pensados por McLuhan, há uma intersecção de du-as lógicas que coabitam; não apenas um ambiente, mas uma ambiência. Esse espaço, de um lado reúne várias mídias e as dinâmicas de um sistema fechado mais vinculado à ordem operativa, necessária às dinâmicas operativas da tecnologia, e de outro, um sistema aberto vinculado às dinâmicas dissipati-vas1 dos conteúdos, vistos como bens simbólicos e, portanto, da produção de sentido que deles resulta (KIELING, 2009). Algo como, de um lado, o sistema numa relação homem-má-quina, na qual predominam os esforços de estabilidade e or-dem2. Há controle do discurso na lógica do esquema da teoria da informação descrita por Shannon e Weaver3 (Fig. 1).

122

____________________

1 Prigogine (1990) desenvolveu a teoria de dissipação a partir do movimento de partículas de espaço para outro,

considerando que a cada deslocamento estas partículas tendiam a se ajustar aos novos ambientes, mas sem perder

sua referência de origem.

2 Dinâmicas pensadas a partir das lógicas dos sistemas de função descritas por Luhmann. O autor entende os meios

de comunicação como um sistema fechado, autofortificados (que se protegem do ambiente externo), autorreferen-

tes (autonomia e organização interna, uma autopoiésis interna) e heterorreferentes (sua relação com o ambiente

externo se daria por um acoplamento estrutural).

3 SHANNON, C.; WEAVER, W. The mathematical theory of communication. Urbana: The University of

Illinois Press, 1949.

Page 124: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Fig. 1 – Esquema baseado na teoria da informação de Shannon e Weaver

Mensagem

Emissor Receptor

Canal

De outro lado, há dinâmicas processuais da relação sujeito-su-jeito mais dedicadas à produção dos bens simbólicos. Opera-ções de construção do discurso nas quais a geração do conteú-do não se processa apenas nas possibilidades de interpreta-ção, mas também nas possibilidades interativas de produção. Experimentam-se os efeitos de geração e circulação de senti-do4 (Fig. 2).

Fig. 2 – Esquema baseado na teoria da comunicação como processo

Mensagem (...)

Emissor (R) Receptor (E)

Canal

Constitui-se deste modo a noção de ambiência midiática5 (KIE-LING 2009/2010) por meio da qual as duas dinâmicas convi-vem no fenômeno de digitalização das mídias (Fig. 3).

Fig. 3 – Esquema desenvolvido para ilustrar o postulado de ambiência.

Naturalmente que, como alertava McLuhan, a eficácia dessa configuração dos meios depende do uso e da própria estrutu-ra que as associações humanas conformam. Na linha de tem-po das tecnologias, o autor canadense, considerando que a téc-nica de alguma forma molda a associação e o trabalho huma-nos, encontra na idade da pedra e do manuscrito princípios de uma organização tribal. Na era da mecânica e da prensa percebe uma fragmentação e individualização. No período da elétrica encontra elementos de retribalização a partir, sobretu-do, do fluxo da energia que aglutina as comunidades e o con-sumo de Cinema, Rádio e TV, que são compartilhados. Segura-mente escapou ao autor a fase de massificação e uniformiza-ção, também presentes nessa fase elétrico-eletrônica, especial-

123

____________________

4 Trata-se do processo de construção de sentido pensada por Verón (2004) e do sistema de significação, o SSI, que

vai depender de variáveis externas, sociais, culturais que podem dissipar interpretações e escolhas, como pensaria

Prigogine (1990), para fora da proposta original dos textos midiáticos, das suas estruturas modelizantes do script, do

roteiro, do estúdio, dos esquemas da multicâmera, das normas de estilo, de redação, dos manuais.

____________________

5 Trata-se da perspectiva da midiosfera (KIELING 2009/2010) na qual, a partir de um esquema de elipses (Fig. 3) no

qual percebemos dois sistemas (o SPD, Sistema de Produção e Distribuição, e o SSI, Sistema de Significação, incluin-

do consumo e interpretação). Na dinâmica imaginada das elipses, um sistema permeia o outro num processo de

interação por meio do qual se constitui um lugar, um espaço, um terreno virtual de confronto e acomodação entre

as lógicas de cada sistema. Mas, ao mesmo tempo, configura-se um espaço de realização, de consumação.

Page 125: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

mente na segunda metade do século 20. Se aplicarmos a mes-ma lógica a essa etapa da digitalização, no âmbito dessa am-biência midiática, vamos encontrar efeitos de uma nova tribali-zação nas mídias sociais e no convívio virtual, porém perma-necem vigorosos indicadores de segmentação. Quem dispõe de todos os aparatos tecnológicos de recepção tende a decidir individualmente ou em pequenos grupos onde, quando, de que forma e que conteúdo vai acessar.

1.3 O terceiro pressuposto

O quadro descrito acima nos conduz ao terceiro pressuposto que trata da intersecção dos meios. Mais que se alimentar dos antecessores, o digital efetivamente atualiza todos e multipli-ca suas bases de distribuição. Ou ainda, produz cruzamentos e associações tecnológicas. Scolari (2008) lembra que “as trans-missões de rádio, TV e cinema são desenhados, produzidos, pós-produzidos, e cada vez mais, distribuídos usando as tec-nologias digitais” (p. 82), configurando-se o uso de uma multi-plicidade de linguagens, em diferentes camadas nas quais se incorporam várias formas de expressão e vários meios. Agre-ga-se novos dispositivos àqueles que já eram mobilizados, as vezes ao mesmo tempo, para a compreensão da narrativa. Condição que é incrementada pela possibilidade oferecida pe-los sistemas digitais de amplificar, arquivar, reconverter e re-produzir textos sem perda da qualidade original e sem prejuí-zo ao conjunto de dados informativos (SCOLARI, 2009).

Um processo no qual o conteúdo ou o texto depois de digitali-zado ou já gerado digitalmente, além de poder ser fragmenta-do, manipulado, recombinado, pode ser distribuído de manei-ra transmidiática, por vários meios, conferindo um efeito de transmidialidade ou hipermedialidade, como propõe Scolari. Tal circulação em diversas mídias insere esses conteúdos na dinâmica de narrativas que alimentam um fluxo na perspecti-va da convergência pensada por Jenkins (2009). Mas, o fluxo de conteúdos, por meio de múltiplas plataformas, estaria sujei-

124

Page 126: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

to “à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comu-nicação, que vão a qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009, p. 29). Nes-se sentido, a noção de convergência implicaria não apenas nas transformações tecnológicas, mas igualmente mercadológicas, culturais e sociais, verificando-se a mudança de escala, cadên-cia ou padrão nas coisas humanas, pensadas por McLuhan.

Juntamente com esse processo vamos verificar a inscrição dos públicos que, graças às ofertas interativas constitutivas das tecnologias digitais, podem se lançar de maneira mais intensa às interações com as instâncias produtoras. Estes sujeitos co-municacionais são qualificados como prosumidor (SCOLARI, 2008), ou produser (BRUNS, 2009). Esta última categoria, o pro-dutor/usuário, não estaria diretamente envolvida em formas de produção de conteúdos, mas sim em produsage, que, segun-do Bruns, seria a construção contínua e colaborativa e a ampli-ação do conteúdo já existente com a finalidade de melhorar esse texto.

Boa parte destes produsers atua nas redes sociais e, conforme re-cente classificação do MIT, estaria dividida em quatro grupos de atividades interativas:

(a) aqueles criadores profissionais ou podcasters, que pro-movem a distribuição e publicação de conteúdos;

(b) aqueles voyeurs, que apenas dão algum tipo de retorno como “curtir”;

(c) aqueles que repassam o conteúdo acessado aos ami-gos, agindo como mediadores destes textos;

(d) e os efetivamente colaborativos. Estes últimos, mais atuantes, se subdividem em duas subcategorias, os que ajudam na busca de informações (como colabora-dores de uma investigação jornalística) e os crowdsour-cing que trabalham coletivamente6 (Fig. 4)

Fig. 4 – Adaptação do gráfico desenvolvido pelo grupo de estudo do MIT.7

125

____________________

6 O crowdsourcing é um modelo de produção que utiliza a inteligência e os conhecimentos coletivos e voluntári-

os espalhados pela Internet para resolver problemas, criar conteúdo e soluções ou desenvolver novas tecnologias .

7 Acessível em: http://web.mit.edu/comm-forum/mit7/papers/Frigo_MIT-MEL_SocialTV.pdf;

http://mobile.mit.edu/research/next-tv/next-tv . Último acesso em 20/1/2012.

Page 127: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

2 O impacto provocado pela ambiência

As operações dessa ambiência midiática têm mobilizado os grandes conglomerados midiáticos que já recorrem às múlti-plas possibilidades de chegar a esse produtor-usuário, nos ter-mos de Bruns. Cada vez mais jornais, revistas, rádios, TVs e sites da WWW são reunidos em versões integradas nos por-tais da rede de computadores ou ganham versões em recepto-res móveis com os tablets e smartphones. É fato que a instância de produção vem sendo impactada pelas possibilidades que gradualmente instituem uma nova maneira de produção, cir-culação e consumo dos conteúdos transmidiáticos. Esses mo-vimentos contaminam especialmente os processos e a estru-tura de realização de narrativas digitais. É o caso da constru-ção de relatos que tem mobilizado diferentes plataformas tec-nológicas e que na sua articulação narrativa geram composi-ções não pensadas por McLuhan.

Dentre essas possibilidades está aquela na qual as tecnologias passam a fazer parte da história, atuando inclusive com uma função narrativa de narrador implícito. Uma experiência nes-se sentido foi empreendia no âmbito do grupo de pesquisa de conteúdos digitais transmidiáticos e interativos da Universida-de Católica de Brasília. A equipe produziu um vídeo cuja abor-dagem sobre adoção se ocupa de estimular as pessoas à essa maneira de paternidade e maternidade. A estrutura narrativa da história utiliza como fio condutor uma família que costu-ma usar as redes sociais para se informar sobre como cuidar

do filho com síndrome de Down e também para compartilhar experiências com outros pais.

Para compor a estrutura narrativa, o grupo de pesquisadores optou pelo uso da mediação da Internet para o cruzamento da história da família âncora com as histórias de outras famílias com experiência de adoções de crianças com necessidades es-peciais. A escolha buscava preservar o espaço real dos perso-nagens e incluí-los num espaço fílmico com a menor contami-nação possível. A perspectiva documental procurava o regis-tro do contato natural entre as famílias por meio da rede.

Desta maneira, a costura entre o espaço real e o espaço fílmico exigiu uma intervenção da tecnologia.

126

Page 128: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

3 O meio como narrador

Acredita-se que esse deslocamento do suporte, da própria tec-nológica, agrega novo status comunicacional ao meio. O movi-mento permite o entendimento de que a condição de meio, no caso da mencionada narrativa, assume, em certo sentido, uma condição de fim. Incorpora um estatuto de inscrição narrativa.

Recordemos que a narratologia como uma manifestação de dis-curso, encontra nos relatos audiovisuais da televisão (polifôni-cos) pelos menos quatro níveis de enunciadores (locutores ou narradores), de certa maneira comuns ao cinema (KIELING, 2009). Primeiro, que seria o enunciador ausente, encontramos a instituição midiática. Um segundo enunciador seria o processo de produção de programas. Sejam meios, formas e estéticas de produção (incluindo os diretores, escritores, realizadores, edito-res, operadores de câmera). São os “narradores implícitos” (GE-NETTE, 1991; JOST, 2004) que servem ao sistema produtivo e ao mesmo tempo vão ser responsáveis pela enunciação manifes-ta na realização dos textos televisivos e de instrumentos de au-toproteção do sistema. O terceiro é o narrador implícito que são os apresentadores, personagens. No caso do documentário so-bre adoção seriam as pessoas de cada família que falam na his-tória. E, por fim, o narrador virtual, que é o espectador, ou o produtor usuário que envia colaborações para o texto, como já descrito no presente artigo.

Todavia, o que aqui nos interessa é o narrador implícito. Este é o caso dos dispositivos tecnológicos que com o advento da

digitalização passam a fazer parte da narrativa com escritura no texto, seja por meio de aplicativos que ajudam a estrutura da narrativa, seja por meio de dispositivos de interatividade com a instância de recepção que permitam ações colaborati-vas ou construções alternativas de linearidade e não lineari-dade. Trata-se, portanto, do suporte que deixa de ser meio e passa a ser fim, não apenas instrumento, mas figura como narrador ou personagem implícito que não está necessaria-mente declarado, porém intervém e também dialoga com a história, enunciando e produzindo efeitos de sentido. Isso ocorre no documentário, pois a tecnologia passa a fazer par-te da narrativa.

Observe-se que no relato o aplicativo de rede social alinhavan-do a estrutura do texto audiovisual exigiu um construto estéti-co e narrativo. Foi criada uma interface gráfica (Foto 1 e 2), desenvolvida exclusivamente para o vídeo de referente factu-al, que terminou por figurar com um papel enunciativo. A in-terface promoveu o espaço de interação entre os personagens localizados em cidades de regiões diferentes do país.

Portanto, uma inscrição que não somente interfere no fluxo narra-tivo normal como estabelece nova ordem interna organizando a relação dialógica das famílias (personagens). Noutro sentido, pro-duz uma intersecção entre as lógicas e a estética do vídeo com a das redes. Sem a ação articuladora da tecnologia e, particular-mente, da interface gráfica a construção do texto audiovisual apresentaria elipses temporais e espaciais de difícil compreensão.

127

Page 129: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Foto 1- Still do diálogo da família da história âncoracom outra família por meio da Internet

O uso da tecnologia como parte da mensagem, do discurso e da narrativa, tende a resgatar o que Marshall McLuhan escre-veu em 1963, quando afirmou que “o meio era a mensagem”. É bem verdade que o autor canadense fez essa reflexão a par-tir de outra realidade (a televisão analógica em seu estágio ini-cial) e tecnologias (eletricidade) e pensava no palimpsesto (GENETTE, 1992) que emoldurava ou enquadrava os conteú-dos às condições de produção e de recepção.

Mas sua análise deve ser vista aqui numa dimensão referenci-al, uma vez que o meio, no caso descrito, se torna mais que um meio. Avança a partir do pressuposto de limitação do tex-to e institui a premissa de abertura em relação ao enquadra-mento do sistema fechado de cada mídia para a produção tex-tual. Imagina-se, arriscando uma noção distinta, que há uma

transposição conceitual a partir do postulado de McLuhan, quando se confere à tecnologia um caráter enunciador no inte-rior do discurso. Não exterior a ele.

Foto 2 - Still da interface gráfica usada no documentário

Trata-se de narrativas que podem adquirir vida própria. No exemplo, o roteiro proposto – o roteiro guia – é apenas uma proposta inicial sujeito a incorporações no processo de realiza-ção, na medida em que o que vai resultar da conversa por meio da Internet não está previsto. Há um espaço de registro da experiência, uma característica do documentário.

128

Page 130: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

4 Apontamentos finais

Acreditamos estar diante da perspectiva de uma ampliação das marcas de ruptura paradigmática que vivemos com a digitaliza-ção das mídias. Como vimos, o uso da tecnologia digital vem gradualmente introduzindo novas dinâmicas tanto nas práticas da instância de produção quanto nos hábitos e práticas da ins-tância de recepção. Há novos referentes em construção.

Notadamente, o pressuposto da inserção da tecnologia digi-tal no estatuto de inscrição narrativa, aqui apresentado, per-mite inferir uma transcendência. Nessa ambiência mediáti-ca a tecnologia promove o deslocamento do meio da sua condição de suporte para parte do conteúdo, da lingua-gem, da narrativa. Além disso, rompe os limites das própri-as condições de produção de cada mídia tal qual foram constituídas a partir das capacidades do papel, da impres-sora, da película, do projetor, das ondas hertzianas, das an-tenas, dos transmissores, dos aparelhos fixos de transmis-são, do tratamento do som, das cores, das imagens, das re-des físicas, das máquinas.

A horizontalização dos processos de produção, distribuição e recepção apresenta, assim, ao objeto tecnologia uma possibili-dade de subjetivação na condição de agente narrativo. Tal in-gresso no espaço do conteúdo tende a desalojar o meio do seu lugar harmônico. A condição única que ocupava como parte de um sistema fechado, cuja função de suporte era servir de trans-porte e entrega do texto pode agora ser bem mais complexa.

Ao ingressar no universo narrativo tem de incorporar a insta-bilidade do sistema aberto da criação, sua imprevisibilidade na produção de sentido desde o processo de realização dos textos até sua interpretação pelas instâncias de recepção. Hoje uma constante na construção de conteúdos digitais interativos é uma possibilidade que cada vez mais apresenta seus exem-plos no mundo audiovisual.

É nessa perspectiva que entendemos existir, no interior do dis-curso audiovisual digital, a nova possibilidade de a tecnolo-gia ser continuamente ressignificada. Naturalmente, é uma proposição em sua fase reflexiva primária que procura dar conta de uma primeira aproximação com a experiência em cur-so, mas as pistas até aqui encontradas indicam pertinência na direção da inscrição da tecnologia como espaço narrativo.

129

Page 131: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências

BRUNS, Alex. Blogs, Wikipedia, second Life, and Beyond. New York: Ed. Peterlang, 2008.

BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette. Comunicação digi-tal: educação, tecnologia e novos comportamentos. São Paulo: Ed. Paulinas, 2008.

______. Mídias digitais, convergência tecnológica e inclusão soci-al. São Paulo: Ed. Paulinas, 2005.

CASTRO, Cosette. La televisión como rito de pasaje del mudo analógi-co para el digital. In: Revista Tramas. Buenos Aires: Un. La Plata, 2009.

ECO,Umberto. Tevê: a transparência perdida. In: Viagem na irrea-lidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

GENETTE, Gérard. Figures III. Paris, Colleção Poétique, 1972.

______. Palimpsestes. Paris, Parios: Points, Seuil, 1992.

______. Fiction-diction. Paris: Seuil, 1991.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

JOST, F. Seis lições sobre televisão. Porto Alegre: Sulina, 2004.

KIELING, Alexandre S. Midiosfera, uma configuração de ambiência midiática. Artigo apresentado no GT de Tecnologia e Comunicação. Bogotá ALAIC, 2010.

KIELING, Alexandre S. Televisão: a presença do telespectador na configuração discursiva da interatividade no programa “Fantásti-co”. (Tese de doutorado) – Unisinos, São Leopoldo, 2009.

LUHMANN, Niklas. A nova teoria dos sistemas. In: NEVES, Cla-rissa Eckert Baeta; SAMIOSS, Eva Machado Barbosa. Porto Ale-gre: Edit. Universidade/UFRGS, Goethe-Institut/ICBA, 1997.

McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensão do ho-mem. (1999 [1964] Ed.Cultrix: São Paulo.

PISCITELLI, A. Post-televisión. Ecología de los medios en la era de Internet. Buenos Aires: Paidós,1998.

PRIGOGINE, Ilya; STENGERS, Isabelle. Entre o tempo e a eterni-dade. Lisboa: Gradiva, 1990.

RAMONET, I.. La post-televisión: Multimedia, Internet y globali-zación económica. Barcelona: Icaria, 2002.

SCOLARI, Carlos Alberto. Ecologia de la Televisión. Complejidad narrativa, simulación y transmedialidad en la televisión contempo-rânea. In: SQUIRRA, Sebastião; FECHINE, Yvana (Orgs.). Televi-são digital: desafios para a comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 174-201.

SHANNON, C.; WEAVER, W. The mathematical theory of communication. Urbana: The University of Illinois Press, 1949.

VERÓN, E. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.

130

Page 132: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Visão e atualidade das contribuiçõesde McLuhan sobre a automação e osconsequentes impactos nas organizações,na comunicação e no mundo do trabalho

ResumoO artigo apresenta uma análise a partir das contribuições de McLuhan sobre os impactos da automação nas organizações e no mundo do tra-balho e suas consequências, incluídos os processos de comunicação. A partir do último capítulo de Understanding Media, e com a introdução de aportes de autores no campo da comunicação, da filosofia, da socio-logia e da administração, tece-se um paralelo entre as previsões de McLuhan e os cenários atuais. Ao final, tentamos reconstituir o que se-ria uma nova visão a partir dos pressupostos da prospectiva.

Palavras chaveMcLuhan, automação, trabalho, aprendizagem, comunicação organizacional

131

JOÃO JOSÉ CURVELLO

PROFESSOR E DIRETOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

[email protected]

Page 133: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Introdução

Em primeiro lugar, na abertura deste texto, gostaríamos de ex-plicitar nosso lugar de fala. Diferentemente dos pesquisadores que se voltam para o pensamento de McLuhan pelo viés da mídia e de suas contribuições para uma teoria do meio, nos-sas observações e análises partem desde o campo das organi-zações sociais, com interesse redobrado nos aspectos epistemo-lógicos e teóricos presentes nos estudos que se dedicam a deci-frar os intrincados percursos da comunicação nos contextos organizacionais. Particularmente, interessa-nos, aqui, discutir como a obra de McLuhan se inscreve entre as pioneiras em tra-tar de fenômenos tão complexos como o contexto das relações de trabalho, marcadas por processos técnicos, políticos, legais, econômicos, culturais e sociais que se transformam a olhos vis-tos e que exigem constante observação e interpretação.

Desse lugar de fala, portanto, é que escolhemos como eixo a explorar, neste texto de perfil teórico e com base em pesquisa bibliográfica, o tratamento dado por McLuhan à questão da automação e suas conseqüências, sobretudo nos processos de produção, de consumo e de aprendizagem no âmbito das or-ganizações industriais. Em um segundo momento, faremos um contraponto com o cenário atual, a partir da contribuição de autores que se dedicam ao estudo desses contextos, e tam-bém veremos como essas transformações anunciadas por McLuhan se confirmaram ou não nos contextos organizacio-nais pelo viés da comunicação. Por fim, tentamos atualizar a

visão de McLuhan, a partir de estudos prospectivos sobre ten-dências científicas e tecnológicas que sinalizam para uma hi-bridização cada vez maior entre homens e máquinas.

132

Page 134: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

A visão

Nossa análise tem como ponto de partida o capítulo final de “Os meios de comunicação como extensões do homem (Understan-ding Media)”, dedicado à automação ou cibernação (MCLUHAN, 1969, pp. 388-403). Nesse capítulo, McLuhan começa sua reflexão a partir da tese de que o advento da eletricidade provoca uma aceleração dos processos, o que acaba por contribuir para mudar a percepção de tempo e espaço, que passam a ser percebidos como nada uniformes, como descontínuos.

Para o autor, a rede global, que se viabiliza pela tecnologia, se assemelha ao nosso sistema nervoso central, com um campo unificado de percepção. Essa ordem se apresenta como direta-mente oposta à da sociedade mecanizada, antes vista como fragmentada, e que o próprio McLuhan (1969, p. 390) denomi-nava de “monofratura da manufatura”.

Segundo ele, a automação “não é uma extensão dos princípios mecânicos da fragmentação e da separação de operações. Tra-ta-se antes da invasão do mundo mecânico pela instantaneida-de da eletricidade” (MCLUHAN, 1969, p. 391). Trata-se de um novo modo de pensar, tanto quanto de fazer. Trata-se de um processo que se apresenta como sincrônico.

McLuhan diz que a automação faz com os processos de traba-lho e produção o mesmo que o rádio e a televisão com suas au-diências, agora ampliadas e sensibilizadas: uma nova forma de interprocessamento. Uma espécie de produção de massas,

não em termos quantitativos, mas de “amplexo inclusivo ins-tantâneo” (MCLUHAN, 1969, p. 391-392).

Nessa área da automação, as indústrias de bens e consumo têm caráter estrutural idêntico às estruturas de entretenimen-to, por conta da aproximação com um estado por ele denomi-nado de “informação instantânea”. McLuhan já nos dizia que, com isso, no circuito de automação, o consumidor torna-se também produtor (tal e qual os “atuais” prosumers1, produ-sers2 ou cocriadores3).

Nesse novo contexto tecnológico, energia e produção tendem a se fundir com informação e aprendizagem. A comercialização e o consumo tendem a se unificar com a aprendizagem, o esclare-cimento, a busca de informações. Dessa forma, produção, con-sumo e aprendizagem se constituem em um processo inextricá-vel. Aqui, é importante destacar que, mais de vinte anos após

133

____________________

1 O termo prosumer, que aparece pela primeira vez na literatura na obra A terceira onda de Alvin Tofler, descreve os

“consumidores engajados no processo de co-produção de produtos, significados e identidades. São consumidores

proativos e dinâmicos em compartilhar seus pontos de vista. Eles estão na vanguarda em relação à adoção de tecno-

logias, mas sabem identificar valor nos produtos escolhidos. Distinguem-se dos early adopters pelas suas atitudes

interventoras relativas a marcas, informação e meios de comunicação” (TROYE, XIE, 2007; XIE, BAGOZZI, TROYE,

2008 apud FONSECA et al., 2008, p.4).

2 Produsers são atores que não se envolvem em uma forma tradicional de produção de conteúdo, mas são envolvi-

dos em produsage - a construção colaborativa e contínua de conteúdos existentes na busca de melhorias. Os partici-

pantes em tais atividades não são produtores no sentido convencional, industrial. O termo implica uma distinção

entre produtores e consumidores que não existe mais. Os resultados de seu trabalho não são produtos existentes

como pacotes completos e suas atividades não são uma forma de produção porque eles procedem com base em

um conjunto de pressupostos e princípios que são marcadamente diferentes do modelo industrial convencional

(BRUNS, 2008).

3 Cocriação é um termo desenvolvido principalmente por Prahalad e Krishnan (2008) no qual propõem às indústri-

as o envolvimento de seus clientes no desenho de produtos, de forma a manter um processo continuo de inovação.

Page 135: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

sua morte, McLuhan parece influenciar reflexões recentes de au-tores como Richard Sennet (2006) quando este último desenvol-ve em livro sua tese sobre a cultura do novo capitalismo, anco-rada justamente na inter-relação entre o consumo, a nova buro-cracia do processo produtivo e a capacitação permanente.

McLuhan reconhecia que esse processo levaria possivelmen-te ao desemprego, cuja saída estaria na aprendizagem como novo emprego dominante. Ele nos diz que emprego, operários, trabalhos especializados perderiam espaço na era da automação, o que pode ser comprovado pela redu-ção drástica do número de trabalhadores em indústrias tra-dicionais como a automobilística, por exemplo.

O processo de automação nos traz um mundo em que compu-tadores começam a pensar, mas um “computador consciente ainda seria uma extensão da nossa consciência” (MCLUHAN, 1969, p. 394). Com isso, o que se armazena e desloca é, sobretu-do, percepção e informação, em que “o próprio esforço do ho-mem agora se torna uma espécie de esclarecimento”, no qual nos basta nomear e programar para que algo se realize, seja feito sob medida.

McLuhan previa, ainda, que a aceleração e a interdependência elétricas eliminariam a linha de montagem na indústria, devi-do ao alto grau de conexão de todas as fases de uma opera-ção. Isso implicaria a aceleração da sincronização que deverá ser feita de empresa a empresa, indústria a indústria, país a país, numa espécie de inter-relacionamento orgânico.

O todo da sociedade passou a ser encarado como “uma úni-ca máquina unificada criadora de riqueza”, uma riqueza cuja manipulação já não é privilégio de produtores, empre-sários, corretores, mas que passa a ser partilhada por técni-cos e também pelas indústrias da comunicação, da criação.

Nesse cenário, ao mesmo tempo em que há sinalização de cor-tes nos quadros de empregados, em razão do ajuste das em-presas às novas regras de competição internacional, cresce, em contrapartida, a demanda por profissionais capazes de li-dar com o universo simbólico multimídia. Confirma-se, aqui, a tendência apontada por Robert Reich (1992), de uma crescen-te demanda mundial por uma elite de profissionais competen-tes na arte de análise e produção simbólica.

McLuhan também reforça a tese de que pensar e compreender a comunicação como interação é inerente à eletricidade e à au-tomação, por combinar energia e informação, por praticamen-te impor o feedback ou a informação de retorno, o que acaba por criar um circuito informativo onde antes só havia fluxo único e mecanicamente sequencial.

“O feedback significa o fim da linearidade introduzida no mundo ocidental pelo alfabeto e as formas contínuas do es-paço euclidiano. O feedback, ou diálogo entre o mecanismo e sua ambiência, acarreta o entrelaçamento de máquinas iso-ladas numa galáxia de máquinas que toma conta de tota a planta ou layout da fábrica. Daqui deriva um novo entrela-çamento entre plantas isoladas e fábricas, no sentido de

134

Page 136: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

toda uma matriz industrial dos materiais e serviços de uma cultura”. (MCLUHAN, 1969, p. 397-398).

A aceleração elétrica requer, ainda, um conhecimento comple-to dos efeitos últimos, o que pressupõe uma valorização da es-tratégia e do planejamento. Nesse contexto, executivos, gesto-res etc. vivem pressionados pela aquisição de novos conheci-mentos, por atualização permanente e por uma produção mui-tas vezes conduzida sem condições de acompanhar o resulta-do (que é instantâneo, às vezes imperceptível, invisível).

Isso exige dos gestores e demais trabalhadores adaptabilidade diante do “interprocessamento instantâneo e complexo”, pois à medida que tudo se torna mais complexo, torna-se também menos especializado.

Riqueza e trabalho são fatores de informação e demandam es-truturas novas que se configuram e reconfiguram como novos espaços mercadológicos, mas também sociais. Um impacto vi-sível é o da introdução crescente de uma visão utilitarista ao ensino, que passa a ser pressionado para preparar ainda mais os indivíduos para lidar com a profundidade e a inter-relação indispensáveis para lidar nesse cenário de simultaneidade.

“De repente, os homens passaram a ser nômades à cata de conhecimento - nômades como nunca, informados como nun-ca, livres como nunca do especialismo fragmentário, mas en-volvidos como nunca no processo social total; com a eletrici-dade, efetuamos a extensão de nosso sistema nervoso cen-

tral, globalmente, inter-relacionando instantaneamente toda a experiência humana” (MCLUHAN, 1969, p. 401-402).

O trabalho se virtualiza, se desloca, leva o indivíduo a uma nova necessidade de definição quanto a seu lugar no mun-do, leva-o a pensar sobre o que fazer, o que aprender, o que e como criar. 4

135

____________________

4 Também podemos ver isso na apropriação de De Masi sobre o ócio criativo (1999), caracterizado por “uma rique-

za mais bem-distribuída, uma autodeterminação sobre as tarefas, uma atividade intelectual mais rica em conteúdos, maior

importância dada à estética, à qualidade de vida, e maior espaço para a auto-realização subjetiva”.

Page 137: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

A atualidade

Como é possível perceber, o texto premonitório de McLuhan sobre a automação e seus impactos no mundo do trabalho, an-tecipava um movimento que rompe com antigos paradigmas que apontavam para uma estabilidade do sistema. As influên-cias do ambiente externo, marcado pela competitividade cres-cente em escala mundial, provocam rupturas e tentam impor o estabelecimento de novas relações de trabalho baseadas na mobilidade e na flexibilidade. Essas novas relações, em princí-pio, levando-se em conta o discurso no qual vieram embala-das, poderiam representar ganhos para os trabalhadores, uma vez que acenavam com um novo ambiente de trabalho, mais cooperativo, participativo, independente e centrado na apren-dizagem e na criatividade, ao mesmo tempo em que criavam um novo modelo: o da organização virtual, caracterizada como uma rede temporária de parceiros independentes - fornecedo-res, consumidores, e até mesmo concorrentes - ligados pela tecnologia da comunicação para dividir habilidades, custos e o acesso de cada um ao mercado; uma organização sem níveis hierárquicos, sem integração vertical, com as relações basea-das na flexibilidade, na confiança, na sinergia e no trabalho em equipe (DAVIDOW e MALONE, 1993).

Como já escrevemos em trabalhos anteriores (CURVELLO, 2001), o antigo tripé do conceito de organizações - pessoas, estrutura e tecnologia – entra em xeque, uma vez que esses componentes não mais precisam abrigar-se sob um mesmo espaço nem operarem a um mesmo tempo para configura-

rem uma organização. Entretanto, de todos os componentes de uma organização, as pessoas são as que sofrem os maio-res impactos com a automação, a virtualização e a desestru-turação das burocracias. A crescente informatização dos pro-cessos administrativos e a proliferação de novas tecnologias para transmissão de dados apontam para o desaparecimento dos escritórios, para uma "deslocalização" do trabalho, para uma corrosão dos cargos, ou até mesmo para o fim do empre-go nos moldes como o conhecemos (BRIDGES, 1995). Hoje, cresce o número de pessoas que trabalham como emprega-dos temporários ou em atividades terceirizadas.

Esse desenvolvimento tecnológico - das primeiras máquinas, sim-ples e automáticas, introduzidas pela Revolução Industrial, até chegarmos à automação em larga escala, propiciada pela microin-formática e pelo avanço das chamadas “redes neurais” – se con-tribuiu para liberar o trabalhador da fadiga, também ajudou a ex-cluí-lo, quase que totalmente, do processo produtivo.

Nesse cenário, estar dentro ou estar fora das organizações já não são posições tão nítidas. Como nos diz Harvey (1994: 178-179), não podemos simplesmente fingir que nada mudou, quando a desindustrialização, a transferência geográfica de fábricas, as práticas mais flexíveis de emprego, a automação e as inovações estão às nossas portas.

Outra característica das mudanças operadas na cena organizacio-nal é a mudança no volume e nos conteúdos de informação. Infor-mação essa cada vez mais circular, dinâmica e acessível de qual-quer ponto, através de um simples comando no computador.

136

Page 138: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Essa nova organização, automatizada, sem estruturas físicas e com poucas pessoas trabalhando em espaços cada vez mais imaginários, impõe uma nova forma de lidar com a informa-ção e com a comunicação. Os fluxos comunicativos são abala-dos ou ganham novos impulsos. A tecnologia desenha uma nova forma de conversar e dialogar e a própria organização tem de repensar e reformular seus discursos legitimadores.

Essa organização que também se configuraria em rede caracteri-zaria, segundo Castells (1999, p. 213), um novo tipo de desen-volvimento no interior do capitalismo – o qual denomina de “informacionalismo” -, ao alterar, mas não substituir, o modo pre-dominante de produção. O novo contexto de redes de empre-sas, de incremento das ferramentas tecnológicas, de concorrên-cia global e de redefinição do papel regulador do Estado impõe uma nova ética, um novo espírito, mas não uma cultura nova, no sentido de sistema de valores, porque toda e qualquer visão unificadora é rejeitada pela nova ordem. Até mesmo a expres-são “nova ordem” é rejeitada. Contudo, como bem observou Castells, há mesmo “um código cultural comum nos diversos mecanismos da empresa em rede”.

Na verdade, o informacionalismo, para Castells (1999, p. 216-217) caracteriza-se por:

”muitas culturas, valores e projetos que passam pelas mentes e informam as estratégias dos vários participantes das redes, mudando no mesmo ritmo que os membros da rede e seguin-do a transformação organizacional e cultural das unidades

da rede. É de fato uma cultura, mas uma cultura do efêmero, uma cultura de cada decisão estratégica, uma colcha de reta-lhos de experiências e interesses, em vez de uma carta de di-reitos e obrigações. É uma cultura virtual multifacetada, como nas experiências visuais criadas por computadores no espaço cibernético ao reorganizar a realidade. Não é fantasia, é uma força concreta porque informa e põe em prática pode-rosas decisões econômicas a todo momento no ambiente das redes. Mas não dura muito: entra na memória do computa-dor como a matéria-prima dos sucessos e fracassos passados. A empresa em rede aprende a viver nessa cultura virtual. Qualquer tentativa de cristalizar a posição na rede como um código cultural em determinada época e espaço condena a rede à obsolescência, visto que se torna muito rígida para a geometria variável requerida pelo informacionalismo. O ‘es-pírito do informacionalismo’ é a cultura da ‘destruição criati-va’, acelerada pela velocidade dos circuitos optoeletrônicos que processam seus sinais.”

É justamente aí, nessa espécie de inversão de sentido provoca-da pela destruição criativa, que o sistema se legitima e impõe seus novos limites, uma vez que a cooperação e a participação passam a se dar sobre bases cada vez menos sólidas, neutras e vazias de confiança, como bem definiu Sennet (2000). Para ele, “as ficções de trabalho em equipe, pela própria superficialida-de de seu conteúdo e seu foco no momento imediato, sua fuga à resistência e ao confronto, são assim úteis no processo de do-minação” (SENNET, 2000, p. 138). Ainda segundo Sennet, uma das características dessa nova era do trabalho em equipe

137

Page 139: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

é o que chama de “jogo de poder sem autoridade”, em que a dilui-ção de responsabilidades contribui para o surgimento do “ho-mem irônico”, que Rorty (apud SENNET, 2000, p. 138) define como uma pessoa que jamais seria capaz de se levar a sério, porque sempre sabe que os termos em que se descreve estão sujeitos a mudança, sempre sabe da contingência e da fragili-dade de seus vocabulários finais e, portanto, do seu “eu”. Ou seja: o caráter irônico seria autodestrutivo, uma vez que provo-ca uma sensação de que não somos reais, de que nossas neces-sidades são meras ficções. O que nos ajuda a concluir que as falsas novas bases de relacionamento podem provocar uma perda do sentido do trabalho e da vida.

Esse sentimento é certamente provocado pela “centralidade do trabalho”, incorporada à ideologia burguesa como categoria universal e fundadora de toda a vida social, como atividade na-tural de produção e troca de valores de uso, é necessária à re-produção material da vida em sociedade. Esse caráter central, forjado a partir dos séculos 18 e 19, contribuiu para dissociar o trabalho das demais atividades da vida social, como lazer, famí-lia e comunidade. Essa noção opõe trabalho a lazer e separa as esferas doméstica e pública da vida social, ao mesmo tempo em que começa a confundir trabalho com emprego, ou seja, o exer-cício de funções na ou para a produção. Foi por esta época que o emprego, vinculado à centralidade do trabalho,

“tornou-se importante referencial para o desenvolvimento emocional, ético e cognitivo do indivíduo ao longo de seu

processo de socialização e, igualmente, para o seu reconhe-cimento social, para atribuição de prestígio social intra e ex-tragrupal. O desemprego tornou-se fonte de tensão psicos-social, tanto do ponto de vista individual, como para a vida comunitária”(LIDTKE apud CATTANI, 2000, p. 272) .

Esse fenômeno se relaciona com as redes de signos e signifi-cados organizados que expressam, ocultam e atribuem senti-do às intrincadas relações corporativas, e a que convenciona-mos chamar de culturas organizacionais. A ordem, nessas redes, é definida, basicamente, pela memória. O caos, na apa-rente incompreensão do ambiente organizacional em muta-ção, está na destruição, no rompimento da memória. Essa destruição da memória está na raiz das desestruturações im-postas às organizações. Modelos, como as reengenharias im-plantadas, sobretudo, a partir da década de 1990, buscam apagar essa ordem, digamos, histórica, e substituí-la por uma nova ordem produtiva e associativa. Só que os fracas-sos de suas implantações nos mais diversificados ambientes organizacionais mais destroem os antigos códigos ordenado-res do que constroem o novo. Aprender, nesses contextos, se torna um imperativo para a sobrevivência física e simbólica.

Assim como previa McLuhan, uma nova configuração de aprendizagem se instala nas organizações. As mudanças es-truturais e processuais implantadas nas empresas de alguma forma as têm forçado a uma maior qualificação. Segundo Fleury (1996: 188), referindo-se a Philippe Zarifian (1994 e

138

Page 140: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

1996), os novos modelos organizacionais podem ser distin-guidos entre organizações qualificadas e qualificantes. A or-ganização qualificada se caracterizaria pelo trabalho em equi-pes ou células; a autonomia delegada às células e sua respon-sabilização pelos objetivos de desempenho: qualidade, cus-tos, rendimento, etc.; diminuição dos níveis hierárquicos e o desenvolvimento das chefias para as atividades de "anima-ção" e gestões de recursos humanos; a reaproximação das re-lações entre áreas e funções da empresa.

A organização qualificante, ainda segundo Zarifian, incorpora-ria outras características além das já citadas: a valorização da aprendizagem e da inovação permanentes; devem ser centra-das sobre a inteligência e domínio das situações de imprevis-to, que podem ser exploradas como momentos de aprendiza-gem pelo conjunto dos empregados; a organização deve estar aberta para a explicitação da estratégia empresarial, realizada pelos próprios empregados (...); deve favorecer o desenvolvi-mento da co-responsabilidade em torno de objetivos comuns, entre as áreas de produção e de serviços (...); deve dar um con-teúdo dinâmico à competência profissional, ou seja, permitir que os assalariados invistam em projetos de melhoria perma-nente de tal modo que eles pensem o seu know-how não como um estoque de conhecimentos a serem preservados, mas como uma competência - ação ao mesmo tempo pessoal e engajada em projeto coletivo (FLEURY, 1996: 189).

Essa visão representa, sem dúvidas, uma evolução aos mode-los de treinamento e formatação característicos do tayloris-mo. Esses modelos reproduziam estruturas que separavam o saber do fazer, o agir do pensar, a partir da ideia de que uma elite pensante (e dominante) poderia atender às necessida-des de descoberta e redefinição organizacionais; aos demais, só restava a tarefa de cumprir com o planejado. Também cen-travam o aprendizado numa dimensão individual. Ainda que a empresa definisse o que deveria ser aprendido, quan-do e como, esse aprendizado representava quase que exclusi-vamente um reforço aos currículos individuais. A valoriza-ção vinha geralmente do número de cursos e títulos acumula-dos e não da circulação do conhecimento.

Podemos adiantar, a partir dessas contribuições, que o adven-to desse novo modelo de organização traz consigo uma radi-cal mudança no processo de troca de informações nas organi-zações e afeta, sobretudo, todo um sistema de comunicação tradicionalmente baseado no paradigma da transmissão con-trolada de informações.

O fato, porém, é que o novo cenário do trabalho, na deno-minada sociedade pós-industrial e informacionalista, é um cenário em profunda transformação, no qual a valorização da velocidade - traduzida na busca incessante pelo resulta-do no curto prazo, nas estruturas orientadas por projetos, e na flexibilidade dos contratos - acaba por não permitir que as pessoas desenvolvam experiências ou construam uma

139

Page 141: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

narrativa coerente para suas vidas, além de afetar a confian-ça e o comportamento ético (SENNET, 2000).

Isso faz com que os antigos paradigmas do vínculo e da estabilida-de, tão caros à comunicação organizacional, entrem em xeque e, com eles, as formas de comunicação e de construção de sentido.

Segundo Varona (1996, p.5), a organização digital e automati-zada está deslocando paulatinamente o intercâmbio de infor-mação em forma de átomos (memorandos, documentos, revis-tas, jornais e livros) para um sistema de informação baseada em “bits”. Nesse novo tipo de organização, o verdadeiro valor da comunicação terá de estar mais afinado com comunidade do que com informação.

Nessa linha de preocupação, autores como Parks e Floyd, cita-dos por Varona (1996), identificam duas correntes opostas que têm dominado o debate acerca do impacto das novas tecnolo-gias de informação sobre a interação entre as pessoas. Uma das correntes afirma que a comunicação mediada por meios eletrônicos é superficial, impessoal e, muitas vezes, hostil. Para seus adeptos, o espaço cibernético só pode criar uma ilu-são de comunidade. A outra corrente, liderada por Rheingold (apud VARONA, 1996), diz que a comunicação por meio ele-trônico contribui para quebrar as barreiras físicas tradicional-mente impostas pela administração e, assim, pode criar novas relações e comunidades.

Ainda com relação ao impacto das novas tecnologias na estru-tura da comunicação organizacional, Daniels e Spiker, tam-bém citados por Varona (1996, p.5), identificam três correntes: a centralizadora - defende a idéia de que a nova tecnologia fa-cilita a centralização e o controle da comunicação, via acesso direto aos bancos de dados e ao esvaziamento das funções in-termediárias -, a descentralizadora - afirma o contrário, por en-tenderem que o aumento do fluxo informativo reduz as possi-bilidades de controle e abre caminhos para uma circulação mais livre -, e a corrente neutra - afirma que o fator determi-nante da centralização ou descentralização da estrutura de co-municação depende muito mais da filosofia gerencial vigente em uma dada organização.

Outra forma de encarar o problema vem de uma abordagem filosófica do impacto da comunicação tecnológica, que procu-ra realçar a necessidade de se estudar as implicações huma-nas. Segundo O´Connel, citado por Varona (1996, p.13), há seis hipóteses relacionadas com as possíveis mudanças impos-tas pela introdução da comunicação mediada por meio ele-trônico, que transcrevemos a seguir, em tradução livre:

1. A oportunidade de interações face a face e as possibi-lidades de comunicação não verbal tendem a diminuir consideravelmente...;

2. A informação em fluxo descendente tenderá a ser mais informal devido às características físicas e co-municativas do correio eletrônico, o que implicará uma redefinição do que é estrutura formal e infor-mal na comunicação organizacional;

140

Page 142: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

3. A informação transmitida por meio eletrônico provocará uma diminuição da transmissão de mensagens afetivas e axiológicas...;

4. As dimensões de confiança e credibilidade que se estabelecem entre as pessoas por meio da intera-ção pessoal terão de ser repensadas;

5. Como os computadores impõem uma disciplina linear de pensamento e um estilo de comunicação que, para se adaptar ao novo meio, deve ser preci-so e imediato, podem criar um clima de redução de tolerância aos estilos individuais de comunica-ção e uma conseqüente intolerância ao pensamen-to complexo e não linear.

6. O computador acabará determinando novas for-mas de execução do trabalho, com tempos cada vez mais acelerados.

Como já vimos ao longo do texto, as novas tecnologias e a vir-tualização das organizações estão operando verdadeira revolu-ção nos processos produtivos e de troca de informações, e exi-gindo de organizações e empregados novas atitudes e novas competências. Destes, é cada vez mais cobrada a capacidade de transformar a verdadeira enxurrada de informações recebi-das em conhecimento produtivo.

O interessante nesse processo de virtualização é que, paralela-mente aos diversos problemas que causa, como o desemprego e as incertezas da imaterialidade, permite inúmeras novas oportunidades, como a possibilidade de se estabelecerem no-vas relações de trabalho, não mais baseadas em normas e regu-lamentos padronizados de mediação, mas na confiança. Tam-bém a qualificação das pessoas tende a aumentar com a maior circulação e o maior acesso às informações globalizadas. As organizações estão propensas a obter ganhos em eficácia, em razão do livre trânsito de idéias e do incentivo permanente à inovação. O diálogo, a comunicação, em suma, apesar da im-pessoalidade, tende a se tornar mais franco, em razão da mai-or interatividade. As amarras burocráticas e hierárquicas ten-dem a se tornar mais maleáveis.

No entanto, sabemos que a mesma automação que permite li-bertar o homem dos trabalhos mais estafantes e também im-põe novas formas de aprendizagem e de relacionamento traz também embutida a possibilidade de aumentar os controles, as amarras e a vigilância sobre o indivíduo, além de induzir ao consumo de uma gama de conteúdos vendendo a ilusão de que a escolha é do trabalhador e do usuário.

Dessa forma, convém perguntar que novas visões seri-am possíveis a partir das contribuições de McLuhan so-bre a automação.

141

Page 143: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Uma nova visão?

Antes de tentarmos buscar possíveis novas visões emanadas desde McLuhan e atualizadas por seguidores e outros pes-quisadores, das mais variadas correntes, convém lembrar que qualquer possível previsão sobre os desdobramentos fu-turos da tecnologia e seus usos e impactos sociais não nasce-rá de simples abstração ou mesmo de exercício fútil de futu-rologia. Mesmo McLuhan, inserido que estava no esta-blishment produtivo da época, só chegou a prever o que pre-viu porque teve a rara oportunidade de conviver com a intro-dução de processos tecnológicos avançados por parte da in-dústria da informática. Como lembra Gamareli (2006, p. 30 apud SALARELLI, 2011, p. 6):

O traço profético do último capítulo de Understanding media não consiste, assim, em resgatar o enorme porte de uma incomensurável mudança tecnológica, evidentemente já percebida, pelo menos em nível de classe media - a primei-ra, com efeito, a ser afetada pela concorrência do trabalho desenvolvido pelos processadores - quanto em delinear suas características mais significativas de desenvolvimento futuro. De fato, McLuahn conhecia de dentro, o potencial da indústria informática e, principalmente, mais que as inovações propostas na vertente tecnológica, era bem cons-ciente dos objetivos do mercado aos quais ela podia aspirar. Nos anos em que vinha à luz Understanding media McLuhan, como se sabe, desenvolvia consultorias para a IBM sobre um tema que é um verdadeiro programa: “Vocês

não devem mais construir máquinas de escrever, mas oferecer ao cliente a resposta às perspectivas de desenvol-vimento de suas atividades”

As reflexões que faremos aqui, com a intenção de identificar uma possível nova visão seguirá os procedimentos já clássicos da prospectiva, palavra que remete a prospecto, ou a maneira de observar um objeto, e também ao latim prospicere, que signi-fica olhar para longe. Nessa linha, prospectiva poderia ser de-finida a partir de quatro princípios “ver longe, ver amplamen-te, analisar em profundidade e aventurar-se, acrescentando o pensar humanístico” (BERGER, 1967, apud YEZID SOLER, 2004, p.1). Ou ainda como bem descreveu Bertrand de Jouve-nel, “existem duas formas de ver o futuro, a primeira como uma realidade única, própria dos oráculos, profetas y adivi-nhos. A segunda forma de ver o futuro é como uma realidade múltipla, estes seriam os futuros possíveis (futuribles) (YEZID SOLER, 2004, p.1).

Na linha dos futuros possíveis, no contexto organizacional, in-fluenciado pelas novas configurações da automação, agora po-tencializada pela pesquisa avançada nos campos da neurociên-cia, das ciências cognitivas, da biotecnologia, da bioinformática, da robótica e da nanotecnologia, é viável pensar em um futuro em que organismos e máquinas venham a se fundir.

Em artigo recente, Girlanda e Fernández Castrillo (2011) apre-sentam um desafiador panorama no qual discutem as influên-cias de McLuhan, das perspectivas pós-humanistas até o que chamam de neuromídia, e trazem a previsão de Raymond

142

Page 144: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Kurzweil de que, em razão do aumento exponencial da veloci-dade das mudanças tecnológicas, no futuro próximo (2045), será possível transcender as limitações de nossos corpos e cé-rebros biológicos, de tal forma que não haverá nenhuma dis-tinção entre homem e máquina. No artigo, os autores citam al-guns projetos recentes que atualizam a perspectiva mcluhania-na, como os estudos ligados a sistemas de Realidade Virtual (RV), Realidade Aumentada e 3D Vision, bem como as novas pesquisas sobre “sentidos artificiais” e, especialmente, sobre a condição pós-humanística na esfera midiática:

Haverá em breve uma integração completa entre orgânico e inorgânico, natural e artificial, como afirmam vários intelec-tuais que cunharam novos conceitos como pós-humanismo e Singularidade. [...] Raymond Kurzweil (2005) e Vernor Vinge (1993) definem o conceito de singularidade em ter-mos de criação tecnológica de superinteligência humana, o que representaria um colapso na capacidade dos seres hu-manos para modelar o futuro depois disso.

Vinge foi o primeiro a utilizar este termo em um artigo de 1983, e um artigo de 1993 mais tarde intitulado "A Sin-gularidade Tecnológica: Como sobreviver na era do pós-humano". Neste texto, ele explicou que dentro de trinta anos, teríamos os meios tecnológicos para criar uma inte-ligência sobre-humana (GIRLANDA e FERNÁNDEZ CASTRILLO, 2011, p.535).

Os mesmos autores alertam que muitas destas previsões tam-bém trazem para o centro do debate os problemas de limites

e as implicações desses processos a partir de uma perspecti-va bioética e sócio-política (GIRLANDA e FERNÁNDEZ CASTRILLO, 2011, p.536).

Sobre essas discussões, Salarelli (2011) nos apresenta às reflexões desenvolvidas por Lanier (2010); Carr (2010) e Schirrmacher (2009). Lanier nos diz que “as tecnologias digitais nos colocam em uma condição de lock in face a seus próprios resultados” (SALARELLI, 2011, p. 13). Para o autor:

Esse fenômeno, que se encontra em todos os níveis, desde a organização dos ícones em nossa tela, até o modus operandi colaborativo das redes sociais, produz êxitos desastrosos, como a asfixia de qualquer cenário alternativo na organiza-ção dos dados vinculada pelas rígidas e maniqueístas alter-nativas do dígito binário ou, ainda, como pode ser observa-do face todas as aplicações 2.0, a convicção disseminada de que as multidões interconectadas e falantes podem repre-sentar um degrau de inteligência superior em relação à dos indivíduos singulares (SALARELLI, 2011, p. 13).

Já Nicholas Carr preocupa-se com os efeitos da automação e das novas mídias sobre o cérebro. Para ele:

“o uso das novas tecnologias está modificando profundamen-te a atividade de nosso cérebro, na medida em que as áreas ativadas pela prática da leitura realizada através do livro im-presso são subutilizadas, enquanto aquelas relacionadas à leitura na tela tendem à hipertrofia. O resultado, inevitável, é que o pensamento lógico-dedutivo, o aprofundamento

143

Page 145: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

interior, o exercício da faculdade da memória, isso é, as habilidades específicas relacionadas à cultura das páginas impressas, estão fadadas a se tornarem secundárias em rela-ção às competências fisiológicas necessárias para a fruição das novas mídias, que privilegiam a paratáxis - isso é, o mul-titasking - mais que a hipotáxis” (SALARELLI, 2011, p. 14).

Essa visão crítica também aparece em Frank Schirrmacher que, em seu trabalho, “afirma que, em breve, não será mais possível entender ‘onde começa o computador e onde acaba o cérebro’ (cap. 18), prefigurando uma espécie de isomorfismo entre a psique humana e os sistemas de gestão da informação, provocado pelo efeito desses últimos sobre o conjunto de nos-sas faculdades cognitivas” (SALARELLI, 2011, p. 14).

A possibilidade aqui desenhada de que organismos e máquinas venham a se fundir e que as tecnologias indutoras da automação não sejam mais concebidas e utilizadas como máquinas, mas como parceiros cognitivos integrados (vide GIRLANDA e FERNÁN-DEZ CASTRILLO, 2011, p.537), implicará, com certeza, novas dis-cussões sobre a dimensão humana no trabalho, os aspectos éticos envolvidos na gestão, a chamada consciência moral, entre outros temas relevantes para a sociedade. Organizações sociais tendem também a se transformar em espaços cada vez mais híbridos, re-gidos por inteligências múltiplas e ampliados por cérebros artifi-ciais, que precisarão aprender a equilibrar racionalidade e emoci-onalidade nas tomadas de decisão.

Certamente será necessária uma retomada dos debates em tor-no do que é meio, do que é mensagem, do que é conteúdo, nesses possíveis novos processos comunicacionais que advi-rão das interações entre “parceiros cognitivos integrados” em que não será mais possível perceber o meio como extensão hu-mana, mas como algo intrínseco à própria natureza desse ser hibridizado. Como nos diz Salarelli (2011, p. 15), “na era da automação, temos a possibilidade de observar, a elevação po-tencial da técnica, portanto do meio sobre a mensagem”.

A proposta inicial deste texto foi a de analisar, a partir do que denominamos de visão de McLuhan, a atualidade de seu pen-samento sobre os impactos da automação nos contextos orga-nizacionais, na comunicação e no mundo do trabalho. Tam-bém buscamos identificar que possível nova visão poderia ad-vir da conjuntura atual e do desenvolvimento exponencial das pesquisas nos campos da tecnologia, da cognição, da robó-tica e da inteligência artificial. O que é possível vislumbrar, desde já, é que a visão de McLuhan se confirmou em muitos aspectos e que suas ideias e provocações ainda serão muito úteis para ajudar a iluminar os caminhos daqueles pesquisa-dores que se aventurarem a percorrer o futuro que desde já, e sempre, está em construção.

144

Page 146: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

Referências Bibliográficas

BERGER, Gaston. Etapes de la prospective. Paris: PUF, 1967.

BRIDGES, William. Mudanças nas Relações de Trabalho - JobShift. São Paulo: Makron Books, 1995.

BRUNS, Axel. Blogs, Wikipedia, Second Life, and Beyond: From Production to Produsage. New York: Peter Lang, 2008.

CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Rede – São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CATTANI, Antonio David (org.) – Trabalho e Tecnologia: dicio-nário crítico –Petrópolis: Vozes, 2000.

CURVELLO, João José Azevedo – Autopoiese, sistema e identidade: a comunicação organizacional e a construção de sentido em um am-biente de flexibilização nas relações de trabalho. Tese de Doutora-mento. São Paulo: ECA/USP, 2001.

DAVIDOW, W.H. & MALONE, M.S. - A Corporação Virtual - São Paulo: Pioneira, 1993.

DE MASI , Domenico – Desenvolvimento sem Trabalho. São Paulo: Esfera, 1999.

FLEURY, Maria T. L. Desafios e impasses na formação do gestor inovador, in Davel e Vasconcelos (orgs) "Recursos" Humanos e Subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1996.

FONSECA, Marcelo Jacques et al . Tendências sobre as comunida-des virtuais da perspectiva dos prosumers. RAE electron.,  São Paulo,  v. 7,  n. 2, Dec.  2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-56482008000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  22  Maio  2012.  http://dx.doi.org/10.1590/S1676-56482008000200008.

GIRLANDA, Elio e FERNÁNDEZ CASTRILLO, Carolina. McLuhan and New Communication Technologies:From Posthu-manism to Neuromedia. In: CIASTELLARDI, Matteo, ALMEIDA, Cristina Miranda de, SCOLARI, Carlos A. McLuhan Galaxy Con-ference Understanding Media, Today Conference Proceedings. Barcelona: Collection Sehen, Editorial Universidad Oberta de Ca-talunya, 2011, pp. 529-537.

HANDY, Charles - A Era do Paradoxo. São Paulo: Makron Books, 1995a.

______________ - Trust and the Virtual Organization, in Harvard Business Review, May-June/1995b, pp 40-50. 

HARVEY, David - Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1994.

JOUVENEL H. (de), "Sur la méthode prospective: un bref guide méthodologique", Futuribles, nº 179, septembre 1993.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como exten-sões do homem (understanding media). São Paulo: Cultrix, 1969.

REICH, Robert - The Work of Nations - Preparing Ourselves for 21st Century Capitalism. Nova Iorque: Random House, 1992.

SALARELLI, Alberto. Relendo o último capítulo de understan-ding media. Um tributo a Marshall McLuhan no centenário de seu nascimento. InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2011.

SENNET, Richard. A corrosão do caráter. São Paulo: Record, 2000.

_______________. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

VARONA, Federico - Se comunica la organización computadori-zada? Impacto de la comunicación computadorizada en las orga-

145

Page 147: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo

nizaciones. Texto apresentado no III Simpósio Latinoamericano de Comunicación Organizacional, Cali, maio de 1996.

YEZID SOLER, B. Prospectiva: Visión y construcción de futuro. Octubre de 2004. Disponível em: <http://prospectiva.blogspot.com.br/>. Acesso em 17/08/2012.

ZARIFIAN, Philippe (1994) Compétences et organisation qualifian-te en milieu industriel, in Minet, Parlier e Witte - La compétence: mithe, construction ou realité? Paris: L'Harmattan, 1994.

ZARIFIAN, Philippe. Travail et Communication. Paris: PUF, 1996.

146

Page 148: 100 ANOS DE mcLuHan mcluhAn MCLUHAN McluhaN MCLUHAN · terior que demandava esforços diferentes, organização social ... Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo