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    Introdução

    Uma análise ponderada, e que pretenda ser bem-feita, dos aconteci-mentos contemporâneos exige o conhecimento dos processos histó-

    ricos que formaram o caminho seguido até o presente. Isto é, ao ana-

    lisarmos o comportamento dos agentes ao longo dos anos preceden-

    tes – a história da interação entre eles –, os argumentos a serem utili-

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    *Artigo recebido em outubro e aprovado para publicação em novembro de 2006.

    **Mestrando em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador do Labora-

    tório de Análise Política Mundial (Labmundo) da Escola de Administração da UFBA.

    CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 29, no 2, julho/dezembro 2007, p. 217-272.

     A OrdemEconômico-ComercialInternacional: Uma Análise da Evoluçãodo SistemaMultilateral deComércio e daParticipação daDiplomacia

    Econômica Brasileirano Cenário Mundial*Ivan Tiago Machado Oliveira**

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    zados acerca do cenário atual ganham maior embasamento e consis-tência analítica. Assim, realizaremos, no presente estudo, uma ava-liação do processo evolutivo ocorrido no Sistema Multilateral deComércio (SMC), desde o imediato pós-Segunda Guerra até o pre-sente momento, identificando as interações entre as transformaçõeshistóricas mundiais, tanto no plano político quanto no econômico, ea estruturação do sistema multilateral.

    O SMC contemporâneo tem suas bases constitutivas na Carta quecriava a natimortaOrganização Internacional do Comércio(OIC),daqual o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, GeneralAgreement on Tariffs and Trade (GATT)) faria parte. O GATT, esta-belecidoem1947paraatuartemporariamente,acabouporseroorga-nismo (quase-instituição) responsável pela regulação das trocas in-ternacionais por quase cinco décadas. Nesse ínterim, ocorreram mo-dificações significativas na economiamundial, afetandoa competiti-

    vidade das nações e modificando o jogo da política internacional.

    Umarápidaavaliaçãodohistóricodosistemamultilateralsobosaus-pícios do GATT nos trará alguns elementos comprobatórios de que olançamento periódico de rodadas de negociação se fundamenta nacrença de que as mesmas são importante mecanismo para a criaçãode um ambiente mais propício ao debate político-diplomático, ten-dendo a ser observada uma melhora apreciável na facilitação do pro-

    cesso políticode construção de regras para o comércio internacional.Ocorreram oito rodadas de negociações no âmbito do GATT. Nessasrodadas, tanto as reformas do próprio GATT quanto os processos demudança nas barreiras comerciais das partes contratantes eram dis-cutidos. As oito rodadas foram: em Genebra (1947), Annecy (1949),Torquay (1951), Genebra (1956), a chamada Rodada Dillon(1960-1961), a Rodada Kennedy (1964-1967), a Rodada Tóquio(1973-1979) e a chamada Rodada Uruguai (1986-1994).

    Tomando tais rodadas de negociação multilateral como marcos ana-líticos importantes, discutiremos, a seguir, o desenrolar do processo

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    histórico-evolutivodoSMC,que teve seus fundamentosteóricosori-ginadosemumavisãoliberalacercadocomérciointernacional,alémde aspectos outros de ordem político-ideológica. Primeiramente,analisaremos os esforços de construção do SMC desde a Carta deHavanaatéosanos1960,quandoaconteceaRodadaKennedydene-gociações do GATT. Em seguida, serão abordadas as transforma-ções no sistema, ocorridas na Rodada Tóquio e alargadas na RodadaUruguai. Finalmente, concluiremos o capítulo analisando o SMC na

    última década, período marcado pela entrada em cena da Organiza-çãoMundialdo Comércio(OMC) como verdadeira instituição inter-nacional responsável pela regulação, discussão e abertura de negoci-ação multilateral no que diz respeito às trocas entre as nações. Ade-mais, o papel desempenhado pela diplomacia econômica brasileirana construção e transformação do SMC será discutido ao longo dopresente capítulo.

    Da Carta de Havana à

    Rodada Kennedy 

    O Problema da regulação do

    comércio internacional no

    pós-Segunda Guerra

    Ao fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a reconstrução eco-nômica internacional, fundamentada nasnovas relações de poderpo-lítico-econômico que a guerra ajudara a criar. Entretanto, a recons-trução econômica do pós-guerra não deve ser entendida somente apartir do cenário então vigente, mas também como reorientação e re-organização das relações econômicas internacionais, no contextopós-depressão dos anos 1930.

    Aexplosãodacriseeconômicadadécadade1930fezcomqueopro-tecionismo tomasse a cena internacional, afetando negativamente ocomércioentre asnações. Alémdisso,apóso período daguerra, trau-

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    mas ainda mais profundos foram sentidos em termos globais. Nessesentido, com o fim da guerra, procurou-se

    [...] montar um sistema que evitassea possibili-dade de mais um conflito em escala mundial,evitasse as crises de liquidez de divisas e impe-disse os danos provocados pela imposição debarreiras comerciais (BAUMANN et al., 2004,p. 133).

    Vale notar que iniciativas relativas ao reordenamento da economiamundial nopós-guerra tomaram lugar mesmo antes do fim doconfli-to. Em agosto de 1941, o presidente dos EUA, Roosevelt, e o primei-ro-ministro britânico, Winston Churchill, assinaram a Carta doAtlântico ( Atlantic Charter ), “documento fundador” dos princí-pios que viriam a nortear a reconstrução da ordem internacional nasegunda metadedoséculoXX, e aoqual o Brasiladeririano iníciode

    1943. Sobre as características, motivações e importância da AtlanticCharter , Sato (2001, p. 5) relata:

    O documento não era nem um acordo contra-tual e nem uma aliança com dispositivos for-mais. Era, antes, uma declaração de princípiosque condenava a tirania sob todas as formas eenfatizava a necessidade do empenho pela cons-truçãodeumapazbaseadanadefesadaliberda-de, no respeito às linhas de fronteira consolida-das, na autodeterminação das nações e na re-núncia ao uso da força. O documento tambémentendia que esses princípios estavam inexora-velmente ligadosa ações a serem empreendidasno plano econômico e recomendava que um es-forço de cooperação entre as nações para seconstruir uma paz mais duradoura deveria con-templar a igualdade no acesso ao comércio e àsmatérias-primas e o desenvolvimento de for-mas mais estáveis de arranjo institucional ne-cessárias à promoção da prosperidade e da se-gurança social para todos os povos. Obviamen-

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    te, a Carta do Atlântico tevepor motivação fun-damental articular o esforço de guerra das na-ções que lutavam contra o Eixo e seu teor nãodeixava dúvidas quanto à disposição e inevita-bilidade do envolvimento direto dos EstadosUnidos na guerra. Todavia, o documento foi,inegavelmente, peça importante na construçãoda ordem internacional do pós-guerra ao servirde base para dar início às consultas e negocia-

    ções que iriam resultar nos Acordos de BrettonWoods e na assinatura da Carta das NaçõesUnidas.

    A estruturação da nova ordem econômica internacional foi tomandoforma a partir, fundamentalmente, da Conferência de Bretton Woods,realizada entre junho e agosto de 1944, ou seja, antes mesmo do fimefetivodaguerra.Ademais,asbasespolíticasparaoestabelecimentodeuma nova “confrariaentreasnações”foramlançadasemDumbartonOaks, em agosto de 1944, tendo resultado na criação da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU) em abril de 1945, por meio da Car-ta de São Francisco. Por fim, em Ialta, em fevereiro de 1945, e emPotsdam, entre julho e agosto do mesmo ano, foram esboçadas as li-nhas do contorno geopolítico que passaria a dividir o mundo de for-ma mais clara a partir de 1947.

    O chamado Sistema de Bretton Woods construiu os pilares para orestabelecimento da ordem no campo monetário e financeiro inter-nacional. Embora tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha existissecerto “consenso” acerca da fundação de uma ordem liberal que vies-se a se contrapor às idéias e práticas protecionistas dos anos 1930,observou-se nessa Conferência a contradição entre as percepçõesnorte-americanas e aquelas defendidas pelos britânicos. Tal fato fi-cou mundialmente conhecido a partir dos debates entre o represen-

    tante dos EUA, Harry Dexter White, e o enviado britânico, JohnMaynard Keynes. A proposta norte-americana para o ordenamentodas relações monetárias e financeiras internacionais predominou,

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    tendo por base uma simples e poderosa idéia: “quem pagava as con-tas?”. Criou-se, então, o Fundo Monetário Internacional (FMI), en-quanto provedor de liquidez internacional e atenuador de crises dascontasexternasdospaísesassociados;eoBancoInternacionalparaaReconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), que, como o próprionome já indica, foi encarregado de financiar a reconstrução e o de-senvolvimento econômico dos países do mundo, principalmente daseconomias européias destruídas durante a Segunda Guerra Mundial.

    Por outro lado, ainda que na Conferência de Bretton Woods tenhasido ratificada a necessidade da construção de um sistema multilate-raldelivre-comércioparaaestruturaçãodosistemaeconômicomun-dial no pós-guerra, não houve condições de se tratar do assunto du-rante a Conferência. Assim, ficou acertado que uma reunião especialdeveria ser convocada nos anos seguintes para tratar do tema, comode fato ocorreu.

    A participação brasileira no reordenamento econômico foi tímida,como era de se esperar, dado o seu limitado poder naquele período,tantonoplanoeconômicoquantonopolítico.Apósumarápidatenta-tiva de independência econômica na década de 1930, quando se ob-servou o ensaio de preservação de um arranjo de equilíbrio entre aspotências predominantes da época, as relações econômicas interna-cionais do Brasil caracterizaram-se por uma intensa relação com os

    EUA, especialmente a partir do ataque japonês a Pearl Harbor(1941), quando as nações do Eixo declararam guerra aos EUA, aca-bandoporapressaroenvolvimentobrasileironoconflito,aoladodosAliados. Sobre a participação brasileira na estruturação do ordena-mento mundial no pós-guerra, Paulo Roberto de Almeida (2004, p.114) coloca:

    Na segunda conferênciainteramericanadecon-sulta, realizada no Rio de Janeiro em princípiosde 1942, as nações americanas hipotecavam so-lidariedade ao país agredido. O Brasil faz maisdo que isso: concebendo a aliança como uma

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    excelente oportunidadepararesolver os proble-mas da industrialização pesada e dosuprimentomilitar, o governo de Vargas se decide por umenvolvimento direto no conflito militar, algonão exigido pelos estrategistas aliados. No ter-reno econômico a colaboração também passa aser a regra. Em maio de 1944, Roosevelt esten-deaoBrasiloconviteparaparticipar,juntocom43 outras “nações unidas e associadas”, da con-

    ferência que deveria discutir a reconstruçãoeconômica do pós-guerra.

    Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressal-tado por Paulo Roberto de Almeida (2004), é o da presença da Uniãodas Repúblicas Socialistas Sociéticas (URSS) no debate acerca doordenamento político-econômico mundial no pós-Segunda Guerra.O autor relata:

    Em todo caso, a “planificação” da ordem eco-nômica do pós-guerra também reservou um pa-pel para a URSS, a despeito da pequena impor-tância que esta tinha nos fluxos monetários ecomerciais internacionais. Ao assim procede-rem, os Estados Unidos queriam evitar o desas-troso erro de Versalhes que, ao excluir uma po-tência – no caso, a Alemanha de Weimar – doconcerto mundial, havia gerado o clima de ins-

    tabilidade e desconfiança responsável pelo ul-terior acirramento dos conflitos no continenteeuropeu. Os Estados Unidos se mostraram sen-síveis aos interesses soviéticos, em parte por-que previam um grande intercâmbio entre ma-térias-primas soviéticas e manufaturados nor-te-americanos, o que, depois, revelou-se ilusó-rio. (ALMEIDA, 2004, p. 118).

    Não obstante o esforço norte-americano para dar certo grau de in-fluência à URSS no quadro institucional que vinha sendo criado, amesma não ratificou os acordos de Bretton Woods até dezembro de

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    1945, ficando, portanto, de fora das primeiras instituições econômi-cas multilaterais criadas no mundo no pós-guerra.

    A liderança dos EUA foi essencial noprocessode reconstruçãomun-dial após o Grande Conflito. Tal liderança, além de necessária, era“natural”. Em 1945, os EUA, de forma ainda mais significativa doque havia ocorrido ao final da Primeira Guerra Mundial, haviamemergido como o grande credor internacional. Não se tratava apenas

    de uma concentração relevante das reservas de ouro nos EUA, mastambém de um fosso econômico que se abriu entre esse país e o restodo mundo. O Produto Nacional Bruto (PNB) dos EUA, em 1950, foide US$ 381 bilhões, enquanto o da Grã-Bretanha alcançava US$ 126bilhões, o da URSS, US$ 71 bilhões, e o da França, US$ 50 bilhões.Na realidade, no período em questão, o PNB dos EUA (US$ 381 bi-lhões) era maior do que a soma dos PNBs da URSS, Grã-Bretanha,França, Alemanha Ocidental, Japão e Itália (US$ 356 bilhões).1

    Ademais, a dinâmica da política internacional acabou por desembo-car na Guerra Fria, quando foram constituídos dois blocos represen-tativos de modelos político-econômicos distintos e antagônicos,dando aos EUA uma liderança ainda mais solitária sobre as econo-mias de mercado.

    O papel desempenhado pelos EUA na cena internacional a partir de

    1945 teve influência importante, tanto no plano das idéias e princípi-os que viriam a nortear o desenrolar da dinâmica da política interna-cional,quantonodasaçõesefetivas,tomadascomobjetivosquevari-avam, dependendodo quadro geopolítico mundial e de pressões e in-teresses internos.

    A estruturação da ordem liberal pretendida no imediato pós-guerratrazia consigo umarotimistanoque diz respeitoàsconstruções insti-

    tucionaisdaépoca.Nãofoidiferentecomapretensãodesecriarumaorganização voltada para o comércio internacional. A proposta nor-te-americana de realizar uma reunião especial para negociações

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    acerca da criação de tal organização foi colocada em prática e, sob osauspícios da recém-criada ONU, aconteceu, em Londres (em outu-bro de 1946), a primeira reunião da Comissão preparatória para Con-ferênciasobreComércioeEmpregodasNaçõesUnidas,naqualseri-am estabelecidos os fundamentos constitutivos de uma OrganizaçãoInternacional do Comércio (OIC).

    Entre abril e novembro de1947, ocorreu,emGenebra,a segunda reu-

    nião da Comissão preparatória para a Conferência de Havana. Nesseencontro, ainda em um ambiente de crença e expectativas positivasem relação à criação da OIC em um futuro próximo, 23 países (entreeles, três latino-americanos:Brasil, Chile e Cuba)assinaram o Acor-do Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), destinado a ser incorpo-rado à Carta constitutiva da OIC. Ocorreu, então, a primeira Rodadade negociações multilaterais para a redução de barreiras tarifárias.Ademais, foram definidos os princípios básicos do Sistema Multila-teral de Comércio contemporâneo e acertada a adoção temporária doGATT, que entraria em vigor a partir de janeiro de 1948, até que aOIC fosse discutida e aprovada pelas  partes contratantes. O GATTteria um secretariado – chamado oficialmente de Interim Commissi-on for the International Trade Organization (ICITO), com vincula-ção,aindaqueapenasformal,àONU–atuandoemGenebranosenti-do de servir como fórum para negociações de acordos específicos,

    que almejassem a redução de tarifas alfandegárias e outras barreirasao comércio internacional.

    Durante as negociações da Conferência sobre Comércio e Empregodas Nações Unidas, que veio a acontecer entre novembro de 1947 emarço de 1948 em Havana, mais de cinqüenta países acordaramacerca da Carta de Havana, documento oficial que criava a OIC en-quanto instituição responsável pelo comércio internacional. Tendo a

    Carta sido aprovada pelos participantes da Conferência, a constitui-ção efetiva da OIC ficou dependendo apenas da ratificação do docu-mento pelos países signatários, segundo suas normas internas.

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    Algo digno de nota sobre a Conferência de Havana diz respeito à vi-sãoqueospaísesmaispobrestinhamacercadasnegociaçõeseresul-tadosdamesma.Emgeral,acreditavamqueotomdesenvolvimentis-ta perceptível na Conferência (o próprio nome traz algo nesse senti-do) pudesse fornecer instrumentos factíveis de auxílio àqueles paísesque esboçavam uma saída em direção ao “paraíso” do mundo desen-volvido, industrializado. Não obstante tal fato, alguns tons destoan-tes eram ouvidos entre as vozes “subdesenvolvidas”. Vários paíseslatino-americanos deram apoio, por exemplo, a propostas que colo-cavam a constituição de zonas de preferências comerciais como me-canismo legal dentro do documento final da Conferência.2

    Voltando à Carta de Havana e à sua ratificação pelos países signatári-os, vale colocar que, como levantado por Paulo Roberto de Almeida(2004, p. 117),

    [...] a Carta da OIC incluía tantas exceções, la-cunas e ambigüidades deliberadas que mesmoseus partidários mostravam muito pouco entu-siasmo por ela – apenas dois países chegaram aratificá-la: a Austrália de forma condicional ea Libéria incondicionalmente.

    Noentanto,orelativodesânimoacimarelatadoveiosendo“construí-do” não apenas com base em eventuais problemas de origem da Car-ta, mas também a partir de dois aspectos importantes, complementa-rese inter-relacionados, que tomavam contornos distintos no finaldadécada de 1940, comparativamente àqueles percebidos no períodologo posterior à guerra, quais sejam: 1) a mudança no contexto geo-político mundial – o inicial convívio pacífico e respeitoso entre aURSS e os EUA no imediato pós-guerra havia se tornado tenso al-

    guns anos após; a Guerra Fria desabrochava; e 2) o Congresso nor-te-americano, autoridade maior da política comercial externa dosEUA,mostrava-secadavezmenosdesejosodeabrirmãodedetermi-

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    nados controles sobre a política comercial e tarifária dos EUA, o quepoderia vir a acontecer com a ocasional criação da OIC.

    O “resumo da ópera” relativo à Carta de Havana, justamente na con-fluência das tendências acima abordadas, pode ser feito a partir dadecisão doCongresso dos EUA denão ratificar a Carta.Narealidade,com o aumento dos focos de tensão internacional, os assuntos relati-vos à segurança internacional– políticas estratégicas como o próprio

    Plano Marshall – passaram a ter maior relevância no Congresso dosEUA, comparativamente a temas predominantemente econômico-comerciais, como a Carta da OIC, com interesses focados em umatemporalidade mais estendida.

    A não-ratificação da Carta de Havana pelos EUA foi o decreto demorte da nascente OIC. A nação que liderava o mundo ocidental emsua reconstrução no pós-guerra achou por bem não levar adiante sua

    própria proposta de criação de uma verdadeira instituição para geriro comércio entre as diversas nações do globo. Nesse contexto, oGATT, pensado inicialmenteenquanto instrumentotemporário e quenão demandava ratificação congressual pelo fato ser um acordo exe-cutivo, entra em cena de forma permanente e irá servir como umaquase-instituição internacional, organizadora do SMC contemporâ-neopormaisdequatrodécadas.ComoabordadoporSato(2001,p.5):

    Pode-se dizer que o GATT foi, de um lado, aforma contratual possível dentro do quadro dasdificuldades econômicas e limitações institu-cionais do pós-guerra e, de outro, o arranjo quemelhor se adequava à economia política inter-nacional que se configurou na esteira da Segun-da Guerra Mundial.

    Valls (1997, p. 3) afirma que o Acordo Geral

    [...] emergiu de negociaçõesquevisavam remo-ver barreiras ao comércio e não de negociaçõesque tivessem por objetivo o estabelecimento de

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    regras gerais de comportamento das relaçõescomerciais entre os países.

    Sendo assim, não obstante a existência de um tímido sistema de  en- forcement ( panels)desdeoAcordode1947,reformadoparcialmenteem 1952, o SMC, sob os auspícios do GATT, não tinha poder disci-plinatório efetivo sobre as partes contratantes. Tal aspecto acabavapor trazer algum grau de incerteza e arbitrariedade das potências,

    principalmente dos EUA, para as trocas internacionais.

    3

    Alguns autores pertencentes a correntes mais críticas, como Arrighi(2003), consideram o sistema multilateral organizado sob a orienta-ção do GATT como sendo “o principal instrumento de formação domercado mundial sob a hegemonia norte-americana” (ARRIGHI,2003, p. 72), deixando nas mãos dos Estados, fundamentalmente dosEUA, o controle sobre o ritmo e a direção do processo de liberaliza-

    ção comercial multilateral. Nesse ponto, a hegemonia dos EUA sedistanciaria daquela da Grã-Bretanha do século XIX, tendo em vistaque a última aplicava um regime de livre-comércio unilateral, en-quanto os EUA fariam uso do livre-comércio ideologizado comoestratégia de negociação intergovernamental, a fim de expandir asoportunidades de inserção mundial para empresas e produtos norte-americanos. Destarte, observou-se, no âmbito multilateral, um graude liberalização muito mais amplo sob a hegemonia dos EUA do que

    sob a britânica.

    Desconsiderando-se, no momento, a relevância, ou não, e a validade,ou não, dos argumentos mais críticos acerca da caracterização doSMC, fato é que os princípios norteadores do mesmo (não-dis-criminação e reciprocidade) têm suas origens mais próximas naque-les que permearam os acordos bilaterais de comércio realizados pe-los EUA a partir da Lei dos Acordos Recíprocos de Comércio

    (LARC), de 1934. Tal lei teve por finalidade o estímulo às exporta-ções por meio da quebra de barreiras comerciais – ajudando, assim,nocombateàrecessãoiniciadaem1929–eaosentravesprotecionis-

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    tas levantados por leis como a Lei de Tarifas Smoot-Hawley, de1930. Por intermédio da LARC, o Congresso permitiu ao Executivonorte-americano a realização de acordos comerciais em bases de re-ciprocidade que reduzissem as tarifas aduaneiras dos EUA até o li-mite de 50%, relativamente àquelas vigentes no período. Ademais,tais acordos continham em si a idéia de não-discriminação, represen-tadapelaCláusuladaNaçãoMaisFavorecida(NMF),naqualascon-cessões feitas bilateralmente eram, de forma automática, estendidas

    aos demais parceiros comercias do país.4

    NoGATT,emseuartigoI,estáaCláusuladaNaçãoMaisFavorecida(NMF), na qual a idéia da não-discriminação é ratificada, ficandotambém garantida a multilateralização do processo negociador.5 ACláusula da Reciprocidade é vista como estímulo importante para asnegociações, uma vez que os países tendem a não realizar movimen-tos unilaterais deliberalização comercial,mas sim a fazer uso deumaconcepção mercantilista do comércio para a condução do processonegociador da abertura comercial. Além disso, a proibição de restri-ções quantitativas e o princípio do   tratamento nacional, no qual osprodutos importados devem tero mesmo tratamento que seus simila-res nacionais, apresentam-se como princípios complementares desuporte do SMC.

    Desde o início, com o processo de entrada do Benelux e, posterior-mente, quando da criação da Comunidade Européia em 1957, o prin-cípio da NMF foi “desrespeitado”.Porém, tais acontecimentosocor-reram dentro da legalidade presente na cláusula de escape do artigoXXIV, que trata da criação de zonas de livre-comércio e uniões adua-neiras, como já apresentado no presente trabalho. Assim, práticasque iam de encontro aos pilares fundamentais gattianos se tornaramaceitáveis segundo parâmetros específicos. No artigo XII, porexem-

    plo, os países podem fazer uso de medidas temporárias que restrin- jam as importações, quando houver problemas em seus Balanços dePagamentos. No artigo XVIII, condicionado à aprovação pelas de-

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    mais partes contratantes, admite-se o uso de instrumentos de assis-tência governamental para promover o desenvolvimento econômi-co, como no caso de apoio às indústrias nascentes de países em de-senvolvimento. Já no artigo XIX (Cláusula de Salvaguarda), restri-çõesaocomérciopodemserimpostas,segundoregulamento,casoasconcessões negociadas no GATT impliquem aumentos inesperadose danosos à indústria nacional.6

    Observamos, pois, que as condições de excepcionalidade na aplica-ção dos princípios fundadores do GATT foram criadas no sentido deadaptar as normas à realidade das condições econômicas e políticas.Esse aspecto, como bem apresentado por Seitenfus (2005, p. 212),advém do duplo caráter do Acordo Geral enquanto organização res-ponsável pelo trato do comércio entre as nações:

    O GATT deveser consideradocomosendo umaorganização internacional especial na medidaemquepossuiduasfacesdistintas:porumlado,trata-sedeumroldenormasprocedimentaisso-bre as relações comerciais entre os Estados-Partes. Estas atividades são de cunho jurídico,pois dizem respeito à elaboração, prática e con-trole de regras de direito material. Por outro,trata-se de um fórum de negociação comercialonde, através de instrumentos próprios à diplo-macia parlamentar, de natureza comercial, pro-cura-se aproximar posições entre os Estados-Partes. Essa face é de natureza essencialmentepolítica.

    Comoapresentado,aseguir,noQuadro1,apósaprimeiraRodadadenegociações em Genebra, em 1947, na qual foram negociadas 45 milconcessõestarifárias,sobreumvalortotaldecomérciodeUS$10bi-lhões, ocorreu na cidade francesa de Annecy, em 1949, a segunda

    Rodada de negociações do GATT. Nesta última, apenas treze paísesparticiparam e 5 mil concessões tarifárias foram intercambiadas.Entre setembro de 1950 e abril de 1951, 38 países estiveram presen-

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    tes na Rodada Torquay, na qual a “morte” da OIC foi confirmada, e8.700 concessões tarifárias foram negociadas, sendo os direitos adu-aneiros reduzidos em 25% de seu nível nominal de 1948, em média.A quarta Rodada de negociações comerciais multilaterais ocorreuem Genebra, em 1956, envolvendo dessa vez 26 países, que fizeramconcessões tarifárias sobre um valor de comércio de US$ 2,5 bi-lhões.7 Nessa última Rodada, também foi realizada uma “reforma”do SMC, necessária em virtude da não-implementação da OIC, cri-

    ando um protocolo de emenda ao preâmbulo e às partes II e III doGATT.

    Quadro 1 As Rodadas de Negociações Comerciais do GATT 

    Ano Local/(Nome) Assuntos Cobertos Países

    1947 Genebra Tarifas 23

    1949 Annecy Tarifas 13

    1951 Torquay Tarifas 381956 Genebra Tarifas 26

    1960-1961 Genebra / (Rodada Dillon) Tarifas 26

    1964-1967 Genebra / (Rodada Kennedy) Tarifas e medidas antidumping    62

    1973-1979 Genebra / (Rodada Tóquio) Tarifas, medidas não tarifárias

    e acordos jurídicos.

    102

    1986-1994 Genebra / (Rodada Uruguai) Tarifas, medidas não tarifárias,

    normas, serviços, propriedade

    intelectual, têxteis, agricultura,

    solução de controvérsias,

    criação da OMC etc.

    123

    Fonte: OMC (2005a).

    A Rodada Dillon (nome do secretário do Comércio dos EUA de en-tão) teve como principais motivações, segundo Rêgo (1996, p. 7), acriação da Comunidade Econômica Européia (CEE), pelo TratadodeRomade1957,eosimpactosdesuapolíticacomercialcomumso-

    bre as demais partes contratantes do GATT. Com 26 países envolvi-dos, 4.400 concessões tarifárias foram intercambiadas, representan-do um montante de US$ 4,9 bilhões. Vale aqui notar que as negocia-

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    ções no GATT tinham foco primordial, e quase que exclusivo, na re-dução de barreiras tarifárias para produtos industrializados. Tal fatoserá observado até a Rodada Uruguai, quando novos (e antigos, maspendentes) temas, como produtos agrícolas, têxteis e serviços, serãoinseridos na agenda negociadora. Outro ponto digno de nota diz res-peito ao descontentamento com o insucesso relativo do método bila-teralistadenegociaçõesnoGATT,oqual,porcausadoaumentopro-gressivo da complexidade do sistema, acabou por reduzir o ritmo do

    processo de liberalização tarifária, em comparação com aquele ob-servado na primeira Rodada em Genebra.

    Bueno (1994), analisando o papel desempenhado pela diplomaciabrasileira no SMC ao longo de sua evolução, coloca que as negocia-ções no GATT parecem não ter tido prioridade na agenda do Itama-raty. Não obstante a existência de certa retórica multilateralista nasposições da política exterior do Brasil, e sua participação na criaçãodo SMC contemporâneo, grande parte do comércio exterior brasilei-ro da época era regido por acordos bilaterais. Para Bueno (1994, p.75), o comparecimento da delegação brasileira nas rodadas deAnnecy, Torquay e Genebra sem instruções específicas, improvisan-do e, muitas vezes, referindo-se em seus posicionamentos a assuntos

     já tratados, denota o grau de relativo desprezo dado pela diplomaciabrasileira ao SMC, naquele momento. Baumann et al. (2004, p. 176)

    dizem que: “As razões para a adesão do país ao GATT desde o inícioestariam aparentemente relacionadas à percepção de evitar o paga-mentodeumcustofuturomaioremtermosdeaberturacomercial”.

    Após uma ampla reforma tarifária feita em 1957, o Brasil realizoupedidos de derrogações tarifárias no GATT, e foicompelidoa revisarsuascondiçõesdeacesso(naverdadeumanovaadesão)aoSMC.Talrevisãoveioaacontecerpormeiodeumalongaedifícilrenegociação

    dasconcessõessobredireitosaduaneiroscomtodososdemaispaísesque faziam parte do Acordo Geral. Como explicitado por Paulo Ro-berto de Almeida (2004, p. 120):

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    Na ocasião, sendo o Brasil um dos poucos paí-ses em desenvolvimento aderentes ao GATT ese ressentindo dos duros efeitos de um contratoentre “iguais” para parceiros desiguais, setoreseconômicosinternos chegaram inclusivea ques-tionar a utilidade, emtermos práticos decomér-cio exterior, de uma adesão estrita do País aosprincípios do GATT. Essa contestação implica-ria, entretanto, para o Brasil, uma denúncia for-

    mal do Acordo e uma saída do sistema de con-cessões recíprocas do GATT, o que foi julgadoexcessivo na época.

    Cabe aqui ressaltar que, em meados da década de 1950, a partir dequeixas por parte dos países em desenvolvimento de que seus inte-resses não estariam sendo levados em conta no SMC, as partes con-tratantes do GATT estabeleceram um comitê de especialistas para

    realizar um estudo sobre o caso. Fizeram parte do comitê, além doprofessor Haberler, que o presidia (daí o comitê ter ficado conhecidocomo The Haberler Commitee), Meade, Tinbergen e Roberto Cam-pos. O Haberler Commitee Report , de 1958, deixou claro que o pro-blema do fraco dinamismo das exportações dos países em desenvol-vimento estava ligado às políticas comerciais utilizadas pelos paísesmais avançados, impondo barreiras excessivas àqueles produtos emque os países menos desenvolvidos teriam potencial de ganho mais

    significativo, via comércio internacional.

    Em meados da década de 1950, mesmo com algumas reformas quebuscavam dar maior legitimidade ao sistema, o GATT continuava aatender de forma importante, na visãodos países em desenvolvimen-to (inclusive do Brasil), aos interesses e necessidades dos países de-senvolvidos. Era visto, pois, pelos países pobres, como um   richmen’s club.

    Ademais, a queda gradual da participação dos países em desenvolvi-mento nocomércio internacional, nas décadas de 1950e 1960, junta-

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    mente com os trabalhos seminais de Raúl Prebisch acerca do inter-câmbio desigual entre os países, reforçavam a idéia de que os paísesem desenvolvimento vinham sendo prejudicados pela configuraçãodas relações econômicas de então. Prebisch nota, a partir de análisesempíricas, que havia uma tendência à deterioração dos termos de in-tercâmbio das economias periféricas em suas relações com os cen-troseconômicos.Talacontecimentoestarialigadoàdiferençaentreaelasticidade-renda dos produtos primários exportados pelos países

    em desenvolvimento e aquela de suas importações. Além disso, a re-lativa inelasticidade-preço da oferta dos produtos primários aumen-tava as pressões geradoras de desequilíbrios externos nos países daperiferia, dificultando ainda mais seu processo de desenvolvimentoeconômico. Como colocado porPaulo Roberto de Almeida (1999, p.103): “Essa conceitualização rompia com os padrões normalmenteaceitos nas relações econômicas internacionais”.

    Na Rodada Dillon, o Brasilentroucom representação contrária à for-mação da CEE e a seus acordos preferenciais de comércio com áreascoloniais de países europeus, com base nos prejuízos sofridos pelaexportação brasileira de café e cacau para o mercado europeu. A di-plomacia brasileira colocava, então, que a integração econômico-co-mercialeuropéianãopoderiaserfeitaemdetrimentodenaçõescomoo Brasil, que seriam abaladas por uma zona preferencial de comér-

    cio, a qual, ademais, desviaria artificialmente correntes de investi-mentos. Vale notar que se vivia, no período, o auge do nacio-nal-desenvolvimentismo no governo Juscelino Kubitschek (JK), noqual era clara a idéia de que a política externa do país deveria ser em-pregada como importante ferramenta do governo para promover odesenvolvimentonacional. Destarte,por meio daação diplomática, ogoverno empenhou-se no exterior para obter o suporte indispensávelà industrialização.

    Toda essa conjuntura de insatisfação e repulsa à ordem econômi-co-comercial estabelecida resultou, em 1964, na primeira Conferên-

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    cia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (em in-glês, United Nations Conference on Trade and Development(UNCTAD)). A UNCTAD servirá como base para os países em de-senvolvimento em sua tentativa de pressionar por reformas impor-tantes do SMC e pelo estabelecimento de um sistema de preferênci-as,nãorecíproco, beneficiando-os. É válidoobservar que a diploma-cia brasileira teve importância capital durante toda a fase de prepara-ção e constituição da UNCTAD, dando uma contundente colabora-

    ção para o surgimento de uma organização que, pela primeira vez nahistória econômica mundial, tinha seufoco de ação verdadeiramentevoltado para o problema do desenvolvimento.8

    Como primeiro resultado daspressões unctadianas,em1965,duran-te a Rodada Kennedy, inseriu-se a parte IV no GATT. Nessa novaparte do Acordo Geral ficou reconhecida a necessidade de se prover“condições mais favoráveis e aceitáveis” às exportações de produtosprimários dos países em desenvolvimento, além de acesso ampliado,sob condições favorecidas, aos produtos processados e manufatura-dos pelos países de menor desenvolvimento econômico. Vale ressal-tar que, inicialmente, a parte IV indicava a   possibilidade do trata-mento não recíproco, permanecendo, assim, como uma declaraçãode princípios. Tal caráter malformado da não-reciprocidade só seráefetivamente revisado e incorporado ao GATT na Rodada Tóquio,

    pela Cláusula de Habilitação.

    NaRodadaKennedy,queduroude1964a1967,observou-seaconti-nuação do aprofundamento das concessões tarifárias sobre produtosindustrializados, com participação crescente de países. Mais de ses-senta países participaram da sexta Rodada de negociação do GATT,na qual se acordou uma redução de até 50% (tendo sido 35% efe-tivados) nas tarifas aduaneiras aplicadas sobre produtos industria-

    lizados, correspondendo a um volume de comércio de cerca deUS$ 40 bilhões. Ademais, iniciou-se a discussão sobre o problemado dumping, empurrada principalmente por interesses dos países de-

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    mações estão fundamentadas tanto na organização dos países em de-senvolvimento na UNCTAD, dando aos mesmos um papel mais ati-vo na construção da ordem econômico-comercial de então, quantono começo de outras modificações internas, que incluem a amplia-ção progressiva dos temas relacionados ao comércio internacionaltratados pelo GATT, como   antidumping e comércio de produtosagrícolas, que viriam a ser negociados paulatinamente em rodadasposteriores.

     A Rodada Tóquio e a

    Rodada Uruguai

    O neoprotecionismo e as novas

    estratégias negociadoras dos

    Estados Unidos

    A década de 1970 foi marcada por mudanças substanciais na ordemeconômica internacional. O Sistema de Bretton Woods, construídono imediato pós-guerra, apresentava fragilidades que acarretaram oseu fim, ou pelo menos transformações importantes na forma de ge-rênciaglobaldasrelaçõesmonetáriasefinanceirasentreasnações.Ofim do padrão dólar-ouro, em 1971, e o conseqüente fim do câmbiofixo, em 1973, acabaram por trazer à tona novos desafios ao sistema

    internacional, tendo em vista que a configuração monetária que deuao capitalismo mundial condições relativamente estáveis de cresci-mento, entre as décadas de 1950 e 1970, não mais existia.

    Somavam-seaosproblemas de ordem econômico-monetária aquelesligados ao aumento dos preços do petróleo em 1973, em virtude dochoque de oferta da Organização dos Países Exportadores de Petró-leo (OPEP) e de suas conseqüências sobre o ritmo do crescimento

    econômico mundial, bastantepetróleo-intensivo, alémda geração demudanças na configuração do mercado financeiro internacional,cada vez mais inundado por petrodólares. Em 1979, com a Revolu-

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    ção Iraniana, mais uma vez o ouro negro viriaaterseupreçonomer-cado internacional aumentado significativamente, o que acabariapor gerar um quadro recessivo para a economia mundial, com evi-dentes efeitos sobre o comércio internacional.

    Ademais, algumas tendências quanto à distribuição do poder econô-mico nomundo, iniciadas nas décadas anteriores, viriama tomar for-ma mais clara a partir dos anos 1970, modificando substancialmenteo cenário econômico internacional. A ascensãoda economia japone-sa e da Europa Ocidental trariam consigo o início da contestação àhegemoniados EUA noscampos econômico e tecnológico, transfor-mando assim as atitudes e estratégias da política externa norte-ame-ricana, tanto no plano bilateral quanto em negociações multilateraisdoGATT.Noqueconcerneaesteúltimo,anovaconfiguraçãodefor-ças e interesses econômicos no mundo, gerando conseqüentes trans-

    formações no campo comercial, exigia uma atualização do SMCpara atender a essa nova realidade, que se apresentava cada vez maiscomplexa e ambígua.

    Em virtude de tais desdobramentos históricos da economia mundial,a relação entre os EUA e o mundo desenvolvido se modificou. A per-da de competitividade internacional de setores importantes da eco-nomia norte-americana, principalmente em indústrias de alta tecno-logia, e o aumento paulatino dos deficits comerciais dos EUA, a par-tir de meados da década de 1970, fizeram com que esse país deixassedeladoposicionamentosmaispermissivosemrelaçãotantoaoJapãoquanto à Europa Ocidental. Além disso, tornou-se freqüente o uso denovos mecanismos de proteção comercial destinados àquelas indús-trias nacionais com menor competitividade internacional. Tais me-canismos eram fundamentados em barreiras não tarifárias que visa-

    vam à redução quantitativa de importações, tais como restrições vo-luntárias de exportações, antidumping, direitos compensatórios, sal-vaguardas etc.

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    Aflorado esse contexto de   neoprotecionismo, os EUA passarão aadotar novas estratégias de negociação no GATT, podendo-se obser-var tal fato de forma mais visível a partir da Rodada Tóquio. Antes,porém, de nos atermos especificamente às novidades da política co-mercial externa dos norte-americanos no SMC, a partir da década de1970, cabe aquiapresentarmos alguns comentáriosauxiliaressobreaconjuntura comercial internacional e também sobre a política de co-mércio exterior dos EUA.

    Como relatado por Ricupero (2002), a  teoria da estabilidade hege-mônica, paradigma conceitual dominante nasanálises acercada eco-nomia política das relações internacionais, coloca que “a abertura daeconomia global depende criticamente da presença de um país hege-mônicoquepossuitantoosmotivosquantoosmeiosparaestabeleceruma ordem comercial liberal” (RICUPERO, 2002, p. 9). Dessa for-ma, alguns estudiosos afirmam que a perda relativa da hegemoniaeconômicanorte-americanateriafeitocomqueaordemcomercialli-beral do pós-guerra desabasse, estando a prova para tal fato no cres-cente uso de medidas protecionistas por parte dos EUA a partir dosanos 1970.

    Embora possamos considerar correta a idéia de que a perda relativada hegemonia daeconomiados EUA foi importante fator de fomento

    a práticas protecionistas, cabe lembrar que a política de comércio ex-terior de um país não é construída exclusivamente a partir de sua po-sição no cenário internacional.Os condicionamentos e interesses do-mésticos são substancialmente relevantes quando se analisa a posi-ção de uma nação em referência à sua política de comércio exterior,principalmente no caso dos EUA.

    OCongressodosEUAtemasupremaciasobreapolíticadecomércio

    exterior do país.

    9

    Como apresenta Godinho (2005, p. 19-20):Não há um “comandante-em-chefe do comér-cio” previsto na Constituição. A clareza com

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    que ela atribui a função de regulamentar o co-mércio exterior ao Congresso dá a este a prima-zia neste campo. Qualquer iniciativa presiden-cial só pode concretizar-se com o expresso con-sentimento do Poder Legislativo;10 e, além dis-so, este pode tomar a iniciativa.

    Diante de tal configuração de poder e responsabilidades, podemosobservar que no Congresso dos EUA os interesses de grupos econô-

    micos de pressão estão representados, sendo portanto a influência,ou não, de tais grupos no Capitólio um ponto determinante na cons-trução das posições comerciais dos EUA relativamente aos seus par-ceiros, nos mais diversos setores econômicos. Vale ressaltar que adescentralização das decisões de política comercial nos EUA foi degrande valia para a proteção da economia, desde as políticas de defe-sa das indústrias nascentes até a atualidade, quando alguns setores,

    como o agrícola, continuam a ter subsídios e proteção tarifária e nãotarifáriacomobarreirasefetivas,quelhespermitemasobrevivência.

    A história da legislação comercial dos EUA deixa clara a crescenteinfluência dos grupos de interesse na definição da política comercialdo país, desde a Lei de Expansão do Comércio de 1962, passandopela Lei de Comércio de 1974 e pela Lei de Comércio e Tarifa de1984, até a Lei Omnibus de Comércio e Competitividade, de 1988.

    Com o passar do tempo, as demandas protecionistas tornam-se maissofisticadas no sentido de que buscam, por meio de novos mecanis-mos, a criação de instrumentos efetivos para responder às supostaspráticasdesleaisdosparceiroscomerciaisdosEUA.Éjustamentenes-se processo de mudança das posições protecionistas que veremos osnorte-americanos iniciarem o uso de novas estratégias negociadoras.

    Dias (1996) apresenta, de forma sucinta, esse novo comportamento

    da potência econômica do mundo capitalista relativamente às nego-ciações comerciais, indicando a mudança em dois importantes con-ceitos negociadores. A autora coloca que:

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    A partir da Rodada Tóquio (1973-1979), osEstados Unidos começaram a utilizar dois no-vos conceitos negociadores, cujo significadofoi explicitado ao longo dos últimos anos, tor-nando-se, com o tempo, mais evidente a suacontradição com o contexto de liberalização docomércio. Primeiro, a noção de livre comérciofoi substituída pela de comércio “eqüitativo”( fair trade), e a noção de reciprocidade efetiva

    no acesso a mercados, em termos de resultados,substituiu a reciprocidade anterior, associadaà igualdade de oportunidades. (DIAS, 1996,p. 61).

    Esses novos conceitos se afastam de vez da idéia de liberalismo ad-ministrado,qualificaçãodomarcoinstitucionaldocomérciointerna-cional, vislumbrado no GATT pela Cláusula da NMF e da reciproci-dade anterior, aproximando-se assim da idéia de comércio adminis-trado,conceitoligadoaumavisãoemqueosgovernosatuamnoâm-bito internacional no sentido de dividir mercados entre suas empre-sas, de forma mutuamente satisfatória.

    Tais mudanças de posicionamento dos EUA trouxeram consigo umpotencial de conflito de interesses mais significativo dentro doGATT. Como aborda Abreu (1998, p. 6):

    Na Rodada Tóquio (1973-1979) pela primeiravez houve um conflito evidente entre os maisadiantadospaíses em desenvolvimento, como oBrasil, e os Estados Unidos, na busca de reci-procidade em termos de concessões concretas.

    Assim, o cenário internacional no qual a Rodada Tóquio acontece ébastante distinto daqueles nos quais as rodadas anteriores foram ne-gociadas. Além dasmodificações estruturais ocorridas nomundo de-

    senvolvido, que acabaram, em conjuntocomoutros fatores, por levaros EUA a realizar mudanças importantes em sua estratégia de políti-ca comercial, os anos 1970 assistiram ao ponto alto da tendência re-

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    formadora da agenda econômica internacional, por parte dos paísesem desenvolvimento.

    Esse novo contexto participativo dos países da periferia do sistemainternacional pôde ser vislumbrado na aprovação sucessiva, nas as-sembléias da ONU ou de seus órgãos subsidiários (Conselho Econô-mico e Social das Nações Unidas (em inglês, Economic and SocialCouncil (Ecosoc)) e UNCTAD), de resoluções ou declarações sobre

    a Nova Ordem Econômica Internacional, ordem essa que teria comoobjetivoprimordialdarmaisvezevozaospaísesemdesenvolvimen-to, trazendo a questão do desenvolvimento econômico e da eqüidadedo poder mundial para o centro das discussões.11 Os países em de-senvolvimento continuavam, pois, sua ofensiva pelo estabelecimen-to de regras diferenciais e tratamento mais favorável, ao passo que ospaíses desenvolvidos eram convidados a estender cada vez mais con-cessões unilaterais e sem caráter de reciprocidade em benefício dosprimeiros.

    O Sistema Generalizado de Preferências (SGP), criado na IIUNCTAD,em 1968, que traduziaa derrogação, na prática, do princí-pio da reciprocidade do SMC, foi autorizado pelo GATT em 1971.Os países em desenvolvimento tentaram, na Rodada Tóquio, institu-cionalizar de forma permanente o SGP no GATT.

    Porintermédioda Enabling Clause (CláusuladeHabilitação),adota-da ao fim da Rodada Tóquio, o princípio da não-reciprocidade tomaforma explícita e efetiva. Desse modo, a declaração de princípios re-lativa à parte IV do Acordo Geral, introduzida na Rodada Kennedy,passaafazerpartedoquadrolegaldoGATTcomoummecanismodetratamento especial aos países em desenvolvimento. A Cláusula deHabilitação deixa claro que:

    Os países desenvolvidos não esperam que ospaíses em desenvolvimento aportem, no cursodas negociações comerciais, contribuições in-

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    compatíveis com as necessidades de desenvol-vimento, das finanças ou do comércio de cadaumdos países. Aspartes contratantesdesenvol-vidas não procurarão alcançar, e as partes con-tratantes menos desenvolvidas não serão obri-gadas a acordar, concessões incompatíveis comas necessidades de desenvolvimento, de finan-ças e de comércio destas últimas. (CLÁUSU-LA DE HABILITAÇÃO, parágrafo 5 apud

    ALMEIDA, 2004, p. 123).

    Embora os países em desenvolvimento tenham trabalhado com em-penho para a instituição do SGP em bases permanentes, suas deman-das não foram atendidas. O SGP foi, sim, aprovado, porém em basetemporária, sujeito à graduação. Sobre esse aspecto, Paulo Robertode Almeida (2004, p. 119) coloca que no SMC:

    Na prática, aceita-se uma série de derrogaçõesaoprincípiodaNMF,semqueissosetraduzanaletra da lei, esperando os países desenvolvidosum “retorno gradual” das partes menos desen-volvidas ao sistema jurídico consolidado (gra-duação), isto é, a aplicação da igualdade de di-reitos e obrigações que está na base do AcordoGeral de 1947.

    Mais de cem países participaram das negociações da Rodada Tó-quio, que levaram a uma redução da tarifa média sobre produtos ma-nufaturados em cerca de 30%, representando um comércio global deUS$ 300 bilhões.12 Ademais, houve a elaboração de códigos regula-dores com respeito a algumas barreiras não tarifárias, como comprasgovernamentais, subsídios e direitos compensatórios, antidumping,valoração aduaneira etc. Tais códigos eram assinados somente poraqueles países que tivessem interesse em fechar acordos em áreas es-

    pecíficas cobertas pelos códigos, sendo, pois, de participação volun-tária, o que os colocava fora da estrutura formal do GATT. Um pontointeressante a ser abordado é que cada um desses códigos trazia con-

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    sigo regras para a resolução de controvérsias relativas aos temas deque tratavam. Assim, a resolução dessas disputas poderia não estarentre as atribuições do sistema de controvérsias do GATT, sistemaesse que foi revisado, com a aprovação de novas regras de solução,na Rodada Tóquio, mas permaneciam sem um aparato de enforce-ment  poderoso e eficaz.

    Provavelmente o fruto mais importante gerado na Rodada foia refor-

    ma do GATT, com a incorporação efetiva de um tratamento diferen-cial e mais favorável para países em desenvolvimento, por meio da

     Enabling Clause (Cláusula de Habilitação). Entretanto, mesmo coma criação do tratamento diferenciado, os “países periféricos” não vi-ram suas demandas totalmente atendidas, tendo em vista que não seconseguiu chegar a um resultado nas negociações na área agrícola etambém na questão de salvaguardas durante a Rodada. Ademais, ospaíses desenvolvidos ficaram frustrados com o pequeno número depaíses em desenvolvimento que subscreveram os códigos.

    Os resultados efetivos da Rodada Tóquio em relação às barreiras nãotarifárias foram pouco significativos. Segundo Rêgo (1996), o suces-so apenas relativo de tais negociações em relação a questões não tari-fárias se deveu a dois fatores, quais sejam: “o sucesso das negocia-ções quanto à redução das tarifas para níveis baixos e as recessões

    econômicas dos anos 70 e início dos anos 80 (desencadeadas, emparte, pelos dois choques de petróleo)” (RÊGO, 1996, p. 8). Tais fa-tores fomentaram a criação, nos países desenvolvidos, como já foiaqui abordado, de novas formas de proteção para os setores mais sig-nificativamente prejudicados pela competição internacional.

    Ao final da Rodada Tóquio, os descontentamentos, tanto dos paísesem desenvolvimento quanto daqueles desenvolvidos, foram inseri-

    dos em um programa de trabalho que viria a ser lançado na reuniãoministerial do GATT, em Genebra, em 1982. Já nessa reunião minis-terialosEUA tentaramo lançamentodeuma nova Rodadadenegoci-

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    ações multilaterais que englobasse novos temas ligados à harmoni-zação de políticas públicas em âmbito global. Contudo, a resistênciados países em desenvolvimento, com o apoio da Comunidade Euro-péia, falou mais alto naquele momento. Na ocasião, a diplomaciaeconômica brasileira desempenhou papel importante enquanto lide-rança dos países em desenvolvimento, conjuntamente com a Índia,opondo-se firmemente à inclusão de novos temas, como serviços, naagenda negociadora do GATT. Os países em desenvolvimento viam

    comofundamentalaresoluçãodequestõespendentesemumprimei-ro momento, para depois pensar na inclusão de novas demandas e nolançamento de uma nova Rodada multilateral de negociações. Comocoloca Feliciano de Sá Guimarães (2005, p. 105):

    Noiníciodadécadade80aposiçãodoG5(Bra-sil, Índia, Argentina, Iugoslávia e Egito) noGATT, antes de apoiar o lançamento de uma

    nova Rodada, eraa de solucionar algumas lacu-nas dos acordos firmados na Rodada anterior.Os temas defendidos em 1982 eram: assegurara implementação dos códigos da Rodada Tó-quio antes do lançamento de uma nova; não ini-ciar outra Rodada sem antes resolver satisfato-riamentevelhasquestões(agriculturaetêxteis);obter dos países desenvolvidos a garantia deque os mesmos não aumentariam as tarifas nocurso da negociação (standstill); alcançar aabolição de todas as práticas comerciais quefossem contra as regras do GATT antes do lan-çamento da Rodada (rollback ),enãodiscutirosnovos temas enquanto os antigos não fossemresolvidos.

    A importância dos novos temas para os EUA deriva de fatores atrela-dos tanto à ordem política internacional quanto às questões relacio-

    nadas a problemas econômicos internos. A apreciação do dólar du-rante a década de 1980 fez com que diversos setores da economianorte-americana ficassem expostos a maior concorrência com pro-

    A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

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    dutos importados. Tal fato acabou por ter efeitos importantes nascontas externas dos EUA. O  deficit  comercial do país iniciou umatrajetória de rápida deterioração, chegando em 1987 a superar US$150 bilhões,umrecorde na época. Enquanto isso, o Japão e a Alema-nha seguiam apresentando os maiores   superavits  comerciais domundo.

    No que diz respeito à política internacional, a Guerra Fria entrava no

    ocaso na década de 1980, com a URSS iniciando suas reformas, tan-to no plano político quanto no econômico. Essa conjuntura permi-tiu aos EUA colocar seus interesses puramente econômicos acimadaqueles relacionados à geopolítica, dando espaço para a grande po-tência capitalista usar, de forma mais aberta e tranqüila, o seu market 

     power  como elemento de pressão, de ameaça e de possíveis retalia-ções contra seus parceiros comerciais na busca de mercados parasuas empresas.

    É justamente a partir dos anos 1980 que os EUA irão, a exemplo doque já vinha fazendo a Comunidade Européia, iniciar a negociaçãode acordos bilaterais de comércio, como o primeiro acordo com Isra-el, em 1985. Por meio desses acordos, os EUA esperavam conseguirnegociar de forma mais benéfica para seus interesses pontos contro-versos que, em uma negociação multilateral, seriam aprovados com

    maior dificuldade. O jogo comercial bilateral, tête-à-tête, colocava amaior potência econômica do mundo em clara vantagem negociado-ra.13

    As mudanças na estratégia dos EUA perante o GATT, juntamentecom a crescente bilateralização das negociações comerciais comseus parceiros, levam à criação de um ambiente paradoxal no SMC.Os países em desenvolvimento vêem-se na necessidade de defender

    o multilateralismo comercial, sem, contudo, possuírem poder políti-co suficiente para dar legitimidade ao sistema. Com o Brasil não foidiferente. Ocorre, assim,uma mudançano posicionamento do Brasil

    Ivan Tiago Machado Oliveira

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    relativamente ao SMC. O país passa a atuar de forma mais efetiva nadefesa do SMC e seus princípios legais, deixando de lado antigas po-sições defensivas em relação aos acordos multilaterais. A seguintefrase de Lacordaire resume bem a atuação da diplomacia brasileirana defesa do multilateralismo comercial: “Entre o forte e o fraco, en-treoricoeopobre,entreomestreeoservo,éaliberdadequeoprimeealeiqueliberta”.OBrasiltinha,pois,nadefesadoSMCfundamen-tadanodireito,apossibilidadederestriçãodoexercíciodopoderedaarbitrariedadepelaspotênciasmundiais,especialmentepelosEUA.

    Como apresentado anteriormente, quando se falou da teoria da esta-bilidade hegemônica,osEUAsótiveramcapacidadedefazeropapeldo  hegemon na cena internacional nas primeiras décadas do pós-guerra. A partir dos anos 1970 e, principalmente, nos anos 1980, osEUA passaram a apresentar estratégias de negociação nas quais bus-

    cavam de forma mercantilista mercados para seus produtos e prote-ção para suas indústrias menos competitivas. Nesse contexto, ini-cia-se no SMC uma verdadeira caça aos free riders (caroneiros). Oscaroneiros eram, fundamentalmente, os países em desenvolvimentoque participavam do SMC defensivamente, e tiravam proveito da li-beralização multilateral acertada entre os países desenvolvidos. Naoitava Rodada de negociações do GATT, a caça aos free riders serádefinitiva, e os países em desenvolvimento terão de se comprometercoma aberturagradual de suas economias ao comércio internacionalem diversos setores.14

    Para Baumann et al. (2004), a postura de free rider  do Brasil nas ne-gociações comerciais acabou por gerar três conseqüências mais im-portantes, quaissejam: 1) ampliação do acesso aosprincipais merca-dos; 2) geração de crescente desconfiança por parte dos parceiros co-

    merciais; e 3) enorme postergação da tomada de consciência, porparte dos agentes econômicos nacionais, da importância das negoci-ações multilaterais (BAUMANN et al., 2004, p. 176).

    A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

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    Esse complexo quadro de interesses, pressões e mudanças estratégi-cas entre osmais diversos países domundo capitalista se fez presente

    nos trabalhos preparatórios ao lançamento de mais uma Rodada de

    negociações do GATT. Vale acrescentar que, na década de 1980, ob-

    servamos uma crise do sistema financeiro internacional que acabou

    por assolar, primeiramente, o México, em 1982 e, posteriormente,

    outros países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, em 1987. Os

    EUA fizeram uso dessa fragilidade e vulnerabilidade das economiasem desenvolvimentopara exercer pressõesno sentido de levar adian-

    te o lançamento de uma nova Rodada no GATT, na qual novos temas

    seriam inseridos.15

    O consenso necessário para o lançamento de uma nova Rodada

    de negociações no GATT só foi alcançado na reunião ministerial de

    Punta del Este, no Uruguai, em setembro de 1986.16 Ficou acordado,

    então, que tanto temas pendentes (como agricultura, têxteis, subsí-

    dios) quanto novos temas (como serviços, propriedade intelectual,

    investimentos) seriam negociados. Contudo, as negociações de bens

    e serviços seriam realizadas de forma separada, atendendo a deman-

    das do G-10 e de alguns outros países em desenvolvimento. Um

    fato importante que vem a acontecer na Rodada Uruguai é a idéia do

    single undertaking nas negociações do comércio de bens, na qual o

    país ou aceitaria todos os dispositivos negociados ou nada. Esse as-pecto traz uma diferença substancial da Rodada Uruguai em relação

    às rodadas anteriores, tendo em vista que nelas era possível que um

    país aceitasse determinados acordos em certas áreas e refutasse ou-

    tros que não lhe parecessem benéficos.17 Destarte, o mandato nego-

    ciador da Rodada Uruguai comprometia-se a realizar a mais ampla e

    complexanegociaçãomultilateraldahistória.Aprevisãoinicialeraa

    de que a Rodada duraria quatro anos, porém a complexidade das ne-gociações fez com que os trabalhos da Rodada durassem pratica-

    mente o dobro.

    Ivan Tiago Machado Oliveira

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    Um importante fato, que viria a influir de forma significativa nos ru-mos da Rodada Uruguai, acontece em 1988 nos EUA. O presidenteReagan assina o  Omnibus Trade and Competitiveness Act, que dáao Executivo o poder de negociar a Rodada Uruguai sob os auspí-cios do fast-track  e, ao mesmo tempo, reforça o uso da seção 301.18

    Sobre esta última lei e as mudanças dela decorrentes, Godinho(2005, p. 24) traça comentários esclarecedores:

    Esta lei reforçou os poderes do USTR [UnitedStates TradeRepresentative; em português,Re-presentante Comercial dos Estados Unidos] aotransferir, do presidente para este órgão, o po-der de aplicar sanções de retaliação aos paísesque incorressemem “práticas comerciais injus-tas”.Ainda que a lei faculteaopresidente aboliras sanções por razões econômicas ou de segu-rança, o fato é que ela torna as sanções muito

    mais comuns, já que o presidente teria de arcarcom o custo político de cancelar uma sanção jáaprovada pelo USTR e provavelmente defendi-da por interesses privados. A outramudança foia famigerada “Seção Super 301”, criada porcausa da preocupação com os excessivos défi-cits comerciais. A medida ordenava ao USTRelaborar, em prazo de tempo estipulado, umalista de países que ofereciam barreiras injustas

    aos produtos norte-americanos e cuja remoçãoera “prioritária” para os interesses comerciaisdos EUA. Com base nesta lista, a Super 301 or-denava então que se procedesse a negociaçõesbilaterais com os países citados para remover asbarreiras; ou, caso a tentativa não fosse bem su-cedida, que se considerasse a aplicação de san-ções às exportações daquele país para os Esta-dos Unidos.

    A “Super Seção 301” trouxe consigo uma importante novidade. Seufoco, diferentemente das tradicionais medidas antidumping, não es-

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    tava nas exportações dos países para os EUA, mas, sim, nas barreirasexistentes contra os produtos exportados pelos EUA para o mundo,fundamentalmente para o Japão, que vinha acumulando grandes  su-

     peravits comerciais e ganhando terreno no comércio mundial.19

    A Rodada Uruguai seguiu, pois, em um contexto em que a principalpotência econômica mundial indicava que faria claramente uso deseu“estoque de poder” para levar adiante seus interesses no processo

    negociador multilateral. Em dezembro de 1988, na reunião ministe-rial de Montreal, acordos preliminares foram alcançados em produ-tos tropicais, têxteis,propriedade intelectual, salvaguardas, melhoriano mecanismo de solução de controvérsias, além de um acordo-basenaáreadeserviços.Noentanto,oimpassenaáreaagrícola,queseco-locou como tema mais complexo desde o início das negociações,continuou.20

    As negociações agrícolas, emborao Grupo de Cairns21 tenha tentadoparticipar de forma ativa, tomaram forma de discussão bilateral, en-treosEUAeaComunidadeEuropéia,sobreoprocessodeliberaliza-ção do comércio desse setor e a redução dos subsídios internos. OsEUA mantiveram uma posição mais agressiva em relação a essetema, tendo em mente a possibilidade de aumentar suas exportaçõesagrícolasparaovelhocontinente,enquantoaEuropadefendiafirme-

    memente sua política de proteção e subsídios. A Europa comunitáriabarganhava, pois, com os EUA, o acesso a mercados em troca docompromisso americanode não questionar sua Política Agrícola Co-mum (PAC) no GATT.

    Somente em 1992 a agricultura propiciou o encaminhamento da Ro-dada Uruguai. Os EUA e a Comunidade Européia estabeleceram o

     Blair House Accord , no qual existia a Cláusula da Paz, em que se de-

    terminava a inclusão das disciplinas agrícolas até então negociadaspelas grandes potências, ficando as demais  partes contratantes doGATT impedidas de mover qualquer ação acercade eventuais distor-

    Ivan Tiago Machado Oliveira

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    çõesdocomércio agrícola nosistema desolução de controvérsias até2003. Destarte, as demandas do Grupo de Cairns relacionadas à di-minuiçãosubstancial dossubsídios,preços administrados e aumentodas importações não foram consideradas.

    Depoisdeidasevindas,asnegociaçõesdaRodadaUruguaiforamfi-nalmente concluídas em dezembro de 1993, em Genebra. Permane-ceram, contudo, em aberto, algumas questões mais controversas,

    para as quais não se conseguiu “consenso” para fechar as negocia-ções dentro da Rodada, como aquelas relativas ao comércio de pro-dutos audiovisuais, à abertura do setor financeiro, a cláusulas sociaise ambientais, tendo as partes contratantes assumido o compromissode continuar as discussões a respeito nos anos seguintes.

    Em abril de 1994, os representantes das   partes contratantes doGATT assinam a Ata Final da Rodada Uruguai, em Marraqueche.Provavelmente, a principal novidade trazida pela Ata foi a criação,em bases concretas, da Organização Mundial do Comércio (OMC),primeirainstituição,defato,responsávelpelotratodasquestõesrela-tivas ao comércio internacional. Fechava-se, assim, uma lacuna nun-ca muito bem preenchida na ordem internacional do pós-guerra,quando a OIC não entrou em funcionamento.22 Sobre os resultadosfinais da Rodada Uruguai, Lampreia (1995, p. 247) coloca:

    O conjunto de textos de instrumentos legais ne-gociados desde o lançamento da Rodada, emsetembro de 1986, apresenta-se na Ata Finalsob a forma de anexos ao Acordo que cria aOrganização Mundial de Comércio (WTO),que não fora prevista em Punta del Este, mascuja constituição foi julgada necessária parafins de abrigar, dentro de uma única moldurainstitucional: o Acordo Geral sobre Tarifas eComércio, tal como modificado pela RodadaUruguai (GATT); todos os acordos e arranjosconcluídos desde 1947 sob os auspícios do

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    mesmo GATT;e os resultados completosda re-cém-concluída Rodada.

    De forma resumida, os principais resultados da última Rodada de ne-

    gociações do velho GATT foram os seguintes:23 1) acordou-se umcorte médio nas tarifas internacionais, de 37%; 2) no que concerneaos produtos industrializados, os países desenvolvidos concordaram

    em reduzir em 49% suas tarifas (de 6,3% para 3,8%, em média); 3) o

    tema agrícola foi finalmente inserido noSMC, sendo o Acordo sobreAgricultura (no qual normas e compromissos concernentes ao aces-so a mercados, ajuda interna e subsídios às exportações foram esta-

    belecidos) um importante marco para as negociações agrícolas naOMC. Além disso, foi acordada a  tarificação de todas as barreirasnão tarifárias sobre mais de 30% da produção agrícola, devendo oscortes sobre as tarifas resultantes ser de 36%, para os países desen-

    volvidos, e de 24%, para aqueles em desenvolvimento, em um perío-do de seis e dez anos, respectivamente, a partir de 1995; 4) o setor detêxteis também foi incorporado ao SMC, devendo o Acordo Multifi-

    bras ser eliminado em dez anos, até 2005;24 5) ocorreu uma amplia-ção das linhas alfandegárias consolidadas no SMC, de 78% para99%, no caso dos países desenvolvidos, e de 21% para 73%, relativa-mente aos países em desenvolvimento;25 6) o setor de serviços tam-

    bém foi inserido no sistema, sendo acordado um código de regula-

    mentação para o setor, o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços(eminglês, General Agreementon Trade in Services (GATS)); 7) ne-

    gociou-se também o Acordo sobre os Direitos de Propriedade Inte-lectual Relacionados com o Comércio (em inglês, Trade RelatedIntellectual Property Rights (TRIPS)); 8) houve um aprimoramentodos mecanismosde defesa comercial, por meiodo Acordosobre Sal-

    vaguardas e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias;

    e,finalmente,9)criou-seumnovosistemadesoluçãodecontrovérsi-as comerciais, essencial como mecanismo efetivo de enforcement da

    OMC.

    Ivan Tiago Machado Oliveira

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    QuasecinqüentaanosdepoisdatentativadecriaçãodanatimortaOIC,o mundo comercial construía asbases,pelavia multilateral, paraa edi-ficação de uma “nova” ordem comercial internacional, fundamentadano direito e com mecanismos que davam caráter impositivo às deci-sõestomadasmultilateralmente.Emborasejapossívelquesefaçaumarelativização do poderefetivoda OMC enquanto marco jurídico inter-nacional, é ululante a importância do papel que tal instituição veio adesempenhar, desde a sua criação, em um cenário internacional mar-

    cado pelo incremento substancial das trocas comerciais.

    Da Criação da OMC à

    Rodada do

    Desenvolvimento

    Antes de realizarmos uma análise das modificações ocorridas noSMC com a entrada em cena da OMC, assim como de sua trajetóriadurante a última década do século XX, é interessante que façamosuma avaliação honesta, ainda que relativamente rápida e superficial,dosimpactosqueoprocessodeliberalizaçãocomercialpelaviamul-tilateral ajudou a gerar sobre os fluxos mundiais de comércio, auxi-liando, desse modo, o crescimento da economia mundial.

    O Gráfico 1 nos traz uma clara amostra da trajetória de crescimentodo comércio e produção mundiais de bens. Tomando o ano de 1950como ano-base, observaremos que o crescimento do volume das ex-portações mundiais de bens tenderá a manter um crescimento maiordo que aquele ocorrido no volume da produção mundial de bens. Taldiferença entre o crescimento do comércio e a produção mundial co-meçou a se tornar mais evidente nas décadas de 1970 e 1980. Contu-

    do, é a partir da década de 1990 que a diferença entre o crescimentoobservado no comércio de bens e aquele da produção dos mesmosserá alargada de forma significativa.

    A Ordem Econômico-Comercial Internacional:

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    Acreditamos que um conjunto de fatores complementares deva serlevado em conta quando da análise das estatísticas acima apresenta-das, entre eleso papel desempenhadopeloGATTna retiradados gra-vames ao comércio internacional. Evidentemente as políticas de re-cuperação econômica do pós-guerra, de cunho fundamentalmentekeynesiano, tiveram importante impacto na geração de renda e co-mércio no mundo. Entretanto, vale a pena lembrar que a queda pro-

    gressiva das barreiras aos produtos industrializados, negociada mul-tilateralmente,acabou ampliando as áreas de contato econômico-co-mercial entre as nações do mundo, principalmente entre a Europa eos EUA, em um primeiro momento.26

    Ademais, especialmente na década de 1990, quando os efeitos daRodada Uruguai começam a ser sentidos, as iniciativas  minilatera-listas (tanto bilaterais quanto regionais) de realização de acordos vi-

    sando à liberalização do comércio internacional, seguidas por diver-sos países (dentre eles os EUA), vieram a auxiliar no rigoroso incre-mento das trocas internacionais. O que o Gráfico 1 deixa claro é que

    Ivan Tiago Machado Oliveira

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    (1950-2004) / 1950=100

    -300

    200

    700

    1200

    1700

    2200

    2700

            1        9        5        0

            1        9        5        3

            1        9        5        6

            1        9        5        9

            1        9        6        2

            1        9        6        5

            1        9        6        8

            1        9        7        1

            1        9        7        4

            1        9        7        7

            1        9        8        0

            1        9        8        3

            1        9        8        6

            1        9        8        9

            1        9        9        2

            1        9        9        5

            1        9        9        8

            2        0        0        1

            2        0        0        4

    Crescimento da exportação mundial de bens (1950=100)

    Crescimento da produção mundial de bens (1950=100)

    Gráfico 1Crescimento do Volume da Produção e Exportação Mundiais de Bens

    (1950-2004)/1950 = 100

    Fonte: OMC (2005b).

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    uma parte cada vez mais significativa do produto mundial passou aser gerado pelas exportações, denotando com evidência o aumentoda interdependência econômico-comercial no mundo.

    Falando de regionalismo, é importante relembrar que tais acordosminilateralistas sempre foram identificados como sendo um desafioao SMC. Para uns, o regionalismo poderia vir a ferir a tendência glo-balizante do capitalismo, observada de forma mais clara no momen-

    to atual, e a descaracterizar o processo multilateral de liberalizaçãocomercial. Para outros, o regionalismo é visto como auxiliar no pro-cesso de abertura comercial no mundo. De toda forma, como ressaltaPaulo Roberto de Almeida (2005, p. 3), é fato que:

    A construçãonormativa do sistemamultilateraldecomércio registrou, de certomodo, uma evo-lução paradoxal. De um lado, houve o reforço

    dos princípios tradicionais de nação mais favo-recida, de tratamento nacional, de reciprocida-de, de transparência e de igualdade de direitos ede obrigações, este último temperado parcial-mente pelo tratamento diferencial e mais favo-rável para as partes contratantes menos desen-volvidas. De outro, ocorreu o aprofundamentoe a disseminação dosesquemas minilateralistase dos arranjos geograficamente restritos, ofen-

    dendo a primeira dessas cláusulas, a de NMF.

    Éclaroqueoregionalismonãoé,fundamentalmente,ummovimentoatual.OpróprioBenelux,criadoem1947,eaComunidadeEuropéia,em 1957, além de diversos mecanismos de integração regional cria-dos por países em desenvolvimento na década de 1960, atestam talfato. Contudo, a última década do século passado será marcada pelaexpansão gigantesca desse tipo de acordo comercial entre nações.

    SegundodadosdaOMC,apresentadosporOatley(2003,p.22),exis-tiam em vigor, em 2001, aproximadamente 134 acordos regionais decomércio. Desse total, noventa foram assinados entre os anos 1991 e

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    2001.27 Assim, como conclui Paulo Roberto de Almeida (2005) aofalar dos acordos regionais de comércio disseminados por toda aAmérica (a exemplo do North American Free Trade Agreement(NAFTA)), do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações (CAN)etc.):

    Esses exemplos americanos, ao lado da estra-tégia assistencialista desenvolvida pela UE[União Européia] em direção da clientela peri-féricados países de menor desenvolvimento re-lativo – os PMDRs, do chamado grupo ACP[países da África, Caribe e Pacífico] –, configu-ram, portanto, a confirmação cabal de que omultilateralismo atual tem de conviver com umregionalismo disforme, oportunista e basica-mente disfuncional em relação aos princípiosdo sistema econômico multilateral definido noimediato pós-Segunda Guerra. Provavelmente

    ele terá de enfrentar uma longa travessia do de-serto antes de reencontrar terreno mais favorá-vel para seu florescimento e expansão.(ALMEIDA, 2005, p. 12).

    É nesse contexto que entra em atividade, em 1995, a OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC), institucionalizando a regulação co-mercial mundial. A OMC tem como princípios basilares aqueles

    mesmos que davam suporte ao “velho” SMC, sob os auspícios doGATT 47, quais sejam: não-discriminação (Cláusula da NMF), reci-procidadee tratamento nacional.Alémdisso,oquadrolegalquesus-tenta o SGP foi mantido no “novo” sistema.

    Entre as funções capitais da OMC está a de ser o organismo adminis-trador, tanto de acordos multilaterais, como o GATT 94, GATS,TRIPS, quanto dos plurilaterais, relacionados ao comércio de aero-

    naves civis, compras governamentais, comércio e produtos lácteos ede carne bovina. Ademais, a Organização serve como um fórum per-manente para negociações multilaterais internacionais e também

    Ivan Tiago Machado Oliveira

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    como organismo imbuído de capacidade jurídica para a resolução dedesavenças comerciais entre seus membros, por meio do Órgão deSolução de Controvérsias. É justamente o maior poder efetivo, fun-damentado no Direito Internacional,do sistema de resolução de con-flitos existente na OMC que se coloca como ponto fundamental dedistinção, relativamente ao “velho” sistema GATT.28 Tal aspectotrazconsigo a conformação deumsistema caracterizado por ser maisrule-oriented (orientado por regras), dando maior efetividade e legi-

    timidade ao SMC.

    No entanto, vale frisar que, mesmo com um sistema de solução decontrovérsias mais eficaz e poderoso, por vezes será observado queprincipalmente as grandes potências terão algum espaço, ainda que“ilegal”, para o uso de seus “estoques de poder” no descumprimentode compromissos assumidos multilateralmente, o que denota a com-

    plexidade da interação entre as nações, quando tentam construir re-gras gerais e objetivas para gerir suas trocas materiais. Sobre essefato, Lima (2004, p. 36) coloca:

    Os países não se desfazem da sua autonomiavoluntariamenteeasregrasquecompõemosis-tema raramente são auto-executáveis. Em vezde criar uma lei para controlar o comportamen-to dos Estados, as instituições internacionais

    servem para estabelecer expectativas a respeitodo comportamento de outras nações.

    A OMC tem, no topo da estrutura funcional, a Conferência Ministe-rial, na qual os representantes de todos os seus membros se reúnempelo menos uma vez a cada dois anos, podendo deliberar sobre qual-quer assunto relacionado aos acordos multilaterais de comércio. Nointervalodas reuniões ministeriais, os trabalhos da OMC sãorealiza-

    dos por diversos órgãos, sendo o principal deles o ConselhoGeral, aoqual estão subordinados o Conselho para Comércio de Mercadorias,o Conselho para Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados

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    com o Comércio e o Conselho para Comércio de Serviços.29 Aos di-versos conselhosque estão subordinados ao Conselho Geral, por suavez, ficam subordinados numerosos outros grupos de trabalho e co-mitês. Ademais, existem outros quatro comitês responsáveis por as-suntos relacionados com as temáticas: comércio e meio ambiente,comércioe desenvolvimento, restrições debalanço de pagamentos,eadministração e orçamento da OMC.

    Na primeira reunião ministerial da OMC, realizada em Cingapuraem 1996, foram iniciadas negociações sobre novos temas dentro daagenda da Organização, como comércio e investimento, comércio ecompetição, transparência nascompras governamentais e facilitaçãode comércio, seguindo o que fora acordado ao fim da Rodada Uru-guai. Já na reunião de Cingapura, por iniciativa liderada pela UE, foipropostoo lançamento de uma nova Rodada de negociações multila-terais, que tivesse como foco os temas acima referidos. Entretanto, aoposição consistente de diversos países em desenvolvimento, entreeles o Brasil, fez com que tal proposta fosse adiada. Ademais, os paí-sesem desenvolvimento levaram a cabo um conjuntode proposiçõesque visava tentar resolver os muitos problemas que ainda persistiamrelativamente à implementação do acordado na Rodada Uruguai,principalmentenaquelessetoresquemaislheserambenéficos,comoo agrícola e o têxtil.30

    Reunidos em Seattle, nos EUA, em 1999, os ministros dos paí-ses-membros da OMC tentaram pavimentar o caminho para o lança-mento da então chamada Rodada do Milênio. Contudo, por fatoresdiversos, impasses foram criados e a reunião resultou em um retum-bante fracasso.31 Como elementos capitais na geração de tal fracas-so, podemos destacar a falta de efetiva motivação política e de con-senso, entre os atores internacionais mais poderosos, quanto à agen-

    daasernegociada.Porumlado,osEUAtentavamavançarnaabertu-ra do setor de serviços, movimento iniciado na década de 1980, noqual se observa a liberalização dos serviços como mecanismo a ser

    Ivan Tiago Machado Oliveira

    258   CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 29, no 2, jul/dez 2007

  • 8/20/2019 11. a Ordem Econômico-comercial Internacional. OMC - Oliveira

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    usado na tentativa de melhora das contas externas do país. Já o Japãoe a Europa, sabendo que uma nova Rodada puxaria necessariamenteo tema agrícola para o centro das discussões, queriam ampliar as ne-gociações na área de investimentos e concorrência, temas que lheseram mais convenientes.32

    Cabe aqui apresentar, de forma sucinta, algumas modificações ocor-ridas na posição da diplomacia econômica brasileira no decorrer da

    década de 1990, relativamente ao SMC. As próprias transformaçõesda economia, com a abertura comercial iniciada no início dos anos1990, atuaram sobre o posicionamento do país dia