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CONCEITUAL setembro/outubro 2014 #11 TRANSPARÊNCIAS

11 Transparências

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CONCEITUALsetembro/outubro 2014 #11

TRANSPARÊNCIAS

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EDITORIAL

Publishers André Poli e Roberta Queiroz

Conselho Editorial Renata Amaral e Roberto Negrete

Edição e Arte Marcos Guinoza

Redação Marcella Aquila

Colaboradores Álvaro Tedesco, Amer Moussa, Barbara Heckler,

Bruno Moreschi, João Lourenço

Revisão Luciana Sanches

Jornalista Responsável Marcos Guinoza MTB 31683

Publicidade

Comercial [email protected]

e Rosane Gulhak (ABD) | [email protected]

VELVET EDITORA LTDA

Tel.: 11 3082-4275 | www.velveteditora.com.br

ABD Associação Brasileira de Designers de Interiores

Tel: (11) 3064-6990 | www.abd.org.br

CORPO DIRETIVO ABD

Presidência: Renata Amaral

Vice-presidência: Marcia Kalil, Ricardo Caminada, Bianka Mugnatto,

Jéthero Miranda

Conselho Deliberativo - Membros Efetivos: Carolina Szabó

(presidente), Francesca Alzati (SP), Silvana Carminati (SP), Maurício

Peres Queiroz dos Santos (SP), Alexander Jonathan Lipszyc (SP),

Renata Maria Florenzano (SP), Rosangela Larcipretti (SP), Joia

Bérgamo (SP), Lucy Amicón (SP), Carlos Alexandre Dumont (MG),

Jaqueline Miranda Frauches (MG), Paula Neder de Lima (RJ), Luiz

Saldanha Marinho Filho (RJ), Flávia Nogueira da Gama Chueire (RJ)

Conselho Deliberativo - Suplentes: Nicolau da Silva Nasser (SP),

Paula Almeida (SP)

Conselho Fiscal - Membros Efetivos: Maria Fernanda Pitti (SP),

Fabianne Nodari Brandalise (PR), Catia Maria Bacellar (BA),

Delma Morais Macedo (BA)

Conselho Fiscal - Suplente: Daniela Marim (SP)

Diretora executiva: Alessandra Decourt

Sugestões

[email protected]

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade

dos autores e não refletem a opinião da revista.

Selo

Trans-lúcidosAmigos,O tema desta edição de ABD Conceitual é a transpa-

rência, palavra cheia de significados importantes, tanto para o design quanto para a vida.

Ser transparente é demonstrar sinceridade e lisura. Ser transparente é fazer as coisas às claras, sem se es-

conder sob as aparências. Ser transparente é deixar a luz passar. Ser transparente, enfim, é permitir ver o que há por

trás, o que há além. No design de interiores, a transparência imprime per-

sonalidade aos ambientes, deixando-os mais clean e lhes conferindo um ar contemporâneo. Na vida, a transparência separa aqueles que agem com idoneidade daqueles que agem por conveniência.

Nós da ABD, trans-lúcidos em nossas inúmeras ações para valorizar ainda mais a profissão de designer de interiores, seguimos atentos às demandas do mercado e nos esforçan-do para apresentar uma revista que seja cada vez mais inte-ressante, informativa e de acordo com o tempo-agora.

Nesta 11ª edição de ABD Conceitual, entrevistamos o designer Leo Capote e o artista plástico Daniel Arsham; fala-mos sobre a beleza etérea dos móveis translúcidos e sobre os significados possíveis das janelas; além de relembrar alguns nomes-referências que utilizaram a transparência para se comunicar com o mundo, como Cini Boeri e Philip Johnson.

Se as aparências enganam, as transparências reve-lam, enchendo o mundo de luz, leveza e resplandecências.

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20 | TRAnSPARESSênCIASRevelar, tornar visível, trazer à tona: as funções da transparência

24 | móVEIS-RABISCOSAs criações engenhosas do japonês Daigo Fukawa

26 | JAnELASelas iluminam, descortinam, desvendam espaços, dando contornos ao mundo

30 | gEOLOgIA DO TEmPODaniel Arsham é conhecido por transformar o comum em algo espetacular e surreal

34 | VIDRADOSeles utilizaram a transparência para se comunicar com o mundo

38 | InVISíVEISAcrílico: a beleza etérea dos móveis translúcidos

44 | COBOgóÍcone da arquitetura moderna, o elemento ganha releitura em forma de Dingbat

46 | OS OBJETOS fALAmSomos definidos pelos objetos que possuímos e amamos

54 | EmPTy DRESSGaleria A fragilidade e delicadeza do vidro nas obras de Alison Lowry

10 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

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yVItRInE SERgIO E JACK fAHRERyPor Marcos Guinoza

COLEçãO LInO Todas as peças são de acrílico reciclado, com impressão NANO dos vestidos do estilista Lino Villaventura mEDIDAS Cadeiras: 0,45 x 0,58 x 0,80 h. Mesa de jantar: 2,60 x1,20 x 0,75 h. Mesa de centro: 1,60 x 0,80 x 0,35h. Luminária: 1,80 m x 20 cm

sobretons O PARAeNSe LINO VILLAVeNTuRA é estilista reco-nhecido pela pesquisa técnica e pelo desenvolvi-mento de materiais, com valorização do trabalho manual e dos elementos nativos do país. Os de-signers Sergio e Jack Fahrer seguem esse mesmo pensamento criativo, interessando-se pelo uso de novos materiais em suas produções.

Da parceria entre o estilista e os designers surge a coleção LINO, formada por nove peças com estampas criadas por Lino ao longo da carreira.

“Foram utilizados 20 vestidos do meu acer-vo para compor as estampas da coleção; vestidos que fizeram parte das minhas apresentações em várias edições da São Paulo Fashion Week”, conta Lino. “No trabalho dele, existem muito bordado e combinação de texturas em um mesmo vestido. Pensamos: ‘Como ficaria a mistura de vários deles, uns sobre os outros?’. O resultado é fascinante”, co-memoram os designers.

A coleção é composta por cadeiras, mesas de jantar, mesas de centro e luminárias. As estampas dos vestidos do estilista foram impressas com o uso de tecnologia ainda inédita no Brasil: a nanoimpres-são em acrílico, produzida pela Creatto.

Segundo os designers, é possível variar a es-tampa escolhida, movendo os quadrados de acrílico (com 3 mm de espessura) e criando novas combina-ções. A mesa de jantar, por exemplo, pode estar, de manhã, multicolorida, e, à noite, com uma estampa mais sóbria e escura.

um objeto de estimação?Sergio – Minha lapiseira.Jack – Meu chapéu, que está sempre comigo.

O que te inspira?Sergio – A vida, o cotidiano, as matérias-primas.Jack – O cotidiano, a música, a vida.

Como é seu processo criativo?Sergio – Desenho à mão livre, adoro o contato da lapiseira com o papel vegetal. Conhecer e experimentar novas ma-térias-primas e técnicas construtivas. Desafios técnicos e estruturais são parte do processo de criação. Também gosto de observar as experiências cotidianas. As provocações cria-tivas com meu irmão e parceiro, Jack. Jack – Intuitivo, deixo a música ou um momento guiar mi-nha lapiseira. As referências são aquilo que vivi, a música que está tocando ou até um sonho.

Qual objeto que já existe gostaria de ter inventado? Sergio – O contrabaixo. Jack – O cigfiddle, um banjo feito a partir de uma caixa de charutos. Tem um design inusitado para um instrumento musical e um som incrível, e me ajuda muito na criação.

Design decorativo ou design utilitário? Sergio – Design utilitário.Jack – utilitário decorativo. Nada melhor do que unir o útil ao agradável.

DESIGn DOS IRMãOS FahRER; EStaMPaS DE lInO VIllaVEntuRa

12 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

SERgIO E JACK fAHRER

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ySala DE EStaR LEO CAPOTE yPor Barbara heckler

FOI NO BAIRRO PAuLISTANO De SANTA CeCÍLIA que o designer Leo Capote teve o primeiro contato com a matéria-prima de seu trabalho: as ferramentas. Cresceu em meio a parafusos, pregos, porcas e martelos, dentro da loja do avô materno, que tinha como cliente os Irmãos Campana, com quem o designer estagiou.

O legado da década de 1950 ainda é preservado pela família e foi fundamental para que, hoje, aos 32 anos, Capote se firmasse como um dos mais talentosos e criativos jovens designers do país.

Mesmo sob holofotes e representado pela conceituada Firma Casa, o tímido rapaz ainda preserva a natureza de menino de bairro, onde fez questão de instalar seu ateliê, o Outra Oficina, com o sócio Marcelo Stefanovicz. em cada peça, a lembrança dos ensinamentos do avô e a criatividade nata que o impulsionou ao mundo. em 2007, Capote foi indicado como um dos cem designers mais importantes da atualidade pela publicação &fork, da respeitada editora inglesa Phaidon.

Com uma fala tranquila e olhos vívidos, Leo Capote conversou com a ABD Conceitual.

REPRESEntaDO PEla FIRMa CaSa, O jOVEM DESIGnER PaulIStanO LEO CAPOTE SE DEStaCa POR FazER DaS FERRaMEntaS Sua OBRa DE aRtE

14 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

porcas, parafusos e marretas

Seu trabalho é fundamentalmente produzido a partir de ferramentas. O que te encanta nelas?elas têm um valor emocional para mim. Nasci dentro da loja de fer-ramentas do meu avô. ela existe há 59 anos e é o tronco da família. Vou todos os dias lá até hoje e divido a responsabilidade de tocá-la com a minha mãe, já que seu pai, infelizmente, faleceu há quatro anos. Eu dou um novo significado às formas que todo mundo co-nhece. Isso que é gostoso. Desde os 12 anos tinha a minha oficina. Ficava observando meu avô consertar os eletrodomésticos e pen-sava: “Mas ligar uma luminária é fácil assim? Quero fazer!”. Aos 13, já fazia as minhas próprias invenções e presenteava a família. e, de repente, os clientes da loja começaram a se interessar e perguntar pelo preço, inclusive os irmãos Humberto e Fernando Campana.

Eles eram clientes da loja?Sim, tinham conta aberta lá. Conheço os Campana desde pequeno, antes mesmo de ficarem tão famosos. O ateliê deles é atrás da loja. Diziam que quando eu entrasse na faculdade, poderia estagiar com eles. E a promessa foi cumprida, estagiei dois anos na oficina deles.

mas você sempre quis fazer design?Na época eu pensava em fazer educação física. Meu irmão mais velho, arquiteto, foi quem me influenciou a fazer desenho industrial. O curso foi importante, porque me deu a noção de reprodução em escala. A maioria dos alunos queria desenhar carro e eu estava sem-pre do lado do design com arte. uma professora de comunicação abria esse debate na classe e citava os Campana como referência no assunto. Até que chegou meu projeto de conclusão de curso. A primeira ideia era desenvolver uma mesa de centro que virasse de jantar, para se adaptar aos pequenos apartamentos de hoje. Mas essa professora insistiu para eu seguir o meu instinto. Pediu que eu fotografasse todas as peças que já havia desenvolvido. Ao mostrá-las, ela me fez enxergar que eu já tinha uma coluna do meu trabalho, a de ressignificar as funções dos objetos e transformá-los em arte.

E qual é o limite entre o design e a arte para você?Meu trabalho tem que transmitir um apelo emocional, mas nunca pode perder sua função. Por mais que uma cadeira pese uma tone-lada e seja feita de ferramentas, ela tem que ser confortável para se sentar, o objetivo dela é esse.

Como funciona seu processo criativo?Meu processo é inverso. Fico olhando o objeto, e sua forma me

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CuBO PREgOS (2011) União de 830 pregos por soldagem, sem adição de estrutura, com acabamento polido, verniz brilhante, usado como assento ou mesa

CADEIRA PAnTOn - PORCAS (2013) Releitura da clássica cadeira de Verner Panton, com medidas e ergonomia fielmente respeitadas. Feita da soldagem de 680 porcas de aço carbono com pintura eletrostática vermelha

BmQ mmQ (2013) Cadeira de flores feitas com porcas e parafusos, totalizando 110 porcas de aço carbono. Pés: quatro barras roscadas de 24 mm

LumInáRIA BIgORnA COBRE (2013) Bigorna original de aço 1020 como base, haste com duas articulações com acabamento de cobre brilhante

BAnCO PARAfuSO (2011) 15 parafusos de aço carbono com acabamento oxidado e verniz fosco

desperta a ideia de desenvolver algum móvel. Vou logo para a prática. Depois de pronto, é que desenho e, mesmo assim, só quando tenho que guardar ou mostrar a algum cliente. Produzo todos os dias, depois das 18h. Antes disso, ainda fico na loja de ferramentas. Sempre tenho amigos que vêm para cá me ajudar. O Marcelo Stefanovicz, atualmente meu sócio, era um deles. Quando precisava desenvolver alguns projetos no computador, maiores, eu o chamava para me ajudar. ele é um artista e fotografa minhas peças, além do trabalho dele. Agora, estamos abrindo juntos o ateliê Outra Oficina.

Você está desenvolvendo lustres para um autódromo, um balcão para um cabeleireiro e outras encomendas. Dá tempo para criar seus próprios desejos?Tento trabalhar com um meio-termo, entre peças para vender e outras para expor. Por mais que as encomendas tenham seu tem-po para ser desenvolvidas, separo um pouco por dia para produzir, devagar, as que eu quero. Pintamos até uma parede-lousa para deixar as ideias anotadas e não perdê-las.

E sua casa? O mobiliário é inteiro feito por suas mãos?Quase tudo! Até detalhes, como uma maçaneta-martelo, puxado-res de roupeiro, além de mesas, cadeiras...

Quando se deu conta de que era um designer conhecido?Foi na minha primeira aparição em uma revista. Dá um susto. estava estagiando com os Campana e desenvolvi minha cadeira de colher. eles pediram para deixar lá um tempo e, nesse período, apareceu um representante da Marco 500 que adorou a peça e

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RIBS Banco foi criado em 1996 e reeditado em 2007 para Dpot

mESA BRASIL (2013) 1.184 porcas soldadas, com tratamento oxidado, mais verniz eletrostático fosco. Pés feitos de barra roscada

quis que eu fizesse mais. E foi ela que estampou a revista Casa Cláudia. Depois, foi quando vi meu nome, em 2007, na publicação &fork, da editora inglesa Phaidon, como um dos cem jovens designers mais importantes da atualidade. Outro salto foi quando Waldick Jatobá me chamou para fazer parte da loja Firma Casa, em 2012, da qual era diretor criativo. Foi um marco para mim. Quando aconteceu a minha exposição, não acreditei em estar ao lado de grandes nomes, inclusive dos meus mestres Irmãos Campana.

Tem sonhos de consumo de peças de outros designers?Nossa, muito! Não sou um cara que acha que só os meus objetos são bons. Pelo contrário, eu tiro o chapéu para vários outros nomes. Gosto da época mais antiga do francês Philippe Starck, do clássico dinamar-quês Verner Panton e do norte-americano Charles eames. Do Brasil, gosto muito do Hugo França. Nós nos conhecemos em uma exposi-

ção que fizemos juntos em Dubai, com o Coletivo Amor de Madre. ele me ensinou a perder o medo de desenvolver mo-bílias muito pesadas, afinal, os troncos dele pesam toneladas.

Por falar nisso, sua poltrona de porcas é bem pesada e tem influência dos traços de Arne Jacobsen.Sim, perdi o medo do peso. Passei 60 noites soldando as 2 mil porcas, feitas de aço carbono com tratamento em níquel químico. A poltrona egg – Porcas é uma releitura da clássica egg do dinamarquês, de quem sou fã.

E dos Irmãos Campana? O que ainda carrega deles em seu trabalho?eles são incríveis. Aprendi o valor que tem a identidade do seu trabalho. uma marca deve ser construída para que, mes-mo com o passar dos anos, as pessoas olhem uma peça e saibam que é sua.

BAnCO Pá (2001) Pá de pedreiro original com corte e dobra específica, soldagem para reforço, pintura eletrostática em diversas cores

POLTROnA Egg - PORCAS (2013) Releitura da clássica poltrona Egg, de Arne Jacobsen, com medidas e ergonomia fielmente respeitadas. Feita da junção por soldagem de 2.000 porcas de aço carbono, com tratamento em níquel químico

“mEu TRABALHO TEm QuE TRAnSmITIR um APELO

EmOCIOnAL, mAS nunCA PODE PERDER SuA funçãO”

CADEIRA 18 (2011) Construída da junção de 18 martelos soldados a uma chapa de aço carbono cortada a fogo, com acabamento em verniz PU

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O Que VeM à CABeçA quando falamos em transparência? Água, um saco plástico, um cristal lapidado? um tecido, um caco de vidro? Transparente é, segundo o dicionário, qualidade daquilo que deixa passar a luz, “permitindo que se vejam objetos através dele”. A trans-parência tem, portanto, uma relação direta com a luz, ou com o que se pode acessar, tornar visível, através dela. Acontece que, se pen-sarmos a transparência na direção da luz, as significações possíveis para essa qualidade se abrem. e não apenas no sentido da matéria, palpável, mas também em sentidos mais amplos: filosóficos, cultu-rais, sociopolíticos. No âmbito do desenho, nosso fio condutor para as diferentes visadas que a transparência pode ter, essa qualidade aparece, desdobra-se e se transmuta, dando expressão formal para as diversas significações que assume ao longo do tempo.

Talvez a primeira associação que façamos quando o assunto é transparência seja com o vidro. Impossível não pensar nele quando se trata de “ver através”. Mesmo porque, muito antes da explosão do plástico entre nós, era o vidro que desempenhava a função de ponte (in)visível para o livre trânsito do olhar – do interior para o exterior e vice-versa. Feita a partir de um dos elementos mais abundantes na crosta terrestre, a sílica, a produção do vidro tem início em duas das grandes civilizações da antiguidade: egito e Mesopotâmia. De arti-go precioso, o vidro veio a ser pop durante o Império Romano. Com produção intensa, esteve para os romanos como o plástico para o planeta conectado do século 20. O fim do mundo romano impôs à produção e ao emprego desse material uma drástica redução. A transparência, entendida como fragilidade, através do vidro, cedeu lugar à robustez e à força na busca por proteção frente aos recor-rentes saques e invasões que inauguraram a chamada Idade Média.

Da matéria transparente à transparência como matéria, o vidro ressurge na Baixa Idade Média com novo significado, agora as-sociado ao sagrado e não mais como utensílio recorrente na vulgar vida cotidiana. Na transição da Alta para a Baixa Idade Média, o góti-co encontra na transparência do vidro a matéria ideal para expressar

visualmente as aspirações de elevação espiritual. A leveza das estruturas ogivais combinada aos vitrais coloridos nas igrejas góticas permite que a luz opere como sopro de vida às imagens ali estampadas ou como consistên-cia corpórea, como se os próprios feixes de luz fossem em si a manifestação do sagrado. O corpo-luz que chega ao homem nas composições góticas, permitindo a ele experimentar, mesmo que por um breve momento, o divi-no, transfigura-se, no momento posterior, na busca empreendida pelo pró-prio homem por uma maior clareza sobre o mundo que o cerca.

No Renascimento, revelar, tornar visível ou trazer à tona já não é mais uma tarefa do divino. Descobrir se torna uma aventura, motor e im-pulso fundamentalmente humanos. Já não se trata de esperar por uma revelação, mas, ao contrário, de sair em busca dela. No desenho do espa-ço, transparece a retomada pelas formas puras – e os volumes (cilindros, semiesferas, cubos, cones) executam um jogo sábio sob a luz, conforme sintetizaria Le Corbusier séculos depois. O ritmo e as proporções resultavam em dimensões diretamente proporcionais às ambições e invenções desse período. Lúcio Costa lembraria, ao conceber as relações de escala em Bra-sília, que “o italiano da Renascença se sentiria diminuído se a porta de sua casa tivesse menos de 5 metros de altura”.

A transparência, no sentido de uma integridade entre essência e aparência, entre materiais e possibilidades técnico-construtivas de sua épo-ca, é uma relação que se tornará mais e mais presente com o avanço da era industrial. O Palácio de Vidro, construído em 1851, em Londres, para a Primeira Grande Exposição, é o edifício inaugural dessa relação. Além de literalmente transparente, era franco com o panorama das possibilidades construtivas industriais que se abriam, além de desafiar as expectativas acerca dos limites impostos por um material até então considerado frágil como o vidro.

Ao longo do século 20, a fragilidade do vidro foi posta à prova inú-meras vezes por designers que assumiram esse material como matéria-pri-ma de suas produções: do Pavilhão de Barcelona (1929), de Mies van der Rohe, ao cubo de vidro da Apple, em Manhattan, concebido pelo escritório Bohlin Cywinski Jackson e também reelaborado por ele, em 2011. Não ape-nas a aparente fragilidade de materiais transparentes instigou os designers

como o caráter revelador, altamente provocativo e desafiador de colocar a nu o que geralmente se procura esconder, foi um dos principais estímulos para o desenho do século 20.

Pôr a nu as estruturas bem como trazer à tona a “ver-dade dos materiais”, ou mesmo tornar uma planta livre, foram princípios que nortearam grande parte da produção mais in-cômoda do século 20. Os cavaletes de vidro projetados por Lina Bo Bardi para expor o principal acervo do Masp causaram escândalo. Não apenas por gerar uma colagem visual ao não isolar as obras, mas, sim, justapô-las, como pelo fato de “escon-der” os dados autorais no verso das obras. Décadas depois da concepção, permanecem decorosamente trancafiados nos porões do museu. A Casa Farnsworth (1951), absolutamente “desavergonhada” estrutural e visualmente, levou o arquiteto Mies van der Rohe aos tribunais americanos sob a acusação de inabitabilidade por parte dos proprietários. e se o assunto é inabitabilidade, temos, entre os arquitetos paulistas, um gran-de campeão de acusações por parte daqueles que prezam

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KEngO KumA Nascido em Yokohama, no Japão, o arquiteto é conhecido pelo cuidado singular com a luz, a transparência e a materialidade. Madeira, cerâmica, pedra e alumínio aparecem em seus projetos sempre de forma inovadora. Kengo Kuma define a arquitetura como uma interface entre o homem e a natureza.

J kkaa.co.jp

pelo conforto: João Batista Vilanova Artigas. Talvez seja por isso que o edifício da Facul-dade de Arquitetura e urbanismo da uSP, uma das maiores experiências espaciais vivas, esteja prestes a desabar: afinal de contas, como conviver num ambiente afiado (e sem isolamento) como aquele?

Provocações à parte, o fato é que muito do que se pode experimentar e conce-ber como transparência hoje deriva da cada vez maior autonomia entre as partes que compõem um projeto, seja ele do edifício, de interiores ou do objeto. Na medida em que os elementos de uma composição se tornam mais e mais autoportantes, o destino do conjunto passa a ser portar nenhum conteúdo que não o próprio diálogo promo-vido pela interação entre essas partes. Nos edifícios de Kengo Kuma, essa relação se torna evidente: libertas de portar as linhas de frente (fachadas), as estruturas podem brilhar e brincar com a luz, que, por sua vez, vem a ser elemento lúdico e poético.

Revelar, revelar, sempre revelar. Revelar o novo. Desvelar o ovo dentro do bo-lovo. Desfiar o novelo… Talvez a grande “transparessência” seja essa missão incessan-te e permanente que nos persegue de trazer à tona, de tornar visível uma face ainda oculta disso que chamamos de realidade, com a qual convivemos. Talvez seja essa a grande pulga atrás da orelha que nos move e nos mantém vivos, e que sempre irá nos lançar além.

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gC PROSTHO muSEum RESEARCH CEnTER, AICHI, JAPãO

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Se é confortável, não sei. Mas que é inédito, divertido e engenhoso, não há como negar. A ideia é do estudante de design japonês Daigo Fukawa. e, cá entre nós, só podia ser mesmo “coisa de japonês” – talvez o povo que mais nos surpreenda com invenções para lá de mirabolantes. A série de móveis se chama Rough Sketch Products – nome mais do que adequado para ban-cos, cadeiras e mesas que lembram esboços rabiscados casualmente em uma folha de papel. A série foi apresentada por Fukawa na Tokyo university of the Arts como trabalho de conclusão de curso e, logo, ganhou o mundo, com imagens sendo veiculadas em blogs e sites de design. Goste-se ou não, confortáveis ou não, os móveis-rabiscos de Fukawa combinam perfeitamente com ambientes onde o inusitado é bem-vindo. (MG)

J facebook.com/fukawa.daiGo

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móveis-rabiscos

CRIaçãO EnGEnhOSa DO jaPOnêS DaIGO Fukawa Ambiente Maximiliano Crovato | Casa Cor® 2014

O Revolution® é uma solução prática, confortável, econômica e de excelente aparência. Composto de 90% vinil e 10% Poliéster, o carpete apresenta uma trama texturizada, antiderrapante e de agradável toque.Versátil, pode ser aplicado tanto no piso quanto na parede, sendo ótimo para isolamento térmico e acústico. Ideal para ambientes internos e externos, tais como: salas, cozinhas, terraços, escadas, banheiros, saunas, barcos, hotéis, lojas, bancos, escritórios, escolas, estandes, restaurantes, consultórios, decks, entre outros ambientes.

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JANeLA é, ANTeS De TuDO, a palavra janela. Janela, fenêtre, ventana, finestra, fenster, window, para citar algumas das designações entre as mais conhecidas línguas do Ocidente. e, embora grande parte delas tenha origem no latim, algumas derivam de palavras diferentes dentro do repertório da língua-mãe. Janela vem de januella – diminutivo de janua, que, por sua vez, era usada para indicar qualquer tipo de abertura em uma parede. De uma abertura indistinta a uma li-gação mais estreita com a técnica construtiva: fines-tra, fenêtre e mesmo fenster, respectivamente do italiano, francês e alemão, são tributárias da mesma fenestra, também do latim. Fenestra significava fresta ou, mais precisamente, uma série de estreitas aber-turas retangulares presentes nas paredes exteriores

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aO MunDO, PaRa SE aFIRMaR COMO CaMPO naRRatIVO” – luíS antônIO jORGE, O

DesenhO Da Janela

tExtO mARCELLA AQuILA

IluStRaçõES JOSé guízAR

yARQuITETuRA

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das casas romanas, em geral adotadas para garantir a ventilação dos ambientes internos.

Já as palavras ventana, do espanhol, e win-dow, do inglês, ainda que de origens diferentes, partem do mesmo elemento – o vento. A palavra espanhola descende do latim ventus, ou vento, e a inglesa, com raízes nas línguas nórdicas antigas, parte mais especificamente da palavra vindauga, em que “vind” resultaria em wind (vento) e “auga” em eye (olho). As janelas, portanto, seriam as aber-turas pelas quais passaria o vento, ou, no caso de window, um “olho” de vento.

Barroca, rococó, românica, renascentista, gótica, industrial, eclética, moderna, brutalista, pós-moderna, ideal, a mais barata, gradeada… De dentro

para fora, a janela nos propõe diferentes enquadra-mentos do mundo exterior. De fora para dentro, a chave léxica para a relação do homem com as (im)possibilidades de seu tempo. Se para Da Vinci os olhos eram as janelas da alma, podemos pensar a pintura como seu inverso: um reflexo do universo exterior processado pelo interior do artista. e a mes-ma relação é possível de se estabelecer para outras linguagens: poesia, prosa, arquitetura, escultura, ci-nema, música etc. O papel, a tela, a matéria-prima transfigurada seriam, portanto, janelas por onde poderíamos acessar, mesmo que por um instante, o mundo refletido pelos olhos de quem o apreendeu e sintetizou. Janelas apontam caminhos.

Nessa direção, quase 500 anos depois, Le

Corbusier estabeleceria o desenho das superfícies exteriores como a tradução do desenho interior dos edifícios: “A planta procede de dentro pra fora. Todo exterior é reflexo de um interior”. As janelas, elemen-tos ativos na composição dos exteriores, teriam, assim, relação direta com a composição interior. Cheios e vazios vibrando em conjunto, soariam em diferentes ritmos. Como resultado, poderíamos ler prédios como partituras.

Já para Décio Pignatari (no prefácio do livro O Desenho da Janela, de Luís Antônio Jorge), me-ditar sobre o signo “janela” retroperspectivamente, revelaria o quanto essa pequena fresta inicial foi, ao longo do tempo, tomando o corpo todo dos edifí-cios até se tornar, ele próprio, sua estrutura. O movi-mento de o edifício vir-a-ser vazado, ou todo janela, seria, para Pignatari, correspondente à tentativa hu-mana de fazer “levitar a pedra” em suas construções penetráveis. Para ele, o cume desse processo se dá com o surgimento do Palácio de Cristal, edifício emblemático de 564 metros de comprimento por 33 metros de pé-direito, construído em ferro fundi-do e vidro no Hyde Park, em Londres, para abrigar a Grande Exposição de 1851. Fruto da Revolução Industrial, o Palácio de Cristal seria também inau-gural do que, posteriormente, viria a se desenvolver como o movimento moderno em arquitetura e os arranha-céus de aço e vidro de Mies van der Rohe, as grandes expressões dos edifícios-janela.

Muito atento e vivo ao movimento dinâmi-co dos fatores construtivos de sua época, e à con-quista espacial das janelas, Décio Pignatari ainda pontua: “Não tendo para onde ir, para onde foi a janela? Para o espaço, literalmente. ela está nas on-das das inovais, nos micros, nas telintas da televisão;

abrem-se, fecham-se eletronicamente, ao ritmo do pensamento, mesmo que delirante. A janela venceu a parede, da qual, um dia, foi furo – e negação”.

Podemos dizer que hoje, as telas – essas janelas eletrônicas que nos sincronizam com os acontecimentos nos quatro cantos do mundo em tempo real – integram uma parte fundamental da nossa vida. Há até quem questione o quanto a absorção por esses planos não gere dependência, comprometendo, inclusive, a vida social na esfera tridimensional. Mas, para além das problemáticas da psique humana que, no mais, tem raízes mais profundas (sociais) e antigas do que o advento das novas tecnologias, o que podemos fazer com os desdobramentos dessas contemporâneas abertu-

ras? Onde será que os caminhos, descortinados por essas novas janelas, poderão nos levar? Poderemos, no futuro, (re)programar as paisagens que protago-nizarão nossas janelas? Será que elas se tomarão formas outras, como portais de teletransporte, en-curtando ainda mais a distância de deslocamento entre os espaços? Não sei. Mas imaginar é sempre tentador, desafiador e… Preciso.

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J joseGuizaR.com

ILuSTRAçÕES DA SéRIE WINDOWS

OF NEW YORK, DO DESIgnER JOSé guízAR

“A JAnELA VEnCEu A PAREDE, DA QuAL, um DIA, fOI fuRO – E nEgAçãO”

yARTE

NATuRAL De CLeVeLAND, OHIO, Daniel Arsham passou a maior parte da infância e adolescência em Miami. Era fim dos anos 1980 e começo do boom da cena artística na se-gunda maior cidade da Flórida. Influenciado por fotografias e imagens de artistas locais, Arsham começou a estudar design e arquitetura no ensino médio. Nesse período de formação, alugou uma casa com outros estudantes e trans-formou o primeiro andar em galeria, chamada The House.

esse senso de colaboração entre artistas que es-tavam começando alavancou a carreira e a confiança de Arsham e dos colegas de classe. “Se não tivesse participa-do dessa iniciativa, não sei se estaria onde estou hoje. O conselho para quem está no início da carreira é simples: não espere ninguém bater na sua porta.” Logo depois, ele terminou os estudos em design na Cooper union, facul-dade em Nova York, cidade onde mora e trabalha hoje.

Transitando entre pintura, escultura, instalações, set design e apresentações de dança, Arsham utiliza ex-periências do cotidiano para confundir nossas expecta-tivas de espaço e forma. ele é conhecido por subverter estruturas arquitetônicas existentes em formas não con-vencionais, lúdicas, como paredes que parecem ondular ao vento. “Meu trabalho manipula a arquitetura e faz coi-sas que, em um mundo natural, não deveria fazer. Gosto de criar cenários ilusórios, me interesso pela possibilidade de a ilusão um dia se tornar realidade.”

A obra de Arsham também é influenciada por passagens do tempo e catástrofes naturais, quando determinados eventos mudam o curso das coisas. O artista sentiu na pele a força da devastação da nature-za. “Quando criança, presenciei a passagem do furacão

gEOLOgIA do tempo

GuIaDO POR COnCEItOS aRquItEtônICOS, O MultIaRtISta DanIEl aRShaM É COnhECIDO POR tRanSFORMaR O COMuM EM alGO ESPEtaCulaR E SuRREal

THE EyES (2010), obra inspirada em esculturas gregas antigas. Na página ao lado e acima, à direita, HIDIng fIguRE (2011), feitos de fibra de vidro e tecido

tExtO JOãO LOuREnçO

Andrew. Agora, quase 20 anos depois da catástro-fe, tento utilizar o conceito de destruição dentro de propostas criativas.” essa experiência gerou a série Reach Ruin (chegar à ruína, em tradução li-vre), anagrama da palavra hurricane (furacão). As esculturas da série foram feitas a partir de mate-riais comumente utilizados na arquitetura, como vidros quebrados e gesso.

As colaborações do artista, representado pela Baró Galeria, envolvem moda, música e arte. ele já fez parcerias com nomes como o músico Pharrell Williams e o coreógrafo Merce Cunningham. Sobre o design, Arsham opina: “O design sempre esteve presente em nossa vida. Pense em um garfo, uma cadeira, mesa ou até mesmo na maçaneta de uma porta. é incrível como sempre convivemos com esses objetos e, hoje, paramos para observar os detalhes de tudo que consumimos. Acredito que estamos vivendo um momento em que a nossa relação com os objetos vai muito além de sua funcionalidade”.

J danielaRsham.com | baRoGaleRia.com

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S DIVu

LGAçãO

A obra abaixo e o pneu, na página anterior, são da série THE fuTuRE IS ALwAyS nOw, composta por 20 esculturas feitas de pó glacial, herostone, quartzo e aço

THInKIng gLASS fIguRE (2012), de cacos de vidro e resina. 0 trabalho foi inspirado no furacão Andrew (1992)

“DESIgn BOm é AQuELE QuE PARECE QuE nãO fOI

PEnSADO à ExAuSTãO. SãO OBJETOS QuE

TRAnSmITEm A SEnSAçãO DE QuE SEmPRE

gLACIAL ROCK ERODED HOLLOw guITAR (2014), de pó de pedra glacial , fragmentos de mármore e herostone

ExISTIRAm nO munDO. é ISSO QuE Eu BuSCO fAzER nO mEu TRABALHO. ALgO SImPLES, ELEgAnTE, BáSICO”

32 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

Máxima da designer italiana Cini Boeri: “Sentar é apenas uma parte do que se espera de um sofá”. e foi pensando assim que ela revolucio-nou a indústria de móveis no início da década de 1970, quando lançou o sofá modular Strip.

A principal inovação do móvel era a fle-xibilidade, permitindo as mais diversas combi-nações. Por essa criação, Cini recebeu o prêmio Compasso d’Oro, e seu sofá é apontado como um dos produtos mais importantes da história do design, integrando o acervo de instituições como Triennale di Milano Tokyo Museum e MoMA, em Nova York.

Cini também é conhecida pelo traba-

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> CInI BOERI

yREfERênCIAS

vidrados ElES utIlIzaRaM a tRanSPaRênCIa PaRa SE COMunICaR COM O

MunDO E COlOCaRaM SEu nOME na hIStóRIa DO DESIGn E Da aRquItEtuRa COM OBRaS InOVaDORaS E EMBlEMátICaS

LunARIO Mesa com tampo de vidro e base de chapa de aço

lho com vidro. em 1987, com a colaboração do japonês Tomu Katayanagi, apresentou ao mun-do a poltrona Ghost, produzida pela Fiam a par-tir de uma única peça de vidro temperado de 12 milímetros. um copo desenhado pela desig-ner foi usado por Harrison Ford no filme Blade Runner, de 1982. Outra peça de vidro criada por Cini é a mesa Lunario, lançada pela Knoll.

Nascida em Milão, em 1924, Cini Boeri estudou arquitetura e desenho industrial na Politecnico di Milano. Depois de formada, iniciou longo período de colaboração com Marco Zanuso, fundador da Arflex, empresa italiana de mobiliário que lançou o sofá Strip, best-seller da marca até hoje.

Frank Lloyd Wright, ao visitar a casa de vidro de Philip Johnson, teria comentado, com algum sarcasmo: “Aqui estou eu, Philip. Já estou dentro de casa ou continuo no jardim? Devo tirar meu chapéu ou mantê-lo na cabeça?”.

Inspirada na Farnsworth House, projeto do alemão Mies van der Rohe, a Glass House de Philip Johnson foi construída entre 1945 e 1950 e serviu de laboratório e morada para o arquiteto. erguida em New Canaan, Connecticut, a casa tem 170 metros quadrados, todas as paredes externas são de vidro e não há divisórias entre os cômodos – com exceção do banheiro, que fica dentro de um cilindro feito de tijolos.

Apesar do sarcasmo de Lloyd, a construção permanece como um dos mais icônicos exemplos do modernismo americano, e Johnson – que se referia à Glass House como “o diário de um arquiteto excêntrico” – doou a casa para o National Trust for Historic Preservation anos antes de morrer.

Nascido em Cleveland, Ohio, Philip Johnson (1906-2005) é considerado um dos

> PHILIP JOHnSOn

nomes fundamentais da arquitetura modernista. Foi his-toriador e o primeiro diretor do departamento de arquite-tura do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York). Ao longo da vida, assinou mais de 2 mil construções, tendo como principal característica pensar os edifícios como imensas “caixas de vidro”.

Algumas das obras mais conhecidas de Johnson são o lobby e alguns interiores do edifício-sede da Seagram (1958), em Nova York, na época o prédio mais alto do mundo; o monumento a John F. Kennedy (1970), em Dallas; e a Crystal Cathedral (1980), em Los Angeles.

gHOST CHAIR Produzida a partir de uma única peça de vidro. Ao lado, o sofá modular STRIP J ciniboeRiaRchitetti.com

J theGlasshouse.oRG

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S RePROD

uçãO

tExtO JOãO LOuREnçO

A Maison de Verre (casa de vidro, em portu-guês) é o mais importante projeto arquitetôni-co de Pierre Chareau. Foi construída no fim da década de 1920, em Saint-Germain-des-Prés, bairro da boemia e dos intelectuais em Paris, para o casal Annie e Jean Dalsace – ele, médi-co; ela, uma mulher apaixonada por literatura e tudo que fosse atual e arrojado.

A ideia de Chareau era erguer uma casa modernista, construída com o auxílio de soluções tecnológicas avançadas e de execu-ção rápida e econômica. Nesse sentido, não deu muito certo. A casa extrapolou todas as previsões iniciais: demorou quatro anos para ser finalizada, além de ter custado bem mais do que o planejado. O resultado final, no entanto, fez da Maison de Verre um dos mais celebrados exemplos do ideal sonhado pelos modernistas das primeiras décadas do século 20.

As paredes externas da casa são feitas de tijolos de vidro, surgidos na França no século 19 e ideais para permitir a entrada de luz. No hall central, 11 colunas estruturam a casa intei-ra. As janelas são altas, movidas por manivela. Painéis de metal perfurado ou de vidro dividem os ambientes. O piso é quase todo forrado por linóleo de borracha clara. A biblioteca tem es-tantes de metal que ocupam toda uma parede, e escadas unem os andares sem delimitá-los.

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> PIERRE CHAREAu

Mais conhecido como designer de mó-veis, Pierre Chareau (1883-1950) teve a participa-ção do serralheiro Louis Dalbet e do construtor Bernard Bijvoet para colocar a Maison de Verre de pé. Hoje, a casa pertence ao empresário america-no Robert Rubin, que a comprou de Dominique Vellay, neta do casal Dalsace.

O francês Max Ingrand (1908-1969) nasceu na pequena Bressuire, cidade no centro-oeste da França, e estudou na escola de Belas Artes de Paris, onde se especializou em artes decorati-vas, sob orientação de nomes como Jacques Gruber e Charles Lemaresquier.

Considerado um dos mais importantes vitralistas do século 20, ele produziu vidraças decorativas para um grande número de construções religiosas, hotéis e prédios públicos. A Catedral de Notre-Dame, o castelo de Chenonceau e o transatlântico Normandie

> mAx IngRAnD

COffEE TABLEVidro, bronze pintado e latão (1960)

têm obras de Ingrand. Até nas janelas da Catedral da Sé, em São Paulo, há vitrais executados por ele.

Max Ingrand, em 1954, assumiu a di-reção artística da FontanaArte, uma das mais tradicionais marcas italianas de design, funda-da, em 1932, por Gio Ponti, criador da revista Domus. Durante os dez anos em que esteve na empresa, Ingrand desenhou e desenvolveu uma série de luminárias que entraram para a história do design, como as luminárias de mesa Ashanghai e Fontana.

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S RePROD

uçãO

fOnTAnA Candeeiro com estrutura de metal pintada de branco e globo de vidro opalino (1954)

ASHAngHAI Luminária de mesa com base feita de vidro borosilicato transparente

e quadro de latão cromado (1955)

LuSTRE Latão e vidro colorido (1958)

yACRíLICO

tExtO AmER mOuSSA

PHILIPPE STARCK LOuIS gHOST CHAIR (2002)

38 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

a BElEza EtÉREa DOS MóVEIS tRanSlÚCIDOS

INTRODuzIDO NO MeRCADO NOS ANOS 1930, o acrílico é comercializado sob diversas patentes. Plexiglas, Acrylite, Optix e Lucite são algumas delas. Derivado do plástico, que, por sua vez, vem do petróleo, o acrílico tem uma relação com a indústria extremamente versátil. Isso se deve principalmente à sua capacidade de permanecer claro e límpido, mesmo após ser esticado ou modelado. Para completar, a habilidade de emendar peças utilizando apenas solventes, sem parafusos ou cola, torna os complexos objetos feitos de acrílico um instigante enigma para os olhos.

O acrílico não deve ser confundido com o policarbonato, que tem melhor maleabilidade e mais re-sistência a impacto. Ambos são termoplásticos. Geralmente, opta-se pelo acrílico quando não são solicitadas cargas excessivas. Além de ser mais acessível, não contém bisfenol – polêmica substância cancerígena banida em diversos países e presente no policarbonato. Ademais, o acrílico, se comparado aos outros plásticos, tem

uma excelente estabilidade ambiental: não amarela quando exposto ao sol, o que faz dele matéria-prima ideal para usos externos.

No mercado de mobiliário e objetos para uso doméstico, pode-se afirmar que o acrílico provocou uma revolução, com destaque para a Kartell. A empresa italiana há anos investe na pesquisa desse material e parce-ria com importantes designers, e o resultado tem sido fabuloso. Que o diga Philippe Starck. No último Salão de Milão, em abril de 2014, foi apresentado o sofá uncle Jack, mais uma colaboração do designer com a marca. Produzido a partir de uma única peça de policarbonato injetado, o assento de três lugares é extremamente resistente, e surpreendentemente leve.

um verdadeiro “milagre da tecnologia”, orgulha-se Starck. “Por que o plástico? Porque é uma criação

PATRICK JOuInSOLID C2 SIDE CHAIR (2008)

TOKuJIn yOSHIOKA InVISIBLE TABLE (2012)

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humana, da nossa inteligência. Nós não criamos as pedras, a madeira, nós criamos o plástico”, continua. Segundo Starck, o plástico é o material perfeito para fabricar produtos em alto ní-vel de qualidade e baixo custo. é o preferido dos praticantes do design democrático.

O lançamento segue a onda da linha Ghost, também em parceria com a Kartell. Louis Ghost (2002) é uma confor-tável poltrona de policarbonato transparente, desenhada no estilo Luís XV. Apesar da aparência evanescente e cristalina, a estrutura é estável e durável. A poltrona pode ser empilhada em até seis unidades. é como se o espírito moderno tivesse se-questrado a forma barroca dos interiores dos palacetes para revelar, por meio de um desenho simplificado, a potencia-lidade dos materiais contemporâneos.

Outra série de destaque da empresa é a Invisi-ble Table (2012), em parceria com o designer japonês Tokujin Yoshioka. Como o próprio nome diz, trata-se de uma linha de mesas transparentes, que ten-dem a desaparecer no ambiente. Foi a primeira mesa monobloco de material plástico, com tampo quadrado medindo 100 cm x 100 cm e cerca de 20 quilos. O objeto contribuiu significativamente para a história do de-sign, uma vez que conseguiu resolver a estabilidade dos pés sem abrir mão de um desenho elegante.

Mais utilitária, a Magino Stool (2006), de Karim Rashid, tira partido das dobras estru-turais do acrílico para confi-gurar múltiplas possibilida-

des. O assento pode servir como banquinho, mesa de canto ou revisteiro, uma vez que é possível alocar revistas e jornais nas curvas do móvel. Outro modelo interessante de cadeira feita com o mesmo material é a Solid C2 Side Chair (2008), do francês Patrick Jouin. Mais conceitual, a obra é uma realização de plástico da técnica de impressão 3D.

entretanto, quando o assunto é inovação, nada se compara à Bubble Chair, de eero Aarnio. Projetada na Finlân-dia, durante o explosivo ano de 1968, a poltrona é formada por uma esfera de acrílico seccionada para abrigar o assento internamente. Suspenso por um cabo de aço, o ninho habitável

sugere a leveza de uma bolha de sabão – numa época em que a conquista do espaço pelos homens se consolidava.

Impossível não imaginá-la no cenário do filme Barbarella (1968), com as belas pernas de Jane Fonda cruzadas

para fora. Ou talvez aceitá-la como uma versão voa-dora da Bardi’s Bowl (Lina Bo Bardi, 1951).

Alguns designers de interiores evitam o uso de móveis de acrílico ou policarbonato nos

projetos, por temer o excesso de ranhuras e arranhões na superfície, ocasionados pelo

uso intenso. Recomendações dos fabri-cantes incluem não utilizar solventes

na limpeza, apenas panos levemente úmidos. Quanto aos riscos, é impos-

sível garantir que a peça vá sobre-viver incólume; porém, já existem

no mercado ceras capazes de removê-los com resultados

excelentes. Por sua beleza etérea, vale o risco, não?

KARIm RASHIDmAgInO STOOL (2006)

EERO AARnIO BuBBLE CHAIR (1968)

42 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

NOS MANuAIS De ARQuITeTuRA, a definição de cobogó pode pa-recer simplória demais: trata-se de um elemento vazado encontrado nas mais diversas construções. Afirmar que eles possibilitam mais ven-tilação e luminosidade ao interior do local também é muito pouco. Isso porque o cobogó é mais do que apenas um procedimento utili-zado frequentemente em construções de regiões quentes. Cobogó é especialmente um patrimônio cultural do Brasil.

A ideia dos tais furinhos em fachadas começou no início do século 20, por volta de 1930, na cidade de Recife. Por lá, dois comer-ciantes e um engenheiro se juntaram para pensar em uma maneira de permitir que o vento entrasse com mais facilidade em casas, edifícios comerciais e galpões industriais. Mas era preciso uma maneira simples e barata para isso, visto que Pernambuco, nos anos 1930, não era tão rica quanto Nova York ou Berlim, que se utilizavam cada vez mais da associação entre arquitetura e alta tecnologia. Os três tiveram a ideia de vazar parte das fachadas de cimento das construções, facilitando a entrada da corrente de ar do exterior para o interior. A inspiração

veio dos chamados muxarabis, um conjunto entrelaçado de tiras de madeira, de origem árabe, que era usado nas janelas das casas para que as mulheres pudessem ver o lado de fora sem que fossem vistas.

Concluindo que a singela ideia era uma grande solução, Amadeu Oliveira Coimbra, August Boeckmann (os dois comercian-tes) e Antonio de Góis (o engenheiro) a patentearam com um nome que reúne as duas letras iniciais do sobrenome deles. Surgiu, assim, o co-bo-gó.

Não só surgiu como também em muito pouco tempo se es-palhou por outras cidades do Nordeste e para os mais diferentes lo-cais de todo o Brasil. exemplos da utilização dos cobogós em território nacional não faltam: na Caixa d’Água, no Alto da Sé, em Olinda; nos prédios da universidade Federal do Mato Grosso; na Igreja de Nossa Senhora da Imaculada, em Recife; em projetos mais contemporâne-os, como na Casa Cobogó, projetada, em 2011, por Marcio Kogan e Carolina Castroviejo. este projeto é um capítulo à parte. Construída em Brasília, em um condomínio de mansões de estilo neoclássico de

gosto, no mínimo, duvidoso, a casa pensada por Kogan e Castroviejo tem uma fachada repleta de cobogós amarelos que combinam muito bem com as linhas retas da residência.

Tamanha é a quantidade de cobogós no Brasil que parece ser uma tarefa quase impossível mapear esse elemento arquitetônico. O mais próximo que se chegou foca especificamente nos cobogós per-nambucanos. O resultado está no livro Cobogó de Pernambuco, com concepção do fotógrafo e designer Josivan Rodrigues e participação dos professores e arquitetos Antenor Vieira e Cristiano Borba. Com 120 páginas, a obra é uma espécie de inventário sobre o cobogó na arquitetura pernambucana e mostra como o elemento ainda persiste nas construções do estado.

entretanto, mais surpreendente é outro projeto que nasceu justamente a partir da pesquisa iconográfica do livro. Ela mostre como o cobogó é permanentemente atualizado, não pertencente apenas à arquitetura mais tradicional. Assim que tomou conhecimento do pro-jeto que pretendia mapear os cobogós de Pernambuco, o designer

Guilherme Luigi teve a ideia de transformar alguns dos mais conhe-cidos estilos de cobogós em fontes chamadas de Dingbat. Sim, é isso mesmo: fontes que podem ser utilizadas em qualquer computador. A ideia é justamente espalhá-las mundo afora, visto que elas podem ser baixadas gratuitamente no site dingbatcobogo.com.br. “Gosto de pensar que não tenho controle de quem irá usá-las. Na arquitetura, o cobogó sempre foi um elemento bastante dinâmico. O mesmo pre-cisa se repetir no ambiente gráfico”, explica Luigi. O designer já tem notícia de que lambe-lambes, capas de livros e objetos decorativos em Miami foram feitos a partir das fontes.

Luigi já fez 72 caracteres, mas em pouco menos de um mês deve criar outra quantia igual de novos caracteres. “Não se trata de um resgate do cobogó. Trata-se de uma releitura”, conclui. Talvez esse seja o segredo da ainda forte presença do cobogó em nossa arqui-tetura. ele é um elemento vivo que está aí para ser transformado e espalhado em todos os cantos. Como ele mesmo faz com o vento que ajuda a circular.

44 ABD CONCeITuAL SeTeMBRO/OuTuBRO 2014

abcdef ghiklm nopqrs tuvxyz

qwerty iopasd fghzxc vbnmqw

yELEmEnTO VAzADO

COBOgó íCOnE Da aRquItEtuRa MODERna, O ElEMEntO FOI CRIaDO EM PERnaMBuCO E Ganha RElEItuRa EM FORMa DE DInGBat

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OS OBJETOS fALAmSOMOS DEFInIDOS PElOS OBjEtOS quE POSSuíMOS E PEla MatERIalIDaDE

quE nOS RODEIa E COM a qual IntERaGIMOS

tExtO mARCOS guInOzA FOtOS SAnnAH KVIST

yALL I Own

O Que é uMA CHAVe? Resposta padrão: uma chave é um objeto que usamos para abrir e fechar algo. Mas, para o filósofo francês Roger-Pol Droit, há outros significados possíveis para uma simples chave: “Além de ser um objeto que perdemos com frequência e que temos dificul-dade de localizar, também fala da relação que temos com os outros. Dar sua chave a alguém e retomá-la é o começo e o fim de todas as histórias amorosas. Pode-se dizer também que amar alguém é abrir portas no outro e deixar o outro abrir certas portas em nós mesmos”.

e a porta, o que é? “Não sabemos o que há atrás de uma por-ta. Há esse sentimento de poder mudar de mundo, de universo. uma porta significa a passagem, o espaço livre, mas a tábua que tapa esse buraco também se chama porta. é possível dizer que a porta é o que impede de passar pela porta.”

essas e outras associações de ideias sobre “coisas” banais do cotidiano estão reunidas no livro Dernières Nouvelles des Choses, em que Droit analisa, de maneira lúdica, poética e filosófica, objetos como o aspirador de pó, a frigideira, a máquina de lavar, o despertador, a se-cretária eletrônica e o guarda-chuva: “A primeira ideia, evidentemente, é a de que ele serve para nos proteger da chuva. Mas ele protege mui-

to mais do céu do que da água. é um pequeno teto portátil, que nos protege do infinito”.

Os objetos com os quais as pessoas convivem no dia a dia de modo automático e indiferente, sem reflexão, foram inventados pelo homem e, por esse motivo, para Droit, “falam de nós mesmos e da nossa relação com os outros”.

Sim, os objetos falam e, por meio deles, podemos conhecer e entender a personalidade de cada pessoa.

Na série All I Own (tudo que eu possuo), cujas imagens ilus-tram estas páginas, a fotógrafa sueca Sannah Kvist pediu que amigos juntassem alguns de seus objetos pessoais em um cômodo da casa onde moravam e os fotografou em meio às “coisas” selecionadas por cada um deles. A intenção de Sannah foi refletir sobre o consumismo, sobre o tanto de quinquilharias que as pessoas acumulam ao longo da vida – muitas vezes, levadas apenas pelo impulso de comprar. Mas, ao observar as imagens com um pouco mais de atenção, é possível desvendar detalhes da personalidade dos retratados. Os objetos que os circundam “falam”, revelam traços peculiares do comportamento deles, individualizando-os. Se um dos retratados surge na foto com

muitos livros, mostrando inclinação pela leitura, outra aparece com várias máquinas fotográficas e um globo terrestre geográ-fico, o que entrega o gosto por viagens.

Segundo o professor britânico Ian Woodward, no livro Understanding Material Culture, somos definidos pelos obje-tos que possuímos e pela materialidade que nos rodeia e com a qual interagimos. é isso. em linguagem silenciosa, os objetos que possuímos falam por nós, comunicando aos outros quem somos, nossos gostos, nossas informações, como enxerga-mos o mundo.

Mas há objetos e objetos. e alguns são mais importan-tes do que outros; alguns recebem de nós significados simbóli-cos que vão muito além de suas funções práticas. São os obje-tos com história.

Se você assiste à televisão, já deve ter visto. Tem um comercial de uma empresa de classificados cujo slogan é: “Desapegar é só começar”. Conjugar o verbo “desapegar”, no entanto, nem sempre é tarefa fácil, principalmente quando os objetos guardados carregam recordações. em alguns casos,

desfazer-se de um sofá velho pode doer bem mais do que se separar de algo mais necessário ou belo, porém sem nenhum valor sentimental.

O designer Maurício Arruda costuma dizer que “o ob-jeto com valor sentimental é garantia de sustentabilidade”. é o mesmo preceito defendido por uma corrente da área de design de produtos: desenvolver objetos capazes de estabelecer uma relação emocional com as pessoas a fim de prolongar a vida útil desses objetos e, assim, evitar o “descarte” precoce. é a chama-da “sustentabilidade afetiva”.

é essa mesma afetividade que diferencia, por exemplo, uma casa de um lar. No livro Era uma Vez uma Casa, uma Casa Que Era um... Lar, o ilustrador e escritor britânico Alex T. Smith conta a história dos amigos um, Dois, Três e Quatro – respectivamente, um alce, uma ursa, uma coelha e um texugo. Os personagens dividem o mesmo teto, mas quando discordam sobre em qual local morar, desmontam a casa e cada um leva um pedaço dela consigo. Depois de se aventurar pelo mundo, descobrem que, separados, acabaram perdendo o sentido de

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lar. “uma casa é feita de viga e concreto; um lar é feito de amor e afeto”, ensina a obra voltada para o público infantil.

Mas, se amor e afeto fazem um lar, o que faz um lar ser só seu? Único? Ter a sua cara? Dois designers de interiores respondem.

Roberto negrete: “Todos temos humores variados e somos personas diferentes, assim, a nossa casa tem que ter um pouco de cada uma delas para que, não importa o momento, sempre nos abrigue, nos eleve, nos proteja. A casa tem que ter alma. e pedaços da nossa história”.

Fabio Galeazzo: “uma casa só é um lar quando tem sinais de desgaste. uma casa só se torna um lar quando tem pelos de gatos ou de cachorros sobre o sofá. Marcas que acontecem no meio do caminho. Nessas casas existe movi-mento, passado e futuro festejam seu encontro no presente”.

Vivemos numa época de supervalorização do descartável, em que muitos produtos são programados para se tornar obsoletos em poucos meses. Guardar “pedaços da nossa história” e saber valorizar os “sinais de desgaste” ser-vem como espécie de antídoto a essa tendência.

Para um objeto significar algo, tem que ter valor afetivo; para uma casa virar um lar e ser única, tem que ter “movimento e alma”.

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SAnnAH KVIST

Após se formar, a fotógrafa se mudou para estocolmo, levando um caminhão abarrotado de coisas. Depois de um tempo na capital sueca, abandonou o novo apartamento e foi viajar pelo país, carregando apenas uma bolsa com computador, câmera fotográfica e algumas peças de roupa. Hoje, ela assina trabalhos para a label ACNe e para a revista Esquire, entre outros.

J sannahkvist.se

yRG AnDRéE PuTmAn yPor Marcos Guinoza

A DESIgnER QuE

QuEm Andrée Christine Aynard.

OnDE Andrée nasceu em Paris, em 23 de dezembro de 1925. Tornou-se Andrée Putman em 1958, quando se casou com o colecionador, editor e crítico de arte Jacques Putman.

O QuE Andrée foi jornalista antes de virar uma das mais respeitadas designers de interiores da França. Respeitada? Bem mais do que isso. Permita-me um aumentativo, em deselegante caps lock, seguido por um hiperbólico ponto de exclamação: RESPEITADÍSSIMA! Afinal, não é qualquer fulana que tem biografia capaz de compará-la a Coco Chanel. Falam que Andrée, na decoração, representa o mesmo que a icônica estilista foi para a moda.

Andrée poderia ter sido apenas “madame Aynard”. Neta de um banqueiro, filha de pai intelectual e mãe pianis-ta, nasceu em família abastada. Mas a garota logo se rebe-lou contra o luxo que a cercava, revolucionando completa-mente seu quarto ao substituir a pompa pela simplicidade. Seus pais, claro, não gostaram nada, nada, da nova e “es-tranha” arrumação proposta pela filha: uma cama de ferro, colheres chinesas e africanas dispostas sobre um banco, uma cadeira Mies van der Rohe, um lustre Noguchi e, para colorir o ambiente, pinturas abstratas expressionistas.

Para Andrée, “estilo e dinheiro não têm nada a ver um com o outro”. Alguém discorda? Para ela, “um bom de-sign é puro e simples”. E foi assim, fiel às suas convicções e sem jamais se render a modismos, que a designer cons-truiu sua carreira.

QuAnDO Andrée começou sua trajetória no design quando já estava separada do marido. Livre para pintar e bordar, abriu a própria empresa, chamada ecart, e foi res-ponsável por redescobrir e relançar móveis desenhados

por criadores esquecidos da década de 1930. “eu amo os loucos, os solitários. Mariano Fortuny, eileen Gray e Pierre Chareau, por exemplo, eram criaturas delicadas e condenadas a uma solidão fatal.”

Anos depois, em 1984, Andrée foi chamada para reformular os interiores do Morgans Hotel, em Nova York. Foi nesse projeto que ela usou, pela primeira vez, o xadrez em preto e branco na decoração – recurso estético que se tornaria uma de suas marcas. e foi também a partir desse projeto que surgiu o conceito de hotel-boutique. O termo foi sugerido por Steve Rubell, dono do Morgans. Ao ser perguntado sobre seu renovado estabelecimento, Rubell afirmou que os outros hotéis eram grandes lojas de departamento, enquanto o Morgans era uma pequena boutique. Mal sabia ele que, ao dizer isso, estava inaugu-rando um novo conceito de hotelaria e, de quebra, divulgando o nome de Andrée Putman para o mundo.

POR QuE Dali em diante, Andrée, pouco a pouco, foi introduzindo seu estilo sóbrio e “limpo” em projetos variados. Além de decorar residên-cias em lugares como Dublin, Miami, Paris, Roma, Xangai, Tel-Aviv e Tanger, foi ela quem desenhou os cenários do filme O Livro de Cabe-ceira (1996), do diretor britânico Peter Greenaway, e decorou o interior do Concorde, avião supersônico franco-britânico que, ainda hoje, sim-boliza o melhor do design em aviação comercial.

Na moda, Andrée trabalhou com os estilistas Thierry Mugler, Karl Lagerfeld e Yves Saint Laurent e com a grife Guerlain. Para Didier Grumbach, presidente da Federação Francesa de Alta-Costura, Andrée tinha “um estilo único na forma de se vestir e de olhar para os lugares”. Mais: segundo Didier, a designer “redefiniu a elegância à francesa no século 20”.

em 1997, Andrée abriu o Studio Putman, que, desde 2007, é dirigido por sua filha Olivia. Andrée Putman morreu em janeiro de 2013, em Paris, deixando a França um pouco menos elegante.

mESA CORRESPOnDAnCESPara Bisazza (2008)DEfInIu

O COnCEITO DE HOTEL-BOuTIQuE

J andReeputman.com

empty dressALISON LOWRY: “Sempre soube que queria trabalhar com as mãos, mas nunca me senti confortável com materiais como argila e tecido. Gosto da fragilidade e delicadeza do vidro. às vezes, é um pouco frustrante trabalhar com esse material, você nunca sabe o que espe-rar. Coisas que você passou meses planejando podem dar errado na etapa final, quando o material vai para o forno, por exemplo. Tentar algo diferente requer muita paciência. Vale lembrar que o vidro é uma matéria-prima cara, o que aumenta a pressão”.

Alison nasceu em Belfast, na Irlanda do Norte, e, apesar de ter presenciado a guerra entre católicos e protestantes em seu país, diz que há trabalhos suficientes sobre os problemas que aquele período causou e não usa “batalhas sangrentas” em sua obra. A artista estudou produção têxtil e bordado criativo, mas não chegou a explorar essas técnicas. Após o nascimento do primeiro filho, fez outra faculdade. “Durante o curso, percebi que meu trabalho com es-culturas era muito mais forte do que as minhas técnicas de design, e logo me apaixonei por vidros. A identificação com o material foi ime-diata. Infelizmente, não havia um departamento específico dentro

da universidade de ulster. Meu último ano lá foi como um batismo de fogo, tive que ir atrás das técnicas em que estava interessada, não tinha ninguém para me ajudar.”

As técnicas utilizadas por Alison vão do tradicional vidro fundido até a milenar pâte de verre – uma pasta de vidro desenvol-vida pelos antigos egípcios e utilizada em acabamentos – e suas esculturas buscam captar memórias de um tempo perdido, como na série Empty Dress: “estou interessada na maneira como certas roupas podem armazenar memórias afetivas, como um vestido de noiva, por exemplo. Cada vez que você abre o armário e vê uma peça especial, é impossível não se lembrar do momento em que usou a peça pela primeira vez”.

O trabalho de Alison varia de pequenas peças a obras maiores para galerias e museus. Sobre o design, ela opina: “Nossa geração tem uma noção mais rica e consciente. Hoje, esperamos por produtos bem projetados em nossa casa e em nossa vida, não importa qual seja o orçamento”.

a FRaGIlIDaDE E DElICaDEza DO VIDRO

yGalERIa ALISOn LOwRy yPor joão lourenço

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J alisonlowRy.co.uk

acima: FOunD (anD lOst) e DOlly Mixtures

ao lado: the Others (95% series)

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