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10 SALVADOR DOMINGO 11/5/2008 ABRE ASPAS MÃE STELLA DE OXÓSSI I A L O R I XÁ «O candomblé não é um palco» Texto MARCOS DIAS [email protected] REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

11/05/2008 1a #006 10-fw.atarde.uol.com.br/2016/04/mae-stella_1625872.pdf · Se ela consegue dizer, apenas olhando alguém, qual o orixá da pessoa? Ela ... Mãe Stella de Oxóssi,

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11/5/2008 11SALVADOR DOMINGO10 SALVADOR DOMINGO 1 1 / 5 / 20 0 8

ABRE ASPAS MÃE STELLA DE OXÓSSI I A L O R I XÁ

«Ocandomblénão é um palco»Texto MARCOS DIAS [email protected]

Mãe Stella de Oxóssi, cujo nome de iniciação é Odé Kayodê, é um espírito ilumin a d o.

Pôs fim à submissão em que o candomblé se encontrava, ao afirmar, na década de 8 0,

que a religião dos orixás prescindia do sincretismo. A beleza dessa senhora de 83 anos,

completados no último dia 2, revela uma pessoa reflexiva e bem-humorada. Quinta

ialorixá na sucessão do Ilê Axé Opô Afonjá (fundado em 1910 por mãe Aninha), ela

mantém e dinamiza o espaço, onde prova que é possível perseverar em valores como

solidariedade e respeito. Sente o tempo mudar e muda com ele. Antecipa e esclarece

o que pode ser, porque deseja outra realidade. E vê muito longe, caçadora que é, filha

de Oxóssi. Se ela consegue dizer, apenas olhando alguém, qual o orixá da pessoa? Ela

explica: se conviver por algum tempo, dá para entender alguns traços arquetípico s;

mas não acredita nisso de uma pessoa olhar para alguém e dizer qual é o orixá. Uma

coisa é certa: sua sabedoria é uma luz do axé.

Como grande mãe do candomblé da Bahia, maior liderança espiritual feminina da

América Latina, quando foi iniciada, aos 13 anos, sabia o que a aguardava?

Nem de leve, nem de leve. No meu tempo de 12 anos, eu era garota. Nem sabia o

que vinha e qual seria a minha meta. Adorava a minha mãe-de-santo, queria estar

perto dela, fazendo as coisas no axé para agradá-la, e comecei a acreditar e a aceitar

o orixá. Acabou sendo uma nova vida para mim, como se fosse uma renascença.

Mas jamais pensei que tomaria a responsabilidade que tenho hoje.

Em algum momento, após esse renascimento, Mãe Stella se lembra de Maria Stella?

Maria Stella era uma adolescente esperta, como toda criança. Apesar de ser garota,

gostava de brincar com os meninos, jogar bola, empinar arraia. Era uma vida muito

de brincadeira de crianças. Com o chamado do orixá é que vim para o axé.

A senhora acabou de completar 83 anos de idade, e também comemora 69 anos de

iniciação e 32 como ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Qual seria o melhor presente que

poderia receber?

Gostaria de ver este espaço aqui, do Axé, murado. Hoje em dia, o vandalismo anda

grande e, uma hora dessas, podem entrar para devassar nossas coisas. Se eu re-

cebesse a notícia de que podemos fazer o muro, seria a maior felicidade.

Aqui, no Opô Afonjá, há uma linhagem feminina de grandes ialorixás – primeiro, Mãe

Aninha; depois, Mãe Bada; Mãe Senhora e Mãe Ondina. As mães costumam ser aco-

lhedoras ou severas. Como a senhora se vê?

Eu sou uma mãe boba (risos). Sou uma mãe boba e torço para que meus filhos

iniciados, feitos por mim, sejam pessoas felizes e conscientes das suas resp o n sa -

bilidades, e queria tê-los como exemplo. Mas isso é impossível, porque nem mes-

mo a mãe que pariu tem. Não tenho tido decepção com eles, felizmente.

Fazendo parte dessa linhagem, a senhora não só manteve este espaço como ampliou

as ações, criando escola (Escola Munici-

pal Eugênia Anna dos Santos), museu,

oficinas profissionalizantes e projetos so-

ciais...

É uma pequena cidade.

...mas, lá fora, apesar das conquistas das

mulheres, ainda não há tanto respeito e

igualdade. O que há com o ser humano

neste momento da história?

No século XXI, o mundo cresceu

imensamente. Nascem crianças aos

borbotões, morrem centenas de

pessoas e, em todo lugar, o mundo

está muito cheio. E, com tudo isso,

quando o Senhor Olorum fez o mun-

do, ele fez cada um com um caráter.

São diversas nações e todas pensam

diferente. Essas questões são difí-

ceis — nem acabando este mun-

do... Só Olorum criando outro. Ou

dando um jeito neste. Não sei o que

ele faria, porque até nós mesmos

não temos o mesmo pensamento

do fim do século XX. Nosso pensa-

mento atual é quase totalmente di-

ferente do século passado. Temos ti-

do uma evolução grande na tecno-

logia e tudo isso mexe também com

«O candomblénão é um teatro,demonstração,ou mis-en-scène.Temos nossasnormas, nossaliturgia. Algunssabem o que é»

REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

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ABRE ASPAS MÃE STELLA DE OXÓSSI I A L O R I XÁ

«Ocandomblénão é um palco»Texto MARCOS DIAS [email protected]

Mãe Stella de Oxóssi, cujo nome de iniciação é Odé Kayodê, é um espírito ilumin a d o.

Pôs fim à submissão em que o candomblé se encontrava, ao afirmar, na década de 8 0,

que a religião dos orixás prescindia do sincretismo. A beleza dessa senhora de 83 anos,

completados no último dia 2, revela uma pessoa reflexiva e bem-humorada. Quinta

ialorixá na sucessão do Ilê Axé Opô Afonjá (fundado em 1910 por mãe Aninha), ela

mantém e dinamiza o espaço, onde prova que é possível perseverar em valores como

solidariedade e respeito. Sente o tempo mudar e muda com ele. Antecipa e esclarece

o que pode ser, porque deseja outra realidade. E vê muito longe, caçadora que é, filha

de Oxóssi. Se ela consegue dizer, apenas olhando alguém, qual o orixá da pessoa? Ela

explica: se conviver por algum tempo, dá para entender alguns traços arquetípico s;

mas não acredita nisso de uma pessoa olhar para alguém e dizer qual é o orixá. Uma

coisa é certa: sua sabedoria é uma luz do axé.

Como grande mãe do candomblé da Bahia, maior liderança espiritual feminina da

América Latina, quando foi iniciada, aos 13 anos, sabia o que a aguardava?

Nem de leve, nem de leve. No meu tempo de 12 anos, eu era garota. Nem sabia o

que vinha e qual seria a minha meta. Adorava a minha mãe-de-santo, queria estar

perto dela, fazendo as coisas no axé para agradá-la, e comecei a acreditar e a aceitar

o orixá. Acabou sendo uma nova vida para mim, como se fosse uma renascença.

Mas jamais pensei que tomaria a responsabilidade que tenho hoje.

Em algum momento, após esse renascimento, Mãe Stella se lembra de Maria Stella?

Maria Stella era uma adolescente esperta, como toda criança. Apesar de ser garota,

gostava de brincar com os meninos, jogar bola, empinar arraia. Era uma vida muito

de brincadeira de crianças. Com o chamado do orixá é que vim para o axé.

A senhora acabou de completar 83 anos de idade, e também comemora 69 anos de

iniciação e 32 como ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Qual seria o melhor presente que

poderia receber?

Gostaria de ver este espaço aqui, do Axé, murado. Hoje em dia, o vandalismo anda

grande e, uma hora dessas, podem entrar para devassar nossas coisas. Se eu re-

cebesse a notícia de que podemos fazer o muro, seria a maior felicidade.

Aqui, no Opô Afonjá, há uma linhagem feminina de grandes ialorixás – primeiro, Mãe

Aninha; depois, Mãe Bada; Mãe Senhora e Mãe Ondina. As mães costumam ser aco-

lhedoras ou severas. Como a senhora se vê?

Eu sou uma mãe boba (risos). Sou uma mãe boba e torço para que meus filhos

iniciados, feitos por mim, sejam pessoas felizes e conscientes das suas resp o n sa -

bilidades, e queria tê-los como exemplo. Mas isso é impossível, porque nem mes-

mo a mãe que pariu tem. Não tenho tido decepção com eles, felizmente.

Fazendo parte dessa linhagem, a senhora não só manteve este espaço como ampliou

as ações, criando escola (Escola Munici-

pal Eugênia Anna dos Santos), museu,

oficinas profissionalizantes e projetos so-

ciais...

É uma pequena cidade.

...mas, lá fora, apesar das conquistas das

mulheres, ainda não há tanto respeito e

igualdade. O que há com o ser humano

neste momento da história?

No século XXI, o mundo cresceu

imensamente. Nascem crianças aos

borbotões, morrem centenas de

pessoas e, em todo lugar, o mundo

está muito cheio. E, com tudo isso,

quando o Senhor Olorum fez o mun-

do, ele fez cada um com um caráter.

São diversas nações e todas pensam

diferente. Essas questões são difí-

ceis — nem acabando este mun-

do... Só Olorum criando outro. Ou

dando um jeito neste. Não sei o que

ele faria, porque até nós mesmos

não temos o mesmo pensamento

do fim do século XX. Nosso pensa-

mento atual é quase totalmente di-

ferente do século passado. Temos ti-

do uma evolução grande na tecno-

logia e tudo isso mexe também com

«O candomblénão é um teatro,demonstração,ou mis-en-scène.Temos nossasnormas, nossaliturgia. Algunssabem o que é»

REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

11/5/2008 13SALVADOR DOMINGO12 SALVADOR DOMINGO 1 1 / 5 / 20 0 8

os nossos neurônios. A gente fica di-

ferente. Até eu acho certas diferen-

ças das coisas. Mesmo porque se vo-

cê não se modifica fica alienada.

Com tanta violência contra crianças, às

vezes partindo até mesmo das próprias

famílias, como o candomblé responde a

essas questões?

Nossa preocupação grande aqui é

com as crianças. Nosso maior cuida-

do é com as crianças e com os velhos.

E eu já estou nesse bloco, já que es-

tou com 83 anos. Os velhos aqui têm

todo carinho e cuidado. Inventamos

a escolinha e, também, um projeto

que atende crianças e adolescentes.

Como temos, dentro do setor reli-

gioso, a Juventude Afonjá, na qual

crianças mais velhas tomam conta

das menores; criamos as pessoas de

uma forma adequada para que uma

respeite a outra e consiga encami-

nhar o outro também. E nós pedi-

mos sempre aos orixás que ilumi-

nem esses pais, esses professores e

que essas crianças tenham condi-

ções de acatar e assimilar tudo que

os mais velhos passam para eles.

Um dos provérbios do seu livro, editado

no ano passado (Òwe/Provérbio s), diz

que “as perguntas livram os homens dos

erros, porque quem não pergunta entre-

ga-se aos problemas”. A senhora sempre

teve uma preocupação ética, entendida

como filosofia moral, de refletir sobre o

candomblé, o que é raro, porque muitos

se concentram na parte ritualística.

É, nesse aspecto lúdico que tem o

candomblé. Pensam que são só

aquelas festas, as mulheres vestidas

com aquelas roupas. Agora, o fun-

damento, o preceito, as nossas obri-

gações, restrições, doações, são coi-

sas muito secretas. Para ser do orixá,

você tem que se doar, tem que acei-

tar as coisas e saber pensar, refletir e

a c e i t a r.

Outra dimensão ética que marca a pos-

tura da senhora é a independência em re-

lação à política.

Pelos políticos, torço por todos. Al-

guns aparecem e eu peço que, se for

para o bem da cidade, que o orixá

ajude. O orixá não tem partido. O

partido dele é o homem, a pessoa

que ele acha que deve servir à huma-

nidade.

Da política para a vida particular: qual

sua noção de liberdade e qual a liberdade

que tem um iniciado no candomblé ?

O bom da nossa religião é que não

existe pecado. Existe a reflexão. Exis-

te a obediência e o respeito. Então, se

você tem essas características, está

dentro das normas do candomblé.

Você pode se dar com qualquer pes-

soa, ir a qualquer lugar, estar em

qualquer ambiente, contanto que

não se envolva realmente. Um am-

biente pode ser até promíscuo, você

estar ali, mas não estar envolvido.

Você pode se dar com ministros, com

mafiosos, com qualquer pessoa, mas

não vai cair na onda dele, porque tem

responsabilidade espiritual, compro-

misso com você mesmo, com seu ori-

xá e com seus irmãos. O candomblé é

uma família.

Se esses princípios dão um norte ao re-

lacionamento entre os filhos, qual deve

ser a relação de uma casa em relação a

o u t ra ?

De axé para axé? É a mesma coisa. Os

valores são os mesmos, porque é

uma norma do orixá. Agora, toda ca-

sa tem detalhes. Nós somos uma ca-

sa descendente da Casa Branca, de

onde saiu Mãe Aninha. Eu lhe garan-

to que as coisas são bem semelhan-

tes, mas não são iguais à Casa Bran-

ca, porque é outra direção, é outra ca-

beça. Inclusive, estou aqui e quando

eu falecer e vier outra mãe-de-santo,

algum detalhe diferente vai ter.

Mãe Aninha, a propósito, lutou, no início

do século XX, pela liberdade de religião,

e a senhora, nos anos 80...

Me libertei da Igreja Católica.

Como a senhora gostaria de ver o can-

domblé e a humanidade daqui a cem

ano s?

A gente tem que fazer tanto ebó,

tanto bori, tem que dar tanto pre-

sente a toda a natureza, fazer tanto

sacrifício... Primeiro, para que o ho-

mem tenha uma mentalidade certa.

A partir de mim – preciso muito me

consertar ainda. Então, que as auto-

ridades que vêm aí sejam pessoas

dignas de segurar nossa Terra. O

mundo precisa melhorar, com certe-

za. Minha perspectiva é que, até lá,

todos se conscientizem da nossa res-

ponsabilidade para com o mundo e

cada um procure a perfeição, de

«O bom da nossareligião é que nãoexiste pecado.Existe a reflexão.Existe a obediênciae o respeito»

HAR

OLD

O A

BRAN

TES

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A T

ARD

E

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os nossos neurônios. A gente fica di-

ferente. Até eu acho certas diferen-

ças das coisas. Mesmo porque se vo-

cê não se modifica fica alienada.

Com tanta violência contra crianças, às

vezes partindo até mesmo das próprias

famílias, como o candomblé responde a

essas questões?

Nossa preocupação grande aqui é

com as crianças. Nosso maior cuida-

do é com as crianças e com os velhos.

E eu já estou nesse bloco, já que es-

tou com 83 anos. Os velhos aqui têm

todo carinho e cuidado. Inventamos

a escolinha e, também, um projeto

que atende crianças e adolescentes.

Como temos, dentro do setor reli-

gioso, a Juventude Afonjá, na qual

crianças mais velhas tomam conta

das menores; criamos as pessoas de

uma forma adequada para que uma

respeite a outra e consiga encami-

nhar o outro também. E nós pedi-

mos sempre aos orixás que ilumi-

nem esses pais, esses professores e

que essas crianças tenham condi-

ções de acatar e assimilar tudo que

os mais velhos passam para eles.

Um dos provérbios do seu livro, editado

no ano passado (Òwe/Provérbio s), diz

que “as perguntas livram os homens dos

erros, porque quem não pergunta entre-

ga-se aos problemas”. A senhora sempre

teve uma preocupação ética, entendida

como filosofia moral, de refletir sobre o

candomblé, o que é raro, porque muitos

se concentram na parte ritualística.

É, nesse aspecto lúdico que tem o

candomblé. Pensam que são só

aquelas festas, as mulheres vestidas

com aquelas roupas. Agora, o fun-

damento, o preceito, as nossas obri-

gações, restrições, doações, são coi-

sas muito secretas. Para ser do orixá,

você tem que se doar, tem que acei-

tar as coisas e saber pensar, refletir e

a c e i t a r.

Outra dimensão ética que marca a pos-

tura da senhora é a independência em re-

lação à política.

Pelos políticos, torço por todos. Al-

guns aparecem e eu peço que, se for

para o bem da cidade, que o orixá

ajude. O orixá não tem partido. O

partido dele é o homem, a pessoa

que ele acha que deve servir à huma-

nidade.

Da política para a vida particular: qual

sua noção de liberdade e qual a liberdade

que tem um iniciado no candomblé ?

O bom da nossa religião é que não

existe pecado. Existe a reflexão. Exis-

te a obediência e o respeito. Então, se

você tem essas características, está

dentro das normas do candomblé.

Você pode se dar com qualquer pes-

soa, ir a qualquer lugar, estar em

qualquer ambiente, contanto que

não se envolva realmente. Um am-

biente pode ser até promíscuo, você

estar ali, mas não estar envolvido.

Você pode se dar com ministros, com

mafiosos, com qualquer pessoa, mas

não vai cair na onda dele, porque tem

responsabilidade espiritual, compro-

misso com você mesmo, com seu ori-

xá e com seus irmãos. O candomblé é

uma família.

Se esses princípios dão um norte ao re-

lacionamento entre os filhos, qual deve

ser a relação de uma casa em relação a

o u t ra ?

De axé para axé? É a mesma coisa. Os

valores são os mesmos, porque é

uma norma do orixá. Agora, toda ca-

sa tem detalhes. Nós somos uma ca-

sa descendente da Casa Branca, de

onde saiu Mãe Aninha. Eu lhe garan-

to que as coisas são bem semelhan-

tes, mas não são iguais à Casa Bran-

ca, porque é outra direção, é outra ca-

beça. Inclusive, estou aqui e quando

eu falecer e vier outra mãe-de-santo,

algum detalhe diferente vai ter.

Mãe Aninha, a propósito, lutou, no início

do século XX, pela liberdade de religião,

e a senhora, nos anos 80...

Me libertei da Igreja Católica.

Como a senhora gostaria de ver o can-

domblé e a humanidade daqui a cem

ano s?

A gente tem que fazer tanto ebó,

tanto bori, tem que dar tanto pre-

sente a toda a natureza, fazer tanto

sacrifício... Primeiro, para que o ho-

mem tenha uma mentalidade certa.

A partir de mim – preciso muito me

consertar ainda. Então, que as auto-

ridades que vêm aí sejam pessoas

dignas de segurar nossa Terra. O

mundo precisa melhorar, com certe-

za. Minha perspectiva é que, até lá,

todos se conscientizem da nossa res-

ponsabilidade para com o mundo e

cada um procure a perfeição, de

«O bom da nossareligião é que nãoexiste pecado.Existe a reflexão.Existe a obediênciae o respeito»

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BIO RENATA BELMONTE

Texto MÁRCIA FERREIRA LUZ [email protected] IRACEMA CHEQUER [email protected]

A múltipla Senhorita B.

Na infância, ela passava o verão em uma casa bem em frente a uma biblioteca. Desd e

então, já tinha mil questionamentos. Enquanto as outras crianças queriam brincar de bo-

neca, correr e sonhar com presentes caros, essa menina, completamente inquieta, de-

sejava uma liberdade incompatível com a idade — algo que só encontrou nos livros. “Pre-

ciso de personagens, não suporto a idéia de ser apenas uma”. Assim, a ficção é o que

melhor traduz os pensamentos da escritora, advogada e professora Renata Belmonte, 26.

São dela os livros de contos Fe m i n i n a m e n t e (Prêmio Braskem Arte e Cultura em 2003) e O

que não pode ser (Prêmio Cultura e Arte Banco Capital em 2006). Também participou, em

2007, da coletânea Outras Moradas. Ela escreve o primeiro romance e acaba de produzir

e atuar em um curta-metragem. É autora, ainda, do blog Vestígios da Senhorita B. O curta,

o novo livro e o blog fazem parte de um projeto que ela chama de Triângulos do Real.

“Todos os vértices desse triângulo têm o mesmo nome e revelam facetas diferentes e

complementares do mesmo acontecimento. E o mais interessante disso tudo é que, en-

quanto trabalho essa história, acabo contando a minha própria. É na ficção que encontro

as minhas principais respostas”. «

» MUITO MAIS TEXTOS DE RENATA BELMONTE EM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO

uma forma ou de outra. Se todos se entenderem, se ama-

rem como seres humanos, se respeitarem dignamente e se

ajudarem, na medida do possível, o mundo vai ser uma be-

leza. Respeitar um ao outro, a natureza, respeitar as outras

nações. Creio que se todos do axé fizerem uma corrente pa-

ra que isso aconteça, e seja aquele amor fraterno e mater-

no, aí tudo vai dar muito certo, sem ambições e sem essa

coisa de um querer superar o outro.

Em 12 de agosto de 1983, a senhora assinou uma carta pública,

opondo-se aos que desvirtuavam os preceitos, fazendo cena pa-

ra o turismo. Vinte e cinco anos depois, a gente vive uma rea-

lidade na qual as coisas mais íntimas viram um espetáculo. Qual

seria uma postura digna de uma casa de candomblé?

Quando a humanidade entender o que é religião, vai res-

peitar o candomblé. Nossa religião não tem cor, sexo, raça

e classe social. No candomblé, um ser humano não é su-

perior ao outro, todos estão na mesma onda.

Na época, a senhora falou que contava com o apoio dos jovens

para levar adiante as mudanças em relação ao sincretismo.

Para falar a verdade, tenho encontrado entre os mais jovens

um candomblé independente. Se bem que existem tam-

bém os mais moços carnavalescos. Fazem até vergonha pa-

ra o nosso axé tantas figuras que você vê por aí. Mas, quan-

do você tem dez filhos, cada um tem uma natureza. A gente

tem que torcer para que eles tomem consciência da respon-

sabilidade com o sagrado, que é o orixá. O candomblé não

é um palco, não é um teatro, demonstração, ou m i s - e n - sc è -

ne. Temos nossas normas, nossa liturgia. Alguns sabem o

que é isso, e quem estudar profundamente vai saber como

deve proceder quanto ao candomblé, tanto para os adep-

tos, os comprometidos, quanto para os que estão fora tam-

bém, que têm que respeitar os outros.

Nos seus 83 anos, em que a senhora vê beleza?

A maior beleza e a maior dádiva que Deus pode dar é quan-

do vejo as respostas dadas pelos orixás aos pedidos que fa-

zemos. É algo que dá tanta alegria quando você vê aquilo

realizado... O resultado do pedido que você faz, quando vo-

cê vê uma família tomando um encaminhamento bom,

uma cidade livre de determinadas coisas. O que mais dá

alegria é ver a felicidade do outro. Com a felicidade do ou-

tro, você também está feliz. «A menina Maria Stella no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora

A ialorixá, em 1995, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá

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