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Flávia Lamberti
53
RESUMO / ABSTRACT
EXERCÍCIO DE PESQUISA TERMINOLÓGICA NO ENSINO DA TRADUÇÃO TÉCNICA E
CIENTÍFICA
Resumo: O ensino de tradução de textos especializados recorre à Terminologia para
buscar estratégias que podem contribuir para o desenvolvimento da competência
tradutória dos alunos em disciplinas de prática de tradução. Na Terminologia, as
linguagens de especialidade, objeto de trabalho da tradução técnica e científica, são
discutidas partir do aspecto pragmático, cognitivo e terminológico. Apresenta-se em
seguida um exercício de pesquisa terminológica com a escolha de dois textos didáticos
pertencentes à Economia, sendo um o texto original em inglês e o outro, a sua tradução
para o português do Brasil.
Palavras-chave: Tradução técnica e científica, Terminologia, Linguagens de
especialidade
Abstract: Specialized translation teaching has turned to Terminology to find strategies
which may contribute to the development of students’ translation competence in courses
of translation practice. In Terminology, languages for special purposes, object of work
in technical and scientific translation, are discussed within the pragmatic, cognitive and
terminological aspect. A terminological research exercise is then presented using two
didactic texts in the area of Economics, being one the original text in English and the
other its translation to Brazilian Portuguese.
Key words: Technical and Scientific Translation, Terminology, Language for Special
Purposes
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EXERCÍCIO DE PESQUISA TERMINOLÓGICA NO ENSINO DA TRADUÇÃO TÉCNICA E
CIENTÍFICA
Flávia Lamberti
Universidade de Brasília
Introdução Este artigo se propõe a discutir a tradução de textos especializados, técnicos e
científicos, dentro do quadro da Terminologia, ciência que estuda os termos nas
linguagens de especialidade. O tratamento proposto tem razão didática relacionada ao
ensino da tradução especializada a alunos de cursos de Letras-Tradução. A
Terminologia, tanto em sua vertente teórica quanto aplicada, oferece um quadro para o
estudo das linguagens de especialidade, as quais são objeto de trabalho da tradução
técnica e científica.
Considera-se que a compreensão do funcionamento dessas linguagens oferecerá
ao estudante de tradução estratégias que possibilitam o desenvolvimento de
competências, tais como a competência cognitiva, a competência linguística e a
competência sociofuncional (CABRÉ, 1999, p.195), para o processamento de traduções
especializadas.
A tradução técnica e científica tem como objeto de trabalho textos pertencentes
às mais variadas áreas do conhecimento. Sob a perspectiva da Terminologia, esses
textos são exemplares de linguagens de especialidade. Cada uma dessas linguagens, por
sua vez, tem a característica de pertinência a uma área do conhecimento e de ser
delimitada por uma estrutura conceitual, por marcas linguísticas, em especial
terminológicas, e por marcas pragmáticas distintivas. Dentre essas características, as
marcas pragmáticas, quer dizer, de uso, são agentes principais para a definição de
determinada configuração conceitual e terminológica em uma linguagem de
especialidade.
Este artigo objetiva apresentar um exercício de pesquisa terminológica a ser
usado em sala de aula, em disciplinas de prática de tradução de textos especializados,
realizado a partir da concepção de linguagens de especialidade em Terminologia, a qual
compreende três aspectos: pragmático, cognitivo e terminológico. O exercício é
desenvolvido em duas partes, uma teórica e outra prática; na primeira, apresenta-se a
referida concepção, que é a base para a condução da segunda parte.
1. As linguagens de especialidade As linguagens de especialidade situam-se na língua e fazem parte dela. Desse
modo, tais linguagens reúnem todas as características advindas do fato de fazerem parte
de um sistema linguístico, quer dizer, de serem passíveis de caracterização em diversos
níveis de descrição (fonológico, morfológico, lexical, sintático e discursivo) e de
apresentarem uma série de variedades (dialetais e funcionais) condicionadas pelas
características das situações comunicativas. (CABRÉ, 1993, p.126-127).
Diversas são as definições de linguagem de especialidade na Terminologia, tais
como em Cabré (1993, p.128-148). Nessa obra, é apresentada a contraposição entre
língua comum e linguagem de especialidade e entre língua geral e linguagem de
especialidade. A língua comum é definida como “o conjunto de regras, unidades e
restrições que formam parte do conhecimento da maioria dos falantes e representam um
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subconjunto da língua entendida em sentido global. As unidades da língua comum são
utilizadas em situações consideradas ‘não marcadas’” (CABRÉ, 1993, p.128)1. A língua
geral, no sentido de Kocourek, é a língua global e compreende tanto a língua comum
como as linguagens de especialidade.
As linguagens de especialidade são definidas como:
O conjunto de subcódigos – parcialmente coincidentes com o subcódigo da
língua comum – caracterizados em virtude de umas peculiaridades
‘especiais’, isto é, próprias e específicas de cada uma delas, tais como a
temática, o tipo de interlocutores, a situação comunicativa, a intenção do
falante, o meio no qual é reproduzido o intercâmbio comunicativo, o tipo de
intercâmbio, etc. As situações nas quais as linguagens de especialidade são
usadas podem ser consideradas ‘marcadas’. (CABRÉ, 1993, p.128-129).2
Além do caráter linguístico diferenciado, a definição acima dá destaque às
peculiaridades especiais, tais como a temática, o tipo de interlocutores e as situações
comunicativas, na delimitação de uma linguagem de especialidade. Essas peculiaridades
constituem os aspectos pragmáticos, os quais são elementos que melhor permitem
diferenciar as linguagens de especialidade em relação à língua comum. (CABRÉ, 1993,
p.154).
Esse caráter pragmático também recebe respaldo de outros teóricos da
Terminologia, tal como em Sager et al. (1980 apud CABRÉ, 1993, p. 125) na seguinte
citação:
As linguagens de especialidade são usadas de forma mais consciente do que a
língua geral e as situações nas quais são usadas intensificam a preocupação
do usuário com essa linguagem. É portanto no nível do uso que devemos
investigar critérios diferenciadores mais específicos.3
Destacam também o caráter pragmático Varantola (1986) e Picht e Draskau
(1985). O primeiro ressalta que o uso de uma linguagem de especialidade pressupõe
uma educação especial e está restrito à comunicação entre especialistas da mesma área
ou de áreas afins.
Já Picht e Draskau (1985 apud CABRÉ, 1993, p. 134) destacam o fato de que o
uso pode se dar em qualquer nível de complexidade e pode envolver diversos tipos de
interlocutores em razão desse nível:
Uma linguagem de especialidade é uma variedade formalizada e codificada
da língua, usada com propósitos especiais e em um contexto legítimo – quer
dizer, com a função de comunicar informação de natureza especializada em
1 El conjunto de reglas, unidades y restricciones que forman parte del conocimiento de la mayoría de
hablantes de una lengua constituye la llamada lengua común o general, que representa un subconjunto
de la lengua entendida en sentido global. Las unidades de la lengua común se utilizan en situaciones que
pueden calificarse como ‘no marcadas’. (CABRÉ, 1993, p.128). 2 En contraste, hablamos de lenguaje de especialidad (o de lenguajes especializados), para hacer
referencia al conjunto de subcódigos – parcialmente coincidentes con el subcódigo de la lengua común –
caracterizados en virtud de unas peculiaridades ‘especiales’, esto es, proprias y específicas de cada uno
de ellos, como pueden ser la temática, el tipo de interlocutores, la situación comunicativa, la intención
del hablante, el médio en que se produce un intercambio comunicativo, el tipo de intercambio, etc. Las
situaciones en que se utilizan los lenguajes de especialidad se pueden considerar, en este sentido,
‘marcadas’. (CABRÉ, 1993, p.128-129). 3Special languages are used more self-consciously than general language and the situations in which they
are used intensify the user’s concern with the language. It is therefore on the level of use that we look for
more specific differentiating criteria. (SAGER et AL. 1980 apud CABRÉ 1993, p. 125).
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qualquer nível - desde o nível de maior complexidade, entre especialistas, até
níveis de menor complexidade, com o objetivo de informar ou dar início ao
estudo de uma temática.4
Com Pitcht e Draskau, é possível pensar em uma escala de complexidade em
uma linguagem de especialidade, que varia de um nível de maior complexidade, no qual
os interlocutores são especialistas, por exemplo, a um nível de menor complexidade, no
qual os interlocutores são especialista e estudante ou especialista e público leigo.
Nesse sentido, os textos produzidos podem ser caracterizados por determinada
situação de uso que combina determinado nível de complexidade e tipo de interlocutor
ou destinatário. Os textos científicos, por exemplo, publicados em periódicos, têm um
nível de maior complexidade, são produzidos por especialistas e destinados a um
público também especialista. Já os textos didáticos, como os livros didáticos para o
ensino médio ou superior, têm um nível de menor complexidade em relação aos
primeiros e são direcionados ao estudante.
As diversas situações de uso a que uma linguagem de especialidade está sujeita
são passíveis de ser compreendidas pelo fenômeno da variação. A tarefa de
compreender fenômenos linguísticos variáveis é tarefa da socioterminologia, disciplina
que se ocupa da “variação social por que passa o termo nos diversos níveis e planos
hierárquicos do discurso científico e técnico” (FAULSTICH, 1999, p.175). A
diversidade de termos efetua-se em pelos menos três planos: temporal, horizontal e
vertical da língua:
1. toda língua é historicamente diversificada e, dada a mudança linguística,
um estado de língua no tempo 1 é diferente de um estado de língua no tempo
2; 2. toda língua é socialmente diversificada tanto pela origem geográfica
quanto pela origem social dos locutores; 3. Toda língua é estilisticamente
diversificada, os locutores vão modificando sua maneira de falar de acordo
com as situações sociais em que se encontram. (FAULSTICH, 1999, p.174).
A variação que decorre do ambiente de ocorrência no plano horizontal, no plano
vertical e no plano temporal é classificada como variação de registro. Nesse grupo, as
variantes terminológicas são denominadas variantes terminológicas de registro.
(FAULSTICH, 1999, p.176-178)
As variantes terminológicas de registro, por sua vez, classificam-se em três
tipos: variante terminológica geográfica, variante terminológica de discurso e variante
terminológica temporal, a seguir definidas:
1. variante terminológica geográfica, aquela que ocorre no plano horizontal
de um país, isto é, nas diferentes regiões em que se fala a mesma língua. Pode
decorrer de polarização de comunidades linguísticas geograficamente
limitadas por fatores políticos, econômicos ou culturais, ou de influências que
cada região sofreu durante sua formação. Servem de exemplo os termos da
linguagem médica caxumba, usado no centro-oeste, sudeste e sul do Brasil e
papeira, termo usado no norte e nordeste do Brasil, assim como em Portugal.
(...)
2. variante terminológica de discurso, a que decorre da sintonia que se
estabelece entre elaborador e usuários de textos mais formais ou menos
4LSP is a formalized and codified variety of language, use for special purposes and in a legitimate
context – that is to say, with the function of communicating information of a specialized nature at any
level – at the highest level of complexity, between initiate experts, and, at lower levels of complexity, with
the aim of informing or initiating other interested parties (...). (PICHT; DRASKAU, 1985 apud CABRÉ,
1993, p. 134)
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formais, como parotidite epidêmica, que é um termo específico do discurso
científico, da área da medicina; junta de descarga, termo próprio do discurso
técnico da área de mecânica de automóveis; planta de proveta, termo próprio
do discurso de vulgarização científica, da área de melhoramento genético.
Este tipo de variante ocorre no plano vertical do discurso de especialidade e
tem por meta estabelecer o máximo de simetria na comunicação.
3. variante terminológica temporal, aquela que, no processo de variação e
de mudança, em que duas formas (X e Y) concorrem durante um tempo, se
fixa como preferida. Serve de exemplo o termo já em desuso, da área de
biologia, macrogameta, que foi substituído, no discurso da biotecnologia, por
gameta feminino, assim como microgameta que cedeu lugar para gameta
feminino. (FAULSTICH, 1999, p. 177-178).
O estudo de Strehler (1995) apresenta pesquisa acerca da linguagem da área de
mecânica de automóveis, realizada sob a perspectiva da socioterminologia. A coleta dos
termos foi direcionada tendo em vista três meios sociais distintos: produtor, revendedor
e mecânico. Na análise dos dados, observou-se, por exemplo, que a peça de automóvel
chamada anel de descarga é o termo usado pelo produtor. Já os termos biscoito ou junta
de descarga são usados pelo mecânico. Trata-se de "variantes socioprofissionais",
termos com um mesmo significado, mas com formas diferentes haja vista a distinção de
meios socioprofissionais em uma mesma linguagem especialidade. É uma variação
própria do plano horizontal da língua advinda da distinção de origem social e
profissional dos interlocutores.
Em continuação à caracterização da concepção de linguagem de especialidade, a
seguir são apresentados mais dois outros aspectos: o aspecto cognitivo e o aspecto
linguístico, mais especificamente terminológico.
1.1 Estrutura conceitual (de conhecimento) das linguagens de especialidade
A abordagem terminológica considera que uma linguagem de especialidade tem uma
estrutura de conhecimento, que, por sua vez, é constituída de conceitos
interrelacionados de diversos modos, os quais constituem um subsistema. O conjunto de
subsistemas constitui o léxico de uma língua. Essas considerações foram depreendidas
da concepção de léxico no âmbito da Terminologia, conforme Sager (1993, p. 13):
O léxico de uma língua é constituído de muitos subsistemas separados que
representam a estrutura do conhecimento de cada área de especialidade ou
disciplina. Cada estrutura do conhecimento é constituída de conceitos
interrelacionados de diversos modos. A abordagem do estudo terminológico a
partir da dimensão cognitiva exige entendimento da estrutura do
conhecimento de modo a obter um panorama completo e coerente da
natureza, comportamento e interação dos conceitos e seus termos. (SAGER,
1990, p.13). 5
Os termos, por sua vez, representantes linguísticos dos conceitos, refletem a
organização do conhecimento de uma linguagem de especialidade e, por sua vez, a sua
estrutura conceitual, tal como em l’Homme (2004, p.25):
5 From the point of view of terminology, therefore, the lexicon of a language consists of the many
separate subsystems representing the knowledge structure of each subject field or discipline. Each
knowledge structure consists of variously interlinked concepts. Approaching the study of terminology
from its cognitive dimension requires an understanding of the structure of knowledge in order to obtain
as complete and coherent a picture of the nature, behavior and interaction of concepts and their
associated terms as possible. (SAGER, 1990, p. 13).
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A dimensão conceitual considera que o conjunto de termos de uma área
especializada é o reflexo da organização do conhecimento dessa área. Os
termos denotam os conceitos que são conectados entre si de diversas formas
(por exemplo, gênero e espécie ou parte e todo). A organização dos conceitos
de uma área – sua estrutura conceitual ou seu sistema conceitual – guia o
terminógrafo ao longo de seu trabalho de descrição (...)6
Essa estrutura conceitual pode ser extraída por meio de modelos de
representação, tais como as relações conceituais clássicas. (L’HOMME, 2004, p. 86).
Além dessas, destaca-se também a relação interlinguística, especialmente importante na
determinação da relação de equivalência entre conceitos de uma linguagem de
especialidade, em línguas diferentes (L’HOMME, 2004, p. 115). A seguir são
apresentadas as descrições das três relações conceituais clássicas e da relação
interlinguística, usadas neste estudo:
a) Relação genérica (ou gênero-espécie): essa relação estabelece uma ordem
hierárquica, na qual um termo com extensão7 mais ampla abrange uma série
de outros termos com características conceituais mais restritas e específicas.
O conceito mais genérico é chamado de hiperônimo e os conceitos mais
específicos são chamados de hipônimos. Esses são considerados ‘tipos’ do
termo mais genérico. Servem de exemplo a relação mamíferos – mamíferos
placentários (morcegos, tamanduás, macaco, homem, baleia) e mamíferos
não placentários (cangurus, coalas).
b) Relação partitiva: essa relação é também chamada de relação parte - todo ou
meronímica, na qual um termo denota um todo e outro ou vários outros
termos denotam as partes. Serve de exemplo a relação telefone – tela –
teclado – seletor de funções – controle de volume – luz indicadora de uso.
c) Relações associativas, também chamadas de relações complexas por Sager
(1990, p.34), as quais indicam diversos tipos de relações estabelecidas entre
os conceitos. Seguem alguns exemplos das possíveis relações:
RELAÇÃO EXEMPLOS
Produtor – produto agricultor -soja
Ação – resultado costurar - tecido
Ação – instrumento colher - colheitadeira
Recipiente – conteúdo cesta - maça
Causa-efeito chuva - inundação
Profissão-instrumento médico - estetoscópio
Instrumento – objeto martelo - prego
Duração – instrução hora - relógio
Pessoa – habitação rei -castelo
6 L´optique conceptuelle considere que l’ensemble des termes d’un domaine specialisé est le reflet de
l’organisation des connaissances dans ce domaine. Les termes dénotent des concepts qui sont reliés entre
eux selon différentes modalités (par exemple, en genres et espèces ou en tout et parties). L’organisation
des concepts d’un domaine – sa structure conceptuelle ou son système conceptual – guide le
terminographe tout au long de son travail de description (…) (L’HOMME, 2004, p.25) 7 A range of objects a concept refers to are called its extension. We speak of a broad concept as having a
wide extension because it encompasses many types of objects in its scope of meaning. (SAGER, 1990,
p.24) (Um conjunto de objetos a que um conceito se refere é chamado de extensão. Um conceito é
considerado amplo quando tem ampla extensão, pois esse abrange muitos tipos de objetos no âmbito do
seu significado).
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Conteúdo – contido caixa de ferramentas – ferramenta
(PAVEL, S.; NOLET, D., 2000, p.16)
d) Relações interlinguísticas: são relações conceituais de equivalência.
L’Homme (2004, p. 115) as denomina como uma “uma relação entre dois
termos que pertencem a línguas diferentes, mas que têm o mesmo
significado”8. Os termos estão em uma relação de equivalência uma vez que
dispõem dos mesmos componentes semânticos.
1.2 Terminologia
O termo ‘terminologia’ é polissêmico. Nesta seção, terminologia é o conjunto de
termos de uma linguagem de especialidade. Além dessa acepção, há outras duas, uma
como a disciplina ou ciência, outra como o conjunto de princípios que regem a
compilação de termos (CABRÉ, 1999, p.18-19).
Além do fato de os termos serem representantes linguísticos dos conceitos em
uma estrutura conceitual de uma linguagem de especialidade, uma terminologia tem
também um caráter distintivo por duas questões: i) a distinção entre ‘termo’ e ‘palavra’;
ii) ocorrência de unidades terminológicas complexas.
No que se refere ao ponto de vista linguístico, não é possível detectar uma
diferença entre ‘termo’ e ‘palavra’. Ambas as unidades têm uma forma fônica e gráfica,
uma estrutura morfológica (simples ou complexa), uma classe gramatical e um
significado (CABRÉ, 1999, p. 24-25). No entanto, algumas observações podem oferecer
indicações de que são unidades diferentes. A análise em conjunto de um inventário de
termos permite observar que determinados modos de formação de termos,
especialmente a formação com formantes cultos e as construções sintagmáticas fixas
(unidades terminológicas complexas), têm frequência muito maior nas linguagens de
especialidade do que na língua geral. Além disso, destacam-se os aspectos pragmáticos,
como aqueles que melhor permitem distinguir termo de palavra. Esses aspectos estão
relacionados: i) aos usuários; ii) às situações em que os termos são utilizados; iii) a
temática que veiculam, e iv) ao tipo de discurso. (CABRÉ, 1999, p. 24-25).
As unidades terminológicas complexas (UTCs) são passíveis de reconhecimento
pelos seguintes critérios, descritos por Boulanger (1993, p.10-12):
1) Inseparabilidade: não é possível intercalar uma palavra qualquer na sequência
lexical da UTC sem alterar o significado. Exemplo: tabela de demanda (*tabela
futura de demanda).
2) Impossibilidade de comutação ou substituição: impossibilidade de substituir
uma das palavras por outra sem romper as relações semânticas da UTC.
Exemplo: mercado competitivo por mercado de competição; efeito renda por
efeito salário; efeito substituição por efeito troca.
3) Impossibilidade de coordenação: quando existe a impossibilidade de coordenar
um dos componentes com outro elemento ou de recuperá-lo sob a forma
anafórica, isto é reduzida.
8 Cette relation engage deux termes appartenant à des langues différentes, mais qui ont le même sens.
(L’HOMME, 2004, p. 115).
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3.1 Coordenação. Ex: *mercado físico e de comércio eletrônico; *benefício
marginal e integral; *preço relativo e absoluto.
3.2 Anáfora. É a referência a uma palavra/termo anterior que se segue. É uma
UTC quando somente a base pode ser recuperada anaforicamente, jamais a
expansão.
Ex: lei da demanda Essa lei ... * Essa demanda...;
efeito substituição Esse efeito... * Essa substituição...
mercado de recursos Esse mercado... *Esses recursos...
2. Exercício de pesquisa terminológica
Esta seção apresenta a segunda parte do exercício de pesquisa terminológica
bilíngue para as aulas de prática de tradução de textos especializados. Propõe-se a
realização desse exercício antes da preparação de uma tradução específica. Uma vez
conduzido o exercício, elabora-se a tradução.
O exercício inicia-se com a delimitação de aspectos pragmáticos do texto a ser
traduzido, mais especificamente a área de conhecimento (juntamente com a definição da
subárea ou da temática), os interlocutores e a situação/ambiente de uso (o que inclui
registro de uso: marca geográfica, tipo de discurso e o ano de produção).
Em seguida, o exercício pode ser conduzido de duas formas:
1) na língua de chegada, seleciona-se um texto da mesma área de
conhecimento/subárea/temática e com o mesmo tipo de discurso9 e
interlocutores do texto a ser traduzido; ou
2) na língua de partida e na língua de chegada, selecionam-se textos da
mesma área de conhecimento/subárea/temática e com o mesmo tipo de
discurso e interlocutores do texto a ser traduzido.
Após a escolha do procedimento 1) ou 2) acima, são realizadas as seguintes
atividades:
i) construção de estruturas conceituais por meio da identificação de
relações conceituais, e
ii) seleção de unidades terminológicas.
Para este exercício, o texto a ser traduzido é classificado como pertencente à
área da Economia e trata da temática da demanda. No que se refere ao registro de uso, é
um texto didático, quanto ao tipo de discurso, cujos interlocutores são especialista e
estudante, o que indica ser um texto intermediário na escala de complexidade. Quanto
ao registro temporal e geográfico, é respectivamente uma publicação contemporânea,
elaborada em inglês para o mercado norte-americano.
Em continuação, escolheu-se o procedimento 2) para a condução deste exercício.
Desse modo, foram selecionadas duas publicações didáticas, uma na língua de partida, o
livro Macroeconomics, de Michael Parkin, publicado em 2002, e outra na língua de
9 O tipo de discurso aqui refere-se à possibilidade de variação terminológica de discurso, da qual
decorrem as variantes terminológicas de discurso, classificadas por Faulstich 1999, p. 177-178.
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chegada, a tradução desse livro em português, intitulada Economia, publicada em 2009,
8ª edição. Para este estudo, foi escolhido, em cada obra, o capítulo 3, Demand and
Supply e Demanda e Oferta, respectivamente.
A escolha de uma tradução como fonte da pesquisa terminológica em português
não foi considerada problemática, apesar de existirem instruções, como as do Manual de
Terminologia, de Pavel e Nolet, que recomendam a escolha de fontes originais. No
entanto, a escolha da obra traduzida foi favorecida pelo fato de o livro em questão ter
passado por revisão técnica de especialista, Professor Nelson Carvalheiro, Doutor em
Economia pela Universidade de são Paulo (USP), e pelo fato de o cotejo do original
com a tradução favorecer a identificação de termos equivalentes, isto é, de relações
interlinguísticas.
2.1 A construção de estrutura conceitual
A construção da estrutura conceitual inicia-se com a coleta de candidatos a
termo conduzida em âmbito bilíngue. A extração de tais candidatos a termo foi
conduzida a partir da leitura10 e do uso do critério relativo à concepção de unidade
terminológica (subitem 1.2).
Nessa fase foram coletados 41 candidatos a termo em português e 40 candidatos
em inglês:
Português Inglês
1. queda livre dramatic slide
2. queda livre de preços price slide
3. foguete rocket
4. subir como um foguete to rocket
5. foguete de preços price rocket
6. montanha-russa roller coaster
7. montanha russa de preços price roller coaster
8. mercado market
9. preço price
10. bem good
11. serviço service
12. recurso resource
13. insumo input
14. moeda money
15. mercado de câmbio currency market
16. mercado de comércio eletrônico e-commerce market
15. título financeiro financial security
14. mercado competitivo competitive market
15. preço monetário money price
16. custo de oportunidade opportunity cost
17. preço relativo relative price
10 A coleta dos termos pode também ser automática, quer dizer, utilizar um programa de computador que
seleciona unidades lexicais e apresenta estatísticas em relação à frequência de ocorrência. Nesse tipo de
programa, a alta frequência de uma unidade, ou de formas recorrentes, é um indicativo de que tal unidade
ou formas recorrentes é um termo. Nesta pesquisa, no entanto, em razão de a documentação ser reduzida
(seis páginas de texto) considerou-se que o critério da frequência não seria um indicativo real para a
seleção de um candidato a termo.
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18. índice de preços price index
19. demanda demand
20. quantidade demandada quantity demanded
21. necessidade want
22. plano de compras; plano dos
compradores
buying plan
23. lei da demanda law of demand
24. efeito substituição substitution effect
25. efeito renda income effect
26. curva de demanda demand curve
27. tabela de demanda demand schedule
28. curva de disposição e capacidade de
pagar
willingness-and-ability-to-pay curve
29. benefício marginal marginal benefit
30. mudança de demanda change in demand
31. preço de bens relacionados price of related goods
32. preço futuro esperado expected future price
33. renda income
34. renda futura esperada ?
35. população population
36. preferência preference
37. bem substituto substitute
38. bem complementar complement
39. bem normal normal good
40. bem inferior inferior good
41. mudança da quantidade demandada change in the quantity demanded
2.1.1 Relações conceituais e seleção de unidades terminológicas
Coletados os candidatos a termo, a fase seguinte concentrou-se em identificar
relações conceituais entre eles. Uma vez identificada a relação conceitual, tem-se a
efetiva seleção de unidades terminológicas. Isso que dizer que foram selecionados como
termos apenas aqueles candidatos que fizeram parte de uma estrutura conceitual,
elaborada a partir dos dados disponíveis no documento de análise.
As relações conceituais identificadas foram11:
1) Relação partitiva:
1.1 mercado (necessidade; comprador; vendedor; plano de compras;
preço; custo de oportunidade; bem; demanda; serviço, recurso; insumo;
moeda, título financeiro);
1.2 demanda (quantidade demandada, lei da demanda, curva de demanda,
tabela de demanda, curva de disposição e capacidade de pagar, benefício
marginal, mudança de demanda, mudança da quantidade demandada).
11 As relações conceituais são apresentadas com os dados do português, mas se considera que os termos
em inglês em relação de equivalência com os termos respectivos em português também apresentam as
mesmas relações identificadas.
Flávia Lamberti
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Em 1.1, por exemplo, o mercado é o todo, que se constitui por uma série de
outros conceitos, tais como: necessidade, comprador, vendedor, preço, custo de
oportunidade, bem, serviço, recurso, demanda. É no mercado que esses conceitos
entram em jogo e interagem. No mercado, por exemplo, a necessidade gera o interesse
por um bem; o comprador, por sua vez, interessa-se por um bem a um determinado
preço; a relação entre bem e preço gera uma demanda. Por outro lado, a escolha entre
um bem ou outro produz um custo de oportunidade.
A demanda (1.2) também relaciona-se de modo todo-parte com conceitos
estreitamente relacionados a ela, tais como lei da demanda e curva de demanda.
2) Relação genérica (gênero-espécie):
2.1 mercado (mercado de câmbio; mercado de comércio eletrônico)
2.2 mercado (mercado competitivo)
2.3 comprador (consumidor);
2.4 vendedor (produtor)
2.5 preço (preço monetário; preço relativo)
2.6 bem (bem substituto, bem complementar, bem normal, bem inferior)
Em relação à mercado, por exemplo, foram identificadas duas estruturas ‘tipo
de’. Em 2.1, mercado é apresentado em relação ao local onde se realiza; em 2.2, em
relação à intensidade da concorrência que compradores e vendedores enfrentam.
3) Relações associativas
As relações associativas observadas foram:
A) ‘causa – consequência’. Nessa relação, existe um conjunto de termos que exerce
influência para a definição de um resultado ou situação, quais sejam:
a) causa (preço, efeito renda, efeito substituição) – consequência (demanda,
quantidade demandada, plano de compras)
b) causa (preço dos bens relacionados, preço futuro esperado, renda, renda
futura esperada, população, preferência) – consequência (mudança de
demanda, mudança da quantidade demandada).
Em 1a) a demanda, a quantidade demandada, o plano de compras são causados,
ou melhor, influenciados, pelo preço, pelo efeito renda, pelo efeito substituição. Em 1b)
a mudança de demanda ou a mudança da quantidade demandada podem ser
influenciadas, por exemplo, pelo preço dos bens relacionados, mas também por outros
fatores, como a renda e a preferência.
B) ‘estado/condição – instrumento’. Nessa relação, um instrumento serve para
demonstrar determinado estado/condição. Serve de exemplo a relação entre quantidade
demandada e curva de demanda/tabela de demanda, sendo esses últimos instrumentos
usados para demonstrar a quantidade demandada de um bem a um determinado preço.
Do mesmo modo, a curva de disposição e capacidade de pagar é um
instrumento para demonstrar o benefício marginal dependendo da quantidade disponível
e do preço de um bem. Nesse sentido, a curva mostra que, à medida que a quantidade
aumenta, o benefício marginal de cada unidade diminui, assim como diminui o preço
mais alto que uma pessoa está disposta a pagar e é capaz de pagar.
Traduzires 4 – 2013
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Outro exemplo seria a relação associativa entre preço relativo e índice de
preços. O preço relativo de um bem é calculado em termos de uma ‘cesta’ de todos os
bens e serviços, também chamada de índice de preços. Para calcularmos o preço
relativo do café, por exemplo, dividimos o seu preço monetário pelo preço monetário de
uma ‘cesta’. O índice de preços é, portanto, um instrumento para o cálculo do preço
relativo.
4) Relações interlinguísticas
A análise dos textos em português e em inglês, conduzida com base no conceito
de relações interlinguísticas, permitiu identificar unidades lexicais, apresentadas no
subitem 2.1, em uma relação de equivalência, com exceção da unidade n. 34 em
português, o termo renda futura esperada. A não identificação de um equivalente pode
indicar, a princípio, uma relação não-isomórfica, que é a possibilidade de o português
fazer uma distinção que o inglês não necessariamente faz. (L’HOMME, 2004, p.115).
Por último, foram identificadas unidades lexicais que não foram selecionadas
como termo, pois não foram atribuídas a uma estrutura conceitual da área da Economia.
São elas em inglês: dramatic slide, price slide, rocket, to rocket, price rocket, roller
coaster, price roller coaster; seus respectivos equivalentes em português são: queda
livre, queda livre de preços, foguete, subir como um foguete, foguete de preços,
montanha russa e montanha russa de preços. Essas unidades apresentam a
característica de serem metáforas e de terem sido tomadas de empréstimo de outras
linguagens para uso na Economia, haja vista a necessidade de descrever a mudança de
preços. Nesse sentido, o conceito de queda livre12 da física foi usado para descrever a
queda brusca de preços13. Por sua vez, o conceito de foguete14 da astronomia, para a
subida rápida de preços, e o de montanha russa15, da ludologia, para as oscilações de
preços. Ressalte-se que em português foi usada a colocação verbal ‘subir como um
foguete’ como equivalente de to rocket16, em razão de não ser possível em português a
conversão de substantivo para verbo, tal como em inglês.
3. Considerações finais A análise de textos especializados a partir da concepção de linguagens de
especialidade em Terminologia permitiu abordar uma área do conhecimento, a
Economia, a partir de um ponto de vista linguístico. Isso quer dizer que a análise feita é
característica de um profissional da linguagem, mais especificamente de um
terminólogo ou de um tradutor-terminólogo, mas não de um economista. Tendo como
estratégia o quadro de análise proposto para a busca da organização do conhecimento
especializado em um ambiente bilíngue, foi possível caracterizar os textos de análise
quanto ao seu aspecto pragmático, cognitivo e terminológico e de identificar relações
12 “Em Física, queda livre é o movimento resultante unicamente da aceleração provocada
pela gravidade.. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Queda_livre>. Acesso em: 15 abr. 2014. 13 “O preço de um computador despencou em queda livre de cerca de $ 3.000 em 2000 para $300 em
2006”. (PARKIN, 2009, p.54) 14 Foguete. Substantivo masculino. 3. Astronomia. Veículo espacial que contém um explosivo e que é
propelido pela descarga, na parte traseira, dos gases liberados pela combustão. Disponível em
<http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=foguete>. Acesso em: 17 abr. 2014. 15 Montanha-russa. Substantivo feminino. 1) Lud. brinquedo, encontrado em parques de diversões, que se
constitui de uma múltipla rede de trilhos, armados em aclives e declives sucessivos (...). Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=montanha-russa>. Acesso em: 15 abr. 2014. 16 Rocket v.intr. 1. To move swiftly and powerfully, as a rocket. Disponível em: <
http://www.thefreedictionary.com/rocket>. Acesso em: 17 abr. 2014.
Flávia Lamberti
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interlinguísticas. Por fim, espera-se ter contribuído para o desenvolvimento da
competência tradutória dos alunos de prática de tradução e para o ensino da tradução
técnica e científica.
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Canadá: Université Laval, 1993.
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