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ARTIGOS 307 Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006 A atividade lúdica no autismo infantil * Ana Carina Tamanaha ** Brasilia Maria Chiari *** Jacy Perissinoto **** Marcia Regina Pedromônico ***** Resumo Introdução: a análise do brincar é um instrumento diagnóstico fundamental na infância. Diversos estudos têm hipotetizado que o comprometimento do desenvolvimento de linguagem da criança autista poderia ser explicado por falhas na imaginação e na capacidade simbólica. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a atividade lúdica de portadores de autismo infantil. Material e método: a amostra constituiu-se de 11 crianças autistas, de 3 a 6 anos, de ambos os sexos. Utilizamos os critérios propostos por Wetherby e Prutting (1984) e comparamos o desempenho lúdico em duas situações de observação distintas: livre e dirigida. Resultados: verificamos 91,67% de uso do critério sensório-motor, nas duas situações investigadas. Houve diferença estatisticamente significante, com melhor desempenho em situação dirigida, nos critérios agrupamento, formação de conjunto, funcionalidade e jogo compartilhado. Obtivemos 0% de uso do critério jogo simbólico, em ambas as situações. Conclusões: o procedimento adotado permitiu descrever a atividade lúdica do grupo de crianças com autismo, como caracteristicamente sensório-motora. No entanto, também se observou que a mediação do adulto- avaliador, por meio de modelo e incentivo, levou a criança a explorar novas formas de brincar. Essas descrições sugerem que a análise do jogo da criança portadora de autismo, com participação ativa do profissional, pode levar à descrição de seu modo e prognóstico da comunicação. Palavras-chave: autismo infantil; jogos e brinquedos; linguagem infantil. Abstract Background: the children’s play is very important to diagnosis. Several studies have indicated that receptive language and, to a lesser extent, expressive language are significantly correlated with symbolic play in samples of autistic children. The aim of this study was to analyse the children’s play in individuals with aqutism. Method: the sample included 11 autistic children, boys and girls from three to six years old. We used Wetherby and Prutting’s criteria. These criteria were analysed in free situation and direction situations. Results: we observed a statistically significant higher score in sensorimotor category in both situations. And 0% showed the symbolic play in both situations. Conclusion: we concluded that it is an important aspect of communication and it should be considered as a significant signal of communication disorder in autism. Key-words: autism; play and playthings; child language. * Este estudo é parte integrante da dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Unifesp. ** Fonoaudióloga. Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Unifesp. Professora mestre assistente do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. *** Fonoaudióloga. Professora livre-docente do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. **** Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Unifesp. Professora doutora adjunto do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. ***** Psicóloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Unifesp. Professora doutora adjunto do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp (in memoriam).

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    307 Distrbios da Comunicao, So Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006

    A atividade ldica no autismo infantil*

    Ana Carina Tamanaha**

    Brasilia Maria Chiari***

    Jacy Perissinoto****

    Marcia Regina Pedromnico*****

    Resumo

    Introduo: a anlise do brincar um instrumento diagnstico fundamental na infncia. Diversosestudos tm hipotetizado que o comprometimento do desenvolvimento de linguagem da criana autistapoderia ser explicado por falhas na imaginao e na capacidade simblica. Sendo assim, o objetivodeste estudo foi avaliar a atividade ldica de portadores de autismo infantil. Material e mtodo: aamostra constituiu-se de 11 crianas autistas, de 3 a 6 anos, de ambos os sexos. Utilizamos os critriospropostos por Wetherby e Prutting (1984) e comparamos o desempenho ldico em duas situaes deobservao distintas: livre e dirigida. Resultados: verificamos 91,67% de uso do critrio sensrio-motor,nas duas situaes investigadas. Houve diferena estatisticamente significante, com melhor desempenhoem situao dirigida, nos critrios agrupamento, formao de conjunto, funcionalidade e jogocompartilhado. Obtivemos 0% de uso do critrio jogo simblico, em ambas as situaes. Concluses: oprocedimento adotado permitiu descrever a atividade ldica do grupo de crianas com autismo, comocaracteristicamente sensrio-motora. No entanto, tambm se observou que a mediao do adulto-avaliador, por meio de modelo e incentivo, levou a criana a explorar novas formas de brincar. Essasdescries sugerem que a anlise do jogo da criana portadora de autismo, com participao ativa doprofissional, pode levar descrio de seu modo e prognstico da comunicao.

    Palavras-chave: autismo infantil; jogos e brinquedos; linguagem infantil.

    Abstract

    Background: the childrens play is very important to diagnosis. Several studies have indicated thatreceptive language and, to a lesser extent, expressive language are significantly correlated with symbolicplay in samples of autistic children. The aim of this study was to analyse the childrens play in individualswith aqutism. Method: the sample included 11 autistic children, boys and girls from three to six yearsold. We used Wetherby and Pruttings criteria. These criteria were analysed in free situation and directionsituations. Results: we observed a statistically significant higher score in sensorimotor category in bothsituations. And 0% showed the symbolic play in both situations. Conclusion: we concluded that it is animportant aspect of communication and it should be considered as a significant signal of communicationdisorder in autism.

    Key-words: autism; play and playthings; child language.

    * Este estudo parte integrante da dissertao de mestrado apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Distrbios da ComunicaoHumana da Unifesp. ** Fonoaudiloga. Doutoranda em Distrbios da Comunicao Humana pela Unifesp. Professora mestreassistente do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. *** Fonoaudiloga. Professora livre-docente do departamento deFonoaudiologia da Unifesp. **** Fonoaudiloga. Doutora em Distrbios da Comunicao Humana pela Unifesp. Professoradoutora adjunto do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. ***** Psicloga. Doutora em Distrbios da Comunicao Humanapela Unifesp. Professora doutora adjunto do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp (in memoriam).

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    308 Distrbios da Comunicao, So Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006

    Ana Carina Tamanaha, Brasilia Maria Chiari, Jacy Perissinoto, Marcia Regina Pedromnico

    Resumen

    Introduccin: el anlisis de la actividad de jugar es un instrumento diagnstico fundamental en lainfancia. La hiptesis de los diversos estudios acerca del tema es que el transtorno del desarrollo dellenguaje del nio con autismo podra explicarse por una imperfeccin en la imaginacin y en la capacidadsimblica. Por lo tanto, el objetivo de este estudio fue evaluar la actividad ldica de los nios conautismo. Material y Mtodo: la muestra fue formada por 11 nios con autismo, con edades entre los 3 y6 aos, varones y nias. Fueron utilizados los criterios de la propuesta de Wetherby & Prutting (1984) ylos desempeos de los nios en las actividades ldicas fueron comparados en dos condiciones diferentesde observacin: situacin libre y guiada. Resultados: fue observada la utilizacin del criteriosensoriomotor en 91,67% de las situaciones observadas, en las dos condiciones investigadas. La diferenciafue estatisticamente significativa y los nios presentaron mejor desempeo en situacin guiada, en loscriterios de agrupamiento, formacin de conjunto, funcionalidad e juego compartido. El uso del criteriojuego simblico no fue observado en las situaciones. Conclusiones: el procedimiento del estudio posibilitla descripcin de los juegos de los nios con autismo como una actividad esencialmente sensoriomotora.Tambin se observ que la intervencin del adulto/evaluador a travs del incentivo y modelo permiti laexploracin de nuevos modos de jugar de los nios. Estas descripciones sugieren que el anlisis deljuego del nio con autismo, con la participacin activa del profesional, puede llevar a la descripcin desu modo de comunicarse y a prognosticarla.

    Palabras claves: autismo infantil; juegos; lenguaje infantil.

    Introduo

    As caractersticas de comunicao das crian-as com autismo vm sendo estudadas desde Kan-ner (1943), em seus meios de expresso e de re-cepo tanto verbal, quanto no-verbal.

    Autores como Wetherby e Prutting (1984);Tamanaha e Scheuer (1995); Tamanaha (2000);Fernandes (2000); Charman et al. (2003), Jarrold(2003), Holgun (2003); Lewis (2003), Morgan,Maybery e Durkin (2003), Perissinoto (2003);Schuler (2003); Barrett, Prior e Manjiviona (2004)detiveram-se na descrio das peculiaridades dalinguagem dessas crianas e hipotetizaram que ocomprometimento em seu desenvolvimento da lin-guagem poderia ser explicado por falhas na imagi-nao e na capacidade simblica.

    Tanto na classificao de doenas proposta pelaOrganizao Mundial de Sade, o CID 10 (1998),quanto no manual diagnstico da AmericanPsychiatric Association, DSM IV tr (2001), obser-va-se a ateno dada anlise das alteraes ouausncia do jogo e da atividade imaginativa, comocritrios diagnsticos fundamentais para o autis-mo infantil.

    Baron Cohen, Leslie e Frith (1985) enfatiza-ram a relao entre os prejuzos sociais e de comu-nicao e as falhas cognitivas presentes em porta-

    dores de autismo infantil. Esses indivduos demons-tram dificuldade acentuada na capacidade simb-lica, o que os impede de estabelecer habilidades dereciprocidade social.

    Acreditando que na construo da linguagema capacidade de representao mental fundamen-tal, sendo essencial at mesmo para a aquisio dapalavra, este estudo teve como objetivo avaliar aatividade ldica de crianas portadoras de autismoinfantil.

    Partindo da hiptese de que a criana com au-tismo, sob o olhar da abordagem cognitivista, temcaractersticas peculiares na atividade ldica e queestas podem ser identificadas, buscamos compa-rar o desempenho ldico em duas situaes deobservao distintas: livre e dirigida, a fim dedelinearmos as diferenas existentes quando daausncia ou presena do adulto como tutor dasexploraes ldicas compartilhadas.

    Material e mtodo

    Amostra

    Constituiu-se de 11 crianas, na faixa etria de3 a 6 anos, com mdia de idade de 4 anos e 5 me-ses; sendo nove meninos e duas meninas, perten-centes a nveis socioeconmicos variando entre

  • A atividade ldica no autismo infantil

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    309 Distrbios da Comunicao, So Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006

    mdio e baixo. Todas as crianas, matriculadas emcreches da rede pblica de ensino, foram avaliadasno Ncleo de Investigao Fonoaudiolgica de Falae Linguagem Transtornos Globais do Desenvol-vimento (NIF-TGD) do Departamento de Fonoau-diologia da Unifesp e diagnosticadas, por equipemultidisciplinar composta por fonoaudilogos, psi-clogo e neurologista, como portadoras de autis-mo infantil, de acordo com a classificao propos-ta pelo Cdigo Internacional de Doenas (OMS,1998) e pelo Manual Estatstico de Doenas Men-tais DSM IV-tr (APA, 2001), no perodo entre1999 e 2001. Todas as crianas apresentavam limi-ares auditivos compatveis com os padres de nor-malidade e quociente de inteligncia variandoentre 60 a 90. Das 11 crianas avaliadas, sete mos-travam meio comunicativo, predominantementeno-verbal (uso de gestos e emisso apenas de vo-calizaes e balbucio), e quatro verbal (emisso depalavras isoladas ou frases).

    Procedimentos

    A observao do desempenho das crianas ematividade ldica foi realizada durante o perodo emque a criana se submetia ao processo de avaliaoe diagnstico fonoaudiolgico. Cada sesso tevedurao de 60 minutos.

    Foi necessrio que os pais ou responsveis es-tivessem cientes das condies da pesquisa, forne-cendo autorizao por escrito, de acordo com assugestes do Comit de tica em Pesquisa daUnifesp (protocolo n 1024/98).

    A observao da atividade ldica foi realizadaem duas situaes distintas:a) Livre: o avaliador no interferia na conduta da

    criana diante dos brinquedos, apenas respon-dia quando solicitado.

    b) Dirigida: o avaliador interferia comentando, su-gerindo ou iniciando verbal e/ou motoramentea explorao dos brinquedos.

    Para comparao da atividade ldica nessasduas situaes, a sesso foi dividida em dois mo-mentos. Nos primeiros 30 minutos, observamos aexpresso livre da criana e, nos 30 minutos se-guintes, a explorao dirigida.

    As sesses foram gravadas em videoteipe e as-sistidas por dois observadores-cegos que classifi-caram a atividade ldica da criana, segundo oscritrios propostos por Wetherby e Prutting (1984),

    traduzidos para a Lngua Portuguesa por Tamanahae Scheuer (1995) e adaptados por Tamanaha (2000),os quais seguem descritos abaixo.

    1. Sensrio-motor (SM): criana manipula livre-mente as peas por meio de aes sensrio-mo-toras (ex: leva objetos boca, lambe).

    2. Agrupamento (AG): criana agrupa peas semcritrios estabelecidos (ex: constri fileiras deobjetos ou empilhamentos).

    3. Formao de conjuntos (FC): criana forma con-juntos, categorizando os objetos pela utilizaode um critrio pelo menos (ex: separa peas porcor, forma).

    4. Seqencializao (SQ): criana organiza umaseqncia de objetos, utilizando alguns critriosestabelecidos (ex: dispe crculo vermelho-gran-de seguido do crculo azul-grande).

    5. Funcionalidade (FU): criana usa os objetos comfuncionalidade (ex: utiliza colher para alimen-tar a boneca).

    6. Jogo compartilhado (JC): criana explora o ob-jeto como meio comunicativo entre ela e o adulto(ex: empurra o carrinho para o adulto e aguardaa sua devoluo).

    7. Jogo simblico (JS): criana utiliza o objeto numjogo de faz-de-conta, fazendo representaesmentais de situaes vivenciadas (ex: constricasas, telefone, com peas de blocos lgicos).

    Os materiais ldicos foram compostos por: Blocos Lgicos: peas em madeira, diferentes em

    tamanho (2), cor (3), espessura (2) e forma (4). Utenslios Domsticos / bonecas/ carrinhos:

    miniaturas em plstico.

    Esses materiais se encontravam dispostos nocho e foram escolhidos por permitirem desdeexplorao sensrio-motora, como levar objetos boca, at o jogo simblico, no qual as crianasreproduzem vivncias num jogo de faz-de-conta.

    Com cada criana, foram usados todos oscritrios.

    Mtodo estatstico

    Para anlise dos resultados, foi utilizado testeno paramtrico, levando-se em considerao anatureza da varivel estudada.

    Foi aplicado o Teste de Mc Nemar (Remington,1970), com o objetivo de comparar os valores

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    310 Distrbios da Comunicao, So Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006

    Ana Carina Tamanaha, Brasilia Maria Chiari, Jacy Perissinoto, Marcia Regina Pedromnico

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    SM AG* FC* SQ FU* JC* JS

    livre dirigida

    estabelecidos na atividade ldica, nas situaes li-vre e dirigida.

    Fixou-se em 0,05 ou 5% o nvel para a rejei-o da hiptese de nulidade, assinalando-se comum asterisco os valores significantes.

    Resultados

    Na figura 1, podemos observar a freqnciade uso dos critrios (7) para anlise da atividadeldica, em cada uma das situaes investigadas:livre e dirigida.

    qual decorreriam as falhas de desenvolvimento delinguagem.

    Com relao ao critrio seqencializao (SQ),observamos, em ambas as situaes investigadas,ndices de 0,0 % de freqncia de uso. Esse fatoevidencia as falhas cognitivas que impedem o al-cance de etapas mais complexas e necessrias parao desenvolvimento da linguagem nos portadoresde autismo, mesmo em situao dirigida, quando oadulto fornece o modelo e compartilha sua atenocom a criana.

    Em relao aos demais critrios, verificamosdiferenas estatisticamente significantes commaior freqncia de uso das categorias agrupa-mento (AG), formao de conjunto (FC); funcio-nalidade (FU) e jogo compartilhado (JC), emsituao dirigida.

    Esses resultados mostram a importncia do esta-belecimento de momentos de compartilhamento deateno em atividades ldicas. O direcionamento, oincentivo e o modelo parecem ser fundamentais comoalicerces para adequao da aquisio e do desenvol-vimento dos aspectos relacionados ao processo deconstruo da linguagem nessa patologia.

    Autores como Tamanaha e Scheuer (1995),Tamanaha (2000), Schuler (2003) relataram que,embora os indivduos autistas apresentem dificul-dades em demonstrar a capacidade imaginativa, ojogo funcional pode ser observado, ainda que demodo restrito, como o encontrado neste estudo.

    No entanto, essa possibilidade de representa-o funcional de objetos, a nosso ver, essencialpara o desenvolvimento da capacidade simblica,pois deve ser considerada a precursora e a anteces-sora do jogo simblico, uma vez que, antes de usaros brinquedos num jogo de faz-de-conta, a crianadever vivenciar o uso funcional de objetos con-cretos para posteriormente utiliz-lo como recursopara a representao do mundo que a cerca.

    Da mesma forma, o critrio jogo compartilha-do (JC) demonstra a importncia de entendermos aatividade de jogo como um exerccio fundamentalpara o desenvolvimento das relaes sociais. Essafaceta social do jogo, entretanto, mostrou-se bastan-te restrita, especialmente em situao livre. E, em-bora os ndices obtidos mostrem alguma possibili-dade de interao, com a facilitao do adulto,ainda assim confirmam a existncia de falhas na ha-bilidade de interao social descrita pela Organiza-o Mundial de Sade (1998) e pela AmericanPsychiatric Association (2001) no autismo infantil.

    Discusso

    A comparao do uso de cada critrio, nas duascondies de observao, permitiu observarmosque, independentemente da conduta do avaliador,a maioria das crianas (91,67%) usou o critrio sen-srio-motor (SM). Esse comportamento sugere que,mais do que um possvel atraso no desenvolvimentoda explorao ldica, essa caracterstica sensrio-motora deve ser uma conseqncia das estereoti-pias presentes na manipulao de objetos da crian-a autista (Wetherby e Prutting, 1984) e evidentesmesmo em situaes tuteladas pelo adulto (Fernan-des, 2000; Tamanaha, 2000; Lewis, 2003; Morgan,Maybery e Durkin, 2003; Schuler, 2003).

    Outro fator relevante a ser considerado a pr-pria relao entre a explorao sensrio-motora eo desenvolvimento cognitivo, alm do quanto essetipo de atividade exploratria manifestada em ida-des avanadas, como as observadas, pode indicaruma alterao da prpria capacidade cognitiva, da

    Os critrios assinalados com um asterisco apresentaramdiferenas estatsticas, consideradas significantes.

    Figura 1 Critrios para anlise daatividade ldica das crianas autistas, emambas as situaes de observao.

  • A atividade ldica no autismo infantil

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    311 Distrbios da Comunicao, So Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006

    De maneira complementar, estudos comenta-ram sobre a dificuldade de se estabelecerem jogos,com carter social, junto s crianas autistas.

    As crianas no fizeram uso do critrio jogosimblico (JS) em nenhuma das condies de ob-servao. As dificuldades de as crianas produzi-rem brincadeiras utilizando a capacidade simbli-ca um indcio consistente para a caracterizaodos impedimentos de linguagem observados nessapatologia (Wetherby e Prutting, 1984; BaronCohen, Leslie e Frith (1985), Tamanaha e Scheuer,1995; Tamanaha, 2000; Charman et al., 2003;Jarrold, 2003; Holguin, 2003; Morgan, Maybery eDurkin, 2003; Perissinoto, 2003; Barrett, Prior eManjiviona, 2004).

    Interessante notar, entretanto, que o desempe-nho foi melhor em atividade dirigida, mostrando aimportncia da presena do adulto, incentivandoou fornecendo o modelo adequado de exploraoldica. Assim, buscamos interferir na conduta dacriana, minimizando os comportamentos de iso-lamento e disperso e facilitando momentos de aten-o compartilhada. Os resultados sugerem que,quando existe a interveno do adulto, as crianasautistas compartilham as atividades, mesmo quesejam realizadas, apenas, a partir da imitao.

    Embora alguns autores venham enfatizando asfalhas no comportamento imitativo em portadoresde autismo (Tamanaha e Scheuer, 1995; Charmanet al., 2003 e Jarrold, 2003), as crianas deste estu-do ampliaram a maneira de explorar os brinquedosquando houve a interferncia do adulto, fato quepode ser compreendido no s como uma estrat-gia na avaliao, mas tambm como um ndice deprognstico de comunicao.

    Finalizando, as crianas observadas usaram,preferencialmente, na atividade ldica o compor-tamento exploratrio sensrio-motor e restrito usode outras formas de brincadeiras, como, por exem-plo, agrupamento de peas ou formao de con-juntos. Alm disso, foi possvel observar a inabili-dade de elas produzirem atividade compartilhadae imaginativa, mesmo em situaes nas quais oadulto buscou incentivar e fornecer o modelo deexplorao ldica.

    Acreditamos que as falhas cognitivas demons-tradas na atividade ldica estejam intrinsecamenteassociadas s falhas comunicativas, uma vez que acapacidade simblica essencial para o estabele-cimento de relaes interpessoais, bem como paraa prpria aquisio da palavra.

    Assim, ao se considerar que o processo de lin-guagem se d pela juno das habilidades cogniti-va, social e lingstica, possvel ponderar sobre arelevncia da interveno teraputica de linguagempor fonoaudilogos para os portadores de tal pato-logia.

    No entanto, fundamental que o fonoaudilo-go tenha conscincia de que para alcanar e ultra-passar tais desafios necessrio se instrumentali-zar e estabelecer seu espao de trabalho dentro deequipes multidisciplinares, j que a compreensodo processo de linguagem depende da integraodas abordagens tericas constitudas por diversasreas do conhecimento humano, sendo um exem-plo disto a possibilidade de analisarmos os proces-sos de linguagem por meio da atividade ldica.

    Concluso

    O procedimento adotado permitiu descrever aatividade ldica do grupo de crianas com autismocomo caracteristicamente sensrio-motora. No en-tanto, tambm se observou que a mediao do adul-to-avaliador, atravs de modelo e incentivo, levoua criana a explorar novas formas de brincar. Essasdescries sugerem que a anlise do jogo da crian-a portadora de autismo, com participao ativa doprofissional, pode levar descrio de seus modose prognstico de comunicao.

    Deste modo, buscou-se aprofundar a discussosobre a atuao fonoaudiolgica no desenvolvimen-to de linguagem de sujeitos que apresentam padrestotalmente desvinculados dos marcos de desenvol-vimento normal.

    Referncias

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    312 Distrbios da Comunicao, So Paulo, 18(3): 307-312, dezembro, 2006

    Ana Carina Tamanaha, Brasilia Maria Chiari, Jacy Perissinoto, Marcia Regina Pedromnico

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    Recebido em novembro/05; aprovado em outubro/06.

    Endereo para correspondnciaAna Carina TamanahaRua Monsenhor Naline, 17, Parque Jabaquara, So Paulo

    E-mail: [email protected]