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EDI <;AO B RAS ILEIRA MA IO-JUNHO 20 12 http://militaryreview.army.mil Reflexoes p. 2 General de Exercito (Reserva) Paulo Cesar de Castro, Exercito Brasileiro Revltallzando a Estrategla Cooperatlva para o Poder Maritlmo do Seculo XXI p. 22 Capitao de Mare Guerra Charles C. Moore II, Marlnha dos EUA Perlgosas: 0 Contexto e as Consequenclas da dos Capelaes em Combatentes p. 53 Jacqueline E. Whitt CENTRO DE ARMAS COMBINADAS, FORTE LEAVENWORTH, KANSAS

1185 Military Review

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Revista especializada em estratégia militar dos exércitos dos países da América do Norte e da América Latina.

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    Mais anligo mtvio de guemJ comissionado ainda em seNifO, a fragata USS Constitution, em primeiro plano, croza a USS Carr (FFG 52~ no Potto de Boslon. durante comemorafAo da Batalha de Midway, 03 Jun 11.

    PB-1 00-12-05/06 Headquarters, Department of the Army

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  • General David G. Perkins Comandante, Centro de Armas Combinadas (CAC)

    Cel John J. Smith Editor-Chefe da Military Review

    Ten Cel Jeffrey Buczkowski Subdiretor

    Redao Marlys Cook Editora-Chefe das Edies em Ingls Miguel Severo Editor-Chefe, Edies em Lnguas Estrangeiras Maj David Youngdoff Gerente de Produo

    Administrao Linda Darnell Secretria

    Edies Ibero-Americanas Paula Keller Severo Assistente de Traduo Michael Serravo Diagramador/Webmaster

    Edio Hispano-Americana Albis Thompson Tradutora/Editora Ronald Williford Tradutor/Editor

    Edio Brasileira Shawn A. Spencer Tradutor/Editor Flavia da Rocha Spiegel Linck Tradutora/Editora

    Assessores das Edies Ibero-americanas Cel Jorge Gatica Brquez Oficial de Ligao do Exrcito Chileno junto ao CAC/EUA e Assessor da Edio Hispano-Americana Cel Douglas Bassoli Oficial de Ligao do Exrcito Brasileiro junto ao CAC/EUA e Assessor da Edio Brasileira

    2A Liderana Militar Estratgica: Experincias e ReflexesGeneral de Exrcito (Reserva) Paulo Cesar de Castro, Exrcito Brasileiro

    A preparao integral do lder inclui, necessariamente, os trs domnios: o do ser, o do saber e o do fazer. Tenho apresentado um quarto verbo aos que me ouvem: querer. De pouco adianta ser nomeado comandante, dominar os assuntos tcnico-profissionais que lhe esto afetos e fazer apenas o que est previsto nas leis e regulamentos em vigor.

    9Operaes Terrestres Unificadas: A Evoluo da Doutrina do Exrcito para o Sucesso no Sculo XXI Coronel Bill Benson, Exrcito dos EUA

    A ideia central da doutrina do Exrcito obter, manter e explorar a iniciativa para conquistar e conservar uma posio de vantagem em operaes terrestres continuadas. Um novo conceito operacional operaes terrestres unificadas restitui essa ideia central a seu devido lugar, com aplicabilidade a todas as operaes do Exrcito.

    22Revitalizando a Estratgia Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo XXICapito de Mar e Guerra Charles C. Moore II, Marinha dos EUA

    Em 2007, a Marinha dos EUA promulgou a primeira nova estratgia martima desde 1986, junto com o Corpo de Fuzileiros Navais e a Guarda Costeira, com o lanamento de Uma Estratgia Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo XXI.

    34A Guerra de Resistncia de Mao: Marco para a Anlise da Grande Estratgia da China Tenente-Coronel Tony K. Cho, Exrcito dos EUA

    Quais so os desafios a serem contemplados pela grande estratgia da China? A maioria dos especialistas concorda que o pas tem como principais objetivos o crescimento econmico e a manuteno da coeso poltica nacional, com o intuito de preservar a estabilidade interna e o controle pelo Partido Comunista da China.

    44Perdas na Transmisso: Como o Exrcito Distorceu a Mensagem sobre a Natureza da Profisso Primeiro-Tenente Anthony M. Formica, Exrcito dos EUA

    O Exrcito perdeu sua identidade profissional. imprescindvel que ele descubra como recuperar o esprito perdido, em nome da segurana nacional e do carter histrico da instituio. Fazer menos que isso seria arriscar que o Exrcito seja posto em um segundo plano de importncia.

  • Raymond T. OdiernoGeneral, United States Army

    Chief of Staff

    JOYCE E. MORROW Administrative Assistant to the

    Secretary of the Army

    Official:

    0633905

    Edio Brasileira Revista Profissional do Exrcito dos EUA Publicada pelo Centro De Armas Combinadas Forte Leavenworth, Kansas 66027-1293 TOMO LXVII MAIO-JUNHO 2012 NMERO 3 pgina na internet: http://militaryreview.army.mil correio eletrnico: [email protected]

    Professional Bulletin 100-12-05/06

    53Ligaes Perigosas: O Contexto e as Consequncias da Transformao dos Capeles em CombatentesJacqueline E. Whitt

    Com o envolvimento dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganisto onde comandantes, polticos e especialistas concordam que interaes interculturais positivas so imprescindveis para o cumprimento da misso tornou-se algo corriqueiro pensar nos capeles como mediadores ou como oficiais de ligao religiosa, adequados a esses ambientes de contrainsurgncia.

    65Deixando o Servio Ativo como uma Forma de Manifestar Discordncia Major Daniel J. Sennott, Exrcito dos EUA

    Os chefes e comandantes podem simplesmente se dar ao luxo de deixar o servio ativo quando discordarem de determinada poltica seja ela uma estratgia adotada no Afeganisto ou a permisso para que homossexuais sirvam nas Foras Armadas? Ou deve prevalecer a responsabilidade que tm para com seus subordinados? Devem permanecer na ativa e trabalhar para, de dentro da instituio, mudar as polticas de que discordam? At que ponto obrigao dos comandantes tornarem pblicas suas divergncias, sem que o relacionamento entre civis e militares seja prejudicado?

    73A Carroa na Frente dos Bois: A Estratgia e o Processo Oramentrio dos EUA Major Matthew M. McCreary, Exrcito dos EUA

    Se o oramento estiver realmente sendo utilizado para influenciar a estratgia, no estaremos pondo a carroa na frente dos bois? Este artigo analisa o processo de formulao de estratgia, como as autoridades civis e militares priorizam os esforos em um ambiente com limitao de recursos e os efeitos do ciclo oramentrio anual na estratgia dos EUA no Afeganisto.

    82As Verdadeiras Lies Aprendidas para os Comandantes, aps Anos de Combate Tenente-Coronel (Reserva) Joe Doty e Subtenente Jeffrey E. Fenlason, Exrcito dos EUA

    Os mais de dez anos em que os Estados Unidos da Amrica estiveram envolvidos nas atuais guerras proporcionaram vrias oportunidades para que aprendessem lies que podero ser utilizadas no desenvolvimento de futuros comandantes sejam eles oficiais ou praas.

    Foto da capa: O ento Presidente do Haiti, Ren Prval, recebe o Gen Div Santos Cruz e o tunisiano Hdi Annabi, respectivamente o Force Commander e o Representante do Secretrio-Geral da ONU para a MINUSTAH, poca. Annabi seria vitimado fatalmente pelo terremoto que abalou o Haiti em janeiro de 2010. Marco Domino

    Military Review Publicada pelo CAC/EUA, Forte Leavenworth, Kansas, bimestralmente em portugus, espanhol e ingls. Porte pago em Leavenworth Kansas, 66048-9998, e em outras agncias do correio. A correspondncia dever ser endereada Military Review, CAC, Forte Leavenworth, Kansas, 66027-1293, EUA. Telefone (913) 684-9338, ou FAX (913) 684-9328; Correio Eletrnico (E-Mail) [email protected]. A Military Review pode tambm ser lida atravs da Internet no Website: http://www.militaryreview. army.mil/. Todos os artigos desta revista constam do ndice do Public Affairs Information Service Inc., 11 West 40th Street, New York, NY, 10018-2693. As opinies aqui expressas pertencem a seus respectivos autores e no ao Ministrio da Defesa ou seus elementos constituintes, a no ser que a observao especfica defina a autoria da opinio. A Military Review se reserva o direito de editar todo e qualquer material devido s limitaes de seu espao.

    Military Review Edio Brasileira (US ISSN 1067-0653) (UPS 009-356)is published bimonthly by the U.S. Army, Combined Arms Center (CAC), Ft. Leavenworth, KS 66027-1293. Periodical paid at Leavenworth, KS 66048, and additional maling offices. Postmaster send corrections to Military Review, CAC, Truesdell Hall, 290 Stimson Ave., Ft. Leavenworth, KS 66027-1293.

  • A Liderana Militar Estratgica: Experincias

    e Reflexes

    General de Exrcito (Reserva) Paulo Cesar de Castro, Exrcito Brasileiro

    A ExPERinCiA E A doutrina, a Histria Militar e a literatura civil tm sido fontes inspiradoras para sucessivas palestras e debates com os coronis alunos do Curso de Poltica, Estratgia e Alta Administrao do Exrcito (CPEAEx)1.

    O curso desenvolvido na Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito (ECEME), durante um ano. Liderana Militar, uma de suas disciplinas curriculares, visa, dentre outros, aos seguintes objetivos2:

    Caracterizar liderana estratgica. identificar as analogias e as diferenas entre

    as lideranas civil e militar. Estabelecer princpios de liderana

    estratgica adotados na rea civil que possam ser aplicados na rea militar.

    Caracterizar as principais analogias e diferenas relativas ao exerccio da liderana em funo do grau hierrquico e das situaes vividas pelo militar: tempo de paz, operaes de combate, operaes logsticas, trato com autoridades civis e com o pblico em geral ou outras situaes.

    Propor estratgias, tcnicas e procedimentos que estimulem o desenvolvimento de atributos que caracterizam a liderana militar estratgica.

    O propsito deste artigo compartilhar experincias e reflexes, a par de contribuir para a evoluo doutrinria no Exrcito Brasileiro (EB), cujas armas silenciaram em 8 de maio de 1945, vitorioso na Segunda Guerra Mundial. Desde ento, seu emprego tem sido frequente, mas restrito a: operaes de garantia da lei e da ordem; aes subsidirias, como as de defesa

    O General de Exrcito Paulo Cesar de Castro graduado pela Academia Militar das Agulhas Negras, na arma de Artilharia. ps-graduado pela Escola de Comando eEstado-Maior, pela Escola de Guerra Naval (EGN) e pela Escola Superior de Guerra, do Exrcito Argentino. Comandou, como coronel, o 21 Grupo de Artilharia de Campanha; como Gen Bda, a ECEME; como Gen Div, a

    civil; e operaes de manuteno da paz, com tropa e observadores militares.

    O Nvel Estratgico Militar em

    Tempos de Paz

    O Manual de Campanha C 20-10, Liderana Militar, identifica trs nveis de comando e exerccio de liderana: pequenos escales, organizacional e estratgico3. Essa publicao doutrinria afirma que A liderana, no nvel de comando estratgico, exercida pelos responsveis por conduzir os grandes rumos da instituio EB4.

    O desafio emerge quando se tenta contextualizar o nvel estratgico no Exrcito Brasileiro, que vive tempos de paz e de normalidade por sucessivas dcadas. Ao examinar a estrutura, a distribuio geogrfica das foras e as prticas em curso, concluo ser arriscado vincular o nvel estratgico a um s parmetro, a hierarquia militar. Os generais de exrcito (Gen Ex) conduzem os grandes rumos do EB e, portanto, exercem liderana no nvel estratgico. Contudo, esse nvel no lhes exclusivo.

    Como general de diviso, tive a felicidade de comandar a ento 4 Regio Militar e 4 Diviso de Exrcito (4 RM e 4 DE)5, um grande comando operacional e administrativo, com jurisdio sobre o Estado de Minas Gerais (MG)6.

    Com territrio aproximadamente igual ao da Frana, Minas Gerais uma unidade geopoltica isolada dos Estados vizinhos pelas serras do Mar e da Mantiqueira, integrada ao serto nordestino e justaposta ao planalto central. As manifestaes

    4 Regio Militar e a 4 Diviso de Exrcito. Como Gen Ex foi chefe do Departamento de Educao de Cultura doExrcito at 11 de maio de 2011, quando foi transferido para a reserva. Atuou nas operaes Rio-92, Rio, Minas Gerais e Ouro Preto, todas de garantia da lei e da ordem. doutor em Cincias Navais pela EGN.

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 2

  • LIDERANA MILITAR ESTRATGICA

    culturais de sua gente evidenciam idiossincrasia prpria. Meu superior imediato, o Comandante Militar do Leste (CML), era um Gen Ex com quartel-general (QG) no Rio de Janeiro, outra realidade geopoltica, cujos complexos problemas absorviam sua ateno, total e diariamente. Em decorrncia, minha liberdade de ao era quase absoluta, o que implicava ligao permanente com o governo estadual, instituies pblicas e privadas, autoridades federais, estaduais e municipais da minha rea de responsabilidade. implicava, tambm, os planejamentos decorrentes das hipteses de emprego em vigor, notadamente as de operaes de garantia da lei e da ordem (GLO) e de aes subsidirias.

    Outros grandes comandos (G Cmdo) apresentam caractersticas similares: a 5RM /5 DE e a 8 RM/8 DE, assim como as 6 e 10 RM. Em todos esses comandos de generais de diviso, seus comandantes exercem liderana que flutua, segundo a situao, do nvel organizacional para o estratgico, muito mais integrada a este ltimo nvel.

    Essa caracterstica ficou-me bem clara quando, em junho de 2004, a Polcia Militar, a Polcia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar e os agentes penitencirios paralisaram suas atividades, o que configurou uma das hipteses de emprego de minha tropa. O Plano de Operaes da 4 RM / 4 DE estava pronto, os reconhecimentos tinham sido realizados ao longo dos dois ltimos anos e os planos dos comandos subordinados estavam atualizados. Com liberdade de ao e apoio integral do Cmt CML, em permanente ligao com o governador do Estado, desencadeou-se a Operao Minas Gerais, concluda com xito absoluto. O Cmt CML, Gen Ex Manuel Luiz Valdevez Castro, fez-se presente em Belo Horizonte e conversamos juntos com o governador. O Gen Castro visitou todas as tropas em operaes. A ele minha gratido pela confiana, solidariedade e apoio irrestrito. no me resta dvida de que, naquela operao, continuava a exercer o comando no nvel estratgico, o que viria a se repetir durante a

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    O ento Presidente do Haiti, Ren Prval, recebe o Gen Div Santos Cruz e o tunisiano Hdi Annabi, respectivamente o Force Commander e o Representante do Secretrio-Geral da ONU para a MINUSTAH, poca. Annabi seria vitimado fatalmente pelo terremoto que abalou o Haiti em janeiro de 2010.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 3

  • CC

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    Ex

    Tropa do Exrcito executa cerco e isolamento do prdio da Assembleia Legislativa da Bahia, durante greve de policiais militares naquele Estado, Fev 2012.

    Operao Ouro Preto7, quando minha tropa foi empregada para garantir a segurana da reunio dos chefes de Estado do MERCOSUL e de pases associados. Foi desafiador cumprir a misso no apenas comandando foras do Exrcito, mas coordenando suas aes com as de outras agncias policiais e governamentais com culturas e valores bem distintos dos que praticamos.

    Pergunto-me pelos generais brasileiros que comandaram foras de paz na Repblica Dominicana, em Angola, Moambique e no Equador: em que nvel exerceram sua liderana? E os que comandaram e ainda comandam no Haiti? nos casos em apreo tratava-se de exercer liderana estratgica militar sobre foras brasileiras e de diferentes pases, em cumprimento a mandatos da OnU e da OEA, em ntima ligao com autoridades internacionais e dos pases hospedeiros. Reafirmo, pois, que a liderana no nvel estratgico militar no est vinculada apenas ao grau hierrquico.

    A Essncia da Liderana Aos meus irmos de armas concito, com

    veemncia, que se dediquem liderana especificamente militar. Sua essncia idntica da liderana civil, mas suas caractersticas so prprias e sem similar nos ramos profissionais externos caserna. Apenas dos lderes militares exigida preparao, em casos extremos, para ordenar o uso da fora letal.

    Preciosa literatura sobre liderana inunda livrarias e atrai, cada vez mais, lderes empresariais e religiosos, desportivos e polticos, comunitrios e... militares (sim, ns tambm, por que no?). Algumas obras se destacam por apresentarem a essncia da liderana, em seus trs domnios: o do ser (domnio afetivo), o do saber (domnio cognitivo) e o do fazer (domnio psicomotor).

    Bernardo Rocha de Rezende, o Bernardinho, o mais vitorioso treinador brasileiro de voleibol, tendo acumulado mais de trinta ttulos importantes em sua carreira como lder de selees nacionais masculinas e femininas8. Sua obra Transformando Suor em Ouro9 valioso manual de liderana.

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 4

  • LIDERANA MILITAR ESTRATGICA

    Em minhas palestras, invariavelmente, recorro s suas palavras: trabalho + talento = sucesso e, no por acaso, o trabalho vem antes do talento. Em termos militares, significam que se deve exigir muito e sempre na instruo e no adestramento de homens com vocao e talento para o combate. Suor poupa sangue.

    Recorro, tambm, a James C. Hunter, autor de O Monge e o Executivo10 e de Como se tornar um lder servidor11. De sua primeira obra, lembro aos coronis que Voc gerencia coisas e lidera pessoas12. Ao aplicar esse princpio, qualquer que seja o nvel em que esteja exercendo seu comando, o lder militar ser o defensor e amigo de seus liderados, sensvel s suas aspiraes, limitaes e emoes. Ser, ainda, leal e justo, exigente e imparcial, educador e paciente, disciplinador e respeitoso, e exemplo de militar e cidado. Em sua segunda obra, o autor afirma que a liderana servidora um estilo de vida ela no conquistada, mas construda com servio e sacrifcio13. Observe o leitor que Bernardinho e James C. Hunter chegam ao mesmo fundamento. Em termos castrenses, afirmo que o lder estratgico se prepara desde tenente e lder de pequenas fraes, dedicando-se integralmente ao servio da Ptria, respeitando os superiores hierrquicos, tratando com afeio os irmos de armas e com bondade os subordinados, palavras que todos pronunciamos cerimoniosamente frente daBandeira do Brasil. imperioso execut-las em plenitude para se tornar um lder militar.

    A essncia da liderana pode ser resumida por duas palavras sinnimas: princpios e valores. Essa no uma reflexo; certeza absoluta. A obra de Michael Jordan nunca deixe de tentar foi publicada no Brasil com comentrios de Bernardinho14, muito feliz ao sintetizar o pensamento do autor e citar o de um empresrio: Os grandes lderes tm uma enorme capacidade de realizao, mas o que realmente os diferencia so os princpios e valores que trazem consigo. O empresrio Marcel Telles usa a seguinte definio: Lder o guardio de princpios...15

    A essncia da liderana militar, em qualquer nvel de comando, orienta-se pelo mesmo postulado. no me canso de lembrar aos ouvintes a destinao constitucional do Exrcito16, de

    cujo enunciado destaco, como valores, a Ptria, a hierarquia, a disciplina, a lei e a ordem. A esse ncleo duro, reflexes e experincias certamente acrescentam outros tantos valores necessrios ao exerccio da liderana militar, dentre os quais: o exemplo e o comprometimento; a prtica da verdade e a honestidade; a retido e a coragem moral; a coragem fsica, a dedicao e a responsabilidade. Por certo essa uma relao incompleta, mas seu resumo diz tudo: o lder militar exemplo de carter e dignidade.

    O Comandante o Lder Militar O C 20-10 definiu que A liderana militar

    consiste em um processo de influncia interpessoal do lder militar sobre seus liderados, na medida em que implica o estabelecimento de vnculos afetivos entre os indivduos, de modo a favorecer o logro dos objetivos da organizao militar em uma dada situao17. Acrescenta que a liderana uma ferramenta do comandante18 para mover homens e mulheres por meio de sua qualificao profissional, de seu desempenho pessoal, alm de leis e regulamentos.

    Ao refletir sobre a doutrina e conjug-la com experincias de quarenta e seis anos de servio ativo, julgo ser indispensvel que o comandante

    Apenas dos lderes militares exigida preparao, em casos extremos, para ordenar o uso da fora letal.

    lidere sua tropa, seja uma simples esquadra, seja um grande comando e seja, at mesmo, o Exrcito Brasileiro. Se tal no ocorrer, o comandante no estar cumprindo sua misso. Todos so preparados e tm o dever de se aperfeioar ao longo da carreira no exerccio da liderana militar. Ocorrendo vcuo de liderana, no h exerccio do comando, mas ilusria rotina burocrtica, resumida aos sinais exteriores de respeito e produo de documentos de eficcia duvidosa. Portanto, o exerccio da liderana militar constitui dever inalienvel do comandante. S ser comandante quem liderar.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 5

  • Experincias e Suas LiesO sucessivo desempenho dos cargos de

    Comandante da 4 RM/ 4 DE, de Secretrio de Economia e Finanas (SEF) e de Chefe do

    Para ser comandante com letras maisculas necessrio querer liderar sua tropa, o que implica ser exemplar soldado, modelo de cidado e fazer o que tem de ser feito, vinte e quatro horas por dia.

    Departamento de Educao e Cultura do Exrcito19 (DECEx) proporcionou-me experincias e lies, algumas das quais passo a compartilhar com meus irmos de armas.

    A primeira lio ouvir. Esforcei-me por pratic-la com os oficiais de meu estado-maior. Recm chegado 4 RM/4 DE, fui procurado pelo oficial de operaes, Tenente-Coronel de Cavalaria Alvorcem, objetivo e conciso. Apresentou-me o plano de operaes para a hiptese de paralisao da Polcia Militar e disse-me: General, precisamos realizar os reconhecimentos. Em consequncia, ainda em 2003, todos os comandantes envolvidos e seus estados-maiores deslocaram-se para Belo Horizonte, capital de Minas Gerais e, paisana, discretamente, em viaturas civis, reconheceram itinerrios, pontos de acolhimento, acantonamentos, zonas de ao e limites. Testamos o sistema de comando e controle, reajustamos medidas de coordenao e nivelamos os conhecimentos de inteligncia. Idnticas aes foram repetidas no incio de 2004, em razo da substituio anual de comandantes e da chegada rea de novos oficiais de estado-maior. Assim foi possvel, em 3 de junho de 2004, desencadear a Operao Minas Gerais, concluda em 10 do mesmo ms, com a misso plenamente cumprida.

    na SEF fui procurado pelo Cel Campos, meu assistente, com quem passei a discutir as visitas de orientao tcnica (VOT), realizadas pelo

    Secretrio, seus generais de intendncia e oficiais de estado-maior s regies militares. Das sugestes do Assistente e de convices que formei, moldou-se rotina inovadora para as VOT: durao de uma jornada completa; testes de conhecimentos aplicados a cada agente da administrao, os comandantes inclusive; oficinas sobre temas especficos e, naturalmente, devoluo dos resultados pela cadeia de comando. Os resultados foram estimulantes, tendo envolvido comandantes em todos os escales, com o consequente aprimoramento na capacitao tcnica geral. Foi recompensador ter ouvido o Assistente.

    A segunda lio refere-se relevncia da insubstituvel presena do comandante em todas as unidades subordinadas. Diretrizes e ordens escritas, contatos telefnicos e videoconferncias tm reconhecido valor. Julgo-os valiosos instrumentos complementares, inclusive no nvel estratgico, mas que no substituem frequentes visitas s unidades. Inspees, exerccios no terreno, solenidades internas e olimpada militar so algumas das oportunidades que o lder militar no pode desperdiar. So momentos preciosos que se oferecem ao lder para conversar e compartilhar refeies com oficiais e praas, transmitir-lhes, pessoalmente, a orientao de comando, e estimul-los a expressarem seus pontos de vista, aspiraes e realizaes, inclusive pessoais. So, enfim e sobretudo, ocasies que permitem fortalecer os laos de confiana e camaradagem recprocas entre lder e liderados. pela presena pessoal que a liderana fortalecida. nesses encontros o lder agrega e orienta seu grande comando rumo misso que lhe est confiada.

    Uma terceira lio a de que o lder militar estratgico um planejador por excelncia. Seu estado-maior seu aliado nesse mister e deve ser estimulado ao mximo a contribuir com ideias inovadoras. Em Minas Gerais, por exemplo, a misso era dupla, a de regio militar e a de diviso de exrcito. Sintetizvamo-la em duas palavras: combater e apoiar. Conciliar todas as atividades militares com a representao do Exrcito em Minas Gerais parecia dificlimo, mas no resistiu a um bom planejamento. Vali-me da experincia das escolas do Exrcito que, no ano anterior, j tm prontos seus respectivos Planos Gerais de Ensino (PGE), detalhando dia a dia as atividades

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 6

  • LIDERANA MILITAR ESTRATGICA

    do ano seguinte. Encarreguei meu chefe de estadomaior de preparar documento similar, a que chamamos Plano Geral de Atividades (PGA). Seu trabalho foi primoroso e, com base nele, ficou exequvel realizar todas as atividades previstas e, ainda, desencadear operaes e atender a situaes inopinadas. Experincias sucessivas na SEF e no DECEx ratificaram-me de que pelo planejamento que o lder militar estratgico revela sua arte em aplicar o poder de que dispe.

    A quarta lio refere-se inteno do comandante, que deve ser divulgada e estar na mente de todos os liderados. Como exemplo, transcrevo a inteno que expressei na Operao Minas Gerais:

    A minha inteno : cumprir a misso com o mximo de

    apoio da populao e com o mnimo de desgaste para a imagem do Exrcito;

    manter ou restabelecer a ordem pblica no mais curto prazo;

    empregar a tropa com o mximo de segurana, evitando-se, dentro do possvel, danos ao pessoal militar e civil, assim como ao patrimnio pblico;

    evitar o confronto direto com as foras policiais paralisadas;

    atuar com tropa que se apresente muito bem perante a populao local, demonstrando sua capacidade de agir e fazer-se presente na rea. A inteno do comandante no est entranhada

    na cultura do Exrcito em tempo de paz. Sustento que todo lder militar, em qualquer escalo de comando, deve transmitir sua inteno em todas as misses de tempo de paz. Isso quer dizer, por exemplo, que no deveria haver ordem de instruo ou de servio sem a inteno dorespectivo comandante. ela que estimula e permite aos comandados tomar iniciativas e decidir com oportunidade. A inteno no deve se limitar s operaes, mas estar internalizada na cultura da Fora, como qualquer outro princpio bsico de comando.

    Reflexes sobre Liderana e

    Comando

    A preparao integral do lder inclui, necessariamente, os trs domnios: o do ser, o do saber e o do fazer. Tenho apresentado

    um quarto verbo aos que me ouvem: querer. De pouco adianta ser nomeado comandante, dominar os assuntos tcnico-profissionais que lhe esto afetos e fazer apenas o que est previsto nas leis e regulamentos em vigor. Para ser comandante com letras maisculas necessrio querer liderar sua tropa, o que implica ser exemplar soldado, modelo de cidado e fazer o que tem de ser feito, vinte e quatro horas por dia. Aos lderes militares estratgicos apresento as afirmativas que se seguem e com as quais concordo plenamente20:

    Se o general permanece em silncio enquanto o governante leva a nao guerra com meios insuficientes, assumir a responsabilidade pelos riscos.

    O general que fala bem alto sobre o preparo para a guerra, enquanto a nao est em paz, coloca em risco sua posio e seu status. Entretanto, o general que fala muito baixo coloca em risco a segurana de sua nao. Experincias e reflexes permitem-me

    concluir que a essncia da liderana independe do nvel de comando. Militar ou civil , estratgico, organizacional ou ttico, na paz e na guerra, o lder , em sua verdadeira grandeza, um guardio de valores. Afastado dos campos de batalha desde a Segunda Guerra Mundial, o Exrcito Brasileiro tem participado de operaes de manuteno da paz e de garantia da lei e da ordem. Seus lderes dedicam-se primordialmente ao preparo da Fora. nesse contexto arriscado vincular a liderana estratgica, exclusivamente, ao posto

    O tcnico Bernardinho transmite instrues aos jogadores da Seleo Brasileira Masculina de Vlei: seus atributos de liderana so bem conhecidos dos brasileiros.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 7

  • de mximo da hierarquia. Ao contrrio, h generais de diviso e de brigada que cumprem suas misses em nvel claramente estratgico.

    no nvel estratgico importa saber ouvir, planejar, deixar clara sua inteno e fazer-se presente junto tropa. A presena do comandante e lder insubstituvel. Ela faz a diferena. Conhea seus liderados, faa-se conhecer, estimule-os, exija-os ao mximo, elogie-os, puna-os se necessrio e torne-se defensor e amigo de sua tropa.

    importa, tambm, estar preparado para enfrentar e superar desafios inditos que as escolas nem sequer visualizam, hoje. A par da rica preparao institucional que o Exrcito proporciona, acompanhar os cenrios externos e internos, autoaperfeioar-se e preparar os

    comandados-liderados so armas poderosas para decidir com vigor, oportunidade e acerto em qualquer situao.

    Eis as vias de acesso que tenho apresentado para que o lder militar construa e fortalea os vnculos afetivos que conduzem ao cumprimento da misso. E cumprir a misso , sem discusso, conquistar a vitria na guerra, nas operaes de manuteno da paz, de GLO e subsidirias.

    Finalmente, lembro que, em qualquer situao e escalo, o comandante deve estar obcecado em ser o lder militar de sua tropa, sob pena de se arrastar pelas casernas em enfadonhas tarefas burocrticas e de no comandar. no permitir jamais vcuos de poder por tibieza e falta de liderana. Lembro ao irmo de armas que tu s o exemplo de soldado total para teus comandados-liderados. Ao combate!MR

    REFERNCIAS

    1. Coronis do Exrcito, selecionados pelo mrito, capites de mar e guerra da Marinha do Brasil e coronis da Aeronutica, todos alunos do CPEAEx.

    2. BRASiL, Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, CPEAEx, Documento de Currculo. Aprovado pelo Boletim interno da Diretoria de Formao e Aperfeioamento n 081, de 25 de outubro de 2007, p. 6 e 7.

    3. BRASiL, Estado-Maior do Exrcito, Liderana Militar. Portaria n 102EME, de 24 de agosto de 2011, Captulo 6, Artigo iii, pargrafo 6-7.

    4. id. pargrafo 6-8. 5. Abril de 2003 a junho de 2005. 6. Exceto a regio conhecida como Tringulo Mineiro. 7. Segurana de chefes de Estado do MERCOSUL, recepcionados e

    hospedados em Belo Horizonte e que se reuniram em Ouro Preto. A hiptese de emprego configurada foi segurana de grandes eventos, para a qual se contava com foras policiais federais e estaduais.

    8. Disponvel em: http://www.wikipedia.org/wiki/. 9. REZEnDE, Bernardo Rocha de (Bernardinho). Transformando suor em

    ouro/Bernardinho. Rio de Janeiro: Sextante, 2006. 10. HUnTER, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante,

    2004. 11. HUnTER, James C. Como se tornar um lder servidor. Rio de Janeiro:

    Sextante, 2006. 12. Ob. cit. pgina 25. 13. Ob. cit. segunda capa. 14. JORDAn, Michael. Nunca deixe de tentar. Rio de Janeiro: Sextante,

    2009. 15. Ob. cit., p. 78. 16. Repblica Federativa do Brasil, Constituio, 1988, Art. 142. 17. BRASiL, Estado-Maior do Exrcito, Liderana Militar. Portaria n

    102-EME, de 24 de agosto de 2011., pag. 3-3. 18. Comandante, chefe ou diretor, em todos os escales de comando,

    chefia e direo. 19. O autor foi o ltimo Chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP)

    e o primeiro do Departamento de Educao e Cultura do Exrcito, denominao por ele proposta ao Comandante do Exrcito em substituio de DEP.

    20. YinGLinG, Ten Cel Paul. Uma falha no generalato. Armed Forces Journal, maio de 2007.

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 8

  • Operaes Terrestres Unificadas: A Evoluo

    da Doutrina do Exrcito para o Sucesso no Sculo xxi Coronel Bill Benson, Exrcito dos EUA

    A S FORAS ARMADAS estadunidenses comearam a segunda dcada do sculo xxi engajadas decisivamente em vrias partes do mundo, dando continuidade a uma tendncia originada nos anos 90, na Somlia, no Haiti, na Bsnia e no Kosovo, com a participao em operaes militares de no guerra de longa durao, que prosseguiu na primeira dcada deste sculo, no iraque e no Afeganisto. O Exrcito dos Estados Unidos da Amrica (EUA) enfrenta o desafio de desdobramentos repetidos e longos contra formaes inimigas que no se prestam a definies e conceitos doutrinrios simples.

    A doutrina do Exrcito evoluiu para atender aos desafios. Seus formuladores tiveram dificuldade em encontrar uma linguagem clara e sucinta para descrever com preciso conceitos operacionais. Grande parte dessa dificuldade surgiu aps a combinao de termos doutrinrios e prioridades operacionais, ocorrida quando o Exrcito elevou as operaes de estabilizao ao mesmo patamar de importncia das operaes ofensivas e defensivas, no mbito das operaes no espectro completo. Apesar de o Exrcito dos EUA possuir um longo histrico no combate em pequenas guerras contra foras irregulares, a preponderncia de operaes de estabilizao no final dos anos 90 e na primeira dcada do sculo xxi foi de encontro s crenas da Fora sobre quais seriam seu papel e suas misses.

    A ideia central da doutrina do Exrcito obter, manter e explorar a iniciativa para conquistar e conservar uma posio de vantagem em operaes terrestres continuadas. Um novo conceito

    operacional operaes terrestres unificadas restitui essa ideia central a seu devido lugar, com aplicabilidade a todas as operaes do Exrcito. Obter, conservar e explorar a iniciativa para a conquista e a manuteno de uma posio vantajosa d enquadramento ao campo de batalha e fornece a lgica que insere as operaes terrestres unificadas na ao unificada, que o conceito operacional conjunto em vigor. Tambm oferece uma estrutura que possibilita que os comandantes descrevam sua inteno com efetividade e preciso, quanto a prazos, espao, finalidade e prioridade. A doutrina permite-lhes integrar diversas tarefas, combates e engajamentos tticos ao longo do tempo, em busca dos objetivos estratgicos1.

    Este artigo introduz a lgica por trs do novo conceito operacional, com a apresentao de um breve histrico da evoluo da doutrina do Exrcito, desde o aparecimento do Combate Ar-Terra (AirLand Battle, em ingls), em 1982, at a introduo das Operaes Terrestres Unificadas, em 2011. A ideia central das operaes terrestres unificadas tem sua origem na Doutrina Combate Ar-Terra e conserva vrios dos principais elementos das operaes no espectro completo, dentro de um conceito abrangente que enfatiza as capacidades letais como sendo fundamentais para o sucesso das operaes do Exrcito.

    Combate Ar-Terra (1982-1993)O Exrcito introduziu o Combate Ar-Terra

    em 1982 em reao, em parte, s insuficincias

    O Coronel Bill Benson comanda a 4 Brigada da 1 Diviso de Cavalaria, no Forte Hood, no Estado do Texas. Foi Pesquisador de Estudos Avanados em Artes Operacionais na Escola de Estudos Militares Avanados e ajudou a redigir a Publicao Doutrinria do Exrcito 3-0 Operaes

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012

    Terrestres Unificadas (ADP 3-0, Unified Land Operations).Participou de trs misses na Operao iraqi Freedom, servindo como oficial de operaes de batalho, chefede equipe de transio policial e Comandante do 1/10Regimento de Cavalaria.

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    Um Sargento do 4 Regimento de Infantaria conduz sua esquadra em uma misso de patrulha a p, nas proximidades da Base de Operaes Avanada Baylough, na Provncia de Zabul, no Afeganisto, 19 Mar 09.

    do conceito operacional anterior, de Defesa Ativa, que tinha como foco vencer uma primeira batalha defensiva contra Foras soviticas numericamente superiores, na Europa Central2. De orientao mais ofensiva, a Doutrina Combate Ar-Terra introduziu o termo nvel operacional da guerra no lxico do Exrcito e transformou o plano de campanha o emprego integrado de foras conjuntas em uma srie de combates e engajamentos para alcanar um objetivo estratgico em um requisito essencial3.

    Quando publicou a verso de 1986 do Manual de Campanha 100-5 Operaes (FM 100-5 Operations), o Exrcito conservou e reforou as ideias centrais do Combate Ar-Terra: a importncia do nvel operacional, o foco em obter e manter a iniciativa e a insistncia na necessidade de cooperao entre as Foras Singulares4. Os pargrafos introdutrios que descrevem o Combate Ar-Terra tratam desses temas de forma explcita:

    A Doutrina Combate Ar-Terra descreve a abordagem do Exrcito quanto gerao

    e ao emprego de poder de combate nos nveis operacional e ttico, obteno e manuteno da iniciativa e ao seu emprego agressivo para cumprir a misso. O objetivo de todas as operaes impor nossa vontade ao inimigo para alcanarmos nossos propsitos. Para tanto, precisamos desestabilizar o inimigo com um poderoso golpe, a partir de uma direo inesperada; dar rpido seguimento ao de modo a impedir sua recuperao; e prosseguir agressivamente nas operaes, com vistas a atingir os objetivos do comando superior. Do ponto de vista do inimigo, essas operaes devem ser rpidas, imprevisveis, violentas e desnorteantes. O ritmo precisa ser acelerado o suficiente para impedir que ele tome contramedidas efetivas.

    nosso planejamento operacional deve voltar-se a objetivos decisivos. Deve enfatizar a flexibilidade; a criao de oportunidades para combater em condies favorveis, tirando proveito das vulnerabilidades do

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 10

  • DOUTRINA DO EXRCITO

    inimigo; a concentrao contra seus centros de gravidade; as operaes conjuntas sincronizadas; e a explorao agressiva de ganhos tticos para a obteno de resultados operacionais5. Os desertos da Arbia Saudita, Kuwait e iraque

    foram os campos de prova do Combate Ar-Terra durante a Operao Desert Storm, em 1991. Como parte de uma Fora conjunta e de coalizo, tropas do Exrcito dos EUA sobrepujaram e destruram completamente um inimigo com capacidades inferiores. A Operao Desert Storm ofereceu uma rara oportunidade para testar a doutrina e a estrutura da Fora, confrontando-as com a ameaa para a qual elas haviam sido otimizadas6.

    Entretanto, a Doutrina Combate Ar-Terra no era um conceito rgido e dogmtico, adequado para um nico tipo de combate. O primeiro captulo do FM 100-5 identificava claramente desafios e ameaas ao longo de um amplo espectro de conflito, desde combates convencionais contra o Pacto de Varsvia ou de mdia intensidade contra prepostos da Unio Sovitica em

    guerras por procurao at os no lineares e de baixa intensidade, contra grupos insurgentes e terroristas:

    O Exrcito deve estar pronto para combater inimigos com as mais variadas capacidades. Em conflitos de alta ou mdia intensidade, essas capacidades podem consistir em foras blindadas, motorizadas ou aeroterrestres modernas, como os exrcitos do Pacto de Varsvia, ou outras foras de organizao semelhante, incluindo as de pases prepostos da Unio Sovitica. Pode-se antever a atuao de foras regulares e irregulares menos mecanizadas, mas ainda sim bem equipadas, e de grupos terroristas contra tropas do Exrcito em quase todas as regies do mundo. Em conflitos de baixa intensidade, foras leves, insurgentes e terroristas podem ser a nica ameaa militar existente7. Ao discutir como o Exrcito deveria operar em

    um ambiente de conflito de baixa intensidade, o FM 100-5 descrevia uma campanha de contrainsurgncia realizada em conjunto com

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    Carros de combate M60 e viaturas de transporte M113, plataformas de armas essenciais ao Combate Ar-Terra, so lavados aps exerccios de campanha.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 11

  • as iniciativas de outros rgos governamentais envolvidos, para garantir um esforo nacional sincronizado. Essa linguagem sugere uma abordagem de governo como um todo, bem conhecida pelos leitores de doutrina contemporneos. Outras operaes citadas so as de Defesa interna no Exterior, de Contingncia em Tempo de Paz e de Manuteno da Paz. Dois pargrafos dedicados discusso do terrorismo alertam que os terroristas buscam objetivos estratgicos por meio do conflito de baixa intensidade e que o terrorismo constitui uma ameaa que precisa ser enfrentada no mbito das operaes dirias do Exrcito e que continuar a ser uma preocupao em conflitos de alta e mdia intensidade8.

    A linguagem que descrevia a ameaa e o ambiente operacional na verso de 1986 do FM 100-5 demonstrava uma compreenso matizada do inimigo e das condies do campo de batalha. Em 1991, o Exrcito empregou a nfase do Combate Ar-Terra com sucesso, tanto na obteno da iniciativa, quanto na arte operacional e na atuao integrada no combate, como parte de

    a Doutrina Combate Ar-Terra no era um conceito rgido e dogmtico, adequado para um nico tipo de combate.

    um ambiente conjunto. infelizmente, a edio de 1993 do FM 100-5 diluiu os aspectos centrais do Combate Ar-Terra, embora tenha contribudo com algumas importantes ideias para a doutrina futura. Essa situao decorreu do fato de que mudanas no ambiente e as expectativas internas do pas aumentaram a disputa por recursos entre as Foras Singulares.

    Doutrina em Transio (19932001)

    O desaparecimento da ameaa representada pela antiga Unio Sovitica e o sucesso estrondoso do Exrcito dos EUA na Operao Desert Storm

    levaram expectativa de um dividendo de paz, que levaria reduo de oramentos militares no incio dos anos 909. Por sua vez, isso levou o Exrcito a dar incio busca de uma nova doutrina fundamental para descrever seu papel no novo contexto estratgico, no qual os Estados Unidos haviam despontado como a nica superpotncia remanescente10. A verso de 1993 do FM 100-5 reflete essa postura:

    A doutrina de 1993 reflete o pensamento do Exrcito em uma nova era estratgica... Faz o Combate Ar-Terra evoluir para uma variedade de opes de enquadramento do campo de batalha e para uma esfera mais ampla de interao entre as Foras Singulares; leva em conta a crescente frequncia de operaes combinadas e reconhece que as tropas do Exrcito atuam em toda a gama de operaes militares. verdadeiramente uma doutrina para a dimenso completa do campo de batalha, em um ambiente de projeo de fora... Reflete as lies aprendidas a partir das experincias recentes e as realidades estratgica e tecnolgica da atualidade11. O Combate Ar-Terra no era citado em nenhum

    outro trecho do manual de campanha. O que mais surpreendente: os formuladores de doutrina no substituram o Combate Ar-Terra por nenhum outro conceito operacional com vistas a delinear a ideia central da doutrina do Exrcito (ou ideias). O manual ainda discutia a arte operacional, mantendo grande parte da linguagem utilizada na verso de 1986, mas a subordinava seo que descreve o nvel operacional da guerra. A iniciativa continuava a ser um princpio das operaes do Exrcito, e o manual discutia sua importncia em diversas ocasies, mas deixava que o leitor deduzisse seu valor relativo, em vez de indic-lo explicitamente. Outros termos e conceitos (como a capacidade de projeo de fora do Exrcito e sua habilidade para atuar como parte de uma fora conjunta ou combinada) parecem ter assumido maior importncia, com o acrscimo de novos captulos e sees. Embora tenha conservado grande parte do vocabulrio do Combate Ar-Terra para descrever esses conceitos, a verso de 1993 do FM 100-5 ampliou o debate, passando a incluir temas como consideraes culturais e lingusticas em operaes de no guerra. Vale observar que

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  • DOUTRINA DO EXRCITO

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    Um balizador no convoo do navio de assalto anfbio USS new Orleans orienta um helicptero UH-1n, do Exrcito dos EUA, durante exerccio conjunto de evacuao de baixas em massa, 18 Nov 93.

    essas discusses descreveram as condies vistas no ambiente operacional da poca, mas no aumentaram ou concentraram o entendimento sobre como o Exrcito conduz operaes ou para que propsito.

    O manual de 1993 no ofereceu um novo conceito operacional Fora; ou talvez seja melhor dizer: deixou-o ambguo. Entretanto, plantou as sementes de ideias que, mais tarde, despontariam como aspectos centrais da doutrina do Exrcito no sculo xxi. Entre essas novas ideias estavam os termos operaes na dimenso completa e funes de combate (incluindo o comando em combate), destinados a ajudar os comandantes na sincronizao dos efeitos no campo de batalha. O manual de 1993 tambm introduziu uma seo sobre a resoluo de conflitos e substituiu o termo conflito de baixa intensidade por operaes de no guerra.

    A expresso operaes na dimenso completa foi o mais prximo que a verso de 1993 do FM 100-5 chegou de fornecer um novo conceito operacional ao Exrcito. Entretanto, ela aparece apenas duas vezes: primeiro, na seo sobre

    contexto estratgico, que afirma que o Exrcito deve ser capaz de [executar] operaes na dimenso completa; depois, na introduo do captulo seis, Planejamento. Mais adiante, o glossrio definia operaes na dimenso completa como sendo a aplicao de todas as capacidades disposio de um comandante terrestre, para cumprir sua misso de forma decisiva com o menor custo, por toda a gama de possveis operaes12.

    A influncia das operaes na dimenso completa sobre a doutrina subsequente fica evidente no surgimento de um termo semelhante operaes no espectro completo (full spectrum operations) como sendo, explicitamente, o conceito operacional seguinte do Exrcito. Em 2001, as operaes no espectro completo foram definidas como a gama de operaes que as tropas do Exrcito conduzem em guerra e em operaes militares de no guerra13. Embora a definio tenha mudado desde aquela poca, o conceito operacional permanecia em uso quando da redao deste artigo, e os componentes das operaes no espectro completo ofensiva, defensiva,

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 13

  • estabilizao e apoio da defesa s autoridades civis foram mantidos na ntegra na nascente doutrina das operaes terrestres unificadas14.

    Da mesma forma que o raciocnio por trs do desenvolvimento do termo operaes na dimenso completa influenciou o desenvolvimento do conceito operacional do Exrcito que se seguiu (operaes no espectro completo), a introduo de funes de combate (combat functions) continua a repercutir na Fora. As funes de combate introduzidas em 1993 inteligncia, manobra, apoio de fogo, defesa antiarea, mobilidade e sobrevivncia, logstica e comando em combate foram a verso no nvel operacional dos sistemas operacionais do campo de batalha. O FM 100-5 de 2001 e suas verses subsequentes conjugaram essas funes e os sistemas operacionais do campo de batalha, que depois se converteram em warfighting functions [a expresso tambm traduzida para o portugus como funes de combate n. do T.]. A combinao e a organizao de atividades semelhantes

    desempenhadas no campo de batalha em sistemas e funes, para auxiliar os comandantes e estados-maiores na integrao, coordenao, preparao e execuo de operaes de armas combinadas bem-sucedidas hoje parecem algo bvio, mas representaram uma importante contribuio para o pensamento doutrinrio poca15. Aintroduo do comando em combate nas funes de combate foi um poderoso acrscimo ao lxico do Exrcito. Mais tarde, a expresso passaria a ser sinnimo do papel do comandante em combate.

    Em 1993, o Exrcito dedicou uma seo do FM 100-5 resoluo de conflitos, refletindo sobre suas dificuldades incluindo as experincias na Operao Desert Storm com o intuito de definir quando o combate deveria terminar e descrever como deveria ser a paz subsequente. A seo ressaltava a necessidade de o comandante entender as condies necessrias para pr fim a um conflito e a melhor forma de combinar as operaes militares para produzir a resoluo mais favorvel16. A incluso da resoluo de

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    Militares da 173 Brigada de Combate Aeroterrestre participam de Treinamento em Operaes no Espectro Completo, em Hohenfels, na Alemanha.

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 14

  • DOUTRINA DO EXRCITO

    conflitos na doutrina fundamental do Exrcito representou um importante acrscimo, que uma verso posterior do Manual de Campanha 3-0 Operaes (FM 3-0 Operations) desenvolveu e inseriu em operaes terrestres unificadas.

    A mudana do termo conflito de baixa intensidade para operaes de no guerra foi a ltima alterao significativa na verso de 1993 do FM 3-0. primeira vista, essa talvez parea ser uma questo de filigrana lingustica, mas delinear explicitamente o papel do Exrcito em operaes de combate como sendo diferente do desempenhado no que a verso de 1993 do FM 3-0 descreveu como conflito e tempo de paz provou ser o prenncio de posteriores debates sobre as prioridades do Exrcito em operaes de estabilizao e operaes de combate convencional. O manual de 1993 no detalhou um conceito operacional aplicvel a todas as operaes do Exrcito, reforando a ideia de prioridades distintas e concorrentes entre si.

    O captulo treze, Operaes de No Guerra, chegou a oferecer princpios separados, que eram aplicveis exclusivamente a um ambiente de operaes de no guerra. A verso de 1993 do FM 3-0 foi um retrocesso no que diz respeito a fornecer um conceito operacional nico para todas as operaes do Exrcito, mas acabou definindo vrias ideias novas que continuam a repercutir at hoje, e se tornou a verso mais duradoura do manual, at 2001.

    Operaes no Espectro

    Completo (2001-2011)

    A verso de 2001 do FM 3-0 definiu as operaes no espectro completo como sendo a gama de operaes que as tropas do Exrcito conduzem em guerra e em operaes militares de no guerra. Embora no fosse um conceito operacional, o termo descrevia o que o Exrcito fazia, e captulos inteiros foram dedicados a explicar como utilizar as operaes no espectro completo para o cumprimento das misses da Fora. Com efeito, a finalidade da verso de 2001 do FM 3-0 foi justamente a de estabelecer a doutrina fundamental para operaes no espectro completo, convertendo-as no conceito operacional de facto17. Mais tarde, a verso de 2008 do FM 3-0 tornou explcito esse conceito operacional do Exrcito, ampliando sua definio:

    As tropas do Exrcito conjugam operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao ou apoio civil simultaneamente, como parte de uma fora conjunta interdependente, para obter, manter e explorar a iniciativa, aceitando riscos prudentes, a fim de gerar oportunidades para alcanar resultados decisivos. Empregam aes sincronizadas letais e no letais proporcionais misso e baseadas em uma compreenso detalhada de todas as variveis do ambiente operacional. Um comando de misso que transmite uma inteno e um entendimento de todos os aspectos da situao norteia o emprego adaptvel das tropas do Exrcito18. Essa definio refletiu a realidade de sete anos

    de combate no Afeganisto e no iraque. Termos como riscos prudentes, proporcional e compreenso de todas as variveis reconheciam o carter complexo do ambiente operacional e da provvel ameaa diante do Exrcito.

    Durante a dcada em que as operaes no espectro completo foram seu conceito operacional exclusivo, o Exrcito introduziu, aperfeioou e ampliou vrias ideias importantes, modificando ou descartando outras. Reiterou a importncia da iniciativa nas operaes do Exrcito. Expandiu e aprimorou a definio de comando em combate, desfazendo-se da expresso mais tarde, em 2011 (embora tenha conservado seus elementos essenciais). O Exrcito tambm descartou a diviso do campo de batalha em profundo, aproximado e rea de retaguarda e a expresso esforo de apoio para delinear prioridades. Elevou as operaes de estabilizao ao mesmo patamar de importncia das operaes de combate, dando incio a um longo debate no Exrcito sobre equilbrio e prioridades. Por fim, o Exrcito ampliou e modificou a definio de arte operacional.

    Em 2001, o FM 3-0 passou a incluir um captulo sobre os fundamentos das operaes no espectro completo, descrevendo a essncia do combate como sendo inerentemente simples, dele extraindo cinco regras gerais. Essa mesma linguagem aparece na introduo do manual. A doutrina afirmou que as tropas do Exrcito:

    Vencem na ofensiva. iniciam o combate segundo seus prprios

    termos, e no nos termos dos adversrios.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 15

  • Conquistam e mantm a iniciativa. Ganham impulso rapidamente. Vencem de modo decisivo19. As quatro primeiras regras reforam a

    importncia da iniciativa para o sucesso das operaes do Exrcito. Embora tida h muito como um importante princpio, a codificao da iniciativa na definio do conceito operacional do Exrcito, em 2008, devolveu-lhe uma posio central. O preceito fundamental permanece praticamente intacto em Operaes Terrestres Unificadas.

    Em 2001, o comando em combate foi definido como o exerccio do comando em operaes contra um inimigo hostil e racional. O captulo dedicado ao comando em combate empregou os termos visualizar, descrever, dirigir e liderar para explic-lo20. Em 2001, o comando e controle estava subordinado ao comando em combate, mas a verso de 2008 do FM 3-0 inverteu essa situao. O comando e controle adquiriu maior destaque, ficando o comando em combate subordinado a ele. O manual de 2008 acrescentou o termo entender antes de visualizar e introduziu comando de misso para descrever o meio preferencial de comando em combate21. J em 2011, o comando de misso passou a englobar o comando em combate e substituiu o comando e controle como funo de combate (warfighting function). nesse novo papel, o comando de misso tanto uma funo de combate quanto um mtodo preferencial de comando. O FM ressalta a utilizao de ordens de misso, de modo a permitir que iniciativas disciplinadas ocorram dentro da inteno do comandante22. Explica essa modificao como uma mudana filosfica, necessria para colocar nfase no comandante, e no nos sistemas por ele empregados.

    Os termos comando em combate, comando e controle e comando de misso se transformaram durante os dez anos em que as operaes no espectro completo foram o conceito operacional do Exrcito, mas seus elementos mais teis a essncia do comando em combate (isto , entender, visualizar, descrever, dirigir, liderar, avaliar os resultados) e a nfase no papel do comandante nas operaes foram mantidos. O conceito de operaes terrestres unificadas reflete completamente essa evoluo e conserva o comando de misso entre seus fundamentos.

    Os termos que descrevem o quadro do campo de batalha (mais tarde o quadro operacional) tambm evoluram23. A verso de 2001 do manual introduziu operaes decisivas, preparatrias e de sustentao como uma forma de descrever a alocao de foras segundo o propsito, ao mesmo tempo em que conservou aproximadas, profundas e rea de retaguarda para descrever as operaes em termos espaciais. O FM manteve o termo esforo principal para descrever a atividade, unidade ou rea que constitui a tarefa mais importante no momento, mas descartou esforo de apoio24. Em 2008, foi descartada a expresso quadro operacional (que englobava os termos profundo, aproximado e rea de retaguarda, espao de combate, organizao do campo de batalha e rea de interesse), deixando [operaes] decisivas, preparatrias e de sustentao e esforo principal como descritores no captulo sobre comando e controle.

    Os autores de Operaes Terrestres Unificadas consideraram o histrico e a evoluo do quadro operacional na doutrina do Exrcito, ao desenvolverem o novo conceito operacional. Em consequncia, este reintroduz muitos termos que haviam sido abolidos em 2008 e restitui ao lxico a expresso esforo de apoio, do Combate Ar-Terra25.

    A inteno conferir aos comandantes a mais ampla gama de termos para que possam expressar claramente o conceito da operao em termos de tempo, espao, finalidade e meios empregados, ao mesmo tempo em que afirma que eles no esto presos a nenhum quadro especfico, devendo utilizar diferentes enquadramentos em conjunto26. Vale ressaltar que nenhum desses termos ou conceitos novo. Ao contrrio, todos j demonstraram sua utilidade em alguns casos, por 30 anos.

    Elevar as operaes de estabilizao ao mesmo patamar das operaes ofensivas e defensivas representa a evoluo doutrinria mais significativa e polmica dos ltimos 30 anos. A mudana efetuada em 2008 representou uma transformao em cultura e filosofia, que pressagia ajustes nas prioridades do Exrcito por todo o conjunto constitudo por doutrina, organizao, treinamento (instruo), material, liderana, pessoal e instalaes fsicas (DOTMLPF, na sigla em ingls). O General William Wallace, Chefe

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 16

  • DOUTRINA DO EXRCITO

    do Comando de instruo e Doutrina poca, referiu-se explicitamente verso de 2008 do FM 3-0 como uma mudana revolucionria em relao doutrina anterior, que reconheceu a necessidade de o Exrcito atuar em meio populao e que no era mais suficiente obter xito apenas no campo de batalha27. Da mesma forma, a verso de 2008 do Manual de Campanha 7-0 Treinamento para Operaes no Espectro Completo (FM 7-0 Training for Full Spectrum Operations) invalidou o hbito de assumir que o xito nas operaes de estabilizao decorreria da capacidade de o Exrcito executar operaes de combate convencionais:

    Durante a Guerra Fria, as tropas do Exrcito se prepararam para combater e derrotar um rival quase equiparvel. O adestramento no Exrcito tinha como foco operaes ofensivas e defensivas em operaes de combate convencional. At no muito tempo atrs, em 2001, o Exrcito acreditava que tropas aptas a conduzir aes ofensivas e defensivas em operaes convencionais seriam capazes de executar operaes de estabilizao e de apoio civil efetivamente... Contudo, a complexidade dos atuais ambientes operacionais e das obrigaes legais e morais do comandante para com a populao de uma rea de operaes demonstrou que essa abordagem estava incorreta28. Mais do que um reflexo das experincias do

    Exrcito dos EUA no iraque e no Afeganisto, essa mudana havia sido a poltica do Departamento de Defesa desde 200529. Em 2008, a doutrina do Exrcito passou a enfatizar o carter essencial das aes no letais associadas s aes de combate e a promover as tarefas das operaes de estabilizao como um elemento central das operaes, com importncia igual da ofensiva e da defensiva30. As tarefas relacionadas s operaes de estabilizao no eram algo novo para o Exrcito, mas a crena de que elas podiam ser to ou mais importantes que as operaes ofensivas e defensivas sim. A crena de que essas operaes no eram apenas de responsabilidade de tropas especializadas, mas tambm das tropas de emprego geral em todos os escales tambm era uma inovao31.

    Ao mesmo tempo, os descritores utilizados para explicar a aplicao das operaes no espectro

    completo, como igual peso, paridade e equilbrio, alteraram sutilmente a utilidade do conceito operacional. Por exemplo, a seo do FM 3-0 (2011) intitulada Combinando os Elementos das Operaes no Espectro Completo (Combining The Elements of Full Spectrum Operations) afirma: O comandante considera suas misses, decide que tticas utilizar e busca equilibrar os elementos das operaes no espectro completo, ao preparar seu conceito da operao. O captulo tambm discute como os comandantes analisam a situao minuciosamente para alcanar um equilbrio entre aes letais e no letais. Embora a presena da palavra equilbrio no desabone a utilidade de um conceito operacional como operaes no espectro completo, importante reconhecer que alcanar equilbrio ou adotar uma abordagem equilibrada em relao s operaes no produzem nenhum efeito sobre o inimigo e tampouco equivalem a vencer.

    Cabe reconhecer, ainda, como o emprego do termo equilbrio tornou-se difundido no Exrcito e no linguajar sobre segurana nacional. A Estratgia de Segurana Nacional (National Security Strategy) de 2010, por exemplo, discute reequilibrar as capacidades militares para distinguir-se em operaes de contraterrorismo, contrainsurgncia e estabilizao32. O Plano de Campanha do Comando de Foras do Exrcito reconhece que o atual ritmo operacional deixou a Fora em desequilbrio para atender s suas obrigaes relativas s operaes no espectro completo33. A Reviso da Situao do Exrcito (traduo livre de Army Posture Statement) de 2009 observa: depois de sete anos de combate contnuo, nosso Exrcito permanece em desequilbrio, prejudicando nossa capacidade de... manter uma profundidade estratgica. Com efeito, a recuperao do equilbrio citada 16 vezes no documento34. Embora, nesse contexto, o termo equilbrio se refira aos vrios campos do DOTMLPF, ele tambm est relacionado com a perda da capacidade do Exrcito em conduzir operaes de combate convencionais, em funo de seu foco quase exclusivo em operaes de estabilizao.

    O novo conceito operacional de operaes terrestres unificadas visa a reorientar o foco dos comandantes para combinar suas atividades e meios com o intuito de obter uma posio

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 17

  • de vantagem em relao ao inimigo, obtendo, explorando e mantendo a iniciativa uma diferena marcante quanto ao discurso que prope que se alcance o equilbrio entre tarefas de combate e de estabilizao ou entre tarefas letais e no letais.

    nenhum desses termos ou conceitos novo

    Aarte operacional o ltimo tema significativo da evoluo doutrinria que influenciou o desenvolvimento das Operaes Terrestres Unificadas. A Doutrina Combate Ar-Terra introduziu o termo em 1986, mas no chegou a associ-lo a nenhum escalo do Exrcito ou nvel de guerra especfico. A doutrina afirmava: nenhum escalo de comando especfico exclusiva e especialmente voltado arte operacional35. A implicao era que todos os escales do Exrcito estavam envolvidos em estabelecer uma sequncia de aes que contribussem para a consecuo de objetivos estratgicos. A verso de 1993 do FM 100-5 manteve essa redao, embora tenha inserido a arte operacional no captulo sobre o nvel operacional da guerra. Em 2008, a importncia da arte operacional como conceito levou incluso de um captulo sobre o tema, mas sua aplicabilidade nos diferentes escales havia mudado. A doutrina restringiu o uso da arte operacional, explicitando que ela s se aplicava ao nvel operacional36. Essa ressalva foi removida em 2011, o que a deixou menos restritiva mais uma vez: A arte operacional integra os fins, mtodos e meios em todos os nveis da guerra37.

    O mais recente conceito operacional do Exrcito, operaes terrestres unificadas, adota a definio de arte operacional dos manuais conjuntos, desassociando-a, porm, dos nveis da guerra e dos escales. Afirma: A arte operacional no est associada especificamente a nenhum escalo ou formao e... se aplica a toda formao que deva combinar efetivamente mltiplas aes tticas no tempo, no espao e de acordo com a finalidade, para alcanar um objetivo estratgico, no todo ou em parte38.

    Vrios autores j analisaram a aplicao da arte operacional nos diferentes escales e nveis de guerra; portanto, no conduziremos tal anlise. A arte operacional s discutida neste artigo para demonstrar suas conexes com conceitos operacionais anteriores do Exrcito, como operaes no espectro completo, e para destacar sua importncia para o modo pelo qual a Fora pretende combater no futuro.

    Operaes Terrestres UnificadasOs fundamentos da atual doutrina do Exrcito

    esto vinculados a ideias centrais expressas tanto na Doutrina Combate Ar-Terra (descrita na verso de 1993 do FM 100-5) quanto no mais recente conceito operacional do Exrcito, operaes no espectro completo. O Combate Ar-Terra enfatizava a iniciativa, a arte operacional e as operaes integrando uma fora conjunta. A verso de 1993 do FM 100-5 introduziu o comando em combate e as operaes na dimenso completa, deu incio a uma discusso sobre as condies para a resoluo de conflitos e elevou as operaes de no guerra ao patamar das operaes de combate. Durante a dcada em que as operaes no espectro completo serviram como seu conceito operacional, o Exrcito dos EUA ampliou o significado de comando em combate, incorporando-o ao comando de misso. Descartou ou modificou os termos quadro operacional e arte operacional. As operaes de no guerra se transformaram em operaes de estabilizao, alcanando importncia igual das operaes de combate convencionais.

    De modo geral, o Exrcito manteve os aspectos mais teis de cada uma dessas ideias, incluindo-os no novo conceito operacional de operaes terrestres unificadas, definido da seguinte forma: obter, conservar e explorar a iniciativa para conquistar e manter uma posio de relativa vantagem nas operaes terrestres continuadas, mediante operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao simultneas, com o intuito de prevenir ou deter o conflito, prevalecer na guerra e criar as condies para uma resoluo de conflitos de modo favorvel. Essa definio consolida as melhores ideias das doutrinas anteriores, reunindo-as em uma assertiva que reafirma a inteno de todas as operaes do Exrcito, independentemente de condies, ambiente ou contexto operacional.

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 18

  • DOUTRINA DO EXRCITO

    Alm disso, o conceito de Operaes Terrestres Unificadas enfatiza a importncia do comando de misso e da arte operacional e restitui doutrina muitos dos termos utilizados no passado para descrever o quadro do campo de batalha e o quadro operacional. O ttulo Operaes Terrestres Unificadas implica que o Exrcito opera como parte de uma coalizo conjunta, interagncias ou internacional, e o manual afirma, explicitamente, que a contribuio da Fora para a ao unificada requer a plena integrao das operaes militares estadunidenses com os esforos dos parceiros da coalizo e dos demais rgos governamentais39. A evoluo dessas ideias e conceitos, assim como os motivos para sua incluso em Operaes Terrestres Unificadas, j foi descrita.

    A verso de 2011 da Publicao Doutrinria do Exrcito 3-0 Operaes Terrestres Unificadas (ADP 3-0 Unified Land Operations) oferece duas ideias adicionais que exigem uma introduo. A primeira, a de letalidade, no algo novo, mas sua descrio como sendo o componente mais bsico das operaes militares certamente o . A segunda, a introduo da manobra de armas combinadas e da segurana de rea ampla como sendo as duas competncias centrais do Exrcito, representa um importante acrscimo cuja utilidade e significado requerem discusso adicional.

    As verses anteriores do FM 3-0 descreveram as aes letais como sendo fundamentais para o cumprimento de misses ofensivas e defensivas, afirmando: as operaes ofensivas e defensivas priorizam o emprego dos efeitos letais do poder de combate contra o inimigo. Por outro lado, as operaes de estabilizao e de apoio civil enfatizam as aes no letais: As foras do Exrcito empregam uma variedade de meios no letais em operaes de estabilizao e de apoio civil... As operaes de estabilizao e de apoio civil enfatizam aes no letais e construtivas pelos militares40.

    A ADP 3-0 diverge dessa filosofia, afirmando que a letalidade a base das operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao e que ela um requisito constante para as organizaes do Exrcito, mesmo em condies nas quais a simples ameaa implcita de emprego da violncia seja suficiente para o cumprimento da misso, mediante engajamentos e atividades no letais41.

    Essas assertivas refletem uma opinio expressa por um nmero crescente de militares do Exrcito dos EUA, de que a capacidade da Fora para empregar a fora letal lhe confere a credibilidade e as habilidades para o sucesso em todos os tipos de operao e a distingue de outras instituies governamentais e at mesmo de outros exrcitos do mundo42. O reconhecimento de que a letalidade a base de todas as demais capacidades militares est fadado a ser polmico, mas isso no deve desviar a ateno da afirmao sobre a finalidade bsica do Exrcito dos EUA, nem do foco que ela confere aos comandantes e unidades da Fora para orientar o treinamento e as operaes, no futuro.

    A introduo de manobra de armas combinadas e segurana de rea ampla como competncias fundamentais o segundo acrscimo importante oferecido pela ADP 3-0. A manobra de armas combinadas o meio pelo qual as tropas conquistam e mantm a iniciativa em uma operao, ao passo que a segurana de rea ampla o meio pelo qual elas negam que o inimigo dela faa uso. Essas duas competncias fundamentais ajudam as tropas do Exrcito a derrotar ou destruir o inimigo, conquistar ou ocupar acidentes capitais, proteger ou controlar populaes e meios crticos e impedir o inimigo de obter uma posio vantajosa. As unidades do Exrcito combinam as duas competncias, executando operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao. Por exemplo, em uma operao de contrainsurgncia contra uma considervel ameaa interna ou externa, um conjunto de unidades ou sistemas do Exrcito pode estar concentrado em explorar a iniciativa por meio de operaes ofensivas (ou seja, concentrando-se no inimigo); e

    Militares sul-coreanos e estadunidenses desembarcam de viaturas blindadas de transporte de pessoal, duranteexerccio de tiro real de armas combinadas, 15 Abr 10.

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    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 19

  • outro, agindo de modo cooperativo e relacionado, pode estar empenhado em manter a iniciativa por meio de operaes de estabilizao (ou seja, concentrando-se na populao). isso no implica que as tropas desempenhem essas misses de maneira exclusiva; diferentes tropas possuem prioridades distintas, que sustentam os objetivos mais amplos, estados finais e estratgias da operao como um todo, independentemente do escalo.

    A ADP 3-0 define a manobra de armas combinadas como sendo a aplicao dos elementos do poder de combate em aes unificadas para derrotar as foras terrestres inimigas; conquistar, ocupar e defender territrios; alcanar vantagens fsicas, temporais e psicolgicas sobre o inimigo, a fim de obter e explorar a iniciativa. A segurana de rea ampla a aplicao dos elementos do poder de combate em aes unificadas para proteger a populao, foras, infraestrutura e atividades; negar posies vantajosas ao inimigo; e consolidar ganhos de modo a conservar a iniciativa43. Juntas, essas competncias oferecem uma ferramenta cognitiva para orientar o poder de combate por meio de operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao voltadas a dois propsitos relacionados: conquistar e explorar a iniciativa e impedir o inimigo de obt-la.

    Cabe observar que a segurana de rea ampla e a manobra de armas combinadas no substituem as operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao e tampouco se destinam utilizao como tarefas tticas. Em vez disso, conferem aos comandantes um meio para descrever a combinao de aes tticas e/ou a aplicao do poder de combate para obter uma posio de vantagem em relao ao inimigo. As competncias fundamentais so aplicveis em todas as operaes do Exrcito, em todos os escales. Quando devidamente utilizadas, elas oferecem uma ferramenta cognitiva para ajudar os comandantes a descrever sua viso e a orientar as foras em direo ao seu objetivo.

    Concluso Este artigo explorou a lgica por trs da

    adaptao e adoo do novo conceito operacional do Exrcito: operaes terrestres unificadas. Conforme observado pelo General Martin Dempsey, operaes terrestres unificadas e seletas representam uma consequncia intelectual

    natural do Combate Ar-Terra e das operaes no espectro completo44. Elas incorporam os conceitos anteriores mais teis para o xito atual e futuro, conceitos que demonstraram sua utilidade ao longo de 30 anos de aplicao em locais como Panam, Kuwait, Bsnia, Afeganisto e iraque.

    O artigo tambm introduz conceitos que so novos ou especficos s operaes terrestres unificadas. Embora discusses sobre letalidade certamente no sejam algo novo, defender que ela a base de todas as outras capacidades militares, reconhecendo que a capacidade letal um prrequisito para a consecuo de todas as misses do Exrcito de combate ou outra natureza , um desvio radical em relao doutrina anterior. Essa nfase comunica que a capacidade especial e central do Exrcito (sua percia na aplicao da fora letal durante operaes terrestres continuadas) o que distingue a Fora Singular de todas as demais instituies governamentais, militares e internacionais.

    As competncias fundamentais de manobra de armas combinadas e segurana de rea ampla so os nicos conceitos realmente novos dentro das operaes terrestres unificadas. Elas ajudaro os comandantes a descrever a combinao de aes tticas com os elementos do poder de combate, para obter uma posio de vantagem em relao ao inimigo. no representam uma mudana radical em relao doutrina anterior, mas so novas ferramentas cognitivas, que atrelam as operaes existentes do Exrcito (ofensivas, defensivas e de estabilizao) ao objetivo de obter e manter a iniciativa. Em outras palavras, elas vinculam a nfase na iniciativa, vista na doutrina Combate Ar-Terra, ao conceito operacional descrito pelas operaes no espectro completo45.

    A adoo das operaes terrestres unificadas d continuidade longa tradio do Exrcito, de realizar sua evoluo doutrinria com propsitos claros. Sem dvida, futuros acrscimos ADP 3-0 e manuais doutrinrios relacionados trataro de importantes elementos no desenvolvidos plenamente nas verses de 2011, como a definio de poder de combate, de modo a incluir o papel do comandante e da liderana no sucesso de operaes do Exrcito. Esse duradouro conceito tem sido central doutrina do Exrcito h anos, mas a atual verso da ADP 3-0 no o discute em detalhe. Outro assunto que precisa ser abordado

    Maio-Junho 2012 MILITARY REVIEW 20

  • DOUTRINA DO EXRCITO

    como os praticantes da arte operacional levam em considerao e so influenciados pelos riscos tticos, operacionais e estratgicos. possvel que haja outros temas e ideias que necessitem de uma discusso mais aprofundada.

    As operaes terrestres unificadas ampliam a utilidade da iniciativa, das operaes no espectro completo e do comando de misso. A doutrina do Exrcito dos EUA reconhece a importncia da letalidade em todas as operaes e introduz a manobra de armas combinadas e a segurana de

    rea ampla como meios para ligar as operaes ofensivas, defensivas e de estabilizao ao objetivo de obter e manter a iniciativa.

    A contribuio do Exrcito para aes unificadas as operaes terrestres unificadas possibilitar que ele alcance o xito em operaes terrestres continuadas como parte de uma fora conjunta ou combinada. Elas tambm formam a base para o futuro desenvolvimento de doutrina, para ajudar o Exrcito a enfrentar os vrios novos desafios das prximas dcadas.MR

    REFERNCIAS

    1. A ttulo de uniformidade, este artigo utiliza o termo conceito operacional para descrever os temas ou conceitos doutrinrios centrais do Exrcito. Usa-se conceito operacional em funo das conotaes existentes atreladas aos demais termos, assim como de sua ligao com perodos especficos ou com a verso anterior do FM 100-5 e FM 3-0. Por exemplo, a verso de 1986 do FM 100-5 se refere ao Combate Ar-Terra como sendo a doutrina de combate do Exrcito. A verso de 2008 do FM 3-0 se refere a operaes no espectro completo como sendo o conceito operacional do Exrcito. Outras edies do FM 3-0 no dispem de um tema central claramente expresso.

    2. nEWELL, Clayton R. On Operational Art (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 1994): p. 13-14.

    3. MEnninG, Bruce W. OperationalArts Origins, Historical Perspectives of the Operational Art (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 2007): p. 15.

    4. FM 100-5, Operations, o precursor do FM 3-0, Operations. Sob uma nova iniciativa conhecida como Doutrina do Exrcito 2015, os manuais fundamentais (capstone) passaram a ser designados por Publicaes Doutrinrias do Exrcito (Army Doctrinal Publications ADP). A ADP 3-0 Operaes Terrestres Unificadas (ADP 3-0 Unified Land Operations) representa o primeiro manual publicado sob esse conceito.

    5. FM 100-5, Operations (Washington, DC: U.S. Government Printing Office [GPO], 1986), p. 14-15.

    6. BROWn, John S. The Maturation of Operational Art, Historical Perspectives of the Operational Art (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 2007), p. 459-73.

    7. FM 100-5 (1986), p. 2. 8. ibid., p. 5. 9. DAViS ii, Robert T. The Challenge of Adaptation: The U.S. Army in

    the Aftermath of Conflict, 1953-2000, Long War Occasional Paper 27 (Fort Leavenworth, KS: Combat Studies institute Press, 2008), p. 1.

    10. ibid., p. 84-100. Conferir tambm GERLACH, Geoffrey R. Pentagon Myths and Global realities: the 1993 Military Budget, CATO Policy Analysis no. 171. CATO institute, 24 May 1973, disponvel em: , acesso em 22 jul. 2011.

    11. FM 100-5 (1993), p. iv. 12. ibid., 1-4 e Glossary-4. 13. FM 3-0, Operations (Washington, DC: GPO, 2001), p.1-4. 14. A publicao, em setembro de 2011, da ADP 3-0, Unified Land

    Operations, substitui o termo operaes no espectro completo por ao decisiva, para descrever a execuo simultnea de operaes ofensivas, defensivas, de estabilizao e de apoio de defesa a autoridades civis. Essa mudana foi efetuada devido tendncia, dentro do Exrcito, de equiparar operaes no espectro completo a operaes de combate convencionais. No houve nenhuma modificao na linguagem utilizada para descrever o conceito.

    15. FM 100-5 (1993), p. 2-12. 16. ibid., p. 6-23. 17. FM 3-0 (2001), p. viii. 18. FM 3-0 (2008), p. 3-1. 19. FM 3-0 (2001), p. 4-1. 20. ibid., p. 5-3. 21. FM 3-0 (2008), p. 5-19. 22. FM 3-0 (2011), p. 4-5. 23. As verses de 1986 e de 1993 do FM 100-5 empregaram o termo quadro

    do campo de batalha. Com a publicao da verso de 2001 do FM 3-0, esse

    termo foi modificado para quadro operacional e incluiu uma seo intitulada organizao do campo de batalha. A verso de 2008 do FM 3-0 no emprega nenhum dos dois termos.

    24. FM 3-0 (2001), 4-18 a 4-25. 25. Em operaes terrestres unificadas, profundo-aproximado-segurana

    substitui profundo-aproximado-rea de retaguarda. Essa mudana reflete a realidade e a importncia dos domnios do combate ciberntico/eletrnico, da utilizao espao sideral e de outras ameaas no restritas a uma rea de retaguarda. O termo rea de retaguarda ainda pode ser til para descrever o arranjo de foras amigas, mas no est includo no quadro operacional.

    26. Draft Army Doctrinal Publication 3-0, Operations v9.5 (July 2011), p. 10.

    27. FM 3-0 (2008), Foreword. 28. FM 7-0, Training for Full Spectrum Operations (Washington DC:

    GPO, 2008), p. 1-6. 29. U.S. Department of Defense, Department of Defense Directive (DODD)

    3000.05 (Washington, DC: 2005). Segundo a Diretriz DODD 3000.05, do Departamento de Defesa dos EUA, as operaes de estabilizao so uma misso militar central dos EUA, que o Departamento de Defesa deve estar preparado para conduzir com proficincia equivalente existente em operaes de combate. Essa poltica foi renovada em 2009.

    30. FM 3-0 (2008), p. vii-viii. 31. FM 3-0 (2011), p. x. 32. National Security Strategy (Washington, DC: The White House,

    2010), p. 14. 33. United States Army Forces Command, U.S. Army Forces Command

    Campaign Plan 2011-2015 (Atlanta, GA: October 2010). 34. U.S. Army, Army Posture Statement (May 2009). 35. FM 100-5 (1986), p. 10. 36. FM 3-0 (2008), p. 6-1. 37. JP 3-0, Joint Operations (Washington, DC: GPO, 13 February 2008),

    GL-21. 38. Draft Army Doctrinal Publication 3-0, p. 9. 39. Draft Army Doctrinal Publication 3-0. O princpio de integrao na

    pgina 7 da ADP 3-0 registra a necessidade de operar como parte de uma coalizo conjunta, interagncias ou internacional.

    40. FM 3-0 (2011), 3-4, 3-5. 41. Draft Army Doctrinal Publication 3-0, p. 7. 42. COLLiER, COL Craig A. now That Were Leaving What Did We

    Learn? Military Review (September-October 2010): p. 89. [A traduo desse artigo, intitulada Agora que Estamos Saindo do iraque, o que Aprendemos?, consta da edio brasileira de janeiro-fevereiro de 2011 da Military Review n. do T.] Sobre a relativa importncia da letalidade em operaes de estabilizao, confira tambm BURGESS, MAJ Kenneth. Transformation and the irregular Gap, Military Review (november-December 2009): p. 29 [A traduo desse artigo, intitulada A Transformao e a Lacuna do Conflito irregular, consta da edio brasileira de maro-abril de 2010 da Military Review n. do T.]; e BEnSOn, LTC William E. Major Combat Operations v. Stability Operations: Getting Army Priorities Correct, Advanced Operational Arts Studies Fellowship Monograph, Fort Leavenworth, KS, 2011.

    43. Draft Army Doctrinal Publication 3-0, p. 6. 44. ibid., Foreword. 45. Hoje denominada Ao Decisiva, com a adoo da ADP 3-0, Unified

    Land Operations.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 21

  • Revitalizando a Estratgia Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo xxi Capito de Mar e Guerra Charles C. Moore ii, Marinha dos EUA

    Este artigo foi originalmente publicado na revista Parameters (Summer 2011).

    E M 2007, A Marinha dos EUA promulgou a primeira nova estratgia martima desde 1986, junto com o Corpo de Fuzileiros navais e a Guarda Costeira, com o lanamento de Uma Estratgia Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo xxi (A Cooperative Strategy for 21st Century Seapower)1. Com apenas 15 pginas, a nova estratgia sucinta. Ela define seis capacidades fundamentais orientadas a contribuir para a segurana nacional, seja prevenindo que a guerra ocorra, seja incentivando a formao de parcerias. A estratgia tambm descreve os imperativos martimos estratgicos e as prioridades para sua implementao, em uma forma equilibrada e convincente2.

    no houve nenhuma reviso desse documento desde ento, apesar das significativas mudanas havidas nos ambientes domstico e internacional, desde 2007. Em outubro de 2010, o Chefe de Operaes Navais [equivalente ao Comandante da Marinha, no Brasil n. do T.], Almirante de Esquadra Gary Roughead, assinou um memorando de orientao intitulado Executing the Maritime Strategy (Executando a Estratgia Martima, em traduo livre). Segundo ele:

    ns permanecemos sendo empregados e nos engajando por todo o globo terrestre, proporcionando as capacidades fundamentais listadas na nossa Estratgia Martima, que eu publiquei h trs anos. Essa Estratgia Martima permanece relevante. Foi confirmada por vrios eventos nos ltimos anos e pelas recentes concluses da Reviso Quadrienal da Defesa de 2010

    (2010 Quadrennial Defense Review QDR)

    e pelo Relatrio do Painel Independente sobre a Reviso Quadrienal da Defesa, determinado pelo Congresso3 . A Estratgia Cooperativa de 2007 serve

    ao propsito de ser o documento estratgico bsico da Marinha, mas ela precisa ser aperfeioada em quatro reas principais para melhor orientar as decises sobre aquisies da Fora em um ambiente oramentrio cada vez mais restrito. Primeiro, a Estratgia precisa abordar adequadamente os meios necessrios (requisitos em termos de frota naval) para vincular os mtodos com os fins. Segundo, ela deve melhor definir as potenciais ameaas martimas. Terceiro, ela precisa ser alinhada completamente com a Estratgia de Segurana nacional. Quarto, ela deveria delinear uma estratgia para maximizar a cooperao com pases parceiros, quanto s capacidades martimas. A Estratgia Cooperativa afirma que a Marinha dos EUA ir dominar o combate naval em todas as suas formas, mas no prioriza as capacidades ou competncias de maneira clara, para que legisladores e o pblico possam entender a Armada do futuro.

    O propsito deste artigo abordar esses temas e descrever por que essencial que a Marinha justifique e articule especificamente seus requisitos de Fora ao Congresso e ao povo estadunidense. Para que a Marinha possa manter-se na melhor condio possvel, antecipando-se aos cortes oramentrios que esto por vir, necessrio revigorar a Estratgia Cooperativa, para que essa inclua os requisitos da Fora antes das redues dos meios da Defesa.

    O Capito de Mar e Guerra Moore Aviador Naval com seu bacharelado pela Penn State University e mestrados vasta experincia no Pacfico ocidental, incluindo quatro pelo U.S. Army War College e pela Georgetown University. turnos de servio operacional em navios-aerdromos e dois Atualmente comanda a Base Aeronaval Meridian, no Estado anos no estado-maior da 7a Frota dos EUA. Ele recebeu de Mississippi, EUA.

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  • PODER MARTIMO DO SCULO XXI

    A Estratgia Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo XXI Logo aps sua promulgao, a Estratgia

    Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo XXI gerou um acirrado debate nas comunidades militar, acadmica e de estudos de Defesa. Algumas manifestaes contrrias incluram crticas sobre o documento no ser propriamente uma estratgia, pois deixou de definir e vincular os fins com os meios e os mtodos4. Outra perspectiva afirmou que o documento no consegue diferenciar claramente e priorizar as ameaas contemporneas e, consequentemente, deixa de ter foco5. Em um comentrio crtico na edio Spring 2008, da revista Naval War College Review, William Pendley argumenta que essa falta de enfoque resultou em uma lista de capacidades fundamentais em busca de uma estratgia6. Por ltimo, vrios crticos destacam que a estratgia martima perdeu seu vnculo com a Estratgia de Segurana Nacional, que est acima dela.

    A principal preocupao dos analistas refere-se omisso dos meios especficos com os quais os estrategistas navais pretendem atingir os fins articulados pela Estratgia. Os mtodos foram claramente explicitados por meio de seis capacidades fundamentais:

    Presena Avanada. Dissuaso. Controle do Mar. Projeo de Poder. Segurana Martima. Assistncia Humanitria e Resposta a

    Desastres7. A estratgia afirma que as seis capacidades

    compem o cerne do poder martimo dos EUA, e reflete maior nfase nas atividades que visam a prevenir a guerra e a formar parcerias8. O Professor Robert Rubel, Reitor de Estudos de Guerra naval na Escola de Guerra naval dos EUA (U.S. Naval War College), e um dos principais arquitetos da Estratgia Cooperativa de 2007, ofereceu uma explicao adicional, declarando que a proteo do atual sistema de comrcio e segurana global (contrastando com o processo de globalizao) proporcionou tanto o contexto para a nova estratgia quanto a argamassa intelectual que une todas as regies do mundo9. Essa explicao ajuda a esclarecer o fim estratgico a preservao do atual sistema internacional , mas ainda no nos ajuda a identificar meios. O Professor Rubel tambm explicou a ausncia de uma definio dos meios para apoiar a estratgia: houve uma determinao para que no fossem

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    Uma aeronave T-45C Goshawk, da Marinha dos EUA, pousa em convoo do navio-aerdromo USS nimitz (CVn 68) durantequalificao de pouso a bordo, na costa do Sul da Califrnia, 01 Nov 10.

    MILITARY REVIEW Maio-Junho 2012 23

  • discutidas as necessidades em Foras navais, durante os trabalhos10. Rubel reconheceu que muitos ficaram frustrados quando a estratgia deixou de abordar as Foras, mas afirmou que ela fornece um raciocnio abrangente, a partir do qual a estrutura da Fora do futuro pode ser deduzida11. J se passaram trs anos, porm, e a Marinha ainda no formalizou essa deduo sobre os meios necessrios. Por ora, a Estratgia Cooperativa para o Poder Martimo do Sculo XXI tem os mtodos e os fins, mas no os meios.

    Sendo, em linhas gerais, uma estratgia defensiva, ela deixa de identificar ameaas especficas. De fato, crticos tm promovido discusses acaloradas sobre prs e contras da no identificao de ameaas. Embora com certeza existam ameaas no estatais no domnio martimo, so os atores estatais aqueles que continuam a exercer o poder mais significativo. Alm disso, uma das vantagens do desenvolvimento de estratgia pelas Foras Armadas que dele se espera a abordagem de potenciais ameaas, bem como que proponha meios para lidar com elas. Para vencer as guerras da nao, a Marinha precisa conhecer e saber como agiriam seus provveis adversrios em um conflito.

    Embora as Foras Terrestres dos EUA estejam atualmente enfrentando tticas assimtricas

    de atores estatais e no estatais, o modo como se conduz a guerra martima praticamente permaneceu inalterado. O ambiente atual ainda exige que embarcaes da Marinha conduzam misses descritas pelas seis competncias fundamentais. navios de guerra ainda soferramentas de atores estatais. possvel que alguns analistas mencionem a pirataria como uma exceo algo anlogo a uma ameaa assimtrica oriunda de um ator no estatal, mas no domnio martimo. no entanto, a pirataria ainda enfrentada com os princpios de guerra martima tradicional e, mesmo em sua forma mais agressiva, atinge somente o nvel de ameaa importante, a partir da perspectiva da segurana nacional12.

    Rubel sugeriu que, se o propsito da estratgia evitar a guerra entre as grandes potncias e gerar cooperao martima da forma mais ampla possvel, por que criar hostilidade ao distinguir pases especficos como ameaas?13 Contudo, preciso identificar os possveis adversrios para fins de planejamento, uma vez que a atividade naval segue sendo da alada dos Estados. A Estratgia de Segurana Nacional de 2010 declara que os Estados Unidos iro monitorar o programa de modernizao militar da China e, como consequncia, preparar-se para garantir que seus interesses e os de seus aliados, regionais ou

    globais, no sejam afetados negativamente14. natural e realmente necessrio que a Marinha acompanhe essa orientao com uma avaliao mais especfica sobre a ameaa estratgica e os meios necessrios para enfrent-la.

    Aqueles que argumentam que a estratgia martima foi escrita desvinculada da estratgia nacional tm um pouco de razo. O projeto, contudo, foi empreendi