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12 Campinas, 1º a 28 de julho de 2013 LUIZ SUGIMOTO [email protected] Fotos: Reprodução/Divulgação Publicação Dissertação: “História, política e alegoria na prosa ficcional de Dyonelio Machado” Autor: Fernando Simplício dos Santos Orientador: Francisco Foot Hardman Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Fernando Simplício dos Santos, autor da dissertação: vasculhando arquivos Além de escritor, Dyonelio foi um dos pioneiros da psiquiatria no país História, política e alegoria na prosa ficcional de Dyo- nelio Machado”: assim se intitula a tese de doutorado de Fernando Simplício dos Santos, que tem o mérito de resgatar a esquecida produção literária do romancista, mé- dico e político gaúcho, considerado por muitos estudiosos um “escritor maldito”, devido à perseguição político-ditatorial (e a recusa editorial) por ele sofrida durante a sua trajetória. A tese foi defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, com a orientação do professor Francisco Foot Hardman. “O estudo da alegoria permitiu identificar uma expressiva relação entre o pensamento artístico e o pensamento ideoló- gico de Dyonelio Machado. Isso me levou a destacar, a partir de uma análise de cunho sociológico da literatura, inúmeras críticas ao Estado Novo, à ditadura militar e à Igreja Católica”, afirma Fernando dos Santos. “Por exemplo: mesmo que os ro- mances ‘Deuses econômicos’, ‘Sol subterrâneo’ e ‘Prodígios’ representem o Império Romano, a análise alegórica permite detectar, neles, o questionamento de certas circunstâncias do contexto em que foram compostos.” Francisco Foot Hardman, que orientou a pesquisa, lem- bra que mestres como Alfredo Bosi, Antonio Candido e Davi Arrigucci Jr. colocam Dyonelio Machado (1895-1985) entre os maiores escritores da moderna literatura brasileira. “In- felizmente, a sua produção não foi devidamente valorizada. Além de obras-primas como ‘Os ratos’ e ‘O louco do Cati’, ele escreveu ‘romances históricos’ ambientados na Antiguidade Romana, mas que na verdade são alegorias sobre as ditaduras Vargas e a militar de 64. Aspectos bem analisados na tese e que, até aqui, permaneciam virgens devido às dificuldades retóricas desses romances alegóricos, como por exemplo, ‘Os deuses econômicos’.” Segundo o docente do IEL, como homem público, Dyo- nelio Machado foi militante comunista e um dos líderes da Intentona Comunista de 1935, no Rio Grande do Sul, tendo sido preso e torturado no Rio de Janeiro, ao lado de compa- nheiros com Graciliano Ramos. “A pesquisa de Fernando dos Santos levantou pela primeira vez o prontuário do escritor no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Outra faceta importante da vida-obra de Dyonelio é o fato de ele ter sido médico psiquiatra e pioneiro da psiquiatria no Rio Grande Sul e, por que não dizer, no Brasil.” O autor da tese de doutorado explica que seu objetivo foi analisar a relação entre história, política e alegoria na tetra- logia romanesca composta por “O louco do Cati” (1942), “Desolação” (1944), “Passos perdidos” (1946) e “Nuanças” (1981), e principalmente na trilogia constituída por “Deuses econômicos” (1966), “Sol subterrâneo” (1981) e “Prodígios” (1980). “Valendo-me da alegoria como método analítico, por um lado, pude avaliar que a tetralogia representa uma crí- tica sutil ou implícita, especialmente contra a Era Vargas e o sistema econômico capitalista; e, por outro, como essa ca- racterística tende a se tornar paulatinamente mais explícita, sobretudo em ‘Nuanças’, a última narrativa.” Em relação à trilogia, Fernando dos Santos quis verificar de que modo esses romances ampliam e reforçam o ques- tionamento à violência tirânica e ditatorial, acentuando as origens de suas mais remotas contradições sociais, políticas, econômicas e religiosas. “Num primeiro nível, constatamos uma indagação direta ao despotismo do imperador Nero. E, averiguando em profundidade, vemos um tácito julgamento direcionado não somente à Era Vargas, mas também à dita- dura militar e ao imperialismo moderno. Além disso, subli- nhamos uma crítica a certas questões político-religiosas que vigoravam no Estado gaúcho na época dessas publicações, ati- nentes aos embates entre membros do Integralismo e repre- sentantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL), bem como entre comunistas e capitalistas.” QUALIDADES ESTÉTICAS Foi em 2003 que o pesquisador en- controu na livraria “Os ratos” e também “Um pobre homem” (1927) – livro de contos que marca a estreia de Dyonelio Machado na literatura. “Dois contos me interessaram muito, um que dá título ao livro e outro chamado ‘Melancolia’. Depois dessas primeiras leituras, fui pesquisar quem era esse escritor, o que me levou a ‘Cheiro de coisa viva’, onde ele conta como foi sua trajetória e a ex- periência no cárcere. No mestrado fiz uma análise comparativa entre aqueles dois contos e duas novelas de Menotti Del Picchia. E li a principal tese sobre Dyonelio, de Maria Zenilda Grawunder, que organizou todo o seu acervo e teve acesso a cartas, artigos de jornais e, in- clusive, a romances não publicados por vários motivos.” Entre as qualidades que elegem Dyonelio Machado en- tre os grandes escritores nacionais, o autor da tese observa que “Os ratos”, sua obra-prima, possui uma estética ino- vadora para a nossa literatura. “É uma narrativa conden- sada e densa, trabalhando o psicológico dos personagens, o que levou vários críticos a compararem principalmente esta obra com ‘Angústia’ de Graciliano Ramos; para Arri- gucci Jr., por conta da carga psicológica, ‘Os ratos’ se com- para a ‘Crime e castigo’ de Dostoievski. ‘O louco do Cati’, por sua vez, pode ser interpretado como uma abordagem da ditadura moderna e, ao mesmo tempo, da angústia do homem em conflito consigo mesmo.” Fernando dos Santos salienta que a psicanálise permeia a produção de Dyonelio desde os primeiros contos de 1927 e que na própria tese de doutorado em medicina que ele de- fendeu, intitulada “Uma definição biológica do crime” e pu- blicada em 1933, procura analisar como funciona a mente de um criminoso. “Questões psicológicas aparentemente sim- ples vão ganhando uma densidade imensa, como na relação do homem com a máquina que vai triturando sua psique até dominá-lo e mudar sua personalidade. Essas questões são mais bem aprofundadas em seus romances: em ‘Os ratos’, Naziazeno tem 24 horas para pagar o leiteiro e a tensão vai aumentando até o personagem conseguir o dinheiro com um agiota; a narrativa é cíclica e, no dia seguinte, Naziazeno teria que arrumar o dinheiro para quitar o penhor.” Em sua pesquisa, o autor da tese constata ainda uma interligação das obras de Dyonelio com o expressionis- mo – “sobretudo o expressionismo abstrato” – e uma tentativa do escritor de colocar nelas uma temática. “Ele mostra uma preocupação com o elemento estético. Em- bora dissesse que podemos ler cada obra de maneira es- parsa, elas seguem uma linha temática que talvez seja influenciada pela ‘Comédia humana’ de Balzac. Por ou- tro lado, algumas narrativas representam a vertente dos romances dos anos 1930, em que a perspectiva literária passa por um questionamento social, político e econô- mico. No contexto de censura, várias editoras recusaram suas obras devido ao cunho político e historiográfico.” POÉTICA DO CÁRCERE Dyonelio Machado dividia-se entre a política, a psiquiatria e a literatura. A filiação ao Partido Re- publicano, ainda na década de 1920, teria sido um dos motivos da perseguição política que sofreu principalmente em 1935, pelo então governador Flores da Cunha, que queria co- optá-lo para seu partido. Fernando dos San- tos aponta, entretanto, o aspecto crítico já presente em “Um pobre homem” de 1927. “Não por acaso, devido à republicação do conto ‘Noite no acampamento’, em 1942, pela Revista do Globo, o Exército reconhe- ceu um questionamento, chamando Dyo- nelio mais uma vez para dar explicações. Esse tipo de perseguição demarcou in- tensamente sua trajetória como escritor de ficção.” A prisão em 1935, na vigência do Estado Novo e quando o escritor era presidente da Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul, deveu-se às relações estreitas que mantinha com Luiz Carlos Prestes, Roberto Sisson, Caio Prado Júnior e várias outras figuras expressivas (e subversivas) do cenário político. “Dyo- nelio ficou um ano preso na praia de Belas, em Porto Alegre, e depois foi transferido de navio para o Rio de Janeiro, juntando-se a Graciliano Ramos. Foi torturado, escondia os óculos para não se machucar ainda mais.” Ao deixar o cárcere, Dyonelio Machado aderiu ao Partido Comunista, pelo qual se elegeu deputado estadual constituin- te em 1946, mas sem chegar a votar o novo texto constitucional. “Ele ocu- pou o mandato por muito pouco tempo, renunciado de- vido a inúmeras divergências com os componentes do PC e adeptos de outros partidos. Depois disso, nunca mais atuaria como político. De qualquer maneira, se na política não conseguiu expor completamente seus ide- ais, não deixou de representá-los com veemência em al- gumas de suas obras.” O doutor pela Unicamp coletou para sua tese o trecho de uma entrevista concedida por Dyonelio Machado em 1980, que reflete o seu engajamento: “Eu saí da cadeia, dois anos depois, sem culpa formada. A prisão dá material para muitas coisas. Uns fazem memórias – são célebres as de Sílvio Pelico –, mas eu achei melhor utilizar minhas vivências em li- vros de ficção. Era um crime ter esse material e não utilizá-lo”. “Fica claro que sua obra pode ser dividida em duas fases: antes e depois da prisão. A trajetória de alguns dos personagens mais importantes poderia represen- tar peculiarmente signos do próprio percurso político e intelectual do autor”, observa Fernando Simplício dos Santos. “Em ‘O louco do Cati’, ‘Desolação’, ‘Passos per- didos’ e ‘Nuanças’, percebemos a representação do ca- minho que os presos políticos percorriam até chegar à prisão no Rio de Janeiro. Sob tal enfoque, a arte de Dyo- nelio também pode ser considerada um ‘testemunho li- terário’, bem como uma denúncia das contradições da sua sociedade”. Dyonelio é fichado pela polícia em uma das vezes em que foi preso: obras com forte carga ideológica

12 Denso e Maldito - Portal Unicamp · suas obras devido ao cunho político e historiográfico.” POÉTICA DO CÁRCERE Dyonelio Machado dividia-se entre a política, a psiquiatria

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12Campinas, 1º a 28 de julho de 2013

LUIZ [email protected]

Fotos: Reprodução/Divulgação

Denso e MalditoDenso e MalditoDenso e Maldito

PublicaçãoDissertação: “História, política e alegoria na prosa ficcional de Dyonelio Machado”Autor: Fernando Simplício dos SantosOrientador: Francisco Foot HardmanUnidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

Fernando Simplício dos Santos, autor da dissertação: vasculhando arquivos

Além de escritor,Dyonelio foi um

dos pioneiros dapsiquiatria no país

História, política e alegoria na prosa ficcional de Dyo-nelio Machado”: assim se intitula a tese de doutorado de Fernando Simplício dos Santos, que tem o mérito

de resgatar a esquecida produção literária do romancista, mé-dico e político gaúcho, considerado por muitos estudiosos um “escritor maldito”, devido à perseguição político-ditatorial (e a recusa editorial) por ele sofrida durante a sua trajetória. A tese foi defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, com a orientação do professor Francisco Foot Hardman.

“O estudo da alegoria permitiu identificar uma expressiva relação entre o pensamento artístico e o pensamento ideoló-gico de Dyonelio Machado. Isso me levou a destacar, a partir de uma análise de cunho sociológico da literatura, inúmeras críticas ao Estado Novo, à ditadura militar e à Igreja Católica”, afirma Fernando dos Santos. “Por exemplo: mesmo que os ro-mances ‘Deuses econômicos’, ‘Sol subterrâneo’ e ‘Prodígios’ representem o Império Romano, a análise alegórica permite detectar, neles, o questionamento de certas circunstâncias do contexto em que foram compostos.”

Francisco Foot Hardman, que orientou a pesquisa, lem-bra que mestres como Alfredo Bosi, Antonio Candido e Davi Arrigucci Jr. colocam Dyonelio Machado (1895-1985) entre os maiores escritores da moderna literatura brasileira. “In-felizmente, a sua produção não foi devidamente valorizada. Além de obras-primas como ‘Os ratos’ e ‘O louco do Cati’, ele escreveu ‘romances históricos’ ambientados na Antiguidade Romana, mas que na verdade são alegorias sobre as ditaduras Vargas e a militar de 64. Aspectos bem analisados na tese e que, até aqui, permaneciam virgens devido às dificuldades retóricas desses romances alegóricos, como por exemplo, ‘Os deuses econômicos’.”

Segundo o docente do IEL, como homem público, Dyo-nelio Machado foi militante comunista e um dos líderes da Intentona Comunista de 1935, no Rio Grande do Sul, tendo sido preso e torturado no Rio de Janeiro, ao lado de compa-nheiros com Graciliano Ramos. “A pesquisa de Fernando dos Santos levantou pela primeira vez o prontuário do escritor no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Outra faceta importante da vida-obra de Dyonelio é o fato de ele ter sido médico psiquiatra e pioneiro da psiquiatria no Rio Grande Sul e, por que não dizer, no Brasil.”

O autor da tese de doutorado explica que seu objetivo foi analisar a relação entre história, política e alegoria na tetra-logia romanesca composta por “O louco do Cati” (1942), “Desolação” (1944), “Passos perdidos” (1946) e “Nuanças” (1981), e principalmente na trilogia constituída por “Deuses econômicos” (1966), “Sol subterrâneo” (1981) e “Prodígios” (1980). “Valendo-me da alegoria como método analítico, por um lado, pude avaliar que a tetralogia representa uma crí-tica sutil ou implícita, especialmente contra a Era Vargas e o sistema econômico capitalista; e, por outro, como essa ca-racterística tende a se tornar paulatinamente mais explícita, sobretudo em ‘Nuanças’, a última narrativa.”

Em relação à trilogia, Fernando dos Santos quis verificar de que modo esses romances ampliam e reforçam o ques-tionamento à violência tirânica e ditatorial, acentuando as origens de suas mais remotas contradições sociais, políticas, econômicas e religiosas. “Num primeiro nível, constatamos uma indagação direta ao despotismo do imperador Nero. E, averiguando em profundidade, vemos um tácito julgamento direcionado não somente à Era Vargas, mas também à dita-dura militar e ao imperialismo moderno. Além disso, subli-nhamos uma crítica a certas questões político-religiosas que vigoravam no Estado gaúcho na época dessas publicações, ati-nentes aos embates entre membros do Integralismo e repre-sentantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL), bem como entre comunistas e capitalistas.”

QUALIDADES ESTÉTICAS

Foi em 2003 que o pesquisador en-controu na livraria “Os ratos” e também “Um pobre homem” (1927) – livro de contos que marca a estreia de Dyonelio Machado na literatura. “Dois contos me interessaram muito, um que dá título ao livro e outro chamado ‘Melancolia’. Depois dessas primeiras leituras, fui pesquisar quem era esse escritor, o que me levou a ‘Cheiro de coisa viva’, onde ele conta como foi sua trajetória e a ex-periência no cárcere. No mestrado fiz uma análise comparativa entre aqueles dois contos e duas novelas de Menotti Del Picchia. E li a principal tese sobre Dyonelio, de Maria Zenilda Grawunder, que organizou todo o seu acervo e teve acesso a cartas, artigos de jornais e, in-clusive, a romances não publicados por vários motivos.”

Entre as qualidades que elegem Dyonelio Machado en-tre os grandes escritores nacionais, o autor da tese observa que “Os ratos”, sua obra-prima, possui uma estética ino-vadora para a nossa literatura. “É uma narrativa conden-sada e densa, trabalhando o psicológico dos personagens, o que levou vários críticos a compararem principalmente esta obra com ‘Angústia’ de Graciliano Ramos; para Arri-gucci Jr., por conta da carga psicológica, ‘Os ratos’ se com-para a ‘Crime e castigo’ de Dostoievski. ‘O louco do Cati’, por sua vez, pode ser interpretado como uma abordagem da ditadura moderna e, ao mesmo tempo, da angústia do homem em conflito consigo mesmo.”

Fernando dos Santos salienta que a psicanálise permeia a produção de Dyonelio desde os primeiros contos de 1927 e que na própria tese de doutorado em medicina que ele de-fendeu, intitulada “Uma definição biológica do crime” e pu-blicada em 1933, procura analisar como funciona a mente de um criminoso. “Questões psicológicas aparentemente sim-ples vão ganhando uma densidade imensa, como na relação do homem com a máquina que vai triturando sua psique até dominá-lo e mudar sua personalidade. Essas questões são mais bem aprofundadas em seus romances: em ‘Os ratos’, Naziazeno tem 24 horas para pagar o leiteiro e a tensão vai aumentando até o personagem conseguir o dinheiro com um agiota; a narrativa é cíclica e, no dia seguinte, Naziazeno teria que arrumar o dinheiro para quitar o penhor.”

Em sua pesquisa, o autor da tese constata ainda uma interligação das obras de Dyonelio com o expressionis-mo – “sobretudo o expressionismo abstrato” – e uma tentativa do escritor de colocar nelas uma temática. “Ele mostra uma preocupação com o elemento estético. Em-bora dissesse que podemos ler cada obra de maneira es-parsa, elas seguem uma linha temática que talvez seja influenciada pela ‘Comédia humana’ de Balzac. Por ou-tro lado, algumas narrativas representam a vertente dos romances dos anos 1930, em que a perspectiva literária passa por um questionamento social, político e econô-mico. No contexto de censura, várias editoras recusaram suas obras devido ao cunho político e historiográfico.”

POÉTICA DO CÁRCEREDyonelio Machado dividia-se entre a política, a

psiquiatria e a literatura. A filiação ao Partido Re-publicano, ainda na década de 1920, teria sido um dos motivos da perseguição política que sofreu principalmente em 1935, pelo então governador Flores da Cunha, que queria co-optá-lo para seu partido. Fernando dos San-tos aponta, entretanto, o aspecto crítico já presente em “Um pobre homem” de 1927. “Não por acaso, devido à republicação do conto ‘Noite no acampamento’, em 1942, pela Revista do Globo, o Exército reconhe-ceu um questionamento, chamando Dyo-nelio mais uma vez para dar explicações. Esse tipo de perseguição demarcou in-tensamente sua trajetória como escritor de ficção.”

A prisão em 1935, na vigência do Estado Novo e quando o escritor era presidente da Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul, deveu-se às relações estreitas que mantinha com Luiz Carlos Prestes, Roberto Sisson, Caio Prado Júnior e várias outras figuras expressivas (e subversivas) do cenário político. “Dyo-nelio ficou um ano preso na praia de Belas, em Porto Alegre, e depois foi transferido de navio para o Rio de Janeiro, juntando-se a Graciliano Ramos. Foi torturado, escondia os óculos para não se machucar ainda mais.”

Ao deixar o cárcere, Dyonelio Machado aderiu ao Partido Comunista, pelo qual se elegeu deputado estadual constituin-te em 1946, mas sem chegar a votar o novo texto constitucional. “Ele ocu-

pou o mandato por muito pouco tempo, renunciado de-vido a inúmeras divergências com os componentes do PC e adeptos de outros partidos. Depois disso, nunca mais atuaria como político. De qualquer maneira, se na política não conseguiu expor completamente seus ide-ais, não deixou de representá-los com veemência em al-gumas de suas obras.”

O doutor pela Unicamp coletou para sua tese o trecho de uma entrevista concedida por Dyonelio Machado em 1980, que reflete o seu engajamento: “Eu saí da cadeia, dois anos depois, sem culpa formada. A prisão dá material para muitas coisas. Uns fazem memórias – são célebres as de Sílvio Pelico –, mas eu achei melhor utilizar minhas vivências em li-vros de ficção. Era um crime ter esse material e não utilizá-lo”.

“Fica claro que sua obra pode ser dividida em duas fases: antes e depois da prisão. A trajetória de alguns dos personagens mais importantes poderia represen-tar peculiarmente signos do próprio percurso político e intelectual do autor”, observa Fernando Simplício dos Santos. “Em ‘O louco do Cati’, ‘Desolação’, ‘Passos per-didos’ e ‘Nuanças’, percebemos a representação do ca-minho que os presos políticos percorriam até chegar à prisão no Rio de Janeiro. Sob tal enfoque, a arte de Dyo-nelio também pode ser considerada um ‘testemunho li-terário’, bem como uma denúncia das contradições da sua sociedade”.

Dyonelio é fi chado pela polícia em uma das vezes em que foi preso: obras com forte carga ideológica