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  Aurora: revista de arte, mídia e política, S ão Paulo, v.5, n.15, p.59-76, out. 2012-jan. 2013  59 Terry Eagleton: a trajetóri a da crítica Andrew Yan Solano Marinho 1  Resumo: Este trabalho dedica-se a uma análise do histórico de defesa do crítico britânico Terry Eagleton de uma visão crítica e política nos estudos de literatura e cultura. Em toda sua trajetória sempre defendeu uma autoconsciência para nossos interesses com as e ideias e ações que defendemos. Tentaremos destacar que apesar desse autor possuir uma obra  vasta e multifacetada ele possui uma estrutura de pensamento que organiza todo seu arcabouço teórico. Para isso, dividimos o trabalho em cinco partes, Inicialmente faremos uma exposição dos trabalhos a cerca de sua obra, na segunda tentaremos mapear os pressupostos de sua crítica, no terceiro mostraremos em que consiste a base de sua crítica e como ela se desenvolveu ao longo de sua carreira, na quarta faremos uma breve confluência entre o pensamento brasileiro e o do crítico inglês. Por fim, traçaremos algumas conclusões a respeito da validade de seus argumentos para o exercício crítico. Palavras-chave: Terry Eagleton; Trajetória; Crítica; T eoria; Política. 1  Andrew Yan Solano Marinho/ [email protected]/ Mestrando em Literatura comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Aluno do programa de pós-graduação dos estudos da linguagem- PPGEL-UFRN.

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  • Aurora: revista de arte, mdia e poltica, So Paulo, v.5, n.15, p.59-76, out. 2012-jan. 2013

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    Terry Eagleton: a trajetria da crtica

    Andrew Yan Solano Marinho1

    Resumo: Este trabalho dedica-se a uma anlise do histrico de defesa do crtico

    britnico Terry Eagleton de uma viso crtica e poltica nos estudos de

    literatura e cultura. Em toda sua trajetria sempre defendeu uma

    autoconscincia para nossos interesses com as e ideias e aes que

    defendemos. Tentaremos destacar que apesar desse autor possuir uma obra

    vasta e multifacetada ele possui uma estrutura de pensamento que organiza

    todo seu arcabouo terico. Para isso, dividimos o trabalho em cinco partes,

    Inicialmente faremos uma exposio dos trabalhos a cerca de sua obra, na

    segunda tentaremos mapear os pressupostos de sua crtica, no terceiro

    mostraremos em que consiste a base de sua crtica e como ela se desenvolveu

    ao longo de sua carreira, na quarta faremos uma breve confluncia entre o

    pensamento brasileiro e o do crtico ingls. Por fim, traaremos algumas

    concluses a respeito da validade de seus argumentos para o exerccio crtico.

    Palavras-chave: Terry Eagleton; Trajetria; Crtica; Teoria; Poltica.

    1 Andrew Yan Solano Marinho/ [email protected]/ Mestrando em Literatura comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Aluno do programa de ps-graduao dos estudos da linguagem- PPGEL-UFRN.

  • TERRY EAGLETON: A TRAJETRIA DA CRTICA ANDREW YAN SOLANO MRINHO

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    Abstract: This paper intent to an analysis of the historical engagement of British

    critic Terry Eagleton for a critical and political vision in the studies of literature

    and culture. Throughout his history, he has always advocated for self-

    consciousness of our interests and ideas and actions that we advocate. We will

    try to emphasize that, although this author has a vast and multifaceted work,

    he has a peculiar thought that organizes your entire theoretical framework. For

    this purposes, we divide the work into five parts, first we will exhibit the works

    about his ideas, on the second we attempt to map the assumptions of his

    criticism, third well show what is on the bases of his criticism and how it has

    developed over of his career, fourth part is a brief confluence between the

    Brazilian thought and the English critic. Finally, we going to draw some

    conclusions about the validity of his arguments for the critical exercise.

    Keywords: Terry Eagleton; History; Critic.; Theory; Politics.

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    1. Introduo

    Esta pesquisa pretende analisar a obra do pensador britnico Terry Eagleton

    (1943-) um dos mais influentes crticos literrios e culturais da

    contemporaneidade e que, em quase meio sculo de produo, consegue

    polemizar questes tanto na poltica como na teologia. Ele vem conseguindo

    atrair ateno desde os mais conservadores acadmicos de Oxford at curiosos

    das mais diversas reas, como advogados, que Eagleton faz questo de frisar

    no prefcio da segunda edio inglesa do seu mais famoso best-seller

    acadmico Teoria da Literatura: Uma introduo (1983).

    Este trabalho se dedicar produo de uma profunda reflexo sobre

    asconcepes tericas de Terry Eagleton tendo como objeto nuclear de anlise

    seu entendimento sobreo papel da teoria e da crtica para a experienciao do

    texto literrio, visto que o defendemossercomo crucial na obra do autor.

    Entendemos que Eagleton desenvolve todo um projeto de militncia a

    conscincia poltica nos diversos ambientes culturais, principalmente nos

    espaos estticos e artsticos, defendido por alguns como um espao

    privilegiado, intocvel a qualquer ideologia que no seja a prpria neutralidade

    ou desinteresse ideolgico e poltico.

    Poucos estudos foram realizados a respeito da produo terica de

    Eagleton, e a maioria bastante recente. No mbito internacional, foram

    produzidos dois trabalhos expoentes: Terry Eagleton (2004) de David Anderson,

    onde ele elenca os temas discutidos ao longo da carreira do autor britnico

    como o marxismo, cultura, ps-modernismo e estudos ingleses e irlandeses.

    Deixando de fora suas discusses sobre teologia e metafsica.

    Terry Eagleton: Critical introduction (2008) de James Smith, descreve a

    trajetria crtica de Eagleton de forma diacrnica. E divide a trajetria desse

    autor em cinco fases, a fase inicial como terico da esquerda catlica, a

    segunda fase trata do seu inicio na crtica literria sobre a influncia de

    Raymond Williams at sua adoo da viso althusseriana de crtica ideolgica.

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    A terceira fase se daria em sua abertura do marxismo as questes ps-

    estruturalistas nos anos 80, saindo do cientificismo althusseriano para uma

    crtica revolucionria que levasse em conta a teoria para fins polticos prticos.

    Nos anos 90, passaria para uma fase de militncia contra os excessos do ps-

    modernismo, alm de alguns estudos sobre cultura, e na sua fase mais hodierna

    seu retorno s questes metafsicas.

    No Brasil, o nico trabalho que trata mais densamente sobre o assunto

    Terry Eagleton: uma apresentao (1996) das professoras de literatura da UNESP

    Maria Cevaso e In Costacuja escrita, assim como os trabalhos internacionais,

    se volta para uma apresentao do terico. Destacamos nesse trabalho sua

    explanao a herana esquerdista de Eagleton e do entendimento de que seu

    projeto intelectual est fundadona conscincia de que a crtica da cultura no

    uma disciplina acadmica andina, mas uma forma efetiva, ainda que limitada,

    de interveno na realidade.

    Semelhante a esse entendimento vemos o prefcio escrito por Matthew

    Beaumont, do livro A tarefa do crtico (2008) de Terry Eagleton e Matthew

    Beaumont. Nele, Beaumont defende como ponto crucial da obra de Eagleton a

    questo da crtica e acredita que esse pensamento irradiado por toda sua

    obra.

    Nosso trabalho se diferencia justamente por almejar trazer a tona uma

    discusso mais ntegra da obra de Eagleton que j vem sendo desenvolvida,

    como demonstramos anteriormente, porm, nosso foco se dar

    especificamente para levar essa discusso questo da literatura. Neste sentido,

    entendemos que sua vastido terica e popularidade podem conduzira uma

    difuso vasta de conceitos parciais de sua obra, podendo gerar um

    reducionismo sobrea compreenso e a dimenso de um crtico to influente.

    Partindo dessa conjectura, propomos um entendimento mais holstico do

    crtico. Sob essa tica, faremos uma breve ilustrao da viso de Eagleton que

    queremos discutir.

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    2. O Histrico de poltica e esttica

    Terry Eagleton herdeiro de uma tradio esquerdista de crtica

    cultural materialista os "Red Thirties", que apoiados nas ideias de Marx e

    Engels procuravam circunscrever as condies materiais e histricas

    imbricadas na relao da cultura com a sociedade. A sua maior referncia dessa

    tradio o crtico Raymond Williams (1921-1988), como observado noartigo

    sobre Eagleton da professora de literatura da UNESP Maria Cevasco em que

    ela comenta:

    Como Williams, Eagleton um escritor prolfico, que

    transita entre a crtica e a criao literrias. Ainda como

    Williams, Eagleton alia a atuao didtica a uma ateno

    concentrada tanto na produo literria quanto na crtica

    que cada vez mais atua como mediadora da experincia da

    literatura. (CEVASCO, 1996, p.50).

    Mostra-se relevante, tambm, conhecer os tericos e teorias que tm

    influncia direta para o pensamento de Eagleton, para que possamos ter uma

    noo dos fundamentos de sua anlise. Desta forma, destacamos Raymond

    Williams em especial suas noes de materialismo cultural, que diluindo as

    fronteiras entre cultura e materialismo, faz uma ponte entre marxismo e ps-

    modernismo, tese assumida largamente por Eagleton. Louis Althusser e Pierre

    Macherey, sobre a questo das ideologias e crtica cientifica que tiveram forte

    influncia na fase inicial do pensamento eagletiano em especial no seu livro

    Criticism and ideology (1976). Walter Benjamin, outro terico, cuja posio sobre

    crtica estratgica e a tarefa do crtico, realmente tem referncia direta na viso

    de crtica de Terry Eagleton. Vale a pena ressaltar a argumentao de James

    Smith (2008) sobre a influncia do padre dominicano Herbert McCabe no

    estilo de escrita e no pensamento de Eagleton. Muito das estratgias retricas e

    argumentativas do autor remetem a McCabe, bem como, as concepes

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    progressistas de teologia e tica, que prefiguram as anlises metafsicas do

    autor britnico. (SMITH, 2008)

    Em mais de quatro dcadas de anlise desde seu primeiro livro The New

    Left Church, como Terence Eagleton, (1966), at seu mais recente trabalho The

    event of literature (2012) ele j produziu mais de 30 livros e dezenas de artigos e

    textos, tanto acadmicos como jornalsticos.

    No mbito da literatura possui uma posio tanto de crtico, em

    trabalhos como Shakespeare and Society (1966), Myths of Power (1975) e The Rape of

    Clarissa (1982), como de escritor de textos literrios e cinematogrficos a

    exemplo do drama Brecht and Company (1979), do romance Saintsand Scholars

    (1987), das peas Saint Oscar (1989), The White Gold and the Grangrene (1993) e do

    roteiro do filme Wittgenstein: The Terry Eagleton Script, The Derek Jarman Film

    (1993). Alm de grandes ttulos didticos, vide Marxismo e crtica literria

    (1976), Teoria da literatura: Uma introduo (1983), Ideologia: Uma introduo

    (1991), The English Novel: An introduction (2004) e How to Read a Poem (2007).

    Apesar de toda essa influnciaesquerdista, o pensamento de Eagleton

    marcado por uma fluidez que perpassa os estudos literrios, se enraizando por

    outras reas. Eagleton tem ao longo do tempo adotado uma srie de discursos

    tericos existencialismo, feminismo, lacanismo, ps-estruturalismo sempre

    adaptando para seu ininterrupto esforo para renovar e redefinir o explanatrio

    poder do marxismo.

    Segundo Smith (2008), diante dessa sua postura de um marxismo em

    dilogo com as ideias ps-modernas, alguns crticos deferem duas objees, de

    um lado afirmam que Eagleton um falastro que no possui insights prprios

    nem metodologia que possa ser praticada, e obtm fama a reproduzir as idias

    dos outros defendendo uma espcie de releitura do marxismo. De outro lado,

    como conseqncia da primeira objeo, outros afirmam quesuas idias sobre

    uma crtica marxista estruturada num marxismo prprio, e no no marxismo

    de fato como afirma Eva Corredor (1993).Em defesa a essas crticas,Smith

    afirma que Eagleton ocupa um terreno muito difcil.Com sua constante

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    posio de adaptao, reao, eleintervm polemicamente em debates

    existentes, representando uma habilidade por reunir e antecipar movimentos

    intelectuais e correntes, bem como,abrir reas de idias de grande importncia.

    Beaumont (2009) tambm defende que o mtodo de aproximaraparentes

    correntes de posio tericas difusa adotado por Eagleton por seu

    entendimento de que isso um comprometimento para explorar como a crtica

    pode ser impulsionada em um novo engajamento social e intelectual, e a

    responsabilidade do crtico diante o preenchimentoda funo poltica dentro da

    sociedade. Nessa perspectiva, Eagleton est freqentemente mediando o

    marxismo com outras hermenuticas, testando os limites

    deste,reformulando,transformando, mas nunca o substituindo como

    abordagem terica central de sua prtica crtica.

    Nesse sentido, assim como Beaumont e Smith, percebemos que uma

    grande contribuio de Eagleton no seria necessariamente produzir um

    mtodo particular, ou insights originais, j que sua defesa a viso marxista,

    mas a capacidade estratgica (uma concepo herdada de Walter Benjamin2, nela

    este argumenta que em vez de dar suas prprias opinies, um grande crtico

    possibilita outros para formar suas opinies na base de suas anlises crticas.

    que possibilita atravs das discusses de teorias, uma percepo em nossas

    prprias opinies). Desse modo, entendemos quefunocrtica basilar no

    pensamento de Eagleton.

    Outro fator importante para entender o projeto de Eagleton atentar

    para seu estilo. Defendemos que esse possui um estilo diferenciado de escritura

    ao unir discusses tericas e tcnicas estilsticas do humor como a parodia,

    ironia, hiprboles e utilizao de elementos de cultura popular em oposio ao

    beletrismo acadmico. Sua escrita assim se distingue da tradio marxista,

    principalmente dos neo-hegelianos, que sempre escreveram com tom negativo

    2 Um trabalho pouco conhecido e de extrema importancia de Walter Benjamin, The Task of

    the Critic, in selected writings: volume 2, 1927-1934, p.548.

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    e melanclico. Alm disso, ao renovar o esprito da crtica marxista pelo veis

    do humor Eagleton encontra um forte artifcio para combater alguns

    argumentos das correntes ps-modernas, que se utilizam fortemente da ironia

    humorstica, em seus prprios termos. Procedendo, assim, uma analise

    histrica vemos como seu estilo mudou de uma linguagem marcada pelo rigor

    cientifico e jarges tericos na dcada de 70 para uma linguagem despojada e

    sarcstica a partir dos anos 80, resultado tanto de os motivos pessoais, polticos

    e lingusticos. Sua obra literria une ficcionalmente a suas concepes tericas,

    polticas e estticas. A escritura de Terry Eagleton carrega em si um amalgama

    entre teoria literria, crtica poltica e esttica literria, e assim, apesar das

    fronteiras genricas de escritura, a defesa de suas ideias tende para um mesmo

    caminho, questionando assim as prprias fronteiras entre crtica e literatura.

    3. A funo crtica na arte

    dentro dessa grande capacidade produtiva e essencialmente crtica da

    obra eagletiana que almejamos desenvolver uma anlise sobre a posio da

    teoria e da crtica para os estudos de literatura. Em vrios momentos

    Eagletontransparece vincular uma importncia crucial da crtica e dateoria para

    o entendimento e para a experienciao do objeto literrio. Desse modo, o

    crtico tem desenvolvido, a nosso ver, uma linha de argumentao que se inicia

    em 1975 com o seu livro Criticism and ideology: a study of marxism literary theory, em

    que Eagleton inicia algumas anlises sobre a relao da literatura e da

    crtica.Esta ltimaseria vista como um fantasma que antecipa e prev a

    literatura possuindo uma existncia natural a ela, e que a relao da crtica e da

    literatura perpassadapor um sintoma das ideologias de uma poca. Para se

    chegar as ideologias tornam-se necessrio fazer uma anlise cientifica do texto

    literrio, buscando o texto no como um reflexo das ideologias, mas como um

    produtor de ideologias e a partir dessas que se poderia chegar a histria.

    Eagleton passa por um hiato de seis anos sem produzir nenhum livro, e

    quando reaparece ao debate terico surge com uma proposta inovadora em

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    1981 com o texto Walter Benjamim: Rumo a uma crtica revolucionaria. Ele se

    autocensurapelos excessos de seu cientificismo no ultimo trabalho e

    propem uma critica que esteja plenamente em consonncia com os anseios

    polticos mais urgentes de sua realidade material. Sobre essa mudana ele

    comenta posteriormente: o livro tinha conscincia da necessidade de politizar

    a crtica (BEAUMONT; EAGLETON, 2010, p.194).

    Em 1983, Eagleton conclui o seu livro Teoria da literatura (1983) com o

    que ele define por Crtica Poltica, reforando a idia de que toda crtica

    poltica seja implicitamente ou explicitamente ideolgica. Assim, ele afirma que

    a proposta desse livro eliminar essa forma de represso contra a teoria e

    permitir que lembremos sua presena na literatura. Alm disso, afirma que sem

    uma teoria implcita ou explcita, no saberamos nem como definir e ler uma

    obra literria.

    Um ano depois em 1984, em A funo da crtica, e em o Significado da

    teoria (1989),ele desenvolve anlises sobre a condio da crtica e sua funo

    social, suas imbricaes historicamente relacionadas com a cultura, poltica e

    sociedade, e seu domnio pelas instituies de poder e no mbito acadmico.

    Em 2003, vinte anos depois de sua consolidao no cenrio da crtica

    literria e cultural, ele define o que entende por teoria e faz um balano da

    posio terica numa era dita ps-terica em seu livro Depois da teoria:

    Se teoria significa uma reflexo razoavelmente sistemtica sobre as

    premissas que nos orientam, ela permanece to indispensvel como sempre.

    Mas estamos vivendo agora as consequncias do que se pode chamar alta

    teoria, numa poca que, tendo se enriquecido com os insights de pensadores

    como Althusser, Barthes e Derrida, tambm ls avanou, de alguma forma,

    alm deles. (EAGLETON,2005, p.14).

    Apesar de dizer que a era de ouro da teoria cultura iniciado nos anos 70

    chegou a seu limite, Eagleton no exclui a possibilidade de se pensar em novas

    formas de entender os desafios do novo milnio, inclusive propondo

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    ampliao a novas reas do pensamento cultural como por exemplo um

    retorno mais cuidadoso as questes metafsicas.

    Sua obstinao pela crtica na literatura to grande que no livro Como

    ler um poema em 2007, Eagleton faz questo de inici-lo com o captulo

    denominado A funo da crtica, retomando sua postura explanatria sobre a

    literatura. Ele que tinha a inteno de organizar seu texto inicialmente

    diferente, ao perceber que os seus alunos estavam carentes sobre essas

    questes crticas, o idealizou de outro modo, apesar de ressaltar no prefcio

    que leitores menos iniciados deveriam comear o livro no pelo primeiro

    captulo, que aborda as questes de teorias crticas, mas pelo meio ondeo texto

    se volta para questes, aparentemente, mais estticas e didticas.

    Isso demonstra que Eagleton desenvolve uma idia crtica na literatura,

    tanto em seus mtodos como em seus objetos de estudo, fruto de sua

    orientao marxista, eprope uma viso crtica da sociedade e de seus objetos

    culturais como forma de intervir na realidade. Esse pressuposto apesar de

    aparentemente desconexo e fragmentado propagado por toda sua obra e, por

    isso, o julgamos como ponto vital que deve ser refletido com mais vigor.

    4. Eagleton e o contexto brasileiro

    No contexto brasileiro constatamos que muito pouco da obra de

    Eagleton foi traduzida, fornecida pelas editoras e discutida proficuamente,

    figurando a impresso desse pensador como apenas o escritor do livro Teoria da

    literatura, e no como um crtico que possui posturas tericas as quais esse livro

    parte delas.

    Eagleton se insere numalinha de pensamento de crtica materialista da

    cultura que desenvolvida por nomes como Antnio Candido e Roberto

    Schwarz, dois dos maiores expoentes da crtica literria nacional, todavia suas

    percepes tericas nessa linha no se mostram ainda particularmente

    estudadas.

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    Assim, mostra-se relevante realizar um estudo sobre pontos cruciais de

    sua obra que ainda se mostram um tanto relegados pelos crticos, que quando

    se voltam para sua obra a observam apenas com um olhar superficial, e no

    analisam os pressupostos basilares de sua anlise.

    Para demonstrar essa confluncia do pensamento Terry Eagleton com

    a tradio de crtica cultural e literria produzida no Brasil, propomos um breve

    paralelo entre a obra desse e do crtico Antnio Candido, por entendermos,

    que ambos desempenham a suas maneiras e em suas culturas propostas

    similares de pensamento.

    Maria Cevasco defende que as reflexes de Candido surgem quase ao

    mesmo tempo em que na Inglaterra Raymond Williams, mentor de Eagleton e

    o pioneiro da crtica materialista britnica, iria constituir a base de sua crtica

    (que Eagleton deu prosseguimento):

    Para dar exemplos pode-se pensar que na mesma poca, e

    pela mesma via da incorporao das tcnicas de leitura

    cerrada, Raymond Williams chega na Inglaterra a uma

    noo de forma rigorosamente simtrica de Candido.

    Como nosso mestre, o crtico britnico inaugura na

    Inglaterra uma verso produtiva de crtica materialista que

    busca ler a sociedade nas formas da cultura. Acho que no

    seria forar muito a nota lembrar que tambm na Alemanha

    Adorno j vinha teorizando a forma artstica como

    contedo scio-histrico decantado. Claro que a esta

    generalidade preciso sobrepor a especificidade do

    desenvolvimento desigual mas combinado de cada tradio

    local, mas no seria exagerado afirmar que este primeiro

    grande momento da crtica cultural materialista ps-

    ortodoxa se define pela elaborao de uma noo terica de

    forma que possibilita reconhecer, avaliar, e, portanto, ajudar

    a transformar, a realidade social. (CEVASCO,2005, p.1).

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    Dessa forma, faremos um breve comentrio sobre a formao de

    ambos os crticos, para entender historicamente o desenvolvimento de uma

    perspectiva semelhante de crtica em duas tradies distintas.

    Candido comea sua produo terica na dcada de 60, sofre toda

    influncia da tradio filolgica e o comeo do estruturalismo (formalismo e

    nova crtica). Eagleton comea na dcada de 70, est imerso no estruturalismo

    e na tradio esquerdista frankfurtiana, Althusseriana, chegando at o ps-

    estruturalismo. interessante perceber que Eagleton o divisor de guas que

    ainda vive o fim de uma herana marxista e estruturalista e tenta adequar o

    materialismo histrico as novas problemticas ps-estruturalistas e

    desconstrutivas. Enquanto Candido foi astuto na defesa contra o hermetismo

    excessivo da ameaa estruturalista, Eagleton o paladino marxista ps-

    moderno que luta para combater os relativismos extremistas dos ps, ao

    mesmo tempo em que atualiza a herana materialista nos seus dispositivos

    crticos engessados para as novas circunstncias histricas. Ele, assim, continua

    a dar prosseguimentos s intervenes que outrora Candido bravamente

    clamava.

    Tomando como base os dois livros iniciais de crtica literria de cada

    autor, podemos ver que, nos seus contextos, cada um tentacriar uma

    estruturao de teoria materialista da literatura. Literatura e sociedade (1965) de

    Candido e Marxismo e crtica literria (1975) de Eagleton, j demonstram pelo

    ttulo o vis que os dois tomam (um pelo marxismo e outro pela sociologia)

    para atingirem um fim parecido: afirmar a Estruturao simblica da sociedade

    na obra literria. Ambos os livros vo tratar de temas como, o historicismo na

    literatura, a dialtica forma e contedo, o autor e sua relao com a sociedade.

    O que percebemos em suas trajetrias, que ambos possuem traos

    comuns, Candido um grande erudito, mas em essncia um crtico de

    literatura, seus flertes com a moderna teoria literria so espaas, pelo prprio

    ensejo pluralista, dialtico, mas no menos engajado. Eagleton, todavia, parece

    enaltecer muito mais a discusso terica e metacrtica dos prprios

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    fundamentos em que trabalha, principalmente por ter vivido uma poca em

    que a teoria estava em alta, e era preciso ser muito consciente de seu mtodo

    e ideologia.

    Candido possui em sua crtica um salto dialtico, sentimento dos

    contrrios, pela sua viso um pouco hegel-lucakisiana de ver o todo-parte, de

    ver o local-universal. O fato de ele viver na periferia do capitalismo e

    experienciar as teorias, crticas e literaturas do centro/universais e ter que

    entend-las negociadas, mediadas e adaptadas s problemticas das questes

    literrias locais, nacionais, fez com que Candido no pudesse conceb-las de

    forma totalitria, harmnicas e fechadas.

    Candido, assim como Raymond Williams na dcada de 1960 na

    Inglaterra, se v na necessidade de forjar seu prprio sistema conceitual para

    gerir os fenmenos recorrentes em suas anlises literrias e culturais. Isso

    ocorreu em parte por Candido possuir uma origem materialista, escassa no

    Brasil a poca e da necessidade de romper com a crtica impressionista feita

    pelos seus antecessores Silvio Romero, Jos Verssimo e Joo ribeiro. No caso

    de Williams, necessidade de ruptura e reorganizao das teorias marxistas

    desenvolvidas na Inglaterra nos anos 30 e da influncia leavisiana na crtica

    cultural e literria.

    Eagleton, diferentemente, (e incluiramos tambm Fredric Jameson e

    Slavov Zizek), utiliza-se dos aparatos conceptuais marxistas desde Marx at

    Althusser, e possui toda uma viso da filosofia continental e das crticas

    linguagem feitas pelos ps-estruturalistas europeus e americanos, e assim, em

    nossa opinio, consegue fornecer doses argumentativas que Candido, Williams,

    e tantos outros deixaram sem respostas, pois no vivenciaram intensamente, as

    configuraes histricas da derrocada do materialismo histrico ps 70, como

    afirma Eagleton, para a A idade de ouro da teoria cultural (Eagleton, 2005,

    p.1), e para sua fase ps-terica.

    Outro paralelo importante dessas analogias entre Eagleton e o

    pensamento Brasileiro esquerdista, pode ser feito atravs das discusses sobre

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    religio e poltica. Antes mesmo de ser conhecido por seus debates na esfera

    pblica, Eagleton fora um grande articulista do que era conhecido como a

    esquerda catlica. De origem catlica, o crtico iniciou seus trabalhos como

    editor do peridico Slant nos anos 60, que conclamava dois grandes

    pensamentos a se unir em prol de uma defesa contra as mazelas do capitalismo,

    de um lado os progressistas inspirados em Marx e de outro uma corrente

    catlica que fazia uma releitura do cristianismo em termos de libertaes

    polticas e sociais. Essa era uma poca de grandes renovaes na igreja catlica

    devido a realizao do Conclio Vaticano II, e para muitos foi um motivo para

    pensar sobre o papel social e poltico da religio. Eagleton chegou a publicar

    dois livros sobre o tema, seu trabalho inaugural The New Left Church (1966),

    uma compilao de seus escritos no Slant sobre teoria social e teologia, alm de

    crticas a instituio papal e a liturgia catlica. Em The Body as Language : outline

    of a new left theology (1970) um livro ousado que buscava tematizar as relaes

    entre marxismo e cristianismo, em que Eagleton baseado em um rebuscado

    referencial terico que vai desde Wittgenstein a Merleau Ponty para

    desenvolver uma discusso teolgica baseada em princpios materialistas.

    No Brasil, quase ao mesmo tempo, muitos religiosos, telogos e

    pensadores sociais aderiram a um movimento latino-americano com as

    caractersticas bem similares a do Slant, e que ficou conhecido como a Teologia

    da libertao. Um movimento que buscava a libertao humana atravs de uma

    crtica aos valores da modernidade e ao capitalismo liberal. Baseados nos

    estudos sociolgicos e marxistas discutiam as causas da pobreza, do

    individualismo e da relao centro e periferia. Desse movimento surgiram

    pensadores notveis no pensamento brasileiro como Leonardo Boff, Frei Beto

    e Michael Lwy. O prprio Eagleton reconheceu em uma entrevista a

    confluncia de pensamento com os telogos da libertao dizendo que

    antecipara inclusive Teologia da Libertao, que ns conhecemos bem na

    Amrica Latina. (EAGLETON, 2010).

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    Os escritos sobre religio retornam posteriormente na fase

    contempornea de Eagleton em seu retorno a metafsica, a exemplo dos livros

    Sweet violence (2002), Holy Terror (2005) e Razo, F e Revoluo (2008). Esses

    livros retomam muito das discusses iniciados por Eagleton ns anos 60, e

    consegue erigir fortes argumentos para os debates sobre religio, tica e

    fundamentalismo religioso e suas relaes com a poltica global. Como bem

    descreve Beaumont:

    Eagleton acredita que o marxismo e uma forma especfica de

    cristianismo devem lutar do mesmo lado da barricada contra o violento ataque

    dos novos espiritualismos e que o autentico legado cristo precioso demais

    para ser deixado nas mos de aberraes fundamentalistas. (BEAUMONT;

    EAGLETON, 2010, p.17).

    Acreditamos que muito das reflexes de Eagleton sobre Religio e

    poltica, tanto de sua fase de esquerda catlica como de retorno a metafsica,

    podem contribuir para enriquecer os trabalhos produzidos por alguns tericos

    brasileiros nesse campo de estudo.

    5. Consideraes Finais

    Podemos ver que nesse quase meio sculo de produo Terry Eagleton,

    tem desenvolvido ideias em vrios campos do conhecimento. Uma produo

    to vasta e que apesar do seu best-seller Teoria da literatura: Uma Introduo j

    est em sua sexta edio no pas, infelizmente 70% de suas obras no possui

    edio no Brasil. Vrios estudos realizados no Brasil, como demonstramos,

    possui reverberao nos estudos do pensador britnico, principalmente no que

    se refere a viso materialista histrica de crtica cultural. Nosso trabalhou

    tentou brevemente mostrar como alguns insights do pensador britnico podem

    contribuir para discusses como a literatura, religio poltica.

    Nosso objetivo maior foi mostrar que, para Eagleton, a crtica faz

    parte de uma relao maior com a vida, uma funo social a todos, j que por

    sermos seres lingusticos e histricos, produzimos significados, valores e

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    propsitos que se fundamentam em escolhas para o bem estar e para o gosto.

    Por isso a importncia da conscincia terica e crtica na literatura e na cultura

    em geral, pois, para Eagleton, estarelao no deve ser dissociada. Temos de

    discernir que sem a crtica, seja ela de qualquer natureza, no

    poderamosexperienciar a literatura ou as formas culturais. Deste modo,

    defendemos a importnciadessas caractersticas que so pulsantes em toda sua

    obra e que no devem ser negligenciadas pelos leitores brasileiros. Devem sim

    ser conhecidas difundidas e discutidas de tal maneira para que se possa balizar

    at que ponto sua contribuio pode ser til para nossa cultura.

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    Apresentao. Critica marxista, So Paulo, v. 1, n. 2, p. 53-59, 1996.

    CEVASCO, M. E. B. P. S. Momentos da crtica cultural materialista. 2005.

    Disponvel em:

    . Acesso em: 13 out.2012.

    EAGLETON, Terry; BEAUMONT, Matthew. A Tarefa do crtico: dilogos com

    Terry Eagleton. Traduo Matheus Corra. So Paulo: Unesp, 2010.

    EAGLETON, Terry. Depois da teoria: um olhar sobre os Estudos Culturais e o

    ps-modernismo. Traduo Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, 2005.

    EAGLETON, Terry. Um crtico voga atual de falar mal de deus. 2010. Disponvel

    em: . Acesso em: 13 out. 2012.

    SMITH, James. Terry Eagleton: critical introduction, Cambridge, polity press,

    2008.

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