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Capítulo I

DIREITO ADMINISTRATIVO E O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

Ronny Charles

1. O ESTADO E A SUA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

Consolidou-se o entendimento clássico de que o Estado possui três funções (legislativa, jurisdicional e administrativa), realizadas por seus Poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) de forma típica ou atípica.

Parece-nos mais adequada a alusão às funções legislativa, jurisdicional e exe-cutiva, subdividindo-se, a última, em função política (ou de governo) e em função administrativa.

Enquanto a função política (ou de Governo) está relacionada à superior gestão da política estatal (como ocorre no veto presidencial, na cassação política de um parla-mentar ou em algumas decisões do Tribunal Constitucional), a função administrativa está relacionada à execução das normas jurídicas para atendimento direto e imediato do interesse da coletividade, através de comportamentos infralegais, submetidos a um regime jurídico próprio (o administrativo), a uma estrutura hierárquica e ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

Nossa Constituição, ao tratar sobre a organização dos Poderes, em seu título IV, reporta-se a algumas funções, denominadas “funções essenciais à Justiça”, com configuração constitucional peculiar. O deslocamento das funções essenciais à Justiça para um capítulo próprio, inserido no título sobre a organização dos Poderes, mas autônomo em relação aos três anteriores, que discorrem sobre os Poderes da clássica repartição (Executivo, Judiciário e Legislativo) não se deu de forma despropositada. A distribuição ordenada pela Constituição tem sentido e demonstrou sintonia com as mudanças que ocorreram no Estado Moderno, tornando inadequada ou insufi-ciente a teoria da separação dos poderes, em sua compleição original.

Como ensina o Mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto, as funções essenciais à Justiça representam um sistema de controle, através de funções específicas, que atuam por órgãos técnicos, “exercentes de uma parcela do poder estatal, mas destacados dos Poderes do Estado”.

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Com as “funções essenciais à Justiça”, o Constituinte prestigiou instituições im-prescindíveis para o equilíbrio e para a harmonia dos Poderes estatais. É sob esse aspecto que deve ser percebida a atuação da advocacia privada e das “procuraturas constitucionais” (o Ministério Público, a Advocacia de Estado e a Defensoria Pública).

Importa, para o nosso estudo, a função administrativa. Ela se diferencia das de-mais funções e é exercida tipicamente pelo Poder Executivo e atipicamente pelos Poderes Legislativos e Judiciários. Quando qualquer dos poderes ou de seus órgãos e entidades atua no campo dessa função administrativa, atua enquanto Administração Pública, submetendo-se ao seu regime.

A doutrina identifica as funções administrativas através de três critérios:● Critério subjetivo ou orgânico: leva em conta o sujeito responsável pelo exer-

cício da função administrativa;● Critério objetivo material: busca reconhecer a função através de elementos

intrínsecos da atividade, ou seja, através de seu conteúdo; ● Critério objetivo formal: busca reconhecê-la pelo regime que a disciplina.Embora parte da doutrina aponte um ou outro critério como mais adequado para

a identificação da função administrativa, parece-nos que nenhum deles é suficiente. Assim, eles devem ser avaliados em seu conjunto, para a correta identificação da fun-ção administrativa.

A função administrativa compreende diversas atividades, como:● Serviços públicos: atividade direcionada a proporcionar utilidades ou comodi-

dades para os administrados, para satisfação de suas necessidades;● Poder de polícia: atividade que contém ou restringe o exercício das liberdades,

adequando-as ao interesse público;● Fomento: atividade administrativa de estímulo à iniciativa privada de utilidade

pública, que desenvolve atividades de interesse coletivo;● Intervenção: atuação da Administração no domínio econômico, seja de forma

direta (através de suas empresas estatais), seja de forma indireta, através da regula-mentação e da fiscalização da atividade econômica.

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO ADMINISTRATIVO

A Administração Pública é a faceta organizacional do Estado voltada para o aten-dimento das necessidades coletivas, no desempenho de sua função administrativa.

A expressão pode ser compreendida em dois sentidos:● Sentido objetivo (administração pública): consiste na própria atividade ad-

ministrativa exercida pelos órgãos e entes estatais.

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● Sentido subjetivo (Administração Pública): consiste no conjunto de órgãos, entidades e agentes que tenham a atribuição de executar a função administrativa. Nesse caso, a expressão se inicia com letras maiúsculas.

O Direito Administrativo se apresenta como o ramo do Direito Público que envolve normas jurídicas disciplinadoras da Administração Pública em seus dois sen-tidos, enquanto atividade administrativa propriamente dita e enquanto órgãos, entes e agentes que possuem a atribuição de executá-la.

Nessa feita, o exercício de funções outras, que não a administrativa, são reguladas por outros ramos do Direito (o Constitucional, por exemplo). Da mesma forma, há incidência do direito administrativo em atividades que, para sua realização, exigem o exercício da função administrativa. A constituição do crédito tributário ou a con-cessão de uma aposentadoria, embora sejam objeto, respectivamente, das disciplinas direito tributário e direito previdenciário, na prática, submetem-se a certas regras de direito administrativo, em relação aos servidores públicos envolvidos, processamento administrativo, revisão de atos administrativos praticados, entre outros.

2.1 FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVOPensando o Direito administrativo como um conjunto de normas, formado por

regras e princípios, que disciplinam a Administração Pública, demonstra-se impor-tante buscar identificar aquilo que provoca, revela ou dá origem, justamente, a tais normas jurídicas.

As fontes do Direito Administrativo não se resumem às normas oriundas do Estado, já que a disciplina deste ramo do direito sofre influência também dos demais setores, como o mercado e a sociedade. Em apertada síntese, podemos apontar as seguintes fontes para o Direito Administrativo:

a) princípios; b) leis; c) atos normativos infralegais; d) doutrina; e) jurisprudência (destaque para as súmulas vinculantes e decisões em ADI, ADC e ADPF); f ) costu-mes; g) precedentes administrativos.

Em relação aos precedentes administrativos, tem-se defendido que a prática rei-terada de atos administrativos em situações similares pode vincular a Administração a tais entendimentos quando analisar relações jurídicas distintas, mas que possuam identidade subjetiva e objetiva. Essa vinculação teria como fundamento o respeito à segurança jurídica e à isonomia, além da vedação à arbitrariedade estatal. Rafael Carvalho lembra que apenas em duas situações a Administração poderia se afastar de um precedente administrativo:

a) quando o ato invocado como precedente for ilegal;b) quando o interesse público justificar a alteração motivada do enten-

dimento administrativo, hipótese em que seria possível a adoção da

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teoria denominada “prospective overruling”, segundo a qual a alteração de orientação jurídica deve ser aplicada apenas para os casos futuros.

3. O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

A atuação da Administração Pública, em sua atividade administrativa, sofre a influência de um regime jurídico específico. Este, denominado regime jurídico-ad-ministrativo, caracteriza-se pela incidência de princípios próprios, que darão especiais contornos à atividade administrativa, fundamentais para a correta aplicação dos ins-titutos pertinentes e para a compreensão das proteções e das restrições jurídicas que se refletem sobre tal atividade.

Os princípios se diferenciam das regras. Eles se expressam em estruturas abertas, flexíveis, podendo, por isso mesmo, ser mais ou menos observados. Havendo conflito entre dois princípios, é sempre possível uma solução que atenda em certa medida a um e em certa medida ao outro, o que não ocorre com o conflito entre regras, que exige, sob o prisma tradicional, opção por uma delas.

Se, antes, os princípios eram considerados subsidiários, na fase pós-positivista do Direito eles alcançaram hegemonia sobre as regras jurídicas.

Nessa concepção de primazia dos princípios na aplicação de nosso ordenamen-to, eles assumem uma feição de arsenal normativo principiológico que conforma a Administração Pública, sendo apontados como pedra angular, que consagra valores, responsável pela harmonia e coerência do sistema. Nesse diapasão, Dirley da Cunha Júnior, fazendo alusão à tridimensionalidade funcional dos princípios, lembra que eles consagram valores fundamentadores do sistema jurídico, orientadores de sua exata compreensão, interpretação e aplicação, além de supletivos das demais fontes do direito.

3.1. CONTEÚDO DO REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVOCelso A. B. de Mello sugere que o regime jurídico-administrativo é formado por

princípios magnos, em função dos quais se originariam todos os demais princípios que conformam a atividade administrativa. Tais princípios magnos seriam: supre-macia do interesse público e indisponibilidade do interesse público, bases funda-mentais do regime jurídico-administrativo, que estabelecem prerrogativas e sujeições à atividade administrativa.

A supremacia do interesse público traz como efeito uma relação de verticalida-de, uma relativa preponderância dos interesses defendidos pela Administração, tidos como públicos ou gerais, daqueles interesses defendidos por particulares.

A indisponibilidade do interesse público traz como efeito a impossibilidade de livre transigência, por parte do Administrador, dos interesses públicos tutelados.

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3.2 INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E INTERESSE PÚBLICO SECUNDÁRIO

O conceito de interesse público envolve, conforme a doutrina, duas concepções, o interesse público primário (interesse da coletividade) e o interesse público secun-dário (interesse do Estado, enquanto sujeito de direitos).

Tal dicotomia se fundamenta na constatação de que não há necessária coin-cidência entre o interesse público (relacionado a um conceito maior, de sociedade como um todo) e o interesse do Estado (relacionado a um conceito mais restrito, de Administração Pública).

Em princípio, somente o interesse público primário se apresenta com status su-perior, em relação ao interesse do particular. Conforme explica Luis Roberto Barroso, eventuais colisões entre o interesse público secundário (interesse da Administração) e o interesse do particular, são solucionadas concretamente, mediante a ponderação dos princípios e dos elementos normativos e fáticos do caso concreto.

3.3 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A doutrina reconhece vários princípios jurídicos no Direito Administrativo.

Alguns foram positivados pelo constituinte ou pelo legislador ordinário, outros tan-tos são identificados através do estudo da natureza da atividade administrativa e de nosso ordenamento. Embora não se verifique unanimidade na doutrina, quanto ao número e ao nome, é possível destacar alguns princípios, expressamente indicados na Constituição ou em importantes normas legais.

3.3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EXPRESSOSA Constituição Federal de 1988 estabeleceu expressamente que a administra-

ção pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Cabe observar, portanto, que os princípios constitucionais da Administração são aplicáveis aos três níveis de governo da Federação.

A doutrina denomina tais princípios de princípios constitucionais expressos da Administração Pública.

A) Princípio da Legalidade. No direito privado, de acordo com este princípio, ao particular é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. No âmbito do Direito Administrativo, pela doutrina tradicional, existe uma subordinação da ação do admi-nistrador, em função do que estabelece a lei, de forma que ele só pode agir nos moldes e limites estabelecidos pela legislação.

Tal subordinação pode ser identificada por duas vertentes: o da vinculação negati-va (negative bindung), segundo a qual a legalidade representaria uma limitação para a

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atuação do administrador, e o da vinculação positiva (positive bindung), segundo o qual a atuação dos agentes públicos depende de autorização legal.

Sob esse prisma, a legalidade administrativa se concretiza como uma garantia aos administrados, que podem exigir a consonância do ato administrativo com a lei, sob pena de sua invalidação.

É necessário, contudo, perceber que as mudanças que afetaram a sociedade e o aparato estatal geraram mutações na concepção da legalidade administrativa. Conforme a doutrina de Raquel Carvalho, podemos apontar as seguintes fases para o conceito de legalidade administrativa.

● Legalidade estrita. Essa concepção de legalidade administrativa nasceu com o pensamento inspirador do Estado Liberal, influenciado pela preocupação com as arbitrariedades do período absolutista, do que resultou a ideia de restringir a atuação administrativa à mera execução das regras dispostas pelos representantes do povo. Assim, a legalidade estrita surgiu como um instrumento de proteção, um princípio limitador à atuação do Poder Público, a qual seria possível, apenas, dentro dos limites determinados pelas normas aprovadas pelos representantes do Povo.

● Legitimidade. O avanço democrático do modelo de Estado e o enfraqueci-mento do positivismo tornaram insuficiente o raciocínio de que bastaria que a con-duta administrativa fosse legal. Assim, passou-se a permitir o controle do ato admi-nistrativo, mesmo quando a conduta fosse aparentemente compatível com a lei.

Esse avanço está relacionado à mutação da noção clássica de legalidade para uma ideia de legitimidade, que exige também a obediência à moralidade e à finalidade pública. Tal concepção permite uma maior amplitude ao controle do ato administra-tivo pelo Poder Judiciário, que pode, para invalidar um ato administrativo, avaliar sua adequação à finalidade pública e aos princípios que regem a Administração Pública, como a moralidade.

● Juridicidade. A exigência de que a lei predetermine de forma completa e ab-soluta toda a atuação da Administração é incompatível com a realidade posta, sendo indispensável a existência de uma margem decisória importante de ponderação e concretização das normas constitucionais.

A juridicidade é apresentada como um conceito maior, que extrapola a com-preensão tradicional da legalidade estrita, pois vincula a Administração Pública ao ordenamento jurídico como um todo (formado não apenas pelas leis, mas também pela Constituição e pelos princípios jurídicos), permitindo uma margem maior de autonomia, dentro dos limites apresentados pelo ordenamento constitucional, para a satisfação das diretrizes apresentadas por ele.

b) Princípio da impessoalidade. A impessoalidade repele e abomina favoritis-mos e restrições indevidas, exigindo tratamento equânime e marcado pela neutrali-

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dade, noutro prumo, importante firmar que, quando realiza a função administrativa, o gestor não age nem deve agir em nome próprio, mas em nome do Poder Público.

A impessoalidade deve ser concebida, então, sob dois aspectos. De um lado, ela proíbe que o agente público utilize seu cargo para a satisfação de interesses pessoais ou mesquinhos. Assim, não pode o agente público utilizar seu cargo para se promo-ver, para beneficiar pessoa querida ou prejudicar um desafeto, por conta de interesses pessoais.

Noutro aspecto, a impessoalidade deve ter repercussão na relação jurídica do ato administrativo praticado, pois, quando realiza a atividade administrativa, o agente público age em nome do Poder público, de forma que os atos e provimentos adminis-trativos não são imputáveis ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública.

c) Princípio da moralidade. A moralidade administrativa exige que a ação da ad-ministração seja ética e respeite os valores jurídicos e morais. De índole constitucio-nal, tal princípio está associado à legalidade, contudo, mesmo na hipótese de lacuna ou de ausência de disciplina legal, o administrador não está autorizado a proceder em confronto com a ética e com a moral.

Esse princípio se apresenta como um vetor fundamental das atividades do Poder público, de forma que, verificada ofensa à moralidade, mesmo que uma conduta seja aparentemente compatível com a lei, deve ser invalidada. Tal compreensão está re-lacionada à mutação da noção clássica de legalidade para uma ideia de legitimidade, que, além do cumprimento das regras jurídicas, abarca também a moralidade e a finalidade pública.

► Importante. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, co-lateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de ser-vidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recí-procas, viola a Constituição Federal (STF - Súmula Vinculante nº 13).

Recentemente, o Plenário do STF julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei nº 13.145/97, do Estado de Goiás, entendendo que o dispositivo questionado, ao permitir a nomea-ção, admissão ou permanência de até dois parentes das autoridades ali mencionadas, além do cônjuge do Chefe do Poder Executivo, criaria hipóteses que excepcionariam a vedação ao nepotismo. (STF. ADI 3745/GO, Rel. Min. Dias Toffoli, 15.5.2013. Pleno. - Info 706)

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A contratação de agentes públicos sem a realização de concurso caracteriza viola-ção ao princípio da moralidade. Não obstante, o ressarcimento ao erário depende da demonstração do enriquecimento ilícito e do prejuízo para a administração.

d) Princípio da publicidade. A publicidade exige que a atuação do Poder Público seja transparente, com informações acessíveis à sociedade.

O acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral pode ser ressalvado nas hipóteses em que o sigilo seja ou permaneça impres-cindível à segurança da sociedade e do Estado. Da mesma forma, a lei pode restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

Conforme artigo 11 da Lei nº 8.429/92, constitui ato de improbidade adminis-trativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, negar publicidade aos atos oficiais.

e) Princípio da eficiência. Esse princípio foi inserido no texto constitucional pela EC nº 19/98, passando a expressamente vincular e nortear a administração pú-blica. O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Esse bom trato da coisa pública, atendendo à eficiência, tem relação direta com a concepção de Estado Democrático de Direito, no qual as regras e a atuação admi-nistrativa buscam dar garantias à coletividade, mas também protegem o indivíduo, inclusive de uma atuação exageradamente onerosa ou ineficiente do Estado que ele sustenta, através dos tributos.

3.3.2 OUTROS PRINCÍPIOSAlém dos princípios indicados pela Constituição, a Administração pública deve

obediência a outros princípios, alguns deles foram positivados pelo legislador infra-constitucional, em várias normas. A Lei federal nº 9.784/99 (processo administrati-vo), por exemplo, estabeleceu a necessária obediência, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. A Lei federal nº 8.666/93 (Licitações e contratos), faz alusão a vários princípios, dentre eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade ad-ministrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, além de princípios correlatos. Podemos citar, ainda, outros princípios, como o da autotutela, da presunção de legitimidade dos atos administrativos, do devido processo legal, en-tre tantos.

Há, portanto, vários princípios que moldam a atividade administrativa; alguns claramente apontados pelo legislador, outros tantos identificáveis pelo jurista, na aná-lise do ordenamento. Todos eles serão abordados, no decorrer dessa obra.

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Ressaltamos, aqui, alguns desses princípios:a) Razoabilidade e proporcionalidade. Tais princípios possuem funções axio-

lógicas e teleológicas essenciais, permitindo o controle dos atos administrativos. A jurisprudência tem cobrado o respeito a esses princípios, invalidando excessos na prática de atos administrativos.

A razoabilidade (ou proporcionalidade ampla) impõe uma tríplice exigência ao desempenho da função administrativa, de forma que, para a realização de fins públi-cos, sejam adotados meios adequados (apto a atingir o fim almejado), necessários (me-nor restrição possível ao administrado) e proporcionais (as vantagens devem superar as desvantagens criadas).

O princípio da proporcionalidade é essencial ao Estado Democrático de Direito, servindo como instrumento de tutela das liberdades fundamentais, proibindo o ex-cesso e vedando o arbítrio do Poder, enfim, atuando como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais (STF HC 103529-MC/SP. Informativo 585).

b) Autotutela. Esse princípio permite à Administração Pública a revisão de seus atos, seja por vícios de ilegalidade (invalidação), seja por motivos de conveniência e oportunidade (revogação).

O artigo 54 da Lei nº 9.784/1999 estipula que o direito da Administração de anular os atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis para os des-tinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Outrossim, os atos que apresentarem defeitos sanáveis podem ser convalidados pela própria Administração, desde que não acarretem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros.

A Autotutela se diferencia da Heterotutela, pois nesta o controle não é feito pelo órgão ou pela Administração Pública, mas por pessoa, órgão ou ente de esfera diversa. É o caso, por exemplo, da anulação de ato administrativo feita pelo Poder Judiciário, decorrente de reclamação perante o STF (CF, Art. 103-A, §3º), ou do controle dos atos do Executivo realizado pelo Poder Legislativo, em sua função fis-calizadora (CF, Art. 49, X).

c) Presunção de legitimidade. Segundo tal princípio, os atos administrativos se revestem de uma presunção relativa (juris tantum) de que são praticados legitima-mente (de acordo com o Direito). Tal presunção é relativa, podendo ser contrariada por prova em contrário.

d) Motivação. O princípio da motivação obriga a Administração a explicitar o fundamento normativo de sua decisão, permitindo ao administrado avaliar a decisão administrativa, para conformar-se ou insurgir-se perante o Poder Judiciário.

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A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em decla-ração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, de-cisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. A indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão é critério obrigatório no processo administrativo.

e) Segurança jurídica. Esse princípio tem por fundamento a necessária previsi-bilidade dos atos administrativos e estabilização das relações jurídicas. Têm-se limites para a atuação da Administração na prática de seus atos, como: vedação à aplicação retroativa de nova interpretação e sujeição do poder de autotutela a prazo razoável.

O poder-dever que detém a Administração para invalidar seus próprios atos é sujeito ao limite temporal delimitado pelo princípio da segurança jurídica. Os ad-ministrados não podem sujeitar-se indefinidamente à instabilidade da autotutela do Estado e de uma convalidação dos efeitos produzidos, quando, em razão de suas consequências jurídicas, a manutenção do ato servirá mais ao interesse público de que sua invalidação (STJ. RMS24.339-TO, Julg. 30/10/2008).

f ) Isonomia. O princípio da isonomia é resumido na sentença “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades”. Essa frase re-sume a transformação do sentido dado à isonomia com as mudanças de paradigmas que afetaram o Estado Moderno.

Celso Antonio Bandeira de Mello ensina que o alcance da igualdade não se limi-ta a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, seu respeito exige que a própria lei seja editada em conformidade com a isonomia. Dessa forma, “não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição delas assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas”.

A lei e o ato administrativo não devem ser fonte de privilégios ou perseguições, mas cumprir o papel de instrumento regulador da vida social, tratando equitativa-mente os cidadãos. Diante da “politização” (em um sentido pejorativo) cada vez mais acentuada da máquina administrativa, é muito comum o estabelecimento de regras que, a despeito de se fundamentarem em diferenças sociais, geram privilégios despro-porcionais, afrontosos à isonomia.

Da obediência ao princípio da isonomia decorre a “autovinculação administrati-va”, conceito que gera certa limitação à prática de um ato administrativo (mesmo que discricionário), em contradição a precedentes administrativos anteriores. Pela teoria da autovinculação administrativa, ao fixar determinado entendimento, por respeito à igualdade e à boa-fé, a Administração fica vinculada quando analisar relações ju-rídicas distintas, porém similares, embora possa alterar seu entendimento, de forma motivada e sem efeitos retroativos (“prospective overruling”).

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► Como este tema vem sendo abordado em provas da OAB ?Na prova FGV/OAB 2010, com o seguinte enunciado: “O prefeito de um determi-

nado município resolve, por decreto municipal, alterar unilateralmente as vias de trans-porte de ônibus municipais, modificando o que estava previsto nos contratos de concessão pública de transportes municipais válidos por vinte anos. O objetivo do prefeito foi fa-vorecer duas empresas concessionárias específicas, com quem mantém ligações políticas e familiares, ao lhes conceder os trajetos e linhas mais rentáveis. As demais três empresas concessionárias, que também exploram os serviços de transporte de ônibus no município por meio de contratos de concessão, sentem-se prejudicadas. Na qualidade de advogado dessas últimas três empresas, qual deve ser a providência tomada?”

Foi considerada correta a seguinte alternativa:a) Ingressar com ação judicial, com pedido de liminar para que o Poder Judiciário

exerça o controle do ato administrativo expedido pelo prefeito e decrete a sua nulidade ou suspensão imediata, já que eivado de vício de nulidade, por configurar ato fraudulento e atentatório aos princípios que regem a Administração Pública.

► Importante. O STF já proclamou que “a lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio” (STF - ADI N. 3.070-RN).

g) Contraditório e ampla defesa. Aos litigantes, em processo judicial ou admi-nistrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Essa garantia é apresentada tanto para os processos judiciais como para os processos administrativos.

● Contraditório: relaciona-se com a igualdade das partes e se traduz na necessi-dade de informação da existência de todos os atos do processo, além da possibilidade de reação aos atos desfavoráveis.

● Ampla defesa: pressupõe a prerrogativa de defender-se de acusações, para evitar sanções ou prejuízos. A atividade administrativa resta sujeita à obediência ao devido processo legal e ao princípio da ampla defesa e contraditório, não podendo deles prescindir, sob pena de anulação dos atos e decisões proferidas.

A garantia constitucional da ampla defesa afasta a exigência do depósito prévio como pressuposto de admissibilidade de recurso administrativo.

► Importante. Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. (STF - Súmula Vinculante 3).