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DIREITO CIVIL Prof.: Alexander Perazo VISÃO GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL DE 2002 Lei n° 10.406, de 10.01.02 – O Código Civil é a constituição do homem comum, pois estabelece regras de conduta entre todos os seres humanos, mesmo antes de nascer (resguarda os direitos do nascituro) até depois de sua morte. O CC/2002 foi apresentado em 1972, convertido em Projeto de Lei em 1975 e engavetado, com certa prudência, à espera da nova Constituição. Orientações da elaboração do novo Código a) preservar, sempre que possível, o CC/1916 b) criar um novo Código e não simplesmente revisar o de 1916 c) inclusão de valores essenciais como a eticidade, a socialidade e a operabilidade d) aproveitamento dos trabalhos de revisão do Código Civil no que tange ao Direito das Obrigações em 1940 e em 1965. e) firmar não uma unificação do Direito Privado, mas sim do Direito das Obrigações, inclusive com a inclusão de mais um Livro na Parte Especial intitulado Direito de Empresa Os três princípios fundamentais Eticidade – foi inserido no Código a participação de valores éticos. Assim, o art.. 113 e o 422, que tratam da boa-fé Socialidade – foi retirado o caráter individualista do Código, com a inclusão da função social do contrato (art. 421) e adoção da interpretação mais benéfica ao aderente (art. 423) Operabilidade – procurou-se solucionar antigas discussões doutrinárias como a distinção entre prescrição e decadência, associação (sem fins econômicos) e sociedade (com objetivo de lucro) Direito público e privado – Direito público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade. A relação é entre o Estado e o particular ou entre dois Estados, sendo sempre de subordinação. Direito privado, por sua vez, é aquele que regula as relações entre os homens. A relação é entre indivíduos, sendo sempre de coordenação. LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL A Lei de Introdução ao Código Civil é um conjunto de normas sobre normas, pois disciplina as próprias normas jurídicas, determinando o seu modo de aplicação e entendimento, no tempo e no espaço

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Page 1: 1268 apostila -_direito_civil_-_parte_geral

DIREITO CIVIL

Prof.: Alexander Perazo

VISÃO GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL DE 2002Lei n° 10.406, de 10.01.02 – O Código Civil é a constituição do homem

comum, pois estabelece regras de conduta entre todos os seres humanos, mesmo antes de nascer (resguarda os direitos do nascituro) até depois de sua morte.O CC/2002 foi apresentado em 1972, convertido em Projeto de Lei em 1975 e engavetado, com certa prudência, à espera da nova Constituição.

Orientações da elaboração do novo Códigoa) preservar, sempre que possível, o CC/1916b) criar um novo Código e não simplesmente revisar o de 1916c) inclusão de valores essenciais como a eticidade, a socialidade e a

operabilidaded) aproveitamento dos trabalhos de revisão do Código Civil no que tange ao

Direito das Obrigações em 1940 e em 1965.e) firmar não uma unificação do Direito Privado, mas sim do Direito das

Obrigações, inclusive com a inclusão de mais um Livro na Parte Especial intitulado Direito de Empresa

Os três princípios fundamentais Eticidade – foi inserido no Código a participação de valores éticos. Assim, o

art.. 113 e o 422, que tratam da boa-féSocialidade – foi retirado o caráter individualista do Código, com a inclusão

da função social do contrato (art. 421) e adoção da interpretação mais benéfica ao aderente (art. 423)

Operabilidade – procurou-se solucionar antigas discussões doutrinárias como a distinção entre prescrição e decadência, associação (sem fins econômicos) e sociedade (com objetivo de lucro)

Direito público e privado – Direito público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade. A relação é entre o Estado e o particular ou entre dois Estados, sendo sempre de subordinação. Direito privado, por sua vez, é aquele que regula as relações entre os homens. A relação é entre indivíduos, sendo sempre de coordenação.

LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL

A Lei de Introdução ao Código Civil é um conjunto de normas sobre normas, pois disciplina as próprias normas jurídicas, determinando o seu modo de aplicação e entendimento, no tempo e no espaço

Fontes do direito – A lei é o objeto da LICC e a principal fonte do direito. Pelo art. 4º da LICC, podemos antever que são fontes do direito: a lei, a analogia, o costume e os princípios gerais do direito. A jurisprudência é colocada como fonte meramente intelectual ou informativa (não formal) do direito.

LEI – a palavra lei é empregada em duas acepções: em um sentido amplo, como sinônimo de norma jurídica, compreende toda regra geral de conduta, emanada por autoridade competente; em sentido estrito, refere-se, tão somente, a norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo por meio de processo adequado.

Possui como características a generalidade, a imperatividade e a permanência.

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Vigência da lei – a vigência é uma qualidade temporal da norma, designa a existência específica da norma em determinada época. Segundo a LICC em seu art. 1º, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

O intervalo entre a data de sua publicação e a sua entrada em vigor denomina-se vacatio legis.

OBS – Se durante a vacatio legis ocorrer nova publicação de seu texto, para correção de erros materiais ou falha de ortografia, o prazo da obrigatoriedade começará a correr a partir da nova publicação (art. 1º, § 3º). Se a lei já entrou em vigor, tais correções são consideradas lei nova, tornando-se obrigatória após o decurso da vacatio.

OBS 2 – decretos e regulamentos tornam-se obrigatórios a partir de sua publicação.

Revogação da lei – cessa a vigência de uma lei com a sua revogação, sendo certo que uma lei, em regra, tem caráter permanente. Assim, mantém-se a lei em vigor até ser revogada por outra lei.

A revogação parcial denomina-se derrogação, enquanto que a revogação total é chamada de ab-rogação.

Uma lei revogada não adquire vigência com a revogação da lei que a revogou (repristinação).

Interpretação da lei – interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica. Todas as lei estão sujeitas a interpretação, não se aplicando o brocardo jurídico in claris cessat intepretatio (na clareza dispensa-se a interpretação).

Quanto à origem, os métodos de interpretação podem ser autêntico, jurisprudencial e doutrinário; quanto aos meios, a interpretação pode ser gramatical, lógica, sistemática, histórica e sociológica (teleológica)

Gramatical – consiste no exame do texto normativo sob o ponto de vista linguístico;

Lógica – procura-se apurar o sentido e a finalidade da normaSistemática – parte do pressuposto que uma lei não existe isoladamente,

devendo ser interpretada em conjunto com outras;Histórica – investiga-se os antecedentes da norma a fim de descobrir o seu

exato significado.Teleológica – tem por objetivo adaptar o sentido ou a finalidade da norma às

novas exigências sociais, com claro abandono do individualismo.

Conflito de leis no tempo – em regra, as leis são irretroativas. Assim, salvo disposição em contrário, aplica-se a lei nova aos fatos pendentes e aos fatos futuros. Quanto aos fatos pendentes, é possível que o legislador crie “disposições transitórias”. Aduz o art. 6º da LICC que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Eficácia da lei no espaço – a norma jurídica tem aplicação dentro do território nacional (princípio da territorialidade). Ocorre, porém, que em determinadas situações, surge a necessidade de aplicação de outras leis dentro do território nacional (princípio da extraterritorialidade). Assim, pelo sistema da extraterritorialidade a norma jurídica aplica-se em território de outro Estado, segundo princípios e convenções internacionais.

Com efeito, dispõe o art. 7º da LICC que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família

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DIREITO CIVIL – PARTE GERAL

PESSOA NATURAL O conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao conceito de

pessoa. Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade. Esta é, portanto, atributo do ser humano, sendo a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.

Assim, afirmar que o homem possui personalidade é o mesmo que dizer que ele tem capacidade para ser titular de direitos. Todas as pessoas ao nascer adquirem a capacidade de direitos ou de gozo. Por outro lado, nem todas as pessoas possuem a capacidade de exercício ou de fato, que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. Por faltarem a certas pessoas alguns requisitos materiais, como maioridade, saúde, desenvolvimento mental, etc, a lei, no intuito de protegê-las, malgrado não lhes negue a capacidade de adquirir direitos, sonega-lhes o de se autodeterminarem, exigindo a participação de outras pessoas, que as representa ou assiste.

Capacidade também não se confunde com legitimação, sendo esta a aptidão para a prática de determinados atos jurídicos específicos. Assim, por exemplo, o ascendente genericamente capaz, não estará legitimado para a venda de seus bens a outros descendentes, sem o consentimento dos demais (art. 496, CC/2002).

Sujeitos da Relação JurídicaO novo Código Civil, no Livro I da Parte Geral, dispõe sobre as pessoas como

sujeitos de direitos. As relações jurídicas são todas as relações da vida social regulada pelo Direito (fatos jurídicos), sempre somente o homem o sujeito destas relações jurídicas. Os animais, portanto, não são considerados sujeitos de direitos, embora mereçam proteção.

A ordem jurídica reconhece duas espécies de pessoas: a pessoa física (natural, o próprio ser humano) e a pessoa jurídica (agrupamento de pessoas físicas, com o intuito de alcançar fins comuns), também denominada de pessoa moral ou pessoa coletiva.

Note-se que no direito brasileiro não existe incapacidade de direito, pois, como dito, todas as pessoas se tornam, ao nascer, capazes de adquirir direitos (art. 1º do CC/2002). Existe, outrossim, incapacidade de fato ou de exercícios, decorrente do reconhecimento da inexistência, em uma pessoa, dos requisitos indispensáveis ao exercício dos seus direitos.

A incapacidade de fato pode ser suprida pelos institutos da representação ou da assistência, conforme o caso (absoluta ou relativamente capazes).

Desta forma, a incapacidade absoluta acarreta a proibição total do exercício por sí só do direito. O negócio somente pode ser praticado pelo representante do incapaz. O art. 3º do CC/2002 nos fornece as três hipóteses de incapacidade:

“Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anosII – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o

necessário discernimento para a prática deses atosIII – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua

vontade”

OBS – Frise-se que se a pessoa, ainda que por causa transitória, não puder exprimir a sua vontade, mas acaba exprimindo-a, o ato é nulo (art. 3º, III). Por sua vez, se a pessoa, ainda que por causa transitória, não exprimiu a vontade, o ato é inexistente, por faltar a própria declaração da vontade

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Por sua vez, a incapacidade pode ser somente relativa, ocasião em que o incapaz poderá praticar atos da vida civil, desde que devidamente assistido por seu representante. O art. 4º, por sua vez, traduz a incapacidade relativa:

“Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anosII – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por

deficiência mental, tenham o discernimento reduzidoIII – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completoIV – os pródigosParágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por

legislação especial”

A incapacidade (de exercício, lembre-se), por seu turno, cessa com a maioridade, ou seja, no primeiro momento do dia em que o indivíduo completa dezoito anos, ou nos casos de emancipação previstos no p.u. do art. 5º do CC/2002;

“Art. 5º. (...)Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro,

mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II – pelo casamentoIII – pelo exercício de emprego público efetivoIV – pela colação de grau em curso de ensino superior;V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de

relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”

Pelo exposto, podemos concluir que a emancipação pode ser voluntária, judicial ou legal.

A emancipação voluntária é concedida pelos pais, se o menor tiver dezesseis anos completos (ou por um deles na falta do outro), mas não pode servir de excludente de responsabilidade dos pais em relação aos seus filhos (objetiva, diga-se) e tampouco para exonerar-se do dever de alimentar.

A emancipação judicial é aquela do menor sob tutela que já completou dezesseis anos, dependendo de sentença e ouvido o tutor.

Por derradeiro, a emancipação legal está presente nos demais incisos do parágrafo único do art. 5º.

DIREITOS DA PERSONALIDADEO Código Civil dedicou um capítulo específico aos direitos de personalidade,

pois, segundo Miguel Reale “tratando-se de matéria de per si complexa ede significação ética essencial, foi preferido o enunciado de poucas normas dotadas de rigor e clareza, cujos objetivos permitirão os naturais desenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência”.

Assim, os direitos de personalidade são direitos subjetivos que possuem como objeto os bens e valores essenciais da pessoa humana, em seu aspecto físico, moral e intelectual. São direitos inalienáveis, que se encontram fora do comércio e que merecem, sobremaneira, a proteção legal.

Segundo o art. 11 do Código Civil “os direitos da personalidade são instransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o ser exercício sofrer limitação voluntária. Podemos destacar as seguintes características:

a) Instransmissibilidade e irrenunciabilidade – não podem seus titulares dispor dos direitos de personalidade, transferindo-se a terceiros, renunciando o seu uso ou simplesmente os abandonando, pois nascem e se extinguem com a própria

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pessoa. Por óbvio que ninguém pode desfrutar em nome de outrem bens como a vida, a honra, a liberdade, etc.

Alguns atributos da personalidade admitem a cessão de seu uso, como por exemplo, a imagem que pode ser explorada comercialmente, mediante retribuição. Permite-se também a cessão gratuita de órgãos do corpo humano para fins terapêuticos. Assim a indisponibilidade dos direitos da personalidade e tida como relativa.

b) Abolutismo – o caráter absoluto do direito da personalidade deve-se ao fato de o mesmo ser oponível erga omnes

c) Não-limitação – o rol dos direitos da personalidade existente no Código Civil é meramente exemplificativo (numerus apertus), pois é impossível imaginar-se um rol exaustivo dos direitos da personalidade. Desta forma, são direitos da personalidade o direito a alimentos, ao meio ambiente saudável, à velhice digna, ao culto religioso, à liberdade de pensamento, etc.

d) Imprescritibilidade – os direitos da personalidade não se extinguem pelo decurso do tempo. Malgrado o dano moral consista na lesão a um interesse que visa a satisfação de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade, a pretensão à reparação civil está sujeita aos prazos prescricionais, por ter caráter patrimonial.

e) Impenhorabilidade – se os direitos da personalidade são indisponíveis, logicamente tornam-se impenhoráveis. Frise-se que os reflexos patrimoniais dos direitos da personalidade podem ser penhorados

f) Vitaliciedade – os direitos da personalidade são inatos, sou seja, são adquiridos no momento da concepção e acompanham a pessoa por toda a sua vida até sua morte. Aliás, mesmo após a morte de uma pessoa alguns direitos são resguardados, como o respeito ao morto, sua honra ou memória, etc.

O Código Civil disciplina os direitos da personalidade com os atos de disposição do próprio corpo (arts. 13 e 1), o direito à não-submissão a tratamento médico de risco (art. 15), o direito ao nome e ao pseudônimo (arts. 16 a 19), a proteção à palavra e à imagem (art. 20) e a proteção à intimidade (art. 21). No art. 52, preceitua que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”

PESSOA JURÍDICAA pessoa jurídica, por sua vez, consiste num conjunto de pessoas ou bens,

dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns. A sua principal característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que a compõem.

A formação da pessoa jurídica exige uma pluralidade de pessoas ou de bens e uma finalidade específica (elementos de ordem material), bem como um ato constitutivo e respectivo registro no órgão competente (elemento formal), ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas (sociedade simples) ou na Junta Comercial (sociedade empresária).

Natureza jurídica – atualmente, duas teorias explicam a existência da pessoa jurídica: teorias da ficção (ficção legal ou ficção doutrinária) e teoria das realidade (orgânica, jurídica e técnica).

São espécies de pessoa jurídica:Pessoa jurídica de direito público

Externo (art. 42)Países estrangeirosOrganismos internacionais

Interno (art. 41)UniãoEstadosMunicípiosDistrito FederalTerritóriosAutarquias, inclusive as associações públicas

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demais entidades de caráter público criadas por leiPessoa jurídica de direito privado

associaçõessociedadesfundaçõesorganizações religiosaspartidos políticos

Neste ponto, faz-se mister os seguintes conceitos:Associações – são pessoas jurídicas de direito privado constituídas de

pessoas que reúnem os seus esforços para a realização de fins não econômicos. Nesse sentido, reza o art. 53 que “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Assim o traço característicos das associações está no fato de elas não visarem ao lucro.

Sociedades – Celebram contratos de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. As sociedades podem ser simples ou empresárias; as primeiras são constituídas, em geral, por profissionais que atuam em uma mesma área ou por prestadores de serviços técnicos (clínicas médicas, escritórios de advocacia, etc), possuindo fins econômicos; as segundas, por sua vez, possuem em seu objeto o exercício de atividade própria de empresário.

Fundações – constituem um acervo de bens que recebe personalidade jurídica para a realização de fins determinados, de interesse público, de modo permanente e estável. Nos dizeres de Clóvis Beviláqua “consistem em complexos de bens (universitates bonorum) dedicados à consecução de certos fins e, para esse efeito, dotados de personalidade”. Sua existência decorre da vontade de uma pessoa, o instituidor, e seus fins, de natureza moral, religiosa, cultural ou assistencial, são imutáveis.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICAO ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade distinta

da de seus membros. Eis a razão de ser da pessoa jurídica. Porém, o que fazer quando a existência da pessoa moral serve como instrumento para a prática de fraudes e abusos de direitos contra credores, acarretando-lhes prejuízos?

A reação a esses abusos ocorreu em diversos países, dando origem, através dos estudos do Prof. Rubens Requião em nosso país, à teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine).

Assim, permite-se ao juiz que, em casos de fraude e de má-fé, desconsidere o princípio de que as pessoas jurídicas possuem existência distinta de seus sócios, para atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dívidas da sociedade, erguendo-se o véu da personalidade jurídica.

Atenção, trata-se apenas e rigorosamente, de suspensão episódica da personalidade da pessoa jurídica não desfazendo seu ato constitutivo, nem invalidando a sua existência, apenas possibilitando que certas e determinadas relações obrigacionais possam ser estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Desta forma, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial será possível, em tese, desconsiderara a personalidade jurídica

DOMICÍLIOO domicílio da pessoa natural foi definido pelo Código como sendo o lugar

onde ela, de modo definitivo, estabelece a sua residência o centro principal de sua atividade. Do conceito supra, subsume-se duas ideias: a de morada e o centro de atividade; a primeira, pertinente à família, ao lar, ao ponto onde o homem se recolhe para a sua vida íntima; a segunda, relativa à vida externa, às relações sociais.

O domicílio pode ser ainda voluntário ou necessário ou legal. Este último são exemplos o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.

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Já a pessoa jurídica de direito privado não possui residência, mas sede ou estabelecimento. Trata-se de um domicílio especial que pode ser livremente escolhido no seu estatuto ou atos constitutivos.

BENSOs bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de

apropriação e contêm valor econômico. Somente interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação exclusiva pelo homem. As que existem em abundância no universo, como o ar atmosférico e a água dos oceanos, por exemplo, deixam de ser bens em sentido jurídico.

O patrimônio, por outro lado, é o complexo das relações jurídicas de uma pessoa que tem valor econômico. O patrimônio e a herança constituem coisas universais (ou universalidades) e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais. Entende-se que o patrimônio é composto por todo o ativo e por todo o passivo de um indivíduo, de modo que se pode encontrar pessoa que tenha um patrimônio negativo, como é o caso do insolvente.

CLASSIFICAÇÃO DOS BENS Os bens podem ser:

Corpóreos e incorpóreos – corpóreos são os bens físicos, com existência material; incorpóreos são os bens com existência abstrata, porém com valor econômico (direito autoral, crédito, etc).

Móveis e imóveis – imóveis são aqueles que não podem ser transportados de um lugar para o outro sem deterioração ou perda. Podem ser ainda imóveis por natureza, imóveis por acessão ou por disposição legal (art 80 – direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram e o direito à sucessão aberta); Bens móveis, por sua vez, são aqueles que podem ser transportados de um lugar para o outro. São móveis por disposição legal as energias, os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes e os direitos pessoais de caráter patrimonial e suas respectivas ações.

Fungíveis e consumíveis – são consumíveis aqueles móveis que se destroem assim que vão sendo usados; são fungíveis aqueles móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Divisíveis e indivisíveis – divisíveis são aqueles que podem ser divididos sem perderem o seu valor; os indivisíveis, por sua vez, podem ser por natureza, por determinação legal ou por vontade das partes.

Singulares e coletivos – singulares são os bens individualizados; coletivos são bens agregados num todo (uma biblioteca).

Principais e acessórios – principais são aqueles que não dependem de mais nenhum outro bem para a sua existência; acessórios são aqueles que se consideram decorrentes de outros.

Os acessórios podem ser: produtos (utilidades que se retiram das coisas, diminuindo-lhe a quantidade, porque não se reproduzem periodicamente, como as pedras, os metais, etc); frutos (são as utilidades que uma coisa periodicamente produz, nascendo e renascendo da coisa, sem acarretar a sua extinção); pertenças (que não se constituindo parte integrante da coisa, se destina, de modo duradouro ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento do bem).

Atenção: As pertenças são acessórios que não seguem o principal.

Bens públicos – são os bens do domínio nacional, pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios. Se dividem em:

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a) bens de uso comum (inalienáveis): aquele pertencentes ao Poder Público que podem ser utilizados por todos do povo (ruas, praias, parques)

b) uso especial (inalienáveis): aqueles pertencentes ao Poder Público para a administração e prestação de serviços (prédios de prefeituras, escolas, fóruns, etc);

c) dominiais ou dominicais (alienáveis): são os que compõem o patrimônio da União, Estados e Municípios como objeto de direito pessoal ou real dessas pessoas de direito público interno.

OBS – os bens públicos (todos) não estão sujeitos a usucapião. (são imprescritíveis)

DOS FATOS JURÍDICOSO novo Código Civil abandonou a expressão ato jurídico pela designação

escorreita e específica de negócios jurídicos, porque em verdade somente este é rico em conteúdo e justifica uma pormenorizada regulamentação. Manteve a noção de fatos jurídicos, abrangendo, como veremos, os fato jurídicos em geral, ou seja, os fatos jurídicos em sentido amplo e suas espécies.Fatos jurídicos são, na definição de Savigny os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direitos nascem e se extinguem, ou seja, todos os acontecimentos suscetíveis de produzir alguma aquisição, modificação ou extinção de direitos. (Teixeira de Freitas).

Perceba que a expressão fatos jurídicos engloba todos aqueles eventos provindos da atividade humana de decorrentes de fatos naturais, desde que tenham influência na órbita do direito. Assim, nem todo acontecimento constitui um fato jurídico, sendo alguns simplesmente denominados de fatos por não possuírem relevância para o direito.

Aduz Caio Mário da Silva Pereira que “a chuva que cai é um fato, que ocorre e continua a ocorrer, dentro da normal indiferença da vida jurídica. O que não quer dizer que, algumas vezes, este mesmo fato não repercuta no campo do direito, para estabelecer ou alterar relações jurídicas. Outros se passam no domínio das ações humanas, também indiferentes ao direito: o indivíduo veste-se, alimenta-se, sai de casa, e a v ida jurídica se mostra alheia a estas ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a atenção do ordenamento legal”.

Conclui-se, portanto, que todo fato, para ser considerado jurídico, deve passar por um juízo de valoração. Fato jurídico em sentido amplo é todo acontecimento da vida que o ordenamento jurídico considera relevante no campo do direito. Pode ser o simples evento natural como o fato do animal ou a conduta humana, havendo para tanto a correspondência entre o fato e a norma a ser seguida.

Classificação – os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser classificados em: a) fatos naturais (ou fatos jurídicos stricto sensu); b) fatos humanos ou atos jurídicos.

Os fatos naturais, por sua vez, podem ser: a) ordinários, como o nascimento, a morte, a maioridade, etc; b) extraordinários que seria o caso fortuito e a força maior.

Os fatos humanos, atos jurídicos, i.é, as ações humanas que criam, modificam, transferem ou extinguem direitos, por sua vez, podem ser: a) lícitos; b) ilícitos.

Lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. No âmbito Cível existe o amplo terreno da licitude, ou seja, tudo o que a lei não proíbe torna-se lícito.

Ilícitos são os atos jurídicos praticados em desconformidade com o prescrito no ordenamento jurídico. Em vez de direitos, criam deveres e obrigações. Importante é que hoje em dia, admite-se que os atos ilícitos integrem a categoria dos atos jurídicos por definição do art. 186 e pelos efeitos que produzem, gerando a obrigação de reparar o dano, a teor do art. 927.

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Os atos lícitos ainda se dividem em: a) ato jurídico em sentido estrito ou atos meramente lícitos; b) negócios jurídicos e c) ato-fato jurídico. Nos dois primeiros exige-se a manifestação da vontade.

No negócio jurídico a ação humana visa diretamente a alcançar um fim prático permitido na lei, razão por que exige-se uma vontade qualificada, sem vícios. São os contratos e as declarações unilaterais de vontade.

Nos atos meramente lícitos o efeito da manifestação da vontade já está predeterminado na lei, como ocorre com a notificação que constitui em mora o devedor, o reconhecimento de um filho, a tradição, não havendo por isso qualquer dose de escolha da categoria jurídica. Perceba que a ação humana se baseia não numa vontade qualificada, mas em simples intenção como quando alguém fisga um peixe, dele se tornando proprietário graças ao instituto da ocupação.

No ato-fato jurídico ressalta-se a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a vontade de praticá-lo. O efeito do ato, muitas vezes, não é buscado nem imaginado pelo agente, mas decorre de uma conduta e é sancionado pela lei, como é o caso de uma pessoa que acha casualmente um tesouro, tornando-se, mesmo sem querer proprietário de sua metade, por força do art. 1.264, mesmo que essa pessoa seja um absolutamente incapaz, por exemplo.

A expressão atos-fatos jurídicos foi divulgada por Pontes de Miranda referindo-se a essas situações em que a lei encara os fatos sem levar em consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente. Por essa razão é válido o contrato de compra e venda de um bombom por uma criança absolutamente incapaz, por exemplo, ou um louco que achando um tesouro se tornará proprietário de sua metade, independentemente de sua vontade ou de sua incapacidade.

NEGÓCIO JURÍDICO – a expressão negócio jurídico não é empregada no Código Civil no sentido comum de operação ou transação comercial, mas sim como uma das espécies em que se subdividem os atos jurídicos lícitos.

Todos os doutrinadores são unânimes ao afirmar que a expressão negócio jurídico surgiu com o BGB (Código Civil Alemão), contudo no CC/1916, Beviláqüa ainda optou pela orientação francesa com a concepção pelo ato jurídico. Somente no CC/2002 houve a adoção explícita da teoria do negócio jurídico.

Segundo Francisco Amaral “negócio jurídico deve-se entender a declaração da vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece. Tais efeitos são a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas, de modo vinculante, obrigatório para as partes intervenientes”. Assim, o negócio jurídico é meio de realização da autonomia privada, sendo o contrato o seu principal símbolo.

É bem verdade que a autonomia privada já não mais possui o mesmo caráter individualista que norteou o CC/1916. O novo Código possui escorreita orientação social, cujos princípios foram traçados pela CF/88, principalmente no que tange à função social da propriedade e ao respeito e dignidade da pessoa humana (adotando o CC/2002 o princípio da função social dos contratos).

Fácil é dita percepção quando estudamos o art. 421 ou o 422, ambos do CC/2002, que diversas vezes comentamos em sala de aula.

Finalidade negocial – como dito, no negócio jurídico a manifestação da vontade possui finalidade negocial que abrange a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos. Assim, vejamos:

Aquisição de direitos – ocorre a aquisição de direitos com a sua incorporação ao patrimônio do titular. Pode ser originária ou derivada.

Originária ocorre quando não existe qualquer interferência do anterior titular. Ocorre na ocupação de coisa sem dono, na usucapião, na avulsão, etc.

Derivada ocorre a devida transferência de um direito a uma outra pessoa. Perceba que nesse caso o direito é adquirido com todas as qualidades ou defeitos do título anterior, pois ninguém pode transferir mais direitos do que possui (nemo plus juris ad alterum transfere potest quam ipse habet).

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A aquisição de direitos pode ser ainda a título gratuito (quando só o adquirente aufere vantagens, como a sucessão) ou oneroso (quando se exige do adquirente uma contraprestação, como na compra e venda).

Quanto à sua extensão pode a aquisição de direitos se dar a título singular, que ocorre no tocante a determinados bens, ou a título universal, quando o adquirente sucede o seu antecessor na totalidade de seus direitos. A aquisição de direitos a título singular, por sua vez, pode ser por ato inter vivos ou causa mortis a depender do momento de ocorrência de seus efeitos.

Os direitos ainda se diferem entre atuais e futuros. Atuais são os completamente adquiridos, futuros os cuja aquisição não se acabou de operar.

Assim, atual é o direito subjetivo já formado e incorporado ao patrimônio de seu titular, podendo se por ele livremente exercido. Direito futuro é o que ainda não se constituiu. Dentre os futuros ainda separamos os já deferidos dos não deferidos

Direito deferido é aquele cuja aquisição depende somente do arbítrio do sujeito, ou seja, ainda não se incorporaram ao patrimônio do adquirente porque ele ainda não quis, mas poderão incorporar-se a qualquer momento, pois depende exclusivamente de seu arbítrio. É o que sucede com o direito de propriedade, v.g., quando a sua aquisição depende tão somente do registro do título aquisitivo.

Direito não deferido são direitos futuros que se subordinam a fatos ou condições falíveis, ou seja, são aqueles que não se incorporara e talvez nem se incorporem ao patrimônio do adquirente por razões que são alheias a sua vontade. A eficácia de uma doação já realizada pode depender de um fato futuro falível, como um casamento do donatário, por exemplo.

Algumas vezes, é bem verdade que o direito se forma de forma gradativa. Assim, haveria uma fase preliminar em que há apenas uma esperança ou possibilidade de que esse direito venha a ser adquirido, a situação é de expectativa de direito. Trata-se de mera esperança de vir a adquirir um direito. Frise-se como exemplo a mera possibilidade que têm os filhos de suceder a seus pais quando estes morrerem.

Quando encontra-se ultrapassada a fase preliminar e o direito se acha inicial e parcialmente formado, surge o direito eventual, ou seja, já existe um interesse ainda que embrionário ou incompleto. É pois um direito já concebido, mas ainda não nascido, pois falta-lhe um elemento básico, sendo mais do que uma expectativa de fato. Como exemplo podemos citar a aceitação de uma proposta de compra e venda ou o exercício do direito de preferência.

OBS: Sílvio Rodrigues coloca o exemplo acima como direito eventual e não expectativa de direito, pois, segundo ele, os herdeiros, se tudo ocorrer como esperado, receberão a herança.

Na terceira situação de avanço para a concretização do direito encontramos o direito condicional, pois este já se encontra plenamente constituído, porém sua eficácia (guarde bem o termo) depende do implemento da condição estipulada, de um evento futuro e incerto. O art. 130 do CC/2002 emprega a expressão direito eventual no sentido genérico do termo, abrangendo o direito condicional, quando aduz que “ao titular de direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”.

Conservação de direitos – para resguardar ou conservar seus direitos o titular, às vezes, necessita tomar certas medidas preventivas ou repressivas.

As medidas de caráter preventivo visam garantir o direito contra futura violação. Podem ser de natureza extrajudicial (garantias pessoais ou reais) e judiciais (arresto, sequestro, caução, busca e apreensão, etc)

As medidas de caráter repressivo visam restaurar o direito violado. A pretensão é deduzida em juízo por meio da ação, pois a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

A defesa privada ou autotutela só é admitida excepcionalmente, pois pode conduzir a excessos. É prevista na legítima defesa, no exercício regular de um direito, no estado de necessidade, na proteção possessória, etc.

Modificação de direitos – os direitos subjetivos nem sempre conservam as características iniciais e permanecem inalterados durante sua existência. Podem

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sofrer mutações quanto ao seu objeto, quanto às pessoas, pois a manifestação da vontade com finalidade negocial pode objetivar a aquisição, conservação e também a modificação de direitos.

A modificação dos direitos pode ser objetiva ou subjetiva.É objetiva quando diz respeito ao seu objeto; será subjetiva quando

concerne à pessoa do seu titular, podendo dar-se inter vivos ou causa mortis. Certos direitos, por serem personalíssimos, constituídos intuitu personae, são insuscetíveis e modificação subjetiva, como sucede com os direitos de família puros.

Extinção de direitos – o direito pode extinguir-se quando houver: o perecimento do objeto, alienação, renúncia, abandono, falecimento do titular de direito personalíssimo, prescrição, decadência, confusão, implemento de condição resolutiva, escoamento de prazo, perempção e desapropriação.

Nem todas as causas apontadas podem ser consideradas negócio jurídico, pois muitas delas decorrem da lei e de fatos alheios à vontade das partes, como o perecimento do objeto provocado por um raio e a desapropriação.

PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO – os pressupostos de existência do negócio jurídico são os seus elementos estruturais. Optamos pelos seguintes: declaração de vontade, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto. Assim, faltando qualquer desses requisitos, o negócio jurídico inexiste.

Declaração de vontade – a vontade é pressuposto básico de todo negócio jurídico e é imprescindível que se exteriorize. A vontade interna, como a reserva mental, é indiferente para o direito, pois não houve a sua exteriorização.

A vontade é um elemento de caráter subjetivo, que se revela através da declaração. Esta, portanto, e não aquela, constitui requisito de existência do negócio jurídico.

Assim, pelo princípio da obrigatoriedade dos contratos, a vontade uma vez manifestada, obriga o contratante (pacta sunt servanda), significando que o contrato faz lei entre as partes não podendo, em tese, ser modificado pelo Judiciário. Em oposição a este princípio, temos a lei contratos ou da onerosidade excessiva, baseada na teoria da imprevisão que autoriza o recurso ao Judiciário para se pleitear a sua revisão.

A manifestação da vontade pode ser expressa, tácita ou presumida.Expressa é a que se realiza por meio da palavra, falada ou escrita, e de

gestos, sinais ou mímicas, sempre de modo explícito, possibilitando o imediato conhecimento do agente.

Tácita é a declaração da vontade que se revela pelo comportamento do agente, pois comumente se deduz de uma pessoa a sua intenção. É a pessoa que não diz se aceita a doação de um carro, mas passa a usá-lo como se fosse seu. Frise-se que nos contratos a manifestação da vontade somente pode ser tácita quando a lei não exigir que seja expressa.

Presumida é quando a declaração não é realizada pelo agente, mas a lei deduz, passado certo lapso de tempo, que ela foi emitida. Como exemplo temos as presunções de pagamento previstas nos arts. 322, 323 e 324, ou entendendo-se que, findo o prazo sem manifestação, terá o mesmo declarado sua vontade de forma presumida.

A manifestação tácita da presumida diferem-se porque esta será sempre estabelecida em lei, enquanto que aquela será deduzida do comportamento do agente. As presunções legais são juris tantum, ou seja, admitem prova em contrário.

O silêncio como manifestação da vontade – em regra o provérbio “quem cala consente” não se aplica ao direito, pois o silêncio nada significa, por constituir total ausência de manifestação de vontade e, como tal, não produzir efeitos. Todavia, em situações excepcionais, o silêncio poderá possuir algum significado.

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Assim, o art. 111 aduz que “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias e os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

Portanto, o silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita de vontade quando a lei conferir a ele tal efeito, cabendo ao juiz examinar caso a caso, para verificar se o silêncio traduz ou não a manifestação da vontade.

Reserva mental – ocorre reserva mental quando um dos declarantes oculta a sua verdadeira intenção, ou seja, quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Tem por objetivo enganar o outro contratante, mas se este não sabe da reserva, o ato subsiste e produz os efeitos que o declarante não desejava.

Assim, a reserva, isto é, o que se passa na cabeça do declarante, é um indiferente para o mundo jurídico e irrelevante no que se refere à validade e eficácia do negócio jurídico

Pelo art. 110 percebe-se que a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.

Finalidade negocial – a finalidade negocial é o propósito de adquirir, conservar, modificar ou extinguir direitos. Sem essa intenção, a manifestação de vontade não caracteriza um negócio jurídico, podendo ser, dependendo do caso, um ato jurídico em sentido estrito.

A existência de um negócio jurídico, portanto, consiste no exercício da autonomia privada. Há um poder de escolha da categoria jurídica. Permite-se que a vontade negocial proponha, dentre as espécies, variaçoes quanto a intensidade de cada uma.

Idoneidade do objeto – Imagine se a intenção das partes é celebrar um contrato de mútuo. Diante de tal desiderato, é impossível que o objeto seja infungível, pois é da essência do contrato de mútuo que o mesmo recaia sobre um bem fungível.

Para a constituição de uma hipoteca, é necessário que o bem seja imóvel, ou se trate de um navio ou de um avião. Os demais bens serão inidôneos para a celebração de tal negócio.

Desta forma, o objeto jurídico deve ser idôneo, isto é, deve apresentar os requisitos ou qualidades que a lei exige para que o negócio produza os efeitos desejados.

REQUISITOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – para que o negócio jurídico produza efeitos, possibilitando a aquisição, modificação, conservação e extinção de direitos, deve preencher certos requisitos, apresentados como os de sua validade.

Assim, são requisitos, de caráter geral, de validade do negócio jurídico:a) agente capaz;b) objeto lícito;c) forma prescrita ou não defesa em lei.Os requisitos podem ser específicos a determinados negócio como, por

exemplo, a res, pretius et consensus na compra e venda.

Capacidade do agente – a capacidade do agente (condição subjetiva) é a aptidão para intervir em negócios jurídicos como declarante ou declaratário. Trata-se da capacidade de fato ou de exercício, necessária para que uma pessoa possa exercer, por si só, os atos da vida civil.

Pelo novo CC/2002 a capacidade plena é adquirida pelo indivíduo ao completar 18 anos de idade ou com a emancipação (art. 5º). A incapacidade, por sua vez, é a restrição legal ao exercício da vida civil e pode ser de duas espécies: absoluta e relativa.

A incapacidade absoluta acarreta a proibição total do exercício, por si só, do direito, sob pena de nulidade (art. 166, I)

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A incapacidade relativa acarreta a anulabilidade do ato, salvo em hipóteses especiais (arts. 228, 666, 1.860, etc).

Perceba que a declaração de vontade é elemento necessário à existência do negócio jurídico, enquanto a capacidade é requisito necessário à sua validade e eficácia, bem como ao poder de disposição do agente.

Objeto lícito, possível, determinado ou determinável – a validade do negócio jurídico requer ainda objeto lícito, possível e determinado ou determinável (condição objetiva).

Objeto lícito é aquele que não atenta contra a lei, a moral ou os bons costumes. Quando o negócio jurídico é imoral, os tribunais por vezes aplicam o princípio do direito de que ninguém pode valer-se de sua própria torpeza, nemo auditur propiam turpitudinem allegans, ou então o brocardo in pari causa turpitudinis cessat repetitio, em que se ambas as partes no contrato, agem com torpeza, não pode qualquer delas pedir a devolução do que pagou.

O objeto deve, também, ser possível, pois quando impossível o negócio jurídico é nulo. A impossibilidade do objeto pode ser física ou jurídica.

Impossibilidade física é a que emana de lei física ou naturais. A obrigação de colocar toda a água do oceano em um copo d’água, por exemplo. A impossibilidade deve ser absoluta, pois em se tratando de relativa, ou seja, aquela que atinge somente o devedor mas não outras pessoas, não constitui obstáculo ao negócio jurídico.

A impossibilidade jurídica ocorre quando o ordenamento jurídico proíbe, expressamente, negócios a respeito de determinado bem, como os pacta corvina (herança de pessoa viva) ou a alienação de bens fora do comércio.

Por fim, deve o objeto do negócio jurídico ser determinado (ou ao menos determinável).

Admite-se, contudo, a venda de coisa incerta, indicada ao menos pelo gênero e qualidade (art. 243) ou a venda alternativa, cuja indeterminação cessa com a escolha ou concentração (art. 252).

Forma – o terceiro requisito de validade do negócio jurídico é a forma que é o meio de revelação da vontade.

Existem dois sistemas no que tange à prova como requisito de validade do negócio jurídico: o consensualismo, da liberdade das formas e o formalismo, ou de forma obrigatória.

No direito brasileiro a forma é, em regra, livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular.

REQUISITOS DE EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO – além dos elementos estruturais e essenciais, que constituem requisitos de existência e validade do negócio jurídico, pode este conter outros elementos meramente acidentais, introduzidos facultativamente pela vontade das partes, não necessários à sua existência. Uma vez convencionados (desde que não ofendam a ordem pública) possuem o mesmo valor dos elementos estruturais e essenciais, pois passam a integrá-lo de forma indissociável.

São a condição, o termo e o encargo.

CONDIÇÃO – Condição é o acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio jurídico. Da sua ocorrência depende o nascimento ou a extinção de um direito. Seu conceito encontra-se, hoje, no art 122 do CC. Perceba que a lei refere-se a condição é aquela que derive exclusivamente da vontade das partes, afastando as condições impostas por lei (condiciones juris).

Elementos da condição – os elementos da condição são: a voluntariedade; a futuridade e a incerteza.

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Quanto à voluntariedade as partes devem querer e determinar o evento, pois se a eficácia do negócio jurídico for determinada por lei, não haverá condição, mas conditio juris.

Quanto à futuridade perceba que em se tratando de fato passado ou presente, ainda que ignorado, não se considera condição. Veja o exemplo: prometo determinada quantia se meu bilhete tiver sido premiado no sorteio de ontem (não existe condição, pois ou o bilhete já foi premiado e a obrigação é pura e simples, ou o bilhete não o foi e a declaração é ineficaz). São as erroneamente denominadas condições impróprias.

Quanto à incerteza o evento pode, objetivamente, realizar-se ou não. Exemplo: pagarei a dívida se tiver lucro na colheita. Assim, se o fato for futuro, mas certo, como a morte por exemplo, não teremos condição, mas sim termo.

Negócios jurídicos que não admitem condição – as condições são admitidas em atos de natureza patrimonial, regra geral, com algumas exceções, como na aceitação e renúncia de herança, mas não podem integrar os de caráter patrimonial pessoal, como os direitos de família puros e os direito personalíssimos. Assim, não admitem condição, por exemplo, o casamento, o reconhecimento de filhos, a adoção, a emancipação, etc.Os atos que não admitem condição são chamados de atos puros. São eles:

a) os negócios jurídicos que, por sua função, inadmitem incerteza;b) os atos jurídicos em sentido estritoc) os atos jurídicos de famíliad) os atos referentes ao exercício de direitos personalíssimos

Classificação das condições

Quanto à licitude – lícitas e ilícitas (art. 122 – todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes são lícitas). Ilícitas são, por exemplo, a cláusula de alguém mudar de religião, ou de matar alguém, ou entregar-se à prostituição.

O CC nos artigos 122 e 123 proíbe expressamente as condições que privarem de todo efeito o negócio jurídico (perplexas), as que o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes (meramente potestativas), as física ou juridicamente impossíveis e as incompreensíveis ou contraditórias.

Quanto à possibilidade – possíveis e impossíveis (art. 124 – têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível). No exemplo clássico: dar-te-ei R$ 100,00 se tocares o céu com o dedo.

Repito: se a condição for resolutiva, ter-se-á como inexistente, somente a condição e não o negócio jurídico. Assim, se digo “o comodato se dará até o dia em que tocares o céu com o dedo”, o contrato de empréstimo será válido e a condição tida como inexistente, por impossível.

Temos também as condições juridicamente impossíveis, ou seja, aquela que esbarra em condição expressa do ordenamento jurídico como, v.g., a condição estabelecida em adotar pessoa da mesma idade (impossível por força do art. 1.619 do CC/2002).

As condições de não fazer coisa impossível são inexistentes porque não prejudicam o negócio, por falta de seriedade. Ora, se é impossível a condição, é porque não posso fazê-la.

Diversa é a solução do Código quando as condições impossíveis são suspensivas, pois:

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;II - As condições ilícitas, ou e fazer coisa ilícita;III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.Assim, quando a condição é suspensiva a eficácia do contrao está a ela

subordinada. Se o evento é impossível, o negócio jamis alcançará a necessária eficácia.

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Quanto à fonte de onde promanam – casuais, potestativas e mistas.Casuais são aquelas que dependem do acaso, do fortuito, de fato totalmente

alheio à vontade das partes. No exemplo, entregarei a você a quantia de R$ 1.000,00, se chover amanhã, a cláusula é casual

Potestativas são aquelas que decorrem da vontade ou do poder de uma das partes, que pode provocar ou impedir a sua ocorrência. AS condições potestativas dividem-se em puramente potestativas e potestativas simples.

As puramente potestativas são consideradas ilícitas pelo Código que inclui entre as condições defesas aquelas que se sujeitem ao puro arbítrio de uma das partes (art. 122). É a denominada cláusula si voluero (se me aprouver).

As simplesmente potestativas são válidas porque não depende somente do arbítrio da vontade de uma das partes, mas também de algum acontecimento ou circunstância externa que escapa ao seu controle. Por exemplo: ganharás um carro se fores a Roma. Ora, o fato de ir a Roma não depende somente da vontade das partes, mas também da obtenção de tempo e de dinheiro (principalmente).São exemplos de condições simplesmente potestativas os artigos 420, 505, 509 e o 513, por exemplo.

Mistas são condições que dependem simultaneamente da vontade das partes e da vontade de um terceiro. Exemplos: dar-te-ei um dinheiro se casares com determinadas pessoa ou se constituíres sociedade com fulano de tal.

Quanto ao modo de atuação – a condição, sob esta lente, pode ser suspensiva ou resolutiva.

Suspensiva é aquela que impede que o ato produza efeitos até a realização do evento futuro e incerto

Resolutiva é aquela que resolve o direito transferido pelo negócio, ocorrido o evento futuro e incerto.

Por fim, as condições ainda podem ser consideradas sob três estados: pendentes (quando ainda não ocorreu), verificada a ocorrência dá-se o implemento e não realizada ocorre a frustração.

TERMO – termo o dia ou o momento em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico, podendo ter como unidade de medida a hora, o dia, o mês ou o ano. Termo convencional é, portanto, a cláusula contratual que subordina a eficácia do negócio jurídico a evento futuro e certo.Assim, aduz o art. 131 que o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. Ora, o termo não suspende a aquisição do direito por ser evento futuro, mas dotado de certeza. Difere da condição, que subordina, como vimos, a eficácia do negócio a evento futuro e incerto (que pode nem acontecer).

Assim, o titular do direito a termo pode, com maior razão, exercer sobre ele atos conservatórios.

Pode ocorrer a conjugação da condição e do termo no mesmo negócio jurídico. Assim, v.g., “dou-te um consultório se te formares em medicina até os 25 anos”.

Determinados negócios não admitem termo, como a aceitação ou renúncia de herança, a adoção, a emancipação, etc.

Espécies – Termo convencional é inserido no contrato pela vontade das partes; Termo de direito é o que decorre da lei; Termo de graça é a dilação de prazo concedida ao devedor.

Pode o termo, apesar de certo, não existir data certa, como no exemplo: determinado bem passará a pertencer a tal pessoa a partir da morte do proprietário (perceba que a morte é certa, porém a data incerta). Assim, pode o termo ainda ser dividido em certo e incerto.

Existe também o termo inicial ou suspensivo (dies a quo) e final ou resolutivo (dies ad quem). Pode um contrato de locação ser celebrado para ter vigência a partir de determinada data (termo inicial) ou ser estipulado com prazo certo de término (termo final). Relembre-se que o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

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ENCARGO OU MODO – o encargo pode ser definido como uma determinação que, imposta pelo autor da liberalidade, a esta adere, restringindo-a. Trata-se de cláusula acessória às liberalidades (doação, testamento, etc), pela qual se impõe uma obrigação ao beneficiário. Não pode ser aposta em negócio a título oneroso, pois equivaleria a uma contraprestação.

São exemplos de encargo as doações de terrenos feitas a um determinado município com a obrigação (com o encargo) de ali ser construída uma creche, ou uma escola, ou um ginásio, geralmente com o nome do doador. Outro exemplo seria a deixa de alguma herança a alguém com a obrigação de cuidar de determinada pessoa ou de algum animal.

A principal característica do encargo é a sua obrigatoriedade, podendo, inclusive, o seu cumprimento ser exigido por meio da ação cominatória, a teor do art. 553 do CC.

O terceiro porventura beneficiado também poderá exigir o cumprimento do encargo (também o instituidor), mas não poderá ingressar com ação revocatória (revogando a liberalidade), pois esse tipo de ação é privativa do instituidor. O Ministério Público, caso haja relevância na liberalidade, também poderia ingressar com ação revocatória, porém só após a morte do instituidor.

O encargo difere da condição suspensiva porque esta impede a aquisição do direito, enquanto aquele não suspende a aquisição nem o exercício do direito.

Perceba a distinção: para a condição emprega-se a partícula se; para o encargo emprega-se a expressão para que ou com a obrigação de.

Difere também da condição resolutiva porque não conduz, por si só à revogação do ato. O instituidor do benefício poderá ou não propor ação revocatória, cuja sentença não terá efeito retroativo.

O encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, considera-se não escrito (art. 137).

Assim, por exemplo, se a doação de um imóvel é feita para que o donatário nele mantenha casa de prostituição (atividade ilícita), sendo este o motivo determinante da liberalidade, todo o negócio jurídico será invalidade.

DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICOIntrodução – Já vimos que a declaração de vontade é elemento estrutural ou

requisito de existência do negócio jurídico. Após a análise da existência, temos que perscrutar acerca da validade do negócio jurídico. Assim, para ser válido é necessário que a vontade manifestada (requisito de existência) seja livre e espontânea.Inicialmente, vamos analisar, dentro do contexto da validade, as hipóteses em que a vontade se manifesta com algum vício que torne o negócio jurídico anulável. O CC/2002 menciona e regula seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão (vícios de consentimento) e fraude contra credores (vício social)1.

Por fim, ressalte-se que o prazo decadencial para pleitear-se a anulação do negócio jurídico eivado pelos vícios suso mencionados é de quatro anos, a teor do art. 178, II, do CC/2002.

Vejamos, portanto, cada um dos vícios de per si.

DO ERRO OU IGNORÂNCIAO erro consiste em uma falsa representação da realidade, sendo que nesta

modalidade o agente se engana só. Quando o agente é induzido em erro pelo outro contratante o por terceiro, temos a figura do dolo.

Diante disso, perceba que poucas são as ações anulatórias ajuizadas com base no erro, porque se torna difícil penetrar do âmago, no íntimo do autor para descobrir o que se passou em sua mente no momento da celebração do negócio. O

1 Lembrem-se que hoje em dia o vício social da simulação torna o ato jurídico nulo e não mais anulável.

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dolo, por outro lado, se torna mais fácil, pois o induzimento foi exteriorizado, ou seja, pode ser comprovado e auferido objetivamente.

Erro é a ideia falsa da realidade; ignorância é o completo desconhecimento da realidade. Num e noutro caso, o agente é levado a praticar o ato ou a realizar o negócio que não celebraria por certo, ou que praticaria em circunstâncias diversas, se estivesse devidamente esclarecido. O CC/2002 equiparou as duas expressões, conduzido às mesmas consequências, ou seja, à anulabilidade.

Espécies – diversas são as modalidades de erro. Umas levam à anulabilidade, outras não, sendo irrelevantes, acidentais, portanto. A mais importante distinção é a que divide, portanto, o erro em substancial e acidental.

Erro substancial e erro acidental – como dito, não é qualquer espécie de erro que torna anulável o negócio jurídico. Para tanto deve ser substancial, escusável e real.

Erro substancial é aquele que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Deve ser a causa determinante, ou seja, se fosse conhecida a realidade o negócio não seria celebrado.

Acidental, por sua vez, é o erro que se refere a circunstâncias de somenos importância e que não acarretam prejuízo efetivo. Assim, mesmo conhecida a realidade, o negócio se realizaria.

Pelo CC/2002 temos a dicção do art. 143 quando expressamente aduz que “o erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração da vontade”. Como exemplo temos quando a parte fixa o preço final da venda com base na quantia unitária e computa, de forma inexata, o preço global. Temos aí o erro de cálculo que, por ser acidental, não invalida o negócio, simplesmente permite a sua retificação

Não deixou o legislador conceitos vagos sobre a definição do erro substancial. Ao contrário, enunciou-os no art. 139, verbis:

“Art. 139. o erro é substancial quando:I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a

alguma das qualidade a ele essenciais;II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se

refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo

único ou principal do negócio jurídico”Assim, temos:a) erro sobre a natureza do negócio (error in negotio) – é aquele em

que uma das partes manifesta a sua vontade pretendendo e supondo celebrar determinado negócio jurídico e, na verdade, realiza outro diferente. (Ex: quer alugar e escreve vender; quer vender e a outra parte entende que houve doação, etc)

b) erro sobre o objeto principal da declaração (error in corpore) – é aquele que incide sobre a identidade do objeto. A manifestação da vontade recai sobre objeto diverso daquele que o agente tinha em mente. (Ex: o adquirente que pensa estar adquirindo um imóvel muito valorizado, pois localizado na Rua X, quando descobre que trata-se de um imóvel desvalorizado, na periferia, na rua de mesmo nome; a pessoa que adquire um quadro de um aprendiz, pensando tratar-se de um pintor famoso; a pessoa que se propõe a alugar sua casa na cidade e o outro contratante entende tratar-se de sua casa de praia, etc).

c) erro sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal (error in substantia ou error in qualitate) – ocorre quando o motivo determinante do negócio é a suposição de que o objeto possui uma determinada qualidade que, posteriormente, verifica não existir. Veja que o erro não recai sobre a identidade do objeto, que é o mesmo que se encontrava no pensamento do agente, mas aquele objeto não possui as qualidades que este reputava essenciais e que influíram na decisão de realizar o negócio. (Ex: os famosos candelabros prateados que o agente adquire pensando ser de prata; a pessoa que adquire um quadro por alto preço, pensando tratar-se de um original quando , em verdade, é mera cópia; o agente que compra um relógio dourado pensando tratar-se de relógio de ouro, etc).

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d) erro quanto à identidade ou à qualidade da pessoa a quem se refere a declaração da vontade (error in persona) – são aqueles negócios intuitu personae, sendo tanto da identidade quanto das qualidades da pessoa. (Ex: doação ou testamento a pessoa que supõe ter salvo a sua vida; casamento de uma jovem de boa formação com um indivíduo que se sabe depois ser um desclassificado, etc)

OBS – para ser invalidante é necessário que o erro tenha influído na declaração da vontade de modo relevante (art. 139, II)

OBS2 – pelo art. 142 o erro de indicação da pessoa ou da coisa a que se referir a declaração da vontade não viciará o negócio se puder identificar a coisa ou a pessoa cogitada. (Ex: o doador beneficia seu sobrinho Antônio quando na realidade não possui nenhum sobrinho, mas sim um primo de nome Antônio; ou a doação de um quadro, quando na verdade é uma escultura, etc).

e) erro de direito (error juris) – é o falso conhecimento ou a ignorância da norma jurídica aplicável à situação concreta, desde que seja o motivo único ou principal do negócio jurídico e não implique recusa à aplicação da lei (art. 139, III). (Ex: pessoa que contrata importação de determinada mercadoria ignorando existir lei que proíba tal importação. Assim, como tal ignorância foi a causa determinante do ato, pode ser alegada para anular o contrato, sem com isso se pretender que a lei seja descumprida).

Erro substancial e vício redibitório – embora a teoria dos vícios redibitórios ou vícios ocultos (artigos 441 a 446) se assente na existência de um erro e guarde semelhanças com a teoria do erro quanto às qualidades essenciais do objeto, os dois institutos não se confundem.

O vício redibitório é erro objetivo sobre a coisa que contém um defeito oculto. O seu fundamento é a obrigação que a lei impõe a todo alienante, nos contratos comutativos, de garantir ao adquirente o uso da coisa. Uma vez existente o defeito são cabíveis as chamadas ações edilícias (redibitória e quanti minoris ou estimatória), sendo decadencial e exíguo o prazo para a propositura da ação (regra geral, 30 dias tratando-se de bens móveis, um ano de imóvel).

O erro quanto às qualidades essenciais do objeto é subjetivo, ou seja, reside na manifestação da vontade do agente. Dá ensejo à anulação anulatória, como já vimos, com prazo decadencial de 04 anos. Assim, se alguém adquire um relógio que não funciona, em virtude da inexistência de uma peça interna é vício redibitório, porém se o mesmo relógio parecia ser de ouro, mas não é trata-se de vício redibitório.

Perceba, por fim, que no vício redibitório o objeto não possui as mesmas características que seus similares,uma vez que está com um vício, enquanto que no erro essencial todos os objetos possuem as mesmas características, porém a mesma não foi assimilada pelo adquirente.

Erro escusável – é o erro justificável, ou seja, inevitável. Por ser inevitável, a lei me escusa, me perdoa. Assim, erro escusável = erro inevitável.

Pelo art. 138 percebe-se de forma cristalina que para pleitear-se a anulação do negócio jurídico deverá o erro ser escusável, pois somente é anulável o erro “que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.

Assim, adota o Código o padrão do homem médio para a aferição da escusabilidade, entendendo alguns doutrinadores que dependendo do caso, pode ainda analisar o caso concreto, considerando as condições pessoais de quem alega o erro, apesar d disposição legal.

Permissa venia, entendo que hoje em dia, a teor do art. 138 a aferição da escusabilidade se dá pelo padrão do homem médio e não mais diante do caso concreto. Mas segundo Carlos Roberto Gonçalves “muito provavelmente, malgrado a adoção do padrão abstrato do homem médio pelo novo estatuto civil, sob a justificativa de proteger melhor o terceiro de boa-fé, a jurisprudência continuará aplicando o critério objetivo, que permite ao juiz fazer justiça no caso concreto”.

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Erro real – o erro, para fins de anulação de negócio jurídico, não basta que seja substancial e escusável. Deverá ser também real, ou seja, tangível, palpável, importando efetivo prejuízo para o interessado.

Assim, o erro de fabricação de um determinado veículo é substancial e real, pois se o adquirente tivesse conhecimento da realidade não o teria comprado. Por outro lado, se o erro dissesse respeito à cor do veículo (preto em vez de azul-escuro, v.g), não seria real, pois seria irrelevante para a fixação do preço, não tornando o negócio anulável.

O falso motivo – o novo CC/2002 substituiu a “falsa causa” por “falso motivo”. Assim, “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. Assim, o motivo do negócio, ou seja, as razões psicológicas que levam a pessoa a realizá-lo, não precisa ser mencionado pelas partes.

Ora, os motivos, as razões subjetivas, interiores, são consideradas sem relevância para o direito. Em uma compra e venda por exemplo, pouco importa o motivo pelo qual o comprador resolveu adquirir o produto, são estranhos ao direito e não precisam ser mencionados.

Agora, o motivo quando expresso como razão determinante poderá viciar o negócio caso seja falso. Muito comum em certas liberalidades que o doador faça inserir o motivo pelo qual o mesmo está realizando prefalada doação (filiação, parentesco, salvou a vida, etc). Nestes casos, se os motivos alegados se revelam posteriormente falsos o contrato poderá ser anulado.

Transmissão errônea da vontade – o CC/2002 equipara o erro à transmissão defeituosa da vontade, no art. 141 quando diz: “a transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmo casos em que o é a declaração direta”.

É quando o declarante se de mensageiro ou núncio ou por meio de comunicação (telex, fax, e-mail, etc) e a transmissão da vontade, nesses casos, não se faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente (mensagem truncada), caracterizando o vício que propicia a anulação do negócio.

É bem verdade que a referida anulabilidade só se apresenta se a diferença emitida e a comunicada seja derivada do mero acaso ou de algum equívoco, não incidindo quando o intermediário intencionalmente comunica á outra parte uma declaração diversa da que lhe foi confiada.

Se a vontade foi mal transmitida pelo mensageiro há de se apurar se não houve culpa in eligendo ou mesmo in vigilando do emitente das declarações. Se a resposta for afirmativa, não pode tal erro infirmar o ato por ser inescusável.

Convalescimento do erro – Dispõe o art. 144: “o erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.

Temos portanto a hipótese do princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos, segundo a qual não haverá nulidade sem prejuízo.

Vejamos o seguinte exemplo: João pensa que comprou o lote 2 da quadra A, quando, em verdade, adquiriu o lote 2 da quadra B. Pelo que já vimos, trata-se de erro substancial, mas antes de anular o negócio o vendedor entrega-lhe o lote 2 da quadra A, não havendo assim qualquer dano a João.

Interesse negativo – questão tormentosa e não muito discutida na doutrina e jurisprudência, diz respeito ao denominado interesse negativo.

Imagine a situação em que o vendedor é surpreendido por uma ação anulatória, por sua vez, julgada procedente, com os consectários da sucumbência, sem que tenha concorrido para o erro do comprador.

Ora, perceba que tal situação se configura injusta, máxime já tenha dado destinação ao numerário recebido. Segundo Venosa, “a anulação por erro redunda em situação toda especial, ou seja, a responsabilidade é exatamente daquele que pede a anulação do negócio, já que é o único responsável por sua má destinação”.

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Seria extremamente injusto que o contratante que não errou, nem concorreu para o erro do outro, arcasse com duplo prejuízo. Ou seja, a anulação do negócio jurídico e a absorção do prejuízo pelas importâncias pagas a serem devolvidas ou pagas, além da sucumbência. Devem os juízes atentar para essa importante particularidade ao decretar a anulação do negócio por erro.

DO DOLODolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à

prática de uma ato que o prejudica e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro. Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito ou a terceiro.

A diferença entre o dolo e o erro é que este é espontâneo, no sentido de que a vítima se engana só, enquanto que o dolo é provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro, fazendo com que aquele também se equivoque.

Frise-se que o dolo civil não se confunde com o dolo criminal (intenção de praticar o feto que se sabe contrário à lei). Dolo civil tem sentido bem mais amplo, pois é todo artifício empregado para enganar alguém.

Já salientamos que muito mais fácil é provar o dolo, uma vez que o mesmo se exterioriza. Enquanto que o erro é de natureza subjetiva e se torna impossível penetrar no íntimo do autor para descobrir o que realmente se passou em sua mente no momento da declaração da vontade.

O dolo também se distingue da simulação, pois nesta a vítima é lesada sem mesmo participar do negócio simulado. As partes fingem uma simulação visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros. No caso do dolo a vítima participa diretamente do negócio, mas somente a outra conhece a maquinação e age de má-fé.

Espécies de dolo – existem várias espécies de dolo, as quais podemos destacar:

a) Dolo principal e dolo acidental – é a classificação mais importante. Pela leitura do art. 145 podemos concluir que “são os negócios jurídicos anulados por dolo, quando este for a sua causa”.

Configura-se o dolo principal quando o negócio é realizado somente porque houve o induzimento malicioso de uma das partes, ou seja, sem a manobra maliciosa a avença não teria se concretizado.

Acidental é aquele “quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo”. São, pois, as condições do negócio. Este seria realizado independentemente da malícia empregada pela outra parte ou pelo terceiro, porém em condições favoráveis ao agente. Por isso, o dolo acidental não vicia o negócio e só obriga à satisfação em perdas e danos (art. 146)

Veja o exemplo: Pedro adquire por R$ 100.000,00 um imóvel que somente vale R$ 50.000,00, em virtude da conduta dolosa do vendedor. Trata-se, portanto, de dolo acidental, pois a pessoa realizaria o negócio, sendo o dolo presente apenas no valor cobrado. Em se tratando de dolo eventual, existe apenas ato ilícito que não permite, portanto, postular a invalidação do contrato, mas tão somente exigir a reparação do prejuízo experimentado, no caso, a diferença do R$ 50.000,00.

b) dolus bonus e dolus malus – dolus bonus é o dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a manifestação da vontade. É comum no comércio em geral, onde os comerciantes exageram nas qualidades de seus produtos, na tentativa de vendê-los. No Direito do Consumidor é o denominado puffing (meros exageros). Não torna anulável o negócio jurídico porque de certa maneira as pessoas já contam com ele e não se deixam envolver, a menos que não possuam a diligência do homem médio

É bem verdade que somente um homem com credulidade infantil se porá a adquirir tudo o que lhe é oferecido apenas porque o vendedor apregoa enfaticamente seu produto. Frise-se que em tais situações falta o requisito da gravidade.

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Em outro diapasão, o dolus bonus pode se dar quando existe um fim lícito, elogiável e nobre, por exemplo, quando se induz alguém a tomar remédio que se recusa ingerir, porém que lhe seja indispensável.

Dolus malus é aquele revestido de gravidade, exercido com o fito de realmente ludibriar e prejudicar. Essa modalidade é que se distingue entre dolo principal e dolo acidental. Só o dolus malus (enquanto essencial) vicia o consentimento e acarreta a anulação do negócio jurídico. A lei, por sua vez, não dita normas para distinguir o dolo tolerado daquele que inquina de anulabilidade o negócio, cabendo ao juiz, diante do caso concreto, decidir se o contratante excedeu ou não o limite do razoável.

c) Dolo comissivo ou positivo e dolo omissivo ou negativo – o procedimento doloso pode dar-se através de uma ação (comportamentos maliciosos) ou através de omissões.

Para tanto, dispõe o art. 147 do CC/2002 que “nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”

O dolo omissivo esteia-se no princípio da boa-fé que deve nortear todos os negócios jurídicos (art. 422). Em diversas passagens o Código pune aquele que agiu dolosamente, como por exemplo o art. 180 que pune o menor que oculta dolosamente a sua idade ou o art. 766 que acarreta a perda do direito de recebimento do seguro ao estipulante de seguro de vida que oculta dolosamente ser portador de doença grave quando da estipulação.

d) dolo de terceiro – o dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro estranho ao negócio. Veja a disposição do art. 148:

“Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”.

Assim, o dolo de terceiro somente enseja a sua anulação se a parte a quem aproveite o negócio dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Se o beneficiado pelo dolo de terceiro não adverte a outra parte está tacitamente aderindo ao expediente astucioso.

Um exemplo: Pedro deseja vender seu relógio a João que, é ludibriado por Marcos aduzindo que o relógio é de ouro, tendo Pedro tudo escutado, porém nada feito mesmo sabendo que o relógio não era de ouro. O negócio torna-se anulável por erro de terceiro, pois o vendedor sabia e se beneficiou do engodo. Se o vendedor não sabia do dolo praticado pelo terceiro, este responderá pelas perdas e danos, não podendo o negócio ser anulado.

e) dolo do representante – a distinção agora e baseada na coerência está em que o representante do negócio não pode ser considerado terceiro, pois atua em nome do representado. Assim, quando atua no limite de seus poderes considera-se o ato praticado pelo próprio representado. Ora, se o representante, nesta situação induz em dolo a outra parte o negócio poderá ser anulado.No art. 149 o Código ainda distingue o dolo do representante legal e o dolo do representante convencional. Enquanto que no primeiro caso o ato é anulável até o benefício que o representado teve, no segundo o representante e representado responderão solidariamente em relação às perdas e danos.

f) dolo bilateral – o dolo de ambas as partes é disciplinado no art. 150, ou seja, quando ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio ou reclamar indenização.É a regra de que ninguém pode valer-se de sua própria torpeza ou nemo auditur propriam turpitudinem allegans.

Nessa situação, a doutrina tem entendido a compensação até mesmo do dolo principal com o dolo acidental, pois é certo que ambas procederam com dolo, não havendo boa-fé a defender.

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g) dolo de aproveitamento – essa espécie de dolo constitui na verdade o elemento subjetivo de outro defeito do negócio jurídico que é o estado de perigo, conforme veremos adiante.

DA COAÇÃOCoação é toda ameaça ou pressão exercida sobre um indivíduo para forçá-lo,

contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que caracteriza é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade.

A coação é vício maior do que o dolo, pois impede a livre manifestação da vontade, enquanto que o dolo incide tão somente sobre a inteligência da vítima.

Espécies – A coação pode ser dividida em coação absoluta ou física (vis absoluta) ou coação relativa ou psicológica (vis compulsiva).

Na coação absoluta inocorre qualquer consentimento ou manifestação da vontade, sendo que a vantagem pretendida pelo coator se dá através do emprego de força física. Ora, como já vimos, neste caso não há manifestação da vontade não se caracterizando, portanto, em vício de consentimento (lembre-se que antes de analisarmos os requisitos de validade, analisamos os requisitos de existência.

Assim, não havendo manifestação da vontade, o ato é inexistente, não se cogitando perscrutar acerca da suposta anulabilidade do mesmo.

Exemplo é a colocação da impressão digital do analfabeto no contrato à força. Fácil perceber que no contrato não houve sequer a manifestação da vontade, sendo o mesmo inexistente.

Já na coação relativa (vis compulsiva) deixa-se uma opção ou escolha à vítima], pois ela ou pratica o ato exigido pelo coator ou corre o risco de sofrer as consequências da ameaça por ele feita. E o exemplo característico é o do assaltante que com arma em punho declara: “a bolsa ou a vida”.

Outra distinção seria a coação principal e a coação acidental, tratada da mesma forma como no dolo. Assim, somente a coação principal seria causa de anulabilidade, pois se daria como causa determinante do negócio. Já na coação acidental, esta influenciaria apenas nas condições da avenca, ou seja, sem ela o negócio assim mesmo se realizaria, mas em condições menos desfavoráveis à vítima. A coação acidental somente obriga ao ressarcimento do prejuízo, enquanto que a principal constituiria causa de anulação do negócio jurídico.

Requisitos da coação – dispõe, com efeito, o art. 151:“Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que

incuta ao paciente temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou a seus bens.Parágrafo único. Se disse respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”Assim, a coação:

a) deve ser a causa determinante do ato – ou seja, deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o ato extorquido, sendo certo que o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave ameaça ou violência que, por sua vez, provocou na vítima fundado receio de dano à sua pessoa, ou à sua família, ou a seus bens.

Incumbe à parte que pretende a anulação do negócio jurídico o ônus de provar o nexo de causa e efeito entre a violência e a anuência.

b) deve ser grave – a coação para viciar a manifestação da vontade deve ser de tal intensidade que efetivamente incuta na vítima um fundado temor de dano ao bem que ele considera relevante.

Para avaliar prefalado dano segue-se o critério concreto e não o padrão do homem médio, ou seja, o de avaliar em cada caso as condições particulares ou pessoais da vítima, nos termos do art. 152: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”.

Assim, um ato incapaz de abalar um homem pode ser suficiente para atemorizar uma mulher ou uma pessoa idosa.

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O simples temor reverencial, como dito no art. 153, não se considera coação. Desta forma, o receio de desgostar os pais ou as pessoas a quem se deve obediência e respeito (superiores hierárquicos) não se constitui em medida suficiente e bastante para anular o negócio jurídico.

Note que o Código aduz em “simples” temor reverencial. Assim, no casamento quando há graves ameaças de castigo à filha obrigando-a a casar ou quando o superior faz graves ameaças ao comportamento do empregado, existe coação, podendo tais situações ser anuladas, uma vez que houve nos exemplos grave ameaça ou violência.

c) deve ser injusta – a coação deve ainda ser ilícita, contrária ao direito ou abusiva. Diz o art. 153 que “não se considera coação o exercício normal de um direito”. Assim, a ameaça feita pelo credor de protestar o título de crédito vencido ou executar o mesmo, ou o pedido de abertura de inquérito, a intimidação feita pelo homem a uma mulher de propor ação de investigação de paternidade, etc, não se constituem coação por se tratarem de situações lícitas.

Porém se o credor se utiliza se um meio normal, mas para obter vantagens ilícitas, haverá coação. Exemplo: o credor que ameaça executar um cheque de uma devedora, caso ela não se case com ele. Neste caso, constitui coação, independente de ter havido culpa na conduta da vítima.

d) deve dizer respeito a dano atual ou iminente – o mal é iminente sempre que a vítima não possua meios para furtar-se ao dano. Assim, a existência de dilatado intervalo entre a ameaça e o desfecho do ato extorquido permite à vítima ilidir-lhe os efeitos , socorrendo-se de outras pessoas. Isto porque o mal somente é iminente quando a vítima não tenha meios para furtar-se ao danos, quer com os próprios recursos, quer mediante auxílio de outrem, ou da autoridade pública.

e) deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou a pessoas de sua família – a intimidação à pessoa pode dar-se sob diversas formas, como sofrimentos físicos, cárcere privado, tortura, etc. Pode dar-se também ameaça ao dano patrimonial como incêndio, depredação, greve, etc.

O termo família utilizado no art. 151 tem hoje uma acepção ampla, compreendendo não só a resultante de casamento, com a proveniente de união estável. Também compreendem os adotivos, os afins, além, é claro, dos consanguíneos. O Código, inclusive, ampliou o conceito permitindo que outras pessoas que não as da família, pudessem ser enquadradas na coação, como os amigos, vizinhos, etc, dependendo sempre do caso concreto.

Coação exercida por terceiro – Está prevista no art. 154, pois “vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”. Perceba que, a teor do art. 155, o negócio jurídico subsistirá se a coação decorrer de ato de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento, respondendo o autor pelas perdas e danos.

DO ESTADO DE PERIGOO Código Civil de 2002 apresenta, como inovação, dois institutos que não

estavam previstos no Código Civil de 1916: o estado de perigo e a lesão.Constitui o estado de perigo a situação de extrema necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume prestação desproporcional e excessiva.

“Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”

Exemplos corriqueiros do estado de perigo são os náufragos quando prometem a outrem enorme recompensa por seu salvamento, ou aquele que assaltado por bandidos e deixado em local ermo promete recompensa vultuosa a

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aquele que o ajuda, ou , por fim, o pai que em caso de seqüestro, realiza maus negócios para levantar a quantia do resgate, etc.

Exemplo muito comum hoje em dia é, também, o do médico ou da clínica que cobra quantia exorbitante, obrigando inclusive a deixar cheque assinado do valor cobrado para poder salvar a vida de um familiar.A anulabilidade do negócio jurídico por estado de perigo encontra sua justificativa nos preceitos de probidade e boa-fé que devem nortear todos os negócios jurídicos, a teor do art. 422 do CC/2002.

Elementos do estado de perigo – pelo art. 156 observamos os elementos estruturais do estado de perigo. São eles:

a) uma situação de necessidade – o agente deve estar premido de necessidade para salvar-se ou a pessoa de sua família. Assim, é requisito sine qua non a necessidade como título justificativo ou constitutivo da pretensão anulatória.

b) iminência de dano atual e grave – o perigo de dano deve ser atual, iminente, capaz de transmitir o receio de que se não for afastado as conseqüências temidas fatalmente advirão.A gravidade do dano é, pois, elemento integrante do conceito de estado de perigo, devendo ser avaliada objetivamente pelo juiz.

c) nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de grave dano – a vontade deve apresentar-se distorcida em conseqüência do perigo de dano, devendo haver certo nexo, pois a declaração entende-se oriunda do perigo de grave dano.

d) Incidência da ameaça de dano sobre a pessoa do próprio declarante ou de sua família – da mesma forma da coação, o elemento família deve ser interpretado da forma mais ampla possível, podendo até mesmo ocorre o desvirtuamento da vontade do declarante em se tratando de pessoa não pertencente à família, como é o caso do namorado, amigo íntimo, noivo, etc, cabendo ao juiz decidir de acordo com o caso concreto.

e) conhecimento do perigo pela outra parte – no estado de perigo existe, como regra, um aproveitamento da situação para a obtenção da vantagem indevida. Assim, se o que prestou o serviço não sabia do perigo, deve presumir-se que agiu de boa-fé, fazendo-se apenas a redução do excesso contido na proposta onerosa, não se anulando o negócio.

f) Assunção de obrigação excessivamente onerosa – é mister que as condições sejam significativamente desproporcionais, não se tratando do princípio da onerosidade excessiva adotada pela teoria da imprevisão, pois este é em decorrência de fato extraordinário e imprevisível. Desta forma, o objetivo do estado de perigo é afastar a proteção a um contrato abusivo entabulado em condições de dificuldade ou necessidade do declarante.

DA LESÃOO novo Código reintroduz, de forma explícita, o instituto da lesão como

modalidade de defeito do negócio jurídico, no art. 157 e seus dois parágrafos.Lesão é o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as

prestações de um contrato, no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma das partes.

A lesão se diferencia do estado de perigo de forma bastante sutil. Diversos doutrinadores sugerem a fusão dos dois institutos em um só, inclusive durante a tramitação do Projeto do novo Código duas emendas foram neste sentido.

Porém, o próprio relatório da Comissão Revisora assim conclui: “o estado de perigo ocorre quando alguém se encontra em perigo e, por isso, assume obrigação excessivamente onerosa. A lesão ocorre quando não há estado de perigo, por necessidade de salvar-se; a ‘premente necessidade’ é, por exemplo, a de obter recursos. Por outro lado, admitindo o § 2° do art. 157 a suplementação da contraprestação, isso indica que ela só ocorre em contratos comutativos, em que a prestação é um dar (e não um fazer). A lesão ocorre quando há usura real. Não há lesão, ao contrário do que ocorre com o estado de perigo, que vicie a simples oferta. Ademais, na lesão não é preciso que a outra parte saiba da necessidade ou

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da inexperiência; a lesão é objetiva. Já no estado de perigo é preciso que a parte beneficiada saiba que a obrigação foi assumida pela parte contrária para que esta se salve de grave dano; o estado de perigo é subjetivo.”

A ausência do instituto no Código de 1916 foi justificada por Beviláqüa em que a parte prejudicada teria outros meios para resguardar seus direitos, como o erro, dolo, coação, simulação e fraude. Bem verdade é que o instituto não se amoldava com os princípios liberais do CC/1916.

A lesão passou a existir na Lei n° 1.521/51 que define os crimes contra a economia popular, em seu art. 4°. Assim, constitui crime a usura pecuniária ou real, ou seja, aquela que visa “obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida”

Posteriormente, o CDC veio disciplinar a lesão em diversos de seus artigos, vindo a atender aos reclamos da doutrina. Hoje, na forma como está disciplinada do CC/2002, a lesão pode ser alegada por qualquer das partes contratantes e não apenas pelo vendedor.

Elementos da lesão – a lesão está composta de dois elementos: o objetivo, consistente da manifesta desproporção entre as prestações recíprocas e o subjetivo, caracterizado pela inexperiência ou premente necessidade do lesado.

Assim, caberá ao juiz, diante do caso concreto (diferente da dicção da lesão prevista na Lei dos Crimes contra a Economia Popular) averiguar o tamanho da desproporção, sendo que o momento para se averiguar a desproporção é o da celebração do negócio.

DA FRAUDE CONTRA CREDORESA fraude contra credores está inserida no novo Código Civil no rol dos

defeitos do negócio jurídico, mas não como vício de consentimento e sim como vício social. Isto porque a fraude contra credores não conduz a um descompasso entre o íntimo querer do agente e a sua declaração. Mas é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros, por esta razão é considerada como vício social.

A simulação, que hoje em dia é causa de nulidade e não de anulabilidade do negócio jurídico, também está inserida no rol dos vícios sociais.

A natureza jurídica do instituto assenta-se na garantia dos credores à satisfação do débito, tendo em vista o patrimônio do devedor. Assim, o patrimônio do devedor constitui a garantia do cumprimento de suas obrigações. Se ele o desfalca maliciosa e substancialmente, a ponto de não mais garantir o pagamento de suas dívidas, tornando-se insolvente, configura-se a fraude contra credores.

Esta situação só se caracteriza, portanto, se o devedor se tornar insolvente ou na sua iminência, pois se o seu patrimônio basta com sobra para cumprir com suas obrigações, não há que se cogitar em fraude contra credores, ampla será a sua liberdade para dispor de seus bens.

Fraude contra credores é, portanto, todo ato praticado pelo devedor, suscetível de diminuir ou onerar seu patrimônio, reduzindo ou eliminando a garantia que este representa para pagamento de suas dívidas, praticado por devedor insolvente, ou por ele reduzido à insolvência.

Elementos constitutivos – dois são os elementos que compõem a fraude contra credores: um elemento objetivo (eventus damni), ou seja, a própria insolvência que constitui o ato prejudicial ao credor; e o subjetivo (consilium fraudis), que é a própria má-fé do devedor, consciência de prejudicar terceiros.

Ao tratar da fraude, o legislador teve de optar entre proteger o interesse dos credores ou o do adquirente de boa-fé. Por isso o consilium fraudis (a não ser em determinadas exceções) deve ser provado, pois o credor somente logrará invalidar a alienação se provar a má-fé do adquirente.

O art. 159 presume a má-fé do adquirente quando a insolvência do alienante for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. A

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notoriedade da insolvência pode ser evidenciada por diversos atos como, por exemplo, a existência de protesto ou execuções contra o alienante, etc.

Destacamos algumas situações em que o consilium fraudis pode ser presumido:

a) pela clandestinidade do ato;b) pela continuação dos bens alienados na posse do devedor quando

deveriam os mesmos ter sido passados para terceiros;c) pela falta de causa;d) pelo parentesco ou afinidade entre o devedor e o terceiro;e) pelo preço vil;f) pela alienação de todos os bens.Assim, o consilium fraudis nem sempre se apresenta de modo cristalino, até

porque quem dele participa sempre procura ocultar sua verdadeira intenção. O autor da ação pauliana (ação destinada a anular os atos tendo em vista a fraude contra credores) terá o ônus de provar, nas transmissões onerosas, o eventus damni (critério objetivo) e o consilium fraudis (critério subjetivo).

Hipóteses legais – vejamos todas as hipótese legais que pode ocorrer fraude contra credores:

Atos de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívidas – pelo art. 158 podemos antever que poderão ser anulados, pelos credores quirografários, os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida quando estiver o devedor insolvente ou pelo ato reduzido à insolvência, ainda quando este o ignore.

Frise-se que neste caso o estado de insolvência é objetivo. Assim, os credores não precisam provar o consilium fraudis, pois a lei já presume a existência do propósito de fraude (diferente dos atos de transmissão onerosa).Isto porque o legislador teve que optar entre o direito dos credores (que estão qui certat de damno vitando) e o direito dos donatários (que estão, em regra, qui certat de lucro captando). Ora, fácil perceber a preferência do legislador, no intuito de proteger o credor quirografário.

Atos de transmissão onerosa – o art. 159 trata dos casos de anulabilidade do negócio jurídico oneroso, exigindo, além da insolvência (eventus damni) o conhecimento desta situação pelo terceiro adquirente, ou seja, o consilium fraudis.

Neste caso, haverá a anulabilidade dos contratos onerosos, mesmo havendo contraprestação, tanto no caso do conhecimento real da insolvência ou no caso de conhecimento presumível (que já falamos).

Não se exige, contudo, conluio entre as partes, bastando a prova da ciência dessa situação pelo adquirente. Assim, se fica evidenciado que este se encontrava de boa-fé, ignorando a insolvência do alienante, o negócio será válido.

Por fim, ressalte-se que a prova da notoriedade ou das condições que ensejam a presunção de insolvência pertencem ao credor.

Pagamento antecipado de dívida – pelo art. 162 percebe-se que “o credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu”.

Assim, o objetivo da lei é colocar em situação de igualdade todos os credores quirografários, impedindo que o devedor desvie seu patrimônio para o pagamento de uma dívida ainda não vencida, mas se a dívida já estiver vencida, aí o pagamento não será mais do que mera obrigação de devedor, sendo considerado normal e válido, desde que não tenha sido instaurado ainda o concurso de credores.

Esta regra não se aplica aos credores privilegiados, pois estes possuem o direito assegurado em virtude de garantia real de que é titular, cabendo inclusive o direito de sequela do bem eventualmente vendido.

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Concessão fraudulenta de garantias – pelo art. 163 “presumem-se fraudatórios dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor”

As garantias a que se refere o artigo são as garantias reais, pois a garantia fidejussória (pessoal) em nada prejudica os credores em concurso. A paridade que deve reinar entre os credores ficará irremediavelmente comprometida se houver outorga, a um deles, de penhor, anticrese ou hipoteca, pois a constituição da garantia coloca o credor favorecido numa situação privilegiada, ao mesmo tempo em que agrava a dos demais, tornando problemática a solução do passivo pelo devedor.

O que se anula, na hipótese, é somente a garantia, continuando ele como credor quirografário, de acordo com o parágrafo único do art. 165.

Ação pauliana – a ação anulatória do negócio jurídico celebrado em fraude contra credores é chamada de ação pauliana ou revocatória ou rutiliana (em atenção a Paulus Rutius). Por definição, a ação pauliana visa a prevenir lesão ao direito dos credores causada pelos atos que têm por efeito a subtração da garantia geral, que lhe fornecem os bens do devedor, tornando-o insolvente

A ação pauliana, já´que visa acarretar a anulabilidade do negócio jurídico, possui natureza desconstitutiva do negócio jurídico. Julgada procedente, anula-se o negócio fraudulento lesivo aos credores, determinando-se o retorno do bem ao patrimônio do devedor.

Legitimidade ativa – estão legitimados para propor ação pauliana:a) os credores quirografários e;b) só os credores que já o eram ao tempo da alienação fraudulenta.Como inovação, o CC/2002 inseriu no § 1° do art. 158 que o direito de anular

os atos fraudulentos assiste também aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. Assim, e de acordo com o TJSP, na Ap. 70.637-1, “tem-se entendido que mesmo contra o devedor que ofereceu garantia real é possível o ajuizamento de ação pauliana, Ana hipótese dos bens dados em garantia serem insuficientes”.

Legitimidade passiva – a ação, a teor do art. 161 pode ser intentada contra o devedor insolvente, contra a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Assim, a ação anulatória deve (apesar de o dispositivo conter poderá) ser intentada contra o devedor insolvente e também contra a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, bem como, se o bem alienado pelo devedor já houver sido transmitido a outrem, contra os terceiros adquirentes, desde que hajam procedido de boa-fé.

Fraude não ultimada – quando o negócio é aperfeiçoado pelo acordo de vontades, mas o seu cumprimento é diferido para data futura, permite-se ao adquirente, a teor do art. 160, que ainda não efetuou o pagamento do preço, evitar a propositura da ação pauliana, ou extingui-la, depositando em juízo, se for aproximadamente o corrente, requerendo a citação por edital de todos os interessados.

Veja que o depósito elide a eventual presunção de má-fé, evitando a anulação do negócio, cessando, pois, o interesse dos credores que, por conseguinte, perdem a legitimação ativa para propor a ação pauliana.

Validade dos negócios ordinários celebrados de boa-fé pelo devedor – pelo art. 164 do CC/2002 é permitido ao devedor, mesmo insolvente, onerar ainda mais seu patrimônio quando o negócio for indispensável à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.

Figure como exemplo o dono de uma loja que não fica impedido de continuar a vender as mercadorias, mesmo já insolvente, não se caracterizando, portanto, fraude contra credores. Não poderia, contudo, alienar o próprio estabelecimento

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porque aí não se trataria de negócio ordinário, tampouco destinado à manutenção de sua atividade comercial.

A novidade do CC/2002 está em permitir que os negócios sejam válidos quando se destinar à subsistência do devedor e de sua família. Assim, o devedor insolvente poderá, por exemplo, contrair empréstimo destinado à sua sobrevivência ou à de sua família, sem a caracterização da fraude.

Fraude contra credores e fraude à execução – a fraude contra credores não se confunde com a fraude à execução, embora os dois institutos possuam pontos em comum. Vejamos as diferenças entre os dois institutos:

a) Fraude à execução é incidente processual, enquanto que a fraude contra credores é matéria de direito privado, pertencente ao ramo do Direito Civil;

b) A fraude à execução pressupõe uma demanda em andamento (não necessariamente uma ação executiva), a fraude contra credores caracteriza-se quando ainda não existe nenhuma ação em andamento;

c) A fraude à execução acarreta a declaração de ineficácia da alienação fraudulenta, em face do credor exequente. A fraude contra credores provoca a anulação do negócio jurídico, retornando os bens alienados ao patrimônio do devedor, em proveito do concurso de credores;

d) A fraude à execução independe de ação revocatória, podendo ser reconhecida incidentalmente, mediante simples petição nos próprios autos. A fraude contra credores, por sua vez, deve ser pronunciada em ação pauliana;

e) Na fraude à execução, o vício é bem mais grave, pois o devedor, além de lesar o credor-exequente, frustra a atuação do Poder Judiciário que fica impedido de penhor os bens que constituíam a garantia dos credores. Por isso que a má-fé na fraude à execução é sempre presumida.

DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICOA expressão “da invalidade do negócio jurídico” abrange a nulidade e a

anulabilidade do negócio jurídico. É empregada, portanto, para designar o negócio que não produz efeitos desejado pelas partes.

Negócio jurídico inexistente – como já vimos, o negócio jurídico é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento, por exemplo. Ora, se não houve qualquer manifestação da vontade, o negócio não chegou a realizar-se inexistindo, portanto. Diferente é se a vontade foi manifestada, mas encontra-se eivada de erro, dolo ou coação. Se a vontade emana de um absolutamente incapaz, maior é o defeito e o negócio existe, mas é nulo.

O negócio inexistente, por se constituir em um nada no mundo jurídico, não reclama ação própria para combatê-lo, nem existe necessidade de o legislador mencionar os requisitos de existência. Às vezes, no entanto, a aparência material do ato apresenta evidências que enganam, justificando a propositura de ação para discutir e declarar a sua inexistência. Para efeitos práticos, nesta situação, a declaração terá as mesmas consequências da declaração de nulidade.

Nulidade – é a sanção imposta por lei aos atos e negócios jurídicos realizados sem observância dos requisitos essenciais, impedindo-os de produzir os efeitos que lhe são próprios.

O negócio é nulo quando ofende preceitos de ordem pública, que interessam à sociedade. Assim, quando o interesse público é lesado, a sociedade o repele, fulminando-o de nulidade, evitando que venha a produzir os efeitos desejados.

A nulidade pode ser absoluta ou relativa, total ou parcial, textual ou virtual.Nos casos de nulidade absoluta, existe um interesse social, além do

individual, para que se prive o negócio jurídico de seus efeitos específicos, havendo ofensa à ordem pública. Por essa razão, pode ser alegada por qualquer interessado, devendo ser pronunciada de ofício pelo juiz (art. 168 e p.u.).

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Já na nulidade relativa (anulabilidade no CC/2002), o negócio jurídico será anulável e atinge negócios que se acham inquinados de vício capaz de lhes determinar a invalidade, mas que pode ser sanado ou afastado.

Nulidade total é a que atinge todo o negócio jurídico; parcial é aquela que afeta somente parte dele. Segundo o princípio do utile per inutile non vitiatur, a nulidade parcial do negócio não o prejudicará na parte válida, se esta for separável.

Nulidade textual é quando vem expressa na lei. Veja o exemplo do art. 548 do CC/2002. Virtual é quando, não sendo expressa, podem ser deduzidas de expressões utilizadas pelo legislador, como “não podem” (art. 1.521), “não se admite” (art. 380), etc.

Nulidade absoluta – pelo art. 166, considera-se nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;III – o motivo determinante, comum as ambas as partes, for ilícito;IV – não revestir a forma prescrita em lei;V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua

validade.VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;VII – a lei taxativamente o declarar nulo ou proibir-lhe a prática, sem cominar

sanção.Pelo art. 167 percebe-se que nulo será o negócio simulado, subsistindo o que

se dissimulou, se válido for na substância e na forma (mais adiante comentaremos a simulação).

Nulidade relativa (anulabilidade) – quando a ofensa atinge o interesse particular que o legislador pretendeu proteger, sem estar em jogo interesses sociais, faculta-se a estas (perceba a diferença), se o desejarem, promover a anulação do ato. Trata-se de negócio anulável, que será considerado válido se o interessado se conformar com os seus efeitos e não o atacar nos prazos legais, ou o confirmar.

Assim, a anulabilidade é a sanção imposta por lei ais negócios jurídicos realizados por pessoa relativamente incapaz ou eivados de algum vício de consentimento ou vício social (à exceção da simulação). Em suma, a anulabilidade visa à proteção do consentimento ou refere-se à incapacidade relativa do agente.

Diversamente do negócio jurídico nulo, o anulável produz efeitos até ser anulado em ação, para a qual são legitimados os interessados no ato, isto é, as pessoas em tese prejudicadas e em favor de quem o ato se deve tornar ineficaz.

A anulabilidade é, portanto, prescritível e admite confirmação, não podendo ser decretada de ofício pelo juiz.

Declara o art. 171 que “além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.

Diferenças entre nulidade e anulabilidade – vejamos, em síntese, as diferenças de ambos os institutos:

a) a anulabilidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Já na nulidade existe o interesse público, sendo decretada em virtude do interesse da própria coletividade.

b) A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes, ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação. A nulidade, por sua vez, não pode ser sanada pela confirmação, nem suprida pelo juiz.

c) De ofício, somente a nulidade.d) A anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, enquanto que a

nulidade pode ser alegada por qualquer pessoa ou pelo MP, quando lhe couber intervir em nome da sociedade que representa.

e) Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos (regra geral em dois anos – art. 179). Negócio nulo não se valida com o

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decurso do tempo, nem é suscetível de confirmação. Mas a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor de terceiro.

f) O negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito desta declaração é, pois, ex nunc. O ato nulo não produz nenhum efeito, tendo o pronunciamento judicial, efeitos ex tunc, sendo de natureza declaratória.

Disposições especiais – “a invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico se este puder provar-se por outro meio” (art. 183). Imagine o exemplo que uma escritura nula de mútuo de pequeno valor não invalida o contrato que poderá ser provado através de testemunhas. Mas se a escritura pública for da substância do ato, todo o contrato será nulo, como o caso de um contrato de mútuo com garantia hipotecária.

Pelo art. 184 antevemos que “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”. É o princípio do utilie per inutile non vitiatur. Por exemplo, se o testador ao mesmo tempo em que deixa determinados bens a um legatário, também reconhece um filho havido fora do casamento, invalidado o testamento por inobservância das formalidades legais, não será prejudicado o reconhecimento, poiso mesmo poderia ser feito até por instrumento particular.

Por fim, no art. 170 aduz o legislador que “se o negócio jurídico contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.

É a denominada conversão do negócio jurídico nulo em um outro, de natureza diversa, desde que se possa inferir que a vontade das partes era realizar o negócio subjacente.

O instituto da conversão permite que, observados certos requisitos, se transforme um negócio jurídico, em princípio nulo, em outro, para propiciar a consecução do resultado prático que as partes visavam com ele alcançar. Assim, por exemplo, poder-se-á transformar um contrato de compra e venda nulo, por defeito de forma, em compromisso de compra e venda.

Dois requisitos devem ser observados: a) o objetivo, concernente à necessidade de que o negócio, em que se converteu o nulo, por suporte os mesmo elementos fáticos e b)o subjetivo, relativo à intenção das partes de obter o efeito prático resultante do negócio em que se converte o inválido.

A SIMULAÇÃO – Simulação é uma declaração falsa, enganosa da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado.

Simular significa fingir, enganar. Negócio simulado é, assim, aquele que tem aparência contrária à realidade. Não é vício de consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação. É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem se destina, com o objetivo de enganar terceiros ou fraudar a lei.

Trata-se, portanto, de vício social, sendo que a causa simulandi pode ter as mais diversas origens: burlar a lei, fraudar o fisco, prejudicar credores, etc.

Nos dizeres de Washington de Barros Monteiro “urde-se a simulação com mais frequência do que se pensa: com ela tropeçamos a todo instante, sob as roupagens mais diferentes. Não só na vida social, como também na judicial e na extrajudicial ela é comum. Nos repertórios de jurisprudência numerosas as alusões a dívidas forjadas e a atos simulados, sobre os quais juízes e tribunais são chamados a se pronunciar.

Extrajudicialmente, testemunham-se atos como ocultação do verdadeiro preço da coisa no contrato de compra e venda, antedata de documento, realização de negócio jurídico mediante interposição de pessoa, sonegação, etc”

Características:a) é, em regra, negócio jurídico bilateral – sendo os contratos o seu campo

natural. Resulta do acordo de duas partes para lesar terceiros ou fraudar a lei. Excepcionalmente, é possível a simulação nos negócios unilaterais, desde que

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exista o ajuste simulatório entre o declarante e a pessoa que suporta os efeitos do negócio, como destinatária da declaração.

b) é sempre acordada com a outra parte ou com as pessoas a quem ela se destina – difere, portanto, do dolo porque neste a vítima participa da avença. Na simulação, a vítima é lhe estranha

c) é uma declaração deliberadamente desconforme com a intenção – as partes, maliciosamente, disfarçam seu pensamento, apresentado sob aparência irreal ou fictícia.

d) é realizada com o intuito de enganar terceiro ou fraudar a lei.

Espécies de simulação – a doutrina classifica a simulação em absoluta e relativa.

Na simulação absoluta as partes na realidade não realizam nenhum negócio. Apenas fingem, para criar uma aparência, uma ilusão externa, sem que na verdade desejem o ato.

Em geral, essa modalidade visa a prejudicar terceiros, subtraindo os bens do devedor à execução ou partilha. Exemplos: emissão de títulos de crédito em favor de amigos e posterior dação em pagamento de bens, em pagamento desses títulos, por marido que pretende se separar da esposa e subtrair da partilha tais bens; falsa confissão de dívida perante amigo, com concessão de garantia real, para esquivar-se da execução de credores quirografários.

Nos dois exemplos, o simulador não realizou nenhum negócio verdadeiro com os amigos, mas apenas fingiu, simulou.

Na simulação relativa as partes pretendem realizar determinado negócio, prejudicial à terceiro ou em fraude à lei. Para escondê-lo ou dar-lhe aparência diversa, realizam outro negócio.

Compõe-se de dois negócios: um deles é o simulado, o aparente, destinado a enganar; o outro é o dissimulado, oculto, mas verdadeiramente desejado.

É o que acontece, por exemplo, quando o homem casado, para contornar a proibição legal de fazer doação à concubina, simula a venda a um terceiro, que transferirá o bem àquela. Ou quando as partes passam a escritura de um imóvel por preço bem inferior, no intuito de burlar o fisco.

Simulação não se confunde com dissimulação, pois na primeira procura-se aparentar o que não existe e na segunda oculta-se o que é verdadeiro.

O Código atual trata a simulação, seja relativa, seja absoluta como causa de nulidade do negócio jurídico simulado. Se relativa, porém, subsistirá o negócio dissimulado, se válido for na substância e na forma, ressalvando-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contratantes do negócio jurídico simulado.

Hipóteses legais de simulação – Dispõe o § 1º do art. 167:“Art. 167. (...§ 1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas

às quais realmente se conferem, ou transmitem;II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”.Assim, haverá simulação quando houver a) interposição de pessoa; b) por

ocultação da verdade; c) por falsidade de data.Tendo-se em vista a dificuldade para se provar o ardil, o expediente

astucioso, admite-se a prova da simulação por indícios e presunções (arts. 39, 252, 332 e 335 do CPC).

DOS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS – O art. 185 do Código Civil aduz que “aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”.

DOS ATOS ILÍCITOS – Ato ilícito é o praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem. Tal dever é imposto a todos no art. 186 (antigo art. 159) que

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prescreve: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Também comete ato ilícito aquele que pratica abuso de direito, ou seja, “o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes” (art. 187).

Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.

O Código atual aperfeiçoou a redação ao prescrever que comente ato ilícito aquele que violar direito e causar dano a outrem, substituindo o violar direito ou causar dano a outrem no antigo CC/1916. Assim, ainda que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, nenhuma indenização será devida se não se verificar o prejuízo causado.

Responsabilidade contratual e extracontratual – uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual (dever contratual) ou por inobservar um dever de conduta (dever legal), conduzindo a uma responsabilidade contratual (art. 389) ou extracontratual ou aquiliana (art. 186).

Vejamos as principais diferenças entre as duas modalidades de responsabilidade, embora a conseqüência seja a mesma, ou seja, a obrigação de indenizar.

a) Na responsabilidade contratual o inadimplemento presume-se culposo. O credor lesado encontra-se em posição mais favorável, pois só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida, sendo presumida a culpa do inadimplente. Na responsabilidade extracontratual, ao lesado incumbe o ônus de provar culpa ou dolo do causador do dano.

b) A responsabilidade contratual tem origem na convenção, enquanto que a extracontratual tem origem na inobservância do dever genérico de não lesar a outrem.

c) a capacidade sofre limitações no terreno da responsabilidade contratual, sendo mais ampla no campo extracontratual. Assim, os atos ilícitos podem ser perpetrados por amentais ou menores e podem gerar o dano indenizável, ao passo que somente as pessoas plenamente capazes são suscetíveis de celebrar convenções válidas.

d) No tocante à gradação da culpa, a falta se apuraria de maneira mais rigorosa na responsabilidade aquiliana, enquanto que na responsabilidade contratual ela variaria de intensidade de conformidade com os diferentes casos.

Responsabilidade civil e responsabilidade penal – a ilicitude é chamada de civil ou penal tendo em vista exclusivamente a norma jurídica que impõe o dever violado pelo agente. Na responsabilidade penal, o agente infringe uma norma penal, de direito público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O interessado poderá pleitear ou não a indenização. Se ao causar dano, o agente transgride, também, a lei penal, ele torna-se ao mesmo tempo, obrigado civil e penalmente.

A responsabilidade penal é pessoal, intransferível. Responde o réu, via de regra, com a privação de sua liberdade. A responsabilidade civil é patrimonial, pois o patrimônio do devedor é que responde por suas obrigações. Ninguém pode ser preso por dívida civil, salvo no caso do devedor de pensão alimentícia oriunda do Direito de Família ou do depositário infiel.

A culpabilidade, por outro lado, é bem mais ampla na área cível (a culpa, ainda que levíssima obriga a indenizar). Na esfera criminal exige-se que a culpa tenha certo grau de intensidade.

Por fim, a imputabilidade também é tratada de forma diversa. Somente os maiores de 18 anos são responsáveis criminalmente. No cível, o menor de 18 anos responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de o fazer ou não dispuserem de meios suficientes, e se a indenização, que deverá ser equitativa, não o privar do necessário ao seu sustento, ou ao das pessoas que dele dependem (art. 928).

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Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva – a teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Não havendo culpa, não há responsabilidade.

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Trata-se da responsabilidade legal ou objetiva. Essa teoria, dita objetiva ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade.

Assim, nos casos de responsabilidade objetiva não se exige prova de culpa do agente para que seja ele obrigado a reparar o dano. Em alguns casos a culpa é presumida por lei, em outros a de todo prescindível (responsabilidade independente de culpa).

Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já se presume. É o caso do art. 936 que presume a culpa do dono de animal que venha a causar dano a outrem, mas faculta-se a prova das excludentes ali mencionadas, com inversão do onus probandi.

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para essa teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros e deve ser obrigada a reparar o dano, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.

A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio de que é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável, ou seja, quem aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos (riscos); ora encarada como “risco-criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo, em razão de uma atividade perigosa; ora, ainda, encarada como “risco-profissional”, decorrente da atividade ou profissão do lesado, como ocorre nos acidentes de trabalho.

Imputabilidade e responsabilidade – o art. 186 pressupõe o elemento imputabilidade, ou seja, a existência no agente, da livre determinação de vontade.

Assim, para que alguém pratique um ilícito e seja obrigado a indenizar, é necessário que tenha capacidade de discernimento, pois via de regra, aquele que não pode querer e entender não incorre em culpa e, por isso, não pratica ato ilícito.

A concepção clássica considera que sendo o privado de discernimento (amental, louco ou demente) um inimputável, não é ele responsável civilmente e, se a responsabilidade não puder ser atribuída ao encarregado de sua guarda, a vítima ficará irressarcida.

Observe-se que a vítima somente não será indenizada pelo curador se este não tiver patrimônio suficiente para responder pela obrigação, pois não se admite mais que dela se exonere, provando que não houve negligência de sua parte (art. 933). Mas a indenização, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem e, neste caso, a vítima ficará irressarcida, da mesma maneira que ocorria na hipótese de fortuito.

Já no que tange à maioridade, a mesma somente é alcançada aos 18 anos completos (art. 5º). Os menores de 16 anos são absolutamente incapazes e entre 16 anos e 18 anos, possuem capacidade relativa. Considera-se, portanto, que no primeiro caso não possuem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil e, no segundo caso, que possuem o discernimento reduzido. Ora, para que alguém pratique um ato ilícito é necessário que tenha plena capacidade de discernimento.

Porém a vítima não ficará irressarcida, pois o CC/2002 responsabiliza os pais pelos atos praticados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e companhia. Por sua vez, os menores somente serão responsabilizados se as pessoas por ele responsáveis não tiverem a obrigação de indenizar ou não dispuserem de meios suficientes, devendo a indenização ser equitativa, não tendo lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Se o menor estiver sob tutela, a responsabilidade será do tutor (art. 932, II). Se o pai emancipa o filho, voluntariamente, a emancipação produz todos os efeitos naturais do ato, menos o de isentar o primeiro da responsabilidade pelos atos

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ilícitos praticados pelo segundo, consoante proclama a jurisprudência. Tal não acontece quando a emancipação decorre do casamento ou das outras causas previstas no art. 5º p.u. do CC/2002.

Pressupostos da responsabilidade extracontratual – pela análise do art. 186 podemos antever que quatro são os elementos essenciais da responsabilidade aquiliana.

a) ação ou omissão – refere-se à lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente e ainda, por danos causados por coisas e animais que lhe pertençam.Para a responsabilidade por omissão é indispensável que exista o dever jurídico de praticar determinado fato e a demonstração que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado.

b) culpa ou dolo do agente – ao se referir à ação ou omissão voluntária, o art. 186 do CC/2002 cogitou do dolo. Em seguida, refere-se à culpa em sentido estrito ao mencionar a negligência ou a imprudência.

c) relação de causalidade – é o nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar”, empregado no art. 186. As excludentes de responsabilidade civil, como a culpa exclusiva da vítima e o fortuito rompem o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade do agente.

d) dano – sem a prova do dano ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral). Há no Código um capítulo específico sobre a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurar os prejuízos e a indenização cabível em determinados casos (art. 944 a 954).

Como exceção ao princípio de que nenhuma indenização será devida se não tiver ocorrido prejuízo é a regra do art. 940, que obriga a pagar em dobro ao devedor quem demanda dívida já paga, como uma espécie de pena privada pelo comportamento ilícito do credor, mesmo sem prova do prejuízo. E, na responsabilidade contratual, a possibilidade de cobrança da cláusula penal sem comprovação efetiva do prejuízo.

Atos lesivos não considerados ilícitos – o art. 188 declara que não constitui ato ilícito o praticado em legítima defesa, no exercício regular de um direito ou em estado de necessidade.

Legítima defesa – se o ato foi praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não pode o agente ser responsabilizado civilmente. Entretanto, se por engano ou erro de pontaria, terceira pessoa foi atingida ou alguma coisa de valor, deve o agente reparar o dano, tendo ação regressiva contra o agressor.Somente a legítima defesa real e praticada contra o agressor deixa de ser ato ilícito. A legítima defesa putativa não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade do ato.

Exercício regular e o abuso de direito – aquele que age dentro de seu direito a ninguém prejudica (nemine laedit qui jure suo utitur), desde que não sirva para justificar excessos e abusos.

Haverá abuso quando se tornar evidente o animus laedendi, embora o agente não ultrapasse os limites de seu direito subjetivo.

Assim, a doutrina do abuso de direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo dentro de seu direito, pode, não obstante, em alguns casos, ser responsabilizado.

O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e exorbita ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja violação aos limites objetivos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que esta se destina.

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Estado de necessidade – pelo Código podemos antever que “a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente” não constitui ato ilícito.

Entretanto, embora a lei declare que o ato praticado em estado de necessidade não constitua ato ilícito, nem por isso libera quem o pratica de reparar o prejuízo que causou. Assim, se um motorista, por exemplo, atira seu veículo contra um muro, derrubando-o para não atropelar uma criança que inesperadamente lhe surgiu à frente, o seu ato, embora lícito e nobilíssimo, não o exonera de pagar a reparação do muro.

Com efeito, dispõe o art. 929 que se a pessoa lesada ou o dono da coisa não for culpado do perigo terá direito à indenização. Entretanto, no exemplo suso mencionado ocorreu a culpa in vigilando do pai da criança que é responsável por sua conduta. Assim, embora o motorista tenha que pagar o conserto do muro, terá ação regressiva contra o pai da criança.

O art. 65 do CPP proclama que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade. Assim, se o réu é absolvido criminalmente por estado de necessidade, está o juiz cível obrigado a reconhecer tal fato, mas dará a ele o efeito previsto no Código Civil e não no Código Penal, qual seja, o de obrigá-lo a ressarcir o dano causado à vítima inocente, com direito, porém, a eventual ação regressiva contra o provocador da situação de perigo.

DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

DA PRESCRIÇÃO – O tempo sempre influiu nas relações jurídicas de que o indivíduo participa, levando à aquisição ou à extinção de direitos. Temos então a prescrição aquisitiva (usucapião) e a extintiva. O Código Civil tratou da prescrição extintiva na Parte Geral, deixando a usucapião para o Direito das Coisas.Em um e outro caso ocorre o mesmo fenômeno, ou seja, alguém ganha e, em consequência, alguém perde, em virtude do elemento tempo.

O instituto da prescrição é necessário para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa, por exemplo, a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite de tempo. Com a prescrição, basta guardar os últimos recibos até a data em que esta se consuma, ou examinar o título do alienante e os de seus predecessores imediatos, em um período de dez anos apenas.

Para distinguir prescrição da decadência (tormenta que invariavelmente acometia à toda a doutrina), o novo Código Civil optou por uma fórmula que espanca qualquer dúvida. Prazos de prescrição são apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral, nos artigos 205 e 206, sendo de decadência todos os demais, estabelecidos como complemento, seja na Parte Geral, seja na Parte Especial. Para se evitar a discussão sobre se a ação prescreve, ou não, adotou-se a tese da prescrição da pretensão.

Conceito – o atual Código Civil adotou o termo pretensão para indicar que a prescrição não se trata do direito subjetivo público e abstrato da ação. Assim, violado um direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos determinados por lei.

A violação do direito, que causa dano ao titular do direito subjetivo, faz nascer, para esse titular, o poder de exigir do devedor uma ação ou omissão que permite a composição do dano verificado. A esse direito de exigir chama a doutrina de pretensão, por influência do direito germânico. A pretensão revela-se, portanto, como um poder de exigir de outrem uma ação ou omissão.

Assim, Pontes de Miranda conceituava a prescrição como uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em lei, sua pretensão ou ação.

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Ou, nos dizeres de Câmara Leal, seria a extinção de uma ação ajuizável (melhor pretensão), em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo.

Pretensões imprescritíveis – a pretensão, como vimos, é deduzida em juízo por meio da ação. À primeira vista, poderíamos concluir que não haveria pretensão imprescritível, pois teríamos o prazo geral de 10 anos, previsto no art. 205. Entretanto, a doutrina aponta várias pretensões imprescritíveis, afirmando que a regra é a prescritibilidade e a exceção a imprescritibilidade.

a) as ações que protegem os direitos da personalidade, como o direito à vida, à liberdade, à integridade física ou moral, à imagem, ao nome, etc.

b) as ações que se prendem ao estado de pessoas (estado de filiação, a qualidade de cidadania, a condição conjugal). Assim, não perscrevem as ações de separação judicial, de interdição, de investigação de paternidade, etc.

c) as ações de exercício facultativo (ou potestativo), em que não existe direito violado, como as ações destinadas a extinguir o condomínio ou pedir a meação no muro vizinho, etc.

d) as ações referentes a bens públicos de qualquer natureza.e) as ações que protegem o direito de propriedade, que é perpétuo

(reivindicatória).f) as pretensões de reaver bens confiados à guarda de outrem, a título de

depósito, penhor ou mandato, pois sendo a posse precária, nunca gerará usucapião.g) as ações destinadas a anular inscrição de nome empresarial feita com

violação de lei ou do contrato (art. 1.167).

Prescrição e institutos afins – possuem afinidade com a prescrição, os seguintes institutos: preclusão, perempção e decadência. Vejamos o conceito de cada um e, consequentemente, a diferença entre eles.

A preclusão consiste na perda de uma faculdade processual, por não ter sido exercida no momento próprio. Só produz efeito dentro do próprio processo em que advém.

A perempção também é de natureza processual. Consiste na perda do direito de ação pelo autor contumaz que deu causa a três arquivamentos sucessivos. Não extinguem o direito material, nem a pretensão, que passam a ser oponíveis somente como defesa.

Em relação à prescrição e à decadência, o campo de distinção se apresenta mais dúbio.

Isto porque na vigência do Código de 1916 só havia referência à prescrição, cabendo à doutrina efetuar a distinção.A primeira distinção era em relação aos efeitos. Assim, a prescrição não corria contra determinadas pessoas, enquanto que a decadência corria contra todos. A prescrição podia ser suspensa ou interrompida, enquanto que a decadência era fatal.

O critério clássico de distinção era analisado pelo campo de incidência. Assim, a prescrição atinge diretamente a ação e, em consequência, faz desaparecer o direito por ela tutelado (o que perece é a ação que guarnece o direito). Já na decadência atinge-se o direito propriamente dito e, em via de consequência, a ação (o que perece é o próprio direito).

O critério diferenciador mais aceito na doutrina é o critério denominado científico, baseado na classificação nos direitos subjetivos e nos tipos de ações correspondentes. Assim, são sujeitas à prescrição somente as ações de natureza condenatória, em que se pretende a imposição ao cumprimento de uma prestação, pois a prescrição é a extinção da pretensão â prestação devida. Só as ações de natureza condenatória podem sofrer os efeitos da prescrição, pois são as únicas ações por meio das quais se protegem judicialmente os direitos que irradiam pretensões.

Os direitos potestativos, que são direitos sem pretensões ou direitos sem prestação, insuscetíveis de violação, dão origem a ações de natureza constitutiva ou desconstitutiva. Quando têm prazo fixado em lei, esse prazo é decadencial;

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quando não têm, a ação é imprescritível. As ações de natureza declaratória também são imprescritíveis porque visam apenas à obtenção de uma certeza jurídica.

Hoje, no entanto, predomina o entendimento de que a prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. O direito material violado dá origem à pretensão, que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação.

Por fim, acrescente-se que a prescrição resulta exclusivamente da lei, enquanto que a decadência pode resultar da lei, do contrato ou do testamento.

Disposições legais sobre a prescrição – “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

O art. 191 não admite a renúncia prévia da prescrição, ou seja, antes que a mesma tenha se consumado. Isto porque o referido instituto é de ordem pública e a renúncia tornaria a ação imprescritível por vontade das partes.Assim, a renúncia somente será válida se: 1) já estiver consumada a prescrição e 2) que não prejudique terceiros. Terceiros eventualmente prejudicados são os credores, pois a renúncia à prescrição pode acarretar diminuição do patrimônio do devedor.

Observados esses dois requisitos, a renúncia à prescrição pode ser expressa ou tácita.

Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes (art. 192). Assim, o prazo prescricional não pode ser ampliado, pois importaria renúncia antecipada da prescrição. Em relação à possibilidade de redução, hoje o Código é explícito no art. 192.

Pelo art. 193 observamos que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita e no art. 194 percebemos que o juiz, hoje em dia, deve suprir de ofício a alegação de prescrição.

A prescrição trata, em regra, de direitos patrimoniais, enquanto que a decadência refere-se a direitos não-patrimoniais (pessoais ou de família). Esta pode ser declarada de ofício pelo juiz, a teor do art. 210.

Das causas que impedem ou suspendem a prescrição – o Código agrupou as causas que impedem e as causas que suspendem a prescrição. Assim, se esta ainda não começou a correr, temos a possibilidade de uma causa de impedimento; caso o prazo prescricional já tenha se iniciado, teremos a possibilidade de sua suspensão. No caso de suspensão, somam-se os períodos, ou seja, cessada a causa de suspensão temporária, o lapso prescricional volta a fluir somente pelo tempo restante. Diferente da interrupção em que todo o prazo é contado novamente por inteiro.

A justificativa para a suspensão da prescrição está na consideração legal de que certas pessoas, por sua condição ou pela situação em que se encontram, estão impedidas de agir. Assim, o art. 197 declara:

“Art. 197. Não corre a prescrição:I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a

tutela ou a curatela”.O motivo, nos três casos, é a confiança, a amizade, os laços de afeição que

existem entre as partes.O art. 198, por sua vez, tipifica:“Art. 198. Também não corre a prescrição:I – contra os incapazes de que trata o art 3º;II – contra os ausentes do país em serviço público da União, dos Estados ou

dos Municípios;III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de

guerra”.Aqui, a preocupação é de proteger pessoa que se encontram em situações

especiais que as impede de serem diligentes na defesa de seus interesses.O art. 199, por fim, ainda aduz:

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“Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:I – pendendo condição suspensiva;II – não estando vencido o prazo;III – pendendo ação de evicção”.

Das causas que interrompem a prescrição – a interrupção da prescrição depende, em regra, de um comportamento ativo do credor, diferentemente da suspensão, que decorre de certos fatos previstos em lei.

Assim, qualquer ato de exercício ou proteção ao direito interrompe a prescrição, extinguindo o tempo já decorrido, que volta a correr por inteiro.

O art. 202 expressamente declara que a interrupção somente poderá ocorrer uma vez. Isto porque para que não haja eternidade na interrupção da prescrição (o que redundaria em ações imprescritíveis). Pelo CC/1916, que nada falava sobre o assunto, admitia-se que a interrupção pudesse ocorrer mais de uma vez, desde que não caracterizasse abuso. Hoje em dia, o Código é categórico: A interrupção somente ocorrerá uma única vez.

As causas de interrupção da prescrição estão elencadas no art. 202 e seus incisos.

Nas Disposições Transitórias, o CC/2002 estabeleceu a seguinte regra: “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada” (art. 2.028)

Assim, por exemplo, se quando da entrada em vigor do Código de 2002 já haviam decorrido 12 anos para o ajuizamento de uma ação de reparação de danos, continuará valendo o prazo da lei anterior e ainda faltarão 08 anos para a consumação da prescrição vintenária. Se, contudo, o prazo decorrido era de apenas 08 anos, aplicar-se-á o prazo de 03 anos somente, previsto no art. 206, § 3º, V, do novo diploma, a partir de sua entrada em vigor.

DA DECADÊNCIA – decadência é a perda do direito potestativo, pela inércia de seu titular no período determinado em lei. Seus objetos são os direitos potestativos de qualquer espécie, disponíveis ou indisponíveis, direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas sujeição.

Na decadência, o prazo começa a fluir no momento em que o direito nasce, enquanto que na prescrição, o prazo somente começa a fluir a partir do momento em que o direito é violado.

Assim, na decadência existe a perda de um direito previsto em lei. O legislador estabelece que certo ato terá que ser exercido dentro de um determinado tempo, fora do qual ele não poderá mais efetivar-se porque dele decaiu o seu titular.

Segundo entendimento da Comissão Revisora do Projeto que se transformou no atual Código, a decadência ocorre quando “um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente, dentro do prazo para exercê-lo”. Ora, os direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém (o meu direito de anular um negócio jurídico não pode ser violado pela parte a quem a anulação prejudica, pois esta está apenas sujeita a sofrer as consequências da anulação decretada pelo juiz, não tendo, portanto, dever algum que possa descumprir).

Disposições legais sobre a decadência – com relação à decadência, o Código trata apenas de suas regras gerais. Distingue a decadência legal da convencional, aduzindo que em relação a esta “a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação” (art. 211).

Contudo, o art. 210 afirma categoricamente que o juiz deve de ofício conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.

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No art. 207 antevemos que não haverá, via de regra, suspensão ou interrupção da decadência, salvo disposição em contrário (como é o caso do art. 26 do CDC).

O art. 208 determina que se aplique à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, I, que dizem respeito aos incapazes.

E o art. 209 proclama, por fim, que é nula a renúncia à decadência fixada em lei. A irrenunciabilidade decorre da própria natureza da decadência, pois o fim predominante desta é o interesse geral, sendo que os casos legalmente previstos referem-se sobre questões de ordem pública. Daí a razão de não se admitir que possam as partes afastar a incidência do dispositivo legal.

Contudo, os prazo convencionais de decadência podem ser renunciados, como por exemplo, o prazo estabelecido no pacto de retrovenda em que é possível estabelecer-se que o prazo de decadência do direito de resgate seja de 01 ano a partir da compra e depois renunciar-se a esse prazo, prorrogando-se até o limite máximo de 03 anos.