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(Fonte: Neves, Daniel Assumpção Amorim, Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.) 13. Formação, suspensão e extinção do processo Sumário: 13.1. Formação do processo – 13.1.1. Formação gradual da relação jurídica processual – 13.1.2. Momento da propositura da ação – 13.1.3. Litispendência – 13.2.1. Suspensão do procedimento – 13.2.2. Suspensão própria e imprópria – 13.2.3. Decisão de suspensão do processo – 13.2.4. Impugnabilidade da decisão de suspensão do processo – 13.2.5. Morte ou perda da capacidade processual da parte – 13.2.6. Dissolução de sociedade – 13.2.7. Morte ou perda de capacidade processual do representante legal – 13.2.8. Morte ou perda de capacidade processual do advogado – 13.2.9. Convenção das partes – 13.2.10. Arguição de impedimento ou de suspeição – 13.2.11. Admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas – 13.2.12. Prejudicialidade – 13.2.13. Necessidade de verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada para outro juízo – 13.2.14. Força maior – 13.2.15. Acidentes e fatos da navegação de competência do tribunal marítimo – 13.2.16. Demais casos regulados pelo novo código de processo civil – 13.2.17. Prazo de suspensão – 13.2.18. Vedação à prática de atos processuais durante a suspensão do processo – 13.2.19. Arguição de suspeição e impedimento do juiz – 13.2.20. Verificação da existência de fato delituoso pela justiça criminal – 13.3. Extinção do processo – 13.3.1. Extinção do processo – 13.3.2. Impropriedade do termo “extinção parcial do processo”– 13.3.3. Princípio da cooperação e extinção do processo por sentença terminativa – 13.3.4. Reconhecimento jurídico do pedido. 13.1. Formação do processo 13.1.1. Formação gradual da relação jurídica processual O processo resulta da materialização do direito abstrato de ação, o que se dá pela propositura da ação por meio de protocolo da petição inicial perante o juízo para o qual a peça seja endereçada. Não tenho dúvida de que a partir desse momento já existe uma relação jurídica processual, ainda que apenas linear, formada entre o autor e o juiz. E com isso já existe processo, até porque quando há prolação de sentença liminar, seja para indeferir a petição inicial ou para julgar liminarmente improcedente o pedido do autor, o processo é extinto por essa sentença. Não é preciso muito esforço para compreender que só é possível se extinguir o que exista, de forma que a existência do processo necessariamente deve preceder à sua extinção. O processo, portanto, não precisa da citação para ser formado, não sendo correto o entendimento no sentido de que somente com a citação estar-se-á instaurado o processo. Na realidade o processo não se forma gradualmente, mas sim a relação jurídica processual, que com a citação do réu deixa de ser linear e passa a ser tríplice. 13.1.2. Momento da propositura da ação O art. 263 do CPC/1973 previa que a propositura da ação se dava com a distribuição em foros com mais de uma vara e com o primeiro despacho do juiz em foros de vara única. Essa previsão trazia um sério problema no tocante à interrupção da prescrição, porque se aplicado o dispositivo legal seria possível que o autor provocasse o Poder Judiciário antes do vencimento do prazo prescricional, mas que a distribuição ou o despacho do juiz ocorresse somente depois desse vencimento. Se realmente a propositura da ação dependesse de um ato do juízo – distribuição ou despacho do juiz – seria possível a extravagante hipótese de o autor exercer sua pretensão antes do vencimento do prazo prescricional e ainda assim ter seu processo extinto com fundamento na prescrição. Como tal situação é extremamente injusta, contrariando inclusive a própria razão de ser da prescrição, já que nesse caso a inércia não teria sido do titular do direito, o Superior Tribunal de Justiça ignorava a 1

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(Fonte: Neves, Daniel Assumpção Amorim, Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.)

13. Formação, suspensão e extinção do processo

Sumário: 13.1. Formação do processo – 13.1.1. Formação gradual da relação jurídica processual – 13.1.2. Momento da propositura da ação – 13.1.3. Litispendência – 13.2.1. Suspensão do procedimento – 13.2.2. Suspensão própria e imprópria – 13.2.3. Decisão de suspensão do processo – 13.2.4. Impugnabilidade da decisão de suspensão do processo – 13.2.5. Morte ou perda da capacidade processual da parte – 13.2.6. Dissolução de sociedade – 13.2.7. Morte ou perda de capacidade processual do representante legal – 13.2.8. Morte ou perda de capacidade processual do advogado – 13.2.9. Convenção das partes – 13.2.10. Arguição de impedimento ou de suspeição – 13.2.11. Admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas – 13.2.12. Prejudicialidade – 13.2.13. Necessidade de verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada para outro juízo – 13.2.14. Força maior – 13.2.15. Acidentes e fatos da navegação de competência do tribunal marítimo – 13.2.16. Demais casos regulados pelo novo código de processo civil – 13.2.17. Prazo de suspensão – 13.2.18. Vedação à prática de atos processuais durante a suspensão do processo – 13.2.19. Arguição de suspeição e impedimento do juiz – 13.2.20. Verificação da existência de fato delituoso pela justiça criminal – 13.3. Extinção do processo – 13.3.1. Extinção do processo – 13.3.2. Impropriedade do termo “extinção parcial do processo”– 13.3.3. Princípio da cooperação e extinção do processo por sentença terminativa – 13.3.4. Reconhecimento jurídico do pedido.

13.1. Formação do processo

13.1.1. Formação gradual da relação jurídica processual

O processo resulta da materialização do direito abstrato de ação, o que se dá pela propositura da ação por meio de protocolo da petição inicial perante o juízo para o qual a peça seja endereçada.

Não tenho dúvida de que a partir desse momento já existe uma relação jurídica processual, ainda que apenas linear, formada entre o autor e o juiz. E com isso já existe processo, até porque quando há prolação de sentença liminar, seja para indeferir a petição inicial ou para julgar liminarmente improcedente o pedido do autor, o processo é extinto por essa sentença. Não é preciso muito esforço para compreender que só é possível se extinguir o que exista, de forma que a existência do processo necessariamente deve preceder à sua extinção.

O processo, portanto, não precisa da citação para ser formado, não sendo correto o entendimento no sentido de que somente com a citação estar-se-á instaurado o processo. Na realidade o processo não se forma gradualmente, mas sim a relação jurídica processual, que com a citação do réu deixa de ser linear e passa a ser tríplice.

13.1.2. Momento da propositura da ação

O art. 263 do CPC/1973 previa que a propositura da ação se dava com a distribuição em foros com mais de uma vara e com o primeiro despacho do juiz em foros de vara única. Essa previsão trazia um sério problema no tocante à interrupção da prescrição, porque se aplicado o dispositivo legal seria possível que o autor provocasse o Poder Judiciário antes do vencimento do prazo prescricional, mas que a distribuição ou o despacho do juiz ocorresse somente depois desse vencimento. Se realmente a propositura da ação dependesse de um ato do juízo – distribuição ou despacho do juiz – seria possível a extravagante hipótese de o autor exercer sua pretensão antes do vencimento do prazo prescricional e ainda assim ter seu processo extinto com fundamento na prescrição.

Como tal situação é extremamente injusta, contrariando inclusive a própria razão de ser da prescrição, já que nesse caso a inércia não teria sido do titular do direito, o Superior Tribunal de Justiça ignorava a

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previsão legal para entender que a propositura da ação se dava com o protocolo da petição inicial.

O art. 312 do Novo CPC consagra esse entendimento, e em feliz redação prevê que a ação se considera proposta desde o protocolo da petição inicial. A propositura da ação é ato unilateral do autor, representado pela apresentação da petição inicial em juízo, não dependendo, portanto, de nenhum ato judicial que não o certificado de que a petição inicial foi protocolada. O registro e/ou a distribuição do processo, atos a serem praticados pelo Poder Judiciário, são estranhos ao ato da parte de propor a ação, sendo-lhe sempre posteriores.

13.1.3. Litispendência

O termo “litispendência” é equívoco, podendo significar pendência da causa (que começa a existir quando de sua propositura e se encerra com a sua extinção) ou pressuposto processual negativo verificado na concomitância de processos idênticos (mesma ação). O art. 312 do Novo CPC adotou o primeiro sentido da expressão para prever que, ainda que a propositura da ação se dê com o protocolo da petição inicial, ela só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 do mesmo diploma processual depois que for validamente citado.

Para o autor, há litispendência desde o protocolo de sua petição inicial, enquanto que para o réu a litispendência depende de sua citação válida. Ou ainda, como prefere parcela da doutrina, há litispendência desde a propositura da ação, mas seus efeitos são gerados para o autor a partir desse momento e para o réu somente depois de sua citação.

13.2. Suspensão do processo

13.2.1. Suspensão do procedimento

O processo é projetado para ter seu andamento sem interrupção, de forma que qualquer paralisação em seu trâmite é considerada pela melhor doutrina como crise do procedimento. Sendo a duração razoável do processo um dos princípios processuais consagrados tanto na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII) como no Novo Código de Processo Civil (art. 6º), é natural se compreender que qualquer suspensão do procedimento aumente o tempo de duração do processo, aparentemente conspirando contra tal princípio. Ocorre, entretanto, que em razão de determinadas circunstâncias é preferível a suspensão do que o andamento, sendo tal opção derivada de causas de ordem física, lógica e jurídica.

Diferente do que está previsto no art. 313 do Novo CPC, o dispositivo na realidade não consagra causas de suspensão do processo, até porque o processo nunca é suspenso, mantendo-se íntegro mesmo durante o prazo de suspensão. O que se suspende é o procedimento e não o processo, ou seja, cessa o andamento regular do processo por um determinado período.13.2.2. Suspensão própria e imprópria

A suspensão do processo é tecnicamente a situação em que todo o procedimento cessa durante um determinado período. Ocorre, entretanto, que por vezes, apesar de parcela do procedimento continuar a ter andamento, outra parcela fica suspensa, como ocorre nos julgamentos de incidentes processuais, que suspendem o procedimento principal, mas por fazerem parte do processo, permitem que ele ao menos parcialmente continue a tramitar. Tome-se como exemplo o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). O processo em que foi instaurado será suspenso, mas na realidade o que fica suspenso é o procedimento principal desse processo, porque sendo o incidente parte dele, o processo parcialmente continuará seu trâmite, por meio do incidente processual.

Diante dessas duas realidades distintas, a doutrina costuma falar em suspensão própria e imprópria do processo, ainda que nesse segundo caso não haja propriamente suspensão do processo. Na suspensão própria todo o procedimento cessa seu andamento por um determinado período, enquanto que na

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suspensão imprópria a suspensão atinge apenas parcela do procedimento, enquanto outra parte tramita normalmente.

13.2.3. Decisão de suspensão do processo

É tranquilo o entendimento de que a suspensão depende de uma decisão judicial nesse sentido, havendo, entretanto, divergência doutrinária a respeito do conteúdo de tal decisão. A doutrina majoritária entende tratar-se de decisão meramente declaratória, que se limita a dar a certeza jurídica da presença de uma das causas legais de suspensão do processo. Minoritariamente, há doutrinadores que defendem a natureza constitutiva, já que ela seria capaz de paralisar a atividade processual.

Apesar da divergência doutrinária, há um ponto de aceitação generalizada: a decisão de suspensão do processo tem eficácia ex tunc, ou seja, retroage à data do evento que deu causa à suspensão, devendo-se considerar desde esse momento suspenso o procedimento. É no mesmo sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

13.2.4. Impugnabilidade da decisão de suspensão do processo

Por não estar previsto no rol do art. 1.015 do Novo CPC e nem haver qualquer previsão expressa nesse sentido, a decisão interlocutória de suspensão do processo não é recorrível por agravo de instrumento, salvo se proferida no inventário, cumprimento de sentença, processo de execução e liquidação de sentença (art. 1.015, parágrafo único, Novo CPC).

Teoricamente, a decisão seria impugnável em sede de apelação ou contrarrazões, nos termos do art. 1.009, § 1º, do Novo CPC, mas nesse caso fica evidente a inutilidade da impugnação da decisão somente nesse momento procedimental. Se o processo ficar suspenso indevidamente, e depois disso retomar seu andamento até a prolação da sentença, exatamente qual a utilidade prática de somente na apelação ou contrarrazões se insurgir contra a decisão que determinou a suspensão?

Diante da manifesta inutilidade da forma impugnativa será cabível o mandado de segurança contra essa decisão. Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça admite o mandado de segurança contra ato judicial justamente quando o recurso cabível é incapaz de inverter a sucumbência suportada pela parte.

13.2.5. Morte ou perda da capacidade processual da parte

Falecendo a parte durante o processo e sendo o direito nele discutido intransmissível, o processo será extinto nos termos do art. 485, IX, do Novo CPC. Nos demais casos, a morte da parte será causa de suspensão do processo, nos termos do art. 313, I, do Novo CPC. Essa distinção de tratamento é reconhecida pelo art. 313, § 2º, II, do Novo CPC, que prevê que a intimação do espólio, sucessor ou herdeiro do autor depende de o direito em litígio ser transferível.

Tendo a decisão sobre a suspensão do processo eficácia ex tunc, o processo estará suspenso desde o momento em que a parte faleceu, sendo irrelevante para esse fim o momento em que a informação é levada ao juízo ou o da data da decisão de suspensão.

A suspensão de processo, em virtude de falecimento da parte e cujo objeto seja direito transmissível, deve ser analisada com cuidado, porque depois de sua morte é possível que sejam praticados atos que não dependam de intervenção da parte, sendo, nesse caso, irrelevante se ela está viva ou morta. Nesses casos, não parece adequado afirmar-se que o processo está suspenso e que tais atos não podem ser praticados (art. 314 do Novo CPC). Se os autos estão com o contador judicial, porque ele teria que parar seu trabalho em razão do falecimento da parte? Se os autos estão conclusos para a sentença e ocorre o falecimento da parte, porque o juiz teria que esperar a regularização processual para sentenciar o processo?

Nos arts. 687 a 692 do Novo CPC está prevista a ação de habilitação, que segundo o art. 687 do Novo

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CPC é cabível quando ocorrer o falecimento de uma das partes e os interessados houverem de suceder-lhe no processo. Trata-se de ação incidental de procedimento especial para habilitar a sucessão processual na hipótese de morte da parte.

Nos termos do § 1º do art. 313 do Novo CPC, a propositura dessa ação suspende o processo, sendo exatamente essa a previsão do art. 689 do Novo CPC. Os dois dispositivos têm previsão inadequada porque não é a propositura da ação incidental de habilitação que suspende o processo, que na realidade estará suspenso desde o falecimento da parte.

Caso não seja ajuizada a ação de habilitação, mas o juiz tome de ofício conhecimento da morte da parte, o § 2º do art. 313 do Novo CPC prevê que o juiz determinará a suspensão do processo (na realidade o processo já estará suspenso, sendo a decisão meramente declaratória), e adotará posturas distintas a depender de o falecimento ter ocorrido com sujeito que figure no polo ativo ou passivo da relação jurídica processual.

Falecido o réu, o juiz ordenará a intimação do autor para que promova a citação do respectivo espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, no prazo que designar, de no mínimo 2 e no máximo 6 meses. Descumprida a diligência, estará configurado o abandono do processo, devendo o processo ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, II, do Novo CPC).

Falecido o autor e sendo transmissível o direito em litígio, determinará a intimação de seu espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, pelos meios de divulgação que reputar mais adequados, para que manifestem interesse na sucessão processual e promovam a respectiva habilitação no prazo designado, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, IV, do Novo CPC).

Na hipótese de perda da capacidade processual da parte, a suspensão do processo serve para que ingresse no processo um representante processual, porque nesse caso a parte perde a capacidade de estar em juízo, só podendo atuar no processo por meio de um representante processual. Nesse caso deve se seguir o procedimento previsto no art. 76 do Novo CPC.

13.2.6. Dissolução de sociedade

Há doutrina que equipara a morte da parte à extinção da pessoa jurídica, de forma que havendo a dissolução da sociedade caberia a suspensão do processo, sendo a essa hipótese aplicadas as regras previstas para a morte da parte e de sua sucessão no processo.

Esse entendimento, entretanto, não é pacífico, havendo corrente doutrinária que entende ser inadequada essa equiparação, porque diante da dissolução da sociedade sempre haverá alguém encarregado de representá-la judicialmente, até final liquidação de seus direitos e obrigações. Por outro lado, na maioria dos casos, a extinção da pessoa jurídica decorre de ato voluntário de seus membros, não devendo se dar a eles o poder de suspender o processo pelo simples fato de terem extinguido a pessoa jurídica.

Para essa parcela doutrinária, portanto, a extinção da pessoa jurídica não é causa de suspensão do processo, devendo o procedimento seguir normalmente.

13.2.7. Morte ou perda de capacidade processual do representante legal

Se existe um representante legal no processo é porque falta à parte representada a capacidade de estar em juízo. No caso de morte ou de perda da capacidade processual desse representante processual, a parte volta a não ter capacidade de estar em juízo, cabendo a indicação de um novo representante processual para que se regularize sua situação no processo.

O procedimento para a regularização é aquele previsto no art. 76 do Novo CPC, sendo entendimento tranquilo na doutrina que a hipótese não se aplica aos casos de morte ou perda de capacidade processual

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do “presentante” de pessoa jurídica, porque nesse caso outra pessoa tomará o lugar do “presentante” morto ou que se torna incapaz, sem que haja obstáculos à continuidade do processo. Apenas para exemplificar, morto o prefeito, que “presenta” a Municipalidade em juízo, assume o cargo em seu lugar o vice-prefeito, não havendo razão para a suspensão do processo.

13.2.8. Morte ou perda de capacidade processual do advogado

O art. 313, I, do Novo CPC, prevê como causa de suspensão do processo a morte ou a perda de capacidade processual do patrono da parte. Essa perda da capacidade processual deve ser entendida de forma ampliativa, porque o processo deve ser suspenso não só quando o advogado perde sua capacidade civil (por exemplo, é interditado), mas também quando perde sua capacidade postulatória (por exemplo, quando é suspenso pela Ordem dos Advogados do Brasil).

A suspensão aqui tratada só se justifica se o advogado morto ou que perdeu sua capacidade for o único constituído nos autos, de forma que, havendo mais de um advogado constituído, o processo deve prosseguir normalmente com o outro procurador remanescente. Há, entretanto, situação excepcional quando o advogado foi contratado especificamente para praticar determinado ato processual. Imagine uma oitiva por carta precatória em que o advogado contratado, que tem domicílio profissional no local da audiência, venha a falecer e por essa razão obviamente não comparece à audiência. Ou ainda um advogado contratado para uma sustentação oral que vem a falecer antes da sessão de julgamento. Entendo que nesse caso, mesmo havendo mais de um advogado constituído, o processo deve ser suspenso.

Nos termos do § 3º do art. 313 do Novo CPC, no caso de morte do procurador de qualquer das partes, ainda que iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz determinará que a parte constitua novo mandatário, no prazo de 15 dias. Nos termos do art. 139, VI, do Novo CPC, o juiz poderá dilatar esse prazo diante das particularidades do caso concreto.

Caso não haja a regularização, as consequências variam a depender de a omissão ser conduta adotada pelo autor ou pelo réu. Sem advogado faltará capacidade postulatória ao autor, e sem esse pressuposto processual subjetivo o processo não poderá prosseguir, sendo caso de extinção do processo sem resolução do mérito nos termos do art. 485, IV, do Novo CPC.

Sendo o réu omisso, não tem qualquer sentido a extinção do processo, que favoreceria o réu omisso e prejudicaria o autor que, nem que queira, poderá regularizar a capacidade postulatória do réu. A consequência, portanto, é outra, prevendo o art. 313, § 3º, do Novo CPC que nesse caso o juiz ordenará o prosseguimento do processo à revelia do réu. A previsão deve ser bem compreendida, porque confunde a revelia com seus efeitos.

Caso o falecimento do advogado do réu ocorra depois de já apresentada sua contestação, mesmo que não haja a regularização nos termos do art. 313, § 3º, do Novo CPC, será impossível considerar-se esse réu revel, já que a revelia é um estado de fato gerado pela ausência jurídica da contestação. E apresentada validamente a contestação não será gerado o principal efeito da revelia que é a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Nessa situação, a única consequência será a geração de outro efeito da revelia, a da dispensa da intimação do réu.

13.2.9. Convenção das partes

A suspensão do processo por acordo das partes prevista no art. 313, II, do Novo CPC é apenas uma especificação da cláusula geral dos negócios jurídicos processuais prevista no art. 190 do Novo CPC. Tratando-se de acordo bilateral, está sujeito às exigências formais do art. 190 do Novo CPC, exigindo-se que seja celebrado por partes capazes, em processos em que se admita a autocomposição e que nenhuma das partes esteja em situação de vulnerabilidade.

Não há exigência de motivação do acordo, não sendo dado ao juiz indeferir o pedido formulado pelas

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partes.

Esse acordo específico de suspensão do processo tem uma limitação temporal prevista no art. 313, § 4º, do Novo CPC, não podendo ser superior a 6 meses. O legislador equacionou o interesse das partes com o interesse público na continuidade e encerramento do processo dentro de um prazo razoável. Registre-se que esse prazo não é aplicável à execução quando a motivação da suspensão for o cumprimento da obrigação pelo executado, sendo nesse caso o tempo de suspensão o necessário para tal cumprimento (art. 922 do Novo CPC).

Apesar de entendimento arraigado na doutrina à luz do CPC/1973 de que não caberia suspensão convencional do processo durante o transcurso de prazo peremptório, já replicado em alguns entendimentos à luz do Novo Código de Processo Civil, entendo que esse impedimento não sobreviveu à nossa sistemática dos prazos criada pelo novo diploma legal. A partir do momento em que o art. 139, VI, do Novo CPC permite ao juiz a prorrogação de todo e qualquer prazo, entendo que não existem mais prazos peremptórios, sendo todos dilatórios. Dessa forma, a suspensão convencional será sempre admitida, ainda que pendente o prazo para a prática de ato processual.

Reforçando a natureza meramente declaratória da decisão de suspensão do processo, a doutrina é tranquila em apontar que o processo estará suspenso desde a data em que o acordo for celebrado, sendo irrelevante o momento em que ele é levado ao conhecimento do juízo e por ele homologado. Registre-se corrente doutrinária que entende que, ainda que a suspensão não dependa de decisão, ela só tem início quando o ato processual é praticado pelas partes nos autos do processo.

Há divergência doutrinária a respeito da possibilidade de as partes convencionarem a suspensão do processo quando o ato processual estiver em curso. Para parcela da doutrina, não se admite tal espécie de suspensão durante uma audiência ou de sessão de julgamento pelo tribunal, enquanto outra parcela não vê qualquer impedimento. Prefiro o entendimento contrário, porque pode justamente ser durante o ato processual que surja razão para as partes se motivarem a suspender o processo. Por outro lado, não parece adequado criar restrições ao exercício da vontade das partes quando a própria lei é omissa nesse sentido.

13.2.10. Arguição de impedimento ou de suspeição

O art. 313, III, do Novo CPC prevê como causa de suspensão do processo a arguição de impedimento ou de suspeição, e, ainda que seja omisso o dispositivo nesse sentido, a única arguição de impedimento e suspeição capaz de suspender o processo é a do juiz, não havendo suspensão quando a arguição se dirigir ao membro do Ministério Público (art. 148, § 2º, do Novo CPC) ou a auxiliares da Justiça.

A mera arguição da suspeição ou impedimento do juiz suspende o procedimento principal (suspensão imprópria), mas a continuidade dessa suspensão até o julgamento da arguição depende de decisão a ser proferida pelo relator do incidente no tribunal. Nos termos do art. 146, § 2º, do Novo CPC, o relator poderá receber o incidente sem efeito suspensivo, de forma que o processo retomará o seu andamento, ou com efeito suspensivo, quando a suspensão será prorrogada até o julgamento do incidente.

No tocante aos pedidos de tutela de urgência, serão dirigidos ao substituto legal do juiz acusado de parcial enquanto não for declarado o efeito em que o incidente é recebido ou quando ele for recebido com efeito suspensivo. Se o relator receber o incidente sem efeito suspensivo, o pedido será dirigido ao próprio juiz acusado de suspeito ou impedido.

13.2.11. Admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas

O inciso IV do art. 313 do Novo CPC, além de repetitivo, diz menos do que deveria.

A suspensão do processo em razão da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas já está prevista no art. 982, I, do Novo CPC, que prevê que sendo o incidente admitido pelo relator no tribunal de

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segundo grau caberá a ele suspender os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região de competência do tribunal.

Por outro lado, teria sido mais adequado o dispositivo prever a suspensão na admissão do julgamento de casos repetitivos, já que além da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 982, I, Novo CPC), também no julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos haverá suspensão do processo, nos termos do art. 1.037, II, Novo CPC. De qualquer forma, essa hipótese de suspensão está contemplada no inciso VIII do art. 313 do Novo CPC.

No caso da suspensão em razão da admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas, o art. 980, caput, do Novo CPC prevê o prazo máximo de um ano de suspensão, que poderá ser prorrogado por decisão fundamentada do relator (art. 980, parágrafo único, Novo CPC).

13.2.12. Prejudicialidade

Nos termos do art. 313, V, “a”, do Novo CPC o processo será suspenso quando a sentença depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente. Nesse caso, não se tratando de suspensão obrigatória, ela depende de decisão judicial expressa do juiz no sentido da suspensão do processo.

Nas precisas lições da melhor doutrina, as questões prejudicais são aquelas que, além de constituírem premissas lógicas da sentença, reúnem condições suficientes para ser objeto de ação autônoma. Para se decidir um pedido de resolução contratual, o juiz deve necessariamente decidir se o contrato é válido ou nulo (questão prejudicial). Para se decidir um pedido de condenação a pagamento de alimentos, o juiz deve necessariamente decidir se o réu é ou não o pai do autor (questão prejudicial).

As questões prejudiciais podem ser internas (endógenas) ou externas (exógenas). As primeiras são aquelas que surgem dentro do próprio processo e com a supressão do sistema da ação declaratória incidental não geram suspensão do processo. O próprio art. 313, V, “a”, do Novo CPC, prevê expressamente que a suspensão depende de outro processo pendente.

As questões prejudiciais externas são aquelas que constituem objeto de outros processos, podendo ser homogêneas (objeto de outro processo da jurisdição civil) ou heterogêneas (objeto de outro processo da jurisdição criminal), sendo que o dispositivo ora comentado versa sobre a questão prejudicial externa homogênea. Na Jurisdição civil inclui-se a suspensão de processo em trâmite em diferentes Justiças, como Federal e Estadual.

Por uma questão de lógica, havendo suspensão entre dois processos em razão da prejudicialidade externa, é natural que seja suspenso o processo prejudicado à espera do julgamento do processo prejudicial. Havendo tal espécie de prejudicialidade, suspende-se o processo no qual a relação jurídica controvertida é discutida incidentalmente enquanto o processo no qual a mesma relação jurídica é discutida de forma principal não é decidido.

Para parcela doutrinária é irrelevante a ordem cronológica de propositura da ação prejudicada e da ação prejudicial. Nesse caso, desconsiderando-se a questão temporal, todo e qualquer processo, independentemente do momento de sua propositura, poderá ser suspenso à espera da solução da relação jurídica no processo que a decidirá de forma principal.

A redação do art. 313, IV, “a”, do Novo CPC permite tal conclusão, ao prever que a suspensão depende “de outro processo pendente”, não exigindo que tal processo já esteja pendente quando da propositura da ação prejudicial. Basta, portanto, que o processo prejudicado esteja pendente para que possa ser suspenso pela aplicação do dispositivo legal mencionado.

O Superior Tribunal de Justiça, embora não tenha tratado dessa matéria de forma principal, já permitiu

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incidentalmente que mesmo tendo sido proposta a ação prejudicial quando já em trâmite a causa prejudicada, essa segunda fosse suspensa até o julgamento da primeira. Nesse sentido, determinou a suspensão de um processo de busca e apreensão em razão de processo revisional de contrato, ainda que esse segundo tenha sido proposto depois do primeiro.

Há, entretanto, corrente doutrinária que entende que a suspensão depende de uma determinada ordem temporal de propositura dos processos. Para essa corrente doutrinária, só haverá suspensão se o processo prejudicial já estiver em trâmite quando da propositura do processo prejudicado.

A reunião com fundamento na causa ora analisada tem como fundamento a harmonização dos julgados e a economia processual, mesmos objetivos perseguidos pela reunião de processos perante o mesmo juízo. Diante dessa realidade, a doutrina entende que a suspensão só se justifica se não for possível a reunião dos processos perante o mesmo juízo para julgamento conjunto dos processos.

13.2.13. Necessidade de verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada para outro juízo

O art. 313, V, “b”, do Novo CPC prevê a suspensão do processo quando a prolação de sentença de mérito depender da verificação de determinado fato ou de produção de certa prova requisitada para outro juízo. Até para se distinguir da hipótese prevista no art. 313, V, “a”, do Novo CPC, a suspensão ora analisada não trata de questão prejudicial, mas de questão preliminar ao julgamento de mérito, aqui compreendida como fato ou prova que deve ser verificada ou produzida anteriormente à prolação de decisão de mérito.

A produção de prova requerida a outro juízo se dá por meio da expedição de carta precatória, rogatória ou de ordem. Sempre tive dificuldade de aceitar a literalidade do art. 377 do Novo CPC, que prevê que a suspensão do processo em razão da expedição de carta só ocorre se o pedido de produção de prova for elaborado antes da decisão de saneamento e quando a prova for imprescindível à formação do convencimento do juiz.

Entendo que se a prova foi deferida, independentemente do momento procedimental, ela é imprescindível à formação do convencimento do juiz, porque, do contrário, será caso de indeferimento do pedido nos termos do art. 370, parágrafo único, do Novo CPC. Por tal razão, entendo que, sempre que haja prova pendente de produção por meio de carta de auxílio, o juízo da causa não poderá sentenciar o processo. Trata-se, naturalmente, de suspensão imprópria, porque todos os demais atos, salvo os debates orais (memoriais escritos) e sentença, podem ser normalmente praticados durante o cumprimento da carta.

13.2.14. Força maior

Havendo motivo de força maior o processo será suspenso, nos termos do art. 313, VI, do Novo CPC, entendendo-se como força maior qualquer causa representada por evento insuperável, alheio à vontade dos sujeitos processuais e que os impeça de praticar atos processuais, tais como no caso de epidemia, calamidade pública, inundação, fechamento do fórum por determinação da Defesa Civil, incêndio etc. Há doutrina, inclusive, que inclui na força maior obstáculo oposto pela parte contrária e até mesmo a superveniência de férias coletivas.

O processo deve ser considerado suspenso desde o momento em que ocorreu a força maior que motiva sua suspensão, sendo irrelevante para fins de fixação do termo inicial da suspensão o momento em que o juiz toma conhecimento da força maior ou em que profere a decisão de suspensão do processo. A suspensão fica condicionada à manutenção da força maior, de forma que encerrado o evento inevitável e irresistível que deu causa à suspensão o procedimento retoma seu andamento regular.

13.2.15. Acidentes e fatos da navegação de competência do tribunal marítimo

Será suspenso o processo, nos termos do art. 313, VII, do Novo CPC, quando se discutir em juízo questão

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decorrente de acidentes e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo. Não parece adequada a interpretação literal da norma, porque se assim for o processo judicial deverá ser suspenso pelo simples fato de versar sobre acidentes e fatos da navegação, independentemente de já existir processo instaurado perante o Tribunal Marítimo. A única interpretação possível é a de que, já estando em trâmite processo perante esse tribunal administrativo, e sendo a questão lá discutida repetida no processo judicial, caberá a suspensão do processo judicial.

O Tribunal Marítimo é vinculado ao Ministério da Marinha, não integrando, portanto, o Poder Judiciário. Segundo o art. 18 da Lei 2.180/1954, as decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certos, sendo, porém, suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre o tema, teve a oportunidade de decidir que as conclusões estabelecidas pelo Tribunal Marítimo são suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário, ainda que a decisão proferida pelo órgão administrativo, no que se refere à matéria técnica sobre acidentes e fatos da navegação, tenha valor probatório.

Essa força probatória das decisões proferidas pelo Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação, no processo judicial, recomendam a suspensão do processo enquanto não proferida tal decisão, ainda que a independência da instância judiciária da marítima tenha levado parcela da doutrina a criticar essa causa de suspensão.

13.2.16. Demais casos regulados pelo novo código de processo civil

O inciso VIII do art. 313 do Novo CPC torna o rol de causas para a suspensão do processo previsto no dispositivo meramente exemplificativo ao prever que também será suspenso o processo em outros casos regulados pelo Novo Código de Processo Civil.

Pode ser mencionada como exemplo a suspensão em razão da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 3º, do Novo CPC); em razão da impugnação ao cumprimento de sentença ou embargos à execução (arts. 525, § 5º, e 919, § 1º, do Novo CPC); em razão da oposição (art. 685, parágrafo único, do Novo CPC); em razão da não localização de bens na execução de pagar quantia certa (art. 921, III, do Novo CPC); em razão de prazo concedido pelo exequente para que o executado cumpra sua obrigação (art. 922 do Novo CPC); em razão de julgamento de recurso especial e extraordinário repetitivos (art. 1.037, II, do Novo CPC).

13.2.17. Prazo de suspensão

O § 4º do art. 313 do Novo CPC prevê que no caso de suspensão convencionada pelas partes o prazo máximo de suspensão é de 6 meses, e nos casos previstos no inciso V, o prazo máximo é de um ano. O dispositivo faz claramente uma opção pela celeridade processual em detrimento da segurança jurídica, preferindo correr o risco da prolação de decisões contraditórias a postergar indefinidamente o andamento do processo.

Dessa forma, a suspensão seria no máximo pelo prazo de um ano, devendo o processo prejudicado retomar seu andamento mesmo sem a solução do processo prejudicial. O Superior Tribunal de Justiça tem decisões recentes adotando a interpretação literal do art. 313, § 4º, do Novo CPC, limitando o período de suspensão ao tempo previsto no dispositivo legal.

O tema, entretanto, não está pacificado, mesmo no Superior Tribunal de Justiça, que também já se manifestou recentemente admitindo estender a suspensão do processo por período superior a um ano, por meio da renovação desse prazo por um novo período de um ano334 ou determinando que a suspensão dure até o trânsito em julgado do processo prejudicial.

Parece razoável o entendimento, levando-se em conta que a reconhecida morosidade do processo não é compatível com o exíguo prazo de um ano de suspensão do processo.

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13.2.18. Vedação à prática de atos processuais durante a suspensão do processo

O art. 314 do Novo CPC é suficientemente claro ao prever a vedação à prática de qualquer ato processual durante o período de suspensão do processo, com exceção dos atos urgentes a fim de evitar dano irreparável. Dessa forma, não resta dúvida de que o ato não urgente praticado durante a suspensão do processo é viciado, já que praticado em desconformidade com a regra legal. Situar esse ato viciado no plano da existência, validade ou eficácia é matéria que sempre dividiu a doutrina.

Para determinada corrente doutrinária, o ato praticado durante o período de suspensão do processo é juridicamente inexistente em razão da inexistência do pressuposto da pendência da causa. Para outra corrente doutrinária o ato existe, mas é inválido. Por fim, há os que entendem tratar-se de ato ineficaz.

O Superior Tribunal de Justiça entende que os atos não urgentes praticados durante a suspensão do processo são nulos, aplicando o princípio da instrumentalidade das formas, de modo que a nulidade só será reconhecida se restar comprovado o prejuízo.

13.2.19. Arguição de suspeição e impedimento do juiz

Sendo arguida a suspeição ou impedimento do juiz o procedimento principal será suspenso – suspensão imprópria – nos termos do art. 313, III, do Novo CPC. Essa suspensão poderá ser prorrogada pelo relator do incidente até o seu julgamento. Nesse caso, o art. 314 do Novo CPC veda ao juiz proferir qualquer decisão, inclusive os atos urgentes necessários para evitar dano irreparável. Trata-se de medida de salvaguarda das partes diante de um juiz que, potencialmente parcial, poderá por meio de decisão sobre tutela de urgência gerar indevidamente sério sacrifício a uma das partes.

Havendo a necessidade de prática de ato urgente, a parte que dela necessita não ficará sem respaldo jurisdicional, cabendo ao substituto legal do juiz acusado de parcial a prática de tal espécie de ato, ainda que o procedimento principal esteja suspenso (art. 146, § 3º, do Novo CPC).

Registre-se que, não sendo o incidente recebido no efeito suspensivo pelo relator, o processo não estará suspenso, de forma que qualquer ato, urgente ou não, será praticado normalmente pelo juiz acusado de suspeição ou de impedimento.

13.2.20. Verificação da existência de fato delituoso pela justiça criminal

O art. 315 do Novo CPC regulamenta a chamada “prejudicialidade externa” entre a ação civil e a ação criminal, facultando-se ao juiz da ação civil sua suspensão até que se resolva o processo penal. O que importa para o sobrestamento da ação civil é a existência de questões que serão resolvidas na motivação da sentença penal (por exemplo, materialidade e autoria do crime, presença de excludentes de ilicitude) e que poderão influenciar a formação do convencimento do juiz na esfera cível. A depender da classificação, a prejudicialidade ora analisada será heterogênea (jurisdicional ou perfeita), porque envolve ações de competência de diferentes seções especializadas do Poder Judiciário.

Existe divergência doutrinária a respeito da obrigatoriedade ou facultatividade dessa suspensão. Enquanto doutrinadores entendem ser uma faculdade do juiz cível, outros defendem a obrigatoriedade sempre que presentes as hipóteses de vinculação do juízo civil à sentença penal. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que nos casos em que possa ser comprovado, na esfera criminal, a inexistência de materialidade ou da autoria do crime, tornando impossível a pretensão ressarcitória cível, será obrigatória a paralisação da ação civil.

De qualquer forma, tendo sido suspenso o processo na esfera cível, as partes serão intimadas dessa decisão, contando-se a partir do primeiro dia útil subsequente um prazo de 3 meses para a propositura da ação penal, sem o que cessará a suspensão, cabendo ao juiz cível examinar incidentalmente a questão prévia.

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Diante da omissão do art. 110 do CPC/1973, criou-se notável divergência doutrinária a respeito do tempo de duração do sobrestamento: para uns, o juiz cível, diante de demora irrazoável de definição na esfera penal, poderia cessar o sobrestamento, enquanto para outros, o sobrestamento deveria durar até o trânsito em julgado da ação penal. A divergência foi resolvida pelo § 2º do art. 315 do Novo CPC ao prever que o prazo máximo de suspensão nesse caso é de um ano, a exemplo do que ocorre com a prejudicialidade externa com outro processo na esfera cível (art. 313, § 4º, do Novo CPC).

13.3. Extinção do processo

13.3.1. Extinção do processo

Nos termos do art. 316 do Novo CPC, a extinção do processo dar-se-á por meio de sentença. Na realidade, o dispositivo desconsiderou os processos de competência originária dos tribunais, que serão extintos por decisão monocrática do relator ou por acórdão. Sentença, afinal, é ato processual privativo do primeiro grau, e nem todo processo é competência do primeiro grau.

Superado esse equívoco, é preciso dizer que o dispositivo está correto, não existindo outra forma de se extinguir o processo que não por meio de sentença, mas também é preciso dizer que nem toda sentença extingue o processo, já que naquelas que dependem de atos subsequentes para a satisfação do direito nelas reconhecidos (condenatória, executiva e mandamental), a sentença não extingue o processo, mas apenas a fase procedimental de conhecimento.

13.3.2. Impropriedade do termo “extinção parcial do processo”

Apesar de rotineiramente utilizada na praxe forense, a expressão “extinção parcial do processo” é inadequada, tratando um conceito jurídico absoluto de forma equivocada. Falar em extinção parcial do processo é o mesmo que afirmar que uma mulher pode estar meio grávida ou que um funcionário público é meio honesto. A mulher está ou não grávida, o funcionário público é ou não honesto, o processo é ou não extinto.

O que pode ocorrer é a diminuição objetiva ou subjetiva do processo, como ocorre, por exemplo, na exclusão de pedido para o qual o juízo é absolutamente incompetente e na exclusão de litisconsorte do processo por ilegitimidade de parte. Nesse caso, o processo é diminuído em termos objetivos ou subjetivos, e justamente por isso as decisões são interlocutórias e não sentenças. Se realmente houvesse extinção parcial do processo, teríamos que admitir sentenças também parciais, o que é refutado pelo Novo Código de Processo Civil.

A distinção entre diminuição objetiva ou subjetiva de demanda e a incorreta expressão “extinção parcial do processo” é importante porque evita qualquer dúvida a respeito da natureza da decisão e, por consequência, quanto ao recurso cabível.

13.3.3. Princípio da cooperação e extinção do processo por sentença terminativa

O processo (ou fase) de conhecimento foi projetado pelo legislador para resultar em um julgamento de mérito. Por essa razão, essa espécie de julgamento é considerada o fim normal dessa espécie de processo ou fase procedimental. Naturalmente nem sempre isso é possível no caso concreto, devendo o sistema conviver com o fim anômalo do processo ou fase de conhecimento, que se dá por meio da sentença terminativa (art. 485 do Novo CPC). Esse fim anômalo, portanto, deve ser evitado sempre que possível.

Por outro lado, o princípio da cooperação consagrado no art. 6º do Novo CPC cria um dever de prevenção ao juiz, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material.

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Na conjugação do interesse no julgamento do mérito e no princípio da cooperação é criado o art. 317 do Novo CPC, ao prever que antes de proferir sentença terminativa cabe ao juiz conceder à parte oportunidade, sempre que possível, de corrigir o vício. Como se pode notar da própria leitura do dispositivo, sendo o vício insanável, de nada adiantará dar oportunidade ao autor para saneá-lo, sendo nesse caso necessária, embora não desejada, a prolação da sentença terminativa (art. 485 do Novo CPC).

13.3.4. Reconhecimento jurídico do pedido

Essa espécie de resposta do réu é bastante rara na praxe forense, consubstanciando-se na expressa declaração do réu de concordância com a pretensão do autor. É ato de total disposição de direito, pelo qual o réu concorda tanto com os aspectos fáticos como com os aspectos jurídicos narrados pelo autor em sua petição inicial. A consequência de um reconhecimento jurídico do pedido é a extinção do processo por meio de sentença homologatória de mérito (art. 487, III, “a”, do Novo CPC), desde que abranja toda a pretensão do autor ou, ainda, o julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do Novo CPC).

Não se confunda confissão com reconhecimento jurídico do pedido, porque a confissão atinge somente os fatos que em regra serão dados como verdadeiros pelo juiz; ainda que a confissão não seja prova plena, é comum que baste para a formação do convencimento do juiz. Mesmo convencido dos fatos, a aplicação do direito poderá ser contrária ao favorecido pela confissão, sendo incorreto imaginar que a confissão é apta, por si só, a produzir a vitória da parte beneficiada por ela. Por outro lado, o reconhecimento jurídico do pedido abrange tanto as questões de fato quanto as questões de direito, em integral submissão do réu à pretensão do autor. Nesse caso, independentemente de qualquer outra análise, o juiz homologa a manifestação de vontade do réu, sendo certa a vitória do autor.

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(Fonte: Neves, Daniel Assumpção Amorim, Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.)

15. PETIÇÃO INICIAL

Sumário: 15.1. Introdução – 15.2. Requisitos estruturais da petição inicial – 15.2.1. Juízo singular ou colegiado a que é dirigida a petição inicial – 15.2.2 Indicação das partes e sua qualificação – 15.2.3. Os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido – 15.2.4. Pedido – 15.2.5. Valor da causa – 15.2.6. Provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados – 15.2.7. Opção do autor quanto à realização da audiência de conciliação ou de mediação – 15.3. Documentos indispensáveis à propositura da demanda.

15.1. Introdução

O princípio da inércia da jurisdição impede que o juiz inicie um processo de ofício, devendo aguardar a manifestação da parte interessada, sendo extremamente excepcional a exceção a essa regra, conforme analisado no Capítulo 1, item 1.4.3. A forma de materializar o interesse em buscar a tutela jurisdicional é a petição inicial, conceituada pela melhor doutrina como peça escrita no vernáculo e assinada por patrono devidamente constituído em que o autor formula demanda que virá a ser apreciada pelo juiz, na busca de um provimento final que lhe conceda a tutela jurisdicional pretendida.

A petição inicial tem duas funções: uma de provocar a instauração do processo e outra de identificar a demanda, decorrência natural da necessidade de menção às partes, causa de pedir e pedido. Essa segunda característica da petição inicial – indicar os elementos da ação – gera alguns interessantes efeitos processuais:

a) permite a aplicação do princípio da congruência, indicando os limites objetivos e subjetivos da sentença;

b) permite a verificação de eventual litispendência, coisa julgada ou conexão, quando comparada com outras ações;

c) fornece elementos para a fixação da competência;

d) indica desde logo ao juiz a eventual ausência de alguma das condições da ação;

e) pode vir a influenciar na determinação do procedimento.

Por tratar-se de peça que inicia o processo, permitindo o seguimento do procedimento mediante a citação do réu, e gerando todos os efeitos referidos, a lei processual exige que tal peça preencha alguns requisitos formais, o que torna a petição inicial um ato processual solene. A ausência de quaisquer deles pode gerar uma nulidade sanável ou insanável, sendo na primeira hipótese caso de emenda da petição inicial e, na segunda, de indeferimento liminar de tal peça.

15.2. Requisitos estruturais da petição inicial

O artigo legal que primordialmente trata dos requisitos estruturais da petição inicial é o art. 319 do Novo CPC. Além desse dispositivo legal, também o art. 106, I, do Novo CPC indica outro requisito estrutural essencial para a regularidade da petição inicial: o endereço do patrono que a subscreve. Nesse tocante, cumpre esclarecer que a indicação do endereço em papel timbrado, nota de rodapé, ou na procuração, cumpre perfeitamente a exigência formal. Nas excepcionais hipóteses de dispensa do advogado esse requisito não será exigido.

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15.2.1. Juízo singular ou colegiado a que é dirigida a petição inicial

O primeiro requisito previsto pelo art. 319 do Novo CPC, e que constará no topo da primeira página da petição inicial, é o juízo a que esta é dirigida. Sendo a primeira peça do processo, necessária é a indicação do juízo que a receberá nesse primeiro momento procedimental. A indicação do destinatário da petição – reconhecendo-se tanto a ação originária de primeiro grau como a de competência originária de Tribunal – é necessária para a remessa da petição inicial e formação dos autos perante o órgão pretensamente competente para o conhecimento da demanda.

Há melhora na redação do dispositivo quando comparado com o inciso I do art. 282 do CPC/1973, que previa o endereçamento para “juiz ou tribunal”. Como a indicação jamais será pessoal, mesmo quando a petição inicial for “distribuída por dependência”, ou ainda em comarcas de vara única com somente um juiz, exigindo-se a indicação do juízo, e não do juiz (consequência do caráter impessoal do Poder Judiciário), a nova redação deve ser elogiada.

Ainda que seja possível identificar o juiz que receberá a demanda, não será ele indicado no endereçamento, e sim o juízo que representa. Mesmo sabendo-se que será exatamente aquele juiz específico que receberá a petição inicial distribuída por dependência, não é correta a indicação pessoal do juiz. Apesar de incorreto do ponto de vista técnico, a indicação pessoal do juiz nos casos em que isso for possível – distribuição por dependência e comarcas com apenas um juiz – desde que acompanhada pela indicação do juízo, gera mera irregularidade, não produzindo efeitos significativos no processo.

15.2.2. Indicação das partes e sua qualificação

Deve constar da petição inicial a qualificação das partes, com indicação de nome completo, estado civil, profissão, domicílio e residência, o número do cadastro de pessoas físicas ou do cadastro nacional de pessoas jurídicas, o endereço eletrônico e a existência de união estável. Tais elementos identificadores se prestam a duas funções principais: permitir a citação do réu e a individuação dos sujeitos processuais parciais, o que se mostrará importante para distingui-los de outros sujeitos e fixar com precisão os limites subjetivos da demanda e da futura e eventual coisa julgada material.

Diante das razões justificadoras para a indicação de tais dados, o que importa na análise do preenchimento do requisito é se a irregularidade ou mesmo a ausência de algum deles gera alguma espécie de prejuízo ao réu ou ao processo. Sem a comprovação de efetivo prejuízo, não haverá nulidade, aplicando-se ao caso o princípio da instrumentalidade das formas. A indevida troca de um nome por outro é mera irregularidade, podendo ser corrigida a qualquer tempo, se o verdadeiro réu recebe a citação e contesta regularmente a demanda. O mesmo ocorre com os dados pessoais do réu, que nem sempre serão de amplo conhecimento do autor.

A indicação do estado civil das partes é importante em razão de normas processuais que exigem a presença de ambos os cônjuges em determinadas ações (art. 73, §§ 1.º e 2.º, do Novo CPC – ações reais imobiliárias), ou ainda o consentimento do cônjuge não litigante. Esse pressuposto processual poderá ser analisado à luz da petição inicial quando houver a exata indicação do estado civil das partes.

A indicação do endereço eletrônico suscita algumas questões: (i) nem todos os litigantes têm endereço eletrônico; (ii) haverá real dificuldade do autor em saber o endereço eletrônico do réu; (iii) caso o autor omita essa informação, como o juiz saberá se ele tem ou não endereço eletrônico?

Também a indicação de existência de união estável suscitará dúvidas, em especial quando a união estável não estiver reconhecida por contrato registrado ou sentença judicial. Nesse caso, é natural imaginar que o autor não tenha como indicar a existência de união estável do réu. Por outro lado, a mera indicação do autor de que mantém uma união estável já será o suficiente para assim ser considerado pelo juiz? Acredito que nesse caso o companheiro (a) deve concordar expressamente nos autos com tal estado civil, porque, havendo divergência, não parece ser legítimo criar um incidente processual para essa discussão apenas

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para legitimar a indicação feita à luz do art. 319, II, do Novo CPC. Afinal, o dispositivo se limita a exigir a indicação, não impondo a efetiva existência da união estável indicada na petição inicial.

Em algumas situações o autor não terá acesso às informações exigidas pela lei, mas pode contribuir com outras, ao menos para permitir a citação do réu. Pode-se imaginar a indicação de locais onde a pessoa possa ser encontrada, como o local em que comumente desfruta seus momentos de lazer (bar, restaurante, clube social, parques etc.) ou ainda em que exerça função ou profissão (escritório, consultório, empresa etc.). Outra circunstância possível é a indicação do apelido do réu, ou seja, a forma como ele é conhecido na sociedade à qual pertence (p. ex., “camarão”, “alemão”, “bigode” etc.), o que poderá auxiliar o oficial de justiça a localizá-lo.

Conforme já indicado, o trabalho do patrono do autor nem sempre é fácil na indicação dos requisitos previstos pelo art. 319, II, do Novo CPC, considerando-se que nem sempre saberá com exatidão todos os dados do réu demandados pela lei. A indicação de informações não previstas em lei pode ser de extrema utilidade, ao menos para permitir que a citação seja realizada, restando ao próprio réu, em sua contestação ou qualquer outra espécie de resposta, regularizar sua qualificação, com a indicação de dados que faltaram à petição inicial por desconhecimento do autor.

Nos parágrafos do art. 319 do Novo CPC, o legislador demonstrou sua preocupação com a dificuldade do autor em qualificar o réu. Nos termos do § 1.º, o autor poderá requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção das informações exigidas pela lei. No § 2.º há previsão no sentido de não ser caso de indeferimento da petição inicial a ausência de dados do réu, desde que seja possível sua citação, ficando assim consagrado o entendimento doutrinário já exposto. Finalmente, o § 3.º prevê que a petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II do art. 319, se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça. O dispositivo é feito sob medida para hipótese de réus incertos, como nas ações possessórias movidas contra multidão de pessoas responsáveis pela agressão à posse.

Mesmo sob a égide do CPC/1973 já se considerava como exceção à regra prevista pelo inciso ora em comento a existência de litisconsórcio passivo multitudinário, que exige do autor a colocação no polo passivo da demanda de número considerável de pessoas (uma verdadeira multidão). E o clássico exemplo sempre foi o das ações possessórias decorrentes de esbulho por grupos de pessoas. Nessas situações, sem conseguir responsabilizar o “órgão” ou “entidade” à qual pertencem os invasores – já que esses maliciosamente evitam se constituir em pessoas jurídicas – seria nítida ofensa ao princípio do acesso à justiça exigir do autor a perfeita identificação e qualificação de cada um dos réus, ou ainda a indicação de suas profissões e residências. A solução é permitir a indicação de algumas pessoas que o autor consiga identificar ou ainda do líder do movimento, se identificável, em nítida mitigação do dispositivo legal.

O Novo Código de Processo Civil trata da ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas nos §§ 1º e 2º do art. 554, mas curiosamente não regulamenta a flexibilização da qualificação dos réus nesse caso, preocupando-se apenas com a forma pela qual a citação deve ser realizada. Conforme analisado no Capítulo 28, item 28.8.3., será feita a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, sendo que, para fim da citação pessoal, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez e os que não forem identificados serão citados por edital.

Por fim, ainda que se reconheça a existência de dificuldades na indicação de todos os dados exigidos pela lei quanto ao réu, o mesmo não ocorre relativamente ao autor, dado que este é o sujeito responsável pela contratação do patrono que elabora a petição inicial. Somente um desconhecimento considerável da lei ou a má-fé em omitir determinado dado podem explicar uma qualificação deficitária do autor, não se devendo admitir que a demanda prossiga com tal irregularidade. Será caso de emenda da petição inicial em 15 dias (art. 321 do Novo CPC), seguida de indeferimento (art. 330, IV, do Novo CPC) se o vício não for sanado.

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15.2.3. Os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido

Apesar de o art. 319, III, do Novo CPC indicar como requisito da petição inicial “o fato” no singular, e os “fundamentos jurídicos do pedido” no plural, é pacífico o entendimento que a petição inicial pode perfeitamente ter um ou mais fatos e um ou mais fundamentos jurídicos. Trata-se da apresentação fática – causa de pedir próxima – e das consequências jurídicas que o autor pretende que tais fatos tenham no caso concreto – causa de pedir remota. Considerando que dos fatos nasce o direito, cumpre ao autor narrá-los e demonstrar a razão jurídica para que, em decorrência desses fatos, seja merecedor da tutela jurisdicional pretendida. A causa de pedir é tema tratado no Capítulo 2, item 2.3.4.

Registre-se que a exigência da narrativa dos fatos constitutivos do direito do autor já em sua petição inicial se limita aos fatos jurídicos, também chamados de fatos principais. Ainda que seja recomendável a narrativa também dos fatos simples, também chamados de fatos secundários, estes não fazem parte da causa de pedir, de forma que podem ser levados ao processo depois do momento inicial de propositura da demanda.

15.2.4. Pedido

O Poder Judiciário não pode servir como mero órgão consultivo, devendo sempre ser chamado à atuação para entregar ao autor o que este pretender receber. Dessa forma, é requisito essencial da petição inicial a indicação de sua pretensão jurisdicional. O pedido pode ser analisado sob a ótica processual, conhecido como pedido imediato, representando a providência jurisdicional pretendida – condenação, constituição, mera declaração – e sob a ótica material, conhecido como pedido mediato, representado pelo bem da vida perseguido, ou seja, o resultado prático (vantagem no mundo prático) que o autor pretende obter com a demanda judicial.

Enquanto o autor pode pleitear diversas tutelas jurisdicionais diferentes e incalculáveis bens da vida, o réu, ao contestar a pretensão do autor, fará sempre o mesmo pedido: sentença de improcedência (sentença declaratória da inexistência do direito material alegado pelo autor). Em razão dessa circunstância se justifica que a sentença – desde que de improcedência e em demanda que não seja declaratória – possa ser de natureza diversa da natureza da demanda, fixada pelo pedido imediato do autor.

As considerações sobre as características do pedido são realizadas no Capítulo 2, item 2.3.3.

15.2.5. Valor da causa

O art. 291 do Novo CPC estabelece que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível”. Desse modo, ainda que o bem material objeto da pretensão do autor não tenha um valor economicamente aferível, é necessária a indicação de valor à causa, ainda que seja calculado de forma meramente estimativa.

A exigência de atribuição ao valor da causa decorre de diversos reflexos que esse requisito gera sobre o processo:

a) determinação de competência do juízo segundo as leis de organização judiciária, como a fixação de competência dos “Foros Regionais”;

b) definição do rito procedimental (comum e sumaríssimo);

c) recolhimento das taxas judiciárias;

d) fixação do valor para fins de aplicação de multas, no caso de deslealdade ou má-fé processual, que sempre leva em conta o valor da causa, seja para fixá-las em percentual desse valor, seja para desprezá-las quando o valor da causa for irrisório ou inestimável;

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e) fixação do depósito prévio na ação rescisória no valor correspondente a 5% do valor da causa (do processo originário – art. 968, II, do Novo CPC);

f) nos inventários e partilhas o valor da causa influi sobre a adoção do rito de arrolamento.

É um erro, até certo ponto comum, afirmar-se que uma das razões para que toda causa tenha um valor é a condenação em honorários advocatícios. Tal afirmação é incorreta porque o sistema processual disponibiliza outros critérios além do valor da causa para tal fixação, de forma que, mesmo que a causa não tivesse valor não haveria impedimento ao juiz para a fixação dos honorários advocatícios valendo-se desses outros critérios, devidamente analisados no Capítulo 5, item 5.5.

A lei pode expressamente prever uma regra específica a respeito do valor da causa de determinadas ações judiciais, sendo nesse caso afirmado que existe um critério legal ao valor da causa. O art. 292 do Novo CPC indica as regras específicas para o cálculo do valor da causa.

No inciso I está previsto o valor da causa nas ações de cobrança de dívida: a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data da propositura da ação. Apesar de o dispositivo prever os juros de mora, havendo no caso concreto juros compensatórios são esses que devem ser considerados para o cálculo do valor da causa.

Quando o litígio tiver por objeto a existência, validade, cumprimento, modificação, resolução, resilição ou rescisão de ato jurídico, o inciso II do dispositivo ora comentado prevê que o valor da causa será o valor do ato ou o de sua parte controvertida. A possibilidade de valor da causa em quantia inferior ao valor do ato, quando o objeto da demanda não corresponder à sua integralidade, é novidade do Novo Código de Processo Civil que vem ao encontro da jurisprudência formada sob a égide do CPC/1973, mesmo sem previsão expressa nesse sentido.

O inciso III mantém a regra de ser o valor da causa na ação de alimentos a soma de doze prestações mensais pedidas pelo autor.

Na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor da causa será o valor de avaliação da área ou bem objeto do pedido, substituindo-se, assim, a estimativa oficial para lançamento do imposto como critério para a fixação do valor da causa, como previsto no inciso VII do art. 259 do CPC/1973.

O novo diploma processual nesse caso buscou prestigiar um valor mais próximo do real, mas criou uma dificuldade ao autor porque sugere que caberá a ele a contratação de um perito para elaboração de avaliação sobre o valor do imóvel ou bem. Essa exigência, entretanto, contraria o princípio da economia processual porque o laudo, elaborado unilateralmente, violará o contraditório e se prestará tão somente para a fixação do valor da causa. Não tem sentido exigir que o autor dispenda dinheiro e tempo com uma avaliação tão somente para fixação do valor da causa, de forma que a iniciativa do legislador, apesar de nobre, cria uma nova espécie de pedido genérico e valor da causa a ser fixado a gosto do autor, devendo ser corrigida quando for realizada a avaliação judicial.

Há um ponto importante nesse tocante. Em razão do disposto no § 1º, II do art. 330 do Novo CPC, é inepta a petição inicial quando formulado pedido genérico quando a lei exigir o pedido determinado. Trata-se, à evidência, de um exagero formal que contraria o espírito no novel diploma legal, transformando inexplicavelmente um vício manifestamente sanável em insanável. De qualquer forma, será um grande risco a parte nas ações de divisão, demarcação e reivindicação elaborar o pedido genérico diante da exigência do inciso IV do art. 292 do Novo CPC.

Em termos de novidades quanto ao tema ora analisado, parece não haver dúvida de que a principal está contida no inciso V do art. 292 do Novo CPC. Nas ações indenizatórias, inclusive as fundadas em dano moral, o valor da causa deve ser o valor pretendido. Ao tornar o pedido de dano moral em espécie de

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pedido determinado, exigindo-se do autor a indicação do valor pretendido, o dispositivo contraria posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça de admitir nesses casos o pedido genérico, ainda que exista corrente doutrinária que defenda que o pedido de dano moral pode continuar a ser genérico.

Quanto à cumulação de pedidos, o inciso VI do art. 292 do Novo CPC prevê que cabe ao autor somar o valor de todos os pedidos para se chegar ao valor da causa. A regra, entretanto, só se aplica as duas espécies de cumulação própria de pedidos (simples e sucessiva), já que nessas cumulações o autor pode receber todos os pedidos que elabora, sendo lógico que o valor da causa represente todo o benefício econômico alcançável pelo autor.

Por outro lado, na cumulação imprópria, em que o autor só pode receber um dos pedidos que formula, não teria sentido aplicar a regra geral. Assim, sendo alternativos os pedidos, prevê o inciso VII do artigo ora analisado que o valor da causa será o do pedido de maior valor e o inciso VIII prevê que na cumulação subsidiária o valor da causa será o valor do pedido principal.

Não sendo hipótese de aplicação do critério legal caberá ao autor descobrir o valor referente à vantagem econômica que se busca com a demanda judicial. Basta verificar o valor econômico do bem da vida material perseguido e indicá-lo como valor da causa. Não tendo o bem da vida valor econômico ou sendo esse valor inestimável, caberá ao autor dar qualquer valor à causa, sendo nesse caso comum a utilização na praxe forense da expressão “meramente para fins fiscais”, seja lá o que isso realmente signifique.

Registre-se que, havendo cumulação de pedidos, sempre que o valor da causa para um deles for regido pelo critério legal ou tiver valor economicamente aferível e para o outro for causa de valor da causa meramente estimativo, o valor da causa da ação será tão somente o do primeiro pedido. A indicação de qualquer valor à causa só se justifica quando não há alternativa para o autor, o que não será o caso na situação exposta.

Edison ingressa com ação judicial pleiteando a condenação de Jussara ao pagamento de danos morais e matérias. Com relação aos danos morais, Edison faz pedido genérico, deixando ao juízo o arbitramento do valor, e com relação aos danos materiais Edison faz pedido determinado para reparação de seu prejuízo, que entende ter sido de R$ 5.000,00. O valor da causa será de R$ 5.000,00, não sendo preciso se somar a esse valor algum outro, meramente estimativo, somente para deixar claro que também se está pedindo condenação de Jussara ao pagamento de danos morais.

15.2.6. Provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados

Caso os operadores do direito levassem mais a sério a regra prevista no art. 319, VI, do Novo CPC, que se limita a repetir o mesmo inciso do art. 282 do CPC/1973, as petições iniciais viriam, a exemplo do que ocorria no extinto procedimento sumário, com a devida especificação de provas (assim, por exemplo, o autor já indicaria quais as testemunhas que pretende ouvir ou ainda os quesitos de perícia requerida). Acontece, entretanto, que atualmente o dispositivo legal não encontra tal aplicação, bastando ao autor a indicação genérica de todos os meios de prova em direito admitidos, para que o requisito seja considerado preenchido. E nada indica que tal entendimento será modificado diante do Novo Código de Processo Civil.

Tal prática, já arraigada em nossa praxe forense, enseja ao juiz, na fase de saneamento do processo, a prolação de despacho para que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir, indicando e justificando os meios de prova requeridos. É medida tomada pelos juízes justamente em decorrência da generalidade do protesto realizado na petição inicial, sendo bastante improvável – para não dizer impossível – que a parte no momento em que é instada a especificar provas requeira todos os meios de prova admitidos.

Há doutrina que entende ser completamente inútil a exigência legal, afirmando não se poder entender que a ausência de requerimento de provas na petição inicial gere preclusão para o autor. Nesse entendimento,

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mesmo não tendo feito pedido de provas na petição inicial, a partir do momento em que o juiz intima as partes para a especificação de provas, poderá o autor livremente as requerer. O mesmo raciocínio seria aplicado ao réu quanto à exigência de requerer a produção de provas em contestação (art. 336 do Novo CPC). O Superior Tribunal de Justiça entende que, mesmo tendo sido realizado o pedido genérico na petição inicial (autor) ou contestação (réu), haverá preclusão da prova na hipótese de a parte não reiterar sua vontade de produzi-las no momento em que for intimada para especificá-las.

Ainda que se entenda correto o entendimento que aponta a exigência do art. 319, VI, do Novo CPC uma “ridícula inutilidade”, entendo ser interessante o requerimento genérico na petição inicial (bem como na contestação), não para evitar a preclusão, mas para permitir a alegação de cerceamento de defesa na hipótese de julgamento antecipado da lide. Em minha visão, o autor que deixa de pedir provas em sua petição inicial permite ao juiz um julgamento antecipado da lide, sem que possa em grau recursal alegar cerceamento de defesa, visto que nada requerendo em termos de produção probatória permite ao juiz o julgamento imediato, sem a necessidade de produção de provas.

15.2.7. Opção do autor quanto à realização da audiência de conciliação ou de mediação

Nos termos do art. 319, VII, do Novo CPC, cabe ao autor a indicação, em sua petição inicial, de requerimento para a realização ou não da audiência de conciliação ou de mediação. Conforme devidamente analisado no Capítulo 17, item 17.5., o momento mais adequado para o autor expressar sua vontade contrária à realização de tal audiência é a petição inicial. Como a audiência só não será realizada se a vontade de ambas as partes for nesse sentido, havendo na petição inicial o requerimento de sua realização, a postura do réu torna-se inútil, porque mesmo não querendo a realização da audiência dela não conseguirá se livrar.

Entendo que não havendo qualquer manifestação de vontade do autor, em descumprimento ao previsto no inciso ora analisado, não é caso de irregularidade da petição inicial e tampouco de hipótese de emenda da petição inicial. A realização da audiência de conciliação e de mediação é o procedimento regular, cabendo às partes se manifestarem contra sua realização, de forma que sendo omissa a petição inicial, compreende-se que o autor não se recusa a participar da audiência, que assim sendo será regularmente realizada.

Como o art. 334, § 4º, II, do Novo CPC, exige a manifestação de ambas as partes para que a audiência de conciliação e mediação deixe de ocorrer, mesmo que o autor peça sua não realização em sua petição inicial, o réu será citado para comparecer a tal audiência, nos termos do caput do art. 334 do Novo CPC, salvo se o direito não admitir a autocomposição, quando a vontade das partes será irrelevante. Nesse caso, mesmo que o réu não queira a realização da audiência, provavelmente deixará de expressar essa vontade porque não tendo o autor em sua petição inicial se manifestado no mesmo sentido, de nada valerá sua discordância.

De qualquer forma, é possível que o réu, mesmo diante da omissão do autor em sua petição inicial quanto à vontade de não participar da audiência de conciliação e mediação, se manifeste contrariamente à sua realização, pedindo seu cancelamento. Entendo que, nesse caso, não há que se falar em preclusão temporal para a concordância do autor com a não realização da audiência, de forma que, mesmo não tendo se manifestado nesse sentido em sua petição inicial, poderá fazê-lo posteriormente.

15.3. Documentos indispensáveis à propositura da demanda

Determina o art. 320 do Novo CPC que a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da demanda. A ausência de tais documentos enseja a possibilidade de emenda da petição inicial, considerando-se que o vício gerado pela não juntada de tais documentos é sanável. Caso o autor não tenha acesso a tais documentos, o juiz poderá requisitá-los, de ofício ou a pedido do autor, no exercício de seus “poderes” instrutórios.

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Não ocorrendo a emenda com a juntada dos documentos indispensáveis à propositura da demanda, a petição inicial será indeferida (art. 330, IV, do Novo CPC). Caso o juiz só perceba a ausência de tais documentos após a citação do réu, não mais se admitirá o indeferimento da petição inicial, que deve ocorrer sempre liminarmente, mas diante da resistência do autor em não juntar aos autos tais documentos, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito por falta de pressuposto processual (art. 485, IV, do Novo CPC).

Documentos indispensáveis à propositura da demanda são aqueles cuja ausência impede o julgamento de mérito da demanda, não se confundindo com documentos indispensáveis à vitória do autor, ou seja, ao julgamento de procedência de seu pedido. Esses são considerados documentos úteis ao autor no objetivo do acolhimento de sua pretensão, mas, não sendo indispensáveis à propositura da demanda, não impedem a continuidade da demanda, tampouco a sua extinção com resolução do mérito. Numa demanda de divórcio, a certidão de casamento é um documento indispensável à propositura da demanda, porque sem esse documento é impossível o julgamento de mérito, o mesmo não se podendo dizer de um documento que comprove o adultério do cônjuge, que pode ser importante para a parte que o apresente em juízo, mas cuja ausência não impedirá o julgamento de mérito da demanda.

Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça já permitiu o ingresso de ação revisional de contrato mesmo que o autor não apresente com a petição inicial uma cópia do contrato que se busca rever. É interessante porque, na sociedade massificada em que vivemos, com ampla presença dos contratos de adesão, é possível a elaboração de uma petição inicial nesse tipo de ação sem a necessidade de sua instrução com cópia do contrato celebrado entre as partes. Diante dessa nova realidade, o Superior Tribunal de Justiça entende pela viabilidade do pedido de exibição do contrato, ao invés de ser elaborado por meio de ação cautelar precedente de exibição de documento, seja elaborado incidentalmente, ainda que continue a acreditar ser o contrato documento indispensável à propositura da ação.

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F O RMA Ç Ã O DO P R O C E S SO E P E T I Ç Ã O I N I C I A L

O rdem dos Advogados do B ras i l e a soc i edade de advogados da q ua l part i c i pa; se não fo r s u p rida a om i ssão n o p razo de c i n co d i as, a pet i ção será i n defe r ida (art. 1 06, § 1 °, CPC) .

O art . 32 1 é regra gera l q ue auto r iza o j u iz a determ i nar a emenda da petição i n ic ia l , para a co rreção de víc ios sanáveis, n o p razo de q u i nze d ias, tam bém sob pena de i n defer i mento .

6. PED IDO

6.1 . Conceito e d ivisão

O ped ido é o n úc leo da pet i ção i n i c ia l; a p rovidên c ia q u e se pede ao Poder j ud i c iár io ; a p reten são mater ia l deduz ida em j u ízo (e q ue, po rtanto, v i ra a p reten são p rocessual) ; 4s a conseq uência j u ríd ica (eficácia) q u e se p retende ve r rea l i zada pe la ativi dade j u ri sd i c i ona l . É , como d ito, o efe ito j u ríd i co do fato j u ríd ico posto como causa de ped i r.

"O petitum é o q u e se pede, não o fundamento o u a razão de pedir, a causa petendi. É o obj eto i m ed iato e med iato da demanda. Aí está o motivo da d i scórdia, q u e o j u iz vai desfazer, dec larando quem está com a verdade" .46

Com o u m dos e l ementos obj et ivos da demanda (j u nto com a causa de ped i r), o ped ido tem i m portânc ia fundamenta l na atividade p rocessua l .

Em p ri me i ro l ugar, o ped ido b i to la a p restação j u ri sd i c i onal , que não poderá se r extra, u ltra ou infra/citra petita, confo rme p rescreve a regra da congruênc ia (arts . 14 1 e 492 do CPC) . Se rve o ped ido tam bém como e l emento de i den tif i cação da demanda, para fi m de ver if i cação da ocorrênc ia de conexão, l i t i s pendênc ia ou co isa j u lgada. O ped ido é, f i na lmente, o p r i nc i pa l parâmetro para a fixação do valo r da causa (art . 2 9 2 d o CPC)Y

É possíve l d i st i n gu i r, n o ped ido , um objeto imedia to e um obj eto media to . 48 Pedido imedia to é a p rovidênc ia j u ri sd i c iona l q u e se p retende : a condenação, a exped i ção de o rdem, a const i tu i ção de nova s i tuação j u ríd i ca, a tomada de p rovi ­dên cias executivas, a dec laração etc. O pedido media to é o bem da v ida, o resu ltado p ráti co q u e o demandante espera con segu i r com a tomada daque la p rovidên c ia . Essa d i st i n ção tem algu m re levo.

45 . ASSIS, Araken de . Cumulação de ações, p . 1 5 3 - 1 54. 46. MI RAN DA, Franc isco Cavalcant i Pontes de. Comentários ao Códi30 de Processo Civil, t. 4, p . 34. 47 . MORE IRA, José Carlos Barbosa, O novo processo civil brasileiro, p . 1 0- 1 1 . 48. MORE I RA, ] osé Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, p . 1 0 .

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F R E D I E DI D I E R J R .

O ped ido imed iato será sem p re dete rm i n ado; já o m ed iato pode s e r re lativa­

men te i n dete rm i nado (ped ido gené ri co - a rt . 324 e i n c isos do CPC) .

Em re lação ao pedido med iato, ap l i ca-se a regra da congruên cia, q u e, de resto, deco rre da garant ia const i tuc iona l do contraditór io ; o magistrado não pode alte rar o bem da v ida p retend ido pe lo demandante . Essa é a regra.

A q uestão, entretanto, não é tão s imp les. À luz do art . 461 do CPC-1 973 , correspondente ao art. 536 do CPC atua l , há q uem defenda q ue "o j u i z está auto rizado, desde q ue res peitados os l i m ites da ob ri gação or ig inár ia, a i m por o fazer o u o não fazer ma is adeq uado à s i tuação concreta q ue l he é apresentada para j u lgamento" .49 Sobre o tema, conferi r o v. 5 deste Curso50•

6.2. Requisitos

O ped ido há de ser certo (art. 3 22 , CPC), determinado (art. 3 24, CPC), claro (art. 3 30, § 1 o, 1 1 , CPC) e coerente (art. 3 30, § 1 o, IV, CPC).

Ped ido certo é ped ido exp resso .�'

Com o será exam i nado ad iante, não se ad m ite, com o regra, o ped ido i m p líc ito. " Não se ad m ite, a teo r da me l ho r técn i ca, pedido obscu ro, dúbio e vago, su bst ituí­do, parc ia l ou i n tegral m ente, at ravés de expressões e l ípt i cas, por exem p lo , conde­na r o réu ' n o que coube r' ou , ai nda, ' n o q ue rep utar j u sto' , e out ras, i nfe l i zmente com u ns"Y Tanto o pedido mediato q uanto o pedido imedia to devem ser certos .

Ped ido determinado é aq ue le de l im itado em re lação à q ua l idade e à q uant ida­de . Ped ido dete rm i nado se cont rapõe ao ped ido gené ri co, logo abaixo exam i nado .

O ped ido tem tam bém de ser claro, in teli3ível. Ped ido q ue ten h a s ido fo rmu ­l ado de mane i ra pouco c lara i m p l i ca i népc ia da pet ição i n ic ia l , consoante já exam i ­nado .

O ped ido há, e nfi m , de se r coeren te, ou seja, deve ser conseq uênc ia j u ríd ica p revi sta para a causa de ped i r aduz ida . 5 3 Ped ido que não deco rre da causa de ped i r i m p l i ca i n é pc ia da peti ção i n ic ia l , tam bém como já exam i nado . 54

49. MAR I NON I , Luiz Gu i l he rme . Tutela inibitória. São Pau lo : RT, 1 998, p . 1 20. 50. MARI NON I , Lu iz Gu i lherme. Tutela inibitória. São Pau lo : RT, 1 998, p . 1 1 9- 1 2 1 ; D I NAMARCO, Cândido Range i . "Os

gêneros do p rocesso e o objeto da causa". Revista de Direito Processual Civil. Cu rit iba: Gênesis, 1 996, v. 2, p. 327; WATANABE, Kazuo. "Tutela anteci pató ria e tutela específica das obr igações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC)" . Reforma do Códiso de Processo Civil. São Pau lo: Saraiva, 1 996, p . 43 .

5 1 . M I RAN DA, Franc isco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Códiso de Processo Civil, t. 4, p. 35 . 52 . Araken de Assis, Cumulação de ações, p . 234 . 5 3 . M I RAN DA, Franc isco Cavalcant i Pontes de . Comen tários ao Códiso de Processo Civil, t . 4, p . 36 . 54. ASS IS , Araken de . Cumulação de ações, p . 236; SANTOS, Moacyr Amaral . Primeiras linhas de direito processual

civil, v . 2, p . 1 49.

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F O RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

Na falta de u m desses req u i s itos, deve o m agistrado, an tes de i n defer i r a pe ­

t i ção i n ic ia l , determ i nar a sua correção (art. 3 2 1 ) 5 5 •

Note q u e os req u is i tos do pedido (certeza, dete rm i n ação, c lareza e coerênc ia) são os mesmos req u i s itos da sentença (cf. v. 2 deste Curso) . Se o ped ido é u m p rojeto de sente n ça, nada mais razoável d o q u e exig i r dessa o s mesmos req u i s itos exig idos daq ue le .

6.3. Cumulação de pedidos

6.3. 1 . Cumulação própria: simples ou sucessiva

Há cum u lação própria de ped idos q uando se fo rm u lam vários ped idos, p reten ­dendo-se o aco l h i mento s i m u ltâneo de todos e les . Em u m mesmo p rocesso, vár ios ped idos são ve i cu lados, to rnando com posto o o bjeto desse p rocesso - o q ue, por tabe la, i m p l i cará que a dec isão j ud ic ia l ven ha a ser p rofer ida em capítu l os .

O Código de Processo Civi l exp ressamente auto riza o c úmu lo de ped idos n o a rt . 3 2 7 .

Duas são as espécies de cum u lação própria de pedidos : a ) simples; b) sucessiva.

Oco rre a c umu lação simples q uando as p reten sões não têm ent re si re lação de p recedênc ia lóg ica (ped ido p rej ud ic ia l o u p re l i m i n ar), podendo ser ana l i sadas u m a i n dependentem ente da out ra . Não há necess idade de exame p révio de u m d o s ped i ­dos, q ue são autônomos : podem ser aco l h idos, total ou parc ia l mente, o u rej eitados, sem q ue se perq u i ra o resu ltado do j u lgamento do outro .

O po rt una a transc rição dos en u n ciados 3 7 e 387 da s ú m u la da j u ris­p rudência do STJ : "São c u m u láveis as indenizações por dano material e dano mo ra l o riu ndos do mesmo fato"; "É l íc ita a c u m u lação das indenizações de dano estético e dano mo ra l " .

Dá-se a cu m u lação sucessiva q uando os exames dos ped idos guardam ent re s i u m vín cu l o de p recedência l óg ica: o aco l h imento de u m ped ido p ressu põe o aco­l h ime nto do anter ior. Veja q ue aq u i , d i ferentemente do q u e ocorre na cum u lação s u bs id iár ia, o segu ndo ped ido só será ap reciado se o p rime i ro for aco l h ido .

Essa dependênc ia lóg ica pode oco rrer de duas fo rmas : a ) o p rime i ro ped ido é p rej ud ic ia l ao segu ndo : o não aco l h i mento do p rime i ro ped ido i m p l i cará a rej e i ­ção (e, po rtanto, j u lgamento) do segundo; b) o p rime i ro pedido é p re l im i nar ao

55- Também assim, e n u nciado n . 292 do Fó rum Permanente de P rocessua l istas C iv i s : "Antes de i ndeferi r a petição i n ic ia l , o juiz deve apl icar o d i sposto no art. 3 2 1 " .

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F R E DIE D I D I E R J R .

segu ndo: o não-aco l h i mento do p r ime i ro i m p l i cará a i m poss i b i l idade de exame do segu ndo (q ue não se rá j u lgado, po i s ) . O aco l h i me nto do p rime i ro ped ido , em q ua l ­q ue r caso , não imp l i ca necessariamente o aco l h imento do segundo ped ido .

Norma lmente, diz-se q ue a c umu lação s ucessiva é uma c umu l ação por p rej udicialidade,56 o q ue é um erro, pois se mist u ram os conceitos de q uestão p rej udicial e p reliminar (ver capítu l o sob re a teo ria da cognição) .

São exem p los de c u m u lação s ucessiva por p rej udicia lidade: a) inves­tigação de paternidade e al imentos; b) dec larató ria de inexistência de relação j u rídica e repetição de indébito etc. É exemp lo de c umu lação s ucessiva por pedido p rel iminar a fo rm u lada na ação rescisória: j u ízo de rescisão (iudicium rescindens) e o j u ízo de rej u l gamento (iudicium rescissorium)Y

6.3.2. Cumulação imprópria: subsidiária ou alternativa

Cogita-se tam bém a chamada c umu lação imprópria de ped idos .

Cu i da-se de fo rmu lação de vár ios ped idos ao mesmo tem po, de modo q u e apenas u m de les seja atend i do : c hama-se, p o r i sso , de c u m u lação i m p róp ri a o fe n ômeno, exatamente po rq ue tem o auto r c i ên c ia de q u e apenas u m dos ped idos fo rmu lados poderá se r sat isfe i to : o aco l h i m en to de um i m p l i ca a i m poss i b i l i dade do aco l h i m ento do ou t ro . 58 A base n o rmativa para este t i po de postu l ação é o art .

326 do CPC .

o adjetivo " imp róp ria" j u st if ica-se porq ue, de fato, não se t rata r igo rosamente de u m a cum u lação de ped idos .

A doutri n a d ivi de a c u m u lação i m p róp ria em eventua l e alte rnat iva, segu i n do denom i nação de Ch iove nda. A cu m u lação eventua l está regu lada no caput do a rt . 3 26 e a alternativa, n o parágrafo ú n ico do mesmo art igo .

Cu idemos p rime i ro da cu m u lação even tual (de um lado, a form u l ação de mais

de um ped ido ; de out ro, o p restíg io da eventua l i dade), tam bém chamada de pedi ­

dos s u bs id iár ios , ped idos sucess ivos o u cumulação subsidiária, essa ú lt i ma deno ­

m i n ação ma is correta (po r i s so , se rá a adotada a part i r de ago ra) . 59

56 . D I NAMARCO, Cândido Range i . Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 1 68 . 57 · "Apenas q uando a resci nd ib i l idade da sentença decorre da sua in j ustiça (v. g . , ar t . 485, no IX ) é q ue o iudicium

rescindens func iona como prejud ic ial do iudicium rescissorium" (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 205).

58 . T JÃD ER, R i cardo . Cumulação eventual de pedidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1 998, p . 34-37.

59 . Segu ndo l i ção de TUCC I , José Rogério Cruz e . " Reflexões sobre a c umu lação subsid iár ia de ped idos". Causa de

pedir e pedido no processo civil. São Pau lo : RT, 2002. p . 282 .

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FO RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P ET I ÇÃO I N I C I A L

Trata-se de ap l i cação da regra da eventua l idade,60 segundo a q ua l a form u l ação das p reten sões e exceções deve ser feita no momento específico da postu l ação .6 ' O demandante estabe lece u m a h i e ra rq u i a/p refe rênc ia e ntre os ped idos fo rm u lados : o segu ndo só será ana l i sado se o p rime i ro for rej e itado ou não pude r se r exam i nado (falta de u m p ressu posto de exame do mérito)6'; o tercei ro só será atend i do se o

segu ndo e o p ri me i ro não pude re m sê- lo etc . O magistrado está cond i c i onado à ordem de ap resentação dos ped idos , não podendo passar ao exame do poster io r se não exam i nar e reje itar o anter ior. Nem mesmo se h o uve r recon heci m ento pe lo réu da p rocedência do pedido s u bs id iár io . 63

A cu m u lação de ped idos i n co m patívei s en t re s i é caso de i n épc ia da peti ção i n ic ia l (art . 3 30, § 1 °, V, CPC) .

Caso seja possível e i nteressante form u lá- los, a técn i ca correta é a dos pedi ­dos s u bs id iár ios . É possíve l q ue o autor esteja em d úvida sob re o aco l h imento do ped ido p ri n ci pa l e, po r i s so , form u l e o o utro, para o caso de não vi n ga r o p rime i ro, sendo este aspecto frág i l da i n ic ia l um ponto q u e fata lmente não passará sem a c rí­t ica do réu .64 Percebe-se, pois, que não se aplica à cumulação imprópria o requisito da compatibilidade dos pedidos formulados, os quais jamais poderão ser acolhidos simultaneamente (art . 327 , § 3o, CPC) . Os demais req u is itos gera is para a cum u lação de ped idos (com petênc ia e i dent idade de p roced i mento) ap l i cam-se, no part i cu la r, sem q ua lq ue r especia l i dade .6s

I m po rtante observação de José Rogér io Cruz e Tucc i : "Seja como for, a i n co m pati bi l i dade não s ignif ica q ue possam ser c u m u lados, na es­pécie aq u i exam inada, ped idos abso l utamente autônomos q uanto à sua gênese fático-j u ríd ica. Na verdade, deverá haver u m elo de p re­j ud ic ia lidade entre os ped idos , uma vez q ue o p rovimento j u ri sd i c io ­na l de p rocedênc ia do p rimário f u lm i na ( i m p licitamente) o interesse p rocessua l e, conseq uentemente, exau re a p retensão do autor em

6o. Barbosa More i ra identif ica a c umu l ação subs id iár ia como exemp lo do d i reito pos itivo nac iona l em que se perm ite i m p r im i r caráter cond ic iona l a atos das partes. Lembra o autor que não há norma genérica que regu le a inserção de cond ição em ato p rocessual , sendo o art. 326 exemp lo que pode serv i r como fundamento para aqueles que entendam ser possíve l ato p rocessual sob cond ição (MORE IRA, José Car los Barbosa."Recu rso espe­cial . Exam e de q uestão de i n const i tuc iona l idade de le i pe lo Su per ior Tribu na l de J u stiça. Recurso extrao rd i nár io i nte rposto sob cond ição". Direito Aplicado 11. Rio de jane i ro : Forense, 2000, p . 264·266). Sobre os atos p roces­suais sob cond ição ou termo, D I D I E R Jr . , Fredie; N OGUEI RA, Ped ro H e n ri que Ped rosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2• ed . Salvador : Ed i tora J us Podivm, 201 2, p. 1 47 - 1 60 .

6 1 . Sobre a relação entre a prec lusão e a c umu lação subsid iária, a m p lamente, TUCC I , J osé Rogér io Cruz e . " Refle­xões sobre a cumu l ação subsid iár ia de ped idos", c it . , p . 283-284.

62 . Ass im , também, enu nciado n . 287 do Fórum Permanente de Processual istas Civi s : "O pedido subsid iár io so­mente pode ser ap reciado se o ju iz não puder exam inar ou expressamente rejeitar o pr inc i pal".

63 . TUCC I , José Rogér io Cruz e . " Reflexões sobre a c u m u lação subsid iár ia de ped idos", ob. c it . , p . 287. Também ass im , STJ. 3• T. , REsp n . 8.892-SP, rei . M i n . Dias Tri n dade, j . em. 30.04. 1 991 . .

64 . ASSIS, Araken de . Cumulação de ações, p . 255 . 65 . TUCC I , José Rogér io Cruz e . " Reflexões sobre a c u m u lação subsid iár ia de ped idos", c i t . , p . 286.

569 25

FR E D I E 0 1 D I E R J R .

relação a o pedido s u bsidiário . Desse modo, não s e viabiliza o c úmu l o s u bsidiário na hipótese de o autor rec lamar o pagamento do p reço deco rrente da alienação de u m automóvel e, s u bsidiariamente, na circ u nstância de ser rechaçado esse p rimeiro pedido, reivindicar ele a propriedade de u m determinado imóve l" .66

É i n st ituto úti l n as h i póteses de concu rso de p reten sões (ve r item relaci o nado ao con cu rso de ações n o capít u l o sob re a teor ia da ação) . Trata-se de f igu ra s imétr i ­ca e oposta à da cum u lação sucess iva.67 O valo r da causa se rá o do pedido p ri n c i pa l (art . 292, VI I I , CPC) .

Aco l h ido o ped ido p ri n ci pa l , está o m agistrado d i spensado de exam i nar o pe­d ido su bs id iár io , q u e não fi cará acobertado pe la co isa j u lgada, exatam ente por não ter s ido exam i nado. 68 Caso o magistrado exam i ne o ped ido sucessivo per saltum, sem ter exam i nado o ped ido p ri n c i pa l , haverá errar in procedendo, i m pugnável pe lo autor, e m razão da p refe rênc ia exp ressada na fo rm u lação dos ped idos . Não aco l h i ­do ou não exam i nado (caso falte u m p ressu posto de ad m iss i b i l idade de exame do mé rito) o ped ido p r i nc i pa l , deve o magist rado exam i nar o ped ido su bs id i ár io, s ob pena de sua sentença s e r citra petita. 69

E se o pedido p rincipal for aco l hido apenas parcia l mente? Ricardo Tjader70 e Cruz e TuccP' defendem q ue o magistrado poderá passar ao exame do pedido subsidiário se for o caso de aco l h ê- l o integral mente, pois se presu me q ue o interesse do autor estaria mais bem atendido com a total p rocedência do pedido subsidiário do q ue com a parcial p rocedência do pedido p rincipa l .

Poderá o autor, ai n da, recorrer da parte da dec isão que reje itar o ped ido p r i nc i ­pa l , mesmo que logre êxito no ped ido subs id iár io, po i s , ao estabe lecer a h i e rarq u ia, defi n i u o demandante o q ue pare e le é mais i n teressante. 7 1

Aq u i , cabem as segu i ntes observações:

66. TUCC I , )osé Rogério Cruz e . "Reflexões sobre a cumu lação subsid iár ia de ped idos", c i t . , p . 285 . 67 . MORE I RA, )osé Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, p . 1 4 . 68 . STF, 2• T., AI 1 94.653-0-SP·AgRg, re i . M i n . Marco Au ré l io, D)U 7 - 1 1 . 1 997, p. 5 7 - 243 . 69 . ST) . 3' T., EDc l no REsp n . 26 .423/SP, Re i . M i n . Waldemar Zveiter, j . em 09.0 2 . 1 993, publ icado no D) de 22 .03 . 1 993,

p . 4 -539- Em sent ido seme lhante, m u ito embo ra sem fazer refe rênc ia a sentença citra petita (usa-se o termo

constrangi mento i legal), mas apontando a necessidade de respeito à ordem de p referência, não podendo

anal isar p r imar iamente o ped ido subs id iár io : ST) . 3' T., AgRg no Ag n . 1 343283/SP, Re i . M in . Nancy Andr igh i , j .

em 1 5 .02 . 20 1 1 , p ubl icado no D)e de 2 1 .02 .201 1 . 70. T)ÃDER, R icardo. Cumulação even tual de pedidos. Po rto Alegre: Livraria d o Advogado, 1 998, p . 3 7 -7 1 . TUCC I , J o sé Rogé r io C r uz e . " Reflexões sobre a cumu lação subsid iár ia de ped idos", c it . , p . 287- 288. 72 . " N este caso, se a sentença aco l h e r o ped i d o s u bs id iár io, e não o pri n c i pa l , o autor pode apelar, po rq ue não

teve sua p retensão in te i ramente aco l h ida" . (NEGRÃO, Theotôn io . Código de Processo Civil e legislação proces­

sual em vigor. 32• ed. São Pau lo : Saraiva, 200 1 , p . 378). Ass im , também, Ass im , também, e n u nc iado n. 288 do

Fóru m Permanente de Processua l istas Civ is : "Quando aco l h i do o ped ido subs id iá rio, o autor tem i nteresse de

recorrer em relação ao p r i nc i pa l " .

570 26

F O RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

a) seu recu rso e nvolverá apenas um capít u l o da deci são;73

b) a aná l i se do ped ido s u bs id iár io , q u e não foi i m p ugnada por l h e ter s ido favo ráve l , n ão se rá devo lv ida ao ó rgão ad quem, salvo se houver rec u rso do réu , s i tuação em que se repeti rá, na segu nda i n stânc ia, o j u lgamento da causa, n os mo ldes em q u e ap resentada na p rime i ra;

c) caso seja p rovido o recu rso do autor, restará p rej ud i cada a sente n ça na par­te em que aco l h e u o ped ido s u bs id iár io ; não o sendo , p revalece o q ue fo ra decid ido na sentença, em razão da pro ib i ção da reformatio in peius. 74

Cruz e Tucci entende q ue, se a sentença recon h ecer a p rocedênc ia do ped ido p ri n ci pal , o t ri b u na l não poderá, n o j u lgamento da ape lação do réu , dando a e la p rovi mento, adent rar o exame do ped ido s ubs id iár io , po rq uanto somente o capítu ­l o da dec i são re lac ionado com o ped ido p ri n c i pa l é q ue foi devolvi do ao ó rgão ad quem .75 Este entend imento, defend ido n o i n íc io dos anos 2000, poss ive lmente está s u pe rado pe lo i n c iso 1 1 1 do §3o do art . 1 .0 1 3 do CPC, q ue perm ite ao t ri b u na l j u lgar ped ido não exam i nado em p rime i ra i n stânc ia (so b re o tema, v . 3 deste Curso) .

A sucum bência total do autor, q uando fo rm u l a ped ido s u bs id iário , só exist i rá se todos os seus ped idos forem reje itados. Aco l h i do apenas o ped ido s u bs id iár io , n ão há com o negar, po rém , que o autor sucu m be em parte - tanto que h á i n te resse recu rsa l . Ass im , o valo r da condenação em hono rár ios advocatíc ios deverá se r fixa­do proporc i o na lmente, e n ão no teto de 20'7o p revisto no art . 85 do CPC76•

Ago ra, a cu m u lação imprópria a l ternativa .

Cons iste na form u lação, pe lo autor, de ma is de uma p reten são, para q u e u m a ou out ra seja aco l h ida, s e m expressar, com isso, q ua l que r p refe rênc ia . É cu m u lação i m p róp ria, po i s somente um dos ped idos fo rm u lados poderá ser atend ido . Está p revista no parágrafo ú n ico do art . 326 do CPC .

D i fere nc ia-se da cu m u lação eventua l , po rq ue nesta o autor demonstra p refe­rênc ia por um dos ped idos , o q ue não acontece na cumulação a lterna tiva .

Não se deve confu nd i - l a com o pedido alterna tivo previsto no art. 325, que é ped ido ú n i co, fu n dado em ob rigação a l ternativa (q ue se caracteriza po r perm it i r o

7 3 - I dentif i cando o ped ido subsid iár io como capítu lo autônomo da decisão, ver o excelente t rabal h o de D I NAMAR­CO, Când ido . Capítulos da sentença. São Pau lo : Ma lhe i ros Ed., 2002, p . 65-66.

74 . Em sentido contrário, entendendo faltar ao autor i nteresse recu rsal quando o pedido subs id iár io é atend ido , TJÃDER, R i cardo . Cumulação even tual de pedidos, p . 98.

7 5 . TUCC I , )osé Rogér io C ruz e . " Reflexões sobre a c u m u lação subsid iár ia de ped idos", c it . , p . 291 . 76 . Neste sent ido, STJ , Co rte Espec ia l , EREsp n . 6 1 6 .91 8/MG, re i . M i n i st ro Castro Me i ra, j. em o2 .o8 .2o1 o, publ i cado

no D)e de 23 .08 .20 1 0; STJ . 2• T., REsp n. 1 . 1 58 .7 54/RS, Re i . M i n . Mauro Campbe l l , j . e m 24.08 . 20 1 0, pub l i cado no D)e 30.09.20 10 . Em sent ido d iverso, entendendo q u e o autor, neste caso, em nada sucu mbe: TJÃDER, R icardo. Cumulação even tual, p . 91 ; STJ . REsp n . 52 . 7 50-3 , re i . Barros Monte i ro)

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FR E D I E D I D I E R J R .

ad i m p l emento po r ma i s de uma fo rma) .77 Na cumulação al ternativa, há no mín imo d o i s ped idos autônomos, fo rm u lados para q u e se aco l h a apenas u m de les .

Vi s l u m b ra-se s i tuação específ ica de c úm u l o alte rnativo na cons ignação em pagamento : na dúv ida, pode o autor d i r igi r- se a d uas pessoas, por não saber a q ua l das duas se acha j u ri d i camente l i gado (art. 547, CPC), req ue rendo o devedor o de­pós ito e a citação dos que d i sputam o c réd ito . Ao j u lgar a cont rové rs ia en t re os do is réus , dec i d i rá o ju iz q ua l de les e ra o legit i mado perante o autor78•

O valo r da causa será o do ped ido que t ive r o ma io r va lo r (art. 292, VI l , CPC) .

Aco l h i do um dos ped idos, n ão terá o autor i n te resse para i n terpo r recu rso com o o bjet ivo de aco l h imento do out ro . 79 D i fe rentemente do que oco rre na cumulação subsidiária, po is não houve dete rm i n ação da p refe rênc ia en t re os ped idos, cons ide ­ra-se que ab ri u mão o demandante de q uest i ona r a esco l h a do magi strado por esse ou aq ue l e p l e i to . O aco l h imento de um e a reje i ção do o ut ro tam bém não i m p l icam sucum bênc ia parc ia l do autor.

Cu mp re ass ina lar q u e, como o recu rso é "s im ples aspecto, e lemento, modal i ­dade ou extensão do p róp rio d i reito de ação exe rci do no p rocesso",80 ap l i cam-se, por ana logia, à demanda recu rsal , as técn icas de postu lação i n ic ia l , como a cu m u lação de pedidos e os pedidos s ubs id iár ios . É mu ito com u m o reco rrente ped i r, por exem plo, a anu lação da decisão recorr ida ou , se ass im não entender o tr i bu nal , a sua reforma.

6.3.3. Cumulação inicial e cumulação ulterior

A c umu lação de pedidos pode ser inicia l, quando veicu lada na demanda i n ic ia l , ou ulterior, q uando a parte agrega novo ped ido ao p rocesso após a postu lação i n ic ia l . É cu m u lação ulterior o aditamento permit ido da petição i n ic ia l (art. 329, I , do CPC) . Out ro exemp lo de cum u lação u lteri o r é o aj u i zamento pe lo autor de ação dec larató ria i n cidental q u e objetiva o reconheci mento da fals idade de documento (art. 430, CPC).

Alguns autores cons ideram que q ualq uer ampl iação objetiva do p rocesso é uma cumu lação u lterior de pedidos. Ass im , seria a reconvenção, demanda proposta pelo réu contra o autor, p . ex., h i pótese de cumu lação de pedidos superven iente. Tam bém seria cum u lação u lterior a reu n ião de causas conexas pela causa de ped i r (arts. 55, § 1 o, CPC).

Fala-se, então, em cumulação homo3ênea, quando os pedidos forem fo rmu lados pe la mesma parte, e c umu lação hetero3ênea ou contrastante, q uando os pedidos

n. Tratando o ped ido alte rnativo como se fosse cumu lação alte rnativa, Ricardo Tjader, Cumulação eventual, p .

3 5 ; DUARTE, R o n n i e Preuss . " Lit isconsórc ios alternativo e subs id iário no p rocesso civi l bras i l e i ro" . Revista de

Processo. São Paulo : RT, 2007, n. 1 47, p. 39 · 78 . D I NAMARCO, Când ido Rangel . Litisconsórcio. 5' ed . São Pau lo : Ma lhe i ros, 1 998, p. 393 . 79 . Também nesse sent ido , Când ido D inamarco, Instituições de Direito Processual Civil, c it . , v . 2, p . 1 7 1 . 8o. MORE I RA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil . 1 0• ed . R io d e jane i ro : Forense, 2002,

v. V, p . 236 .

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F O RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

forem form u lados po r partes d i sti ntas, como é o caso da cum u lação pe l a reconvenção ou den u nc iação da l ide p romovida pe lo réu .8' Nesta l i n ha, cum p re advert i r, nem sem­pre se aplica à cumulação hetero3ênea o requisito da compatibilidade dos pedidos.

6.3.4. Requisitos para a cumulação.

A cum u lação de ped idos deve p reenche r a lgu n s req u i s itos, sob pena de não ser adm it ida . Como já sa l i en tado, a c u m u lação i ndevida de ped idos não pode i m ­p l i ca r i ndefer i m ento da peti ção i n i c ia l s e m q u e se dê a o demandante opo rt u n i dade de corr ig i r o vício . Vejamos os req u is i tos q u e o leg is lado r i m pôs para adm it i r a cu m u lação de ped idos, e n cont rávei s n o a rt . 3 28 do CPC .

6.3.4. 7 . Compatibilidade dos pedidos.

Tam bé m é req u i s i to para a c u m u lação de ped idos q u e e les sejam com patíve i s en t re s i (art . 3 27 , § 1 °, I , CPC ) . Trata-se de p ressu posto lóg ico da cum u lação, q ue, se não p reench i do, i m p l i ca i népc ia da petição i n ic ia l po r fo rça do art . 3 30, § 1 °, IV, CPC . Se fo r possíve l a formu lação de ped idos i n co m patíve is , deve o demandante vale r-se da técn i ca da cu m u lação i m p róp ria (eventua l o u alte rnat iva), q ue, como vi sto, d is ­pensa a com pati b i l i dade dos ped idos , exatamente po rq u e se espera o aco l h i mento de apenas um de les (327, § 3o, CPC.

A i n co m pati b i l idade dos pedidos decorre do d i reito mater ia l , razão pela q ua l a lgu n s autores u sam a exp ressão " i n co m pati b i l idade su bstanc ia l "8' .

Exemp los de cu m u lação de pedidos i n co m patíveis: i) revisão e n u li­dade do contrato; ii) reso l ução e abatimento do p reço (ação redibi­tór ia e quanti minoris); iii) comp lementação da área e reso l ução do contrato; iv) n u l i dade e reso l ução do contrato por inadim p lemento .

6.3.4.2. Competência

Somente é possíve l a c u m u lação se o j uízo t iver com petênc ia abso l uta para con h ecer de todos os ped idos fo rm u lados (art. 3 27 , § 1 °, 1 1 , CPC). "Caso ten h a com­petênc ia pa ra um e não ten ha para o out ro, não poderá h aver c umu lação" .83

É o q ue pode oco rrer q uando se form u lam ped idos , em c umu lação sim p les, contra litisconsortes facultativos, sendo q ue um deles goza de j uízo p rivativo, como a U nião e demais entes p úb licos .84

8 1 . N ERY JÚ N I O R, Ne lson; N ERY, Rosa Maria de And rade. Códiso de Processo Civil Comentado, p . 645. 82 . ASSIS, Araken de. Cumulação de ações, i tem 263 . 83 . N ERY JÚ N IO R, Ne lson; N ERY, Rosa Mar ia de And rade. Códiso de Processo Civil Comentado, p . 645 . 84. N esse sent ido , i nte ressante susc i tar o E n u nc iado n . 2 1 do FONAJ E F - Fó r u m Nac iona l dos J u izados Espec ia is

Federais de 2 1 . 1 0 . 2005. E n u nc iado n . 2 1 : "As pessoas fís icas, j u ríd i cas, de d i re ito p rivado o u de d i reito púb l i co estadua l o u m u n i c i pa l , podem f igu ra r n o po lo pass ivo, no caso de l i t i sconsórc io necessár io" .

573 29

FR E D I E D I D I E R J R .

Não deve o magistrado i ndeferi r totalm ente a petição i n ic ia l , s e oco rrer c umu ­lação de ped ido q u e fuja da sua com petênc ia; deve ad mit i r o p rocessamento d o ped ido q u e l h e é pert i nen te, reje i tando o p rossegu imento daq ue le estranho à s u a parcela de j u r isd ição. Esse é o sent ido do correto e n u n c iado 1 70 da s ú m u la da j u ­ri s p rudência p redom i n ante do Su per io r Tri b u nal de j u st iça: "Com pete ao j uízo o nde p rime i ro f o r i n tentada a ação envolvendo acu m u lação de pedidos, t raba l h i sta e estatutár io, dec id i - l a nos l im ites de sua j u ri sd i ção, sem p rej uízo do aj u izamento de n ova causa, com o ped ido remanescente, n o j u ízo p róp rio" .

Vão nessa l i nha os §§ 1 o e 2° do art . 45 do CPC, que regu lam a cu m u lação de ped idos perante o j uízo federal , que é i n com petente para u m de les : "§ 1 ° Os autos não serão rem et idos se houver ped ido cuja ap reciação seja de com petênc ia do j u ízo perante o q ua l foi p roposta a ação . § 2° Na h i pótese do § 1 °, o j u iz, ao não ad m it i r a c u m u lação de ped idos em razão da i ncom petênc ia para ap reciar q ualq ue r de les, não exam i nará o mé rito daq ue le em q u e exista i n te resse da U n ião, de s uas e nt ida­des autárq u i cas ou de suas emp resas púb l i cas" .

Se a cu m u lação e nvo lver ped i do para cu jo p rocessam ento o j uízo n ão te n h a com petênc i a re lat iva, o desmem b ram ento da pet i ção i n i c ia l depende rá da a l ega­ção de i n co m petênc ia pe lo réu .85 No en tanto, se en t re os ped idos h o uver conexão, é possíve l a c u m u lação, mesmo q u e o j u ízo seja re lat ivamente i n co m petente para p rocessar e j u lgar u m de les , em razão do efeito m od i f i cativo da com petênc ia q u e deco rre da co n exão (art s . 5 5 , § 1 °, do CPC) . N ão poderá o réu opo r-se a ta l c u m u ­lação. 86 É po r i sso q u e se ad m ite a c u m u lação, n o m e s m o p rocesso, de ped ido d e reso l u ção do co m p ro m i sso de co m p ra e venda de i m óve l (co m petênc i a re lat iva) com o p l e i to reivi n d i cató ri o do mesmo bem (com petênc i a abso l uta) .

6.3.4.3. Iden tidade do procedimento ou conversibilidade para o procedimento co­

mum. Cláusula geral de adaptabilidade do procedimento comum.

Exige-se ai nda, para a ad m iss i b i l i dade da cum u lação, uma com pati b i l idade p roced imental e ntre os ped idos fo rm u lados . Todos devem poder t ram itar pe lo mes­m o p roced imento (art . 327, § 1 o, 1 1 1 , CPC) .

Se os ped idos co rresponde rem a p roced i mentos d iversos, ai nda assi m a c umu ­lação se rá possíve l , se pude re m se r p rocessados p e l o p roced imento com u m . Neste caso, o leg is lador, cor retam ente, dete rm i na q u e se adapte o p roced imento com u m,

8 5 . ASSIS, Araken d e . Cumulação d e ações, p . 266; FUX, Lu iz . Curso d e Direito Processual Civil, p . 202; GRECO F I LHO,

Vicente. Direito processual civil brasileiro, v. 2, p . 1 05 . 86. ASSIS, Araken de . Cumulação de ações, i t em 266 ; FUX, Lu i z . Curso de Direito Processual Civil, p . 203 . Ass im ,

também, Ass im , também, e n u n ciado n . 289 do Fóru m Permanente de P rocessua l istas C iv i s : "Se houver cone·

xão entre ped idos c umu lados, a i ncom petênc ia relativa não i m ped i rá a c u m u lação, em razão da modif i cação

legal da com petência".

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F O R M A ÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

de modo a i n ser i r téc n i ca p rocessua l d i fe renc iada q u e com e l e não seja i n com patí­vel (art. 327 , § 2°, CPC) . Po r exem p lo : a técn ica da cogn i ção l im itada no p roced imen ­to possessór io ( i r re levânc ia da a legação de domín io) pode se r i n ser ida no p roced i ­m ento com u m, caso de c u m u lem ped idos possessór io e de reso l u ção de cont rato . Se i s s o oco r re r, o proced i men to ser ia o com u m, mas a cogn i ção, em relação ao pedido possessório, ser ia l im itada.

Esse d i s pos it ivo, cu jo a lcance ai nda prec isa se r d imens i onado, é m u ito r ico .

De le pode-se extra i r a conc l usão de que o p roced i mento com u m é adaptável, ma leável, flexível; de que ele é receptivo à incorporação, ainda que episódica, de técnicas diferenciadas pensadas para procedimentos especiais.

O procedimento comum passa a ser território propício para a imi3ração de ajustes procedimentais desenvolvidos para a tutela de determinados direitos. Essa cláusula 3era l pode ser a fonte normativa da reafirmação e do desenvolvimento do princípio da adequação do procedimento. De todo modo, ao menos há uma certeza: o procedimento comum, no processo civil brasileiro, não é xenófobo e, por isso, não é rí3ido.

Duas são, contudo, as s i tuações- prob lema :

a) cu m u lação de um ped ido de p roced imento espec ia l com um ped ido de p roced imento com u m;

b) cu m u lação de ped idos de p roced imento espec ia is d iferentes . N esse caso, perm ite o leg is lador q u e a c u m u lação seja feita, desde q u e segu i ndo o p roced imen ­t o com u m . Esta é a regra.

S ucede q u e a so l ução não é tão s im p les .

Há p roced i mentos espec ia is que não podem ser conve rt idos ao p roced imento com u m . Esse é o ponto -chave para a ve rif icação da ad m i s s i b i l i dade de cu m u lação de ped idos nessas h i póteses : saber se o p roced i mento espec ia l é ou não é red utíve l ao p roced imento com u m .

Por vezes, o legi s lador oferece a o autor ma is de u m p roced imento apto a ser­v i r de me io para a tute la j u ri sd i c iona l p l e iteada . Há p roced i m entos q u e são c riados como uma alte rnativa de tute la d i ferenc iada ao autor, que se vale rá de les conforme a sua conven i ê n cia . N esse caso, dete rm i nada p retensão, que poder ia te r s ido p ro ­posta v ia p roced imento espec ia l , poderá ser fo rmu lada v ia p roced imento com u m . São e les o s p roced imentos espec ia is não-obrigató r ios, opc ionais , porq uanto possam se r d i spensados pe lo autor. A e les se ap l i ca i rrestr itamente a regra da convers i b i l i ­dade do p roced imento em com u m , em caso de c u m u lação de ped idos, p revista no art . 3 2 7 , §2o, C PC . São exem p los de p roced imentos espec ia is opc iona i s : mandado de segu rança, possessórias e ação mon itór ia . Tem o autor, n estes casos, "a facu ldade de optar pe las v ias o rd i nár ias (o p rocesso com u m regido pe lo Código de P rocesso

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FR E D I E D I D I E R J R .

Civi l ) e c om i s s o ren u nc ia r aos benefíc ios do p rocesso espec ia l",87 q u e não pude rem ser i n se ridos no p roced i mento com u m (art . 327 , § 2°, fine, CPC) .

O ut ros p roced imentos espec ia is , no e ntanto, são cr iados com obj etivo p recí­puo de atende r a dete rm i nado i n te resse púb l i co, n o rma lmente envolvendo d i re itos i n d i s poníve i s . Esses p roced imentos são ob rigatór ios, i n de rrogáve i s pe la vontade do demandante, que não pode de les ab ri r mão, o ptando pe lo p roced imento com u m . A esses p roced i mentos não se ap l i ca a regra da convers i b i l i dade antes menci onada . Aq ue la p rete nsão mater ia l , t i p i camente p revista para ser tute lada pe la v ia de deter­m i nado p roced imento espec ia l , n ão pode ser ve i cu lada por q ualq u e r out ro p roce­d imento, nem mesmo em c umu lação de ped idos . Ass im , não pode o autor cu m u lar u m ped ido, que ser ia p rocessado po r u m p roced i mento especia l ob rigató r io, com ou t ro, q ua lq ue r q u e seja o p roced i mento a e le pe rt i nente . São exem p los : i nventári o e part i l h a, i n terd ição, p roced imentos espec ia is de j u ri sd i ção vo l u ntár ia, desapro ­p riação, ações de contro le concent rado da const i tuc i ona l i dade das le i s .

É por i s so q u e se não pode admi t i r a c u m u lação de ped idos em ação co l etiva, e nvolvendo i m p rob idade ad m i n ist rativa e out ro d i re ito d i fu ­so, em razão do p roced imento espec ia l do t ipo ob rigatór io p revisto para a tutela daq ue la p r ime i r a q uestão (Lei n. 8.429/1 992) .

Há quem adm ita a c u m u lação de ped ido de j u ri sd i ção contenc iosa com ped ido de j u ri sd ição vo l u ntár ia, sa lvo man ifesta i n com pati b i l i ­dade .88

6.4. Ampl iação da demanda

Salvo os casos em q u e se adm ite ped ido i m p lícito, i n c umbe ao autor fo rm u lar na petição i n ic ia l todos os ped idos que pude r cont ra o réu .

Poderá o autor, contudo, aditar a petição i n i c ia l antes da citação, desde q u e arq ue c o m a s despesas do aditamento (art. 3 29, I , do CPC) .

Após a c i tação do réu e até o saneamento do p rocesso, o autor pode ad i tar a demanda, desde q u e o réu cons i nta - há, aq u i , u m negócio processual típico : am­p l i ação n egociada do obj eto l i t ig ioso do p rocesso . Obviamente, garante-se ao ré u o d i reito de defende r-se em relação ao novo ped ido (art. 329, 1 1 , CPC) .

Há, porém, algumas ponderações que p rec isam ser feitas.

a) Se o n ovo ped ido for conexo ao pedido o rig i nár io , n ão há razão para i m ped i r

o ad i tamento, mesmo após o saneamento do p rocesso. I sso porq ue, em razão da

87 . D I NAMARCO, Cândido Range l . Instituições d e Direito Processual Civil. São Pau l o : Ma lhe i ros E d . , 2001, v. 1 1 , p . 461 . 88. G RECO, Leonardo . jurisdição voluntária moderna. São Pau lo : D ia lét i ca, 2003, p. 45 .

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FO R MAÇÃO DO P R O C E S S O E P ET I ÇÃO I N I C I A L

conexão, se o ped ido fo r ap resentado em demanda autônoma, os p rocessos have­riam de ser reu n idos por conexão, nos termos do a rt . 55, § 1 °, CPC .

b) Auto r e réu podem acrescentar, em eventua l autocom pos ição, l i de que n ão com po n ha o o bj eto l i t ig ioso o rig i n ári o (art . 5 1 5 , §2°, CPC). I sso é uma amp l iação do o bj eto l i t ig ioso do p rocesso, a i nda q ue apenas para fazer o aco rdo.

c) O leg is lador traz, n o parti cu la r, i n comp reensíve l /imitação à n egociação p ro­cessua l : se as partes são capazes e desejam, consensual mente, uma amp l i ação do o bj eto l i t ig ioso após o saneamento, po r q ue n ão aceitar? Por q ue não ap l i car o a rt . 1 90, que consagra a negociação p rocessua l atíp ica?

É realmente d ifíc i l entender essa vedação; parece um fóssi l leg is lativo, rema­nescente de um s istema anter ior, i n com patível com o s istema atual , q ue perm ite a negociação p rocessua l . É, enfim , i negavel mente, uma regra que restri nge a negocia­ção p rocessual , pois, ao regu la r um negócio p rocessua l típico, i m põe os seus l im ites.

D i f ic i l m ente, porém , a i nval idade deco rrente dessa amp l iação p rocessua l n ego­c iada será decretada, a lém de ser bastante q uestio nável a legit i m i dade de q ua lq ue r das partes aco rdantes para q uestiona r a val idade dessa convenção, po r s u posta­mente v io lar a p ro i b i ção do i n ciso 1 1 do art . 330. Seria possível cogitar, no caso, tu quoque, vedado pela i n cidênc ia do p ri n cíp io da boa-fé p rocessua l (art. 5o, CPC) .

d) A poss i b i l i dade de a parte ped i r a descons ide ração da persona l i dade j u rí­d i ca na i n stânc ia recu rsal (art. 1 34, CPC) é, tam bém, uma m it igação à estab i l ização o bjetiva do p rocesso. Há amp l iação do o bj eto l i t ig ioso, com a fo rmu lação de ped ido de ap l i cação da sanção da desconsideração da personalidade jurídica .

e) Fato constitutivo s upe rven ie nte - causa de ped i r remota superven i ente, por­tanto - pode ser con hecido, até mesmo de ofíc io, caso i n te rf i ra no j u lgamento da cau­sa (art. 493, CPC) . Esse con hecimento pode dar-se em q ua lquer estágio do p rocesso. Trata-se de regra q ue, c laramente, enfraq uece o rigor p recl us ivo do art . 3 29, CPC, pois perm ite acrésci mo de nova causa de ped i r, até mesmo de ofíc io, relemb re-se.

Todas essas ponderações servem para demonstrar que o a rt . 329 do CPC pare­ce com p letamente fora do contexto do s i stema q ue o p rópr io CPC i n st it u i u .

6.5. Redução da demanda

Barbosa Mo re i ra s i ntet izou as h i póteses de redução da demanda : a) des i stên ­c i a parcia l ; b ) ren ú n cia parc ia l a o d i reito postu l ado; c ) t ransação parc ia l n a pendên ­c ia do p rocesso; d) convenção de arb i t ragem re lat iva a parte do obj eto do l i tíg io , na pendênc ia do p rocesso; e) i nterpos ição, pe lo autor, de recu rso parc ia l contra a sentença de m érito desfavo rável .89

89. MORE I RA, José Car los Barbosa. O novo processo civil brasileiro, p. 1 2 - 1 3.

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FR E D I E D I D I E R J R .

Fr ise-se q ue, n esses casos, o p rocesso cont i n ua em re lação à parte restante do mé rito e as decisões q ue homo l oguem tais atos, em j u ízo s i ngu la r, se rão i n ter­locutór ias e, não, sentenças.

Cada um desses casos será estudado em momento opo rtu no .

6.6. Alteração objetiva da demanda

O autor tem o d i re ito p rocessua l de p romover a alte ração (su bst i tu i ção) dos e l ementos obj etivos da demanda (ped ido e causa de ped i r) antes da c itação do réu (art. 329, I , CPC).

Após a ci tação, o autor somente poderá fazê- l o com o consent i mento do de­mandado, a i nda q u e reve l (art. 329, 1 1 , do CPC), q ue terá novo p razo de resposta, po is a demanda terá s ido a l terada. Trata-se de ve rdade i ro negóc io j u ríd ico p roces­sua l . A n egativa do réu deve ser exp ressa, pois o s i l ê ncio , após i nt imação da p ro­posta de m udança, poderá ser i n terpretado como concordânc ia tácita, ope rando-se a p rec l u são .90 Há en tend imento segu ndo o q ual a m udança obj etiva ex officio pe lo magistrado deve ser i m pugnada, sob pena de ope rar-se a p rec lu são.9 '

Após o saneamento, é vedada qua l que r alte ração o bjetiva p romovida pe lo autor, mesmo com o consenti mento do réu . Em razão d i sso, não se pode alterar ob ­j et ivamente o p rocesso em fase recu rsal, até mesmo para q ue não h aja s up ressão de i n stânc ia .

O bservadas estas regras, é possível a alte ração do o bjeto imed iato ou med iato do ped ido . 92 Eventua is co rreções de e rros mater ia is da demanda podem ser feitas a q ua lq ue r tem po.9 3

Cabem, aq u i , as mesmas crít i cas ao leg is lador fei tas acima, por ocasião da aná l i se do aditamento da petição i n ic ia l .

Não se nega i m po rtân c ia à estab i l idade do p rocesso. Sucede q u e o r igor p rec l u ­s ivo do d i s pos itivo não pode ser levado às ú lt i mas conseq uênc ias : n ão há, em tese,

q ua lq ue r p rej uízo a u m a alteração o bjetiva do p rocesso com a conco rdânc ia das

90 . "Apresentada petição pe lo autor, em q u e se altera a causa de ped ir, e n e n h u ma objeção apresentando o réu ,

que , ao contrári o, cu ida de negar- l he o fundamento, é de ad m it ir-se que consent iu na alteração. I nc idênc ia da

ressalva cont ida no art. 264 do CPC". (ST), 3' T., Resp 2 1 .940- 5 -MG, re i . M in . Ed uardo R ibe i ro, DJU 08.03 . 1 993, p .

3 . 1 1 4, co l h ida por Theotôn i o Negrão, Códi80 de Processo Civil, nota. 1 oa ao art. 264, CPC). Oart . 2 64 do CPC- 1 97 3

corresponde a o art. 329 do CPC atual . 9 1 . "Const i tu i n u l idade relativa a alte ração do pedido ex officio pe lo j u iz. Caso não haja i m pugnação o portu na,

ocorre prec l u são". (]TA 90/34 1 ; col h ida e anotada por Ne ry ]r. e N ery, Código de Processo Civil Comentado e

legislação processual civil em vigor, p. 706). 92 . MORE I RA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, p . 1 3 . 93 . D I NAMARCO, Când ido . Instituições de Direito Processual Civil, cit . , v. 1 1 , p. 69; Arruda Alvi m, Manual de direito

processual civil. 7' ed. São Pau lo : RT, 200 1 , v. 2, p . 352 - 353 .

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FO RMA Ç Ã O 00 P R O C E S S O E P E T I Ç Ã O I N I C I A L

partes, até mesmo após o saneamento . Se exist i r, o p rej u ízo deverá se r ver if icado in concreto e não p res u m ido pe lo leg is lador.

A r ig idez deste art igo coadu n a-se com o espírito das leg is lações do sécu lo X IX, denotando fo rmal i smo desnecessári o . Car los A l be rto Alvaro de O l ivei ra94 l em b ra a lgu n s d i s pos it ivos do d i reito estrange i ro, q u e podem servi r como refe rên cia : a) leg is lação p rocessua l a l emã, onde se perm ite a m odi f icação da demanda, i n depen ­dentemente da an uênc ia do adve rsár io, se entend i do estar p resente o req u i s ito da ut i l i dade para a causa; b) leg is lação p rocessua l austríaca, que auto riza o magis ­t rado a permit i r a mod if i cação da demanda se não conduz ao "agravamento" do desenvo lvi mento do p rocesso; c ) extenso regramento do Código de P rocesso Civi l Po rtuguês sob re o assu nto (arts . 272 -27 3)95 • Percebe-se q u e a anál i se da ut i l i dade e da viab i l i dade da alte ração do o bj eto l i t ig ioso do p rocesso deve ser transfer ida ao magistrado, q u e as ver if icará em cada caso conc reto q ue l h e fo r s ubmet ido . O leg is ­lado r part i u de p rem i ssa exatamente contrár ia a essa: é i nteressante, a p r i n cíp io , a alte ração consensual , salvo se não o fo r conc retamente.

6.7. Espécies de pedido

6.7. 1 . Pedido genérico

O ped ido tem de ser determ i n ado, confo rme visto . Ped ido indeterminado é ped ido i n e pto (art . 3 30, § 1 °, 1 1 1 , CPC) 96•

Perm ite a le i , em alguns casos, a formu lação de pedido genérico (art. 324 do CPC).

Determi nado quanto ao gêne ro, o pedido pode ser gené rico em relação à q uant i ­dade. No tocante ao an debeatur será determ i nado; em relação ao quantum debeatur,

94. OL IVE IRA, Carlos A lberto Alvaro de . Efetividade e processo de conhecimento, p. 6 1 -62 . 95 . Art . 272 . 0 do CPC português: "Alteração do ped ido e da causa de ped ir por acordo Havendo acordo das partes,

o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou amp l iados em qua lq uer a l tura, em 1 .• ou v i n stânc ia, salvo se a alteração ou amp l i ação perturbar i n conven ientemente a i n strução, d iscussão e j u lgamento do p le i ­to" . Ar t . 273 . 0 do CPC português : "Alteração do ped ido e da causa de pedir na falta de acordo 1 · Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou amp l iada na rép l ica, se o processo a admit i r, a não ser que a alteração ou amp l i ação seja consequênc ia de conf issão feita pe lo réu e aceita pe l o autor. 2 - O ped i do pode também ser alterado ou amp l iado na rép l i ca; pode, a lém d isso, o autor, em q ua lquer altura, red uzir o pedido e pode amp l iá - lo até ao encerramento da d i scussão em 1 .• i n stânc ia se a amp l i ação for o desenvolvi mento ou a conseq uênc ia do ped ido pr im itivo. 3 - Se a mod ificação do ped ido for fe i ta na aud iênc ia de d i scussão e j u l gamento, f i cará a constar da ata respetiva. 4 - O ped ido de ap l i cação de sanção pecu n iária com p u lsória, ao abrigo do n . o 1 do artigo 829.0-A do Código Civi l , pode ser deduz ido nos termos da segu nda parte do n .o 2. 5 -Nas ações de i n demn ização fundadas em responsab i l idade c iv i l , pode o autor req uerer, até ao encerramento da audiênc ia de d iscussão e j u lgamento e m 1 .• i n stância, a condenação do réu nos termos previstos no art igo 567 .0 do Código Civ i l , mesmo que i n ic ia lmente ten ha pedido a condenação daq ue le em q uant ia certa. 6 - É permit ida a mod ifi cação s i m u ltânea do ped ido e da causa de ped ir, desde q u e tal não i m p l i que convolação para re lação j u ríd ica d iversa da controvert ida" .

96. "É i nepta a i n ic ia l se o autor se l i m ita a ped ir que o réu seja condenado 'nas penas previstas na le i ' . " (NEGRÃO, Theotôn io . Códi3o de Processo Civil e le3islação processual em vi3or. 32 ed. São Pau lo : Saraiva, 200 1 , nota 2• ao art. 286 do CPC- 1 973, que corresponde ao art. 3 24, p . 375) .

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FR E D I E D I D I E R J R .

será i ndete rm i n ado. Trata-se de h i pótese de pedido relativamente i ndeterm i nado, po is .97 Não se pode, p . ex., ped i r a condenação a q ualq ue r p restação. A i ndeterm i na­ção ficará restrita à q uantidade ou à qual idade das coisas ou i m portânc ias p le iteadas .98

Três são as s i tuações em q u e se adm ite o ped ido gené ri co, todas p revistas n o art . 324, § 1 o, do CPC. Essas h i póteses são excepc ionais , "devendo po r i sto mesmo se r i nterp retadas rest r it ivamente" .99

Ad m ite-se ped ido gené rico nas ações universais, se não puder o autor i n d iv i ­duar na peti ção os bens demandados (art . 324, § 1 , I , do CPC) . Ações universais são aq ue las e m que a p reten são reca i sob re uma u n ive rsal idade, seja e la de fato o u de d i re i to . A peti ção de he rança é exemp l o de ação u n ive rsa l .

Art. 90 do Cód igo Civi l : "Constit u i u n iversa l idade de fato a p l u ra l idade de bens s i ngu lares q ue, pe rt i n entes à mesma pessoa, tenham dest i ­n ação un itária" . Ex. : reban ho , co leção de l ivros de uma b i b l i oteca etc .

Art . 9 1 do Código Civi l : "Con st i tu i u n ive rsa l idade de d i re ito o com p le ­xo de relações j u ríd icas, de uma pessoa, dotadas de valo r econôm i ­c o " . E x . : patri môn io , espó l io , massa fal ida etc.

Pode o autor fo rmu lar ped ido genér ico nas ações i n den izató rias (art. 324, §2o, 1 1 , CPC) . O d i s pos it ivo fala em "consequências de ato ou fato", sem especif icar se líc ito ou i l íc ito .

A opção é correta, po is ped ido i n den izató r io pode deco rrer de fatos lícitos ' 00 o u i l íc itos . Em q ua lque r h i pótese, "o j u i z poderá l evar em cons ide ração fatos novos ocorr idos depo i s da p ropos i tu ra da ação, para q u e possa p rofe ri r a sentença", 1 0 1 q ue deve refleti r o montante dos danos existente à época da sua p ro lação . Trata-se da h i pótese ma is freq uente de ped ido gené rico .

Não há razão para associar o dever de i nden izar somente aos atos i l ícitos . Trata-se de um víc io mu ito freq uente, que acaba por confund i r o fato j u rídico com o seu efeito. É possíve l q ue atos lícitos ten ham po r

eficácia, tam bém, o dever de i nden izar. São i n úmeros os exem plos : a) atos lícitos da adm i n istração, como a construção de um viaduto, po­

dem gerar o dever de i nden izar os adm i n i strados q ue se p rej ud icaram

e q ue não poderiam arcar sozi n hos com o ônus do benefício de todos;

97 . PASSOS, José Joaq u im Cal mon de. Comentários ao Código de Processo Civil, p . 1 72 . A i ndete rm inação do ped ido

não pode ser absol uta (Pontes de M i randa, Comentários ao Código de Processo Civil, t . 4, p . 35) .

98. THEODORO j r. , H umberto. Curso de Direito Processual Civil. 32• ed . Rio de Jane i ro : Forense, 2ooo, p . 3 1 9.

99 . CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8 ed . R io de jane i ro : Lúmen J ú ris , 2002. v. I, p .

3 1 7 . 1 00 . Exem plos de atos lícitos de eficácia i nden izante podem ser l i dos em Marcos Bernardes de Me l l o (chamados

pe lo autor de atos-fatos i nden izantes), Teoria do Fato jurídico. 10 ed . São Pau lo : Saraiva, 2000, p . 1 1 5 .

1 0 1 . N E RY J R . , Ne l son , N ERY, Rosa Maria de And rade. Código d e Processo Civil Comentado e Le!Jislação Processual

Civil em vi!Jor. 6• ed. São Pau lo : RT, 2002. p. 642.

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F O R MAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETIÇÃO I N IC I A L

b) a l egítima defesa e o exercíci o regular do d i reito são atos lícitos (art. 1 88 do Código Civi l) , mas podem gerar o dever de i nden izar (art. 929

do Código Civi l); c) Danos causados pelas emp resas ferroviárias a quem não seja passagei ro ou remetente de carga: o tráfego de trem é ato lícito, mas se, p. ex., uma faísca que s u rja do contato das rodas com os tri l hos vier a p rovocar u m i n cênd io em p lantações margi nais, esse dano deverá ser ressarcido e não terá havido ato i lícito.

M u ito embo ra não p rec ise q uant if icá- lo, o autor deverá especif icar o p rej uízo sofr i do . Afi rma H u m berto Theodoro ] r. : " Exp ressões vagas como ' perdas e danos' e ' l u cros cessantes' não se rvem para a n ecessár ia i n d iv id uação do obj eto da causa. N ecessariamente deve rá ser descrita a l esão s u po rtada pela vít ima do ato i l íc ito, v. g. : p rej uízos (danos eme rgentes) co rrespondentes à pe rda da co l h eita de ce rta lavou ra, ou , ai n da, os l u c ros cessantes representados pe la pe rda do rend imento líq u ido do veícu l o d u rante sua i n at iv idade ... " ' 0'

P rob l ema q u e me rece cu idadosa aná l i se é a do ped ido gené ri co n as ações de reparação de dano mora l : o autor deve ou não q uantif icar o valo r da i n den ização na peti ção i n i c ia l ? A resposta é pos it iva: o ped ido nestas demandas deve ser certo e dete rm i n ado, de l im itando o auto r q uanto p retende receber como ressarc i mento pe los p rej uízos mo rais q u e sofreu . Quem , a lém do p róp rio autor, poder ia q uant if icar a "dor mo ra l" q ue alega ter sofri do ? Como um s uje i to estra n ho e por i sso mesmo a l he i o a esta "dor" poder ia afe ri r a sua existên cia, mensu rar a sua extensão e q uan ­t if i cá- la em pecú n ia? A fun ção do m agistrado é j u lgar se o m ontante req uer ido pe lo auto r é ou n ão devido; não l h e cabe, sem uma p rovocação do demandante, d i ze r q uanto deve ser o montante . Ademais , se o auto r ped i r q ue o magist rado dete rm i n e o val o r da i n den ização, n ã o poderá recorrer da dec isão q ue, p o r absu rdo, a fixou em u m rea l (R$ 1 ,oo), po is o ped ido ter ia s ido aco l h ido i ntegralmente, n ão havendo como se cogitar i nte resse recu rsa l .

O art . 292, V, CPC, parece i r por este cam i n ho , ao i m po r como o val o r da causa o val o r do ped ido nas ações i nden izató rias, " i n c l us ive as f undadas em dano mo ra l" .

Somente é possível a i/iquidez do pedido, nestas h i póteses, se o ato causador do dano puder repercut ir, ai nda, no futu ro, gerando outros danos (p . ex. : uma s ituação em que a lesão à mo ral é cont i n uada, como a i nscri ção i ndevida em arq u ivos de con­sumo ou a contín ua ofensa à imagem); ap l i car-se- ia, então, o i n ciso 1 1 do § 1 o do art . 324, aqu i comentado. Fora desta h i pótese, i n cabíve l a form u lação de ped ido i l íq u ido .

joe l D ias F igue i ra j r. abordou com p recisão o tema : "Mu itas vezes, o ped ido de condenação (objeto i mediato) do réu (ped ido certo) por danos morais, deco rrentes da mo rte de u m ente q uer ido, não está na dependênc ia de q ua lquer e lemento probatór io para a sua fixação

1 02 . THEODORO ] r. , H u m berto. Curso de Direito Processual Civil. 32 ed. Rio de janeiro : Forense, 2000, p . 3 1 9.

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FR E D I E D I D I E R J R .

(determ i nação), em que tri steza e o sofrimento pe la pe rda i rreparáve l da pessoa amada aparecem de fo rma íns ita na própr ia re lação de d i ­reito mate rial v io lada, em face do i l ícito civi l p raticado . Nesses casos, arbitrar o valo r persegu ido com a demanda é um ônus processua l do postu lante, não podendo ser re legado, em pri n cíp io, para fase proces­sual poste rior o u remetido para esti pu lação, de acordo com o prudente critério do j u lgador". 103

O STJ ad m it i u , contudo, em bora sem grandes argumentos, a fo rm u la­ção de ped ido genér ico em demandas de ressarc imento de dano mo­ral : STL 1 • T., REsp n . 693 . 1 7 2/MG, Re i . M in . Lu i z F ux, j . em 23 .08. 2005, p ub l i cado no DJ de 1 2 .09. 2005, p . 2 3 3; STL 3• T., AgRg nos EDcl n o AREsp n . 1 58 .865/RL Re i . M i n . S idne i Benet i , j . em 26.06. 20 1 2, p u b l i ­cado no D j e de 29.06. 201 2 .

Perm ite-se, a i nda, ped ido gené ri co q uando a condenação depende r de ato a ser p raticado pe lo ré u (art. 324, § 1 o, 1 1 1 , do CPC), como na h i pótese da ação de p res­tação de contas cu m u lada com o pagamento do sa ldo devedor.

6.7.2. Pedido alternativo

Ped ido alte rnativo é aq ue le q u e rec lama p restações d i sj u nt ivas. Trata-se de t i po de ped ido c lass if icado a part i r de dada re lação de d i re ito su bstanc ia l , que per­m ite a sati sfação do d i re ito por p restações autônomas e excl udentes . Seu estudo d i z mais respe ito ao d i re ito mater ia l , cu idando a legi s l ação p rocessua l , tão-somen ­te, de regu lamentar a postu lação em j uízo dessas ob r igações .

O ped ido será alte rnativo q uando ve icu lar p rete n são o ri u nda de o b ri gação a l ­ternat iva, facu ltativa ou com facu ldade de su bsti tu i ção. 1 04 E l e está regu lado no art . 3 2 5 do CPC .

Não se trata de cumulação de pedidos (nem da chamada cu m u lação a lterna­t iva, vi sta l i n has atrás) : somente um ped ido é fe i to; a fo rma de sati sfação desse pedido é q ue é d i sj u n t iva105 •

1 03 . F I GUE I RA ] r. ]oe l D ias . Comentários ao Códiso de Processo Civil. São Pau lo : RT, 200 1 , vo l . 4, tomo 2, p . 92 -93 . No

mesmo sent ido, Ne ry ] r. e Ne ry: "2 . Dano mora l . Nas ações de i nden ização por dano moral ou à i magem (v.g . ,

CF s .o v e X), o pedido deve ser certo e determ i nado, f ixado pe lo auto r. Não se deve deixar para o perito j ud i cia l

a fixação do q uantum, na i nden ização dos danos extrapatri mon ia is" . (Códiso de Processo Civil Comentado e

Lesislação processual civil em visar. 6• ed . São Pau lo : RT, 2002. p. 642).

1 04. MORE I RA, José Carlos Barbosa More i ra . O novo processo civil brasileiro. 22• ed . R io de jane i ro : Forense, 20o2,

p . 1 2 ; PASSOS, ]osé Joaq u i m Cal mon de . Comentários ao Códiso de Processo Civil, v. 3, p . 1 90 . Or lando Gomes

aponta para a correção da termino logia: "A expressão obr igação facu ltativa é man ifestamente i m própria, po r

i n d icar a poss i b i l idade de não ser c u m prida ao arbítr io do devedor, o q u e ser ia absurdo . A doutri na a lemã

p refere des igná- la ob rigação com facu ldade alternativa, ou com facu ldade de so lução, ou a inda com facu ldade

de su bst itu ição". (GOM ES, Or lando. Obrisações. 3' ed . R io de Jane i ro : Fo rense, 1 972, p . 92) .

1 05 . Neste sent ido, PASSOS, José Joaq u i m Calmon de . Comentários ao Códiso de Processo Civil. 8• ed . Rio de jane i ro : Forense, 1 998, v . 3, p . 1 89; ASS IS, Araken de Cumulação de ações. 4' ed . São Pau lo : RT, 2002, p . 246 . Tratando o

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F O RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

Cons ide ram-se as ob rigações a l ternativas como compostas, po i s h á p revisão de ma i s de uma p restação c omo forma de ext i n ção da o b r i ­gação (arts. 252-256 do Cód igo Civi l ) : plures sunt in obliBatione, una autem in solutione. 1 06 Opõem-se às ob rigações c u m u lativas, em q u e se exigem do devedor vár ias p restações . ' 07 A s chamadas ob rigações facu ltativas são o b rigações s im p les, q u e m u ito se asseme l ham às al­te rnativas, mas apenas sob a ót ica do devedor, q u e poderá exi m i r-se da ob ri gação efetivando q ua l que r das p restações possíve is ; tem e l e a facu l dade de esco l h a da p restação a se r c u m p rida, embo ra somente uma de las seja a devida: existem uma p restação in obli3a tione e u m a i n facultate solutione. O Código C iv i l de 2002, ass im c o m o o de 1 9 1 6,

não cu idou expressamente de las . 1 08 A d iferença ent re as m oda l idades de obr igação res ide n o fato de que nas facu ltativas a segu nda p res­tação é acessó ria, se a p r ime i ra perecer, perecerá a o b rigação; n as

alternativas, a ob rigação só pe rece se am bas pe recerem . C ump re ad­

vert i r q u e a p restação in facultate solutione não pode ser exig ida pe lo credor, q ue não tem sobre e la d i reito de crédito . ' 09 Nas ob rigações a l ternativas, ao cont rár io, todas as p restações podem ser exig idas, cabendo a esco l h a ao c redor o u devedor, conforme seja.

Se a esco l h a da p restação cou be r ao auto r, não have rá ped ido a lte rnat ivo: se rá fixo, po is o autor ao fo rmu lá - lo fez a sua esco l h a. Poderá o autor reservar-se para esco l he r na fase de execução (mesmo e m se tratando de o b rigação de fazer, não fa­zer ou dar, cujo cu mp ri mento da respect iva sentença d i spensa p rocesso autônomo de execução), form u lando ped ido alte rnatiV0 1 1 0 •

Mesmo se o autor fo rm u lar ped ido fixo, nas h i póteses em que a esco l ha da p restação cou besse ao réu , deverá o ju iz assegu rar ao demandado o d i reito de esco l h a (parágrafo ú n ico do art . 3 2 5 , CPC) . " É que não se ria lícito a u m a parte, u n i late ral m ente, arrogar-se o ius eli3endi perten cente à out ra" _ , , Mas cabe ao réu a i n i c iativa de salvaguardar o seu d i reito de substi t u i ção, fazendo-a na contestação, não podendo o magistrado agi r de ofício . 1 1 2

E s e o ré u f o r reve l , tendo o autor form u lado ped ido fixo, q uan ­do a esco l ha caber ia ao demandado? Calmon de Passos responde

tema como c u m u lação alternativa, D I NAMARCO, Când ido Range i . Instituições de Direito Processual Civil, c it . , v. 2, p. 1 70- 1 7 1 ; SANTOS, Si las S i lva. Litisconsórcio even tual, a l terna tivo e sucessivo. São Pau lo : Atlas, 20 1 3, p. 97 .

1 o6 . Sobre o regramento das obrigações alternativas no Cód igo C iv i l de 2002, ver com proveito GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA F I LHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Obri3ações. São Pau lo : Saraiva, 2002, v. 2, p . 89-93.

1 07 . ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 4• ed. São Pau lo : RT, 2002, p . 245. 1 08. GAGL IANO, Pab lo Sto lze e PAM PLONA F I LHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Obri3ações. São Pau lo : Saraiva,

2002, V. 2, p. 94. 1 09 . GOM ES, Or lando . Obri3ações. 3• ed . R io de jane i ro : Forense, 1 972 , p . 93. 1 1 o . MORE IRA, ]os é Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22 ed. Rio de jane i ro : Forense, 2002, p . 1 2 . 1 1 1 . MORE IRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22 ed . Rio de jane i ro : Forense, 2002, p. 1 2 . 1 1 2 . CALMON DE PASSOS, Comentários ao Códi3o de Processo Civil, c it . , p. 1 92 .

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FR E D I E D I D I E R J R .

o q u est ionamento : "Não n o s parece q u e a reve l i a descaracter ize a natu reza da ob rigação . E la conduz à ad m i ss i b i l idade dos fatos, não à constitu i ção de fatos j u ríd icos novos, nem à descaracterização do fato j u ríd ico tít u l o da demanda. Conseq uentemente, ao revel deve o j u iz condenar, deferi ndo - l he o d i reito de esco l ha, se o autor form u l ou ped ido fixo q uando dever ia tê- lo posto como alte rnat ivo" ." 3

Não se ap l ica às demandas de ped ido alte rnativo o d i s posto no art . 292, V i l , CPC, que cu ida da h i pótese de c umu l ação alte rnat iva, em que há ma is de u m ped i ­do . Aq u i , conforme visto, cu ida-se de pedido único e, po is , de "um só valo r a con ­s ide rar, po rq uanto ent re as alte rnativas de so l ução i n existe d i ferença q uant i tativa, podendo-se fa lar apenas em d i fere n ça q ua l itativa" . " 4

6.7.3. Pedido relativo a obrigação indivisível

Cu ida o art . 328 do CPC"5 da h i pótese em q u e u m dos c redo res de o b rigação i n d ivisíve l p l e ite ia em j uízo a sua sati sfação.

Regu la-se a demanda que envolve re lação j u ríd ica c red i tíc ia em q ue há p l u ra l i ­dade de c redo res em torno de u m objeto i n d ivi síve l , e somente u m ou a lgu n s de les va i a j uízo ped i r a efetivação desta o b rigação. Esse art igo é o d i spos it ivo p rocessua l que " regu lamenta" as d i spos ições do d i re i to materia l re lac ionadas com a cob rança j u d ic ia l de c réd itos de o b rigação i n d ivisíve l . A co rreta com p reensão desse art igo i m põe q u e se façam, po is, a lgu mas cons ide rações de d i re i to materia l .

En tende-se por o b rigação i n d ivi sível aq ue la cuja p restação tem po r o bjeto uma co isa ou u m fato n ão suscetíve i s de d ivisão, po r sua natu reza, p o r motivo de o rdem econôm i ca, o u dada a razão dete rm i n ante do n egócio j u ríd ico (art. 258 do Código Civi l ) . São ob rigações, e nf i m , cuja p restação somente se pode cu m p ri r po r i nte i ro .

Quando há p l u ra l i dade de c redo res de ob rigação i n d ivi síve l , poderá cada um destes exigi r a dívida i nte i ra (art. 260, p rime i ra parte, do Código Civi l ) . A p l u ra l i dade de c redores de obr igação i n d ivi síve l i m p l i ca t ratamento igua l ao da so l i dar iedade ativa (arts . 264/265 c/c a rt . 260, todos do Código Civi l ) . " 6 O d i reito m ater ia l , ass im , leg it ima u m dos credo res a p le itear a dívida por i nte i ro .

A c lassificação das obrigações em divisíveis e i ndivisíveis d iz respeito ao seu objeto. Na verdade, o estudo da obrigação i ndivisível somente tem

1 1 3 . CALMO N DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, c it . , p . 1 92 . 1 1 4 . CALMO N DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, v . 3, c i t . , p . 1 90 . 1 1 5 . Ar t . 3 28 do CPC : "Na obrigação i n d ivi sível com p l u ra l idade de credores, aque le que não part i c ipou do p rocesso

receberá a sua parte, deduz idas as despesas na proporção de seu crédito" . 1 1 6 . "Não há dif icu ldade em reso lver as situações or iundas de obrigações com p restação ind ivisível, desde que se

reconheça a necessidade de disc i p l i ná- las pelas normas relativas às obrigações sol idárias". (Or lando Gomes,

Obrigações, p . 9 1 ) .

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FO RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P ET I ÇÃO I N I C I A L

relevância prática nas h i póteses em que há p l u ral idade de credores ou devedores - o que acaba por tornar o seu exame mu ito p róximo do estu­do das obrigações so l idárias, fazendo com que alguns autores as vejam como espécies de obrigações em razão dos sujeitos, e não do objeto."7

Nada obstante seme l hantes, d i st i nguem -se pe la causa: "A i nd iv i s i ­b i l idade resu lta de o bstác u lo ao fracionamento da ob ri gação, a inda q uando c riado em razão do que se q ue r o bter, e nquanto a so l idar ie­dade é garant ia q u e nada tem a ver com o conteúdo da p restação" ." 8 Os arts . 263 e 27 1 do Código Civi l reve lam u m t ratamento d iferenc iado das ob ri gações i n d ivi síve is e so l i dár ias, q uando se resolverem em pe rdas e danos .

Se apenas um dos c redores receber a p restação por i nte i ro, a cada um dos o utros assist i rá o d i re ito de exig i r de l e em d i n h e i ro a parte q ue lhe cai ba n o total (art. 261 do Cód igo Civi l) .

A regra do Código Civi l fo i rep rod uz ida no a rt . 328 do CPC, q ue l h e acrescenta, ent retanto, o segu i nte : aq ue le credo r q u e n ão part i c ipou do p rocesso, para l evan ­ta r o seu q u i n hão, deve rá arcar, p ropo rci onalmente, com as despesas p rocessua is da cobrança do crédito ( i n c l us ive hono rár ios advocatíc ios) . Essa é a pecu l iar idade t raz ida pe lo CPC, q ue com p lementa o regramento mater ia l - e q ue dá ao p resente a rt igo a lgu ma ut i l i dade, po is , do contrár io , ser ia me ra repeti ção do q uanto d i s posto no Cód igo Civi l . " 9

J á d i s s e Araken de Ass is q u e o art. 29 1 do CPC- 1 973 , correspondente ao atua l art . 3 28, se s i tua de mane i ra tota lmente i nco rreta no capí­tu lo dest inado à peti ção i n ic ia l e na seção dest i nada ao ped ido, pois nada de espec ia l ter ia a ação condenatór ia de cobrança de p restação i n d ivisíve l"0•

Ass im , resume Calmon de Passos : " Mas o autor apenas estará auto rizado a l e ­vantar a parte que l h e for devida, l egit i mados os que não part ic i param do p rocesso, tanto a executar a sentença pe la parte que l h e cou ber, com o a levantar do p roduto a q u ota q u e l h es for devida, abat ida sua part ic i pação p ropo rc iona l n as despesas do p rocesso" . 1 2 1

F i nalmente, uma observação: conforme o a rt . 274 do Código Civi l , pode ser q u e o out ro credor n ão l evante o s e u q u i n hão, se o devedo r, cont ra e le, t ive r a lgu ma exceção pessoa l .

1 1 7 . Sobre o tema, Or lando Gomes. Obrisações, p . 90; Robert Joseph Poth ie r. Tratado das Obrisações. Cam pi nas : Servanda, 2002, p . 248.

1 1 8 . Or lando Gomes. Obrisações, p . 9 1 . 1 1 9 . Neste sent ido, Araken de Assis , Cumulação d e ações, p . 250 . 1 20 . ASSIS, Araken de . Cumulação de ações, p. 249. 1 2 1 . PASSOS, José Joaq u i m Cal mon de. Comentários ao Códiso de Processo Civil, p . 1 98 .

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FR E D I E D I D I E R J R .

6.8. Interpretação do pedido e pedido implícito

6.8. 7 . Interpretação da petição inicial. Regras gerais sobre a interpretação dos atos postulatórios

De aco rdo com o §2o do art . 3 2 2 do CPC, o ped ido há de ser i n te rp retado de acordo com o conj un to da postu lação e com o p r i n cíp io da boa-fé.

Trata-se de regra i n d i spen sável à de l im itação do o bjeto l i t ig ioso do p rocesso1 2 2 •

A com p reensão desse d i s pos it ivo p ressu põe uma sér ie de cons ide rações.

a) A postu lação i n ic ia l é u m a dec laração de vontade ' 23 ; como tal , p rec isa ser i n terpretada.

Desta dec laração su rgi rão d iversas conseq uências j u ríd i cas p rocessua is : i) es­co l h a do j uízo a q uem a pet ição é d i r ig ida - dado necessár io para o exame da com­petênc ia; ii) esco l ha do p roced i mento a ser adotado; iii) fixação do o bj eto l i t ig ioso - e, po rtanto, a de l i m itação do exe rcíc io da f unção j u ri sd i c iona l ; iv) def i n i ção de quem está sendo demandado etc.

Não é, po rtanto, tema late ral , de somenos i m po rtânc ia . A dout ri n a, po rém , com as exceções de p raxe, não l h e dá a aten ção devida. 1 24

b) O caput do art . 3 2 2 i m põe q ue o ped ido tem de ser certo; ou seja, o ped ido tem de constar da peti ção i n i c ia l , n ão se aceitando, a p ri n cíp io, ped i do i m p lícito -há exceções, q u e se rão exam i nadas no p róxi mo item . Não se pode co ns ide rar como ped ido aq ue le q ue, embo ra pudesse ter s ido fo rmu lado, não o fo i 1 25 •

c) O art. 34 1 , 1 1 1 , CPC, traz regra de i nte rpretação da contestação. O réu tem o ônus de impugnar especif icadamente os fatos afi rmados pe lo autor. Se não o fize r, p resume-se ocorr ido o fato não i m pugnado. Sucede q ue o i n ciso 1 1 1 do art . 34 1 d i spõe que essa p resunção não oco rre rá, se os fatos não impugnados "estive rem em con ­

t radição com a defesa, cons iderada em seu conju nto". Ou seja, a regra i m põe a i n ­

terp retação s i stemática da contestação - para a l ém da i nterp retação l i teral , portanto .

1 22 . Sobre a i nterp retação do ped ido e a defi n ição do objeto l i t ig ioso, S I LVA, Paula Costa e. A c to e processo - o

dogma da irrelevância da von tade na in terpretação e nos vícios do acto postula tivo. Coi m b ra: Coi m b ra Edito ra,

2003, p. 375 -1 23 . M I RAN DA, Francisco Cavalcant i Pontes de . Comentários ao Código de Processo Civil. 3' ed . R io de jane i ro : Fo­

rense, 1 999, t . 4, p . 3-1 24 . Boa contr i bu ição naciona l sobre o tema em OL IVE I RA, B runo S i lvei ra de. O juízo de iden tificação de demandas e

de recursos no processo civil. São Pau lo : Saraiva, 201 1 , p. 1 25 e segs. ; MACHADO, Marcelo Pacheco . Correlação

no processo civil. Salvador : Ed i tora j u s Podivm, 201 5· 1 25 . " I nterpretar restritivamente o pedido é t i rar de le tudo q uanto ne le se contém e só o que ne le se contém, sem

que se possa amp l iá- lo por força de interpretação extens iva ou por cons ideração outra q ua lquer de caráter her­menêut ica . Com p reendido no pedido só o que expressamente contiver, não o que possa, v i rtua lmente, ser o seu conteúdo". (PASSOS, )osé Joaq u i m Calmon de Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit . , p . 209).

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F O R MAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

A i nterpretação s i stemática é técn i ca que tam bém se ap l i ca à i nterp retação do

ped ido . O §2o do art . 3 2 2 consagra uma regra de i nterpretação: o ped ido há de se r i n terp retado de acordo com o conj u n to da postu lação - regra s imétr ica à p revista

para a i nterp retação da contestação .

A causa de ped i r, como fu ndamento do ped ido , é, po rtanto, dado i m p resci n dí-

vel para a cor reta i nterp retação da postu l ação 1 26 •

Registre-se : co rretamente pensadas as coisas, ped ido e causa de pe­

d i r são perspectivas do d i reito mater ia l afi rmado em j u ízo. A causa

de pedi r com põe-se da afi rmação deste d i reito e o pedido se refere

ao efeito j u ríd ico mater ia l q u e deste d i reito deco rre. Ass i m , o o bj eto

do p rocesso não pode ser de l im itado sem q u e se levem em contas essas d u as pe rs pectivas. "7

Mesmo antes do CPC atua l , o STJ já en te ndeu q ue o ped ido há de se r i n te r­

p retado de acordo com o conj u n to da post u l ação: o ped ido deve se r i n fe r ido a part i r de u m a exegese l óg i co -s istêm i ca do com p leto teo r da pet ição i n i c ia l , razão pe la q ual n ão pode se r cons i de rado como ul tra petita o j u lgado q u e o i n te rp reta de fo rma a m p la e con cede à parte aq u i l o q u e fo i efet ivamente p retend i do com o aj u izamento da ação (STJ , 3• T. , REsp n . 1 .049 . s6o- M G, Re i . M i n . Nancy And ri gh i , j . e m 4 . 1 1 . 20 1 0) . 1 28

d) Ap l i cam-se à i nte rp retação do ped ido as no rmas de i n te rpretação dos atos j u ríd i cos; ou seja, as no rmas q ue d i sc i p l i nam a i n terp retação das dec larações de

vontade . A postu lação é, tam bém, u m a dec laração de vontade (art. 200 do CPC) .

O art . 1 1 2 do Código Civ i l , po r exem p lo, e n u nc ia que " nas dec larações de von ­tade se atende rá mais à i ntenção ne l as consu bstan ciada do q u e a o sent ido l i tera l da l i nguagem" . Trata-se de d i s pos it ivo p l enamente ap l i cáve l à in terp retação do

1 26 . Comentando o CPC - 1 973, q u e n ã o possuía e n u nc iado seme l hante (ao cont rár io , poss uía e n u nc iado q u e de­te rm i nava a i n te rp retação restr it iva do ped ido), Pontes de M i randa já d iz ia : " . . . a regra j u ríd ica não p reexc l u i q u e se p ref i ra a i nte rp retação q u e m a i s de afe içoe à c a u s a de ped i r o u à narração dos fatos" . ( M I RANDA, Franc isco Cavalcant i Pontes de . Comentários ao Códiso de Processo Civil. 3' ed . R io de j ane i ro : Forense, 1 999, t . 4, p . 82 . )

1 27 . MANDRIOU, Cr isanto . "Rif less ion i i n tema d i ' petit um ' e d i 'causa petend i ' " . Rivista di Diritto Processua fe. Padova: CEDAM, 1 984, v. XXX IX, p. 474.

1 28 . Nesse sent ido, em dete rmi nado p recedente, afi rmou o STJ q ue, ainda que exp ressa de forma s i nge la, a pet ição i n ic ia l que perm ite conc l u i r pe la p retensão de tute la anteci pada não i nval ida a deci são que a concede. Consta do p recedente que "A petição i n ic ia l , não obstante ter sido redigida de forma s i nge la, narra que o autor bus­ca a concessão de aposentador ia por i nval idez ru ra l porq ue é segu rado da P revidênc ia Soc ia l e se encont ra

i nvál ido para o traba lho que l he garanta o sustento" e que "Ao f ina l , consta ped ido para que o benefício seja im plantado desde a c itação, o q ue, a l i nhado às razões deduzidas, traduz p retensão de c u n h o anteci pató r io" . (http ://www.stj . j u s . b r/portal_stj /pub l i cacao/eng ine .wsp?t m p .area=398tltmp.texto= 1 1 0983, notíc ia pub l i cada em 29 de agosto de 20 13 ) .

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FR E D I E D I D I E R J R .

ped ido 1 29- ' 30 . É p rec iso i nvestigar a vontade do postu lante, para que se possa p roce­der corretamente à i nterp retação do ped ido . Regi stre-se: a vontade da parte não é i r re levante para a i nterp retação do ped ido ' 3 ' .

Em bora a i nterpretação l ite ral sej a o ponto de part ida - uma i nte rp retação que contrar ie fronta lmente o texto ou q u e não se ten h a u m "mín imo de co rrespondên ­c ia no texto respectivo" ' 32 d if ic i lmente se rá cons iderada com o legít ima' 33 - , e la não é a ú n ica técn i ca possíve l de i nterpretação. A i n te rpretação te leo lógica tam bém é i m po rtante - a lém da s i stemát ica, já refe r ida. E é d isso q u e t rata o a rt . 1 1 2 do Có­d igo Civi l .

O art . 1 1 3 d o Cód igo Civi l e n u n c ia, ai nda, q u e "os negóc ios j u ríd icos devem ser i nterpretados confo rme a boa-fé e os usos do l ugar de sua ce leb ração" . A ap l i cação do d i spos it ivo à i nterpretação do ped ido é c la ra, até mesmo como refo rço à i n c idên ­c ia do p ri n cíp io da boa-fé p rocessua l .

Os s ign os (palavras, n úme ros e out ros sím bo los) ut i l i zados pe lo demandante devem ser i nterpretados de acordo com a boa-fé e com os u sos do l u gar de sua ce­l eb ração . Se, em dete rm i n ada com u n i dade, u m a expressão consagrou -se, pelo uso, em um sent ido , não se pode, ao i nterpretá- la poster io rmente, dar a ela um sent ido i n com patíve l com aq ue l e q ue a e la semp re se at ri b u i u .

1 29 . Ass im , ST) . 3' - T. , REsp n . 6 1 3 . 7 3 2-RR, re i . M i n . Nancy Andrigh i , j . e m 1 0. 1 1 .2005: "PROCESSUAL C IV I L. I NTERPRE­TAÇÃO DE ATO PROCESSUAL . PED IDO DE DES ISTÊNC IA DA AÇÃO I NTERPRETADO COMO REN Ú N C IA. SENT IDO LITERAL DA L I NGUAGEM EMPREGADA I N CORRETAM ENTE PELA PARTE . I NADEQUAÇÃO. BUSCA PELA REAL VONTADE CONT IDA NO ATO PROCESSUAL. REN Ú NC IA . N ECESS IDADE DE I NTERPRETAÇÃO RESTRIT IVA. - A i nterp retação l iteral e gra­matical dos atos p rocessuais é a mais pob re e perigosa das i nterpretações, acabando por desviá-lo de sua f ina l idade, com desastrosas conseq uênc ias . - É imp resc indível ao ap l i cador ou i ntérprete do ato p rocessual perq u i ri r pe la valo ração vol it iva i nse rta em seu conteúdo, po is o conteúdo deve preponderar sobre a forma. - A ren ú nc ia ao d i reito que se funda a ação é c lassif i cada tanto pela doutr ina como pela j u ri sp rudênc ia como i n st ituto de natu reza material e, por isso, deve ser i nterpretada restritivamente".

1 30. " . . . o ped ido é uma dec laração de vontade que p recisa ser descod ificada, e la deve ser i nterp retada atendendo­-se mais à in tenção do auto r do ato do q u e ao seu sent ido l i teral (art. 1 1 2 do CC). Perq u i rição da vontade efe­tiva do autor do ato e i nterp retação restritiva dos pedidos não são, portanto, vetores incom patíve is" . (PERE I RA, Lu is G u i l herme Gonçalves. A possibilidade jurídica de julsamentos implícitos no processo civil. D i ssertação de mestrado . U n iversidade Federal da Bahia, 20 1 2, p. 74).

1 3 1 . Sobre o assu nto, longamente, é i m p resc indível a le i tu ra de S I LVA, Paula Costa e . Acto e processo - o dosma da irrelevância da von tade na in terpretação e nos vícios do acto postula tivo. Co imbra: Coi m b ra Edito ra, 2003, p . 341 -448. Nesse sentido, também, o enu nc iado n . 285 do Fórum Permanente de Processua l i stas Civi s : "A interpretação do pedido e dos atos postu lató r ios em geral deve levar em cons ideração a vontade da parte,

ap l icando-se o art . 1 1 2 do Código Civi l " . 1 32 . PERE I RA, Lu i s Gu i l he rme Gonçalves. A possibilidade jurídica de julsamentos implícitos no processo civil. Dis­

se rtação de mestrado . U n iversidade Federa l da Bah ia, 201 2, p . 7 1 . A propós ito, como refe rênc ia, o n . 1 do art.

238• do Código Civi l po rtuguês, que cuida dos negócios j u rídicos fo rmais : " 1 . Nos negócios formais não pode

a dec laração valer com um sentido que não tenha u m mín imo de correspondênc ia no texto do respectivo

documento, a inda que i m pe rfeitamente expresso". 1 3 3 . Ressalva-se a poss ib i l i dade de ambas as partes conco rdarem com isso e a causa perm iti r autocom posição.

588

Neste caso, teríamos verdade i ro negócio j u ríd ico processua l . A p ropósito, S I LVA, Pau la Costa e . Acto e processo

- o dosma da irrelevância da von tade na in terpretação e nos vícios do acto postulativo, c it . , p . 393-395 .

44

F O RMAÇÃO DO P R O C E S S O E P E T I ÇÃO I N I C I A L

O CPC rep roduz iu a regra de i nterp retação, q uando, n a parte fi na l do §2o do a rt . 322 , determ i n ou q ue o ped ido se ja i nterpretado de acordo com a boa-fé .

e) A i n terp retação do ped ido deve observar o d i re ito de defesa . Não se pode dar à postu l ação um sent ido que com p rometa a defesa, que se base ia sem p re na­q u i l o que foi demandado . Não é l íc i to i nterp retar a postu l ação para extra i r de la u m ped ido q u e o réu não contestou .

A man i festação do réu, porém , é u m dado re levante para a defi n i ção do q uanto foi postu lado . Por vezes, em bora a peti ção não seja tão c lara - o que poderia levar à i n épc ia da peti ção i n i c ia l -, a contestação, q u e tam bém deverá ser i nterp retada, se rve para reve lar o sent ido em q u e a postu lação do auto r fo i form u lada ' 34 - sent ido esse q ue foi efet ivamente contestado pe lo réu ' 35 •

No ponto, m u ito opo rtuna a refe rên cia ao art . 1 86°, 3, do CPC po rtuguês : "3. Se o réu contestar, apesar de argu i r a i nept idão com fundamento na a l ínea a) do n ú me ro ante rio r, não se j u lgará p rocedente a argu i ção q uando , ouv ido o auto r, se ver if icar q u e o réu i nterpretou conven i entemente a petição i n i c ia l " .

Registre-se: a postu l ação em j uízo é u m a dec laração de vontade com no mín imo do i s dest i natár ios, a contraparte e o ó rgão j u ri sd i c iona l ' 36 •

Po r isso, se am bas as partes estão concordes em relação à i n tep re­tação da postu l ação, o p rob l ema da i nterp retação do pedido p rat i ca­m ente de ixa de exi st i r, ressalvadas as s i t uações de p rocesso s i m u la­do. Não se pode esq uecer q u e a parte demandada é o desti natár io da dec laração de vontade (ped ido) que tem, em tese, con h ecim entos sob re a re lação j u ríd ica mater ia l controvert ida . o ó rgão j u ri sd ic iona l não d i spõe dessas i nformações.

Como afi rma Pau la Costa e S i lva, "d i f ic i l mente se poderá j u st i f icar q ue, exist i ndo uma convergênc ia das partes q uanto ao sent ido com q u e devem se r com p reend idos os com po rtamentos p rocessuais , este entend imento possa ser poste rgado po r um entend imento d ivergente do t ri b u na l" ' 37 •

Não por acaso, ped ido o bscu ramente deduz ido leva à i n épc ia da peti ção i n i c ia l , exatamente po rq ue d i f i cu lta a fixação do objeto l i t i gioso e a defesa do demandado .

1 34 . S I LVA, Pau la Costa e . Acto e processo - o dogma d a irrelevância d a vontade na interpretação e n o s vícios do acto postula tivo, cit., p . 376 .

1 35 . Ass im como a man ifestação do auto r ( rép l i ca) sob re a contestação é u m dado relevante para a correta i nter­p retação da peça de defesa.

1 36 . S I LVA, Pau la Costa e . Acto e processo - o dogma da irrelevância da von tade na interpretação e nos vícios do acto postula tivo, cit., p . 380.

1 37 . S I LVA, Paula Costa e . Acto e processo - o dogma da irrelevância da von tade na interpretação e nos vícios do acto postula tivo, c it . , p . 3 77 -

589 45

FR E D I E DI D I E R J R .

f) Do p ri n cíp io da cooperação, como vi sto neste vo l u m e do Cu rso, deco rre o dever de esclarecimento. Ass im , caso tenha d úv idas sob re o sent ido da postu lação, deve o ó rgão j u ri sd i c iona l i nt imar a parte para q u e o esc lareça.

g) Tudo o q uanto aq u i se d i sse ap l i ca-se, muta tis mutandis, à i n te rp retação de todos os atos postulatórios, como a con testação, a réplica e os recursos' 38• Todos são dec larações de vontade.

E i s a síntese: i ) o j u lgado r deve ater-se aos ped idos fo rmu lados pe lo deman­dante, ressalvados os ped idos i m p lícitos, ad iante exam i nados; ii) a i dent if i cação dos ped idos exp ressam ente fo rm u lados decorre da i n terp retação da demanda, con ­s i de rada como dec laração de vontade e que deve ser i n terpretada em seu conj u n to; iii) a i nte rp retação do ped ido deve basear-se, ai nda q u e m i n i mamente, n o texto da peti ção i n i c ia l ; iv) a i nterpretação do ped ido não pode p rej ud i car a defesa; a defesa, porém, pode servi r como dado para a i nterp retação do ped ido; v) a i nterpretação do ped ido deve observar o p ri n cíp io da boa-fé e os usos do l ugar da postu l ação.

6.8.2. Pedido implícito

O ped ido i m p líc ito é aq ue le q ue, embo ra não exp l i c itado no i n st r umento da postu lação, com põe o o bj eto l i t ig ioso do p rocesso (mérito) em razão de dete rm i na­ção lega l . Mesmo q u e a parte não peça, deve o m agistrado exam i ná- lo e dec i d i - l o .

É tem pe ramento da regra de q ue o ped ido há de ser certo .

Quando há ped ido i m p líc ito, ocorre uma c u m u lação o bjetiva de ped idos por fo rça de le i (ex vi legis) ' 39 : é com o se a le i acrescen tasse à demanda um n ovo ped i ­do . Em bora se t rate de ped ido i m p lícito, não se perm ite a condenação i m p líc ita'40 : o magi strado deve exam i na r exp ressamente o ped ido i m p l íci to ' 4' . A aná l i se desse ped ido tam bém se const i tu i capítu l o autônomo da dec i são14 2 •

Ass im , o caput do art . 49 1 do CPC: "Art . 491 . Na ação re lativa à ob ri ­

gação de pagar q uant ia, a i nda q ue form u lado ped ido genérico, a dec i ­

são defi n i rá desde l ogo a extensão da ob rigação, o índ ice de correção

monetária, a taxa de j u ros, o termo i n ic ia l de ambos e a per iod ic idade

da capita l ização dos j u ros, se fo r o caso, sa lvo q uando : " .

1 38 . Nesse sent ido, tam bém, o e n u nciado n . 2 8 6 do Fó rum Permanente de P rocessual istas Civi s : "Apl ica-se o §2•

do art. 322 à i nterpretação de todos os atos postu lató r ios, i n c l usive da contestação e do recu rso" .

1 39 . Lúc ida síntese de Când ido D i namarco. Capítulos de sentença, c i t . , p . 66 .

1 40. ASS IS , Araken de . Cumulação de ações, cit . , p . 247; PASSOS, José Joaq u i m Calmon de . Comentários ao Códiso

de Processo Civil, v. 3 , c i t . , p. 2 1 0 .

1 4 1 . N ão obstante isso, s ú m u la do STF, n . 254 : " I nc luem-se os j u ros morató r ios na l i qu idação, em bora omisso o

ped ido i n ic ia l ou a condenação". 1 42 . D I NAMARCO, Cândido Range i . Capítulos de sen tença, cit . , p . 66.

590 46

FO R MAÇÃO DO P R O C E S S O E P ETI ÇÃO I N I C I A L

São exem p los de ped ido i m p lícito : a ) os j u ros l egai s (art. 322 , § 1 o, CPC; arts . 405 e 406 do Código Civi l ) ; ' 43 b) ressarc imento das despesas p rocessua is e dos ho­no rár ios advocatíc ios (art . 3 22, § 1 o, CPC); c) cor reção monetár ia (art. 3 22, § 1 o, CPC; art . 404 do Código Civi l ) ; d) ped ido re lat ivo a o b rigações com p restações per iód icas, pois o autor está desob rigado a ped i r as p restações vi ncendas : o magist rado deve i n c l u i r, na dec i são, as p restações vi n cendas e não pagas (art . 3 2 3 do CPC) . I m po rta fr isar q ue os j u ros convencio na is ou com pensató r ios não p resci ndem do ped ido exp resso do autor, não se con sti t u i ndo ped ido i m p lícito ' 44 •

Cr ist iano Chaves de Far ias tam bém aponta o ped ido de a l imentos como i m p lícito na demanda de i nvestigação de pate rn idade, em ra­zão do art. 7o da Lei n. 8 . 560/ 1 992'4 5 •

Segue um rol de e n u nc iados de s ú m u las dos t ri b u na is s u per iores re lativas aos j u ros .

STJ 1 2 : Em desaprop riação, são c umu láve i s j u ros com pensató r ios e mo rató r ios .

STJ 43 . I n c ide co rreção monetár ia sobre dív ida por ato i l ícito a part i r da data do efetivo p rej uízo .

STJ 54 . Os j u ros morató r ios f l uem a part i r do evento danoso, em caso de responsab i l idade extracont ratua l .

STJ 69 . Na desaprop riação d i reta, os j u ros com pensató r ios são devidos desde a antec ipada i m issão na posse e, na desapro p riação i nd i reta, a part i r da efetiva ocu pação do imóve l .

STJ 70. Os j u ros mo rató r ios, na desaprop riação d i reta ou i nd i reta, contam -se desde o trânsito em j u l gado da sentença .

STJ 93 . A legi s l ação sob re cédu las de c rédito ru ral, comerc ia l e i n d us­tr ia l adm ite pacto de capita l ização de j u ros .

STJ 1 02 . A i n c i dência dos j u ros mo rató r ios sob re os com pensató r ios, nas ações exprop riatórias, não constit u i anatoc i smo vedado em l e i .

STJ 1 1 3 . Os j u ros com pensatór ios, na desapro p riação d i reta, i nc idem a part i r da im issão na posse, ca lcu lados sob re o valo r da i nden ização, corr ig ido monetariamente.

1 43 . A r t . 405 do Código Civi l : "Contam-se os j u ros de mora desde a citação i n ic ia l" . A r t . 406 do Cód igo Civi l : "Quando os j u ros mo ratór ios não fo rem convenc ionados, ou o forem sem taxa est i pu lada, ou quando p rovierem de de ­termi nação da le i , serão fixados segu ndo a taxa q u e estive r em v igor para a mora do pagamento de i m postos devidos à Fazenda Naciona l" .

1 44 - ASS IS , Araken de . Cumulação de ações, c i t . , p . 248 , com am p las refe rênc ias b i b l i ográficas. 1 45 . FAR IAS, Cr ist iano Chaves de. " I nvestigação de pate rn idade" . Procedimentos especiais Cíveis - le!Jis/ação extra ­

va!Jante. Fredie D id ie r j r. e Cr ist iano Chaves de Farias (coord.) . São Paulo : Saraiva, 2003, p. 90 1 .

591 47

592

FR E D I E D I D I E R J R .

STJ 1 1 4 . Os j u ros com pensató r ios, na desaprop riação i n d i reta, i n c idem a part i r da ocu pação, ca lcu lados sob re o valo r da i n den ização, corr i ­g ido monetariamente.

STJ 1 76. É n u la a c láusu l a contratua l que s uje ita o devedor à taxa de j u ros d ivu lgada pe la ANB I D/CET IP.

STJ 1 86. N as i nden izações por ato i l íc ito, os j u ros com postos somente são devidos por aq ue le q u e p rati cou o crime .

STJ 1 88 . Os j u ros morató r ios, na repetição do i ndéb ito, são devidos a part i r do trâns ito em j u l gado da sentença.

STJ 204. Os j u ros de mo ra nas ações re lativas a benefíc ios p revidenc i ­á r i os i nc idem a parti r da c i tação vál ida .

STJ 362 . A correção monetár ia do valo r da i n den ização do dano mo ral i n c ide desde a data do arb i t ramento .

STJ 408. Nas ações de desaprop riação, os j u ros com pensató r ios i n c i ­dentes após a Med ida P rovisória n . 1 . 5 77 , de 1 1 /06/ 1 997, devem se r f ixados em 6"/o ao ano até 1 3/09/200 1 e, a part i r de então, em 1 2"lo ao ano , na fo rma da Sú m u la n . 6 1 8 do S up remo Tri bu na l Federa l .

STJ 426 . Os j u ros de mo ra na i nden ização do segu ro D PVAT f l uem a part i r da c itação .

STF 1 2 1 . É vedada a capita l ização de j u ros, a inda q u e exp ressamente convenc ionada .

STF 254 . I n c l u em -se os j u ros mo rató r ios na l i q u idação, em bora om i sso o pedido i n i c ia l ou a condenação.

STF 562. Na i nden ização de danos mater ia is decorrentes de ato i l íc ito cabe a atua l ização de seu valo r, u t i l izando-se, para esse fi m , dent re out ros cr itér ios, dos índ i ces de correção monetár ia.

STF 596. As d i s pos ições do Dec . 22 .626/33 não se ap l i cam às taxas de

j u ros e aos out ros encargos cobrados nas operações real izadas por

i n st i tu ições púb l i cas o u p rivadas q ue i n tegram o s i stema f i nance i ro

naciona l .

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18.RESPOSTASDORÉU

Sumário: 18.1. Introdução – 18.2. Contestação: 18.2.1. Prazo; 18.2.2.Matériasdedefesa;18.2.3.Princípiodaimpugnaçãoespecíficadosfatos;18.2.4.Princípioda eventualidade – 18.3. Reconvenção: 18.3.1. Conceito; 18.3.2. Condições daação;18.3.3.Pressupostosprocessuais;18.3.4.Procedimento.

18.1.INTRODUÇÃO

Oréu,integradoàrelaçãojurídicaprocessualpormeiodacitação,passaaterciência da existência da demanda movida contra ele, sendo essa a sua primeirainformação dentro do procedimento. E, mais do que isso, acompanhando o atocitatório, haverá também uma intimação ao réu para que, querendo, apresente suaresposta no prazo legal. Dessa forma, essa conjugação de citação e intimaçãorepresentademaneirabastanteclaraofenômenodocontraditórionoprocessocivil:informaçãodaexistênciadademandajudicialeaberturadepossibilidadedereação.

Étradicionalaafirmaçãodequearespostadoréuconstituiumônusprocessual,considerando-se que o réu somente se manifestará se essa for sua vontade, quedeterminará também a forma de reação. A inércia do réu, algo absolutamenteadmissível no processo civil, gerará em regra a sua revelia, fenômeno ligado àinexistência jurídica de contestação, com as limitações previstas pelo art. 345 doNovoCPC.A inércia, entretanto, ainda que possa ser considerada uma espécie derespostado réu, jáqueaausênciade respostaéumaespéciede respostaomissiva,seráanalisadanocapítuloreferenteàrevelia,nãosendoobjetodeanálisenopresentecapítulo.

Interessamnomomentoapenasasrespostaspositivasqueoréupoderámanejarapósasuacitação,sendoessasdasmaisvariadasordens,aindaqueoNovoCódigodeProcessoCivilprevejaapenasacontestaçãoeareconvençãoempartedirigidaàsrespostasdo réu.Apesarda inegável importânciadessasduasespéciesde resposta,existem outras formas que precisam ser destacadas, como o chamamento aoprocesso,adenunciaçãodalide,oreconhecimentojurídicodopedido,aimpugnaçãoaovalordacausa,aimpugnaçãoàconcessãodosbenefíciosdaassistênciajudiciária,desde que manejadas pelo réu e no prazo de defesa, considerando-se que alguns

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dessesinstitutosprocessuaistambémpodemsermanejadospeloautor(porexemplo,denunciaçãoda lide)ouemoutromomentoprocessual (porexemplo, impugnaçãoaos benefícios da assistência judiciária). Também pode se considerar espécie derespostadoréuaalegaçãodelitisconsórciomultitudinário.

Apesardasinúmerasespéciesderespostadoréu,nopresentecapítuloanalisar-se-ásomenteduasdelas:acontestação(quepassaaincluiraimpugnaçãoaovalordacausaeaimpugnaçãoàconcessãodosbenefíciosdagratuidade)eareconvenção.Adenunciaçãoda lideeochamamentoaoprocesso são tratadosnoCapítulo8, itens8.3.e8.4.Omesmoocorrecomoreconhecimentojurídicodopedido,analisadonoCapítulo23,item23.2.2.2.2.,eolitisconsórciomultitudinário,enfrentadonoCapítulo7,item7.4.

Registre-se que, com a mudança na forma de alegação de incompetênciarelativa, que passa no Novo Código de Processo Civil a ser feita na própriacontestação, e com o reconhecimento de que a suspeição e o impedimento sãomatériasalegáveisporambasaspartes,onovodiplomaprocessualnãoprevêmaisasexceçõesrituaiscomoespéciesderespostadoréu.

18.2.CONTESTAÇÃO

18.2.1.PRAZO

Acontestaçãoéarespostadefensivadoréu,representandoaformaprocessualpelaqualoréuseinsurgecontraapretensãodoautor.Oprazodecontestaçãoéde15dias,sendootermoinicialdetalprazotratadopeloart.335doNovoCPC.

NostermosdoincisoIdoart.335doNovoCPC,oprazoteminícioapartirdaaudiênciadeconciliaçãooudemediação,oudaúltimasessãodeconciliação,quandoqualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição.Comosepodenotar,aausênciadapartee/ouadvogadonãoimpedequeelessaiamintimadosdaaudiênciaquantoaoiníciodoprazoderesposta.

Nocasodeambasaspartessemanifestaremexpressamentecontraarealizaçãoda audiência de conciliaçãooudemediação, o inciso II do art. 335doNovoCPCprevêadatadoprotocolodopedidodecancelamentodaaudiênciadeconciliaçãooudemediaçãoapresentadopeloréucomotermoinicialdoprazoderesposta.Otermo

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inicialnessecasoindependedequalquerintimaçãoespecíficaparaapráticadoato.Havendo litisconsórcio passivo, o prazo de cada um terá termo inicial autônomo,contadodoprotocolodorespectivopedido(§1.º).

JáoincisoIIIdoartigooraanalisadoprevêaaplicaçãosubsidiáriadoart.231doNovoCPCadependerdaformacomofoifeitaacitação.

Oart.335,§2.º,doNovoCPC,prevêtermoinicialparaacontagemdoprazopara a resposta do réu especificamente quando a demanda não admitirautocomposição(nessecasonãohaveráaaudiênciadeconciliaçãooudemediação),e,havendolitisconsórciopassivo,oautordesistiremrelaçãoaréuaindanãocitado.Nesse caso, o prazo terá início na data de intimação da decisão que homologar adesistência.

Diante do novo procedimento criado peloNovoCódigo de ProcessoCivil, acontestaçãoseriaapresentada,quandonecessário,depoisdarealizaçãodaaudiênciadeconciliaçãoemediação.Oart.340doNovoCPC,entretanto,criaumahipótesenaqual a contestação poderá ser protocolada antes da audiência de conciliação emediação.

Segundoocaputdodispositivo,havendoalegaçãodeincompetênciarelativaouabsoluta,acontestaçãopoderáserprotocoladanoforodedomicíliodoréu,fatoqueserá imediatamente comunicado ao juiz da causa, preferencialmente por meioeletrônico.

Comoo§1ºdoart.340doNovoCPCprevêqueacontestaçãonessecasoserásubmetida a livre distribuição ou, se o réu houver sido citado por meio de cartaprecatória,juntadaaosautosdessacarta,seguindo-seasuaimediataremessaparaojuízo da causa, fica claro que o protocolo se dá em foro distinto daquele no qualtramita o processo, o que inviabiliza materialmente que seja a contestaçãoapresentadanaaudiência.

Entendo, contudo, que o protocolo de contestação com preliminar deincompetência pode ocorrer até mesmo no juízo no qual tramita o processo,conformeamplamenteexpostonoCapítulo18,item18.2.1.Éevidentequeserámaisfácilparaoréufazeroprotocolonoforodolocaldeseudomicílio,masoobjetivoprincipal da regra é evitar que o réu seja obrigado a comparecer à audiência de 52

conciliaçãoemediaçãoemjuízoincompetente,tendoimportânciasecundáriaoforoemqueacontestaçãoéprotocolada.

O protocolo da contestação nos termos analisados é causa de suspensão darealização de audiência de conciliação emediação já designada (art. 340, § 3º, doNovoCPC).

Sendoreconhecidaacompetênciadoforoindicadopeloréu,o§2ºdoart.340doNovoCPCprevêqueojuízoparaoqualforadistribuídaacontestaçãoouacartaprecatória será considerado prevento, sendo responsável, nos termos do § 4º domesmo dispositivo, a designar nova data para a audiência de conciliação ou demediação.

18.2.2.MATÉRIASDEDEFESA

Sendo a contestação a única resposta do réu comnatureza de defesa contra apretensão do autor, é nela que o réu deverá elencar suas matérias de defesa. Adoutrina costuma dividir as matérias de defesa passíveis de alegação em sede de

contestaçãoemdoisgrandesgrupos,cadaqualcomsuassubdivisões505:

(a) defesas processuais, divididas em dilatórias, peremptórias e defesas dilatórias potencialmenteperemptórias;

(b)defesasdemérito,divididasemdefesasdeméritodiretaseindiretas.

18.2.2.1.Defesasprocessuais

As defesas processuais, também chamadas por parcela da doutrina dedefesas

indiretaspornãoteremcomoobjetoaessênciadolitígio506,estãoprevistasnoart.337 do Novo CPC. Na praxe forense são tratadas como defesas preliminares emrazãodolocalidealdentrodacontestaçãoparaseremalegadas(antesdasdefesasdemérito). Cabe ao juiz analisar as defesas processuais antes das defesas de mérito(defesassubstanciais).Opontoemcomumquereúnetodasessasespéciesdedefesaéasuacaracterísticadenãodizeremrespeitopropriamenteaodireitomaterialalegadopelo autor, mas tão somente à regularidade formal do processo, ou seja, aoinstrumentoutilizadopeloautorparaobteraproteçãoaodireitomaterial.

Essas defesas processuais são divididas conforme a consequência do seuacolhimento no caso concreto. Tradicionalmente, as defesas preliminares são

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divididas em defesas dilatórias, cujo acolhimento não põe fim ao processo, tãosomenteaumentandootempodeduraçãodoprocedimento,edefesasperemptórias,que,umavezacolhidas,fazemcomqueoprocessosejaextintosemaresoluçãodomérito.Alémdessasduasespécies,acreditoexistirumaterceira,quenãoseamoldacom perfeição a nenhuma das duas anteriores, e que prefiro chamar de defesasdilatóriaspotencialmenteperemptórias.Sãoasdefesasque,acolhidas,permitemaoautorosaneamentodovícioouirregularidade,casoemqueoprocessocontinuaráea defesa terá sidomeramente dilatória.No caso contrário, de omissão do autor, adefesatomanaturezaperemptória,gerandoaextinçãodoprocessosemaresoluçãodomérito.Nessecaso,nãoésomenteoacolhimentodadefesaquelevaoprocessoà

suaextinção,massimtalacolhimentosomadoàinérciadoautor507.

18.2.2.1.1.Defesasdilatórias

18.2.2.1.1.1.Inexistênciaounulidadedecitação(art.337,I,doNovoCPC)

A inexistência ou nulidade de citação ématéria de ordem pública, alegável aqualquermomentodoprocesso, oque leva a crer que tal alegação, descrita comoespéciedepreliminaraserapresentadanacontestação,somentesedaránahipótesede o réu, por alguma outra forma que não a citação válida, ficar sabendo daexistência do processo ainda dentro do prazo de resposta, ingressando com acontestação tempestivamente e alegando todas asmatérias de defesa que o possambeneficiar.

Ocorrendotalsituação,oréupoderásecomportardeduasformas:tãosomentealegarainexistênciaounulidadedecitaçãoou,alémdessamatéria,passaràsoutrasdefesasprocessuaise/oudemérito,emrespeitoaoprincípiodaeventualidade.Sendoacolhidaaalegaçãodoréu,oprazoderespostalheserádevolvido,permitindo-lheaapresentação de nova contestação, que substituirá a anteriormente apresentada. Emcasocontrário,nenhumprazolheserádevolvido,deformaquededuasuma;ouelejáapresentouasoutrasrespostas,enessecasonãoserátidocomorevel,ou,comarejeiçãodesuaúnicadefesa,estarãopresentesascondiçõesparaadecretaçãodesua

revelia508.Dequalquerforma,oacolhimentodessadefesanãoextingueoprocesso,apenas dilatando seu tempo de duração em decorrência da devolução do prazo derespostaaoréu(art.239,§1º,doNovoCPC).

18.2.2.1.1.2.Incompetênciadojuízo(art.337,II,doNovoCPC) 54

Apesardeaincompetênciaabsolutasermatériadeordempública,podendoseralegada a qualquermomentodoprocesso, quandoo réu alegá-la em seuprazoderespostaofarácomotópicodacontestação.

Essaespéciedereaçãodoréu,quenãosevoltacontraapretensãodoautor,masapenasaojuízoescolhidoporele,temnaturezameramentedilatória,porqueumavezacolhidageraráaremessadoprocessoaojuízocompetente,sendoqueasexceçõesdessa regra foram tratadas noCapítulo 4, item4.2.3.2.É natural que a remessa doprocesso a outro juízo demore algum tempo, dilatando o tempo de duração doprocesso.

Emrazãodoprevistonoart.10doNovoCPC,mesmotratando-sedematériadeordempúblicacabeaojuiz,diantedaalegaçãodeincompetênciaabsolutaformuladapeloréuemsuacontestação,intimaroautorparasemanifestarsobreamatériaantesdedecidi-la.Acreditoquenessecasonãoseaplicaateoriado“contraditórioinútil”,analisadonoCapítulo3,item3.4.2.4.deformaquepretendendoacolherourejeitaropedidodereconhecimentodeincompetênciaabsolutacaberáaojuizintimarantesoautor, concedendo-lhe prazo para se manifestar. Assim entendo porque aincompetência absoluta abstratamente não beneficia ou prejudica o autor, sendoindispensávelabriraeleoportunidadedesemanifestarantesdaprolaçãodadecisão.

Não tem qualquer sustentação jurídica o Enunciado 04 da ENFAM, quesumariamentedecretaqueparaoreconhecimentodaincompetênciaabsolutanãoseaplicaaexigênciadecontraditórioprévio,admitindo-seassima“decisãosurpresa”.Chega a ser curioso porque justamente essa matéria de ordem pública tenha sidoexcluídadoalcancedoart.10doNovoCPC.Porqueparaoutrasmatériastalartigodeveserrespeitado?Aincompetênciaabsolutapassouasermaisdeordempúblicaque as demaismatérias damesma natureza?O absurdo do enunciado nãomerecemaiorescomentários,sólamentação.

NoNovoCódigodeProcessoCivilaincompetênciarelativapassaaseralegadaem sede de preliminar de contestação, não existindomais a exceção ritual para aalegação de referida matéria de defesa processual. Trata-se de consolidaçãolegislativadeentendimentoconsagradonoSuperiorTribunaldeJustiça,quejávinhadispensandoapeçaautônomaparaalegaçãodaincompetênciarelativanavigênciado

CPC/1973509. A incompetência relativa gera uma nulidade relativa, e, não sendo 55

arguido o vício pelo réu em sua contestação, este se convalidará, não sendomaispossívelserlevantandopeloréuemuitomenosreconhecidodeofício.

Arevogaçãodoart.307doCPC/1973,queversavasobreosrequisitosquantoao conteúdo da exceção ritual de incompetência relativa, deixa um interessantequestionamentoemaberto.Nosistemarevogadooréutinhaoônusdenãosóalegaraincompetênciarelativadojuízo,mastambémdeindicarojuízoqueentendiaserocompetente,sendoqueaausênciadetalindicaçãoocasionavaahipótesedeemendadapetiçãoesomentedepoisdaoportunidadeconcedidaaoréu,o indeferimentoda

exceção510.

Essaexigênciaformalsejustificavaporqueaindicaçãodoréuvinculavaojuiz,nãopodendoseracolhidaaexceçãoseojuizentendessenocasoconcretoqueoforocompetente não era nem o atual, nem aquele indicado pelo réu. Seria realmenteinexplicávelaexigênciadeindicaçãodoforoseojuizpudesseremeteroprocesso

para qualquer comarca ou seção judiciária511. Na realidade, o pedido do réu naexceção ritual na vigência do CPC/1973 não se limitava à declaração deincompetência,mastambémàremessadoprocessoaoforoindicado,deformaque,nãosendoesseforocompetente,caberiaaojuizindeferiropedido.

Apesardalógicadaregradoart.307doCPC/1973,semumaexpressaprevisãonoNovoCódigodeProcessoCivilnosentidodeexigirdoréuessaalegaçãodojuizqueentendeserocompetente,aparentementeeleestará liberadodesseônus,oque,porviadeconsequência, liberaráo juizparaencaminharoprocessoparaqualquerjuízo que ele entenda ser o competente. Lamento a opção do legislador, mas não

parececorretoimporaoréuumônusnãoprevistoexpressamenteemlei512.

Diferente do previsto no art. 306 do CPC/1973, a alegação de incompetênciarelativa no novo diploma legal não gera a suspensão do procedimento principal,aindaqueoidealsejaumasuspensãotácitaenquantoojuiznãodecidiraalegaçãodoréu.Na realidade era o que já ocorria – ou deveria ocorrer – com a alegação deincompetência absoluta na vigência do diploma processual revogado, que tambémnãotinha–comocontinuaanãoter–previsãolegaldesuspensãodoprocesso.

Dadecisãointerlocutóriaqueacolheourejeitaaalegaçãodeincompetênciadoréu – tanto a absoluta como a relativa – não cabe agravode instrumento, por não 56

estar tal decisão prevista no rol taxativo do art. 1.015 do Novo CPC e tampoucoexistir uma previsão específica de cabimento de tal espécie recursal. Arecorribilidade deverá ser feita por alegação em apelação ou contrarrazões deapelação,nostermosdoart.1.009,§1º,doNovoCPC,masnessecasonãoéprecisomuito esforçopara senotar a inutilidadedavia recursalprevista em lei.Comoosatos praticados pelo juízo incompetente, inclusive no caso de incompetênciaabsoluta, não são nulos, mesmo que o tribunal de segundo grau reconheça aincompetência no julgamento da apelação poderá, nos termos do art. 64, § 4º, doNovo CPC, deixar de anular os atos praticados em primeiro grau pelo juízoincompetente. Diante de tal situação, entendo ser cabível omandado de segurançacontrataldecisão.

18.2.2.1.1.3.Conexão/continência(art.337,VIII,doNovoCPC)

Quanto à conexão e continência, há uma importante observação a ser feita arespeitoda indevidae frequenteconfusãoentreadefiniçãode seusconteúdosedeseu efeito principal. Os conteúdos dos fenômenos processuais estão previstos nosarts. 55,caput, e 56doNovoCPC.Seu efeito principal é a reuniãodos processosperante o juízo prevento, previsto pelo art. 55, § 1º, doNovo CPC. O objeto e oefeito, como em qualquer instituto, não se confundem. Gerando-se o efeitoprogramadopeloart.55,§1º,doNovoCPC,areuniãodosprocessosproporcionaráumaumentodo tempodeduraçãodoprocesso, sendopor essa razão entendidas aconexãoeacontinênciacomodefesasprocessuaisdilatórias.

Comooart.55,§3º,doNovoCPCprevêareuniãodeprocessoscomaçõesnãoconexas, desde que a reunião seja conveniente para evitar decisões conflitantes oucontraditórias, entendo que essa alegação também deve ser feita em preliminar decontestação,emaplicaçãoporanalogiaaoart.337,VIII,doNovoCPC.

Registre-se,entretanto,quenocasodecontinênciaadefesaapresentadapeloréupoderá ter natureza peremptória, porque nem sempre o reconhecimento dacontinêncialevaráàreuniãodosprocessos.Segundooart.57doNovoCPC,quandohouvercontinênciaeaaçãocontinentetiversidopropostaanteriormente,oprocessorelativo à ação contida será extinto por sentença sem resolução de mérito; casocontrário,asaçõesserãonecessariamentereunidas.

18.2.2.1.2.Defesasperemptórias57

18.2.2.1.2.1.Inépciadapetiçãoinicial(art.337,IV,doNovoCPC)

A primeira espécie de defesa processual peremptória (art. 337, IV, do NovoCPC)éainépciadapetiçãoinicial,previstanoart.330,§1º,doNovoCPC:faltadepedidooucausadepedir;pedidoforindeterminado,ressalvadasashipóteseslegaisem que se permite o pedido genérico; da narração dos fatos não decorrerlogicamenteaconclusão;pedidosincompatíveisentresi.Ainépciadapetiçãoinicialé tratada no Capítulo 16, item 16.3.2.1. Registre-se que essamatéria somente seráalegávelseojuiznãoperceberestarnocasoconcretodiantedepetiçãoinicialineptaeindeferirapetiçãoinicial,oqueevidentementeeliminariaafasederespostadoréu.

18.2.2.1.2.2.Perempção(art.337,V,doNovoCPC)

Comosegundaespéciededefesaprocessualperemptóriaoart.337,V,doNovoCPCindicaofenômenodaperempção,algobastanteraronapraxeforense.Segundooart. 486,§3º, doNovoCPC, seo autorder causa, por trêsvezes, à extinçãodoprocesso pelo fundamento previsto no inciso III do artigo anterior, não poderáintentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada,entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. Para uma melhorcompreensãodotextolegal,o“fundamentoprevistonoincisoIIIdoartigoanterior”,que trata da extinção do processo sem a resolução do mérito, é o abandono doprocesso.

Aúnicaexigênciaparaqueseverifiqueaperempçãoéoabandonodoprocessoportrêsvezes,nãoimportandoomotivodetalabandononocasoconcreto.Assim,aidentidadeexigidadizrespeitoapenasaofundamentodaextinção,masnãolevaemcontaaspeculiaridadesdocasoconcreto.Motivosdiferentes levamàextinçãopelo

mesmofundamento,gerandoofenômenodaperempção513.

Registre-se que a perempção não extingue o direito material da parte, nissodistinguindo-se da decadência, nem a pretensão de direito material, nissodistinguindo-sedaprescrição.Opontoessencialdessasdistinçõeséapossibilidadedeapartealegarodireitomaterialobjetodas trêsaçõesextintasporabandonoem

suadefesa514.

Fernanda ingressou por três vezes com ação indenizatória pedindo acondenação deAline ao pagamento de R$ 10.000,00 em razão de empréstimoinadimplido, sendo que nas três oportunidades o processo foi extinto sem a 58

resoluçãodoméritoporabandonodeFernanda(art.485,III,doNovoCPC).EmrazãodofenômenodaperempçãoFernandanãopoderámaisingressarcomaçãode cobrança contra Aline, mas, se porventura Aline a demandar por outraobrigaçãoinadimplida,poderáalegarseudireitodecréditodeR$10.000,00emsuacontestação(compensação).

Conforme visto, o direito material objeto das três demandas extintas porabandonodoautornãoéafetadopelofenômenodaperempção,podendo,inclusive,ser utilizado em sede defensiva. Não será possível ao réu, entretanto, utilizar talmatériaemqualquerdasrespostasqueoordenamentolheconcede,mastãosomentena contestação, resposta defensiva por natureza contra a pretensão do autor.Inconcebível, portanto, que o réu, aproveitando-se de sua posição passiva noprocesso, ingressecomreconvençãoalegando justamenteodireitomaterialobjetodas três demandas extintas por abandono da causa. Tendo a reconvenção naturezajurídica de verdadeira ação do réu contra o autor, havendo a perempção, não seadmitiráaproposituradetalespéciederesposta.

18.2.2.1.2.3.Litispendência(art.337,VI,doNovoCPC)

Alitispendênciaéfenômenoconceituadopeloart.337,§§1.º,2.ºe3.º,doNovoCPC. Haverá litispendência quando dois ou mais processos idênticos existiremconcomitantemente,caracterizando-seaidentidadepelaverificaçãonocasoconcretoda tríplice identidade –mesmas partes,mesma causa de pedir emesmo pedido. Ébastanteclaroseralitispendênciaumadefesaprocessualperemptória,considerando-se que a necessidade demanutenção de apenas um processo está baseada em doisimportantes fatores: economia processual e harmonização de julgados. Não háqualquer sentido na manutenção de dois processos idênticos, com realizaçãoduplicada de atos e gasto desnecessário de energia. Além disso, a manutenção deprocessos idênticos poderia levar a decisões contraditórias, o que, além dedesprestígioaoPoderJudiciário,poderágerarnocasoconcretoproblemassériosdeincompatibilidadelógicaoupráticadosjulgadoscontrários.

18.2.2.1.2.4.Coisajulgada(art.337,VII,doNovoCPC)

Háumainegávelsemelhançaentreacoisajulgadamaterialealitispendêncianotocante às matérias defensivas. Ambas tratam de identidade plena entre processos,sendo que na litispendência esses processos se encontram em trâmite, o que nãoocorrenacoisajulgadamaterial,emqueumdessesprocessosjáchegouaoseufinal,

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comtrânsitoemjulgadodadecisão.Osmotivosdofenômenodeacoisajulgadaserconsiderada matéria de defesa processual peremptória, além da harmonização dejulgados, concernem ao respeito essencial à imutabilidade e indiscutibilidade dadecisãodeméritotransitadaemjulgado,essencialàsegurançajurídicadosistema.OtemaétratadonoCapítulo25.

18.2.2.1.2.5.Convençãodearbitragem(art.337,X,doNovoCPC)

O instituto da arbitragem é tratado pela Lei 9.307/1996, que considera aconvençãodearbitragemcomoumgênerodoqualacláusulacompromissóriaeocompromisso arbitral são as duas espécies. Em ambos os casos, as partes terãopreferidoumasoluçãoarbitralàintervençãodoPoderJudiciário,podendoqualquerumadelasarguiremsuadefesatalconvenção,deformaaimpediracontinuaçãodoprocesso,forçandoapartequebuscouaproteçãojurisdicionalàsoluçãoarbitral.

Acláusulacompromissóriaéanterioraoconflitodeinteresses,fazendopartedecontratoquandoaindanãoexistequalquerlitígioentreaspartescontratantes(art.4.ºdaLei9.307/1996).Ocompromissoarbitraléposterioraosurgimentodoconflito,quandoaspartesentendemmaisadequadosolucionaroconflitopelaviaarbitral(art.9.º da Lei 9.307/1996). Ressalte-se que a elaboração de cláusula compromissóriaaberta, sem qualquer especificação, poderá forçar as partes após o surgimento doconflitoareafirmaremsuavontadepelasoluçãoarbitralpormeiodaelaboraçãode

umcompromissoarbitral515.

O art. 337 doNovoCPC prevê as chamadas defesas preliminares, sendo quetodas elas são objeções, ou seja, são defesas que podem ser conhecidas de ofíciopelo juiz.Asexceções ficamporcontadaprevisãocontidano§5.ºdodispositivolegal ora comentado, que apontam a incompetência relativa e a convenção dearbitragemcomomatériasquesópodemserconhecidaspelo juizquandoalegadaspeloréu.

Segundoo§6ºdoartigooracomentado,“aausênciadealegaçãodaexistênciadeconvençãodearbitragem,naformaprevistanesteCapítulo,implicaaceitaçãodajurisdiçãoestatalerenúnciaaojuízoarbitral”.

18.2.2.1.2.6.Carênciadaaçãoporfaltadeinteressedeagireilegitimidade(art.337,XI,doNovoCPC)

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ComodevidamenteexpostonoCapítulo2,item2.2.1.,entendoqueascondiçõesda ação continuam presentes em nosso sistema, tendo sido apenas excluída dosistemaapossibilidadejurídicadopedido.Restam,portanto,alegitimidadedeparteeointeressedeagir.Aausênciadeinteressedeagirgeraaextinçãodoprocessosemaresoluçãodomérito,tratando-sesuaalegaçãodedefesademéritoperemptória.Ailegitimidade de parte é defesa processual dilatória potencialmente peremptória,conformeanalisadonoitem18.2.2.1.3.AscondiçõesdaaçãosãotratadasnoCapítulo2,item2.2.

18.2.2.1.3.Defesasdilatóriaspotencialmenteperemptórias

18.2.2.1.3.1.Incapacidadedeparte,defeitoderepresentaçãooufaltadeautorização(art.337,IX,doNovoCPC)

Odispositivo legaloracomentadoprevê trêshipótesesbastantedistintasentreelas. A identidade que justifica o seu tratamento no mesmo dispositivo se dájustamenteemvirtudedasuanaturezadedefesaquenãopõefimaoprocesso,dandouma oportunidade ao autor para sanar a irregularidade ou o vício antes que issoocorra.Sãovíciossanáveis,ebemporissoaextinçãoimediatadademandaseriaumverdadeiroatentadoaoprincípiodaeconomiaprocessual,nãose justificandoà luzdasconquistasmaisrecentesdodireitoprocessual.

Ovíciodaincapacidadedeparteliga-seàcapacidadedeestaremjuízo,assuntointimamenterelacionadoàcapacidadeparapráticadeatosjurídicosválidos,ouseja,trata-se de capacidade de exercício ou de fato, tema tratado no Capítulo 3, item3.3.3.2.2.Odefeitoderepresentaçãodizrespeitoaovícionacapacidadepostulatória,consistente na exigência de que as partes estejam devidamente representadas poradvogadoregularmenteinscritonaOrdemdosAdvogadosdoBrasil.Porfim,afaltade autorização ocorre em situações excepcionais em que a norma legal exige dealgumsujeito a autorizaçãodeoutroparaquepossa litigar.Ocaso clássicode talautorização encontra-se no art. 73 do Novo CPC, que se refere às ações reaisimobiliárias envolvendo cônjuges, nas quais se exige, para que um deles litiguesozinho no polo ativo, a autorização do outro. O dispositivo processual deve seraplicadoàluzdoart.1.647,IeII,doCC,quedeterminaadispensadetalautorização

na hipótese de regime da separação absoluta de bens516. Na hipótese de serem oscônjugesdemandados,seráhipótesedelitisconsórciopassivonecessário.

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Nas três situações descritas pelo art. 337, IX, do Novo CPC, o vício ouirregularidadepoderásersanadopeloautor,sendoocasodeojuizconcederprazoàqueleparaqueassimofaça.Omissonessesentido,nãohaveráoutrasaídaaojuizquenãoaextinçãodoprocessosemresoluçãodemérito.Nãopoderánemmesmovoltaratrásemseuentendimentoe,mesmodiantedaomissãodoautor,afirmarqueovícioqueentendiaexistirnaverdadenãoseverificounocasoconcreto.Nessecaso,há preclusão judicial, indevidamente chamada pela doutrina de preclusão pro

iudicato517.

18.2.2.1.3.2.Faltadecauçãooudeoutraprestaçãoquealeiexigecomopreliminar(art.337,XII,doNovoCPC)

O ordenamento processual excepcionalmente e em determinadas situaçõescondicionaoexercício legítimodademandaàprestaçãodeumacaução–ououtraprestação. Nesses casos, cabe ao autor comprovar que caucionou o juízo nomomento de propositura da ação, instruindo a petição inicial com os documentoscomprobatóriosadequados.Naausênciadetalcomprovaçãodeveráojuizdeofíciodeterminarqueoautoremendeapetiçãoinicialnoprazodequinzedias,sob“pena”de indeferimentodapetição inicial.Casohajaomissãodo juiz, alegada talmatériaemdefesa,nãoseráocasodeextinçãoimediatadoprocesso,devendoserconcedidoaoautorprazoparasanarairregularidade.

Comojáafirmado,aexigêncialegaldecauçãopréviaéexcepcionalemnossosistemaprocessual.Entreosraroscasosdestacam-setrês:

(a)art.83doNovoCPC,queexigedoautor,nacionalouestrangeiro,queresidirforadoBrasiloudeleseausentarnapendênciadademanda,quepreste,nasaçõesqueintentar,cauçãosuficienteàscustaseaoshonorários de advogado da parte contrária, se não tiver noBrasil bens imóveis que lhes assegurem opagamento;

(b)art.486,§2º,doNovoCPC,queexigedoautoropagamentodascustasdeprocesso idênticoextintoanteriormentesemaresoluçãodomérito;

(c)art.968,II,doNovoCPC,queexigedoautordaaçãorescisóriaaprestaçãodeumacauçãopréviade5%dovalordacausa,paraserrevertidotalvaloraoréunocasodejulgamentonegativo(extinçãosemaresoluçãodoméritoeimprocedência)unânime.

18.2.2.1.3.3.Incorreçãodovalordacausa(art.337,III,doNovoCPC)

Cumprindo a tendência jámencionada doNovoCódigo de ProcessoCivil deextinguiraomáximoaspetiçõesautônomas,oart.293prevêquea impugnaçãoao

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valordacausaseráelaboradaempreliminardecontestação,sobpenadepreclusão.Aindasegundoodispositivo,caberáaojuizdecidirarespeitodovalordacausacomaimposição,seforocaso,dacomplementaçãodascustasjudiciais.

Trata-se indubitavelmente de defesa processual dilatória potencialmenteperemptória,jáqueoart.293doNovoCPCéclaroaopreverquesendoacolhidaaalegaçãodoréuojuizdaráprazoparaoautorcomplementarascustas,semprequenecessário.Dessaforma,seojuizintimaroautorparaacorreçãodovalordacausaecomplementaçãodascustaseeleseomitir,serácasodeextinçãodoprocessosemresoluçãodomérito.

Registre-se que foi suprimido do dispositivo legal o termo “na sentença”constante do art. 256 do projeto originário do Novo CPC, que modificavasubstancialmenteomomentodejulgamentodaimpugnaçãoaovalordacausa.

Entendocorretaamodificaçãoporquepostergaradecisãoparaomomentodeprolação da sentença, embora resolva a questão recursal, evitando-se uma decisãointerlocutória impugnável por agravo de instrumento, remete ao final doprocedimentoumamatériaqueseriamaisadequadamentedecididaemseucomeço.Aalteração,entretanto,restouemmeuentenderincompleta.Mantidootextooriginário,orecursocabívelseriaaapelação,jáqueadecisãodaimpugnaçãoaovalordacausaseria sempre um capítulo da sentença, mas, se o seu julgamento ocorrerimediatamenteapósoingressodaimpugnação,adecisãoseráinterlocutória,ecomoo cabimento de agravo de instrumento passará a ser restritivo, seria adequada aexpressaprevisãodeseucabimentonessecaso.

NoprojetodeleidoNovoCPCaprovadonaCâmarahaviaprevisãoexpressadecabimento de agravo de instrumento contra a decisão do juiz que acolhesse aimpugnaçãoaovalordacausa,salvosefosseumcapítulodasentença,quandoentãoseriacabívelaapelação.Odispositivocorroboravaaprevisãodoart.1.028,XV,doprojeto, no sentido de que seria cabível agravo de instrumento contra decisão quealterasseovalordacausaantesdasentença.Critiqueiotextolegalporquemepareciainconstitucional, por ofensa ao princípio da isonomia, a previsão de cabimentorecursal a depender do conteúdo da decisão. E da forma como estava previsto notexto não seria cabível o recurso de agravo de instrumento contra a decisão querejeitasseaimpugnaçãoaovalordacausa.

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No texto final do Novo Código de Processo Civil foi afastada a ofensa aoprincípiodaisonomia,masdaformamaisnegativapossível.OSenadosimplesmenterevogouasregraslegaisquepreviamocabimentodeagravodeinstrumentocontraadecisão interlocutória da impugnação ao valor da causa, ainda que dependente doconteúdo.Significadizerqueindependentementedoconteúdodadecisão,acolhendoou rejeitando a alegação do réu, a decisão interlocutória não será recorrívelimediatamenteporagravodeinstrumento,cabendoàpartesucumbenteaalegaçãodamatériaemsededeapelaçãooucontrarrazões.

E nesse caso poderemos ter uma situação nomínimo peculiar, bastando paratanto imaginar a parte sucumbente, quanto à questão incidental do valor da causa,masvitoriosaaofinaldademanda.Teráinteresserecursalnaapelaçãosomenteparaimpugnaradecisãointerlocutóriaquejulgouovalordacausa?Pensoquesim,masnãodeixadesercuriosoesserecursoevitarotrânsitoemjulgadodasentença,aindamaisseapartecontráriadeixarderecorrercontraasentença.

Afastandoadúvidaarespeitodacorreçãodeofíciodovalordacausapelojuiz,o art. 292, § 3.º, doNovo CPC prevê expressamente tal possibilidade sempre queverificarquenãocorrespondeaoconteúdopatrimonialemdiscussãoouaoproveitoeconômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento dascustas correspondentes. Apesar de o dispositivo ter previsto expressamente acorreçãodovalordacausadeofício,nenhumamençãofezaoprazoqueojuizteriapara tal providência. A questão não é de fácil solução, considerando-se que, se amatéria for tratada como de ordem pública, não teria sentido o prazo imposto àalegação do réu no art. 293 do Novo CPC, levando em conta que matérias dessanaturezanãoprecluem.

Parece ser melhor entender que o valor da causa não é matéria de ordempública,afinal,interessaapenasàsparteseàFazendaPúblicaquantoaorecebimentodascustasprocessuais,eporessarazãoprecluitantoparaoréuquantoparaojuiz,cabendo a alegação pelo primeiro e o reconhecimento pelo segundo até ovencimentodoprazoderespostadoréu.Seriamaisumexemplodararapreclusãoproiudicatotemporal.

Reconheço,entretanto,quea redaçãodoart.293doNovoCPC,aoassociarapreclusão à ausência de alegação pelo réu em preliminar de contestação da

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impugnação do valor da causa, permite a legítima conclusão de que tal preclusãoatingirásomenteoréu.

18.2.2.1.3.4.Carênciadeaçãoporilegitimidadedeparte(art.337,XIdoNovoCPC)

HavianoCPC/1973umaestranhaespéciedeintervençãodeterceirochamadadenomeação à autoria. Era estranha em tudo: natureza jurídica, cabimento eprocedimento.

Tradicionalmente,eraconsideradacomoformaexcepcionaldeevitaraextinçãodoprocessoporilegitimidadepassiva,pormeiodaalteraçãodosujeitoquecompõeo polo passivo – tido por sujeito ilegítimo para figurar no processo – por um

terceiro – sujeito legitimado518. Ocorria, na realidade, uma espécie de sucessãoprocessualemrazãodaalteraçãosubjetivaverificadanopolopassivo,emfenômenochamadopeladoutrinadeextromissãodeparte.Note-sequeaextromissãodepartenãoseconfundecomasucessãoprocessualtradicional,porquenaprimeiraosujeitoqueparticipavadoprocessoantesdaalteraçãonuncadeveriaterfiguradonarelaçãojurídicaprocessualemrazãodasua ilegitimidade,enquantonasegundaocorreumfato superveniente que cria a legitimidade do terceiro que assumirá o lugar dosujeitoque,antesdessefato,eraosujeitolegitimadoaparticipardoprocesso.

Sempre houve fundada dúvida a respeito da natureza jurídica da nomeação àautoria porque por meio dela a relação jurídica processual não se tornava maiscomplexa do que já era antes da “intervenção” do terceiro. A demanda antes danomeação à autoria é formada por um demandante e um demandado e assimcontinuará após a extromissão da parte, modificando-se somente o sujeito quecompõeopolopassivo.Essapeculiar característicadanomeaçãoàautoria levava,inclusive,parceladadoutrinaàconclusãodequeanomeaçãoàautoriaéumameraformade correçãodopolopassivo, não tendonatureza jurídicade intervençãode

terceiros519.

Não consta do rol de intervenção de terceiros do Novo Código de ProcessoCivilanomeaçãoàautoria,masnãoseriacorretoafirmarqueseupropósito tenhadesaparecidoemrazãodaprevisãocontidanoart.338donovodiplomaprocessual.Segundoodispositivolegal,alegadapeloréuempreliminarailegitimidadepassivaounãotendosidooresponsávelpeloprejuízoinvocado,oautorpoderámodificar,noprazode15dias,osujeitoquecompõeopolopassivo,pormeiodeemendada 65

petiçãoinicial.

Oque justificavaa alteração subjetiva, coma consequente adequaçãodopolopassivo, era a constatação do legislador de que em algumas situações poderia serextremamente difícil ao autor identificar o sujeito que teria legitimidade para

compor o polo passivo da demanda520. Daí porque sua limitação a apenas duashipóteses,previstasnosarts.62e63doCPC/1973,nasquaisolegisladorimaginavajustificáveloerrodoautor.

ONovoCódigodeProcessoCivilnãofazmaistaldistinção,nãoseimportandocomarazãodoerrodoautoremcolocarnademandaumréuquenuncadeveriatercomposto o polo passivo em razão de sua ilegitimidade de parte. Dessa forma,qualquer alegação de ilegitimidade passiva feita pelo réu será suficiente para umapossívelcorreçãodopolopassivo.Seoautorerrouporquerealmenteasituaçãolhelevouaequivocadasconclusõesouseerroubisonhamente,nãoimporta.

O vício de ilegitimidade passiva passa a ser sempre sanável, mas para issodependerádaaceitaçãodoautordaalegaçãodo réu, atéporquequemdizaúltimapalavrasobrequemdevaseroréuésempreoautor.Casooautornãoconcordecomaalegaçãodoréuerealmentehajailegitimidadepassiva,essevícioseráosuficienteparaaextinçãodoprocessosemresoluçãodoméritoporcarênciadeação.Ovícioésanável,mas depende de postura a ser adotada pelo autor, de forma a ter oNovoCódigo de Processo Civil tornado a alegação de ilegitimidade passiva em defesaprocessualdilatóriapotencialmenteperemptória.

Acaracterísticamaispeculiardanomeaçãoàautoriareferia-seàspossibilidadesdecondutadonomeadoàautoriadiantedesuacitação.Aceitandoexpressamenteanomeação,ocorriaaextromissãodeparte,devendooterceiro–quenessemomentojá seria o réu – ser intimado para a apresentação de sua resposta, o mesmoocorrendo na hipótese de não se manifestar no prazo legal, quando haveria suaconcordânciatácitaemparticipardoprocessocomoréu.Aposturamaiscriticável,ebem por isso consideravelmente polêmica, dizia respeito à possibilidade da suarecusaemparticiparcomoréunoprocesso,oquefrustraaextromissãodeparte,emnítidaofensaaoprincípiodainevitabilidadedajurisdição.

O incômodo era tamanho que parcela minoritária da doutrina entendia que,66

mesmosenegandoaparticiparcomoréu,onomeadoàautoriasofreriaosefeitosda

coisa julgada, como ocorre em ordenamentos alienígenas521, entendendo-se que a

recusaemparticipar seriaconsideradacomoreveliadonomeadoàautoria522. Eracompreensívelaindignaçãocomoteordoart.67doCPC/1973,aopermitirarecusadonomeado,únicosujeitosobaégidedodiplomaprocessualrevogadoquepodiasenegaraparticipardeumprocessomesmotendosidocitado.Acontece,porém,quetalindignaçãonãoerasuficienteparaalteraroslimitessubjetivosdacoisajulgada,de forma que o terceiro – no caso, o nomeado que se recusou a participar – nãopodiaserafetadopeloprocessodoqualnãoparticipou.Daíaafirmaçãocorrentenadoutrina de que o sucesso da nomeação à autoria dependia de uma dupla

concordância/aceitação523: autor e nomeado deveriam em momentos sucessivosconcordar com a nomeação à autoria feita pelo réu para que ocorresse no casoconcretoaextromissãodeparte.

Sempremepareceucuriosaaopçãodealguémemconcordaremsetornarréunumprocesso.Umconvitedessecertamentenãoéatrativoparaumapessoanormal.Enissoresidiaararidadedaextromissãodepartenapraxeforense.Nesseaspecto,oNovoCódigodeProcessoCivildeveserefusivamenteelogiado,poisdesapareceaexigência de dupla concordância, sendo a vontade do autor de mudar o réu osuficiente para a ação ser redirecionada a um novo sujeito. Segundo o parágrafoúnicodoart.338doNovoCPC,concordandooautorcomasucessãoprocessual(enãoasubstituiçãoconformeconstadoartigodelei),devereembolsarasdespesasepagarhonoráriosaoprocuradordoréuexcluído,queserãofixadosentretrêsecincoporcentodovalordacausaou,sendoesteirrisório,nostermosdoart.85,§8º,doNovoCPC.

Oart.339,caput,doNovoCPCmantémcomodeverdoréuaindicaçãodapartelegítima, exatamente como fazia o art. 62 do CPC/1973. Nesse sentido, prevê queincumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre quetiverconhecimento,sobpenadearcarcomasdespesasprocessuaisedeindenizaroautorpelosprejuízosdecorrentesdafaltadaindicação.O§1.ºdodispositivopareceinútil, sendo mera repetição do artigo anterior. No § 2º do mesmo dispositivo, aadmissão de formação de litisconsórcio ulterior entre o réu e o sujeito por eleindicadoseprestaaalbergaraindicaçãodeterceiroquandoexisteresponsabilidadesolidáriaentreeleeoréu,sendoamboslegitimadospassivos. 67

HádoisenunciadosdoIIFórumPermanentedeProcessualistasCivis(FPPC)arespeitodoart.339doNovoCPC:Enunciado42:“Odispositivoaplica-semesmoaprocedimentosespeciaisquenãoadmitem intervençãode terceiros,bemcomoaosjuizados especiais cíveis, pois se trata de mecanismo saneador, que excepciona aestabilizaçãodoprocesso”eEnunciado44:“Aresponsabilidadeaqueserefereoart.339ésubjetiva”.

O prazo para que o autor concorde com a alegação de ilegitimidade passivafeita pelo réu não consta do dispositivo legal, sendo razoável a conclusão doEnunciado 152 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “Nashipótesesdos§§1.ºe2.ºdoart.339,aaceitaçãodoautordeveserfeitanoprazodequinzediasdestinadoàsuamanifestaçãosobreacontestaçãoousobreessaalegaçãodeilegitimidadedoréu”.

Apesar de os dispositivos legais ora analisados indicarem a necessidade de oréualegaremcontestaçãosuailegitimidadepassiva,écorretaainterpretaçãodequeamatériapossa ser reconhecidadeofíciopelo juiz, antesdacitaçãodo réu.Nessecaso,oautorseráintimadopara,querendo,alterarasuapetiçãoinicialnotocanteàformação do polo passivo, hipótese em que não haverá ônus sucumbenciais(Enunciado296doFórumPermanentedeProcessualistasCivis–FPPC).

18.2.2.1.3.5.Indevidaconcessãodobenefíciodagratuidadedejustiça(art.337,XIII,doNovoCPC)

OincisoXIIIdoart.337doNovoCPCprevêcomodefesaprocessualaindevidaconcessãodobenefíciodagratuidadedajustiça.Nessecaso,sendoacolhidaadefesaprocessual do réu, o autor será intimado para recolher as custas processuais emaberto.Caso o faça, o processo seguirá normalmente, e caso deixe de recolher ascustasserácasodeextinçãoterminativadoprocesso.Poressarazão,entendotratar-sededefesaprocessualdilatóriapotencialmenteperemptória.

18.2.2.2.Defesasdemérito

As defesas demérito distinguem-se substancialmente das defesas processuais,sendo absolutamente inconfundíveis entre si. Enquanto estas têm como objeto aregularidadedoprocesso, instrumento utilizadopelo autor para a obtençãode seudireitomaterial,aquelasdizemrespeitojustamenteaodireitomaterialalegadopeloautor. Na defesa demérito o objetivo do réu é convencer o juiz de que o direito

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materialqueoautoralegapossuiremsuapetição inicialnãoexiste.É,portanto,oconteúdo da pretensão do autor o objeto de impugnação por meio da defesa demérito.

18.2.2.2.1.Defesademéritodireta

Na defesa de mérito direta o réu enfrenta frontalmente os fatos e osfundamentos jurídicosnarradospeloautornapetição inicial,buscandodemonstrarque os fatos não ocorreram conforme narrado ou ainda que as consequênciasjurídicas pretendidas pelo autor não são as mais adequadas ao caso concreto.Sabendo o réu que sem fatos não há direito, caso demonstre a inveracidade dasalegaçõesde fato,odireitomaterial alegadopeloautor ficará semo seuessencialsubstrato fático, devendo o pedido ser rejeitado. Da mesma forma ocorrerá se,mantidaanarraçãofáticadoautor,oréudemonstrarquenãodecorredelaodireito

materialalegadopeloautor524.

A defesa demérito direta desenvolve-se dentro dos fatos e da fundamentaçãojurídica que compõe a causa de pedir exposta pelo autor em sua petição inicial,podendo, entretanto, trazer ao processo novos fatos e outras fundamentaçõesjurídicascomopropósitoexclusivodedemonstrarainveracidadedasalegaçõesdefatoe/ouaimpropriedadedasconsequênciasjurídicaspretendidaspeloautor.

18.2.2.2.2.Defesademéritoindireta

Nessaespéciededefesaoréu,semnegarasafirmaçõeslançadaspeloautornapetição inicial, alegaumfatonovo,que tenhanatureza impeditiva,modificativaouextintivadodireitodoautor.Essadefesaampliaoobjetodecogniçãodo juiz,quepassaráaanalisarfatosquenãocompõemoriginariamenteacausadepedirnarradapeloautor,nãosendoincorretoafirmarque,apartirdomomentodearguiçãodestaespécie de defesa, o juiz passará a uma análise fática mais ampla daquela queoriginariamente estaria obrigado em razão da pretensão do autor. Não ocorre,entretanto,umaampliaçãodoobjetodoprocesso,poisojuizsempreestaráadstritoa

concederounegaraquiloqueoautorpediu525.

São considerados fatos impeditivos aqueles que, anteriores ou simultâneos aofato constitutivo do direito, impedem que esse gere seus regulares efeitos. Acaracterísticaprincipaldessaespéciedefatoégerarumefeitonegativosobreofatoconstitutivo,queéjustamenteaimpossibilidadedeestegerarseusregularesefeitos. 69

Ocontratovinculaoscontratantes,exigindodeambos–ouaomenosdeumdeles–o cumprimento de certas obrigações (fato constitutivo). Tal efeito vinculativo,entretanto,nãoserágeradoseocontratofoicelebradoporincapazouaindaquandotenha sido celebrado comvício do consentimento (fatos impeditivos).O fato de ocontratante ser incapaz ou de ter celebrado o contrato em erro, dolo, coação etc.,impedequeomesmosejaobrigadoacumprirqualquerestipulaçãocontratual.

Os fatos extintivos são aqueles que colocam fim a um direito, conforme opróprionomesugere,sendonecessariamenteposterioresaosurgimentodarelaçãojurídica de direito material. Basta imaginar todas as formas de satisfação daobrigação previstas pela legislação material, tal como a prescrição, pagamento,remissãodadívida,confusãoetc.

Os fatosmodificativos, necessariamente posteriores ao surgimento da relaçãode direito material, são aqueles que atuam sobre a relação jurídica de direitomaterial, gerando sobre ela uma modificação subjetiva ou objetiva. No primeirocaso pode-se citar como exemplo a cessão de crédito sem ressalva, com amodificação do credor, e no segundo caso a novação objetiva é um exemploperfeito, como também o parcelamento da dívida, alegação que levará à

inexigibilidadedocréditointotum526.

18.2.3.PRINCÍPIODAIMPUGNAÇÃOESPECÍFICADOSFATOS

Segundooart.341doNovoCPC, serãopresumidosverdadeirosos fatosquenãosejamimpugnadosespecificamentepeloréuemsuacontestação.Aimpugnaçãoespecífica é umônusdo réude rebater pontualmente todos os fatos narrados peloautor com os quais não concorda, tornando-os controvertidos e em consequênciafazendocomquecomponhamoobjetodaprova.Omomentodetalimpugnação,aomenosemregra,éacontestação,operando-sepreclusãoconsumativaseapresentadaessa espécie dedefesao réudeixar de impugnar algum(s) do(s) fato(s) alegado(s)peloautor.

O ônus da impugnação específica não se aplica ao advogado dativo, curadorespecialeaodefensorpúblico,quepodemelaboraracontestaçãocomfundamentoemnegativageral, institutoquepermiteaoréuuma impugnaçãogenéricade todososfatosnarradospeloautor,sendotalformadereaçãoosuficienteparatornartodosesses fatoscontrovertidos (art.341,parágrafoúnico,doNovoCPC).Na realidade, 70

mesmoquenãohajaaexpressaindicaçãodequeoréuestásevalendodanegativageral, uma interpretação lógica desse benefício impede que o juiz presumaverdadeiros os fatos alegados pelo autor. Basta, portanto, a apresentação dacontestação para que os fatos se considerem controvertidos, cabendo ao autor, aomenosemregra,oônusdaprova.

O art. 341, parágrafo único, do Novo CPC tem duas diferenças quandocomparado com o parágrafo único do art. 302 do CPC/1973. Exclui oMinistérioPúblico e inclui o defensor público no rol dos sujeitos que têm a prerrogativa danegativa geral. A ausência de previsão expressa do Ministério Público não devegerar consequências práticas porque sua presença como parte no polo passivo éexcepcionalíssimaeporquequandoatuar,tambémexcepcionalmente,comocuradorespecial,continuaateraprerrogativa.

Mesmoqueoréunãopossasevalerdanegativageral,oart.341doNovoCPC,em seus três incisos, prevê exceções ao princípio da impugnação específica dosfatos, impedindo que um fato alegado pelo autor que não tenha sido impugnadoespecificamentesejapresumidoverdadeiro:

(a)fatosacujorespeitonãoseadmiteaconfissão(direitosindisponíveis);

(b) petição inicial desacompanhada de instrumento público que a lei considere da substância do ato (porexemplo,certidãodecasamento,certidãodeóbito);

(c)fatosqueestejamemcontradiçãocomadefesa,consideradaemseuconjunto.

Essa última exceção exige do juiz uma análise da defesa como um todo,reconhecendo-sequeemalgumassituaçõesaimpugnaçãodedeterminadosfatos,poruma questão lógica, impede que os demais, ainda que não impugnadosespecificamente,sejampresumidosverdadeiros.

João ingressa com ação reparatória contra Felipe alegando que numdeterminadopub londrino foi agredido por este com uma garrafada na cabeça.São dois fatos alegados por João: (a) Felipe estava no bar no momento daagressão; (b) Felipe foi o responsável pela garrafada que o vitimou. Em suacontestação Felipe alega tão somente que não estava no bar no momento daagressão, deixando de impugnar o fato de ser o responsável pela garrafada.Nesse caso, não poderá o juiz presumir que Felipe deu a garrafada, porqueprovado que ele não estava no bar, concluir-se por sua responsabilidade pelagarrafadacriariaincompatibilidadelógicainsuperável.

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18.2.4.PRINCÍPIODAEVENTUALIDADE

Osarts.336e342doNovoCPCconsagramoprincípiodaeventualidadeparaoréu, ao exigir a exposição de todas as matérias de defesa de forma cumulada ealternativa na contestação.Tambémconhecido comoprincípio da concentração dedefesa, a regraoraanalisada fundamenta-senapreclusãoconsumativa,exigindo-sequedeumavezsó,nacontestação,oréuapresentetodasasmatériasquetememsuadefesa, “sobpena”denãopoder alegá-lasposteriormente.Acumulaçãoé eventualporqueoréualegaráasmatériasdedefesaindicandoqueaposteriorsejaenfrentadanaeventualidadedeamatériadefensivaanteriorserrejeitadapelojuiz.

Aexigênciadecumulaçãodetodasasmatériasdedefesanacontestaçãofazcomque o réu se veja obrigado a cumular defesas logicamente incompatíveis, porexemplo,nocasodealegarquenãohouveodanoalegadopeloautor,masque,naeventualidadedeojuizentenderquehouveodano,nãofoinovalorapontadopeloautor, circunstância verificada com regularidade nos pedidos de condenação emdanomoral.Certaincompatibilidadelógicaénaturaleadmissível,masoréujamaispoderácumularmatériasdefensivascriandoparacadaumadelasdiferentessituaçõesfáticas,porquecomissoemalgumadastesesdefensivasestaráalterandoaverdadedosfatos.Pode-seafirmarqueo limitedoprincípiodaconcentraçãodadefesaéo

respeitoaoprincípiodaboa-féelealdadeprocessual527.

Marina ingressa com demanda de cobrança contraAline, que em sua defesaalega que nunca celebrou contrato de empréstimo com a autora, mas naeventualidade do juiz entender diferente que já pagou a dívida, e ainda naeventualidade de nenhuma dessas defesas ser acolhida, que não pagou e nemdeve pagar porque a dívida está prescrita. Note-se que, mesmo sem saberquando,éóbvioqueAlineemalgummomentodesuadefesamentiu,porquenãoépossívelalegarquenãohádívida,masquejáapagou,ouaindaquejáapagouequenãopagouporquenãodeveriaterpagoemrazãodaprescrição.Numcasocomoesseoprincípiodaeventualidadenãopodeacobertaranítidalitigânciademá-fédoréu.

Oprincípiodaconcentraçãodasdefesasnacontestaçãoéexcepcionadoemtrêshipóteses,previstaspelosincisosdoart.342doNovoCPC,sendoquenessescasosoréupoderáalegaramatériadefensivaapósaapresentaçãodacontestação:

(a)matériasdefensivasrelativasadireitoouafatosuperveniente;

(b) matérias que o juiz pode conhecer de ofício (por exemplo, matérias de ordem pública, prescrição, 72

decadêncialegal);

(c)matériasqueporexpressaprevisão legalpodemseralegadasaqualquermomentoegraude jurisdição(porexemplo,decadênciaconvencional).

18.3.RECONVENÇÃO

18.3.1.CONCEITO

Areconvençãonãoseconfundecomnenhumadasoutrasespéciesde respostadoréu,sendocompreendidacomooexercíciododireitodeaçãodoréudentrodoprocessoemqueprimitivamenteoautororigináriotenhaexercidooseudireitodeação.Afirma-seemdoutrinaquenareconvençãooréuseafastadaposiçãopassiva,própriadacontestação,paraassumirumaposiçãoativa,pleiteandoumbemdavidaempedidodirigidocontrao autorda açãooriginária.Em razãodessanaturezadeação,écomumafirmarquea reconvençãoéum“contra-ataque”do réu,peloqualhaveráumainversãodospolosdademanda:oréusetornaráautor(autor-reconvinte)eoautorsetornaráréu(réu-reconvindo).

Coma reconvençãohaveráuma ampliaçãoobjetivaulterior doprocesso, quepassaráacontarcomduasações:aoriginária (indevidamente tratadapeloart.343,caput, do Novo CPC como ação principal) e a reconvencional. Não se trata depluralidade de processos, considerando-se que o processo continua sendo um só,mas,comopedidofeitopeloréu,passaoprocessoacontarcommaisumaação,de

naturezareconvencional,oquelevaàsuaampliaçãoobjetiva528.

Areconvençãoéumamerafaculdadeprocessual,podendooréuquedeixardereconviringressardeformaautônomacomamesmaaçãoqueteriaingressadosoba

forma de reconvenção529. Não é possível vislumbrar qualquer situação dedesvantagem processual ao réu que deixa de reconvir, situação diametralmenteoposta àquele que deixa de contestar, que será considerado revel. Nesse sentido,afirma-se corretamente que a contestação constitui um ônus do réu, enquanto areconvençãoconstituitãosomenteumafaculdade.Apróprianaturezadeaçãodessaespécie de resposta fundamenta sua natureza demera faculdade processual, não sepodendo admitir que o réu perca o seu direito de ação por uma simples omissãoprocessual. O prazo para a reconvenção, portanto, é meramente preclusivo,significandoqueo réunãomaispoderá reconvirapóso seu transcurso,masavia

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autônomacontinuaráaexistirparaoexercíciodeseudireitodeação.

O ingresso de ação autônoma que poderia ter sidomanejada sob a forma dereconvenção,inclusive,podegerarresultadopráticosimilaraodaproposituradessaespéciederesposta.Havendoentreessasduasaçõesautônomasconexão,conformeprevisãodoart.55doNovoCPC,asmesmasserãoreunidasperanteojuízopreventoqueficaráresponsávelpelojulgamentoconjuntodeambososprocessos(art.58do

Novo CPC)530. A única diferença é que com a reconvenção haverá somente umprocesso, objetivamente complexo (duas ações), enquantona reuniãodeprocessosconexos, haverá dois processos, cada qual com uma ação, ainda que tenham umprocedimentoconjunto,sendoinclusivedecididosporumamesmasentença.

18.3.2.CONDIÇÕESDAAÇÃO

Sendoindiscutívelanaturezadeaçãodareconvenção,éprecisoregistrarque,como em qualquer outra ação, deverão estar presentes as condições da ação:legitimidadedeparte,interessedeagirepossibilidadejurídicadopedido.Apróprianaturezadareconvençãotrazconsigoaexigênciadastrêstradicionaiscondiçõesdaação, mas, em razão de sua situação específica consistente em ser também umaresposta do réu, essas condições da ação têm interessantes peculiaridades que

merecemumaanáliseparticularizada531.

18.3.2.1.Legitimidadedeparte

No tocante à legitimidade de parte – entendida como a relação de pertinênciaentre o conflito levado a juízo e os sujeitos que demandarão –, há interessantesquestõesaseremresolvidas.

Diferente do art. 315 do CPC/1973, o art. 343 do Novo CPC não trazexpressamenteaprevisãodequealegitimidadeativadareconvençãoédoréuequeapassiva é do autor da ação originária. De qualquer forma, essa continua a ser arealidade,havendoumainversãodospolosentreautoreréu.

Adoutrinadeformauníssonaadmiteadiminuiçãosubjetivanareconvenção532.Assim,existindolitisconsórcionaaçãooriginária,omesmolitisconsórcionãoseránecessariamenteformadonareconvenção,admitindo-sequesomenteumdosautoresdaaçãoorigináriafigurecomoréunareconvençãoouaindaqueapenasumdosréusreconvenha, solitariamente, contra o autor ou autores da ação originária. Vale a 74

lembrança de que tal liberdade está condicionada à espécie de litisconsórcioverificado na ação originária e de seus reflexos sobre a ação reconvencional;havendoumlitisconsórcionecessárionaaçãoorigináriaquedevaserepetirtambémna reconvenção, será impossível a reconvenção não envolver todos os

litisconsortes533. Essa circunstância, entretanto, não diz respeito à reconvenção,sendodecorrêncianaturaldaespéciedelitisconsórcioaserformado.

Se a diminuição subjetiva na reconvenção parece não encontrar maioresobstáculos, o mesmo não ocorria com a ampliação, tema consideravelmentecontrovertido, sob a égide do CPC/1973. Havia muita controvérsia a respeito daadmissibilidadedaformaçãodeumlitisconsórcionareconvenção–ativooupassivo– com sujeito que não participava do processo até então, ou seja, sujeito que nãofiguravacomopartenaaçãooriginária.Éevidentequesemanteriaaestruturabásicamínimaréuxautor,masaoladodeumdeles–oumesmodeambos–seriaformado

litisconsórciocomterceiroestranhoàdemandaatéentão534.

Apolêmicaéresolvidapelos§§3ºe4ºdoart.343doNovoCPC,quepassamaprever expressamente que a reconvenção pode ser proposta contra o autor e umterceiro, e que a reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio comterceiro.

Admitida a formação do litisconsórcio na reconvenção, com o ingresso deterceiro na demanda, aplica-se a regra que permite a limitação do número delitisconsortessemprequeonúmeroelevadodesujeitospudercomprometerarápidasolução do litígio ou dificultar a defesa. Trata-se do litisconsórcio multitudinário,previstopeloart.113,§§1ºe2º,doNovoCPC,quefundamentaránocasoconcretooindeferimento da formação do litisconsórcio desde que observados os requisitoslegaistratadosnoCapítulo7,item7.4.

Havia na vigência do CPC/1973 uma interessante questão referente àlegitimidade de parte na reconvenção derivava da inadequada redação do art. 315,parágrafoúnico,dorevogadodiplomaprocessual,pelaqualnãopoderiaoréu,emseupróprionome,reconviraoautor,quandoestedemandasseemnomedeoutrem.Aleitura apressada do dispositivo legal poderia levar o leitor mais desavisado aconcluirsetratardenormareferenteàrepresentaçãoprocessual,poisquematuaemnomedeoutremérepresentanteprocessual.Essainterpretação,entretanto,tornariao 75

dispositivo legal absolutamente inútil, considerando-se que o representante não éparte,oquesignificadizerquejánãotemlegitimidadedeagirparaareconvenção.

Adoutrinadeformauníssonaemprestavautilidadeaoartigolegalaoentendertratar-se de hipótese de substituição processual na ação originária, que deveriaobrigatoriamente se repetir na ação reconvencional. A regra acabava tornando-sesimples: exigia-se que os sujeitos tivessem na reconvenção a mesma qualidadejurídicacomquefiguravamnaaçãooriginária.Senaquelaestavamcomosubstitutosprocessuais (sejanopolo ativooupassivo), damesma formadeveriam figurarnareconvenção.Naspalavrasdeautorizadadoutrina,trata-sedoprincípiodaidentidade

bilateral,quenãoéidentidadedapessoafísica,masidentidadesubjetivadedireito535.

Esse entendimento restou consagrado no § 5º do art. 343 doNovoCPC, queprevêqueseoautorforsubstitutoprocessual,oreconvintedeveráafirmarsertitulardedireito em facedo substituído e a reconvençãodeverá serproposta em facedoautor,tambémnaqualidadedesubstitutoprocessual.

Interessante questão é levantada a respeito da legitimidade do curador do réuparaingressarcomreconvenção.Imprescindívelparaseconcluirdeformapositivaounegativa a exatanoçãodaqualidade jurídicado curador especial, previstopeloart. 72 do Novo CPC. A doutrina parece uníssona no sentido de entender que ocurador assume no processo uma posição de representante dos sujeitos descritos

pelo artigo legal supramencionado536. Essa simples constatação já demonstra deforma inequívoca a ilegitimidade do curador em ingressar com açãoreconvencional, posto que não é considerado parte no processo e sua eventuallegitimidadepara reconvir conflitaria coma regrageralde legitimidadepara essa

espécie de resposta do réu537. Sua tarefa será, portanto, tão somente reagir àpretensãodoautor,jamaisingressarcomaçãocontraele.

18.3.2.2.Interessedeagir

Costuma-se afirmar que o interesse de agir é o somatório de dois fatores: anecessidade e a adequação (ou utilidade).No tocante à reconvenção, os elementossão mantidos, mas aqui também existem interessantes particularidades a seremdebatidas.

Adoutrinaparececoncordarqueareconvençãosóteráalgumaserventiaprática 76

se o autor puder obter com ela tutela que não conseguiria com o simplesacolhimento de suas alegações defensivas lançadas em contestação. Nesse sentido

também é a jurisprudência a respeito do tema538. A primeira e mais evidenteinutilidadedareconvençãoocorrenahipóteseemqueelaéutilizadaparaaarguiçãodematériasquesãonarealidadedefensivas,própriasdacontestação(reação)enãoda reconvenção (ação).Nessahipótese,aomenoscomoregra,a reconvençãodeveserextintaprematuramenteporcarênciadeaçãodoréu-reconvinte.Sãoexemplosaalegação do réu em reconvenção do pagamento da dívida cobrada ou, ainda, aalegação de contrato locativo para justificar sua posse do imóvel que lhe é

reivindicado539. Na excepcional hipótese de o réu não contestar, somenteapresentando reconvenção,haverá interesseemseu julgamento,não sendocasodeextinçãoporcarênciadeação.

Outrahipótesedemanifestainutilidadenautilizaçãodareconvençãoseverificanoscasosemqueaprópria improcedênciajáseráaptaaentregaraoréuobemdavida em disputa, que seria exatamente aquilo que estaria perseguindo em sedereconvencional. Se já tem condições de obter o bem da vida pelo simplesacolhimento de sua defesa, que serventia terá a reconvenção? Essa situação severificacomclarezanasaçõesdúplices,nasquaisarelaçãodedireitomaterialgeraessapeculiarsituaçãoemqueacontestaçãojábastaparaentregaraoréuobemdavida debatido.Exemplo clássico é da açãomeramente declaratória. Imagine-se umautorquepretendaemjuízoobteracertezajurídicaarespeitodaexistênciadeumarelaçãojurídicadedoação.Contestandooréuademanda,alegaráquenuncahouveadoaçãoalegada,eoacolhimentodetaldefesageraráacertezajurídicadequenuncahouvea relaçãodedireitomaterial alegadapeloautor,oque significadizerqueacertezajurídica–bemdavidaemdisputanasaçõesmeramentedeclaratórias–seráconcedida favoravelmente ao réu. De fato, nenhuma utilidade tem a reconvençãopleiteandoadeclaraçãodequearelaçãojurídicadedoaçãonãoexistiu.

Aafirmaçãodeinutilidadedareconvençãonasaçõesdúplicesedequeasaçõesmeramente declaratórias são dúplices não confronta com o entendimentojurisprudencialconsolidadonaSúmula258doSupremoTribunalFederaldequeéadmissível reconvençãonaaçãodeclaratória.Numaaçãomeramentedeclaratóriaéadmissível a reconvenção para que o réu faça outros pedidos, distintos do objetooriginal do processo, tal como a condenação do réu ao cumprimento de uma

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determinadaobrigação.

Mariana ingressa comaçãode investigaçãodepaternidade contraFelipe, queem contestação alega não ser o pai da criança. Nesse caso não é cabível areconvenção para a declaração negativa da paternidade, porque isso já seráobtidopormeiodaimprocedênciadopedidodeMariana.Ocorre,entretanto,queFelipe pode entender que a alegação de paternidade realizada porMariana empúblico,diantedeseusempregadores,lhecausouumabalomoral,podendonessecasopleitearemsededereconvençãoacondenaçãodeMarianaaopagamentodeindenizaçãopelosdanosmoraissuportados.

18.3.3.PRESSUPOSTOSPROCESSUAIS

Tendo a reconvenção natureza jurídica de ação, além do preenchimento dascondições da ação, também pressupostos processuais específicos devem serpreenchidos:

(a)litispendência:paraqueexistareconvençãoéindispensávelqueexistaademandaoriginária;

(b)identidadeprocedimental:considerando-sequeaaçãoorigináriaeaaçãoreconvencionalseguirãojuntas,sendoinclusivedecididasporumamesmasentença,oprocedimentodeambasdeveseromesmo;

(c) competência: o juízo da ação originária é absolutamente competente para a ação reconvencional, deforma que, sendo a competência absoluta dessa ação diferente da ação originária, será proibido oingresso de ação reconvencional, devendo a parte ingressar com a ação autônoma perante o juízo

absolutamentecompetente540;

(d)conexãocomaaçãoorigináriaoucomosfundamentosdedefesa.

Segundo o caput do art. 343 doNovoCPC, é indispensável à reconvenção aexistênciadeconexãocomaaçãoprincipal–originária–oucomosfundamentosdedefesa.Aconexãocomaaçãoorigináriaéaprevistanoart.55,caput,doNovoCPC,comosdevidostemperamentosjáapontadosnoCapítulo4,item4.7.2.1.Notocanteàconexão com os fundamentos de defesa, obriga-se o réu a apresentar contestaçãocom defesa de mérito indireta, alegando um fato novo impeditivo, extintivo oumodificativo do direito do autor, servindo esse fato novo como fundamento dadefesa e ao mesmo tempo como fundamento do contra-ataque contido nareconvenção.Naturalmente o cabimento da reconvenção nesse caso é realizado instatus assertionis, de forma a ser irrelevante se a alegação de fato do réu éverdadeira ou não, o que interessará somente no julgamento de mérito da ação

principaledareconvencional541.

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Acreditoque,mesmoquandonãohajaqualquerdasduasespéciesdeconexãopresentes no caso concreto, seja admissível a reconvenção para se evitar decisõesconflitantes ou contraditórias na hipótese em que a pretensão reconvencional fordeduzidaemprocessoautônomoejulgadaporoutrojuiz.Deve-se,portanto,aplicarporanalogiaoart.55,§3º,doNovoCPCaocabimentodareconvenção.

Carlos ingressa com demanda de cobrança contra Edison, requerendo suacondenaçãoaopagamentodeR$5.000,00emrazãodeumadívidainadimplida.Edison alega em sua contestação que a dívida foi compensada com outra, novalordeR$8.000,00,equeportalrazãonãoédevedordeCarlos,devendoseupedido ser julgado improcedente. Com fundamento nesse fato novo(compensação), fundamenta a reconvenção na qual cobrará de Carlos R$3.000,00,existindonessecasoaconexãocomosfundamentosdadefesa.

18.3.4.PROCEDIMENTO

Tendonaturezajurídicadeação,sobaégidedoCPC/1973areconvençãodeviaserapresentadapormeiodepetiçãoinicialautônoma,nostermosdosarts.282e283dodiplomaprocessual revogado, sendoautuadanosprópriosautosprincipais.Emaplicação do princípio da instrumentalidade das formas admitia-se que areconvençãofosseelaboradanamesmapeçaemquesecontestavaademanda,desde

quefossepossívelaidentificaçãoexatadadefesaedocontra-ataquedoréu542.

A reconvenção deixa de ser alegada de forma autônoma noNovoCódigo deProcessoCivil,passando,nostermosdoart.343,caput,aserapresentadanaprópriacontestação. A novidade deve ser saudada porque, ainda que amelhor doutrina jádefendesse a possibilidade de utilização de uma única peça para a contestação ereconvenção, aCorteEspecial doSuperiorTribunal de Justiça recentemente haviarejeitado a tese, retrocedendo com relação a posicionamento anteriormente

adotado543.

Aformalizaçãodareconvençãodentrodacontestaçãodeveseguirasdiretrizesfixadas pelo Enunciado n.º 45 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis(FPPC):“Paraqueseconsiderepropostaareconvenção,nãohánecessidadedeusodesse nomen iuris, ou dedução de um capítulo próprio. Contudo, o réu devemanifestar inequivocamente o pedido de tutela jurisdicional qualitativa ouquantitativamentemaiorqueasimplesimprocedênciadademandainicial”.

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Apesar de não ter mais uma forma autônoma de alegação, entendo que areconvençãonãoperdeusuanaturezadeaçãodoréucontraoautor,poisopróprioart. 343, caput, do Novo CPC prevê que a reconvenção se presta para o réumanifestarpretensãoprópria.Alémdisso,o§2.ºdodispositivocomentadomantéma sua autonomia, prevendo que a desistência da ação ou a ocorrência de causaextintivaqueimpeçaoexamedeseuméritonãoobstaoprosseguimentodoprocessoquantoàreconvenção.

Comoaformadealegaçãopassouasertópicodacontestação,olegisladorteveocuidadodemanter,expressamentenalei,oentendimentoatualmenteconsagradodeque a apresentação de reconvenção independe de contestação. Na vigência doCPC/1973,deapresentaçãodeduaspeças,eraentendimentotranquilo,mas,apartirdomomentoemqueapróprialeipassaadizerqueareconvençãodeveseralegadanacontestação,éimportanteoart.343,§6.º,doNovoCPC.

NoNovoCódigodeProcessoCivil,portanto,existemduasformasdeingressodereconvenção:comotópicodacontestaçãooudeformaautônomaquandooautornãocontestar.Dessaforma,aindaquenãoexistaregrasimilaràquelaprevistanoart.299 do CPC/1973, que exigia a apresentação concomitante de contestação oureconvenção, parece que o ingresso da reconvenção, mesmo que antes dovencimento do prazo de resposta do réu, retira do réu o direito de contestarposteriormente, ainda que dentro do prazo.Acredito que nesse caso continua a seoperarpreclusãomista(consumativa-temporal).

Apresentadaareconvenção,amesmapassaaserautônomarelativamenteàaçãooriginária, de formaque, seporqualquer razão, a açãooriginária for extinta semresolução do mérito, inclusive a desistência do autor, tal extinção não afetará areconvenção,queprosseguiránormalmente(art.343,§2º,doNovoCPC).Omesmoocorre se a reconvenção for prematuramente extinta, prosseguindonormalmente aaçãooriginária.

Mesmo sem dispositivo legal nesse sentido no CPC/1973, segundo doutrinamajoritária,cabendojulgamentodemérito,ojuizdeveriajulgarambasasdemandasno mesmo momento processual, por meio de uma só sentença, objetivamentecomplexa.Aextinçãoprematuradequalquerumadasduasdemandas,portanto,seriasempreterminativa.Esseentendimentoparecetersidoconsagradono§2ºdoart.343

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doNovoCPC,queprevêaextinçãoprematuradareconvençãosomenteemrazãodadesistência da ação originária ou de causa extintiva que impeça o exame de seumérito.

Ainda que não exista previsão nesse sentido, como também não havia noCPC/1973,omesmofenômenoaplica-seàextinçãoprematuradareconvenção,nãotendosentidopostergar-seumaextinçãoterminativaquandomanifestooinsuperávelvícioformal.Dessaforma,seojuizentenderpelaintempestividadedareconvençãodeverá indeferi-la de plano, dando seguimento ao processo somente com a açãooriginária(principal).

Essas decisões que extinguem de forma terminativa e prematuramente a açãoprincipaleareconvençãosãodecisõesinterlocutórias,restandoemabertoaquestãode sua recorribilidade por meio do agravo de instrumento. A hipótese não estáprevista expressamente no art. 1.015 do Novo CPC, o que poderia sugerir suarecorribilidade somente na apelação e contrarrazões desse recurso. E essainterpretaçãodemonstrariamaisumexemplodapéssimaopçãolegislativadetornarocabimentodoagravodeinstrumentorestritoaumrolexauriente.

Entendo, contudo, que seja aplicável à hipótese ora analisada o art. 354,parágrafoúnico,doNovoCPC.Aindaqueodispositivoestejaprevistonocapítuloreferente ao julgamento conforme o estado do processo, não se pode negar suaincidênciaaqualquerespéciedediminuição–objetivaousubjetiva–dademandaemrazãodedecisãodenaturezaterminativa.

Não teriaqualquersentidosistêmico limitaraaplicaçãododispositivo legalaapenas um momento procedimental, conforme pode sugerir sua colocação nocapítulo referente ao julgamento conforme o estado do processo. Na realidade, arecorribilidadepormeiodoagravodeinstrumentodeveseranalisadapeloconteúdoe efeito da decisão e não pelo momento de sua prolação: sendo terminativa ediminuindoademanda,seráagravável.

Nãosendocasode indeferimento liminardareconvenção,oautor reconvindoserá intimado, na pessoa de seu advogado, para responder no prazo de 15 dias.Arespostamaiscomumcertamenteseráacontestação–esuaausênciageraoefeitoda

revelia544–,masoart.343,§1º,doNovoCPCnãorepetiuoequívocodoart.316do81

CPC/1973,quepreviaseroprazode15diasparacontestar.Aopreverqueoprazoéde resposta facilita a conclusão de que outras espécies, além da contestação, sãopossíveis.

A reconvenção da reconvenção, apesar de rara, também é admitida, emboraparceladadoutrinaentendaqueoseucabimentoestejacondicionadoàshipótesesde

reconvenção com fundamento na conexão com os fundamentos de defesa545.Reconvençõessucessivaspoderãoserinadmitidasnocasoconcretocomfundamentona economia processual sempre que o juiz entender que mais uma reconvençãoprejudicará significativamente o andamento procedimental. Poderá, inclusive,utilizararegradevedaçãoaoprincípiodolitisconsórciomultitudinário(art.113,§§1º e 2º, do Novo CPC) para impedir a improvável sucessão de reconvenções. Aexceçãoficaporcontadaaçãomonitóriaemrazãodainjustificávelprevisãodoart.702,§6º,doNovoCPC.

Como o § 4º do art. 343 doNovoCPC admite expressamente a formação delitisconsórciopassivonareconvençãoentreoréueterceiro,nãohádúvidadeseremcabíveiscomoespéciederespostadoréuadenunciaçãodalideeochamamentoaoprocesso.

Após o momento de resposta do autor reconvindo, o procedimento da açãoreconvencional será omesmo da ação originária, sendo inclusive ambas as açõesjulgadasporumamesmasentença,apesardenãomaisexistirregraexpressaaesserespeito como existia no CPC/1973 (art. 318). Trata-se de medida de economiaprocessualetradicionaldojulgamentodopedidocontraposto,contra-ataquedoréudeduzidonaprópriacontestação.

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19.REVELIA

Sumário:19.1.Conceito–19.2.Efeitos:19.2.1.Fatosalegadospeloautorserãoreputadosverdadeiros;19.2.2.Desnecessidadedeintimaçãodoréurevel;19.2.3.Julgamento antecipado do mérito – 19.3. Modificação objetiva da demanda –19.4. Ingresso do réu revel no processo – 19.4.1. Participação do réu revel noprocedimentoprobatório

19.1.CONCEITO

Areveliaéumestadodefatogeradopelaausênciajurídicadecontestação.Esseconceito pode ser extraído do art. 344 do Novo CPC, que, apesar de confundirconteúdo com os efeitos da revelia, expõe claramente que a existência desse

fenômeno processual depende da ausência de contestação546. A ausência deve sernecessariamente jurídica porque ocorre revelia mesmo nos casos em que o réuapresentacontestação,quefaticamenteexistirá.Essaexistênciafática,entretanto,nãoéosuficienteparaafastararevelia,sendoindispensávelquejuridicamenteelaexista.

Contestação intempestiva,porexemplo,não impedea reveliado réu547, já tendooSuperiorTribunalde Justiça resolvidoquecontestaçãoendereçadaeprotocolizada

emjuízodiversoedistantedaquelenoqualtramitaofeitonãoevitaarevelia548.

Oconceitode reveliaestáprevistonoart.344doNovoCPCemaisumavez,comofaziaoart.319doCPC/1973,incorrenoerrodeconfundirareveliacomoseuprincipalefeito:apresunçãodeveracidadedosfatosalegadospeloautor.

Dequalquermodo,odispositivoémelhorqueoart.319doCPC/1973porqueéexpresso ao prever que a revelia decorre da ausência de contestação, ainda quepudessetersidomaisclaroquantoàqualificaçãodeausência jurídicadadefesadoréu.

Acreditoquearedaçãodadaaoart.344doNovoCPCtornaráaindamaisdifícilse concordar com doutrina minoritária que, sob a égide do diploma processualrevogado,defendiaquearevelia,narealidade,eraausênciajurídicaderespostado

réu,deformaque,apresentadaqualquerespéciederesposta,oréunãoseriarevel549.Ao que parece, essa parcela da doutrina confunde revelia com seus efeitos, não

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compreendendoqueéplenamentepossívelumréu revelapresentaroutrasespéciesderespostaquenãoacontestação,evitandoassimageraçãodosefeitosdarevelia,

masnãooseuestadoderevel550.

OSuperiorTribunaldeJustiça já teveoportunidadededecidirnavigênciadoCPC/1973 que o réu que deixa de contestar é revel, ainda que tenha apresentadoreconvenção,hipótese,entretanto,emquenãohaveráapresunçãodeveracidadedos

fatos551.Umabelaliçãodedistinçãoentreareveliaeosseusefeitos.

Entendoqueoconteúdodarevelianãopodeserconfundidocomosseusefeitos,até porque, conforme autorizada doutrina, conceito é o que está dentro e efeito éaquiloque seprojetapara fora,demaneiraqueé impossível confundirumcomooutro. Sendo a revelia uma questão de fato gerada pela ausência jurídica decontestação,nãoguardamaiorinteresseoseuconceito,sendomuitomaisrelevanteo estudo de seus efeitos. Como já afirmado, é plenamente possível existência dereveliaquenãogerenenhumdosefeitosprogramadospelalei,oque,entretanto,não

seráosuficienteparaafastá-ladocasoconcreto552.

19.2.EFEITOS

Amelhordoutrinacostumaapontartrêsefeitosparaarevelia:

(a)osfatosalegadospeloautorsãoreputadosverdadeiros;

(b)desnecessidadedeintimaçãodoréurevel;

(c)julgamentoantecipadodomérito(art.355,II,doNovoCPC).

19.2.1.FATOSALEGADOSPELOAUTORSERÃOREPUTADOSVERDADEIROS

Aausência jurídicaderesistênciadoréudiantedapretensãodoautorfazcomqueo juiz reputeverdadeirosos fatosalegadospeloautor, sendocomumentenderquenessecasoaleipermiteaojuizpresumiraveracidadedosfatosdiantedainérciado réu. O entendimento de que existe uma confissão ficta na revelia é duramentecriticadopelamelhordoutrina,queafirmacorretamentequeaomissãodoréunãopode ser entendida como a concordância tácita a respeito dos fatos alegados peloautor.Nodireitonãoéaplicadoobrocardopopular“quemcalaconsente”;nodireito“quemcala,cala”.Osfatossãodadoscomoverdadeirosporqueexisteumaexpressa 84

previsãolegalnessesentido,sendoirrelevantesasrazõesdaomissãodoréurevel553.

Reputam-severdadeirossomenteos fatosalegadospeloautor,deformaqueamatéria jurídica naturalmente estará fora do alcance desse efeito da revelia.Aplicando-seoprincípiodoiuranovitcuria–ojuizsabeodireito–,éinadmissívelavinculaçãodomagistradoàfundamentaçãojurídicadoautorsomenteporqueoréu

não contesta a demanda, tornando-se revel554. Daí por que incompreensível adeterminaçãodedesentranhamentodacontestaçãodosautosquandoocorrearevelia,sendo certo que o juiz poderá se aproveitar dos fundamentos jurídicos de defesa

apresentados pelo réu em sua contestação viciada555. A exclusão da matéria dedireito da presunção gerada pela revelia é o que explica o julgamento deimprocedência do pedido do autor mesmo sendo revel o réu e ocorrendo apresunçãodeveracidadedosfatosalegadosnapetiçãoinicialnocasoconcreto.

A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, certamente o efeito

mais importanteda revelia, émeramente relativa556, podendo ser afastada no casoconcreto – em especial, mas não exclusivamente – nas hipóteses previstasexpressamente pelo art. 345 do Novo CPC. Ao afirmar que a presunção deveracidadeérelativa,éimportantenotarqueoseuafastamentonocasoconcretonãopermiteaojuizaconclusãodequeaalegaçãodefatonãoéverdadeira.Nãosendoreputadosverdadeirososfatosdiscutidosnocasoconcreto,oautorcontinuacomoônusdeprovarosfatosconstitutivosdeseudireito,sendoconcedidoaeleoprazode15diasparaespecificaçãodeprovas(art.348doNovoCPC).

Háquatro hipóteses previstas nos incisos do art. 345doNovoCPCemque arevelianãogeraráapresunçãodeveracidadedosfatosalegadospeloautor.

No inciso I do dispositivo ora analisado há previsão de que não se reputarãoverdadeiros os fatos alegados pelo autor sempre que, havendo litisconsórciopassivo,umdosréuscontestarademanda.Éclaroqueolitisconsortequecontestouademandanãoérevel,sendo,entretanto,aquelequenãocontestou.Odispositivolegaldeve ser interpretado levando-se em conta o art. 117 do Novo CPC, que versagenericamenteacercadotratamentoprocedimentaldoslitisconsortes.Aaplicaçãodobenefício previsto no inciso I do art. 345 do Novo CPC depende, num primeiromomento, da espécie de litisconsórcio passivo formado na demanda e, depois,

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dependendodaespéciedelitisconsórcio,daanálisedoconteúdodacontestação.

Tratando-sedelitisconsórciounitário,noqualadecisãoobrigatoriamenteseráde mesmo teor para todos os litisconsortes, não resta nenhuma dúvida de que acontestação apresentada por um dos réus aproveitará aos demais. No caso delitisconsórcio simples, no qual a decisão poderá ter diferente teor para oslitisconsortes, o afastamento do efeito mencionado no art. 344 do Novo CPCdependerádocasoconcreto,sóseverificandoquandohouverentreoslitisconsortesumaidentidadedematériadefensiva,ouseja,queacontestaçãoapresentadaporumdos réus tenha como teor asmatérias de defesa que comporiama contestaçãonãooferecida do litisconsorte revel. Sendo apresentada contestação com matéria dedefesa de exclusivo interesse do réu que a apresentou, os fatos que prejudiquem

somenteoréurevelpoderãoserpresumidosverdadeiros557.

Marilena ingressa com demanda de reparação de danos contra a Garzia &Munte e seu funcionário Nelson, alegando que Nelson dirigia caminhão daempresaeque,duranteoexercíciodesuasfunções,passounofarolvermelhoeaatropelou. São dois fatos, portanto, alegados por Marilena: Nelson dirigir umcaminhão da Garzia & Munte durante seu expediente e ter passado no farolvermelho, o que causou o acidente. Nelson é revel, tendo sido apresentadacontestaçãosomentepelaGarzia&Munte,sendoqueaaplicaçãodoart.345,I,doNovoCPCdependerá do teor dessa defesa.AGarzia&Munte contestou ofatodequeNelsonestivesseemseuhoráriodeexpediente,acusando-odefurtaroveículodopátionodiadesuafolga,e,alémdisso,alegouqueofarolestavaverdenomomentodoacidente,acusandoMarilenadetersejogadonafrentedoveículo.ÉóbvioquenessecasoadefesadaGarzia&MuntefavoreceNelsoneoart.345,I,doNovoCPCdeveseraplicado.Poroutrolado,senacontestaçãodaGarzia&Munte tiversidoalegadotãosomentequeoveículofoi furtadodeseupátio,essadefesaemnadafavoreceNelson,oréurevel.Será,nessahipótese,legítimo reputarcomoverdadeiroo fatodeo farolestarvermelhonomomentodoacidente.

Diz o art. 345, II, doNovoCPC que não se reputam os fatos verdadeiros narevelia se o litígio versar sobre direitos indisponíveis. Em razão da natureza nãopatrimonial de alguns direitos, não se permite ao juiz dispensar o autor do ônusprobatórioaindaqueoréusejarevel.Aindisponibilidadedodireitoéajustificativapara impedir o juiz que repute como verdadeiros os fatos diante da revelia daFazenda Pública, aplicando-se ao caso concreto o princípio da prevalência dointeresse coletivo perante o direito individual e a indisponibilidade do interesse

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público558.

O art. 345 III, do Novo CPC afasta a presunção de veracidade sempre que apetição inicial não estiver acompanhada do instrumento que a lei considereindispensávelàprovadoato.Trata-sededocumentoscujaausênciaproíbequeojuizos considere verdadeiros, daí a ser imprescindível a sua juntada aos autos.Muitosdesses documentospodem representar documentos indispensáveis à propositura dademanda (art. 320 do Novo CPC), mas nesse caso serão exigidos do autor já nomomento da propositura da demanda. O dispositivo ora analisado trata dedocumentos indispensáveis à prova do ato alegado, mas não à propositura dademanda, porque mesmo sem eles o juiz tem condições de julgar o mérito dademanda.

GuilhermeingressacomaçãodeinventárioemrazãodofalecimentodeJonas,sendoindispensávelàproposituradessademandaa juntadadacertidãodeóbito,semoqueo inventárionãopoderáprosseguir.Circunstânciadiferenteverifica-sequando Guilherme ingressa com demanda indenizatória contra Jussara e emargumentaçãofáticaalegaqueJonasfaleceu.Nessecaso,ojulgamentodeméritopoderá ser feito sem a prova do fato, mas, para que o juiz considere em suasrazões do decidir que Jonas realmente faleceu, é indispensável a juntada aoprocessodasuacertidãodeóbito.

Nuncatevefundamentoaexigênciadeojuizpresumircomoverdadeirosfatosinverossímeis (fatosquenãoaparentamserverdadeiros),exclusivamenteemrazãoda revelia do réu. Tendo o juiz a impressão de que os fatos não são verdadeiros,aplicando no caso concreto as máximas de experiência, sempre pareceu maisadequadoexigirdoautoraproduçãodaprova,afastandonocasoconcretooefeito

da revelia previsto no art. 319 do CPC/1973559. Tratava-se da melhor solução,bastandoparafundamentá-laimaginaroautoralegandoquetransportouobjetoscoma força da mente, ou ainda que praticou atos que as próprias leis da naturezadesmentem(quesaltouumriode50metrosdelargura,queficousubmersopor30minutos,quepercorreuapéumadistânciade20kmem10minutosetc.).Gerando-seno espírito do julgador o sentimento de improbabilidade do fato narrado terefetivamente ocorrido, não havia como reputá-lo verdadeiro,mesmonão havendonessesentidoqualquerprevisãolegalnodiplomaprocessualrevogado.

Emrazãodoexpostodeveserelogiadooart.345, IV,doNovoCPC,que traz87

uma quarta hipótese de revelia sem que os fatos alegados pelo autor sejampresumidos verdadeiros: as alegações de fato formuladas pelo autor foreminverossímeisouestiverememcontradiçãocomprovaconstantedosautos.Comosepodenotarpelodispositivo legal, alémda inverossimilhançada alegação, tambémnãohaveráapresunçãodeveracidadequandoasalegações,apesardeverossímeis,contrariaremaprovaconstantedosautos.

Nessa nova hipótese de afastamento do principal efeito da revelia, a provaconstante dos autos só pode ser aquela produzida pelo autor com a petição inicial(prova pré-constituída), porque, se o juiz entender que o efeito se opera, julgaráantecipadamente o mérito da ação. Por outro lado, caso determine ao autor aespecificação de provas, já terá afastado a presunção de veracidade dos fatos,impondoaoautoroônusdeprovarsuasalegaçõesdefato.Diantedetalcenário,édepresumir que terá pouca incidência na praxe forense, porque dependerá de provaproduzidapeloautorcontráriaàssuasalegaçõesdefatoconstantesdapetiçãoinicial.

Poroutrolado,defendeacertadamenteautorizadadoutrinaquenãosereputamverdadeiros os fatos sempre que tenham sido legalmente impugnados, sendoirrelevanteosujeitoresponsávelpelaimpugnaçãoouaformapelaqualelaocorreu.Éclaroqueoréuéolegitimadotradicionalparaimpugnarasalegaçõesdoautor,eomomento mais adequado para isso é a contestação. Na revelia, não haverácontestação–aomenosdopontodevistajurídico–,masépossívelqueumterceirointerveniente dentro do prazo legal demanifestação realize a impugnação do fatoalegadopeloautor,comonocasododenunciadoàlideoudochamadoaoprocesso.Éoquebastaparanãoseaplicararegradapresunçãodeveracidade.Poroutrolado,oréupoderánãoapresentarcontestação–revelia–masoutrasformasderesposta,sendoadmissívelqueaimpugnaçãodosfatosalegadospeloautorsejarealizadaem

alguma dessas outras formas de resposta. Numa reconvenção560, impugnação aovalordacausaouexceçãodeincompetência,porexemplo,poderáoréuimpugnarofato alegado pelo autor, e,mesmo sendo um réu revel por não ter contestado, os

fatosdevidamenteimpugnadosnãoserãopresumidosverdadeiros561.

19.2.2.DESNECESSIDADEDEINTIMAÇÃODORÉUREVEL

Dizoart.346,caput,doNovoCPCquecontrao revelquenão tenhapatrononos autos os prazos fluirão da data de publicação de cada ato decisório no órgão

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oficial. Importantenotarqueparaageraçãodesseefeito–dispensade intimação–não basta que o réu seja revel, sendo também indispensável que não estejarepresentadoporpatrononosautos.Decorrendoareveliadainexistênciajurídicadacontestação,épossívelimaginarumréurevelquenãosuporteemnenhummomentoda demanda o efeito ora tratado.Basta imaginar um réu que junta procuração nosautos no prazo de resposta e protocola a contestação fora do prazo. Em razão daintempestividadedadefesa,oréuseráconsideradorevel,mas,comojátempatronoconstituído dos autos desde o momento da apresentação da defesa, será

rigorosamenteintimadodetodososatosprocessuais562.Poroutrolado,admitindo-seaintervençãonoprocessodoréurevelaqualquermomento,apartirdoingressoterápatronoconstituído,devendoser,tambémapartirdeseuingresso,intimadodetodososatosprocessuais.

Umadivergênciaclássicasereferiaàintimação/publicaçãodasentençaquandooréuerarevel,existindotrêscorrentesdoutrináriasarespeitodotema:(a)dispensadepublicaçãonaimprensaoficial,cominíciodoprazorecursalapartirdomomento

emqueasentençase tornapública563; (b)necessidadede intimaçãopessoaldoréu

revel564;(c)necessidadedepublicaçãodasentençanaimprensaoficial565.

Ocorre,entretanto,quenemtodaintimaçãodeatoprocessualsedápormeiodepublicaçãonoDiárioOficial,sendoquestionáveloacertodaprevisãocontidanoart.346 doNovoCPCpara tais hipóteses.O autor sai intimado de atos praticados emaudiência,mas,seoréuérevel,devehaverpublicaçãonoDiárioOficial?Seoautorforintimadopessoalmentedoatoprocessual,emrazãodesuaespecialqualidadeoudeparticularidadedocasoconcreto,seránecessáriaapublicaçãoemDiárioOficial?Entendoquenessescasosseráinaplicáveloartigooraanalisadoeoprazoparaoréuterásuacontageminiciadacomaintimaçãodoautor.

Por outro lado, a intimação do réu nem sempre decorre de uma decisão,podendoselimitarachamá-loafazeroudeixardefazeralgoporqueassimprevêoprocedimento, e não porque há uma decisão judicial nesse sentido. No máximohaverá um despacho, e essa circunstância não está coberta pelo art. 346 do NovoCPC.Contudo, seo ato a serpraticadonãoépostulatório, aindaque independadeintimaçãoparaoautor,nãovejocomodispensara intimaçãoparaoréurevelsempatronoconstituído,atéporque,seoatoépostulatório,aintimaçãodeveserfeitana

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pessoadoadvogado,que,nessecaso,nãoexiste,masparaatospessoaisaintimaçãodeve ser pessoal. Para evitar tais questionamentos, bastaria ao dispositivo manterexpressaaregrapeladispensadaintimaçãodoréurevelsemadvogadoconstituído,mas a omissão legal não será suficiente para afastar tal efeito da revelia nessassituações.

Amelhordoutrinalembraquedeterminadashipótesesdeintimaçãopessoaldoréu exigirão a intimação pessoal do réu revel, como a intimação para prestar

depoimentopessoaleexibirdocumentos566,ementendimentototalmenteaplicávelàluzdoNovoCódigodeProcessoCivil.

19.2.3.JULGAMENTOANTECIPADODOMÉRITO

Emcriticadaregra,oart.330,II,doCPC/1973previaqueumadashipótesesdejulgamento antecipado da lide era a revelia. Mais uma vez o legisladorindevidamente confundia a revelia com os seus efeitos, o que ficava claro com aprevisãodoart.324doCPC/1973,quedeterminavaaespecificaçãodeprovasquandoojuiz,apesardareveliadoréu,nãopresumisseosfatoscomoverdadeiros.Mesmodiantedotextolegaljásenotavaquenãobastavaareveliaparaquefosseaplicadooart. 330, II, do CPC/1973, sendo indispensável que o juiz presumisse os fatosalegados pelo autor como verdadeiros, o que tornaria a fase probatóriadesnecessária,condiçãoindispensávelaojulgamentoantecipadodalide.

Oproblemafoisuperadopelaredaçãodoart.355,II,doNovoCPC,queprevêtalformadejulgamentosomentenahipótesedereveliacompresunçãodeveracidadedos fatos alegadospeloautor.Odispositivovai aindamais longe,prevendoqueojulgamento antecipado tambémnão será admitido se o réu, fazendo-se representarnos autos a tempo, requerer a produção de provas.Nesse caso, houve exagero dolegislador porque o réu revel só terá tempo hábil se o juiz não tiver presumidoverdadeirososfatoseintimadooautorparaespecificarasprovas.

19.3.MODIFICAÇÃOOBJETIVADADEMANDA

Previaoart.264doCPC/1973queoautorpodialivrementemodificarsuacausadepedirepedidoatéacitaçãodoréu;apósacitaçãoeatéomomentodesaneamentodoprocesso essamudançadependiade concordânciado réu; apóso saneamento amodificaçãoeravedada,mesmoqueexistisseconcordânciadoréu. 90

Noprocessoemqueseverificassearevelia,previaoart.321doCPC/1973queoautor,desdequerealizadanovacitaçãodoréu,poderiaalteraropedido,causadepediredemandardeclaraçãoincidente,sendonessecasoasseguradoumnovoprazoderespostaaoréu.Nãopareciafelizaredaçãododispositivolegalporque,seoréuera revel, significava que já fora citado, ou seja, já estava integrado à relaçãojurídica processual, não sendo necessário realizar uma nova citação em razão daalteração objetiva da demanda. Bastaria uma intimação pessoal informando-o da

alteraçãoeabrindoumnovoprazoderesposta567.

Concedida uma nova oportunidade de resposta ao réu revel em razão de suasegunda citaçãonoprocesso, e efetivamente contestada a demanda, naturalmenteoréu deixaria de ser revel. É certo que não poderia nessa oportunidade impugnarmatérias que deveria ter impugnado após a sua primeira citação, não sendo essasegundaoportunidadededefesaumanovachancedeimpugnarmatériasjáatingidaspelapreclusãoemrazãodesuareveliadiantedaprimeiracitação.Adefesaestaria,portanto, limitadaaoobjetodaalteraçãoobjetivarealizadapeloautor.Dequalquerforma,aindaqueoréunãopudesserealizarumaimpugnaçãocompletadapretensãodoautor,amerapresençadeumacontestaçãonoprocessofaziacomqueoréunãopudessemaisserconsideradorevel.

Adoutrinaerapacíficanotocanteàlimitaçãodoobjetodedefesadoréurevelapós sua segunda citação ao objeto da alteração objetiva da demanda. É precisoperceber, entretanto, que aodepender da espécie demodificação, o réu,mesmo selimitandoemsuadefesaaoobjetodaalteraçãoobjetiva,poderiaimpugnarfatosquefundamentavamapretensãooriginariamentepostuladapeloautor,oqueafastariaoúnicoefeitodareveliaqueaindapoderiasergerado,apresunçãodeveracidadedosfatos. Basta imaginar uma ampliação do pedido, quantitativa ou qualitativa,mantendo-se a mesma causa de pedir. O réu, citado pela segunda vez, em tese selimitariaaoobjetodaalteração,mas,comonãohouvealteraçãodacausadepedir,para impugnar a nova pretensão poderia impugnar os mesmos fatos quefundamentamtantoanovacomoaorigináriapretensãodoautor.Nessescasos,aindaque a defesa do réu se limitasse ao objeto de alteração, seriam afastados todos osefeitosdarevelianocasoconcreto.

CibeleingressacomdemandadereparaçãodedanosmateriaiscontraAlarico,pleiteandoR$5.000,00dedanosemergentes.SendoAlarico revel,Cibeleadita 91

suapetição inicial,passandoapleitearR$10.000,00dedanosemergenteseR$4.000,00de lucroscessantes.Citadonovamente,Alarico ingressanademandaeapresenta contestação nos limites da alteração objetiva realizada por Cibele,sendo natural que, além de impugnar os R$ 5.000,00 amais a título de danosemergenteseopedidodelucroscessantes,possaimpugnarosfatosconstitutivosdo direito de Cibele, narrados originariamente na petição inicial. Com isso, seráafastada a presunção de veracidade dos fatos. Situação diferente ocorreria seCibeleampliasseascausasdepedir,mantendoomesmopedido;napetiçãoinicialalegaaembriaguezdeAlaricocomofatordoacidenteautomobilísticoepleiteiaacondenaçãoemdanosmateriais.Dianteda revelia,Cibele adita a inicial e alegatambémqueAlaricoestavanacontramãonomomentodoacidente.Nessecaso,mesmo que Alarico compareça no processo depois de sua segunda citação, sópoderá impugnar o fato de estar na contramão, sendo legítimo ao juiz presumircomoverdadeiraaalegaçãodeembriaguez.

ONovoCódigo deProcessoCivil não temdispositivo que preveja amatériatratada pelo art. 321 do CPC/1973. Quanto à propositura da ação declaratóriaincidental, compreende-se a omissão porque essa espécie de ação desaparece noNovoCódigodeProcessoCivil,aindaqueoart.503§1.º,II,tenhacondicionadoacoisa julgadamaterial da solução da questão prejudicial ao contraditório prévio eefetivo, não se aplicando no caso de revelia. Entretanto, com relação à mudançaobjetiva da demanda, o silêncio do legislador não se justifica, ainda mais se forconsideradoqueasregrasdaestabilizaçãoobjetivadademandaforammantidaspeloart.329doNovoCPC.

Apesardaomissãolegislativa,énomínimocomplicadoadmitirque,depoisdarevelia,oautormodifiqueoobjetodademandasemqueoréutenhaconhecimentoepossasedefender.Oproblemaéque,semumaregraespecíficaaesserespeitoecomadispensadacitaçãodoréureveldiantedetalalteração,poderáoréuserderrotadoporcausadepedirquenão lhechegouaoconhecimentooumesmosercondenadoporpedidoporeledesconhecido.

Aviolação ao princípio do contraditório nesse caso exige dos juízes no casoconcreto uma atuação fora damera interpretação das normas que regulamentam arevelianoNovoCódigodeProcessoCivil,deformaqueaomenosumaintimaçãopessoaldoréuarespeitodamudançaobjetivadademandarealizadapeloautorapóssuareveliadeveocorrer,sobpenadegraveviolaçãoaoprincípiodocontraditório.

19.4.INGRESSODORÉUREVELNOPROCESSO92

CorretaliçãodoutrináriaafirmaquefazpartedopassadooentendimentodequeareveliaconstituiumatodeofensadoréucomoPoderJudiciário,pordemonstrarseu pouco caso com a atuação jurisdicional. Durante certo tempo da história, arepulsaaessecomportamentogeravainclusiveaidaàforçadoréuaoprocesso,poisentendia-seinconcebíveloréunãoresponderaochamadojurisdicional.Issotudofazpartedopassado,porqueatualmentenãoseencaraareveliacomoumatodeafrontaoupoucaconsideraçãocomoPoderJudiciário,sendodiversasasrazõesquelevamum réu a ser revel, e todas elas irrelevantes.Comoelegante expressãodoutrináriaafirma, o réu revel não é umdelinquente,mas ummero ausente, não devendo serpunidodenenhumaformaemrazãodeseuestadoderevelia.

Diante dessa constatação, o réu revel é bem-vindo aoprocesso, podendodelepassar a participar a qualquer momento. Segundo o art. 346, parágrafo único, doNovo CPC, o revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo oprocessonoestadoemqueseencontrar.Significadizerque,apesardeo réu revelserbem-vindo,permitindo-seoseuingressoaqualquermomentodoprocesso,essaintervenção tardia deve respeitar as regras de preclusão, de forma que não seadmitiráoretrocessoprocedimental.Oréurevelteráparticipaçãogarantidaapartirdomomentodesua intervenção,masatosprocessuaispassados, jáprotegidospelapreclusão,nãopoderãoserrepetidosoupraticadosoriginariamente.

A regra formulada à luz das preclusões judiciais parece ser de fácilcompreensão;dopassadonadasealtera,suportandooréurevelasconsequênciasdesuaausência;dofuturoparticiparáativamenteoréurevel.

19.4.1.PARTICIPAÇÃODORÉUREVELNOPROCEDIMENTOPROBATÓRIO

Nocampoprobatório,entretanto,aaparentesimplicidadedaregraprevistanoart. 346, parágrafo único, do Novo CPC pode esconder algumas complicações.Naturalmentearegracontinuaaseraplicada,maséimprescindívelparafixaroseuexato alcance a percepção de que a prova surge no processo mediante umprocedimento probatório, sendo a participação do réu revel condicionada ao

momentodesseprocedimentoprobatórioquandoingressanoprocesso568.ASúmula231doSupremoTribunalFederalpermiteaproduçãodeprovapeloréurevel,mashálimitaçõesquedependemdomomentodeingressonoprocesso.

93

Na tentativa de solucionar os dilemas surgidos quanto à participação do réurevelna instruçãoprobatória,oNovoCPCprevêemseuart.349queao réu revelserá lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que sefaçarepresentarnosautosa tempodepraticarosatosprocessuais indispensáveisaessaprodução.Aregraestáposta,mascabeàdoutrinaesmiuçá-la.

19.4.1.1.Provascausais

Provascausaissãoasproduzidasdentrodoprocesso,duranteseuprocedimento,como ocorre com a prova testemunhal e a prova pericial. Para essas provas, oprocedimentoprobatórioédivididoemquatrofases:

(a)propositura,

(b)admissibilidade;

(c)produção,fasedivididaempreparaçãoerealização;e

(d)valoração.

Aproposituradasprovasdeveserfeitanoprimeiromomentoemqueaspartesfalamnosautos;oautornapetição inicial (art.319,VI,doNovoCPC)eo réunacontestação(art.336doNovoCPC).Comosepodenotar,oréureveléaquelequenãocontesta,esendoesseomomentoprocedimentalparaoréurequereraproduçãodeprovas,énaturalque,qualquerquesejaomomentodeingressodoréurevelnoprocesso, ele não poderá propor a produção de prova. Registre-se posiçãodoutrináriaqueentendepossívelaoréurevelrequererprovas,desdequecompareçaaoprocessonoprazodeespecificaçãodeprovas.Emboraaespecificaçãodeprovas,nostermosdoart.348doNovoCPC,sejadirigidaaoautor,essaparceladoutrináriaentende que também o réu poderá especificar as provas, ainda que não as tenhapedidonacontestação.

Apósaproposituradaprova,o juizanalisaráasuaadmissibilidade, tarefaemregra realizadano saneamentodoprocesso, seja pormeiodedecisão escrita, sejapormeiode audiênciapreliminar.Casoo réu revel ingressenoprocesso antesdojuízo de admissibilidade, será facultado a ele impugnar as provas requeridas peloautoreinfluenciaroconvencimentodojuiznaanálisedesuaadmissibilidade.

Na fase de produção da prova existe uma divisão procedimental entre apreparação e a realização. Numa prova testemunhal, os atos de arrolar uma 94

testemunhaedeintimaçãosãoatosdepreparação,enquantoaoitivaemaudiênciaéatoderealização.Numaprovapericial,aindicaçãodequesitosedeassistentetécnicofaz parte do momento preparatório, ao passo que a resposta desses quesitos peloperito faz parte da realização. O importante é entender que no momento depreparaçãoaprova jáestásendoproduzida.Casooréurevel ingressenademandaantesdomomentodepreparaçãodaprova,poderálivrementedelaparticipar,sendoessaarazãopelaqualseadmiteaoréurevelarrolartestemunhaseindicarquesitoseassistentes técnicos.Note-sequeemteseo réu revelnãopodepediraproduçãodeprova testemunhal ou pericial,mas, tendo sido deferidos taismeios de prova pelojuiz–emrazãodepedidodoautoroudeofício–,oréurevelpoderáparticipardesuapreparação,desdeque ingressenoprocessoemmomentoadequadopara tanto.Casooréurevelingressenoprocessodepoisdomomentodepreparação,masantesda realização, poderá desse segundo momento ativamente participar, comocompareceràaudiência,contraditarefazerperguntasàstestemunhas,comotambémimpugnar o laudo pericial e requerer a presença do perito em audiência para o

esclarecimentodedúvidas569.

Porfim,afasedavaloração,realizadapelojuizemsuasentença.Tendooréurevelingressadonademandaapósaproduçãodaprova,restaráaeleaimpugnaçãoda prova já produzida, na tentativa de influenciar o juiz na formação de seuconvencimento.Omesmopoderáfazerseingressarnoprocessodentrodoprazodeapelação.

19.4.1.2.Provaspré-constituídas

Provas pré-constituídas são aquelas formadas fora do processo, sendo oexemploclássicoaprovadocumental.Oprocedimentoprobatóriodessaespéciedeprovaédivididoemtrêsfases:

(a)proposituraeprodução;

(b)admissibilidade;

(c)valoração.

Jáexistindoaprovaforadoprocesso,comoocorrecomaprovadocumental,caberáaoautornapetição inicialeaoréunacontestaçãonãosórequereremasuaprodução, mas produzirem-na nesse momento procedimental. Diante dessa regra,

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seria correta a conclusão de que o réu revel nunca poderá produzir provapréconstituída,considerando-sequeoseuingressonademandasempresedaráapósomomentodeausência jurídicadecontestação?Arespostaéafirmativa,masdeveserdadacomextremacautela.Oart.435doNovoCPCprevêumasériedehipótesesemqueseadmitiráa juntadadedocumentosapósapetição inicialeacontestação,exigindo que a juntada extemporânea seja analisada à luz do princípio da boa-féconsagradanoart.5ºdoNovoCPC.

Aomenosnotocanteàpreservaçãodaboa-fé,paraoréurevelserámaisfáciloseu preenchimento do que para um réu que contesta. Não tendo apresentado acontestação,momentoadequadoparaaproduçãodaprovadocumental, serádifícilacreditarqueajuntadaposteriordedocumentotenhasidofrutodeumamanobrademá-féporpartedoréurevel.

Quanto às fases de admissibilidade e de valoração da prova pré-constituída,aplicam-seintegralmenteoscomentáriosfeitosnotópicoanteriorquantoàsprovascausais.

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20.PROVIDÊNCIASPRELIMINARESEJULGAMENTOCONFORMEOESTADODO

PROCESSO

Sumário:20.1.Providênciaspreliminares–20.2.Julgamentoconformeoestadodoprocesso20.2.1.Introdução:20.2.2.Extinçãodoprocessosemaresoluçãodomérito;20.2.3.Extinçãodoprocesso coma resoluçãodomérito, fundadanoart.487, II e III, doNovoCPC;20.2.4. Julgamento antecipadodomérito– 20.2.5.Julgamento antecipado parcial domérito; 20.2.6. Saneamento e organização doprocesso.

20.1.PROVIDÊNCIASPRELIMINARES

Segundo o art. 347 do Novo CPC, findo o prazo para a contestação, o juiztomará, conforme o caso, as providências preliminares previstas em lei. Odispositivo é substancialmente igual ao art. 323 do CPC/1973 que, entretanto, erasuperioraopreverqueasprovidênciaspreliminaresseriamtomadasapósoprazoderesposta do réu. A confusão entre gênero e espécie foi devidamente afastada emváriaspassagensdoNovoCPC,mas,infelizmente,noart.344modificou-seerrandoaquiloquenodiplomaprocessualrevogadoestavacorretamenteprevisto.

Como já ocorria no CPC/1973, no Novo Código de Processo Civil asprovidências preliminares não constituem uma fase obrigatória do procedimento,dependendosuaexistênciadascircunstânciasdocasoconcreto.

Nahipótesedeoréuser revel,aposturaaseradotadapelo juizdependerádageração ou não do principal efeito da revelia. Sendo presumidos verdadeiros osfatosalegadospeloautor,serácasodejulgamentoantecipadodomérito,nostermosdo art. 355, II, do Novo CPC. Não sendo presumidos os fatos como verdadeiros,aplica-seoart.348doNovoCPC,comadeterminaçãoaoautorparaqueespecifiqueasprovasquepretendeproduzir,seaindanãoastiverindicado.

Mantendoatradiçãoomissivadoart.324doCPC/1973,oart.348doNovoCPCdeixadepreverexpressamenteoprazoparaaespecificaçãodeprovas.Comoparaasoutras espécies de providência preliminar há previsão expressa de quinze dias,

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entendo que para preservar a homogeneidade dessas reações do autor reunidas nocapítulooraanalisadotambémassimosejanaespecificaçãodeprovas.

Interessantenotarqueoart.348doNovoCPC,emsuainterpretaçãoliteral,temaplicaçãotãosomentenahipótesedereveliadoréu,damesmaformacomoocorriacomoart.324doCPC/1973.Ocorre,entretanto,quecomaaceitaçãodoutrináriaejurisprudencialdospedidosgenéricosdeproduçãodeprovanapetiçãoinicialenacontestaçãodoprocedimentoordinário,quenãodevesealterarcomonovodiplomaprocessual,oart.348doNovoCPCcontinuaráaseraplicadodeformaampliativacomoeraseuantecessor,permitindoqueojuizdetermineàspartesaespecificaçãodeprovasmesmodiantederéunãorevel.Comoojuiznãosabeexatamenteoqueaspartes pretendem produzir em termos probatórios, determina a especificação deprovas em qualquer situação, ampliando-se consideravelmente na praxe forense oâmbito de aplicação do art. 324 doCPC/1973 em realidade que deve se repetir naaplicaçãodoart.348doNovoCPC.

O art. 349 do Novo CPC versa sobre a participação do réu revel noprocedimento probatório na hipótese de o juiz determinar a intimação do autor aespecificar as provas que pretende produzir. O tema é devidamente enfrentado noCapítulo19,item19.4.1.

A segunda providência preliminar prevista pelo Código de Processo Civilconsistenaréplica,oportunidadedemanifestaçãoabertaaoautorsemprequeoréualegaremsuacontestaçãodefesademérito indireta e/oudefesaprocessual. Nessasduas espécies de matéria defensiva, o réu traz uma novidade ao processo, tantoquandoalegaumfatonovoimpeditivo,modificativoouextintivododireitodoautor,comoquandoalegaumadefesapreliminar,naturalmentenãonarradapeloautoremsuapetiçãoinicial.

Notocanteàalegaçãopeloréudepreliminaresemsuacontestação,oart.352doNovoCPCprevêquecasoojuizverifiqueaexistênciadeirregularidadesouvíciossanáveis,determinarásuacorreçãoemprazonuncasuperioratrintadias.Aregrajáconstava do art. 327 do CPC/1973 e se refere às defesas processuais dilatóriaspotencialmenteperemptórias,devidamenteanalisadasnoCapítulo18,item18.2.2.1.3.

Como se pode notar, a réplica é manifestação do princípio do contraditório,98

exigindo-seaoitivadoautora respeitodematériasnovasdoprocessoquepodemser determinantes para a decisão judicial. Na praxe forense, entretanto, percebe-seumaindevidageneralizaçãodaréplica,abrindo-seprazoparamanifestaçãodoautora respeito da contestação mesmo quando essa resposta do réu seja fundada tãosomenteemdefesademéritodireta.Talpostura,alémdecontrariarotextolegal,nãoencontra nenhuma justificativa plausível, devendo ser criticada. Isso quando o juiznãoabreprazoparaatréplica,eassimpordiante.

20.2.JULGAMENTOCONFORMEOESTADODOPROCESSO

20.2.1.INTRODUÇÃO

Ultrapassada a fase das providências preliminares, ainda que nenhuma delastenha sido necessária, o processo chega a uma nova fase, emque o juiz proferiráuma decisão, que pode ser interlocutória ou sentencial. Nessemomento, abrem-sequatrocaminhospossíveisaojuiz,sendoqueemtrêsdelesoprocessoseráextintoporsentençaeemoutroadecisãoteránaturezasaneadora,comoprosseguimentodademandaeoingressonafaseprobatória.Trata-sedafasedo“julgamentoconformeoestadodoprocesso”.

Entre os cinco caminhos previstos pelo Código de Processo Civil está aextinção do processo sem a resolução domérito (art. 354, caput do Novo CPC);extinçãodoprocessocomaresoluçãodomérito,desdequeasentençasefundamenteno art. 487, II e III, do Novo CPC (art. 354, caput do Novo CPC); julgamentoantecipado do mérito (art. 355 do Novo CPC); julgamento antecipado parcial domérito(art.356doNovoCPC)eprolaçãodedecisãosaneadora(art.357doNovoCPC).

20.2.2.EXTINÇÃODOPROCESSOSEMARESOLUÇÃODOMÉRITO

Trata-se de norma legal ligada ao princípio da economia processual,determinandoque, seo juizpercebera inutilidadedacontinuaçãodoprocesso,emrazão de vício formal insanável, deve determinar a extinção do processo sem aresoluçãodomérito.Éprecisoafirmarqueamaioriadoscasosprevistospeloart.485doNovoCPC, e repetidos pelo art. 337domesmodiplomaprocessual, e quefundamentam essa espécie de extinção do processo, poderia ter sido objeto de 99

apreciaçãodeofícioanterioraomomentoprocedimentaloraanalisado.

Éinegável,porexemplo,queumailegitimidadedeparte,percebidapelojuiznaleitura da peça inicial, gerará seu indeferimento, com a consequente extinção doprocesso sem a resolução do mérito. Nesse caso, evidentemente, não haveráoportunidadeparaafasedejulgamentoconformeoestadodoprocesso,vistoqueomesmoteráatingidoseufimnummomentoprocessualbemanterioratalfase.Poroutrolado,seailegitimidadedeparteforpercebidasomenteapósamanifestaçãodoréuemsuadefesa,deveráojuiz,aísim,nessemomento,extinguiroprocessosemaresoluçãodomérito.Comoamatériaédeordempúblicaeporissonãoéatingidapela preclusão, mesmo após esse momento procedimental o processo poderá serextintosemaresoluçãodemérito.

O Novo Código de Processo Civil traz novidade em seu art. 354, parágrafoúnico, importante regra quanto ao cabimento do agravo de instrumento diante dedecisão terminativa (art. 485) ou demérito (art. 487, II e III) que resolver apenasparceladoprocesso.Aredaçãododispositivonãomereceelogiosporquesugereaexistênciadeumaextinçãoparcialdoprocesso,oqueéalgorejeitadohistoricamentepela melhor doutrina. Seria como falar em mulher meio grávida ou funcionáriopúblicomeiohonesto...

Poroutrolado,contrariaopróprioconceitodesentençaprevistonoart.203,§1º, do Novo CPC, para o qual será sentença o pronunciamento do juiz que, comfundamento nos arts. 485 e 487 do Novo CPC, põe fim à fase cognitiva doprocedimentocomum,bemcomoextingueaexecução.Umjulgamento terminativodeparceladoprocessonãotemcapacidadedeextinguiroprocessoouumadesuasfases,oquenecessariamenteotransformaemdecisãointerlocutória,que,nostermosdo art. 203, § 2.º, do Novo CPC, é todo pronunciamento judicial de naturezadecisóriaquenãoseenquadranoconceitodesentença.

Daformacomoficouredigidoodispositivooracomentado,passaríamosater,por expressa previsão legal, uma sentença recorrível por agravo de instrumento.Teria sido mais cuidadoso o legislador se tivesse expressamente previsto que adecisãoterminativaquedigarespeitoaapenasparceladoprocessoéinterlocutória,recorrívelporagravodeinstrumento,aliás,exatamentecomoocorrenoCPC/1973.

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Outra crítica deve ser dirigida à desnecessidade de previsão específica decabimento de agravo de instrumento da decisão que resolve parcela domérito nomomentodojulgamentoconformeoestadodoprocesso,emrazãodeprescriçãooudecadência (art. 487, II, doNovoCPC) ou homologatória de autocomposição (art.487, III, “b” doNovoCPC).Nos termos do art. 1.015, II, doNovoCPC é cabívelagravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre o mérito dacausa,sendotalprevisãosuficienteparatutelarashipótesesdejulgamentoparcialdeméritoprevistasnoart.354,parágrafoúnico,doNovoCPC.

Trata-sedaconsagraçãodasentençaparcialdemérito,aindaquerecorrívelporagravo de instrumento por expressa indicação legal. Ocorre, entretanto, que asmesmascríticas já feitasquantoàdecisão terminativaparcial tambémseaplicamàdecisãoparcialdemérito.

Quantoànaturezajurídicadadecisão,queoart.354,parágrafoúnicodoNovoCPCsugereserumasentençarecorrívelporagravodeinstrumento,jáfoiafirmadoqueolegisladorpoderiatertomadomaiscuidadodeformaaapontarparaanaturezainterlocutória da decisão. Mesmo diante da redação legal, o Enunciado 103 doFórumPermanentedeProcessualistasCivis(FPPC)concluique:“Adecisãoparcialproferidanocursodoprocessocomfundamentonoart.487,I,sujeita-searecursodeagravodeinstrumento”.

A previsão que trata do cabimento de agravo contra decisão interlocutóriaterminativa capaz de diminuir – objetiva ou subjetivamente – a demanda temaplicação em outros momentos procedimentais, além do julgamento conforme oestado do processo. Um exemplo emblemático do afirmado é a extinção dareconvençãopordecisãointerlocutóriaterminativa.

20.2.3.EXTINÇÃODOPROCESSOCOMARESOLUÇÃODOMÉRITO,FUNDADANOART.487,IIEIII,DONOVOCPC

Éinteressanteaopçãodolegisladoremnãotratardashipótesesprevistaspeloart.487,IIeIII,doNovoCPC,soboinstitutodojulgamentoantecipadodomérito.Reconhece-se nas previsões dos arts. 354, caput, doNovoCPC (extinção pelo art.487,IIeIII,doNovoCPC)e355doNovoCPC(extinçãopeloart.487,I,doNovoCPC)quesomenteessasegundasentençaégenuinamentedemérito,daísomenteelapoder ser tratada por julgamento antecipado do mérito (aqui entendido como

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pedido).

Seja como for, as hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 487 doNovoCPC, são tratadas também como decisões de mérito, o que gera importantesconsequências no tocante à existência de coisa julgadamaterial nessas espécies desentença.Extingue-seademandacomresoluçãodemérito,nos termosdoart.354,caput,doNovoCPC,nafasedejulgamentoconformeoestadodoprocesso,quandohouver:

(a)prescriçãooudecadência;

(b)homologaçãodereconhecimentojurídicodopedido,detransaçãoederenúncia.

É natural que a previsão dessas espécies de sentença de mérito comoprovidênciasaseremadotadaspelojuiznomomentoprocedimentaldo“julgamentoconformeoestadodoprocesso”nãocriaumalimitaçãotemporalparaaprolaçãodetais sentenças. Assim, uma transação ou renúncia, por exemplo, podem gerar aextinçãodoprocessotantoantesquantodepoisdojulgamentoconformeoestadodoprocesso.

20.2.4.JULGAMENTOANTECIPADODOMÉRITO

Conformevisto,oart.354doNovoCPCprevêdoiscaminhosao juiz,amboslevandoaextinçãodoprocesso,noprimeirocasosemaresoluçãodoméritoenosegundo com resolução do mérito. No art. 355 do Novo CPC, prevê-se mais umcaminhoquelevaráàextinçãodoprocessocomaresoluçãodomérito,aplicando-seaocasoconcretosemprequeojuizacolherourejeitaropedidodoautor.

O art. 330 do CPC/1973 chamava tal fenômeno processual de “julgamentoantecipado da lide”, em opção unanimemente criticada pela doutrina, já que ojulgamento não era da lide e sim do pedido do autor. O art. 355 do Novo CPCcorretamente passa a chamar o julgamento antecipado da lide de julgamentoantecipado do mérito, expressamente prevendo que a sentença que julgaantecipadamente o mérito é sentença com resolução de mérito. Na realidade, aomudaronomedaformadejulgamento,ficouexageradaessarepetição,porque,seojulgamentoantecipadoédomérito,éóbvioqueasentençaserádemérito.

Sendopossíveldividiroprocessodeconhecimentoemquatrofases–apesarde102

nãoseressaumadivisãoestanque–,ojulgamentoantecipadodoméritosejustificaem razão da desnecessidade da realização da fase probatória. Após a fasepostulatória,tem-seafasedesaneamento,seguidadafaseinstrutóriaefinalmenteadecisória.Nãosendonecessáriaaproduçãodaprova,nãohaveráafaseprobatória,restando um vácuo entre a fase de saneamento e a decisória. Como tal vácuo éobviamente inadmissível, a fase decisória é antecipada para o momento dosaneamento,resultandonojulgamentoantecipadodalide.

Oart.355doNovoCPCprevêduassituaçõesquenãoseconfundem,masquegeramofenômenoacimadescrito,ouseja,adesnecessidadedaproduçãoprobatória:

(a)quandonãohouvernecessidadedeproduçãodeoutrasprovas;

(b)quandooréuforrevel,ocorreroefeitoprevistonoart.344doNovoCPCenãohouverrequerimentodeprova,naformadoart.349domesmodiplomalegal.

OincisoIdoart.355doNovoCPCnãofoifelizaopreveraprimeirahipótesede julgamento antecipado domérito. Segundo o dispositivo, haverá essa formadejulgamento, senãohouvernecessidadedeproduçãodeoutrasprovas,emprevisãoquenãoconseguealcançartodasascircunstânciasquedeveria.

Nahipótese, raraéverdade,masnão impossível,deademandaconterapenasquestõesdedireito,nãocaberájulgamentoantecipadodomérito?

Quandoamatériaforexclusivamentededireito,nãoháobjetoasertratadonainstruçãoprobatória,dadoqueessafasesedestinaàprovadosfatos.Ainexistênciada narração fática, em situação que basta ao juiz interpretar as normas jurídicasobjetodaação,fazcomquesejaabsolutamentedesnecessáriaainstruçãoprobatória,vistoquenãohaveráoqueprovar.

Ese,apesardehaveralegaçõesdefato,estasnãochegaremasetransformaremquestões (art. 334 do CPC/1973 e art. 374 doNovo CPC), não haverá julgamentoantecipadodomérito?

Acredito que sim. Na hipótese de fatos que não exijam provas (notórios,incontroversos, presumidos), não há necessidade de instrução probatória e porconsequêncianaturalojulgamentoantecipadodoméritoélegítimo.

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O que o dispositivo deveria ter previsto, mas não o fez, é que o julgamentoantecipadodoméritoserácabívelsemprequesemostrardesnecessáriaa instruçãoprobatóriaapósaapresentaçãodecontestaçãopeloréu.Sejaporquesóháquestõesde direito, seja porque as questões de fato independem de prova, quer porque asprovaspré-constituídas(geralmentedocumentos)queinstruíramapetiçãoinicialeacontestaçãosãosuficientesparaaformaçãodoconvencimentodojuiz.

Apesardenãopreverexatamente isso, acreditoquedevaseressaa situaçãoaser considerada para o julgamento antecipado do mérito com fundamento nodispositivooraanalisado.

Amelhordoutrina lembraqueo juízodeprimeirograunãoéoúnicoórgãojulgador, visto queo processopoderá ser julgado em sedede apelação.Em razãodisso, o juiz de primeiro grau deve evitar dois erros; indeferir provas pertinentesporquejáseconvenceuemsentidocontrárioouaindaindeferirprovasporque,emseu entender, a interpretação do direito não favorece o autor. Nesses casos, ainterrupçãoabruptadoprocesso,semarealizaçãodeprovas,constituicerceamentodedefesa,gerandoaanulaçãodasentençaedispêndiodesnecessáriodetempoededinheiro.

Asegundahipótesedejulgamentoantecipadodomérito,previstanoincisoIIdoart.355doNovoCPC,prevêacondiçãodereveliadoréueoutrosdois requisitosaparentemente cumulativos: o juiz presumir a veracidade dos fatos e não haverpedidodoréudeproduçãodeprova.

Acreditoqueosdois requisitos sãona realidade facesdeumamesmamoeda,porqueseojuizpresumiraveracidadedosfatosjulgaráantecipadamenteoméritoeo réu não terá oportunidade de requerer validamente a produção de provas. Poroutrolado,senãoforcabívelaocasoconcretoapresunçãodeveracidade,aplicar-se-áoprevistonoart.348doNovoCPC.

Masreconheçoqueépossível,apesardeexcepcionalíssimo,quehajapedidodoréurevelpelaproduçãodeprovaantesmesmodeojuizdecidirsobreocabimentodo julgamento antecipado domérito ou da especificação de provas. É natural queapósareveliadoréuosautossejamconclusosparaojuiz,quedecidiráentrejulgarantecipadamente o mérito e determinar ao autor a especificação de provas. E é

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possível,aindaqueextremamente raro,quenessemeio tempoo réucompareçaaoprocessorequerendoaproduçãodeprova.Maiscomumseráahipótesederéuquecontestaintempestivamentepedindoaproduçãodeprova.

Enessasituação,aindaqueextremamenterara,équesurgeoproblema.Porqueselevandoaopédaletranãoserácabívelojulgamentoantecipadodoméritoporque,aindaqueojuizpresumaverdadeirososfatosalegadospeloautor,haverápedidodeprodução de prova elaborado pelo réu. Acredito ser evidente a possibilidade dejulgamento antecipado do mérito nesse caso, porque a presunção ou não daveracidade dos fatos independe de o réu ter ou não pedido a produção de provas.Essaéaúnicainterpretaçãopossívelaocriticáveldispositivolegal.

20.2.5.JULGAMENTOANTECIPADOPARCIALDOMÉRITO

Agrande novidade doNovoCódigo de ProcessoCivil quanto ao julgamentoantecipadodoméritoéaprevisãoexpressadequeelepodeserparcial.Nostermosdo art. 356 do novo diploma processual, o juiz decidirá parcialmente o mérito,quando um ou mais dos pedidos formulados – ou parte deles – mostrar-seincontroversoouestiver emcondiçõesde imediato julgamento,nos termosdoart.355doNovoCPC.

Odispositivoencerraumaconsiderávelpolêmicadoutrináriaquantoàmelhorinterpretação do art. 273, § 6.º, doCPC/1973.Apesar de prevista como espécie detutela antecipadano revogadodiplomaprocessual, o julgamentoparcial doméritosuscitava interessante debate doutrinário: seria realmente uma espécie diferenciadadetutelaantecipadaouumjulgamentoantecipadoparcialdalide?

Haviapartedadoutrinaqueentendianãosetratardegenuínatutelaantecipada,massimdejulgamentoantecipadoparcialdalide,e,emvezdeumparágrafonoart.273 do CPC/1973, o legislador deveria ter incluído um parágrafo no art. 330 doCPC/1973.Paraessacorrentedoutrinária,acogniçãodojuiz,aodecidirparceladapretensão do autor, era exauriente, fundando-se a decisão emum juízo de certeza.Tratando-sederesoluçãodoméritofundadaemjuízodecerteza,adecisãoseriaaptaa gerar coisa julgada material, não podendo ser revogada nem modificada peladecisão final da demanda, sendo inaplicável à espécie o art. 273, § 4.º, do

CPC/1973570.

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Existiaoutracorrentedoutrináriaquedefendiaanaturezade tutelaantecipada,afirmando-se que o art. 273, § 4.º, do CPC/1973 era totalmente aplicável à tutelaantecipada de parcela incontroversa da pretensão do autor. Para essa correntedoutrinária, apesar de o juízo de verossimilhança ser aindamais robusto que nasoutrasespéciesdetutelaantecipada,ojuiznãodecidiacomfundamentoemcogniçãoexauriente,sendoadmissívelqueaofinaldademandareformulasseseuentendimento

erevogasseoumodificasseadecisãoconcessivadetutelaantecipada571.

Diante da realidade legislativa imposta pelo revogado Código de ProcessoCivil,entendia-sequeaopçãodo legisladoremqualificaro julgamentodeparcelada pretensão quando incontroversa era determinante para a solução do impassedoutrinário.Defendia-seserpossívelacriaçãodofracionamentodo julgamentodeméritopormeiodaadmissibilidadede julgamentoantecipadoparcialda lide, comdecisãofundadaemcogniçãoexaurienteeaptaageraracoisajulgadamaterial.Poruma opção legislativa, o processo continuaria somente para decidir a parcelacontroversa da pretensão, e sua decisão não afetaria o que já teria sido resolvidodefinitivamente.Nãofoiisso,entretanto,oqueaLei10.444/2002criouaoincluiro§

6.ºaoart.273doCPC/1973572.

Se o legislador no CPC/1973 tratou do fenômeno como espécie de tutelaantecipada,nãorestavadúvidadaaplicaçãodos§§4.ºe5.ºdoart.273doCPC/1973aessa espécie de tutela antecipada, significando que a tutela antecipada poderia serrevogada ou modificada a qualquer momento, ainda que somente na hipótese dehavernovascircunstâncias.

Diante dessa realidade, defendia que, mesmo considerando-se a cogniçãoexauriente nessa espécie de tutela antecipada, o conhecimento superveniente dematériasdeordempública,quepoderiaminclusiveserlevadasaprocessoexofficiopelojuiz,seriaaptoaextinguiroprocessosemresoluçãodomérito,acarretandoaimediatarevogaçãodatutelaantecipadaanteriormenteconcedida.Essapossibilidadede revogação demonstrava que a decisão concessiva de tutela antecipada não era

definitiva,nãosendoaptaagerarcoisajulgadamaterial573.

Há,inclusive,interessantejulgamentodoSuperiorTribunaldeJustiçaarespeitodoart.273,§6.º,doCPC/1973,noqualotribunal,alémdereconhecerqueessatutelaantecipadanãoéespéciede tuteladeurgência,afirmaqueacogniçãoéexauriente, 106

masqueemrazãodepolíticalegislativaatuteladoincontroversonãoésuscetíveldeimunidadepelacoisajulgada,sendoconcedidapormeiodedecisãointerlocutóriade

mérito574.

A opção do legislador no Novo Código de Processo Civil foi modificar anaturezajurídicadessaespéciedejulgamento,tornandooqueanteriormenteeraumaespécie diferenciada de tutela antecipada em julgamento antecipado parcial domérito.Afastou-sedoprincípiodaunicidadedojulgamentodoméritopreconizadoporChiovenda,passandoapreverahipótesedejulgamentofracionadodemérito.

Há duas hipóteses de cabimento do julgamento antecipado parcial do méritoprevistaspelosincisosdoart.356doNovoCPC.

Aincontrovérsiadeumdospedidosoudeparceladeumpedidoprevistapeloinciso I do art. 356 do Novo CPC deve ser compreendida como o parcialreconhecimento jurídico do pedido. O dispositivo não trata da incontrovérsia dosfatos,masdopedido,eaúnicaformadeopedidodoautorsetornarincontroversoépormeio de ato de autocomposição unilateral do réu. Nesse caso, caberá ao juizjulgar a parcela incontroversa por meio da sentença homologatória de méritoprevistanoart.487,III,“a”,doNovoCPC.

Tambémserácabívelojulgamentoantecipadoparcialdoméritoquandoumoumais pedidos, ou parcela deles, estiver em condições de imediato julgamento, nostermosdoart.355doNovoCPC.

OincisoIIdoart.356doNovoCPCédesimplescompreensão:épossívelsejulgarantecipadamenteparceladoméritosemprequecomrelaçãoaessaparcelanãohouvernecessidadedeproduçãodeprovas,querporquejáproduzidas,querporquedispensávelaproduçãodequalquerprova.

Com a alteração, o capítulo que decide parcela do mérito produzirá coisajulgadamaterialao transitarem julgado,nãosendopossívelo juizposteriormentemodificaradecisãoaoresolveraparceladoméritoquedemandouacontinuidade,aindaqueparcial,doprocesso.

Nostermosdoart.356,§1.º,doNovoCPC,adecisãoquejulgarparcialmenteomérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. A norma 107

pareceserfrutodeexcessodezelodolegisladorporque,seaformadejulgamentoéantecipada do mérito, ainda que parcial, seria natural entender que a obrigaçãoreconhecida pudesse ser líquida ou ilíquida. Sob a ótica do ditado popular “o queabunda não prejudica”, o dispositivo não deve gerar consequências práticasrelevantes.

O§2.ºdodispositivooracomentadoéinteressanteporqueliberaaliquidaçãoouexecuçãoimediatanaobrigaçãoreconhecidanadecisãoquejulgarparcialmenteomérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso pendente dejulgamento. O dispositivo é compatível com o § 5.º, que prevê a decisão serrecorrívelporagravodeinstrumento,recursosemefeitosuspensivo.

Há, entretanto, uma gritante contradição entre qualquer decisão que resolva oméritoesejarecorrívelporapelaçãoeadecisãoquejulgaantecipadamenteparceladomérito.Enquantonoprimeirocasoseráinviável,aomenosemregra,aexecuçãoem razão do efeito suspensivo do recurso; no segundo, será cabível a execuçãoprovisória. A distinção de tratamento não tem qualquer justificativa lógica oujurídicaplausível, porque trata julgamentosdeméritodemaneiradistintaquanto àsuaeficáciaimediatasemnadaquejustifiqueotratamentodesigual,emnítidaofensaao princípio da isonomia. Sou um crítico do efeito suspensivo como regra naapelação,mas, umavez sendo essa a opção legislativa, realmente fica complicadocompreenderporque adecisãoque julga antecipadamenteparceladoméritopodeserexecutadaprovisoriamente.

Essamanifesta contradição, entretanto, não permite a conclusão paradoxal dequeparaosatosprevistosnoart.520,IV,doNovoCPCseráexigidaaprestaçãoda

caução575.Esseentendimentotornaletramortaoart.356,§2º,doNovoCPC576.

Poroutrolado,aprevisãoexpressado§5.ºdoart.356doNovoCPCdequeadecisão que julga antecipadamente parcela do mérito é recorrível por agravo deinstrumento gera problemas porque teremos no sistema processual dois recursosdistintos ao segundo grau para reexame de decisão de mérito. Insisto que não ésoluçãoadequadapreveragravodeinstrumentocontradecisãoqueresolveoméritoenquantoaapelaçãomantivermuitomaisgarantiasaorecorrentedoqueoagravodeinstrumento.Resolve-seumproblema(nãohavermúltiplasapelaçõesemmomentosdistintos) e se criam inúmeros outros. Abre-se espaço, atémesmo, para a exótica 108

“apelaçãode instrumento”,umrecursodeagravode instrumentocomasgarantiasprocessuaisdaapelação...

Reconheço,poroutro lado,queoNovoCódigodeProcessoCivilaproximouconsideravelmente o procedimento dos recursos de apelação e de agravo deinstrumentointerpostocontradecisãodemérito,quepassamateromesmoprazodeinterposição (15 dias), nenhum deles conta com revisor e é aplicável a ambos atécnicadejulgamentosubstitutivadosembargosinfringentes.

Masaindahádiferenças,comoasustentaçãooral,admitidanaapelaçãoenãonoagravodeinstrumentointerpostocontradecisãointerlocutóriademérito.Eaquestãodosdiferentesefeitosdetaisrecursoséoprincipalproblema,conformejáanalisado.

Por fim, o art. 356, § 4.º, do Novo CPC, prevê regra mais cartorial do queprocessual ao disciplinar a forma de autuação da liquidação ou cumprimento desentença da decisão que julga parcialmente o mérito. Nos termos do dispositivo,poderãonessecasosercriadosautoscomplementares,arequerimentodaparteouacritériodojuiz,oquedeveocorrerparanãoembaralharoprocedimentoprincipalda parcela do processo que ainda não foi julgada e a liquidação ou execução dadecisãoquedecidiuoméritodeformaantecipadaeparcial.

20.2.6.SANEAMENTOEORGANIZAÇÃODOPROCESSO

Comoverificadonositensanteriores,todososcaminhospossíveisexistentesaojuizjáanalisadoslevamoprocessoàsuaextinção,oracomaresoluçãodomérito(sentença definitiva), ora sem essa resolução (sentença terminativa). A únicapossibilidade de o processo prosseguir é o seu saneamento, hipótese verificávelsemprequenãoforpossívelsuaextinçãopelosmotivosjáanalisados.

Osaneamentoeaorganizaçãodoprocessoestãoprevistosnoart.357doNovoCPC. Além de tornar o saneamento escrito a regra, o dispositivo tem profundainovação com relação ao art. 331 do CPC/1973. Não consta mais entre os atos aserem praticados nesse momento procedimental a tentativa de autocomposição.Acredito que amudança tenha se dado pelo fato de tal tentativa, além de ter umaaudiênciaespecíficaparaocorrer,nãoémaisrealizadapelojuizdacausa,esimporum conciliador ou mediador pertencente ao Centro Judiciário de Solução deConflitosvinculadoaojuízo.

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Anovidadeéinteressantepordesvincularosaneamentodatentativadesoluçãoconsensual, e sob esse aspecto correta e bastante elogiável. A históriamostra queessaconfusãonão levavaabons resultados, inclusivecomadispensadaaudiênciapreliminar em hipóteses em que a autocomposição era concreta ou supostamenteinviável.

Ainda assim parece não haver qualquer impedimento ao juiz em tentar nessemomentoaautocomposiçãoouamediaçãoentreaspartes.

Osaneamento–eagoratambémorganização–doprocessocontinuaaserumato processual complexo, como atestam os incisos do art. 357 do Novo CPC,cabendo ao juiz, nesse momento procedimental: resolver, se houver, as questõesprocessuaispendentes;delimitarasquestõesdefatosobreasquaisrecairáaatividadeprobatória, especificando os meios de prova admitidos; definir a distribuição doônusdaprova,observadooart.373doNovoCPC;delimitarasquestõesdedireitorelevantesparaadecisãodomérito;e,senecessário,designaraudiênciadeinstruçãoejulgamento.

NostermosdoincisoIdoart.357doNovoCPC,oprimeiroatoaserpraticadopelo juiz no saneamento e organização do processo é a resolução das questõesprocessuais pendentes, sanando alguma irregularidadequeporventura ainda exista.Com isso, estará deixando o processo, do ponto de vista formal, absolutamenteprontoeregularparaaposteriorfaseinstrutóriaederradeiramenteàfasedecisória.Casonãohajanenhumairregularidade–oquegeralmenteocorre–,vistoqueojuizdesdeoiníciodoprocessobuscasanareventuaisvíciossanáveis(p.ex.,emendadainicial),haverátãosomenteadeclaraçãodequeoprocessoseencontrasemvícios,preparado,portanto,paraseuregulardesenvolvimento.

Ultrapassadaessafase,ojuizdeverápassaràfixaçãodospontoscontrovertidos.Segundoo inciso IIdodispositivooracomentado,essa fixaçãosedápormeiodadelimitaçãodasquestõesdefatosobreasquaisrecairáaatividadeprobatória.

Essa fixação busca otimizar a instrução probatória, dado que o juiz, sendo odestinatário das provas, determina antes do início de sua produção quais fatoscontrovertidos realmente interessam ser provados para a formação de seuconvencimento.Éformadeafastarotrabalhoinútildaspartesemprovarfatosque

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não são controvertidos e outros, que apesar da controvérsia, não interessam aoconvencimentodojuiz.Comtalfixaçãotodosganham:aspartes,quevoltarãosuasenergias para o que realmente interessa na fase probatória e o próprio juiz, queeconomizarátempoqueseriadespendidonaproduçãodeprovasinúteis.

Apósa fixaçãodospontoscontrovertidos,momentoemque sedeterminaráoobjetodafaseprobatória(oquesedeveprovar),ojuizdeterminaosmeiosdeprovaparaque taisquestõespossamserprovadas.Ou seja, depoisde fixadooobjetodaprova, o juiz determina de que forma tal prova será produzida, deferindo ouindeferindo meios de prova requeridos pelas partes, como também indicando aprodução de provas pormeios não pedidos, ou seja, de ofício (art. 370 doNovoCPC).Fixa-se,portanto,oquesedeveprovarecomoissoocorrerá.

EmnovidadedoNovoCódigodeProcessoCivil,o saneamentopassaa seromomento adequadoparao juizdefinir adistribuiçãodoônusdaprova.ConformedevidamenteanalisadonoCapítulo22,item22.1.7.3.,oart.373,§2º,doNovoCPCexigeorespeitoaocontraditórionadistribuiçãodoônusprobatório,paraqueapartenão seja surpreendida ao final da instrução com a informação de que o ônus daprova eradela.Omomentomais racional para essadistribuição éo saneamento eorganizaçãodoprocesso,ouseja,antesdoiníciodafase instrutória.Por issodeveserelogiadaaprevisãodoart.357,III,doNovoCPC.

A previsão, entretanto, não cria qualquer espécie de preclusão ao juiz, quemesmo depois do saneamento do processo poderá distribuir os ônus da prova,conformelhefacultaoart.373,§1º,doNovoCPC.Masnessecasoteráquereabrirainstrução,oquenãoéoideal,tendo-seemcontaosprincípiosdaduraçãorazoáveldoprocessoedaeconomiaprocessual.

Também é inovadora a previsão do inciso IV do art. 357 doNovoCPC, queprevê a delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito.Fazendo-se um paralelo com a tradicional fixação damatéria fática controvertida,passa a ser incumbência do juiz também definir quais questões de direito sãorelevantesparaaformaçãodeseuconvencimento.Apesardeumparalelopossível,há uma diferença fundamental: as questões de fato precisam ser provadas pelaspartes, o que não ocorre com as questões de direito em razão da aplicação dobrocardoiuranoticuriaoudahimfactumdabotibuius.

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Entendoque a exigência ora analisada se preste tão somente para sinalizar àspartesquaisasquestõesdedireitoqueserãoessenciaisparaaprolaçãodadecisãodemérito,evitando-seassimqueaspartespercamseutempoeenergiacomdiscussõesjurídicasinúteis.

Finalmente, e sempre que necessário, designa-se a audiência de instrução ejulgamento.Oart.357,V,doNovoCPCfoicuidadosoemindicarqueessaatividadeprocessual somente será exercida se for necessário, visto que é perfeitamentepossível o processo chegar ao seu fim sem a necessidade de realização de talaudiência(bastapensarnumademandaemqueaúnicaprovaaserproduzidasejaapericialequenãohajanecessidadedapresençadosperitosemaudiência).

Dessa forma, apenas será designada a audiência de instrução e julgamentoquandofornecessáriaaproduçãodeprovaoral(depoimentopessoal,testemunhase,raramente, a presença do perito para esclarecer em audiência pontos obscuros ouduvidososdeseulaudo).

Casoojuizdefiraaprovatestemunhal,jádevefixarprazocomumnãosuperiora15diasparaqueaspartesapresentemroldetestemunhas(art.357,§4.º,doNovoCPC),e,sehouveradesignaçãodeaudiência,aspartesdeverãonesseatoapresentaroroldetestemunhas(art.357,§5.º,doNovoCPC),oquelevaàconclusãodequecaberá às partes o ônus de formular tal rol, mesmo sem saber se haverá provatestemunhal, considerando que na hipótese do § 3.º do art. 357 do Novo CPC osaneamentoserárealizadodemodocompartilhadoemaudiência.

Aindaquantoàdesignaçãodeproduçãodeprova testemunhal,o§6.º repetearegra do art. 407, parágrafo único, do CPC/1973, ao prever que o número detestemunhas arroladasnãopode ser superior adez, sendo três, nomáximo,para aprovadecadafato.

Há,entretanto,novidadeno§7.ºdoart.357doNovoCPCaopermitirqueojuizlimite o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dosfatosindividualmenteconsiderados.Odispositivoclaramenteabreapossibilidadedeojuizdeferirumnúmerodetestemunhasabaixodomáximoprevistopeloparágrafoanterior, em poder que deve ser utilizado com extrema ponderação, considerandoqueoconvencimentonamaioriadasvezes,nãoselimitaapenasaojuizqueproduza

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provaemprimeirograu,mastambémaosdesembargadoresquejulgarãoafuturaeprovávelapelação.

Segundooart.357,§8º,doNovoCPC,sendodeterminadaaproduçãodaprovapericial,ojuizdevenomearoperitoefixardeimediatooprazoparaaentregadolaudo(art.465doNovoCPC)e,sepossível,estabelecer,desdelogo,umcalendárioparaasuarealização.

Nosistemaconsagradonoart.331doCPC/1973,osaneamentodoprocessoerarealizado,emregra,pormeiodeumaaudiênciachamadadeaudiênciapreliminar.Osaneamentoescritoficavareservadoparademandasquetinhamcomoobjetodireitosquenãoadmitiamtransaçãoouquandoascircunstânciasdacausaevidenciassemserimprovávelsuaobtenção.

O sistema do novo diploma processual parece ter prestigiado o saneamentoescrito do processo, já que, nos termos do art. 357, § 3º, do Novo CPC, estáreservadaarealizaçãodeaudiênciaapenasparaascausasdemaiorcomplexidadeemmatériade fatooudedireito,aindaquepareçaserpossívelao juizsuadesignação

em causas de pequena ou nenhuma complexidade577. Trata-se, naturalmente, desituação excepcional, considerando-se que a maioria das demandas é de pequenacomplexidade e dessa forma não exigirá a designação de uma audiência para seusaneamentoeorganização.

Éaindamaisinteressantenotarquealémdadualidadedeformasdesaneamentoe organização do processo, também haverá diferentes técnicas procedimentais aseremempregadasadependerdocasoconcreto.Afinal,o§3ºdoart.357doNovoCPCprevêque,havendoaudiência,osaneamentoseráfeitoemcooperaçãocomas

partes578, podendo o juiz, inclusive, nesse ato convidar às partes a integrar ouesclarecersuasalegações.Trata-sedochamado“saneamentocompartilhado”.

Significa dizer que sendo o saneamento feito por escrito, não haverácooperaçãodaspartes,sendo,portanto,umatopraticadounilateralmentepelojuiz.Jáno saneamento oral, ainda que sob o comando do juiz, o ato será colegiado, emcooperaçãoentreeleeaspartes.

Paraa realizaçãodasaudiênciasdesaneamentoedeorganizaçãodoprocesso113

devehaverumintervalomínimodeumahoraentreelas.Aexigênciado§9ºdoart.357doNovoCPCpretendeevitarqueaaudiêncianãorecebaaatençãoquemerece.Afinal,seucabimentoestácondicionado,aomenosemregra,asituaçõesdemaiorcomplexidadefáticae/oujurídica.

A norma busca evitar que audiências de saneamento e organização sejamdesignadas em intervalo de tempomuito curto, o que naturalmente levará o juiz aconduzi-las de forma a cumprir sua pauta do dia, o que pode conspirar contra oprincípiodacooperaçãoquedevenortearaatuaçãodetodos,dojuizemespecial,nosaneamentocompartilhadodoprocesso.

Segundo o Enunciado 298 do Fórum Permanente de Processualistas Civis(FPPC),“aaudiênciadesaneamentoeorganizaçãodoprocessoemcooperaçãocomaspartespoderáocorrer independentementede a causa ser complexa”.Trata-sedeconclusão correta, porque cabe ao juiz a tarefadedefinir qual amelhor formadesanearoprocessonocasoconcreto.Masnãohárazõesparaacreditarquenapráticaissoocorra,bemaocontrário.Certamenteserámais frequentever juízessaneandoprocessos complexos por escrito do que vê-los saneando de forma compartilhadaprocessossimples.

Seja como for, não vejo espaço para alegaçãode nulidade do processo nessecaso.NãohárazãoparaoSuperiorTribunaldeJustiçamodificarseuentendimentoarespeito do poder do juiz em definir a forma escrita ou oral do saneamento doprocesso. A realização ou não de audiência, portanto, não deve gerar qualquernulidadenoprocesso.

Nãohá no art. 357doNovoCPCprevisão a respeito da intimaçãodas partespara comparecerem à audiência, até porque os atos que serão nela praticados sãopostulatórios, de forma que a intimação ocorrerá normalmente por publicação naImprensaOficialemnomedosadvogados.

HáduasnovidadesnoNovoCódigodeProcessoCivilqueindependemdeteremsidosaneadoeorganizadooprocessodeformaoralouescrita.

Nostermosdo§1ºdoart.357doNovoCPC,realizadoosaneamento,aspartestêmodireitodepediresclarecimentosousolicitarajustes,noprazocomumdecincodias,findooqualadecisãosetornaestável.Trata-sedepreclusãoquevinculatanto 114

aspartescomoojuízo,deformaqueaquiloquefoiesclarecidoedecididonãopossa

sermaismodificado579.

A previsão é importante porque a decisão de saneamento e organização doprocessonãoestáprevistanoart.1.015doNovoCPCcomorecorrívelporagravodeinstrumento,deformaqueessepedidodeesclarecimentoeajustesseráaúnicaformade as partes se insurgirem contra a decisão, indiscutivelmente de naturezainterlocutória.Aexceçãoficaporcontadocapítuloreferenteàdistribuiçãodoônusdaprova,recorrívelporagravodeinstrumentonostermosdoincisoXIdoart.1.015doNovoCPC.

Acreditoquemesmonosaneamentocompartilhadorealizadoemaudiência,naquala“responsabilização”pelosatospraticadosdeveserrepartidaentreojuizeaspartes,épossívelaaplicaçãodoart.357,§1º,doNovoCPC.Éverdadequenessescasos os pedidos de esclarecimentos e ajustes devam sermais raros, masmesmotendocontribuídonaconstruçãodosaneamentoeorganizaçãodoprocessoapalavrafinalésempredojuiz,nãotendosentidoretirardaspartesaúnicaformaquetemdeimpugnaçãocontraadecisãojudicial.

Deve-setomarcuidadocomapartefinaldodispositivooracomentado,quandoprevêquenãohavendoamanifestaçãodaspartesnoprazodecincodiasadecisãosetorna estável. Ainda que não compreenda exatamente por que o legislador não sevaleudo termo“preclusão”pareceseresseoseuobjetivo.Apreclusão,entretanto,parecenãoseromaissaudávelaoprocessoe,poressarazão,écriticávelaprevisãolegalarespeitodaestabilidadedadecisão.

Na realidade, a prevista “estabilidade” deve ser interpretada à luz da naturezadasmatériasdecididasnosaneamentoenaorganizaçãodoprocessoenospoderesdo juiz.Asdelimitaçõesde fatoededireitonãopodemrealmentesermodificadasapósosaneamentodoprocesso?Aindaquesejaindispensávelalgumaestabilidadeesegurança ao processo, caso surja um fato novo que seja imprescindível para aformação do convencimento do juiz, a decisão que fixa os fatos controversosrealmente não poderá ser alterada? E na hipótese de uma lei superveniente, oumesmo um novo entendimento jurisprudencial a respeito da matéria jurídicadiscutida,adecisãosobreasquestõesdedireitorelevantesparaasoluçãodoméritocontinuaráinalterável? 115

É bem verdade que nesse caso poder-se-á alegar que circunstânciassupervenientes exigem nova decisão e não mudança de decisão anteriormenteproferida.Masoquedizerdodeferimentodosmeiosdeprova?Ojuiznãopoderádeterminar um meio de prova que não foi deferido anteriormente se passar aentender que sua produção é importante para a formação de seu convencimento?Com os “poderes” instrutórios reconhecidos no art. 370 do Novo CPC ao juiz édifícilresponderpositivamenteaessaquestão.

Apesardenãoconcordarcomaestabilidadeplenadadecisãodesaneamentoeorganizaçãodoprocesso,entendoquequantoàdistribuiçãodoônusdaprovaseráimportante o juiz não poder mudar seu posicionamento após esse momentoprocedimental. E também por essa razão se torna ainda mais inacreditável que adecisão de saneamento e organização do processo não possa ser impugnada poragravodeinstrumento.

Segundoo§2.ºdoart.357doNovoCPC,aspartespodemapresentaraojuiz,parahomologação,delimitaçãoconsensualdasquestõesdefatoededireitoaquesereferem os incisos II e IV do dispositivo. A norma deve ser interpretada com odevidocuidadoporquenãopareceviávelumalimitaçãoquantoaosfatosoudireitos,aindaquedesejadapelaspartes,seissoinviabilizaraprestaçãodetutelajurisdicional

dequalidade580.Imaginoqueojuiz,seentenderquesemaquelaquestãodefatooudedireito não tem como decidir com qualidade a demanda judicial, não devehomologaroacordoentreaspartes.Oprópriodispositivofazmençãoànecessidadedehomologação,esódepoisdelaadelimitaçãopassaavincularasparteseojuiz,nãosendo,portanto,umnegócioprocessualbilateralcomooprevistonoart.190doNovoCPC,massimumacordoplurilateral,doqualdevemparticiparasparteseo

juiz581.

116

117

4 FASE INSTRUTÓRIA

.1. INTRODUÇÃO

Na petição inicial, o autor precisa expor os fundamentos de fato e de direito que embasam o seu pedido (causa de pedir). Com a apresentação da contestação, o réu poderá tornar controvertidos os fatos ou apenas as cons.equências jurídicas que o autor pretende deles extrair.

Em suma, a controvérsia pode ser exclusivamente de direito, ou também de fato. No primeiro caso, não há necessidade de provas (exceto os casos excepcionais do art. 376, em que o juiz pode exigir a comprovação da vigência e do teor do direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário). Mas se houver fatos controver­tidos, ele dará às partes a oportunidade de comprová-los.

-----, Provas são os meios utilizados para formar o convencimento do juiz a respeito de fatos I controvertidos que tenham relevância para o processo.

• 2. NATUREZA JURiDICA DAS PROVAS

É tradicional e antiga a controvérsia a respeito da namreza jurídica das normas sobre provas. A lei substancial trata, em alguns dispositivos, da forma dos negócios jurídicos, que podem servir tanto como solenidade indispensável à sua constitui­ção (forma ad solemnitatem) quando para provar-lhes a celebração (forma ad probationem).

Parece-nos que a lei substancial não trata propriamente da questão das provas, mas das formas dos negócios jurídicos. Nos casos em que a lei diz que o contrato, para ter-se por celebrado precisa respeitar determinada forma, somente a comprovação de que esta foi obedecida servirá para demonstrar-lhe a existência. É isso o que diz o art. 406 do CPC, ao estabelecer que quando a lei exigir o instrumento público como da essência do negócio, não se admitirá nenhuma outra prova para suprir-lhe a falta. Mas o problema da prova é aqui reflexo, ou indireto: não se admite outra prova porque sem a obediência àquela forma o negócio não se terá celebrado. Nesse sentido, a lição de Hermenegildo de Souza Rego, para quem as formas ad solemnitatem refogem ao tema da prova e estão associadas ao da própria formação do negócio jurídico3•

3 Hermenegildo de Souza Rego, Natureza das normas sobre provas, p. 143-145. 118

Vil B Do Processo e do Procedimento 467

A disciplina das provas hoje é, acertadamente, feita pelo Código de Processo Civil, que as considera como formas de convencimento do juiz, a respeito de fatos controvertidos. Daí resulta a conclusão de que deva prevalecer o caráter processual das normas jurídicas que tratam das provas.

• 3. CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS

a) Quanto ao objeto podem ser diretas ou indiretas:

11 diretas: aquelas que se ligam diretamente ao fato que se pretende demonstrar, como o recibo ao pagamento ou o instrumento ao contrato;

~ indiretas: aquelas que não se prestam a demonstrar diretamente o fato a ser provado, mas algum outro fato a ele ligado e que, por meio de induções ou racio­cínios, poderá levar à conclusão desejada. Exemplo: testemunhas que declaram estar o litigante viajando, em determinada data, e em razão disso não podendo ser ele o autor da conduta lesiva.

b) Quanto ao sujeito a prova pode ser pessoal ou real:

1!1 prova pessoal é aquela prestada por uma pessoa a respeito de um fato, como a ouvida de testemunhas ou o depoimento pessoal das partes;

1!1 prova real é a obtida pelo exame de determinada coisa, como a inspeção ju­dicial ou perícia feita sobre ela.

c) Quanto à forma, pode ser oral ou escrita:

llil oral é a colhida verbalmente, como os depoimentos das partes e das testemunhas;

líl escrita é a que vem redigida, como os documentos e perícias.

• 4. OBJETO DA PROVA

........, O objeto da prova são os fatos controvertidos relevantes para o julgamento do processo.

Para que o juiz profira o julgamento, é preciso que forme sua convicção a respei­to dos fatos e do direito controvertidos. Para que se convença do direito, não é preci­so que as partes apresentem provas, porque ele o conhece Uura novit curia), salvo as hipóteses do art. 3761 em que pode exigi-las quanto à vigência de direito estadual, municipal, estrangeiro ou consuetudinário, o que será feito por meio de certidões ou pareceres de juristas estrangeiros ou locais.

• 5. FATOS QUE NÃO PRECISAM SER COMPROVADOS

No item anterior, foi visto que somente os fatos relevantes para a causa precisam ser comprovados. Assim, dispensam prova aqueles que não terão nenhuma repercus­

são no desfecho do processo e os irrelevantes. 119

468 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Mas mesmo entre os fatos relevantes, há alguns que não precisam ser comprova­dos. O art. 374 do CPC os enumera:

,-------------------

FATOS NOTÓRIOS

IJ São aqueles do conhecimento geral da comunidade em que o processo tramita. Não é preciso que sejam de conheci­mento global, bastando que sejam sabidos pelas pessoas da região. Por exemplo: que no Rio de Janeiro há grande afluxo de turistas estrangeiros, ou que, em determinadas épocas, a

f-~~~---~----------~---- -crise econômica assolou o país ou determinada região.

OS AFIRMADOS POR UMA DAS PARTES E CONFESSADOS PELA OUTRA

13 O que foi confessado pela parte contrária, seja expressa­mente, seja por falta de impugnação específica, não se tor­nou controvertido e apenas sobre o que há controvérsia exi­ge-se prova. Pressupõe-se que o fato admita confissão.

r-~~------------- i

OS ADMITIDOS NO PROCESSO COMO INCONTROVERSOS

EM CUJO FATOR MILITA PRESUNÇÃO LEGAL DE EXIST~NCIA OU DE VERACIDADE

• 6. PRESUNÇÕES E IN DI CIOS

1!1 Essa hipótese assemelha-se à anterior, porque pressupõe também a incontrovérsia, que dispensa a instrução. Aqui há um consenso entre os litigantes a respeito de determinado fato.

m Há dois tipos de presunção que podem ser estabelecidas

lpor lei: a absoluta (juris et de jure) e a relativa (juris tantum). Se houver a primeira, nenhuma prova se admitirá que seja con­trária ao fato alegado; se for a segunda, aquele que alegou o fato não precisará comprová-lo, mas o seu adversário po­derá fazer prova contrária. A revelia é um exemplo em que há presunção relativa dos fatos alegados na petição inicial. -· ·-- ---- ···---·

No item anterior, foi visto que não há necessidade de provar os fatos, ainda que relevantes, a respeito dos quais milite presunção legal de existência ou veracidade.

As presunções podem ser divididas em duas categorias:

11 as legais, que podem ser relativas ou absolutas, conforme admitam ou não prova em contrário, como visto no item anterior;

111 as que decorrem da observação do que normalmente acontece, chamadas pre­sunções simples ou hominis, como a de culpa daquele que, dirigindo um veícu­lo, colide contra a traseira do carro que segue à frente.

As presunções, que pertencem ao tema da dispensa de provas, não se confun­dem com os indícios, que são começos de prova. São sinais indicativos da exis­tência ou veracidade de um fato, mas que, por si sós, seriam insuficientes para prová-lo. No entanto, somados a outras circunstâncias ou a outros indícios, podem fazê-lo.

PRESUNÇÕES I INDÍCIOS

11 São pressuposições da existência ou veracidade de 11 São sinais indicativos da existência ou veracidade um fato, estabelecidas por lei, ou como decorrência de determinado fato qüe, por si sós, não são suficien­da observação do que ocorre normalmente. Haven- tes para demonstrá-lo. No entanto, somados a outras do presunção, dispensa-se a produção da prova. As circunstâncias ou indicias, podem fazê-lo. decorrentes de lei podem ser relativas ou absolutas, conforme admitam ou não prova em contrário.

120

VIl lll Do Processo e do Procedimento 469

• 6.1. Presunções simples ou hominis

Vêm mencionadas no art. 375 do CPC, que autoriza o juiz a decidir com base nas regras de experiência comum, que resultam da observação do que normal­mente acontece e das regras de experiência.

Têm aplicação subsidiária na falta de normas jurídicas particulares que tratem do assunto. Constituem o corpo de conhecimento que resulta da experiência e do senso comum. Incluem, além disso, conhecimentos específicos que são acessíveis às pessoas em geral, como os relativos a fatos históricos, ou, por exemplo, a cálculos aritméticos, que dispensem conhecimento especializado.

O Código Civil, no art. 230, exclui a aplicação das presunções simples aos casos em que a lei exclui a prova testemunhal.

• 7. PROVA DE FATO NEGATIVO

É tradicional no direito a afirmação de que os fatos negativos não podem ser provados, mas apenas os afirmativos. Só seria possível demonstrar a existência de um fato, e não o contrário, razão pela qual os fatos negativos não precisam ser prova­dos (negatio non sunt probanda).

Por exemplo: é condição da usucapião especial que o possuidor não tenha ne­nhum outro imóvel, urbano ou rural, no País. Não lhe seria possível fazer tal prova, o que exigiria certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóveis no Brasil. Mas o adversário do possuidor pode provar que ele tem algum imóvel, juntan­do a certidão do cartório correspondente.

Mas há fatos negativos que podem ser provados: é possível que eu prove não ter imóveis em determin~da circunscrição imobiliária, ou que não fui a determinada festa, porque estava em outro local, ou que não viajei em determinado período, pois estive trabalhando.

Não se pode exigir prova dos fatos negativos quando eles forem imprecisos: não é possível provar que uma pessoa não tenha nenhum outro imóvel, ou que nunca tenha ido a uma festa, ou que nunca tenha vi:úado; mas é possível a prova de que não tenha imóvel em determinada circunscrição, ou não tenha ido a uma festa específica, ou feito certa viagem.

• 8. O JUIZ E A PRODUÇÃO DA PROVA

A prova é destinada a convencer o juiz, a respeito dos fatos controvertidos. Ele é o destinatário da prova. Por isso, sua participação na fase instrutória não deve ficar relegada a um segundo plano, de mei-o espectador das provas requeridas e pro­duzidas pelas partes: cumpre-lhe decidir quais as necessárias ou úteis para esclare­cer os fatos obscuros. Mas ele nem sempre terá condições de saber que provas são viáveis. Por exemplo: se há testemunhas do fato, se existe algum documento que possa comprová-lo. Por isso, a produção de provas deverá resultar de atuação conjunta das partes e do juiz. Cumpre àquelas, na petição inicial, contestação, fase

121

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470 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

ordinatória e fase instrutória requerer as provas por meio das quais pretendam con­vencer o juiz. E a este decidir quais são efetivamente necessárias e quais podem ser dispensadas, podendo determinar prova que não tenha sido requerida, ou indeferir prova postulada, cuja realização não lhe pareça necessária.

O art. 370 do Código de Processo Civil atribui ao juiz poderes para, de ofício, determinar as provas necessárias. Ele deve valer-se desse poder para esclarecer os fatos relevantes para o julgamento da causa. É dever do juiz proferir a melhor sen­tença possível, e, para isso, é indispensável que os fatos sejam aclarados. Se as partes não requereram ou produziram provas suficientes, e o juiz verifica que há outras que, realizadas, poderão esclarecer os fatos, permitindo-lhe julgar com mais confiança, deve determiná-las, ainda que o processo verse sobre interesse disponível. A disponibilidade do direito não afasta a exigência, válida para todos os proces­sos e de interesse público, de que o juiz realize sempre o melhor julgamento possível.

Há casos em que, ainda que todas as provas tenham-se esgotado, os fatos não se aclararam. A lei apresenta regras de julgamento, que devem ser aplicadas para que o juiz, apesar disso, possa sentenciar, obrigação da qual ele não se exime: são as re­gras do ônus da prova, aplicáveis apenas se os fatos não foram elucidados, e não há outras provas. Se houver outra que possa trazer luz sobre o ocorrido, o juiz deve de­terminá-la, ainda que não tenha sido requerida por nenhum dos litigantes.

Ao fazê-lo, o juiz não perderá a imparcialidade. Antes, mostrar-se-á devotado ao seu ofício, e diligente na busca da verdade real. O princípio dispositivo é mitigado no que concerne à produção de provas: sendo possível, o juiz deve buscar a verdade real, determinando de ofício as provas necessárias à formação do seu convencimento.

• 9. ÔNUS DA PROVA

O juiz não se exime de sentenciar, alegando que os fatos não foram esclare­cidos. Não há possibilidade do non liquet, em que ele se recusa a julgar, aduzindo que não conseguiu formar a sua convicção.

Há casos em que, esgotadas as provas possíveis, os fatos não ficaram suficiente­mente esclarecidos. A situação não é incomum: há fatos controvertidos, a respeito dos quais cada litigante tem uma versão e dos quais não há provas, pois ninguém os presenciou ou documentou. Porém, o juiz precisa decidir.

A lei processual formula uma série de regras aplicáveis somente na hipótese de, no momento do julgamento, os fatos não terem ficado suficientemente esclarecidos. São as regras do ônus da prova, cuja função é indicar qual dos litigantes sofrerá as consequências negativas advindas da falta de comprovação.

Se o juiz, concluída a instrução, formou o seu convencimento sobre os fatos, não terá necessidade de socorrer-se delas. Bastará extrair as consequências jurídicas per­tinentes ao caso. Não aclarados os fatos, o juiz, para poder sentenciar, verificará a quem cabia o ônus de prová-los: será esse o litigante que sofrerá as consequências negativas da falta ou insuficiência de provas. 122

VIl 111 Do Processo e do Procedimento 471

A aplicação das regras do ônus da prova deve ficar reservada à hipótese de terem sido esgotadas as possibilidades de aclaramento dos fatos. Se ainda hou­ver prova que o auxilie, deverá o juiz mandar produzi-la, de ofício, na forma do art. 370 do CPC. As regras do ônus da prova vêm formuladas no art. 373 do CPC.

• 9.1. A prova como ônus

As partes não são obrigadas a produzir provas a respeito do que alegarem. Elas terão o ônus de fazê-lo. O ônus distingue-se da obrigação, porque esta é a ativi­dade que uma pessoa faz em benefício da outra. O devedor, por exemplo, tem a obrigação de pagar ao credor. O ônus é a atividade que a pessoa desempenha em favor de si mesma, e não da parte contrária. O litigante tem o ônus de contestar, o que lhe trará o benefício de tornar controvertidos os fatos; sem isso, sofrerá a conse­quência desfavorável decorrente da sua omissão.

Quem tem o ônus da prova é aquele que sofrerá as consequências negativas que advirão da ausência daquela prova no processo.

A prova é uma espécie de ônus reflexo, decorrente de um ônus primário, que é o de alegar. Cada uma das partes tem o ônus de apresentar a sua versão dos fatos: o autor o fará na petição inicial, e o réu, na contestação. Aqueles que se tornaram con­trovertidos precisarão ser comprovados, em regra, por quem os alegou: ao menos em geral. ao autor cumprirá provar os fatos constitutivos de seu direito; e ao réu os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor (CPC, art. 373).

• 9.2. Ônus da prova- aspecto subjetivo e objetivo

As regras do ônus da prova podem ser examinadas em dois aspectos: subjetivo e objetivo.

Do ponto de vista objetivo, elas são regras de julgamento, dirigidas ao juiz da causa, que devem orientá-lo ao proferir sentença, na hipótese de os fatos não terem ficado suficientemente esclarecidos. Não devem ser utilizadas em qualquer circuns­tância, mas apenas na de terem sido esgotadas as possibilidades de elucidação dos fatos controvertidos. Ao aplicá-las, o juiz imporá àquele que tinha o ônus de provar as consequências negativas da insuficiência ou falta de provas.

Como decorrência do aspecto objetivo, deflui o subjetivo. A lei, ao estabelecer quem sofrerá as consequências negativas decorrentes da falta de provas, norteará os litigantes a respeito daquilo que compete a cada um deles demonstrar. Quando o art. 373 estabelece que cumpre ao autor a prova dos fatos constitutivos de seu direi­to, diz, ao mesmo tempo, ao juiz e ao autor, quem sofrerá as consequências negativas da falta de prova desses fatos.

O juiz as aplicará ao proferir o julgamento; e o autor se orientará, no curso do processo, sobretudo na fase instrutória, com a consciência de que cabe a ele essa prova.

Os aspectos objetivo e subjetivo do ônus da prova são indissociáveis: ao indi­car como o juiz deverá se orientar no julgamento, em caso de falta de provas, a lei 123

472 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

também indica como cada uma das partes deve comportar-se a respeito da instru­ção. Os ônus da prova, conquanto regras de julgamento, interessam direta­mente às partes, que sofrerão as consequências negativas ou positivas da sua distribuição.

• 9.3. Distribuição do ônus da prova

O art. 373 do CPC dispõe que:

liil cumpre ao autor a prova dos fatos constitutivos do seu direito;

1!1 cumpre ao réu a prova da existência de fato impeditivo, modificativo ou extin­tivo do direito do autor.

Essas duas regras podem ser condensadas em uma única, assim resumida:

----. O ônus da prova, em regra, cabe a quem alega determinado fato.

Isso vale não apenas para as partes, mas para todos aqueles que intervenham no processo.

a 9.4. A distribuição diversa do ônus da prova

No item anterior, foram indicadas as regras do ônus da prova.

Mas, pode haver a inversão, que consiste na modificação da regra natural de distribui­ção dos ônus da prova.

Convencional

Legal

Judicial

Essa classificação leva em conta a causa da inversão, se a vontade dos litigan­tes, determinação legal ou judicial.

Ela terá relevância tanto para as partes quanto para o juiz e repercutirá no aspec­to subjetivo e objetivo do ônus da prova.

Do ponto de vista objetivo, se o juiz verificar, na sentença, que determinado fato não ficou comprovado, carreará as consequências negativas não para o litigante a quem elas seriam normalmente atribuídas, mas ao seu adversário. Do ponto de vista subjetivo, o autor não terá mais de provar os fatos constitutivos de seu direito,

124

VIl 1!1 Do Processo e do Procedimento 473 -----------------------------------------------cumprindo ao réu fazer prova contrária; e o réu não terá mais o ônus de provar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, cabendo ao autor a prova contrária.

Cada uma das hipóteses de inversão será examinada em itens separados.

• 9.4.1. Inversão convencional

Podem as partes, por convenção, alterar as regras naturais de distribuição do ônus da prova? O parágrafo único do art. 373, § 3°, do CPC, o autoriza, ao estabelecer que a distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer, salvo quando: "I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito".

Se o dispositivo impede a inversão nos casos a que alude, por exclusão a autoriza nos demais casos. Se o processo versa sobre interesse disponível, no qual as partes podem renunciar aos seus direitos, reconhecer juridicamente o pedido do adversário ou transigir, não há óbice a que convencionem a modificação do ônus.

A primeira condição é que o processo verse sobre interesse disponível, porque inverter o ônus da prova consiste em uma forma de disposição.

Além disso, é indispensável que não torne a uma das partes excessivamente difícil o exercício do direito. Do contrário, a fase instrutória tornar-se-ia pratica­mente inútil, dada a dificuldade de o interessado provar os fatos a respeito dos quais recai o ônus que lhe foi atribuído. A parte pode até mesmo renunciar ou re­conhecer o pedido; mas não pode promover a inversão de forma a dificultar em demasia a prova de um fato, o que obrigaria o juiz a abrir a fase instrutória, embo­ra já saiba de antemão que o fato não pode ser provado, ou só o pode com muita dificuldade. Isso impiicária transtornos que não se coadunam com a natureza pú­blica do processo.

O Código de Defesa do Consumidor veda expressamente a inversão do ônus da prova em detrimento do consumidor (art. 51, VI).

Nos casos em que for permitida, a convenção sobre o ônus da prova pode ser celebrada antes ou durante o processo.

• 9.4.2. Inversão legal

A lei brasileira estabelece numerosos casos de presunção. Ao fazê-lo, torna dis­pensável a prova do fato alegado, que se presume verdadeiro, podendo ou não admi­tir prova contrária, conforme o grau de intensidade da presunção. Há aquelas que admitem prova contrária- são as presunções relativas; e as que não a admitem -presunções absolutas.· · · · · · ·

No item 6 deste capítulo, foi visto que as presunções podem decorrer de lei ou da observação do que normalmente acontece. No primeiro caso, serão legais; no segun­do, simples ou hominis.

Havendo presunção legal ou simples, a parte fica dispensada de provar o fato cuja existência ou veracidade é presumida.

125

474 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Também a presunção simples encontra amparo legal, uma vez que o art. 375 do CPC estabelece: "O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial".

Alguns exemplos ajudarão a esclarecer de que forma as presunções invertem o ônus da prova.

O art. 37, § 6°, da Constituição Federal estabelece a presunção de culpa das pes­soas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público pelos danos que, no exercício de suas atividades, causarem a terceiros.

Em regra, a vítima de danos que ajuíza ação postulando o ressarcimento tem o ônus de provar a culpa do réu, fato constitutivo do seu di.reito (art. 373 do CPC). Mas se o réu for uma das pessoas jurídicas mencionadas no dispositivo constitucional, a culpa será presumida, o autor ficará dispensado de prová-la, incumbindo àquela a prova contrária, de que o acidente deu-se por caso fortuito, força maior, culpa da víti­ma ou de terceiro. Há uma presunção legal que redunda em inversão do ônus da prova.

Outro exemplo: a vítima de um acidente ajuíza ação de ressarcimento contra o causador, aduzindo que houve colisão traseira. Ora, as regras de experiência comum indicam que a colisão traseira é, quase sempre, provocada porque o veículo que está atrás não manteve a distância mínima ou não atentou para o fluxo dos veículos à fren­te. Ainda que a lei nada mencione, as regras de experiência (presunção simples ou hominis) fazem concluir que a culpa é daquele que colidiu na traseira, cumprindo a este demonstrar o contrário (por exemplo, que houve uma marcha à ré do carro da frente).

• 9.4.3. Inversão judicial

Pode ocorrer em duas hipóteses: a) quando houver lei que a autorize. Não se confunde com a inversão legal, pois não decorre direta e automaticamente da lei. Ela apenas atribui ao juiz o poder de determiná-la, nos casos concretos, desde que verificadas determinadas circunstâncias. Distingue-se da presunção legal, em que a lei preestabelece os requisitos, não dando ao juiz nenhuma margem de ava­liação; na judicial, a lei condiciona a inversão a que, a critério do juiz, estejam presentes determinadas circunstâncias; b) em razão das peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput do art. 373 ou à maior facilidade de obtenção de prova, caso em que o juiz redistribuirá o ônus por decisão fundamentada. Nessa segunda hipótese, o legislador acolheu a regra da dinâmica do ônus da prova, que poderá ser alterada se, com a aplicação da regra geral, o juiz verificar que a prova ficou excessivamente difícil para quem normalmente teria o ônus, ou excessivamente fácil para a parte contrária. Trata-se da aplicação da regra de que o ônus deve ser atribuído a quem manifestamente tenha mais facilidade de obter ou produzir a prova. Se pela regra geral do caput o juiz verificar que o ônus será atribuído a quem terá mui­ta dificuldade de dele se desincumbir, ou perceber que a parte contrária terá maior facilidade de obtenção da prova, ele redistribuirá dinamicamente o ônus. Ao fazê­-lo, porém, ele deverá fundamentar a sua decisão para que haja o controle dos

126

VIl 111 Do Processo e do Procedimento 475 ----------------------------------------------fundamentos em que ela se embasou. O juiz, então, deverá indicar o motivo por que a prova seria impossível ou excessivamente difícil para a parte que, em princípio, tinha o ônus. ou mais fácil para quem não o tinha, de forma a propiciar a alteração. Não haverá discricionariedade do juiz, que deverá observar estritamente os requisi­tos do art. 373 e seus parágrafos.

O exemplo mais importante de inversão judicial autorizada por lei é o do art. 6°, VIII, do Código do Consumidor, que assegura, entre os direitos básicos do consumi­dor: "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a ale­gação ou quando for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência".

São duas as hipóteses que autorizam a inversão. Basta que uma delas esteja pre­sente para que o juiz a autorize:

11 Quando for verossímil a alegação: o Código do Consumidor busca a facili­tação da defesa dos direitos do consumidor. Para tanto, estabelece que o juiz pode considerar provado um fato não em um juízo de certeza, mas de verossimi­lhança ou de probabilidade. Cumprirá ao juiz, no caso concreto, examinar se isso é suficiente para formar-lhe o convencimento, dispensando, então, a prova do fato plausível.

111 Quando o consumidor for hipossuficiente: há dois tipos de hipossuficiência e ambas podem levar à inversão. A econômica, quando o consumidor tiver difi­culdade de comprovar o alegado por força de dificuldades materiais, que o im­pedem, por exemplo, de se defender adequadamente ou de conseguir as provas necessárias; e a técnica, quando a comprovação de fatos relacionados à coisa fornecida ou ao serviço prestado demande conhecimento técnico de que o con­sumidor não dispõe, mas que pode ser facilmente obtido pelo fornecedor, que conhece os aspectos técnicos do produto ou serviço que colocou no mercado.

• 9.4.4. O problema do momento em que o juiz deverá promover a inversão do ônus

Nos casos de inversão convencional e legal, a dificuldade não se coloca. Os liti­gantes saberão desde logo que há a inversão, seja porque transigiram a respeito, seja porque existe lei estabelecendo a presunção em favor de um deles.

Mas a inversão judicial pode trazer alguns problemas, porque depende de uma decisão judicial, que pode ou não deferi-la.

Como visto, o ônus da prova tem um aspecto subjetivo, uma vez que orienta as partes, serve de norte para que elas saibam quem sofret·á as consequências nega" tivas, caso os fatos não sejam elucidados.

Ora, se o juiz só fizesse a inversão do ônus na sentença, o litigante prejudicado por ela seria surpreendido. Ele poderia ter deixado de produzir provas na fase de instrução, sabendo que o ônus era do adversárto. Com a inversão na sentença, ele terá sido prejudicado, sem ter tido a oportunidade de requerer e produzir as provas que, se tivesse sabido de antemão, teria postulado.

127

476 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Por isso, embora o ônus da prova seja, antes de qualquer coisa, regra de julga­mento, caberá ao juiz na decisão de saneamento e organização do processo definir a sua distribuição, observado o art. 373, cabendo agravo de instrumento sempre que houver redistribuição, na forma do art. 373, § 1° (art. 1.015, XI). Com isso, evita-se ofensa ao princípio do contraditório e eventual cerceamento de defesa daquele que ficaria prejudicado com a alteração do ônus, já que a questão será apreciada em momento processual tal que permita àquele a quem o ônus for carreado socor­rer-se das provas necessárias.

As consequências da falta de provas do fato só serão aplicadas na sentença, mas o juiz, ao redistribuir o ônus, fará com que as partes, de antemão, saibam a quem elas serão carreadas, para que possam diligenciar no sentido de obtê-las.

i!i9.4.5. A inversão do ônus da prova e a responsabilidade com as despesas

As regras do ônus da prova, fixadas no art. 373 do CPC são dirigidas, principal­mente, ao juiz; sua função é possibilitar o julgamento, ainda que os fatos não tenham ficado suficientemente esclarecidos, orientando, ainda que reflexamente, o compor­tamento das partes.

Os arts. 82 e 95 do CPC tratam da responsabilidade pelas despesas que a produ­ção das provas pode causar. A regra é de que o vencido as suporte, mas há as que precisam ser antecipadas, quando não se sabe quem serão os vencedores e venci­dos. Manda a lei que seja quem requereu a prova; se tiver sido o Ministério Pú­blico fiscal da ordem jurídica ou houver, de ofício, sido determinada pelo juiz, cumprirá ao autor antecipá-las (art. 82), salvo quando se tratar de prova pericial, caso em que, se determinada de ofício ou a requerimento de ambas as partes os va­lores a sere~ antecipados, deverão ser rateados (art. 95). Quando o Ministério Públi­co é autor, como nas ações civis públicas, por exemplo, tem-se entendido que cumpre a ele, na forma da Súmula 232 do STJ.

Têm sido frequentes, na prática, os casos em que um dos litigantes não postula, propriamente, a inversão do ônus da prova, mas da responsabilidade pela antecipação das despesas com a sua produção, alegando ou que uma coisa se confunde com a outra, ou que uma coisa decorre da outra.

Conquanto ainda haja grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial a respei­to, tem prevalecido o entendimento de que a inversão do ônus da prova não se confunde com a da responsabilidade pela antecipação dessas despesas.

Já foi decidido que, pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.073.688, Rei. Min. Teori A. Zavascki, publicado em DJU de 20 de maio de 2009, que:

l PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABI­TAÇÃO. COBERTURA PELO FCVS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6°, VIII, DA LEI N. 8.078/90. ADIANTAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS. 1 "A simples inversão do ônus da prova, no sistema do Código de Defesa do Consumidor, não gera a obrigação de custear as despesas com a perícia, embora sofra a parte ré as consequências decorrentes de sua não produção. ( ... ) O deferimento da inversão do ônus

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VIl c Do Processo e do Procedimento 477

da prova e da assistência judiciária, pelo princípio da ponderação, impõe que seja bene­ficiado o consumidor, com o que não cabe a orientação jurisprudencial sobre o custeio da prova pericial nos termos da Lei n. 1.060/50" (REsp 639.534, 2" Seção, Min. Mene­zes Direito, DJ de 13/02/2006). Precedentes das Thrmas da 1" e 2" Seções. 2. Recurso especial provido.

Como deixa claro o acórdão, a inversão do ônus não gera a responsabilidade pela antecipação de despesas. Mas pode fazer com que a prova, que seria requerida por um dos litigantes, passe a sê-lo pelo adversário a quem o ônus foi carreado, com o que cumprirá a este antecipá-las.

• 10. HIERARQUIA DAS PROVAS

Entre os princípios fundamentais do processo civil referentes às provas, destaca­-se o da persuasão racional, ou livre convencimento. fundamentado, consagrado no art. 371 do CPC. O juiz as aprecia livremente, devendo apresentar os motivos que o levaram à decisão. Como regra, a lei processual não estabelece hierarquia entre as provas: em princípio, nenhuma tem valor superior à outra, cabendo ao juiz so­pesá-las ao formar o seu convencimento.

Não se acolheu entre nós o princípio da prova legal, segundo o qual cada uma tem um valor previamente fixado por lei, cabendo ao juiz decidir de acordo com isso, sem sopesá-la. A adoção desse princípio implicaria restrição completa ao do livre convencimento, uma vez que o juiz não teria possibilidade de avaliar as provas colhi­das, previamente ponderadas pelo legislador. Não poderia, por exemplo, julgar com base em prova testerimnhal, desconsiderando as conclusões da pericial, se a lei dis­sesse que esta deve sobr~por-se àquela; ao passo que no sistema da persuasão racio­nal, ele as avaliará livremente.

Existem resquícios, em nosso ordenamento, do sistema de prova legal: o art. 406, por exemplo, dá valor absoluto ao instrumento público, como prova do ato cuja celebração o exige. Mas mais do que prova, o instrumento público é necessário para a própria formação e constituição do negócio jurídico, cuja existência se pretende demonstrar.

O sistema da persuasão racional - acolhido entre nós - é intermediário entre o da prova legal, já mencionado, e o da convicção íntima, pelo qual o juiz teria liber­dade absoluta para avaliar as provas, sem necessidade de nem mesmo fundamentar a sua decisão: o que valeria é a sua impressão pessoal, sendo desnecessário que indique quais as provas que a sustentam. O juiz poderia julgar apenas com base na ciência privada ou na opinião que tem dos fatos. O Tribunal do Júri é o único exemplo, em nosso sistema;. da adoção dei princípio da convicção íntima.

O sistema da persuasão racional exige que o juiz indique as razões pelas quais formou o seu convencimento, expondo fundamentos e provas que o sus­tentam. Conquanto haja o livre convencimento, é preciso que seja motivado e ra­cional, amparado nos elementos dos autos e que deles resulte como consequência lógica.

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478 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

•11. PROVAS ILÍCITAS

A Constituição Federal, no art. 5°, LVI, veda a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, sem fazer nenhuma ressalva. O art. 369 do CPC, por sua vez, estabelece que "As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmen­te na convicção do juiz". A contrario sensu, são vedadas a provas ilegais ou moral­mente ilegítimas.

A ilicitude da prova pode decorrer de duas causas: da obtenção por meios indevidos (exs.: emprego de violência ou grave ameaça, tortura, entre outras); e do meio empregado para a demonstração do fato (exs.: as interceptações telefô­nicas, a violação de sigilo bancário, sem autorização judicial, a violação de sigilo de correspondência).

A proibição da prova ilícita suscita importantes questões: se é ou não absoluta, se admite mitigações, decorrentes do princípio da proporcionalidade; se atinge tão somente a própria prova, ou se também macula as dela d,erivadas (teoria dos frutos da árvore contaminada).

Embora hqja enormes controvérsias doutrinárias a respeito, existe posição fir­mada do Supremo Tribunal Federal de que a prova obtida por meios ilícitos e as provas dela derivadas não podem ser admitidas no processo, salvo por razões de legítima defesa.

Houve a adoção da teoria dos frutos da árvore contaminada: a ilicitude de uma prova impedirá que não só ela, mas também as provas dela derivadas, sejam utilizadas. Por exemplo, se forem apreendidos ilicitamente livros de contabilidade de uma empresa, uma perícia que venha a ser realizada neles também não poderá ser empregada.

A teoria da proporcionalidade, desenvolvida, sobretudo, pelo direito alemão, au­toriza a utilização da prova ilícita, quando os bens jurídicos que se pretende pro­teger são mais elevados do que aqueles que se pretende preservar com a veda­ção. Assim, se a prova foi colhida com violação ao direito de intimidade, mas serve para preservar, por exemplo, a vida ou a saúde da coletividade, seria autorizada.

Embora não acolhido, entre nós, o princípio da proporcionalidade, tem-se admi­tido a utilização da prova ilícita, quando obtida para legítima defesa, própria ou de terceiro: a interceptação telefônica de uma ligação feita por sequestrador, por exemplo.

•11.1. A gravação e a interceptação telefônica

A gravação telefônica é feita por um dos participantes da conversa, ao pas­so que a interceptação é feita por um terceiro, que não a protagonizava. A gravação pode ser validamente utilizada como prova, mesmo sem o consentimento do outro participante. Se um dos protagonistas grava uma conversa que tem com outro ao telefone, a gravação pode ser por ele utilizada como prova, ainda que o outro não consinta. Não há violação ao direito de intimidade porque foi feita por um dos participantes.

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VIl • Do Processo e do Procedimento 479

Diferente é a interceptação, em que há afronta ao direito de intimidade: a con­versa está sendo gravada sem o conhecimento e o consentimento dos envolvidos. Não pode ser usada como prova, salvo nos casos especiais previstos em lei.

No Brasil, a interceptação só poderá ser usada como prova quando autori­zada pelo juiz para instrução em processo crime. É o que estabelece o art. 5°, XII, da CF, regulamentado pela Lei n. 9.296/96, que trata da interceptação telefônica por ordem judicial para instrução processual penal.

• 12. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

• 12.1. Introdução

É uma ação autônoma, que pode ter natureza preparatória ou incidental e que visa antecipar a produção de determinada prova, realizando-a em momen­to anterior àquele em que normalmente seria produzida. Não tem, como no CPC de 1973, natureza de ação cautelar, ajuizada sempre em razão de risco de a prova perecer. O risco é uma das justificativas da antecipação da prova, mas não a única. A antecipação pode ser deferida para viabilizar a autocomposição ou outro meio ade­quado de solução do conflito, ou para permitir ao interessado que tenha prévio co­nhecimento dos fatos, que possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação. Poderá ser aforada no curso de processo já ajuizado, em fase anterior àquela na qual normal­mente a prova seria produzida, ou antes do ajuizamento do processo, quando terá a natureza de procedimento preparatório.

Em regra, as provas são produzidas depois de concluída a fase postulatória e a ordinatória. Isto é, depois que o réu foi citado ofereceu contestação, que o juiz deter­minou as providências preliminares, verificou que não é caso de julgamento anteci­pado e saneou o processo, abrindo-se a fase de instrução.

Há três razões para que a prova seja antecipada:

• o temor de que se perca. É a causa mais comum de antecipação. Teme-se, por exemplo, que uma testemunha não possa ser ouvida no momento oportuno, seja porque vai se mudar para local distante, seja porque está muito doente ou muito idosa. Teme o autor que pretende reformar o imóvel em que habita que, no momento oportuno, a prova pericial fique prejudicada, diante da alteração do local. Pode ser realizada uma vistoria ad perpetuam rei memoriam, que retrata­rá a situação do imóvel antes da reforma; • prova suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio de solução de conflito. Já foi mencionado que o CPC estimula a autocomposição e outras formas alternativas de solução do conflito, a ponto de tratar delas entre as suas normas fundamentais (art. 3°, § 3°). Pode ocorrer que, somente com a colheita de determinada prova, as partes possam tentar conciliar-se, uma vez que só por meio dela poderão ter mais conhecimento do que de fato ocorreu, ou das conse­quências de determinado fato. Assim, a prova pode servir para definir de forma mais evidente e precisa os contornos do conflito de interesse, viabilizando a autocomposição. Ela também fornecerá maiores elementos ao conciliador e ao

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480 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

mediador para tentarem sugerir uma solução consensual, ou para conduzir as partes a que a encontre;

111 o prévio conhecimento dos fatos que possa justificar ou evitar o ajuiza­mento de ação. Há casos em que a antecipação servirá para colheita de elemen­tos necessários ao ajuizamento da demanda. Sem ela, o autor terá dificuldade para ajuizar a ação. Por exemplo: ele pretende postular indenização porque hou­ve um vazamento, que trouxe graves danos para o seu apartamento. Porém, não sabe ainda qual foi a causa, nem onde se originou, se na coluna central do pré­dio, caso em que a responsabilidade será do condomínio, ou se no encanamento do imóvel superior, caso em que a ação deverá ser dirigida contra o seu titular. A antecipação da prova servirá para que colha elementos necessários para a ação principal. O mesmo se passa em relação à exibição de um documento. Sem ele, a parte não terá condições de saber se pode ou não ajuizar a ação. A antecipação fornecerá elementos ao interessado para que decida se deve ou não ajuizá-la.

Só na primeira dessas situações a produção antecipada de provas terá natu-reza cautelar, porque só então será considerada tutela provisória de urgência, que depende do perigo da demora. Nas demais, será satisfativa, porque não servirá para afastar um risco, mas para fornecer uma informação, um esclarecimento. Ela servirá para colher elementos para a eventual propositura da ação, mas não haverá a urgên­cia, que é,o requisito indispensável das tutelas cautelares.

• 12.2. Tipos de provas que podem ser antecipadas

Não há nenhuma restrição à antecipação das provas. Ela pode ter por objeto qualquer meio de prova, seja documental, seja testemunhal, seja pericial.

O depoimento pessoal da parte, a respeito de algum fato que possa ser relevan­te para o desfecho do processo, também pode ser antecipado. É certo que se a ação ainda não foi aforada, nem há contestação, não será possível saber quais os fatos controvertidos a ensejar confissão. Mas sempre será possível saber quais fatos são relevantes para a causa, e uma das partes pode ter interesse em colher o depoimento da outra, quando houver perigo de que, oportunamente, essa prova não possa ser colhida, ou quando isso possa esclarecer os fatos relacionados ao conflito.

Não há óbice a que seja antecipada a inspeção judicial, quando houver necessida­de de que o juiz verifique, com os próprios olhos, a situação atual de determinado bem.

O arrolamento de bens, quando tiver por finalidade apenas a documentação e não a prática de atos de apreensão, também pode ser deferido como antecipação de prova .

. • 12.3~ Procedimento

A produção antecipada de provas é ação autônoma e pode ter caráter pre­paratório, quando ainda não ajuizada a ação; ou caráter incidental, se já há ação, que ainda não alcançou a fase de instrução. Só não haverá interesse se o processo principal já estiver nessa fase. Ao se mencionar que ela pode ter caráter preparatório, não se quer dizer com isso que, deferida e acolhida a antecipação e

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VIl El Do Processo e do Pr:xedimento 481

realizada a prova, haverá necessidade de ajuizamento de uma ação principal. Entre as finalidades da antecipação está justamente a de viabilizar a autocomposição, ou evitar, por meio de um melhor esclarecimento dos fatos, o ajuizamento da ação. A expressão "procedimento preparatório" deve ser entendida aqui em sentido amplo: ela pode servir para preparar uma eventual autocomposição, ou preparar a decisão dos interessados a respeito da propositura ou não de eventual ação.

Quando incidental, ela pode ser requerida tanto pelo autor quanto pelo réu da ação. O autor da ação principal pode ser requerido da antecipação de provas e vice-versa. Por exemplo: em ação de indenização proposta por A contra B, o réu tem necessidade de antecipar a ouvida de uma testemunha, ou uma prova pericial. Reque­rerá, então, a antecipação, em face do autor da ação.

R 12.3.1. Petição em que se requer a antecipação

A petição inicial em que o interessado requerer a antecipação da prova deve in­dicar a justificativa para que ela seja deferida.

Deve haver certa liberalidade do juízo na avaliação da justificativa, já que a antecipação da prova não traz prejuízos ou coerção para a parte contrária. Isso não significa que ele pode deferir a medida, sem razão para tanto; no entanto, deve ser tolerante no exame dos requisitos.

Além da justificativa, o requerente mencionará com precisão os fatos sobre que há de recair a prova. Sem isso, o juiz não teria, por exemplo, como questionar a tes­temunha ou a parte, porque não saberá quais os fatos relevantes para a causa, e o perito não saberia que. aspec:os técnicos investigar.

• 12.3.2. Competência

O art. 381, § 3°, afasta a controvérsia que havia na vigência do CPC anterior a respeito da aptidão da ação de produção antecipada de provas para prevenir o juízo. O dispositivo acolhe a lição da Súmula 263 do extinto Tribunal Federal de Recursos: "A produção antecipada rie provas, por si só, não previne a competência para a ação principal". De fato, ele dispõe que "A produção antecipada da prova não previne a competência do juízo para a ação que venha a ser proposta". Como a medida não exige ação principal, nem mesmo a indicação da lide e seus fundamentos, não have­ria razão para que seu ajuizamento prevenisse a competência.

A regra geral de competência da antecipação de prova é dada pelo art. 381, § 2°, do CPC: "A produção antecipada de prova é da competência do juízo do foro onde esta deve ser produzida ou do foro de domicílio do réu" .

. o a:rt. 381, § 4", estabeieee a competência .subsidiária da JustiÇaEstadual para colheita antecipada de provas em processos dos quais participem a União, suas enti­dades autárquicas ou empresa pública federal, se na localidade não houver vara fede­ral. Mas isso não significa que a mesma autorização se estenda para a ação principal, para a qual a Justiça Estadual só terá competência subsidiária nos casos expressa­mente previstos na Constituição Federal.

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• 12.3.3. Procedimento

Ao receber a petição inicial, o juiz, se a entender justificada, determinará a an­tecipação da prova e a citação dos interessados para acompanhá-la. A citação deve se aperfeiçoar antes que a produção da prova tenha início.

Serão citados todos aqueles que, de qualquer forma, possam ter interesse, seja porque venham a participar de futura ação como partes ou intervenientes, seja por­que figurem já no processo principal, seja porque a prova possa ser útil para uma autocomposição da qual eles participem. Sem a citação para participação, a prova não pode ser usada contra eles por causa do princípio do contraditório. Se uma das partes pretende valer-se da denunciação da lide no processo principal, convém que a informe na antecipação preventiva, para que o futuro denunciado seja incluído e pos­sa participar da prova, que só assim poderá ser eficaz em relação a ele.

A citação dos interessados será determinada a requerimento do réu ou de ofício pelo juiz. A razão do dispositivo é permitir ao juiz determinar a inclusão de eventuais interessados na prova que possam não ter sido mencionados pelo requerente. A cita­ção só se fará necessária quando a antecipação de prova' tiver caráter contencioso, pois em determinadas circunstâncias pode não o ter. Por ex~mplo: quando não há nenhum conflito de interesses, mas se tem interesse em obter a comprovação de de­terminado fato. É possível, por exemplo, que duas pessoas, querendo compor-se, mas sem elementos a respeito da extensão de determinados danos sobre os quais a com­posição possa versar, ingressem juntas em juízo e conjuntamente peçam a antecipa­ção da prova, com a finalidade de que a composição se viabilize. Nesse caso, não haverá citação.

Deferida a antecipação de prova e a citação do interessado nos casos em que ela é necessária, se a prova for oral, o citando será intimado da data da audiência, para que possa comparecer; e se for pericial, terá oportunidade de formular quesitos e indicar assistente técnico que acompanhe a produção da prova. Se a prova consistir em inspeção judicial, será intimado para acompanhá-la.

O art. 382, § 3°, do CPC não permite defesa no procedimento de antecipa­ção da prova. Diante dos termos peremptórios da lei, tem-se a impressão de que não se poderia nem mesmo impugnar a justificativa apresentada para antecipação. Pare­ce-nos, no entanto, que isso se poderá fazer, já'que não há aí propriamente uma defe­sa, mas a indicação de que faltam os requisitos autorizadores do deferimento da medida. É comum que o requerido queira já se defender de uma futura e eventual ação principal, aduzindo, por exemplo, que não é culpado pelos danos, ou que o con­trato celebrado com o autor não tem a extensão que este lhe quer dar. Não é esse o momento apropriado para fazê-lo, já que, na ação de antecipação, o juiz não se pronunciará sobre os fatos e sobre as consequências deles decorrentes, mas tão somente sobre a necessidade de antecipação da prova e sobre a regularidade de sua realização.

Apesar da vedação de defesa, o réu poderá arguir a incompetência do juízo, ou o impedimento e a suspeição do juiz, já que isso repercutirá sobre a própria validade das provas colhidas.

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VIl 11 Do Processo e do Procedimento 483

Diante da limitação do direito de defesa, caso o requerente desista da ação de antecipação, a homologação independerá do consentimento do réu.

A audiência, a prova pericial e a inspeção judicial far-se-ão na forma prevista no CPC, sem nenhuma peculiaridade. Além da prova deferida originariamente, outras provas, desde que relacionadas ao mesmo fato, também poderão ser produzidas no mesmo procedimento, em caráter antecipado, desde que isso não acarrete excessiva demora na conclusão do procedimento (art. 382, § 3°, do CPC).

Ao final, verificando o juiz que a prova foi colhida regularmente, apenas a ho­mologará, não cabendo recurso de seu pronunciamento. Caberá recurso de apelação apenas nos casos em que ele indeferir totalmente a antecipação de prova requerida. Se ele a indeferir parcialmente, não caberá agravo de instrumento, já que a hipótese não se insere naquelas mencionadas no art. 1.015.

Após a homologação. os autos permanecerão em cartório durante um mês, sen­do lícito aos interessados solicitar as certidões que quiserem (art. 383, do CPC). Não há prazo para a propositura de eventual ação principal: a prova continuará eficaz mesmo depois de transcorrido o prazo de um mês.

• 13. MEIOS DE PROVA

Os meios de prova são os mecanismos que podem ser usados no processo para investigação e demonstração dos fatos. São os tipos genéricos de provas que se admitem no processo. Não se confundem com as fontes de prova que são os ele­mentos específicos, concretos, que servem para a comprovação de um fato em determinado processo.

Um exemplo ajudará a clarificar a diferença: a prova testemunhal é um meio de prova; determinada testemunha, que tenha presenciado um fato relevante para o pro­cesso é uma fonte de prova. Deve haver uma correlação direta entre uma fonte e um meio de prova. Uma informação só poderá ser obtida de uma fonte se isso se enqua­drar entre os meios de prova.

A respeito destes, vigora a regra geral do art. 369 do CPC, que tem grande rele­vância, por sua generalidade:

1 "As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz".

São meios de prova:

11 A confissão.

• A ata notarial. 11 O depoimento pessoal das partes. • A prova testemunhal. 11 A prova documental. 11 A prova pericial. 11 A inspeção judicial.

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484 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Esse rol não pode ser considerado taxativo, diante do caráter genérico do art. 369. Além dos meios acima elencados, qualquer outro será admitido, desde que não viole a lei ou a moral.

• 14. DA PROVA DOCUMENTAL

1114.1. Introdução

A prova documental tem se tornado cada vez mais comum, diante da tendência moderna de documentar todas as relações jurídicas, ainda que a lei não exija forma escrita. Quando ela o exige, o documento deixa de ser apenas um mecanismo de prova e se torna da essência do próprio negócio jurídico, que não pode ser provado por outras maneiras. É o que ocorre na hipótese do art. 406 do CPC.

Afora essas situações, em que o documento é da essência do negócio, a prova documental é apenas um meio de prova, que, conquanto muito prestigiado, não pode ser considerado, a priori, como de maior valor do que os outros. Não se acolheu no Brasil o princípio da prova legal, em que o legislador prefixa o valor de cada uma, retirando do juiz o poder de apreciá-las consoante a sua livre convicção. Entre nós, foi acatado o princípio do livre convencimento motivado, e a prova docu­mental deve ser examinada em conjunto com as demais, podendo o juiz preteri-la, caso se convença, por outros meios, que o documento não retrata a realidade.

Feitas essas considerações, é forçoso admitir que a prova documental tem sido o meio preferido entre os contratantes para demonstrar a existência de um negócio jurídico. São raros os contratos celebrados verbalmente- ainda que a lei o autorize.

11 14.2. Conceito de documento

A ideia de documento sugere, em um primeiro momento, a de prova escrita, de um conjunto de palavras e expressões que usam o papel como suporte. Mas não se restrin­ge a isso, e abrange outras formas de representação material, como a mecânica, a foto­gráfica, a cinematográfica, a fonográfica e outras (CPC, art. 422). Além dessas, pode­-se acrescentar o documento eletrônico, disciplinado pela Lei n. 11.419/2006.

O que há de comum entre todos esses meios, para que possamos qualificá-los de documentos? O fato de utilizarem um suporte material, que não precisa ser ne­cessariamente o papel, mas que deverá ser anexado aos autos para apreciação do juiz. Esse suporte pode ter as mais variadas formas: fotografias, gravações eletrô­nicas, CDs ou DVDs, filmagens. O que distingue a prova documental das demais é que ela constitui sempre uma fonte de prova passiva, a informação que ela contém pode ser obtida da coisa em si, sem que haja necessidade de ser extraída pelo juiz, ou por-_que~ quer que seja. É diferente do que ocorre, por exemplo, com a prova teste­munhal e com a pericial, em que há necessidade de participação do juiz e das partes.

11 14.3. Classificação dos documentos

São várias as formas pelas quais os documentos podem ser classificados. É pos­sível usar como critérios de distinção autoria, conteúdo e forma.

136

VIl 1!1 Do Processo e do Procedimento 485

li 14.3.1. Quanto à autoria

Os documentos podem ser autógrafos ou heterógrafos. Os primeiros são pro­duzidos pelo próprio autor da declaração de vontade nele contida. Contém, portanto, uma declaração de próprio punho, daquele que emite a sua vontade; já os segundos são aqueles redigidos por outrem, que não o autor da declaração de vontade.

Um contrato particular é geralmente autógrafo, porque redigido e assinado pelos próprios contratantes; já uma escritura pública é um documento heterógrafo, porque redigida por um tabelião, que dela faz constar a vontade dos declarantes.

Ainda quanto à autoria, os documentos podem ser públicos ou privados, conforme expedidos por funcionários públicos em geral (art. 405 do CPC) ou por particulares.

IJ!I 14.3.2. Quanto ao conteúdo

Os documentos podem ser narrativos ou dispositivos. Os primeiros são aqueles que contêm declarações referentes a um fato, do qual o subscritor tem conhecimento. Os segundos contêm uma declaração de vontade e se prestam a constituir, extinguir ou modificar as relações jurídicas. Os contratos são exemplos de documentos dispositivos.

'ti 14.3.3. Quanto à forma

Os documentos podem ser solenes, quando exigirem forma especial para sua validade, como as escrituras públicas nos contratos de compra e venda de imóveis, ou não solenes, quando não exigem forma especial.

RESUMO DA CLASSIFICAÇÃO DOS DOCUMENTOS

Autógrafo- redigido pelo autor da

declaração de vontade

Dispositivo - contém declaração de vontade

Solene ..:..... depende­de forma especial

Não. solene- não exige forma especial

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486 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

1114.4. Exibição de documento ou coisa

Nem sempre o documento que se pretende usar como prova está em poder do interessado. Há casos em que está com o adversário, ou com terceiro. Em deter­minados casos, a lei concede à parte interessada o poder de exigir daquele que tem consigo o documento que o apresente em juízo, seja ele a parte contrária, seja alguém de fora do processo.

Há duas maneiras pelas quais se pode conseguir a vinda dos documentos aos autos: a requisição judicial e a exibição de documento.

a 14.4.1. A requisição judicial (CPC, art. 438)

Será cabível quando o documento estiver em poder de repartições públicas, obri­gadas a cumprir a ordem do juiz de que o apresentem.

De acordo com o art. 438 do CPC, o juiz "requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição: I - as certidões necessárias à prova das ale­gações das partes; li -os procedimentos administrativos ,nas causas em que forem interessados a União, os Estados, os Municípios, ou as respectivas entidades da ad­ministração indireta".

A requisição será feita pelo juiz de ofício ou a requerimento da parte interes­sada no documento, sempre que este for relevante para a apuração dos fatos e não puder ser obtido sem a intervenção judicial.

As requisições judiciais têm sido cada vez mais usadas nos processos em geral, seja para a obtenção de documentos, seja de informações relevantes, como o endere­ço do réu ou de alguma testemunha fundamental, ou a existência de bens ou contas bancárias do devedor, que permitam tornar eficaz a execução.

Conquanto o art. 438 aluda apenas as repartições públicas, nada impede que as requisições sejam dirigidas às entidades particulares, que terão de cumpri-las. Por exemplo, as de prontuários médicos a hospitais, ainda que particulares, ou a órgãos de proteção de crédito.

• 14.4.2. Da exibição de documentos

O CPC prevê mecanismo pelo qual é possível que um dos litigantes exija do outro, ou de terceiro, a apresentação de documentos que estejam em poder deles. Ele tem por fim obrigar aquele que detém o documento - seja parte ou terceiro - a apresentá-lo.

Só existirá o procedimento da exibição do documento, previsto nos arts. 396 e ss., seJQr .requerido por uma das partes, esteja o documento em poder da outra ou de terceiro. O juiz pode, de ofício, determinar a apresentação de documentos em juízo. Mas não se estará diante do procedimento de exibição.

A circunstância de o documento estar em mãos do adversário ou de terceiro fará diferença, quando do julgamento do incidente, porque, de acordo com a lei, o adver­sário não tem propriamente o dever de apresentar o documento que tenha con­sigo, mas tão somente o ônus de fazê-lo, se o juiz o determinar. É o que resulta da 138

VIl • Do Processo e do Procedimento 487 --------------------------------------------------

leitura do art. 400 do CPC: "Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar".

Se o juiz determinar a exibição de documento a um dos litigantes, este não esta­rá propriamente obrigado a apresentá-lo, mas se não o fizer, sofrerá as consequências negativas da sua omissão: os fatos que se pretendia comprovar por meio dos docu­mentos sonegados reputar-se-ão verdadeiros.

Mas, se o documento estiver em mãos de terceiro, terá este a obrigação de cumprir a determinação judicial de apresentá-los, e não somente o ônus. O des­cumprimento implicará desobediência e o juiz tomará as providências necessárias para que a sua ordem seja cumprida. O art. 403, parágrafo único, estabelece as me­didas que podem ser tomadas em caso de desrespeito, pelo terceiro, da determinação judicial.

Diante das distinções acima mencionadas, é preciso examinar, em capítulos se­parados, a exibição dirigida em face d<J parte e em face de terceiro.

• 14.4.2.1. Exibição dirigida em face da parte

A exibição será requerida pela parte interessada-- autor ou réu- em petição que individualizará, da maneira mais completa possível, o documento, para que o adversário possa defender-se ou entregá-lo, se entender que é o caso.

É indispensável que o autor do incidente esclareça a finalidade da prova, indi­cando os fatos que se relacionam ao documento, porque, caso o juiz o. acolha, e ele não seja apresentado, haverá a presunção de veracidade dos fatos que com ele se pretendia comprovar.

Por fim, é fundamental que se esclareçam as circunstâncias em que o requeren­te se funda para afirmar que o documento existe e se acha em poder do adversário. Para o acolhimento do incidente, é indispensável que fique demonstrada a posse do documento pelo adversário. O juiz não pode determinar que alguém apresente um documento que não possui.

Não cumpridas as exigências mencionadas, previstas no art. 397 do CPC, o juiz indeferirá de plano o incidente. Do contrário, mandará intimar o requerido para, querendo, oferecer resposta no prazo de cinco dias.

Este poderá tomar uma entre várias atitudes. Poderá:

• apresentar o documento solicitado, caso em que o incidente será encerrado;

• oferecer resposta, no prazo de cinco dias. São duas as defesas de que poderá valer-se: a de que não tem o documento consigo, ou de que não está obrigado a apresentá-lo, podendo escusar-se. Se negar a posse, o juiz "permitirá que o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verda­de" (art. 398, do CPC). O ônus da prova, como evidencia o dispositivo legal, é do requerente. O requerido pode ainda escusar-se de apresentar o documento, nas hipóteses do art. 404 do CPC, quando conéernente a negócios da própria vida da família; a sua apresentação puder violar dever de honra; a publicidade do docu­mento redundar em desonra à parte ou a terceiro, bem como a seus parentes 139

488 Direito Processual Civil Esquematizado" Marcus Vinicius Rios Gonçalves

consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal; se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo; se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição; ou houver disposição legal que justifique a recusa. Mas a escusa não será admitida nas hi­póteses do art. 399, se o requerido tiver obrigação legal de exibir; se ele aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova; ou se o documento, por seu conteúdo, for comum às partes;

B silenciar, deixando transcorrer in albis o prazo de cinco dias, caso em que o juiz presumirá a posse do requerido e a inexistência de causas de recusa.

Em qualquer das situações supramencionadas, o juiz julgará o incidente, aco­lhendo-o ou rejeitando-o. No primeiro caso, admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar (art. 400, do CPC). Ele não imporá a apresentação do documento, sob pena de desobediência, nem utilizará meios coercitivos para forçar a entrega, mas se valerá do disposto no art. 400 do CPC. E meS!JlO a presunção de veracidade decorrente da omissão não deverá ser tida por absoluta, mas apenas relativa, não podendo admitir-se como verdadeiros os fatos que sejam contrariados por outros elementos de convicção dos autos.

Como a exibição dirigida contra a parte contrária tem natureza de mero inciden­te, a solução será dada por decisão interlocutória, contra a qual o recurso adequado será o de agravo de instrumento (art. 1.015, VI).

• 14.4.2.2. Exibição requerida em face de terceiro

Se o documento estiver em poder de terceiro, o juiz pode determinar a sua apre­sentação de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes.

Se for a requerimento, não constituirá um mero incidente (nem poderia, pois o terceiro não é parte no processo originário), mas terá a natureza de uma nova ação incidente.

Disso decorrem importantes consequências. Como o requerimento tem natureza de ação (actio exhibendum), deverão ser observados os requisitos da petição inicial, previstos nos arts. 319 e 320 do CPC. O terceiro figurará como réu da ação incidente. Por isso, não basta que seja intimado a responder, devendo ser citado, como determi­na o art. 401, para oferecer resposta no prazo de quinze dias.

Ao defender-se, poderá apresentar as mesmas alegações que o adversário pode­ria oferecer, se o pedido de exibição fosse oferecido contra ele, mencionadas no item anterior: que não tem o documento ou a coisa consigo, ou que estão presentes as

· causásâe-êscusã, previstas no art. 404 do CPC. O juiz, se houver necessidade de provas, designará audiência, na qual poderá

ouvir as partes, e eventuais testemunhas, e, em seguida, proferirá decisão (art. 402), contra a qual caberá agravo de instrumento (art. 1.015, VI). O art. 403, parágrafo único, do CPC enumera as consequências imputáveis ao terceiro que não cumpre a determinação judicial de apresentar os documentos: o juiz concederá prazo de cinco

140

VIl EJ Do Processo e do Proced mento 489

dias para que os apresente em cartório ou em outro lugar designado; se a ordem for descumprida, será emitido mandado de apreensão, com requisição de força policial se necessário, sem prejuízo de responsabilidade por crime de desobediência. Além disso, imporá ao terceiro pagamento de multa, sem prejuízo de outras medidas indu­tivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar a efetivação da sua decisão.

!I 14.4.2.3. Esquema da exibição de documento

REQUISIÇÃO : EXIBIÇÃO CONTRA A PARTE I EXIBIÇÃO CONTRA TERCEIRO

1!1 É a determinação, feita pelo juiz, às repartições públicas, para que apresentem em juízo docu­mentos relevantes para o proces­so. Vem tratada no art. 438 do CPC. Admite-se que o juiz ainda possa requisitar documentos de en­tidades particulares, como, por exemplo, prontuários médicos de internações hospitalares.

• A exibição é sempre requerida por uma das partes. O suscitante deverá precisar o documento, o fato que se pretende provar por seu intermédio e as razões pelas quais se supõe que ele esteja com o suscitado. O juiz o ouvirá em cin­co dias. Ele poderá apresentar o documento, oferecer escusa nos casos autorizados por lei, ou de­monstrar que não o tem consigo. Se acolhido o incidente (por deci­são interlocutória), o juiz conside­rará provados os fatos que com ele se pretendia demonstrar.

R 14.5. Força probante dos documentos

• É sempre suscitada pela· parte, e será dirigida contra terceiro se for este que tiver em seu poder o do­cumento. Tem natureza de ação autônoma incidente, uma vez que o terceiro não integra o processo originário. Por isso, ele será citado para contestar em quinze dias (art. 401). O terceiro poderá negar a obrigação de apresentar o docu­mento ou a sua posse, caso em que, se necessário, o juiz designará au­diência e julgará, por decisão inter­locutória, podendo condenar o réu a apresentar os documentos, sob pena de busca e apreensão e' outras medidas coercitivas, sem prejuízo de responsabifidade criminal.

O CPC trata da força probante dos documentos em subseção que se estende dos arts. 405 a 429. Diante do princípio do livre convencimento motivado, o juiz deve considerar a prova documental em conjunto com as demais, salvo na hipótese em que a escritura pública seja da essência do negócio (CPC, art. 406). Mas o que provam os documentos juntados aos autos? A lei processual, para responder a essa pergunta, distingue entre os públicos e os particulares.

De acordo com o art. 405 do CPC, os documentos públicos fazem prova "não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabe­lião, ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença". Isto é, de sua própria regularidade formal e da regularidade na sua formação, mas não da veracidade de seu conteúdo.

Por exemplo, um boletim de ocorrência, documento público, faz prova de que o particular compareceu à Delegacia de Polícia ou ao Posto Policial e prestou as decla-

. raÇões a:rr·contiôas; mas rião que os fatos ocorreram na forma por ele~ declarada. Nesse sentido: "O boletim de ocorrência faz com que, em princípio, se tenha como provado que as declarações dele constantes foram efetivamente prestadas, mas não que seu conteúdo corresponde à verdade. O art. 364 (atual 405) do CPC não estabe­lece a presunção juris tantum da veracidade das declarações prestadas ao agente público, de modo a inverter o ônus da prova" (STJ, RT 726/206).

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490 Direito Processual Civil Esquematizado® Mar cus Vinicius Rios Gonçalves

A eficácia probante dos documentos particulares vem tratada no art. 408 do CPC: "As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário". Mas a pre­sunção é relativa, pois cede se o subscritor comprovar, por exemplo, que não o assinou livremente.

• 14.6. Eficácia das reproduções

A respeito da força probante das reproduções, é preciso distinguir quatro espécies de documentos: os públicos, os particulares, as peças do processo e os digitalizados.

11 Sobre as cópias de documentos públicos, dispõe o art. 425, III, do CPC, que fazem a mesma prova que os originais: "As reproduções de documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respec­tivos originais".

B A regra a respeito dos documentos particulares vem estabelecida no art. 424, que assim dispõe: "A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original". O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, se o documento particular está autenticado, tem a mesma força probante que o original; se não está, o seu valor dependerá de eventual impugnação do adversário. Se este não a apresentar, presumir-se-á a autenticidade. Nesse sentido, RSTJ 87/310.

11 O art. 425, IV, do CPC trata das cópias de peças do processo, aduzindo que fazem a mesma prova que os originais, "as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabili­dade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade".

B Por fim, o art. 425, VI, atribui o mesmo valor que ao original "às reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntadas aos au­tos pelos órgãos de Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxilia­res, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração".

• 14.7. O incidente de falsidade documental

Vem disciplinado nos arts. 430 a 433 do CPC que atribuem às partes a possibili­dade de suscitar a falsidade de documento contra elas produzido, na contestação, na réplica ou no prazo de 15 dias, contado a partir da intimação da juntada do documen­to aos autos. A sua finalidade é obter a declaração judicial, com força de coisa jul­gada, da falsidade de documento juntado aos autos.

• 14.7.1. Natureza jurídica do incidente de falsidade

Conquanto ainda possa haver alguma controvérsia doutrinária ou jurispruden­cial, predomina amplamente o entendimento de que o incidente de falsidade tem 142

VIl 1!1 Do Processo e do Procedimento 491

natureza de verdadeira ação incidente, de cunho declaratório. Conquanto a ação declaratória incidental tenha sido extinta pelo CPC atual, o incidente de falsidade documental constitui um último resquício dessa espécie de mecanismo. Seu objeto é obter do juízo uma declaração definitiva sobre a falsidade ou autenticidade do docu­mento. O art. 19, li, do CPC autoriza o ajuizamento das ações declaratórias com essa finalidade.

Ajuizado o incidente, haverá uma nova ação, mas de natureza incidente, que não implica a formação de um novo processo.

• 14.7.2. O incidente de falsidade, o reconhecimento incidental da falsidade de documento e as ações declaratórias autônomas de falsidade

É preciso fazer uma distinção importante. A parte contra quem o documento foi produzido pode arguir a sua falsidade, no curso processo, sem valer-se do incidente de falsidade. Por exemplo: em sua contestação, o réu poderá qualificar de falso um documento juntado com a inicial, sem suscitá-lo.

Se a questão for relevante, o juiz poderá determinar as provas necessárias para apurar a falsidade ou autenticidade do documento, mas, se não foi suscitado o inci­dente, a questão só poderá ser decidida incidente r tantum, sem força de coisa julga­da. Será decidida na fundamentação da sentença, não no dispositivo.

Diferentemente, se a parte valer-se do incidente, o juiz declarará, no mesmo processo e com força de coisa julgada, a falsidade ou autenticidade do documen­to, o que figurará no dispositivo da sentença.

Por fim, há ainda a possibilidade de a parte interessada valer-se de uma ação autônoma de declaração de falsidade, com fulcro no art. 19, li, do CPC: haverá uma nova ação e um novo processo. Distingue-se do incidente, porque este não forma um novo processo, prestando-se a declarar a falsidade ou autenticidade de um documen­to juntado a um processo em curso, para nele servir de prova dos fatos.

• 14.7.3. O objeto do incidente de falsidade

Podem ser objeto da ação incidental de falsidade os documentos públicos e os particulares, juntados aos autos. De acordo com o art. 427 do CPC, a falsidade pode consistir em formar documento não verdadeiro, ou em alterar documento verdadeiro.

Existe grande controvérsia a respeito do tipo de falsidade que pode ser objeto do incidente, se só a material ou também a ideológica. A material é a que diz respeito ao

. . ... suporte material do documento e a ideológica, ao seu conteúdo. Como o art. 432 do CPC estabelece que, não havendo a sua retirada, nem o re­

conhecimento da falsidade, será determinada prova pericial, tem predominado o entendimento de que somente a falsidade material pode ser discutida, já que só ela pode ser apurada por perícia. A falsidade do conteúdo do documento não pode ser constatada, em regra, por prova técnica, mas por outros meios, o que afasta a possibilidade do incidente. 143

492 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Há, no entanto, numerosos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que têm admitido o incidente de falsidade ideológica, mas não de maneira generalizada. Em regra, o permitem quando o conteúdo do documento é meramente narrativo, e não constitutivo de situações jurídicas. Nesse sentido, o AgRg 204.657, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo. E, mais recentemente, o AgRg no REsp 1.024~640/DF, de 16 de de­zembro de 2008, Rei. Min. Massami Uyeda, no qual ficou decidido:

"Esta Corte assentou que, na via do incidente de falsidade documental, somente se po­derá reconhecer o falso ideológico quando tal não importar desconstituição de situação jurídica. Nesse sentido, confira-se: 'INCIDENTE DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ( ... ) I- A jurisprudência da egrégia Segunda Seção tem admitido o incidente de falsidade ideológica, quando o documento tiver caráter declaratório e o seu reconhecimento não implicar desconstituição de situação jurídica.' (AgRg no Ag 354.529/MT, 3" Turma, Rei. Min. Castro Filho, DJ 03.06.2002). E, ainda: Ag 989.512/MS, Rei. Min. Sidnei Beneti, DJ 09.05.2008; REsp 579.215/DF, Rei. Min. César Asfor Rocha, DJ 04.12.2006; REsp 167.726/SP, 3" Thrma, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 18.10.1999. In casu, a· ora recorrente busca, por meio do incidente de falsidade, o reconhecimento de que o recibo apresentado pelos agravados foi fruto de uma simulação e, por conse­guinte, a declaração de nulidade do negócio. Para tanto, ele requer 'a quebra do sigilo bancário do emitente do cheque a que faz referência o recibo, a expedição de ofícios aos cartórios a fim de esclarecer os imóveis dados em pagamento e realização de audiência para colher depoimento pessoal dos signatários do recibo cuja falsidade se investiga' (fi. 427). Como se vê, a intenção do recorrente é a desconstituição de situação jurídica por meio do reconhecimento de uma falsidade ideológica, o que, à luz do entendimento acima (acompanhado pela Corte a quo), não é viável".

Como se vê, os acórdãos que admitem o reconhecimento da falsidade ideológica ressalvam que o incidente não se presta ao reconhecimento de vício de vontade ou vício social, isto é, de defeitos relativos à declaração de vontade, que podem gerar a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, na forma da lei civil, mas não a decla­ração de falsidade. As decisões que admitem o incidente de falsidade ideológica o

restringem apenas a eventual narrativa contida no documento, não a declaração de vontade constitutiva de ato jurídico.

As decisões que autorizam tais incidentes, fundados em falsidade ideológica. baseiam-se na permissão, concedida pelo art. 431, parte final, do CPC, de que outras provas, além da pericial, sejam produzidas.

~-H,.Z4,_ Procedimento do incidente de falsidade

De acordo com o art. 430 do CPC, se o documento tiver sido juntado com a petição inicial, o réu formulará o incidente no prazo de contestação; se for juntado na contestação, o autor o apresentará na réplica; e se for juntado posteriormente, em quinze dias, a contar da intimação da juntada, feita à parte contra quem foi produzido.

144

Vil a Do Processo e do Procedimento 493

O prazo é preclusivo. Se ultrapassado, a parte interessada não mais poderá aforá-lo. Nada impede, porém, que suscite a questão incidente r tantum, a ser resolvi­da sem força de coisa julgada r:J.aterial. Nem que se valha de ação autônoma de de­claração de falsidade.

O incidente correrá nos mesmos autos do processo da ação originária e será suscitado por petição dirigida ao juiz da causa, na qual o suscitante arguirá o docu­mento de falso, expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado.

O juiz poderá indeferi-lo de plano, se, por exemplo, verificar que não foram preenchidos os requisitos de admissibilidade, que é intempestivo, ou que o tipo de falsidade não permite a declaração incidental.

Se não o fizer, intimará o sescitado para manifestar-se no prazo de quinze dias. O suscitado pode concordar em retirá-lo dos autos, reconhecendo-lhe a falsidade, caso em que, não havendo oposição do suscitante, será dispensado o exame pericial, e o juiz julgará extinto o incidente.

Se ele for impugnado, o juiz ordenará a realização de prova pericial. Apesar dos termos peremptórios do art. 432 do CPC, parece-nos que o incidente pode admitir outros tipos de provas (tanto que a parte final do art. 431 determina que o suscitante informe as provas que pretende produzir), e que, em determinados casos, pode até ser dispensada a perícia, quando se verificar que, por outro meio mais eficiente, a falsi­dade pode ser comprovada.

A arguição de falsidade que, a nosso ver, constitui o único resquício, no CPC atual, da antiga ação declan:otória incidental, será examinada no dispositivo da sen­tença. Além das pretensões formuladas na inicial e na reconvenção, o dispositivo conterá ainda a decisão do juiz sobre eventual falsidade do documento. Sobre ela incidirá a autoridade da coisa julgada material, o que impedirá que a questão seja rediscutida em qualquer outro processo.

• 14.8. Produção da prova documental

O tema vem tratado nos úts. 396 a 399 do CPC. O primeiro desses dispositivos determina que as partes apresentem os documentos com a petição inicial e a con­testação. O segundo acrescenta que, posteriormente, poderão ser juntados novos do­cumentos, desde que para fazer prova de fatos supervenientes, ou para contrapô-los aos que foram juntados aos autos.

Ambos poderiam levar à conclusão de que a lei não permite a juntada de docu­mentos novos, após ã. fase postulatória, salvo se referentes a fatos supérveiiientes. Mas a eles tem sido dada interpretação muito mais elástica. O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que os documentos que devem ser juntados com a inicial são apenas os indispensáveis para a propositura da demanda, uma vez que, sem eles, o juiz nem sequer a receberia. Por exemplo, a certidão imobiliária, nas ações reivindicatórias de bens imóveis.

145

494 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Outros documentos, que não esses, podem ser juntados a qualquer tempo, mesmo em fase recursal, cabendo ao juiz apenas dar ciência ao adversário, per­mitindo-lhe que se manifeste no prazo de quinze dias.

•15. A ATA NOTARIAL

Entre os meios de prova, o legislador incluiu expressamente a ata notarial. Dis­põe o art. 384 que "A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atesta­dos ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabe­lião". Da ata poderão constar dados representados por imagem ou sons gravados em arquivos eletrônicos.

A ata notarial é o documento lavrado por tabelião público, que goza de fé pública e que atesta a existência ou o modo de existir de algum fato. Para que o tabelião possa atestá-lo, é necessário que ele tenha ::onhecimento do fato. Por isso, será necessário que ele o verifique, o acompanhe ou o presencie. Ao fazê-lo, deverá descrever o fato, apresentando as circunstâncias e o modo em que ele ocorreu, com as informações necessárias para que o fato seja esclarecido. A ata notarial não é a atestação de uma declaração de vontade, como são as escrituras públicas, mas de um fato cuja existência ou forma de existir é apreensível pelos sentidos (pela visão, pela audição, pelo tato etc.).

Ela não é produzida em juízo, mas extrajudicialmente, com a atuação de um ta­belião. No entanto, como ele goza de fé pública, presume-se a veracidade daquilo que ele, por meio dos sentidos, constatou a respeito da existência e do modo de existir dos fatos.

Já antes da entrada em vigor do CPC atual, a ata notarial vinha sendo utilizada por aqueles que pretendiam documentar um fato, valendo-se da ata como prova, o que era admissível porque, tal como agora, também na legislação anterior vigorava o princípio da atipicidade dos meios de prova. Eram comuns, assim, as situações em que o tabelião era chamado para atestar determinado acontecimento, como a realização de uma as­sembleia condominial ou societária, ou para verificar a situação de determinado bem.

•16. PROVA PERICIAL

• 16.1. Introdução

Prova pericial é o meio adequado para a comprovação de fatos cuja apuração depende de conhecimentos técnicos, que exigem o auxílio de profissionais especializados.

No curso do processo, podem surgir fatos controvertidos, cujo esclarecimento exija conhecimentos especializados. Por exemplo, de medicina, de engenharia, de contabilidade, entre outros.

Quando isso ocorrer, tornar-se-á necessária a nomeação do perito, profissional que detém o conhecimento técnico necessário. O juiz, ainda que o detenha, não pode utilizá-lo para apuração dos fatos. Afinal, é necessário que as partes tenham oportu­nidade de participar da produção da prova, formulando ao perito suas questões e as dúvidas pertinentes ao caso. 146

VIl • Do Processo e do Procedimento 495

•16.2. Espécies de perícia

De acordo com o art. 464 do CPC, a perícia consiste em exame, vistoria ou avaliação:

• O exame consiste na análise ou observação de pessoas ou coisas, para delas extrair as informações desejadas. O perito médico examinará a pessoa, para verificar se ficou incapacitada, em virtude de acidente que sofreu, por exemplo. • A vistoria é a análise de bens imóveis, que objetiva constatar se eles foram ou estão danificados. • A avaliação é a atribuição de Yalor a determinado bem.

• 16.3. Admissibilidade da prova pericial

Só será determinada perícia quando houver um fato controvertido, cuja apuração depende de conhecimento técnico ou científico (art. 156, do CPC).

O art. 464, § 1°, enumera as hipóteses em que o juiz deverá indeferi-la:

g a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico. Há certos conhecimentos que são gerais e que fazem parte do repertório das pessoas co­muns, como os básicos de matemática ou de biologia. Quando apenas esse tipo de conhecimento for exigido, a perícia não será cabível. Mas, se houver necessi­dade de noções que fogem ao comum das pessoas, o juiz nomeará o perito, ainda que ele próprio detenha tais conhecimentos;

• for desnecessária em vista de outras provas produzidas. A perícia é frequente­mente de realização demorada e onerosa. Se os fatos puderem ser provados por outros meios, o juiz deverá preferi-los; • a verificação for impraticável. Há casos em que a perícia não se viabiliza, ou porque a pessoa ou coisa a ser examinada está inacessível, ou porque os conheci­mentos técnicos que seriam necessários não estão à disposição da ciência da época.

A primeira hipótese suscita a interessante questão relacionada às consequências da recusa, por uma das partes, de submeter-se a exame ou inspeção. O tema é rele­vante, porque não há como coagir alguém a, contra a sua vontade, submeter-se a exame físico ou médico, como ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF -Pleno, HC 71.373/RS, Rei. Min. Marco Aurélio). Mas, se a submissão ao exame não pode ser considerada uma obrigação, deve ao menos ser considerada um ônus, pois quem se recusar sofre as consequências negativas da sua omissão. Os arts. 231 e 232 do Código Civil tratam do tema. O primeiro estabelece que "aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recu­sa" e o segundo dispõe que "a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter como exame".

Ambos mostram que da recusa pode-se extrair uma presunção de veracidade do fato que se queria demonstrar, por intermédio da perícia. Mas apenas relativa, podendo ser afastada pelo exame do contexto e das circunstâncias em que a recusa se deu, e em consonância com as demais provas colhidas.

147

496 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Os dois dispositivos do Código Civil ganharam reforço com a Lei n. 12.004, de 29 de julho de 2009, que acrescentou o art. 2°-A, à Lei n. 8.560/92, assim dispondo: "Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moral­mente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético- DNA gerará a presun­ção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório". Esse dispositivo nada mais fez do que cristalizar o que a jurisprudência há muito vinha estabelecendo.

• 16.4. O perito

1!116.4.1. Requisitos para a nomeação

O perito é um dos auxiliares da justiça, que assistirão o juiz, quando a prova depender de conhecimento técnico ou científico.

Os requisitos para a sua nomeação são:

lil que se trate de profissional legalmente habilitado ou órgão técnico ou científico; li!!J que esteja devidamente inscrito em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. Caso não haja nenhum profissional ou órgão cadastrado, a nomeação é de livre escolha do juiz, mas deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento neces­sário à realização da perícia;

• que estejam ausentes as causas de impedimento ou suspensão, que são as mesmas aplicáveis aos juízes (arts. 144 e 145).

Permite-se, ainda, que as partes capazes, de comum acordo, e desde que o processo permita a autocomposição, escolham o perito, indicando-o mediante requerimento.

• 16.4.2. Deveres do perito

De acordo com o art. 157, "o perito tem o dever de cumprir o ofício, no prazo que lhe designar o juiz, empregando toda a sua diligência, podendo, todavia, escusar­-se do encargo alegando motivo legítimo". A escusa deverá ser apresentada em quin­ze dias, a contar da data em que tem ciência de sua nomeação, salvo impedimento superveniente. Se o perito deixar transcorrer in a/bis o prazo, reputar-se-á renuncia­do o direito de alegar a escusa. Ele pode escusar-se nos casos de impedimento ou suspeição, que são os mesmos que se aplicam ao juiz. Ou por outra razão fundamen­~tada,-como por exemplo, se não detiver os conhecimentos técnicos exigíveis para o bom desempenho da função. Havendo impedimento ou suspeição, se ele não se escu­sar, qualquer interessado poderá suscitá-lo (art. 148, 111), caso em que se observará o procedimento do art. 148, §§ 1° e 2°: o incidente será processado em apenso, sem suspensão do processo, ouvindo-se o perito no prazo de quinze dias. Se necessário, o juiz autorizará provas e em seguida decidirá.

148

VIl li! Do Processo e do Procedimento 497

O art. 158 apresenta as sanções aplicáveis ao perito que, por dolo ou culpa, pres­tar informações inverídicas. Além das sanções penais cabíveis, ele ficará inabilitado por dois a cinco anos de atuar em outras causas, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao respectivo órgão de classe, para a adoção das medidas cabíveis.

Além disso, o art. 468 prevê a possibilidade de substituição do perito, quando ele carecer do conhecimento necessário, ou sem motivo legítimo deixar de cumprir o encargo, no prazo que foi estabelecido. Nesta última hipótese, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional a que ele pertence e poderá aplicar multa, na forma do §1° do art. 468.

O perito deve limitar-se a esclarecer as questões técnicas que interessem à causa, e que lhe sejam submetidas, não podendo enveredar por questões jurídi­cas, nem emitir opinião sobre o julgamento. O seu papel é apenas o de fornecer subsídios técnicos para que o juiz possa melhor decidir.

111!1 16.4.3. Poderes do perito

A lei processual mune o perito de poderes que são necessários para o exercício de sua função e que estão resumidos no art. 473, § 3°, do CPC: "Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou repartições públicas, bem como ins­truir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias e outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia".

Como o perito, por si, não tem poderes de requisição, se for necessário algum documento, solicitará que o juiz o requisite.

• 16.4.4. Nomeação de mais de um perito

O art. 475 afastou qualquer dúvida quanto à possibilidade de nomeação de mais de um perito, quando a apuração dos fatos exigir conhecimentos técnicos relaciona­dos a mais de uma área de especialização: "Tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico".

• 16.4.5. Assistentes técnicos

Determinada a perícia, e nomeado o perito, as partes poderão, no prazo de quin­ze dias, indicar assistentes técnicos. Sua função é assisti-Ias na prova periCial, acompanhando a produção e apresentando um parecer, a respeito das questões i técnicas que são objeto da prova. ·;

O assistente técnico, ao contrário do perito, não é da confiança do juízo, mas das 11

partes, sendo por elas contratado. Por isso, não está sujeito às causas de impedi- ( mento e de suspeiça-o. ·. ', I j

it. 149

498 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Ao apresentar o seu parecer, ele pode concordar com c laudo, ou divergir, em ma­nifestação fundamentada na qual buscará demonstrar os eq1ívocos cometidos. Sobre as críticas, o juiz poderá ouvir o perito, que poderá manter ou não as suas conclusões.

Para o exercício de suas funções, o assistente tem os mesmos poderes que o perito (CPC, art. 473, § 3°). Além disso, o perito deve assegurar a eles o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunica­ção, comprovada nos autos, com antecedência mínima de cinco dias.

•16.4.6. O papel do juiz na prova pericial

O juiz nomeia o perito de sua confiança, que detém o:> conhecimentos especia­lizados para a produção da prova. Além disso, preside e fiscaliza a atuação dele, podendo solicitar esclarecimentos e formular indagações a respeito dos pontos con­trovertidos. Ao determinar a prova, deve ainda delimitar a respeito do que ela versa­rá, isto é, qual a questão técnica controvertida, sobre a qu::tl o perito prestará esclare­cimentos. Deve ainda fixar o prazo para a apresentação do 1audo, fazendo-o cumprir.

Cumpre-lhe ainda fiscalizar a atuação das partes, indeferindo quesitos imperti­nentes, e vedando que elas, de alguma forma, possam atrapalhar a atuação do perito.

Por fim, cabe-lhe verificar se ele prestou a contento m esclarecimentos, poden­do substituí-lo a qualquer tempo, e determinar a realização de outra perícia, quando necessário.

• 16.4.7. O procedimento da prova pericial

Ela pode ser determinada a requerimento das partes, do Ministério Públi­co, ou de ofício pelo juiz. Ele nomeará o perito, e concederá às partes e ao Ministé­rio Público o prazo de quinze dias para formular quesitos e indicar assistentes técnicos. Ele próprio poderá complementar os formulados, se entender necessário algum esclarecimento. Em regra, a determinação de perkia é feita na decisão sanea­dora, quando o juiz já nomeia o perito e toma as providências determinadas pelo art. 465, fixando, se possível, calendário para a realização dE prova.

Os quesitos são as indagações que as partes formula:n ao perito. Cumpre ao juiz fiscalizá-los, indeferindo os impertinentes, que não tenh::tm relevância ou que extra­polem os limites técnicos especializados.

O prazo de quinze dias estabelecido por lei não tem sido considerado, pela jurisprudência, preclusivo. Há inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça considerando que, enquanto ainda não iniciada a prova pericial, as partes podem ainda formular quesitos, complementar os já formulad::>s, indicar ou substituir o~. assistentes técnicos.

Após a entrega do laudo, as partes, o Ministério Público e o juiz poderão solici­tar esclarecimentos e formular quesitos suplementares ao perito. Sempre que forem apresentados por uma das partes, o juiz dará ciência à outra (art. 469, do CPC).

A lei não fixa prazo para a apresentação do laudo, deixando a tarefa ao juiz, conforme seu prudente arbítrio, conforme a complexidade das questões suscitadas. 150

VIl 111 Do Processo e do Procedimento 499 ------------------------------------------------------

Cumpre ao perito respeitar o prazo fixado, podendo, no entanto, solicitar, por uma vez, prorrogação, que será concedida se a demora decorrer de motivo justificado, pela metade do prazo originalmente fixado (CPC, art. 476).

O art. 477 do CPC determina que o laudo seja entregue com, pelo menos, vinte dias de antecedência da audiência de instrução e julgamento. Isso mostra que a perícia é sempre realizada antes dela, pois as partes poderão formular requerimento de ouvi­da do perito na audiência, para eventuais esclarecimentos sobre o laudo (art. 477, § 3°).

Na prática, no entanto, tem sido mais comum que os juízes só designem audiên­cia de instrução e julgamento depois de concluída a prova pericial, pois as possibili­dades de atraso podem fazer com que a audiência originalmente marcada fique pre­judicada. Cumpre ao juiz, portanto, designá-la com, pelo menos, vinte dias de distância da apresentação do laudo.

Caso as partes queiram ouvir o perito, ou os assistentes técnicos, em audiência, devem requerê-lo ao juiz, apresentando as questões que lhes serão submetidas. As partes não podem formular, na audiência, questionamentos que não tenham sido previamente apresentados: como a prova versa sobre questões técnicas, o pe­rito e os assistentes podem ter necessidade de se preparar. Por essa razão, o art. 477, § 4°, determina que eles sejam intimados dos quesitos e da data da audiência com, pelo menos, dez dias de antecedência.

Para que as partes e seus assistentes possam acompanhar a produção da prova, o art. 474 determina que eles sejam intimados da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para início da produção da prova.

Apresentado o laudo, as partes serão intimadas e terão o prazo comum de quinze dias para manifestar-se sobre ele e para apresentar os pareceres de seus assistentes técnicos. Estes não são intimados, cabendo às partes comunicar-lhes o início do prazo.

Diante do princípio do livre convencimento motivado, o juiz não fica adstrito ao laudo, podendo julgar de acordo com outros elementos de convicção.

Se a coisa ou pessoa a ser examinada estiver em outra comarca, a prova pericial será realizada por carta precatória, podendo o juiz deprecante solicitar ao deprecado que nomeie o perito incumbido da tarefa.

• 16.4.8. Segunda perícia

Se a perícia não for suficientemente esclarecedora, o juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento das partes, a realização de uma segunda, que terá por obje­to os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira, e que servirá para corrigir even­tuais omissões ou inexati~~es.

• 16.4.9. Perícia simplificada

O art. 464, § 2°, buscou acelerar o aridamep.to do processo, trazendo importante novidade: "De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto con­trovertido for de menor complexidade". 151

500 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Essa prova técnica simplificada difere da comum porque não haverá apresentação de laudo, mas apenas a inquirição do especialista, pelo juiz, sobre o ponto controver­tido da causa que demanda especial conhecimento científico ou técnico. Dessa inqui­rição as partes participarão, podendo formular indagações e solicitar esclarecimentos.

• 16.4.10. Despesas com a perícia

A prova pericial é, em regra, onerosa. A qual das partes as despesas devem ser carreadas? A regra é que o vencido as suporte, inclusive os honorários do perito e do assistente técnico da parte contrária. É o que estabelece o art. 82, § 2°, do CPC: "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou".

Com frequência, há necessidade de que os honorários do perito sejam, ao menos em parte, antecipados, uma vez que há despesas com a realização da prova. Ora, a quem caberá tal antecipação, uma vez que não se sabe, antes da sentença, quem será o vencido e o vencedor? A resposta é dada pelo art. 95 do CPC: "Cada parte adian­tará a remuneração do assistente técnico que houver indicado sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou a requerimento de ambas as partes". Aquele que antecipou poderá reaver do vencido o que despendeu, se ao final sair vencedor.

O valor dos honorários será fixado pelo juiz, após a apresentação de proposta do perito, no prazo de 5 dias. Sobre a estimativa serão ouvidas as partes; em seguida, o juiz fixará o valor que lhe parecer adequado. O juiz poderá determinar a antecipação de até 50% dos honorários fixados, devendo o remanescente ser pago no final, depois da entrega do laudo e prestados os esclarecimentos necessários. Se a parte que soli­citou a prova não os recolher, o juiz considerará prejudicada a perícia. Não há razão para que julgue extinto o processo: a falta do recolhimento repercute apenas sobre a perícia, não sobre o processo todo.

Se não foram recolhidos os honorários fixados por decisão judicial, será expedida certidão em favor do perito, que valerá como título executivo judicial (CPC, art. 515, V).

Um problema de difícil solução ocorrerá quando a parte que requerer a perícia for beneficiária da justiça gratuita. Em casos assim, não haverá antecipação dos ho­norários: se ela afinal sair vencedora, o valor dos honorários poderá ser cobrado do vencido; mas se este for o beneficiário, como fará o perito para receber os seus hono­rários? Quando possível, tem sido determinado que a perícia seja realizada por inte­grantes de órgãos públicos que prestem assistência judiciária gratuita (como o IMESC), para que o problema seja evitado.

__ •11. -~ INSPEÇÃOJUDICIAL

•17.1. Introdução

É um meio típico de prova, tratado nos arts. 481 a 484 do CPC. Consiste no exame feito direta e pessoalmente pelo juiz, em pessoas ou coisas, com a finali­dade de aclarar fatos que interessam à causa. Difere de outros tipos de prova, porque o juiz não obtém a informação desejada de forma indireta, por meio de outras

152

VIl 13 Do Processo e do Procedimento 501

pessoas ou de um perito dotado de conhecimentos técnicos, mas diretamente, pelo exame imediato da coisa, sem intermediários.

11 17.2. Procedimento

A inspeção judicial pode ser feita em qualquer fase do processo, de ofício ou a requerimento das partes, e terá por objeto o exame de pessoas ou de coisas, com o intuito de esclarecer o juiz a respeito de um fato que tenha relevância para o julgamento.

O mais comum é que o juiz faça a inspeção quando, produzidas as provas, per­si~ta em seu espírito alguma dúvida, que possa ser esclarecida pelo exame direito da coisa ou da pessoa. Daí se dizer, c::>m frequência, que a inspeção tem natureza com­plementar, servindo para auxiliar na convicção do juiz, quando as outras provas não tiverem sido suficientemente esclarecedoras. Mas não é necessário que ela seja deter­minada apenas no final, depois das outras provas, podendo o juiz marcá-la a qual­quer tempo, sobretudo quando issa possa dispensar outros meios mais onerosos.

O art. 482 do CPC autoriza que o juiz, na inspeção, seja assistido por um ou mais peritos. Isso não altera a natureza da prova, nem a faz confundir-se com a pericial: nesta, é o perito quem examina as pessoas ou coisas, e por seu intermédio as infor­mações são prestadas ao juiz; na inspeção, o exame é feito diretamente por este, sem intermediários. Os peritos que o acompanham servirão apenas para assisti-lo, auxi­liá-lo com eventuais informações técnicas, a respeito da coisa ou da pessoa, que es­tará sendo examinado ictu oculi, pelo próprio magistrado.

O juiz designará a data e o local em que a inspeção será realizada, para que as partes possam acompanhá-la, prestando esclarecimentos e fazendo as observações que reputem de interesse para a causa. A coisa ou pessoa poderá ser apresentada em juízo, para que o juiz a examine; ou ele poderá deslocar-se até onde estão, nas hipó­teses do art. 483 do CPC.

Concluída a diligência, será lavrado auto circunstanciado, que mencionará tudo o que for de interesse para o julgamento da causa (CPC, art. 484).

• 18. PROVA TESTEMUNHAl

• 18.1. Introdução

É um dos meios de prova mais comumente utilizados. Consiste na inquirição, em audiência, de pessoas estranhas ao processo, a respeito dos fatos relevantes para o julgamento.

Com alguma frequência, a prova testemunhal tem sido criticada, sob o funda­mento de que a memória humana é falha e que circunstâncias de ordem emocional ou psicoiógica podem lnfluendar a visão ou àslembrimças das testemunhas. ·os crí­ticos sugerem que a ela seja dado um valor menor que às outras provas.

Mas ela continua sendo fundamental, e, à exceção de eventuais ressalvas legais (arts. 406, 443 e 444), não há razão para considerá-la de menor valor. O juiz dará à prova testemunhal o valor que merecer, em cotejo com os demais elementos de con­vicção, observado o livre convencimento motivado.

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I 153

502 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

É possível, por exemplo, que, ouvidas várias testemunhas, o juiz se baseie no depoimento de apenas uma ou de algumas delas, que lhe parecerem mais verossímeis e em harmonia com os demais elementos de convicção.

• 18.2. Admissibilidade e valor da prova testemunhal

Ela só será admitida para a comprovação de fatos controvertidos, que tenham relevância para o julgamento. Nisso, não se encontra nenhuma novidade, já que a mesma regra aplica-se a todos os tipos de provas. Não se podem ouvir testemu­nhas a respeito de questões jurídicas ou técnicas, nem sobre fatos que não sejam controvertidos.

O art. 442 do CPC estabelece a regra a respeito da admissibilidade: "A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Esse dispo­sitivo traduz a regra da admissibilidade genérica, mas autoriza a lei a estabelecer restrições.

O art. 443 apresenta duas: quando o fato sobre o qual a testemunha seria inqui­ridajá estiver provado por documento ou confissão da parte; qu quando só por docu­mentos ou por exame pericial puder ser provado.

Questão de grande relevância é a relativa à comprovação da existência e conteú­do dos negócios jurídicos. Há os que, para sua celebração, não exigem forma escrita e podem ser celebrados sem a observância de forma específica (contratos não sole­nes). E há os que exigem forma escrita, como o de fiança (CC, art. 819), o de depósi­to voluntário (CC, art. 646) e o de seguro (art. 758), por exemplo.

O art. 227, caput, do CC só autorizava o uso de prova exclusivamente testemu­nhal para negócios jurídicos de até dez salários mínimos, e essa regra estava em consonância com o disposto no art. 401 do CPC de 1973. Mas o art. 227, caput, do CC e o art. 401 do CPC de 1973 foram revogados. Permanece em vigor o art. 227, parágrafo único do CC: "Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova tes­temunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito". Esse dispositivo está em consonância com o art. 444 do CPC atual: "Nos casos em que lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova". E o art. 445 autoriza expressamente a prova testemunhal quando o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, de depósito necessário ou de hospedagem em hotel ou em razão das práticas comerciais do local onde contraída a obrigação.

Desses dispositivos extrai-se que:

a) se o contrato só pode ser celebrado por escritura pública, que é da substância do negócio, nenhuma outra prova pode ser admitida (art. 406);

b) se o contrato pode ser celebrado por qualquer forma, inclusive verbal, a prova testemunhal pode ser usada sem restrições, independentemente do valor do negócio;

154

VIl • Do Processo e do Procedimento 503

c) se o contrato exige forma escrita, a prova testemunhal pode ser utilizada, desde que haja começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova (art. 444) ou quando o credor não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, nas hipóteses do art. 445.

O começo de prova escrita a que se refere o art. 444 há de ser, diante dos termos peremptórios da lei, documento escrito, não podendo ser substituído por fotografias ou gravações. E deve ter sido produzido pelo adversário e trazer indícios da existên­cia do contrato. Se for um documento que, por si só, basta para comprová-lo, nem será necessária a prova testemunhal. Mas se trouxer apenas indícios, poderá ser com­plementado por ela. O disposto nos arts. 444 e 445 do CPC estende-se ao pagamento e à remissão da dívida.

A prova testemunhal não poderá ser utilizada para comprovar a existência da­queles contratos que exigem instrumento público, como da substância do ato (art. 406); mas poderá, para comprovar simulação em contrato e vícios de consentimento (CPC, art. 446).

• 18.3. A testemunha

É a pessoa que comparece a juízo, para prestar informações a respeito dos fatos relevantes para o julgamento.

Somente as pessoas físicas podem ser testemunhas, nunca as jurídicas. É preci­so que sejam alheias ao processo. As partes podem ser ouvidas em depoimento pes­soal ou interrogatório, nunca como testemunhas.

Elas serão ouvidas diretamente em audiência presidida pelo juiz da causa, salvo nas hipóteses do art. 453 do CPC, e terão o dever de colaborar com o juízo, prestando informações verdadeiras.

• 18.3.1. Restrições à ouvida de testemunhas

Em princípio, qualquer pessoa pode ser ouvida como testemunha, não se exigin­do nenhuma qualificação especial. Há, no entanto, três circunstâncias que obstam a sua ouvida: a incapacidade, o impedimento e a suspeição.

O art. 447 do CPC enumera quando essas circunstâncias estão presentes. De acordo com o § 1°, são incapazes de testemunhar:

• o interdito por enfermidade ou deficiência mental; ---. - . -- -· -- -.

• o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;

• o que tiver menos de dezesseis anos; • o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.

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504 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

Nos dois primeiros casos, faltará à testemunha o discernimento para discorrer sobre os fatos. No terceiro, a maturidade necessária, e no quarto, a aptidão para ter informações a respeito dos fatos. A capacidade para ser testemunha, que se inicia aos dezesseis anos, não coincide com a capacidade civil geral, que só se torna plena aos dezoito. A exigência dos dezesseis anos é à data do depoimento em juízo, não na dos fatos a respeito dos quais se deve testemunhar. O art. 447, § 1°, do CPC está em con­sonância com o disposto no art. 228 do Código Civil. A Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, acrescentou, porém, ao dispositivo do Código Civil um§ 2°, que assim esta­belece: "A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurado todos os recursos de tecnologia assis­tida". Entende-se, assim, que, se for possível, deve-se assegurar ao deficiente o direi­to de ser ouvido como testemunha, com a utilização dos recursos necessários. Mas para isso é preciso que ele tenha condições de prestar informações a respeito dos fatos que interessam ao processo. Se, em razão da deficiência, ou falta de discerni­mento, ele não as tiver, parece-nos que a incapacidade persistirá.

Os impedidos de depor estão enumerados no art. 447, § 2°. As causas de impe­dimento são objetivas e estão associadas à participação no processo, em qualquer qualidade, ou à relação direta com algum dos participantes. Os impedidos são:

1!1 o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;

liilll o que é parte na causa;

lilll o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal das pessoas jurídicas, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido às partes.

O juiz que tenha conhecimento direto dos fatos da causa, antes de impedido de testemunhar, está impedido de julgar, devendo transferir a condução do processo para o seu substituto automático, caso em que poderá ser ouvido como testemunha. Quando, na condução do processo, for arrolado como testemunha, deverá proceder na forma do art. 452 do CPC: se efetivamente tiver ciência do ocorrido, dar-se-á por impedido, caso em que será defeso à parte, que o incluiu no rol, desistir de seu depoimento; se nada souber, mandará excluir o seu nome.

As hipóteses de suspeição estão previstas no art. 447, § 2°:

111 o inimigo da parte, ou o seu amigo íntimo;

lil o que tiver interesse no litígio.

As hipóteses têm certo grau de subjetividade, cumprindo ao juiz examinar o caso concreto. A simples amizade ou a mera desavença não é suficiente para tornar suspeita a testemunha, exigindo-se que uma e outra sejam de tal ordem que possam comprometer a isenção das declarações.

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VIl m Do Processo e do Procedimento 505

O interesse no litígio pode provir das mais variadas razões. Pode ocorrer, por exemplo, que a testemunha esteja litigando com uma das partes, em causa semelhan­te; ou que possa vir a ser demandada em via de regresso. Com frequência, testemu­nhas são contraditadas como suspeitas, por manterem com uma das partes relação de emprego. Mas isso, por si só, não é suficiente para torná-Ia suspeita, sendo indis­pensável que se constate, no caso concreto, a existência de uma circunstância que possa afastar a sua isenção.

• 18.3.2. Da possibilidade de ouvir testemunhas suspeitas e impedidas

O art. 447, § 4°, traz importante disposição a respeito da ouvida das testemu­nhas: "Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das menores, impedidas ou suspeitas". E o§ 5° acrescenta: "Os depoimentos referidos no § 4° serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz lhes atribuirá o valor que pos­sam merecer".

Há casos em que o juiz pode, apesar das causas de impedimento ou suspeição, ouvir uma testemunha, seja porque ela presenciou diretamente os fatos, seja porque não há outra que deles tenha conhecimento. Ele avaliará essa prova no caso concreto, cotejando-a com os demais elementos de convicção e verificando, no contato com a testemunha, a verossimilhança de suas alegações.

• 18.3.3. A contradita

Antes do início do depoimento, a testemunha é qualificada, na forma do art. 457 do CPC. O juiz indagará se ela tem relações de parentesco com a parte, ou inte­resse no objeto do processp.

Nessa ocasião, que precede o depoimento, a parte pode contraditar a testemu­nha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Quem pode suscitar a contradita é a parte contrária a que arrolou a testemunha.

Ao apresentá-la, oferecerá as razões pelas quais entende que a testemunha não pode ser ouvida. A contradita deverá ser sempre fundamentada, sob pena de ser in­deferida de plano.

Sobre os fatos alegados, o juiz indagará a própria testemunha. Se esta os negar, o juiz dará ao suscitante a possibilidade de comprovar o alegado, com documentos ou testemunhas, até três, apresentadas no ato e inquiridas em separado.

Por essa razão é sempre indispensável que a testemunha, ainda que seja trazida independentemente de intimação, seja arrolada com antecedência e devidamente qualificada. Afinal, a parte contrária tem o direito de conhecer-lhe o nome e quali­fiCação ôe antemão, para poder contraditá-lá e trazer eventuais testemunhas (até três) ou documentos que comprovem as causas de incapacidade, impedimento ou suspeição.

A lei não exige que a parte que arrolou a testemunha seja ouvida na contradita, mas o princípio constitucional do contraditório recomenda que isso ocorra, sobretu­do quando há necessidade de instrução do incidente.

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506 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

o juiz só admitirá a contradita se a testemunha ainda não foi advertida nem começou a depor. Depois disso, será intempestiva.

Ouvida a testemunha sobre o alegado e colhidas as eventuais provas, o juiz de­cidirá. Se a testemunha confirmar os fatos ou a contradita ficar demonstrada, o juiz dispensará o depoimento, ou então o colherá na forma do art. 447, § 5°, do CPC.

• 18.3.4. Direitos e deveres das testemunhas

A lei considera o depoimento prestado pela testemunha como serviço público (art. 463). Por isso, ela não pode, quando sujeita ao regime da legislação trabalhista, sofrer perda de salário nem desconto no tempo de serviço, por comparecer à audiên­cia. Se necessário, ser-lhe-á dado um atestado de comparecimento, para que possa apresentar ao empregador. Além disso, pode ressarcir-se das despesas que teve para o comparecimento, cabendo à parte que arrolou pagá-las logo que arbitradas, ou de­positar o valor em cartório, no prazo de três dias, na forma do art. 462 do CPC.

Os deveres das testemunhas são três: 1!1!1 Comparecer na data para a qual foi intimada. Ela deve comparecer para

ser ouvida em audiência perante o juiz da causa, salvo nas hipóteses do art. 453 do CPC: a) quando prestar depoimento antecipadamente, nos casos de produção anteci­pada de provas; quando residir em outra comarca ou país, em que será ouvida por carta; quando, por doença ou outro motivo relevante, estiver impossibilitada de com­parecer a juízo, caso em que, se possível, o juiz poderá deslocar-se até o lugar em que ela está ou designar lugar para ouvi-la (art. 449, parágrafo único; b) nas hipóteses do art. 454. Esse dispositivo enumera as pessoas que, em razão do cargo ou função que ocupam, têm o direito de ser inquiridos em sua residência, ou onde exercem a sua função, caso em que o juiz lhes solicitará que designem dia, hora e local em que po­derão ser ouvidas, remetendo-lhes cópia da petição inicial e da defesa da parte que a tenha arrolado como testemunha.

Além das pessoas indicadas no art. 454, também os juízes de direito e promoto­res de justiça têm a prerrogativa de indicar dia, hora e local para sua ouvida, confor­me as respectivas leis orgânicas.

Caso a testemunha, intimada a comparecer, não o faça, o juiz determinará a condução coercitiva, condenando-a ao pagamento das custas decorrentes do adia­mento, sem prejuízo de eventual sanção penal por desobediência.

B Prestar depoimento, não podendo recusar-se a falar. O art. 458, parágrafo único, esclarece que o juiz, ao início do depoimento, advertirá a testemunha das sanções penais imputáveis a quem prestar declaração falsa, e a quem calar ou ocultar a verdade. O art. 448 enumera as hipóteses em que a testemunha pode escusar-se; Ela não é obrigada a depor sobre fatos que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge, companheiro e aos seus parentes, consangufneos ou afins, em linha reta, ou na colateral até o terceiro grau; ou a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. São exemplos de sigilo profissional os do sacerdote, do advogado a respeito do que lhe contou o cliente; do médico ou do psicólogo, a respeito do que lhe in formou o paciente.

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VIl 11 Do Processo e do Procedimento 507

A testemunha deve prestar as suas declarações - oralmente, não por escrito -que devem versar sobre os fatos relevantes para a causa. Não pode emitir opiniões pessoais sobre a causa, ou sobre a matéria jurídica discutida. Mas nada impede que o juiz a questione a respeito das suas impressões dos fatos, como, por exemplo, se a parte parecia embriagada ou se aparentava nervosismo.

• Dizer a verdade. Antes de iniciar o depoimento, a testemunha prestará compro­misso, devendo o juiz adverti-la das penas do falso testemunho (art. 458). A obrigação existe ainda que o juiz, por um lapso, esqueça-se de tomá-lo e de fazer a advertência, já que a omissão constitui mera irregularidade. Se a testemunha for menor de dezoito anos, o juiz não a advertirá pelo crime de falso testemunho (art. 342, do CP), mas de ato infracional, que poderá sujeitá-Ia às medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

• 18.3.5. Produção de prova testemunhal •18.3.5.1. Requerimento da prova

A prova testemunhal deve ser requerida pelo autor na inicial, e pelo réu, na con­testação. Mas eventual omissão não torna preclusa a possibilidade de requerê-la oportunamente.

Afinal, só depois da resposta do réu o autor poderá saber os fatos que se torna­ram controvertidos e se a prova testemunhal é necessária.

Após a resposta do réu, ou o juiz julgará antecipadamente a lide, ou saneará o processo, abrindo a fase instrutória e determinando as provas necessárias. Se houver deferimento de prova oral, designará audiência de instrução e julgamento.

• 18.3.5.2. O arrolamento das testemunhas As testemunhas devem ser arroladas pelas partes. Para que o juiz defira a

prova, não é necessário que elas já estejam arroladas e especificadas. Basta que ele verifique que é pertinente.

Ao proferir a decisão saneadora e de organização do processo. o juiz, caso veri­fique a necessidade de prova oral, designará a audiência de instrução e fixará o prazo comum no qual as partes deverão arrolar suas testemunhas, prazo que será de até 15 dias. Pode ser menor, mas não maior do que quinze dias.

Mas se a causa for complexa e o juiz designar audiência para promover o sanea­mento do processo em cooperação com as partes (art. 357, § 3°), elas já deverão levar o rol de testemunhas para a audiência (art. 357, § 5°). Os prazos estabelecidos no art. 357, § 4° e 5° são preclusivos e devem ser observados, ainda que a testemunha com­pareça independentemente de intimação, pois é preciso que a parte contrária co­nheça o seu nome e qualificação para, querendo, oferecer contradita.

Ao arrolar a testemunha, a parte deve qualificá-la, apresentando o seu nome, profissão, o estado civil, a idade, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físi­cas, o registro de identidade e o endereço completo da residência e local de trabalho, para que possa ser identificada. No entanto, te~-se entendido que a falta de um ou mais elementos da qualificação constitui mera irregularidade, não constituindo óbice para que seja ouvida, salvo se ficar comprovado prejuízo.

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508 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

ill18.3.5.3. Substituição das testemunhas

Depois de arroladas, as testemunhas só podem ser substituídas em caso de fale­cimento, enfermidade que as incapacite de depor, ou mudança de residência ou local de trabalho, que impeça a localização (art. 451, do CPC).

Mas a jurisprudência tem ampliado a possibilidade, permitindo que qualquer testemunha seja substituída, desde que dentro do prazo para arrolá-la. Assim, se uma das partes apresenta o rol antes do prazo, pode livremente substituir as suas testemunhas, desde que o faça antes de ele se findar.

l!í118.3.5.4. Número de testemunhas

O art. 357, § 6°, do CPC limita o número de testemunhas a dez, sendo, no máximo, três para cada fato.

Além das arroladas. o juiz pode determinar, de ofício, ou a requerimento da parte, a inquirição de outras. que tenham sido referidas no depoimento das partes ou das testemunhas.

111 18.3.5.5. Acareação

O art. 461, II, do CPC autoriza ao juiz determinar, de ofício ou a requerimento das partes, "a acareação de duas ou mais testemunhas ou de algumas delas com a parte, quando, sobre fato determinado, que possa influir na decisão da causa, diver­girem as suas declarações".

Aqueles que prestaram os depoimentos divergentes serão colocados frente a frente e indagados a respeito da divergência ocorrida; o juiz pode advertir novamen­te as testemunhas das penas do falso testemunho. Em seguida, indagará se os depo­entes mantêm as suas declarações, ou se têm retificação a fazer. De tudo, será lavra­do termo. A acareação pode ser realizada por videoconferência ou por outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

1118.3.5.6. Intimação das testemunhas

A parte que arrola a testemunha pode comprometer-se a levá-la à audiência independentemente de intimação. Isso não a dispensa de arrolá-la no prazo fi­xado em lei. Mas, se ela faltar, reputa-se que a parte desistiu de ouvi-la, salvo se demonstrar que a ausência decorreu de caso fortuito ou força maior.

Se a parte que a arrolou não se comprometer a levar a testemunha, esta deverá ser intimada. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, hora e local da audiência, por carta com aviso de recebimento, dispensando-se a intimação judicial. Para comprovação de que a intimação foi reali­zada, o advogado deverá juntar aos autos cópia da correspondência de intimação e do aviso de recebimento com antecedência de, pelo menos, três dias da data da audiên­cia, sob pena de considerar-se que houve desistência de sua inquirição.

A intimação só será feita pela via judicial quando: a) frustrada a intimação pelo advogado; b) a parte demonstrar a sua necessidade; c) figurar do rol servidor público

160

VIl m Do Processo e do Procedimento 509

ou militar; d) a testemunha for arrolada pelo Ministério Público ou Defensoria Públi­ca; ou e) for daquelas que devem ser ouvidas em sua residência ou onde exercerem sua função (art. 454).

::!1 18.3.5.7. Inquirição das testemunhas

A inquirição é feita em audiência perante o juiz da causa, salvo nas hipóteses do art. 453 do CPC. As perguntas serão feitas diretamente pelas partes (e pelo Minis­tério Público, quando fiscal da ordem jurídica), começando pela parte que arrolou a testemunha. O juiz não admitirá as que possam induzir a resposta, ou não tiverem relação com a questão de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida, velando para que as testemunhas sejam tratadas com urbani­dade e impedindo que lhe sejam dirigidas perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias. Antes ou depois das perguntas feitas pelas partes, o juiz poderá inquirir a testemunha, formulando-lhe as indagações que entende relevantes para a formação de seu convencimento.

As testemunhas serão inquiridas, separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, providenciando-se para que umas não ouçam o depoi­mento das outras. Se as partes concordarem, a ordem poderá ser invertida.

Depois da qualificação, resolvidas eventuais contraditas e tomado o compromis­so, passar-se-á à inquirição das testemunhas, na forma supramencionada.

O depoimento será reduzido a termo ou gravado (art. 460). Quando reduzido a termo será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores.

No caso de processo eletrônico, deve-se observar o disposto nos §§ 1° e 2°, do art. 209, do CPC e na legislação específica.

Se a testemunha resitlir em comarca, seção ou subseção judiciária, diferente daquela em que corre o processo, a ouvida será feita por precatória. Mas o art. 453, § 1°, permite que seja feita por videoconferência ou outro recurso tecnológico de trans­missão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que pode ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento.

• 19. DEPOIMENTO PESSOAL

• 19.1. Introdução

É um meio de prova, pelo qual o juiz, a requerimento de uma das partes, colhe as declarações do adversário dela, com a finalidade de obter informações a respeito de fatos relevantes para o processo.

Só quem pode prestá-lo são as partes, os autores e os réus, jamais um terceiro. E só quem poderá requerê-lo é a parte contrária. Ninguém pode requerer o pró­prio depoimento pessoal, mas somente o do adversário. O juiz pode, a qualquer momento, ouvir, de ofício às partes. Porém não haverá depoimento pessoal, mas interrogatório.

A finalidade do depoimento pessoal é fazer com que a parte preste informações a respeito de fatos, que possam contrariar os seus interesses. É obter a confissão a !~'1.'.1

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51 O Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

respeito de fatos relevantes para a causa, o reconhecimento de fatos que contra­riem as suas pretensões. Por essa razão é que só o adversário pode requerê-lo.

Mas o juiz, ao examinar as declarações prestadas no depoimento pessoal, deve considerá-las em conjunto. Não pode levar em conta apenas aquilo que a parte con­fessou, mas as informações todas que foram prestadas, dando-lhes o valor que pos­sam merecer.

!11119.2. Quem pode requerê-lo e prestá-lo

O art. 385 do CPC manteve a impropriedade do art. 343 da lei anterior, ao per­mitir que o depoimento pessoal seja determinado de ofício. O depoimento pessoal sempre dependerá do requerimento do adversário. O que pode ser determinado de ofício é o interrogatório, que não se confunde com o depoimento pessoal; as dife­renças serão examinadas em capítulo próprio.

Tem-se admitido que, além do adversário, possa o Ministério Público, na con­dição de fiscal da ordem jurídica, requerê-lo.

Quem o presta é sempre pessoa física que figura comb parte no processo. Se for pessoa jurídica, o depoimento será prestado por seus representantes legais.

Discute-se sobre a possibilidade de o depoimento pessoal ser prestado por pro­curador, e não pela parte propriamente dita. Embora haja controvérsia, tem prevale­cido o entendimento de que isso é possível, desde que tenha poderes especiais para confessar, finalidade precípua do depoimento.

Também se admite que deponham em nome da pessoa jurídica prepostos por ela indicados, desde que tenham poderes para cónfessar e conhecimento dos fatos. De nada adiantaria ouvir os representantes legais de uma empresa se estes não participa­ram dos fatos que têm interesse para o deslinde da causa, sendo de admitir-se a ouvi­da de funcionários e prepostos que efetivamente possam prestar esclarecimentos úteis.

Se a parte for absolutamente incapaz, o depoimento será prestado por seu representante legal; se relativamente incapaz, por ele mesmo.

111119.3. Pena de confissão

A finalidade principal do depoimento pessoal é a confissão da parte a respeito de fatos que contrariem os seus interesses. Por isso, o art. 385, § 1°, do CPC estabe­lece que ela deverá ser intimada pessoalmente para a audiência, sob pena de con­fesso, que será aplicada caso ela não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor.

A presunção é relativa, e deverá ser considerada em conjunto com os de­mais elementos de convicção.

O art. 388 do CPC dispensa a parte de depor sobre: a) fatos criminosos ou torpes que lhe forem imputados; b) fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guar­dar sigilo; ou c) acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível. Mas essas hipóteses não se aplicam às ações de estado e família.

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VIl • Do Processo e do Procedimento 511

• 19.4. Procedimento

Havendo o requerimento de depoimento pessoal, que pode ser feito na inicial, na contestação ou no momento de especificação de provas, o juiz determinará a intima­ção da parte, na forma do art. 385, § 1", do CPC, sob pena de confissão.

O depoimento pessoal é colhido diretamente pelo juiz (não há inquirição direta, como na prova testemunhal), em audiência de instrução e julgamento, salvo nas hi­póteses do art. 453 que, conquanto versem sobre a prova testemunhal, aplicam-se também a ele.

Se forem requeridos os depoimentos de ambas as partes, primeiro serão ouvidos os autores e depois os réus. Aquele que ainda não depôs não pode assistir ao depoi­mento da outra parte. Enquanto o autor estiver depondo, o réu deverá aguardar fora do recinto em que se realiza a audiência. Mas isso se o réu for depor em se­guida. Caso ele não vá prestar depoimento, desnecessária a sua retirada. Também desnecessário que o autor que já depôs saia da sala, enquanto o réu depõe.

Depois de o juiz formular as suas perguntas à parte, terão possibilidade de fazê­-lo o advogado da parte contrária e o Ministério Público. Não há oportunidade de reperguntas do advogado do próprio depoente.

Ao prestar o depoimento, as partes responderão oralmente às perguntas formu­ladas, não podendo apresentar as respostas por escrito. A lei faculta apenas a consul­ta a notas breves, com finalidade de complementar os esclarecimentos.

• 20. INTERROGATÓRIO DAS PARTES

• 20.1. Introdução

É um meio de prova, de caráter complementar, no qual o juiz ouve as partes, para delas obter esclarecimentos a respeito de fatos que permaneçam confusos ou obscuros. É expressamente autorizado pelo art. 139, VIII, do CPC.

Não se confunde com o depoimento pessoal, por várias razões:

DEPOIMENTO PESSOAL INTERROGATÓRIO

• É sempre requerido pela parte contr~ria. • ,É determinado pelo juiz, de oficio ou a requeri-mento das partes.

• É prestado na audiência de instrução e julgamento, • Pode ser determinado pelo juiz a qualquer tempo. para a qual a parte é intimada sob pena de confissão.

• Tem por finalidade principal obter, do adversário, a • Tem finalidade complementar, sendo detern1inado confissão a respeito de fatos contrários aos seus inte- pelo juiz para obter, das partes, informaç?es a res-resses. peito de fatos qUe périnánecem confusos ou obscu-

ros, Por,isso, é majs comum que se realize a9}inaJ<ji!,.·. instrução, quando ainda restarem dúvidas ao juiz.

• 20.2. Procedimento

O juiz designará a data para o interrogatóriÓ da parte e a intimará para a audiên­cia. Não haverá pena de confesso, prevista exclusivamente para a recusa em prestar depoimento pessoal.

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512 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

No entanto, como o interrogatório serve para que o juiz possa obter esclareci­mentos de fatos ainda obscuros, a ausência da parte poderá prejudicá-la, já que o juiz possivelmente não considerará provado o fato, tudo de acordo com o princípio do li­vre convencimento motivado.

Os advogados de ambas as partes e o Ministério Público; nos casos em que in­tervenha, serão intimados para participar e poderão formular perguntas.

• 21. CONFISSÃO

• 21.1. Introdução

Confissão é a declaração da parte que reconhece como verdadeiros fatos que são contrários ao seu próprio interesse e favoráveis aos do adversário.

Existe acesa controvérsia na doutrina a respeito da natureza da confissão, se se­ria ou não meio de prova. Parece-nos que ela não pode ser considerada como tal, já que não constitui mecanismo para que as partes obtenham informações a respeito de fatos relevantes para o processo. Ela é declaração unilateral da parte, e pode, eventualmente, tornar dispensáveis as provas de determinado fato.

Embora não seja uma declaração de vontade, mas de ciência de um fato, a lei a considera negócio jurídico, permitindo que seja anulada, na forma do art. 393 do CPC.

A confissão só pode ter por objeto fatos, jamais as consequências jurídicas que deles possam advir, e que serão extraídas pelo juiz. Cumpre-lhe dar a ela o valor que possa merecer, em conformidade com as demais provas colhidas e com o princípio do livre convencimento. Não se pode negar que a confissão costuma ter forte influência na convicção do juiz, já que prestada por alguém cujos interesses são por ela contrariados.

Não se confunde a confissão com a renúncia ao direito ou com o reconheci­mento jurídico do pedido, já que estes envolvem não apenas os fatos controver­tidos, mas o direito discutido. A renúncia e o reconhecimento implicam a extinção do processo com resolução de mérito, ao passo que a confissão é só mais um elemen­to, para que o juiz forme a sua convicção e profira sentença.

• 21.2. Espécies de confissão

São duas as principais classificações da confissão. Pode ser judicial ou extrajudicial. A judicial é a confissão feita, por qualquer

meio, no curso do processo. Pode ser escrita ou oral, durante o depoimento pessoal. A eserita pode ser feita em qualquer manifestação no curso do processo, como a contestação, réplica ou petição juntada aos autos.

A judicial pode ser, por sua vez, de duas espécies:

• Espontânea: apresentada pela parte fora do depoimento pessoal, em manifes­tação por ela apresentada no processo.

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VIl !!I Do Processo e do Procedimento 513

mt Provocada: que se faz em depoimento pessoal, quando a parte responde às perguntas formuladas.

A extrajudicial é feita fora do processo, e precisará ser comprovada, seja por documentos, seja por testemunhas. Pode ser feita por escrito ou verbalmente, caso em que só terá eficácia quando a lei não exija prova literal.

Além disso, pode ser expressa ou ficta:

!SI A expressa é manifestada pela parte, por escrito ou verbalmente.

1m A ficta é sempre consequência de omissão da parte, que ou não apresentou contestação, ou não compareceu à audiência para a qual foi intimada para pres­tar depoimento pessoal, ou compareceu, mas se recusou a prestá-lo.

ili 21.3. Eficácia da confissão

A consequência principal da confissão é mencionada no art. 374, II, do CPC: "Não dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária". Essa regra deve ser interpretada em consonância com o princípio do livre convencimento motivado. O juiz não está obrigado a dar valor absoluto à confis­são, devendo cotejá-la com os demais elementos de convicção. A presunção de veracidade dos fatos dela decorrente é relativa, não absoluta. Não se há de conside­rá-la, como antes, superior a todas as outras provas, "a rainha das provas". O princí­pio do livre convencimento motivado exige que seja confrontada com os demais elementos.

Há algumas restrições à eficácia da confissão. Entre elas:

Fi! Não se admite corifissão em juízo de fatos relativos a direitos indisponí­veis (art. 392). Essa regra está em consonância com a que afasta a presunção de verdade decorrente da revelia, quando o processo versar sobre esse tipo de inte­resse (art. 345, II). Permitir a confissão seria autorizar que o litigante dispusesse dos direitos que não são disponíveis. Por isso, ainda que haja confissão, o juiz não considerará os fatos incontroversos, determinando as provas necessárias para demonstrá-lo.

1!!1 A confissão não supre a exigência da apresentação de instrumento pú­blico, para comprovar a existência de negócio jurídico que o exige, como de sua substância (CPC, art. 406). Ele é indispensável para que o negócio se repute celebrado.

111 Quando houver litisconsórcio, a confissão de um não poderá prejudicar os demais. Se o litisconsórcio for simples, a confissão será eficaz em relação ao próprio confitente, mas não em relação aos demais; se for unitário, nem mesmo para ele, pois o resultado terá de ser o mesmo para todos.

rn Nas ações que versarem sobre bens imóveis, a confissão de um dos cônju­ges ou companheiros não valerá sem a do outro, salvo no regime da separa­ção absoluta de bens (art. 391, parágrafo único).

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514 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

• 21.4. Perda de eficácia da confissão

o art. 393 considera irrevogável a confissão, mas permite que ela seja anulada, caso decorra de erro de fato ou de coação. Esse dispositivo está em consonância com

0 art. 214 do Código Civil, que também alude apenas a erro e coação. Mas parece-nos que cabe anulação ainda em caso de dolo, que nada mais é do que uma espécie de erro provocado.

A anulação deve ser obtida em ação própria, proposta exclusivamente pelo con­fitente. Se ele já a tiver proposto e falecer no curso do processo, a ação será transfe­rida a seus herdeiros. Mas se ele falecer antes da propositura, os herdeiros não terão legitimidade (art. 393, parágrafo único) do CPC.

• 21.5. Indivisibilidade da confissão

É decorrência do art. 395 do CPC: "A confissão é, em regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a benefi­ciar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável, porém cindir~se-á quando o confitente a ela aduzir fatos novos, capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção".

A indivisibilidade implica que, se a parte confessar fatos contrários aos seus interesses e, ao mesmo tempo, se pronunciar sobre fatos que lhe são favoráveiE, o juiz não possa considerar isoladamente apenas os primeiros, mas o conjunto das declarações.

O ato de confissão deve ser considerado como um todo. O que for desfavorável ao confitente deve ser apreciado em consonância com as suas outras alegações.

Poderá haver cisão se a parte aduzir fatos novos que constituam fundamento de defesa. Por exemplo: se o réu, em sua contestação, confessar que contraiu a dívida, mas aduzir que houve compensação, a existência do débito será incontroversa, mas a compensação deverá ser provada.

• 22. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

• 22.1. Introdução

A última etapa do processo de conhecimento se concluirá com a audiência de instrução e julgamento, necessária quando houver prova oral. Se não houver ne­cessidade de ouvir o perito, colher depoimentos pessoais ou ouvir testemunhas, a audiência será dispensada.

Nela, antes da prova oral e do julgamento, se fará nova tentativa de conciliação. Em seguida, o juiz ouvirá o perito e os assistentes técnl.cos, se as partes tiverem re­querido esclarecimentos e apresentado, com a antecedência necessária, os quesitos para serem respondidos; em seguida, colherá os depoimentos pessoais requeridos, e ouvirá as testemunhas arroladas.

Por fim, encerrada a instrução, concederá oportunidade para que as partes se manifestem, em alegações finais, e proferirá sentença.

166

VIl ll Do Processo e do Procedimento 515

É nessa audiência, portanto, que será colhida toda a prova oral, não havendo outra oportunidade, ressalvadas as hipóteses do art. 453 do CPC.

A audiência é considerada um ato processual complexo, em razão dos numero­sos atos que são praticados durante o seu desenrolar.

• 22.2. Procedimento da audiência de instrução e julgamento

O juiz, verificando a necessidade de prova oral, designará data para a audiência, determinando que sejam intimados os advogados e as testemunhas. As partes não são pessoalmente intimadas, a menos que os adversários tenham requerido o seu depoimento pessoal, na forma do art. 385, § 1°.

Não tendo sido requerido o depoimento pessoal, e tendo o advogado poderes para transigir, nem é necessária a presença da parte.

A audiência é pública e deverá ser realizada de portas abertas (art. 358, do CPC), ficando ressalvadas as hipóteses legais, dentre as quais as de segredo de justiça, nas quais ela só poderá ser acompanhada pelas partes, pelos seus procuradores e pelo Ministério Público, quando este intervém.

O juiz tem o poder de polícia, cabendo-lhe manter a ordem e o decoro na audi­ência. Para tanto, pode determinar que se retirem da sala os que não se comportarem adequadaménte, requisitando, se necessário, força policial.

No dia e hora designados, o juiz declarará aberta a audiência e mandará aprego­ar as partes e seus advogados. Se houver intervenção do Ministério Público, este também deverá ser avisado. Em seguida, serão praticados os atos processuais. que serão examinados nos itens seguintes.

•22.2.1. Tentativa de conciliação

Ressalvada a hipótese de o processo versar sobre interesses indisponíveis, o juiz tentará mais uma vez a conciliação. Tendo sido designada anteriormente a audiência de conciliação e mediação, ela já terá sido tentada, mas é preciso que o juiz a propo­nha mais uma vez, pois as partes podem, nessa fase, estar mais abertas à solução consensual.

Mesmo que os advogados estejam ausentes, a conciliação deve ser tentada, por­que, como negócio jurídico civil, pode ser celebrada sem a participação deles, bas­tando que as partes sejam capazes.

Da mesma forma, se as partes estiverem ausentes, mas comparecerem advoga­dos com poderes de transigir, a conciliação será tentada.

• 22.2.2. Prova oral

A função primordial da audiência de instrução e julgamento é a colheita de pro­va oral, que se iniciará desde logo, caso a tentativa de conciliação resulte infrutífera. Há uma sequência a ser observada pelo juiz. Pódem-se distinguir três etapas: a ouvi­da do perito e dos assistentes técnicos; a colheita dos depoimentos pessoais das partes; e a ouvida das testemunhas.

167

516 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves

• 22.2.2.1. A ouvida do perito e dos assistentes técnicos

As partes, caso ainda tenham alguma dúvida a respeito das conclusões do laudo pericial, podem pedir ao juiz que, na audiência de instrução e julgamento, ouça o perito e os assistentes técnicos.

O procedimento é o previsto no art. 477, §§ 3° e 4°, do CPC. O perito só é obri­gado a responder aos quesitos que lhe tenham sido previamente apresentados, com antecedência de, pelo menos, dez dias da audiência.

• 22.2.2.2. Depoimentos pessoais

Depois de ouvidos o perito e os assistentes técnicos, o juiz colherá os depoimen­tos pessoais que tiverem sido requeridos, primeiro do autor, depois do réu. A respeito do procedimento de colheita dos depoimentos pessoais, ver item 19, supra.

• 22.2.2.3. Ouvida das testemunhas

Somente depois de colhidos os depoimentos pessoais, o juiz ouvirá as testemu­nhas (ver item 18, supra), primeiro as do autor, na ordem que este desejar, e depois as do réu, também conforme a ordem que ele solicitar. As partes podem desistir da ou­vida de uma ou de todas as testemunhas arroladas, não havendo necessidade de consentimento do adversário. Se possível, o juiz deverá ouvir todas as testemunhas em uma única ocasião, preservando a sua incomunicabilidade. Por isso, têm sido comuns as audiências adiadas porque uma ou mais de uma testemunha estão ausen­tes, embora outras tivessem comparecido, para que não haja cisão da prova.

Mas haverá casos em que não será possível ouvir todas as testemunhas na mesma ocasião, seja porque uma precisa ser ouvida antecipadamente ou por carta (art. 453, do CPC), seja porque o número é tal que não é possível concluir a audi­ência no mesmo dia. Disso não advirá nenhuma nulidade para o processo, devendo o juiz marcar data próxima para concluí-la (CPC, art. 365, parágrafo único). Se faltar perito ou testemunha, havendo concordância das partes, o juiz ouvirá os presentes e marcará data próxima para ouvir os faltantes, cindindo a realização da audiência. Se não houver concordância, ele não ouvirá nem mesmo os presentes e designará data próxima para ouvir peritos e testemunhas de uma só vez, para que não se dê a cisão.

• 22.2.3. Debates

Finda a colheita de prova oral, o juiz dará a palavra às partes, para que apresen­tem alegações finais orais, na própria audiência. Primeiro falará o advogado do autor, depois o do réu, e por fim, o Ministério Público, que intervenha na condição de fiscal da ordem jurídica. O prazo para a manifestação de cada um é de vinte minutos, que podem ser prorrogados por mais dez, a critério do juiz (CPC, art. 364).

Havendo litisconsórcio, o prazo inicial e de prorrogação será um só para todos e deverá ser divido entre eles, salvo se ficar convencionado de modo diverso.

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VIl m Do Processo e do Procedimento 517

Se a causa apresentar que;;tões complexas de fato ou de direito, os debates pode­rão ser substituídos por memo~iais, que serão apresentados pelo autor, pelo réu e pelo Ministério Público, nos casos em que intervenha, em prazos sucessivos de 15 dias, assegurada a vista dos autos.

11 22.2.4. Sentença

Apresentadas as alegações finais orais, o juiz poderá, na própria audiência, pro­ferir a sentença, razão pela qual é denominada "de instrução e julgamento". Se, po­rém, ele não estiver em condições de fazê-lo de imediato, poderá determinar que os autos venham conclusos para JUlgamento, devendo sentenciar no prazo de trinta dias. Caso a sentença seja proferida na audiência, as partes sairão intimadas, passando a correr o prazo de apelação; do contrário, serão intimadas pela imprensa.

at 22.2.5. Decisões proferidas na audiência

A audiência é ato complexo, em que são praticados diferentes atos. É comum que o juiz profira. antes da sentença, decisões interlocutórias, a respeito de questões que surgem no seu curso. Por exemplo, contraditas das testemunhas, requerimentos das partes, pedidos de adiamento. e outros.

Se tais decisões forem daquelas que comportam agravo de instrumento (art. 1.015), contra elas a parte prejudicada deverá interpor o recurso, sob pena de preclu­são. Se não, a questão só poéerá ser reexaminada pelo Tribunal, se suscitada como preliminar nas razões ou nas contrarrazões de apelação.

1122.2.6. Termo de audiência

Todos os principais acontecimentos da audiência deverão constar de um termo, que será lavrado pelo escrivão sob ditado do juiz (CPC, art. 367). Do termo consta­rão, em resumo, os principais fatos ocorridos, quem compareceu e quem esteve au­sente, se foi ouvido o perito, se foram colhidos depoimentos pessoais e ouvidas tes­temunhas e outros atos rele\'antes. Além disso, constarão por extenso as decisões proferidas e a sentença, caso dada no ato.

O termo de audiência deverá ser assinado pelo juiz, pelo Ministério Público, pelos advogados e pelo escrivão. Não há necessidade de que as partes o assinem, salvo se houver ato de disposição para cuja prática os advogados não tenham poderes. Em seguida, será encartado aos autos. Quando eles forem eletrônicos, observar-se-ão as normas do CPC, da legislação específica e as normas internas dos tribunais.

!11 22.3. Adiamento da audiência

A possibilidade de adiamento da audiência vem prevista no art. 362 do CPC, que a admite em três situações:

11 por convenção das partes, o que só será admissível uma vez;

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518 Direito Processual Civil Esquematizado® fAarcus Vinicius Rios Gonçalves

1!1 por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 minutos do horário marcado. Só justifica o adiamento o atraso que não for justificado;

111 se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deve necessariamente participar. O dispositivo abrange o perito, as partes, as testemunhas ou os advogados. São variados os motivos que podem justificar a ausência na audiência, como problemas de saúde, via.sem inadiável marcada ante­riormente, a necessidade de o advogado comparecer, na mesma data, a outra audiên­cia, marcada anteriormente, não havendo, naquele processo, nenhum outro advogado que possa substituí-lo. O impedimento deve ser comprovado até a abertura da audi­ência (CPC, art. 362, § 2°), sob pena de ser realizada a i:Jstrução. Essa exigência, no entanto, só poderá ser atendida quando a causa de adiamento tiver se verificada com antecedência. Há casos em que não será possível alertar o juiz antes do início, como, por exemplo, o de um mal súbito que acomete o advogado a caminho do Fórum. Em casos assim, a justificativa poderá ser posterior e a instrução, se tiver se realizado, terá de ser renovada. A situação poderá se complicar se o juiz, na audiência, profe­rir sentença, caso em que o advogado ausente terá de apelar, pedindo a nulidade da audiência e da sentença.

Se a parte ou o advogado não comparecerem, nem justificarem a sua ausência, haverá alguma sanção? Se a parte tiver sido intimada para depoimento pessoal, have­rá a pena de confesso, já examinada. Do contrário, a sila ausência não traz nenhuma consequência, uma vez que a sua presença só é necessária para a tentativa de conci­liação - e pode ser suprida se o advogado tiver poderes para transigir - e para o depoimento pessoal. Apesar disso, é direito da parte, se o desejar, assistir à audiência, de forma que, se houver algum motivo justificado para o não compa­recimento, poderá postular o seu adiamento.

A ausência injustificada do advogado pode fazer com o que o juiz dispense a produção das provas requeridas pela parte defendida por ele ou requeridas pelo Ministério Público ou Defensor Público (CPC, art. 362, § 2°). Não haverá extinção do processo, nem aplicação de efeitos da revelia, mas apenas a dispensa das provas, que ainda assim é apenas facultada ao juiz. Ele poderá colhê-las, se o preferir, ape­sar da ausência do advogado, se isso o ajudar a elucidar os fatos.

A ausência do perito e das testemunhas· ensejará o adiamento, se a parte que requereu insistir em que sejam ouvidos. Não havendo razão fundada para a ausência, o juiz determinará a condução coercitiva e que o ausente arque com as despesas de­correntes do adiamento.

O rol de hipóteses de adiamento do art. 362 não é taxativo, e podem existir ou­tras causas, como a não observância do prazo mínimo de vinte dias de antecedência entre a entrega do laudo pericial e a sua realização.

• 23. QUESTÕES

1. (Juiz de Direito- TJ/MG- 2004-2005) Havendo antecipação da audiência de instrução e julgamento, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, mandará intimar:

a) pessoalmente as partes para ciência da nova designação;

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ALEXANDRE FREITAS CÂMARA

171

14

SENTENÇA

14.1 ConceitoChama-se sentença ao mais importante dos provimentos judiciais. Nos termos do

que dispõe o § Ia do art. 203, "[rjessalvadas as disposições expressas dos procedimen­tos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Esta definição legal, porém, não é imune a críticas, sendo rele­vante buscar-se determinar com mais precisão o conceito de sentença.

Importa afirmar, pois, e em primeiro lugar, que o conceito de sentença não é universal, mas decorre do direito positivo. Assim, por exemplo, nada impediría que algum sistema processual estabelecesse que sentença é qualquer ato decisório do juiz, ou que se trata do ato pelo qual o juiz provê sobre o mérito. Não é assim, porém, que se conceitua a sentença no Direito brasileiro, devendo tal conceito ser extraído do modo como o ordenamento processual pátrio, compreendido sistematicamente, trata este ato jurisdicional. E é importante estabelecer o conceito de sentença por uma ra­zão de ordem prática: é que, proferida a sentença, torna-se possível a interposição de um recurso denominado apelação (art. 1.009).

Pois o direito processual civil brasileiro trata a sentença como um ato de encer­ramento. Dito de outro modo, a sentença é definida pela posição que o pronuncia­mento judicial ocupa no procedimento, que deve ser uma posição de encerramento do procedimento ou de alguma de suas fases. Explique-se um pouco melhor: o pro­cesso, como já visto, é um procedimento que se desenvolve em contraditório. A este conjunto formado pelo binômio "procedimento + contraditório” pode-se chamar “módulo processual”.

Ocorre que há processos formados por mais de um módulo processual. É que no sistema processual civil brasileiro podem ser encontradas três diferentes situa­ções: (a) o processo cujo objeto é a produção de um julgamento; (b) o processo cujo objeto é a transformação da realidade fática, de modo a fazer com que as coisas sejam como deveríam ser; (c) o processo que tem por objeto a produção de ambos esses resultados.

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264 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

No primeiro caso, tem-se o processo de conhecimento. No segundo, processo de execu­ção. E no último, tem-se o processo sincrético, assim chamado aquele que se desenvolve em duas fases, a primeira de conhecimento e a segunda de execução (ou, como se diz na linguagem adotada pelo CPC, “cumprimento de sentença”) .

Há, então, processos formados por um só módulo processual e processos formados por dois (ou mais, porque poderá haver casos em que se terá, após a fase de conheci­mento, o desenvolvimento de mais de uma fase executiva, bastando pensar no caso em que tenha havido condenação ao cumprimento de duas ou mais prestações de naturezas distintas, como fazer e entregar coisa) módulos processuais.

Pois sentença é o ato que põe fim a um módulo processual. Assim, nos casos em que o processo se desenvolva em um só módulo (processo de conhecimento ou processo de execução), a sentença será o ato de encerramento do procedimento em contraditório (ou, como se costuma dizer no jargão forense, o ato que põe fim ao processo). E nos casos em que haja mais de um módulo processual (ou, se se preferir, mais de uma fase do processo), haverá tantas sentenças quantos sejam os módulos, cada uma delas encerrando um desses módulos (isto é, um desses procedimentos em contraditório). E o pronunciamento que encerrar o último desses módulos processuais será o ato de encerramento do processo (considerado como um todo).

Pode-se, então, dizer que sentença é o ato do juiz que põe fim ao processo ou a alguma de suas fases.

O art. 203, § 1E estabelece, porém, uma ressalva, relativa aos procedimentos espe­ciais. É que existem alguns desses procedimentos (como é o caso da "ação de demar­cação”) em que existe a previsão de um pronunciamento judicial que, sem encerrar a fase cognitiva do processo, resolve parcialmente o mérito da causa (art. 581) e, posteriormente, se prevê outro ato, este sim destinado a dar por encerrada a fase cognitiva do processo (art. 587). Pois a lei dá a ambos esses pronunciamentos o nome de sentença. É que há procedimentos "bifásicos”, em que a fase cognitiva se divide em duas partes bem distintas. Nesses casos, o ato de encerramento do primeiro segmento do módulo cognitivo é uma "sentença parcial” (e o ato de encerramento do segundo segmento é a “sentença final”). E sendo ambos tratados como sentenças, contra am­bos é cabível a interposição de apelação.

Ressalvados, assim, os procedimentos especiais que sejam segmentados em duas etapas, sentença é o ato judicial que põe termo ao processo ou a alguma de suas fases (isto é, a algum de seus módulos). E isto é confirmado pelo disposto no art. 316 ("[a] extinção do processo dar-se-á por sentença”), pelo art. 354 ("[ojcorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá senten­ça”) - que integra uma Seção do Código chamada “Da Extinção do Processo” -, e pelo art. 925 (“[a] extinção [da execução] só produz efeito quando declarada por sentença”). Sentença é, pois, o ato que extingue o processo ou alguma de suas fases (cognitiva ou executiva).

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Sentença 265

14.2 Sentenças Terminativas e DefinitivasExistem duas espécies de sentença: a terminativa e a definitiva. Terminativa é a

sentença que não contém a resolução do mérito da causa; definitiva, a que contém a resolução do mérito.

O CPC estabelece, no art. 485, quais são as hipóteses que acarretam a prolação de sentença terminativa, devendo-se extinguir o processo de conhecimento (ou a fase cognitiva do processo sincrético) sem resolução do mérito. E no art. 487 estão as hipó­teses em que se proferirá sentença definitiva, extinguindo-se o processo de conheci­mento (ou a fase cognitiva do processo sincrético) com resolução do mérito.

A primeira hipótese de prolação de sentença terminativa é a de indeferimento da petição inicial (art. 4 8 5 ,1), o qual ocorre nos casos previstos no art. 330. Em qualquer dos casos em que o juiz indefere a petição inicial, portanto, será extinto o processo de conhecimento sem resolução do mérito.

Será, também, proferida sentença terminativa quando ocorrer o abandono do proces­so (art. 485, II e III). Este pode ser bilateral (art. 485, II) ou unilateral (art. 485, III).

Ocorre o abandono bilateral quando o processo ficar parado por mais de um ano por negligência de ambas as partes. Para adequadamente compreender-se esta situa­ção, porém, impende recordar que a regra geral do sistema processual civil brasileiro é que se dê andamento ao processo de ofício (trata-se da regra - muitas vezes impro­priamente chamada de princípio - do impulso oficial, prevista no art. 2a) . Significa isto dizer que na maior parte dos casos, se um processo estiver parado, sem ter andamen­to, isto será devido à desídia do juízo, a quem incumbe, independentemente de pro­vocação, dar-lhe seguimento. Casos há, porém, em que ao juiz não é dado prosseguir com o processo ex officio, dependendo seu andamento de ato a ser praticado por parte.

Pois nos casos em que não seja possível o impulso oficial do processo, só po­dendo este ter andamento por ato que possa ser praticado por qualquer das partes, a negligência de ambas, deixando o processo paralisado por mais de um ano, acarre­ta o abandono bilateral do processo. Acontece que, na prática, situações como esta não existem.

Pense-se, por exemplo, no caso de se ter encerrado a fase cognitiva do processo de conhecimento com uma sentença que reconhece a existência de uma obrigação de pagar dinheiro, sem, contudo, haver a determinação do quantum devido. Pois, neste caso, o andamento do processo depende da instauração de um incidente de "liquida­ção de sentença”, destinado exatamente a determinar o valor devido. Tal incidente pode ter início por provocação de qualquer das partes (art. 509), mas não pode ser instaurado de ofício. Assim, se a liquidação não for postulada em um ano (a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória), poder-se-ia considerar que ocorreu o abandono unilateral da causa, devendo o processo ser extinto. Acontece que tudo isso ocorre depois da sentença e, evidentemente, não há como extinguir-se o que extinto já estava. Não há, a rigor, qualquer situação em que o processo fique paralisado por não

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266 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

ser possível o impulso oficial, mas seu andamento dependa de ato que pode ser prati­cado por qualquer das partes. Por isso, na prática, não se vislumbra qualquer situação de extinção por abandono bilateral.

Diversamente, o abandono unilateral (art. 485, III) é muito.comum na prática. É que existem várias situações em que ao juiz não é dado promover o impulso oficial do processo, dependendo-se, para que o feito tenha andamento, de ato que pelo autor pode ser praticado. É o que se tem, por exemplo, no caso em que o juiz determina ao autor que forneça elementos necessários para realizar-se a citação (como, por exem­plo, a indicação do endereço correto do demandado, ou a indicação da pessoa natural que receberá citação em nome de réu pessoa jurídica). Pois em casos assim, se o autor, por não promover os atos e diligências que lhe incumbem, abandonar a causa por mais de trinta dias, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Em qualquer caso de abandono (bilateral ou unilateral), exige o Código que, antes de proferir sentença, o juiz determine a intimação pessoal da parte desidiosa para que dê andamento ao processo no prazo de cinco dias (art. 485, § Ia). Só depois da intima­ção, pessoal e do decurso do prazo é que se poderá considerar configurada a hipótese de extinção do processo, proferindo-se, então, a sentença terminativa.

No caso de abandono unilateral ocorrido depois do oferecimento de contestação, a intimação pessoal do autor para dar andamento ao processo em cinco dias não pode ser determinada de ofício, dependendo, para ser efetivada, de requerimento do réu (art. 485, § 6a).

Ocorrendo a extinção do processo por abandono bilateral (se vier a ser identifi­cado algum caso em que ela seja possível), as despesas processuais serão rateadas proporcionalmente pelas partes. No caso de extinção por abandono unilateral, o autor pagará as despesas do processo e honorários de advogado (caso o réu já tenha ofere­cido contestação), tudo nos termos do art. 485, § 2a.

Outro caso de prolação de sentença terminativa se dá quando o juiz verifica a au­sência de algum dos pressupostos processuais (art. 485, IV), tema sobre o qual já se tratou neste trabalho.

Deve, também, extinguir-se o processo sem resolução do mérito quando se “re­conhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada" (art. 485, V). Este é tema que neste trabalho já se examinou, não sendo necessário retornar ao ponto.

Dá-se a perempção quando o autor der causa, por três vezes, à extinção do proces­so por abandono unilateral, caso em que não poderá ele propor novamente a mesma demanda, mas lhe sendo ressalvada a possibilidade de alegar seu direito como defesa (art. 486, § 3a). Pois se o mesmo autor abandonar três processos, todos instaurados para apreciação da mesma demanda (entre as mesmas partes, fundada na mesma causa de pedir e com a dedução do mesmo pedido), acarretando assim a prolação de três sentenças terminativas fundadas no inciso III do art. 485, ocorrerá a perempção.

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Sentença 267

Neste caso, se o autor demandar pela quarta vez, este quarto processo (assim como os seguintes) deverá ser extinto sem resolução do mérito, ficando esse autor impedi­do de ajuizar essa mesma demanda novamente. Trata-se, sem dúvida, de uma sanção contra um comportamento que é evidentemente abusivo, contrário ao princípio da cooperação que norteia todo o sistema processual. Não terá, porém, ocorrido a perda do direito material. Este, todavia, só poderá ser alegado como defesa.

Já a extinção do processo por litispendência ou coisa julgada se dá por conta da vedação do bis in idem. Em outros termos, o que se quer dizer aqui é que o sistema processual não admite que haja uma ilegítima duplicação de atividades processuais em torno do mesmo objeto. E que a litispendência e a coisa julgada são obstáculos a que se tenha um novo ajuizamento de uma demanda repetida (art. 337, §§ 2a, 3a e 4a).

Assim, proposta uma demanda e instaurado o processo, este estará pendente (li­tispendência significa pendência do processo). Imagine-se, então, que pendente esse pro­cesso, o autor ajuize novamente a mesma demanda (com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido), instaurando assim um segundo processo. Pois o estado de litispendência do primeiro será causa de extinção do segundo.

O mesmo raciocínio se aplica à coisa julgada. E que se uma demanda tiver sido proposta e decidida (com resolução do mérito), já não mais sendo admissível qual­quer recurso, terá a decisão se tornado imutável, adquirindo uma autoridade a que se dá o nome de coisa julgada (que será objeto de exame adiante), e este fato impede que a mesma demanda seja novamente ajuizada. Caso se proponha novamente uma demanda já definitivamente julgada (com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido), o novo processo que agora se instaura será extinto, sem resolução do mérito, em razão da coisa julgada já formada.

Outra hipótese de prolação de sentença terminativa é a da ausência de qualquer das “condições da ação” (legitimidade das partes ou interesse processual), caso em que o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito (art. 485, VI). Mais uma vez, está-se diante de tema já apreciado, sendo desnecessária qualquer repetição.

Deve, também, ser proferida sentença terminativa quando se "acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitrai reconhecer sua competência” (art. 485, VII).

Como sabido, conflitos que envolvem partes capazes e direitos patrimoniais disponíveis podem ser solucionados através da arbitragem, nos termos da Lei n2 9.307/1996. A arbitragem, porém, só poderá ser empregada como mecanismo de resolução do conflito se assim convencionarem as partes (através de alguma das mo­dalidades de convenção de arbitragem: cláusula compromissória ou compromisso ar­bitrai). Convencionada a arbitragem como meio adequado para a resolução do litígio, exclui-se a atuação do Judiciário, que não poderá apreciar o mérito da causa, uma vez que a competência para tal apreciação terá sido transferida, por convenção das partes, para o árbitro ou tribunal arbitrai.

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268 0 NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

Pode ocorrer, no entanto, de haver sido celebrada uma convenção de arbitragem e ainda assim uma das partes ajuizar demanda perante órgão do Judiciário. Neste caso, se a parte demandada alegar, na contestação, a existência da convenção de arbitragem (demonstrando sua existência, evidentemente), caberá ao juiz proferir sentença ter­minativa, extinguindo o processo sem resolução do mérito, a fim de assegurar que em sede arbitrai seja resolvido o conflito. Não se pode, porém, extinguir o processo por este fundamento ex officio (art. 337, § 5a), sendo certo que a ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem na contestação implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia à arbitragem (art. 337, § 6a).

Situação análoga é a daquela em que há dois processos instaurados simultanea­mente com o mesmo objeto, sendo um deles perante órgão do Judiciário e o outro pe­rante árbitro ou tribunal arbitrai. Pois neste caso, reconhecida pelo árbitro (ou tribunal arbitrai) sua competência, e chegando tal decisão áo conhecimento do juiz, deverá ser extinto o processo judicial sem resolução do mérito. Isto se dá em respeito ao princí­pio por força do qual incumbe ao árbitro apreciar e afirmar sua própria competência (princípio Kompetenz-Kompetenz). Neste caso, então,' o processo arbitrai prosseguirá e o processo judicial será extinto sem resolução do mérito. Caso se queira discutir a validade da convenção de arbitragem ou do processo arbitrai, isto só podérá acontecer após a prolação da sentença arbitrai, em processo que se instaure para apreciação de demanda de anulação da sentença arbitrai (art. 20, § 2a, da Lei de Arbitragem).

Também será proferida sentença terminativa, extinguindo-se o processo sem re­solução do mérito, quando for homologada a desistência da ação (art. 485, VIII). O direito de ação, como já se pôde ver em passagem anterior deste estudo, é direito de que todos são titulares, e que a todos permite atuar em juízo, em contraditório, ao longo de todo o processo, para contribuir para a formação de um resultado que a parte pretende lhe seja favorável. Pois é perfeitamente possível que o demandante, com o processo em curso, desista de continuar a exercer seu direito de ação, requerendo ao juiz, então, que dê por encerrado o processo, mas sem resolver o mérito da causa (o qual, permanecendo sem solução, poderá ser posteriormente trazido ajuizo novamente, em outro processo). Manifestada a desistência da ação, este ato da parte será homologado por sentença, encerrando-se o processo sem resolução do mérito.

Acontece que, conforme também já se viu em passagem anterior deste livro, o direito de ação não é exercido no processo apenas pelo autor, mas também pelo réu. Este, a partir do momento em que oferece contestação, passa a exercer seu direito de ação e tem tanto direito quanto o autor a ver o mérito da causa resolvido. Exatamente por isso é que, nos termos do § 4a do art. 485, depois do oferecimento da contestação o processo só pode ser extinto por desistência se o réu concordar. Impende, então, que ambas as partes desistam de continuar a exercer seus direitos de ação no processo, de modo que não haja mais razão para com ele prosseguir. Tendo o autor, porém, desisti­do da ação depois do oferecimento da contestação, mas não concordando o réu com a prolação de sentença terminativa, o processo deverá seguir normalmente em direção à resolução do mérito da causa.

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Sentença 269

Estabelece o inciso IX do art. 485 que será proferida sentença terminativa se, "em caso de morte da pane, a ação for considerada intransmissível por disposição legal”. Este é dispositivo cuja redação merece crítica. Em primeiro lugar, equivoca-se o texto normativo ao usar o termo “morte". É que apenas as partes que sejam pessoas natu­rais morrem, mas não as pessoas jurídicas. E estas também podem encontrar-se na posição jurídica de que aqui se trata. Melhor do que falar em “morte da parte”, então, seria falar da hipótese em que a parte deixa de existir.

Além disso, fala a lei processual em ser instransmissível “a ação”. Tem-se, aí, uma inaceitável (e inexplicável) confusão entre a ação, fenômeno que se manifesta no plano processual, e as posições jurídicas de direito material. Estas é que, sendo intransmissíveis, podem levar à extinção do processo. É que pode acontecer de em um processo ter sido deduzida alguma posição jurídica ativa (como um direito) ou passiva (como uma obrigação) que seja intransmissível aos sucessores de seu titular. Pois nesses casos, deixando a parte de existir, o processo precisa ser extinto sem re­solução do mérito.

Pense-se, por exemplo, no caso de o demandante ter ido a juízo para pedir a con­denação do Estado a lhe fornecer um medicamento muito caro. Ocorrendo o faleci­mento do demandante, não há qualquer Utilidade em prosseguir-se com este processo (já que nenhuma utilidade havería em se fornecer o medicamento para os sucessores do demandante), devendo ele ser extinto sem resolução do mérito.

O mesmo se dá no processo em que o autor postula a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer personalíssima, que só pelo devedor pode ser cumprida. Pois se o devedor deixar de existir (morrer, no caso de pessoa natural, ou se extinguir, no caso de pessoa jurídica), não haverá mais quem possa cumprir a prestação, também aqui se tornando inútil prosseguir com o processo, que deverá ser extinto sem resolução do mérito.

Assim, deve-se compreender este inciso IX do art. 485 no sentido de que ele de­termina a prolação de sentença terminativa quando a causa versar sobre posição jurídica intransmissível e seu titular deixar de existir.

Além desses casos aqui examinados, o processo de conhecimento será extinto sem resolução do mérito em outros casos previstos em lei (art. 485, X), como, por exemplo, se o autor não requerer, no prazo fixado pelo juiz, a citação de todos os litis- consortes passivos necessários (art. 115, parágrafo único).

Dentre todas as causas de prolação de sentença terminativa enumeradas no art. 485, podem ser conhecidas de ofício as previstas nos incisos IV (falta de pres­supostos processuais), V (perempção, litispendência e coisa julgada), VI (falta de alguma "condição da ação”) e IX (intransmissibilidade da posição jurídica de direito material cujo titular era parte que, no curso do processo, deixou de existir). Estas são matérias cognoscíveis de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, sobre elas não incidindo preclusão (art. 485, § 32).

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270 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

O pronunciamento judicial que não resolve o mérito da causa, via de regra, não impede que a mesma demanda (com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido) seja novamente proposta (art. 486). Há casos, porém, em que esta repropositura não será possível. E o que se dá no caso de extinção por litispendên- cia, em que só seria possível ajuizar novamente a demanda se o primeiro processo pendente viesse a ser extinto sem resolução do mérito. Do mesmo modo, no caso de extinção por indeferimento da petição inicial só se admite uma nova propositura da mesma demanda se a nova petição inicial for elaborada, corrigido o vício que acarre­tou a extinção do primeiro processo. Assim também, no caso de extinção por falta de pressuposto processual ou de "condição da ação” a demanda só poderá ser proposta novamente se o pressuposto faltante ou a "condição” ausente for preenchida, sanan­do-se o vício. Por fim, no caso de extinção fundada na existência de convenção de arbi­tragem, só poderá ser proposta novamente a mesma demanda se a convenção arbitrai for reputada inválida (pelo árbitro ou tribunal arbitrai) ou se a sentença arbitrai for anulada por não ser caso de solução arbitrai do litígio.

Pois ê exàtamente para tratar dessas hipóteses que o CPC estabelece, expressa­mente (art. 486, § l 2), que "[n]o caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito".

Em qualquer caso em que tenha sido extinto o processo sem resolução do mérito, só se admitirá nova propositura da demanda se a petição inicial vier acompanhada da prova do pagamento ou do depósito das custas processuais e honorários advocatícips devidos em função do processo anterior (art. 486, § 22).

Vistos os casos em que se profere sentença terminativa, impende agora examinar as hipóteses que levam à prolação de sentença terminativa, que são aqueles casos em que o processo de conhecimento é extinto com resolução do mérito (art. 487).

O primeiro caso, mencionado na legislação processual, em que deve o juiz proferir sentença definitiva, é o que se pode considerar como o da extinção normal do processo de conhecimento: aquele em que o juiz acolhe ou rejeita o pedido formulado na demanda principal ou na reconvenção (art. 487, I). Trata-se da hipótese em que o juiz emite um julgamento acerca da pretensão deduzida através do pedido formulado, seja para julgá-lo procedente, seja para considerá-lo improcedente.

Entre os casos de improcedência do pedido estão aqueles em que o juiz, de ofício ou por provocação, pronuncia a decadência ou a prescrição (art. 487, II). É que, na verdade, prescrição e decadência são fundamentos de decisões de improcedência. Pen­se-se, por exemplo, no caso em que alguém postula a anulação de um negócio jurídico depois de decorrido o prazo decadencial a que se submete o direito à anulação. Pois neste caso o juiz deverá declarar improcedente o pedido formulado pelo autor, uma vez que não tem ele direito à anulação pretendida.

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Sentença 271

O mesmo raciocínio se aplica aos casos de prescrição. Figure-se, à guisa de exem­plo, a hipótese de se cobrar dívida prescrita. Sendo reconhecida a prescrição, deverá o juiz julgar improcedente o pedido de cobrança, rejeitando-o.

A rigor, portanto, prescrição e decadência são fundamentos da improcedência, e este inciso II do art. 487 sequer precisaria existir autonomamente. Deixar claro o pon­to, porém, evita dúvidas e divergências absolutamente desnecessárias, motivo pelo qual não há razão para se criticar o texto normativo por sua clareza.

Interessante notar que, nos termos do parágrafo único do art. 487, e como apli­cação do princípio do contraditório - entendido como garantia de participação com influência e não surpresa - “a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se".

Ora, se a decadência ou a prescrição tiver sido deduzida como matéria de de­fesa pelo réu, evidentemente terá de ser ouvido o autor. Tendo a alegação ocorri­do na contestação, aliás, o autor necessariamente terá garantida a oportunidade de manifestar-se em réplica (art. 350). A disposição deste parágrafo único é relevante, especialmente, para os casos em que o juiz suscitar a questão da decadência ou da prescrição de ofício. Neste caso, deverá ser dada a ambas as partes oportunidade para manifestarem-se acerca da prescrição ou da decadência. E aqui há um dado relevante: suscitada de ofício a questão atinente a ter havido prescrição, e aberta a oportunida­de para manifestação das partes, o silêncio do devedor deve ser interpretado como renúncia tácita à prescrição (art. 191 do CC). Assim, silenciando o devedor sobre a matéria quando provocado de ofício pelo juiz para sobre ela manifestar-se, deverá o juiz reputar tacitamente renunciada a prescrição, o que a impedirá de a pronunciar.

Há, porém, nesse parágrafo único do art. 487 uma ressalva que precisa ser adequa­damente compreendida. É que ali se faz uma ressalva ao disposto no art. 332, § l 2, que prevê o julgamento de improcedência liminar do pedido quando se reconhecer desde logo a decadência ou a prescrição. Impende, porém, considerar que a ressalva prevista na lei significa que nesse caso o juiz não terá de ouvir, antes de proferir a sentença por este fundamento, “ [as] partes” (como consta do texto normativo do parágrafo único do art. 487). Não se extraia daí, porém, que não seria necessário ouvir sequer o autor. É que a prévia oitiva deste resulta da incidência do disposto no art. 92. Em outros ter­mos, caso o juiz verifique desde logo que pode ter ocorrido a prescrição ou a decadência e, portanto, que pode ser caso de julgamento de improcedência liminar do pedido, deverá abrir vista ao autor para que se manifeste sobre o ponto, somente podendo decidir com base nesse fundamento depois de ter assegurado ao autor oportunidade para manifestar-se (arts. 92 e 10). De outro lado, verificando o juiz que pode ser caso de ter-se consumado a decadência ou a prescrição após o oferecimento da contesta­ção, a decisão com base nesse fundamento só poderá ser proferida depois de se dar oportunidade de manifestação a ambas as partes (arts. 92, 10 e 487, parágrafo único).

Além dos casos em que o juiz julga o pedido (procedente ou improcedente), casos há em que o mérito da causa se resolve sem que ocorra efetivamente um julgamento.

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272 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

São os casos em que as partes alcançam a solução do conflito por autocomposição, incumbindo ao juiz tão somente verificar a validade do ato pelas partes celebrado e, constatada a inexistência de vícios, promover sua homologação.

Pois é isto que acontece quando o juiz homologa o reconhecimento da procedên­cia do pedido, a transação ou a renúncia à pretensão, fenômenos que só podem ocor­rer validamente se o direito material deduzido no processo admite autocomposição.

O reconhecimento da procedência do pedido é o ato pelo qual o demandado (réu ou autor-reconvindo) dá razão ao autor, afirmando expressamente que a pretensão do demandante (autor ou réu-reconvinte) é fundada e deve ser acolhida. Nesse caso, quem afirma ser procedente o pedido formulado pelo demandante não é o juiz, mas o demandado, e a sentença é meramente homologatória do reconhecimento. Tal senten­ça, porém, é em tudo e por tudo equivalente a uma sentença de procedência do pedido.

A transação, por sua vez, é o negócio jurídico por meio do qual as partes, através de concessões mútuas, põem fim ao seu conflito. Neste caso, incumbe ao juiz proferir sentença homologatória da transação, a qual corresponde rigorosamente a uma sen­tença de procedência parcial, sendo certo que o conteúdo daquilo que ao demandante será reconhecido resulta do negócio jurídico celebrado pelas partes (e não do julga­mento do juiz).

Por fim, a renúncia à pretensão é o ato pelo qual o demandante abre mão, defi­nitivamente, daquilo que postulou em juízo. Neste caso, a sentença homologatória equivale perfeitamente a uma sentença de improcedência do pedido, tendo sido o próprio demandante, por ato voluntário - e não o juiz - a afirmar que o pedido por ele formulado deveria ser rejeitado.

Pode ocorrer de o juiz verificar estarem presentes duas causas de extinção do pro­cesso de conhecimento, sendo uma causa de extinção sem resolução do mérito e a outra de extinção com resolução do mérito. Pense-se, por exemplo, na hipótese de o juiz veri­ficar que falta um pressuposto processual (por exemplo, a demanda não foi regularmente formulada, faltando requisitos essenciais à petição inicial e não tendo o demandante, não obstante regularmente intimado a fazê-lo, emendado sua petição) e, também, que se operou a decadência. Pois é preciso verificar qual deve ser a atitude do juiz em casos assim: extinguir o processo com ou sem resolução do mérito.

Nesses casos, deverá o juiz verificar, em primeiro lugar, quem seria beneficiado pela extinção do processo sem resolução do mérito. É preciso aqui evitar a solução simplista consistente em achar que a extinção do processo sem resolução do mérito é sempre ruim para o autor e benéfica para o réu. Não é bem assim.

É preciso, sempre, verificar quem é o destinatário da proteção jurídica outorgada pela norma jurídica que prevê a hipótese de extinção sem resolução do mérito. Pen­se-se, por exemplo, na extinção por ausência de capacidade postulatória. Neste caso, prevê-se a extinção do processo sem resolução do mérito porque o demandante não tem advogado regularmente constituído (arts. 76, § 1B, I, e 485, IV). Pois a regra é

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Sentença 273

claramente destinada a estabelecer uma proteção para o demandante, evitando que ele prossiga em um processo sem adequada defesa técnica, o que geraria - caso ocorresse - uma grande probabilidade de que ficasse vencido mesmo tendo razão, já que pos­sivelmente não saberia valer-se adequadamente do instrumental jurídico-processual existente. Ora, mas se o juiz verifica que, mesmo não estando o autor representado por advogado, estão presentes elementos que permitam afirmar que seu pedido é procedente, não haveria qualquer razão para extinguir-se o processo sem resolução do mérito. Em situações assim, deve o processo ser extinto com resolução do mérito, o que dará ao beneficiário da norma uma proteção ainda maior do que a que ele teria com a prolação de sentença terminativa.

Pense-se, agora, no caso de se verificar que o processo poderia ser extinto sem re­solução do mérito por litispendência (o que beneficiaria o réu, evitando que ele tenha de se defender em dois processos distintos), mas também que se operou a decadência. Pois é muito maior a proteção para o réu se for desde logo pronunciada a decadência e, por conseguinte, declarada a improcedência do pedido formulado pelo demandante, do que se o processo for extinto sem resolução do mérito.

Adota-se, pois, no sistema processual brasileiro, o princípio da primazia da resolução do mérito, o qual, por força do disposto no art. 488, leva a que se afirme que, “[djesde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”.

14.3 ElementosA sentença, formalmente considerada, é um conjunto formado por três integran­

tes: relatório, fundamentação e dispositivo. Sendo estes os integrantes da sentença, as partes do todo, a eles dá-se o nome de elementos da sentença (art. 489). E são todos três elementos essenciais, já que não podem, de maneira alguma, faltar. A ausência de cada um deles, como se poderá ver adiante, acarreta consequências relevantes, as quais podem ser até mesmo conhecidas de ofício.

Esses três elementos não precisam, necessariamente, vir expostos na ordem em que aparecem no texto do art. 489. É perfeitamente possível, por exemplo, iniciar-se a sentença pelo seu dispositivo (dizendo-se algo como "esta é uma sentença de im­procedência do pedido formulado na seguinte causa...”, apresentando-se em seguida o relatório do processo e a fundamentação do julgamento já anunciado). Tampouco se deve considerar que os três elementos precisam estar formalmente separados, como capítulos de um livro. Assim, ainda que o juiz anuncie ter separado formalmente os três elementos (o que normalmente se vê, com os juizes se valendo de uma fóimula para anunciar o término do relatório e o início da fundamentação que é algo como "é o relatório, passa-se a decidir” e, em seguida, anuncia-se o término da fundamenta­ção e o início da parte dispositiva com algo como “diante do exposto, julga-se...”), esta separação não é necessariamente rígida. Basta pensar que - Como se verá melhor

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adiante - o dispositivo é a parte conclusiva da sentença e, por isso, todas as decisões que o juiz profira ao longo da sentença o integram.

Ocorre que, com muita frequência, vê-se na prática o juiz proferir decisões so­bre questões preliminares naquilo que ele formalmente chama de ''fundamentação”, reservando o dispositivo apenas para a decisão de mérito. Assim não é, porém, e as decisões acerca das questões preliminares, decisões que são, integram o dispositivo (onde quer que estejam escritas tais decisões). Pois é exatamente por isto que o § 3Q do art. 489 estabelece que “[a] decisão judicial deve ser interpretada a partir da con­jugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.

14.3.1 RelatórioRelatório é a síntese do processo. Trata-se de um resumo, no qual o juiz narrará,

sinteticamente, tudo aquilo de relevante que tenha ocorrido ao longo do processo.

Estabelece o inciso I do art. 489 que o relatório "conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das prin­cipais ocorrências havidas no andamento do processo”. Deve o juiz, então, declarar no relatório quem são as partes, fazer um resumo do caso (o que implica dizer que é preciso fazer uma descrição sintética da causa de pedir), descrevendo - ainda que cbreviadamente - qual foi o pedido formulado. Em seguida, deverá o juiz apresentar uma descrição resumida da contestação e de todos os acontecimentos relevantes do processo (como a existência e o teor de reconvenção, incidentes importantes que te­nham sido instaurados e decididos, provas que tenham sido produzidas etc.).

Sendo o relatório elemento essencial da sentença, deve-se considerar que a sen- ença a que falte relatório é nula, podendo o vício ser reconhecido de ofício (des­

de que, evidentemente, se demonstre que da ausência deste elemento resultou algum prejuízo).

14.3.2 FundamentaçãoA Constituição da República estabelece, em seu art. 93, IX, que toda decisão judi­

cial será fundamentada, sob pena de nulidade. O princípio da fundamentação das de­cisões judiciais, portanto, é um dos integrantes do modelo constitucional de processo que deve necessariamente ser observado no processo civil brasileiro (art. 1B). Pois é exatamente por isso que o art. 11 estabelece, reproduzindo a disposição constitucio­nal, que serão "fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, sendo esta uma das normas fundamentais do processo civil, estudadas em passagem anterior deste trabalho.

Impende aqui, porém, aprofundar um pouco mais o estudo da fundamentação da sentença (e das demais decisões judiciais).

A fundamentação da decisão judicial é o elemento consistente na indicação dos motivos que justificam, juridicamente, a conclusão a que se tenha chegado. Este é um

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Sentença 275

ponto essencial: fundamentar é justificar. É que a decisão precisa ser legitimada demo­craticamente, isto é, a decisão precisa ser constitucionalmente legítima. Para isso, é absolutamente essencial que o órgão jurisdicional, ao decidir, aponte os motivos que justificam constitucionalmente aquela decisão, de modo que ela possa ser considera­da a decisão correta para a hipótese. E esses fundamentos precisam ser apresentados substancialmente. Afinal, se os direitos processuais fundamentais (como o direito ao contraditório ou o direito à isonomia) têm de ser compreendidos em sua dimensão substancial - e não em uma dimensão meramente formal - , o mesmo deve se aplicar ao direito fundamental a uma decisão fundamentada.

O que se pretende dizer com isso é que não terá sido observado o princípio cons­titucional da fundamentação das decisões se o pronunciamento judicial contiver uma fundamentação meramente formal, que é a rigor um simulacro de fundamentação, ou seja, uma fundamentação fictícia. Afirmações como "presentes os requisitos, defere- se a medida”, ou “indefere-se por falta de amparo legal” não são verdadeiras funda­mentações, porque não justificam as decisões. Por que se podem considerar presentes os requisitos? E que requisitos são esses? O que significa "falta de amparo legal”? Há alguma vedação? Onde está a proibição? Por que ela se aplica ao caso? Nenhuma dessas perguntas é respondida por fundamentações simuladas, fictícias, como as que foram indicadas acima.

Exige-se, portanto, uma fundamentação verdadeira, suficiente para justificar a de­cisão, de modo a demonstrar que ela é constitucionalmente legítima. E daí se extrai a íntima ligação que há entre o princípio do contraditório e o da fundamentação das decisões. É que, sendo a decisão construída em contraditório, através da comparti- cipação de todos os sujeitos do processo, torna-se absolutamente fundamental que a decisão judicial comprove que o contraditório foi observado, com os argumentos deduzidos pelas partes e os suscitados de ofício pelo juiz, todos eles submetidos ao debate processual, tendo sido considerados na decisão.

Sempre vale recordar que um dos elementos formadores do princípio do contradi­tório é o direito de ver argumentos considerados (que a doutrina alemã chama de Recht au f Berücksichtingung). Pois só se poderá saber, no caso concreto, se os argumentos da par­te foram levados em consideração na decisão judicial - e, portanto, se o contraditório substancial foi observado - pela leitura dos fundamentos da decisão. Daí a intrínseca ligação entre contraditório e fundamentação das decisões, por força da qual é possível afirmar que, sendo o processo um procedimento em contraditório, torna-se absolutamen­te essencial que toda decisão judicial seja substancialmente fundamentada.

Ademais, é sempre importante lembrar que as decisões judiciais são atos prati­cados por agentes estatais. Por força disso, e sendo o juiz um agente estatal que atua em nome do Estado Democrático de Direito (art. I2 da Constituição da República), é preciso que tais atos sejam revestidos de legalidade e de legitimidade.

A legalidade da decisão (entendida como juridicidade, isto é, como compatibilida­de com o ordenamento jurídico compreendido em seu todo) é exigida expressamente

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pelo art. 8a do CPC. A legitimidade é, porém, uma exigência do Estado Democrático de Direito, e precisa estar presente na atuação dos juizes e tribunais.

Ocorre que, diferentemente dos agentes que atuam no Poder Legislativo e no Poder Executivo - os quais são legitimados pelos votos que recebem - o magistrado não é eleito e, assim, não recebe legitimidade a priori da sociedade. Sua legitimidade, então, deve ser estabelecida a posteriori. O que se quer dizer com isso é que, enquanto administrador público e legislador são legitimados previamente, e com base nessa legitimidade, conquistada pelo voto, exercem suas funções, o juiz não recebe sua le­gitimidade previamente por escolha da sociedade. Daí a necessidade de que o juiz se legitime ato a ato. Cada decisão que um juiz ou um tribunal profere precisa ser constitucionalmente legitimada. E isto só ocorrerá se cada uma dessas decisões for proferida em conformidade com a Constituição da República. Acontece que isso só pode ser aferido pela fundamentação da decisão judicial. Os fundamentos da decisão, portanto, são os elementos que permitem a aferição da legitimidade constitucional e democrática dos pronunciamentos judiciais.E tudo isso se revela fundamental quando se considera que uma das características essenciais do exercício do poder em um Es­tado Democrático de Direito é a controlabilidade dos atos de poder. Em outros termos, ' não haverá Estado Democrático se não existirem mecanismos capazes de permitir algum tipo de controle dos atos de poder do Estado. Afinal, não há Democracia sem controle do poder. °

Pois é pela fundamentação da decisão judicial que se permite o exercício de dois tipos de controle das decisões: (a) o controle forte, aquele exercido por órgãos supe­riores ao que tenha proferido a decisão, e que permite, através de mecanismos des­tinados a promover o reexame das decisões (como os recursos, a remessa necessária e as demandas autônomas de impugnação), a cassação de decisões erradas; e (b) o controle fraco, isto é, o controle que não pode levar à cassação de atos, mas que, sendo exercido de forma difusa pela sociedade, permite que se debata acerca da correção das decisões judiciais, de modo a contribuir para a melhoria constante da qualidade dos. pronunciamentos jurisdicionais.

Por força de tudo quanto até aqui se afirmou, o § l 2 do art. 489 estabelece uma espécie de “conteúdo mínimo” da fundamentação da decisão judicial que permita afirmar sua validade. É perfeitamente possível comparar os incisos do art. 489, § Ia - que indicam o que deve constar na decisão judicial para que ela seja tida por váli­da - com os incisos do art. 319 (que indicam os requisitos mínimos para que uma petição inicial seja apta a viabilizar o regular desenvolvimento do processo). Ambos esses dispositivos são “roteiros”, um a ser seguido por juizes, outro a ser observado por advogados. E do mesmo modo como advogados bem capacitados não precisam ler o art. 319 a cada vez que vão elaborar uma petição inicial, juizes adequadamente capacitados não precisarão ler o disposto no § I a do art. 489 a cada vez que forem pro­ferir uma decisão. O que se quer com tal dispositivo é, tão somente, evitar decisões ineptas, absurdamente não fundamentadas.

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Sentença 277

E nem se diga que a exigência de fundamentação substancial da decisão seria um fator de entrave à duração razoável do processo. Em primeiro lugar, não há qualquer exigência de que as decisões sejam longamente fundamentadas. A fundamentação pode ser objetiva, concisa, desde que suficiente. Além disso, a garantia de duração razoável do processo destina-se a assegurar que no processo não haja dilações indevidas, mas todas as dilações devidas devem ocorrer. Uma decisão judicial bem fundamentada, fruto de um contraditório efetivo, pleno e substancial, é uma decisão que mais dificilmente será reformada ou anulada em grau de recurso, e isto, certamente, será um fator de desestimulo a recursos, permitindo um aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, que conseguirá, fatalmente, ser alcançada em tempo razoável.

Assim é que, nos termos do já citado § I a do art. 489, não se considera funda­mentada a decisão que "se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida” (art. 489, § I a, I). Deste modo, decisões judiciais que nada mais fazem do que indicar o dispositi­vo legal, sem apresentar uma justificativa para sua incidência no caso concreto (algo como “art. X, defiro”, ou como “art. Y da Lei Z, indefiro”) devem ser reputadas nulas por ausência de fundamentação. Também a decisão que se limita a reproduzir o texto normativo (como, por exemplo, uma decisão em que se lesse algo como "Havendo elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil ao processo, defiro a tutela de urgência”, por exemplo) é inválida e deve ser cassada. Considera-se, ainda, nula por vício de fundamentação a decisão que nada faz além de parafrasear o texto do ato normativo (como no caso em que se dissesse algo como "presentes o fumus boni iuris e opericulum in mora, defiro a tutela de urgência”). Pois é evidente que pronunciamentos assim não estão fundamentados mesmo, e devem ser considerados nulos.

Também é nula por vício de fundamentação (art. 489, § Ia, II) a decisão que em­prega “conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso”. Como sabido, há conceitos jurídicos que são vagos, de definição imprecisa, caracterizando-se por uma fluidez que não permite o estabelecimento exa­to de seu significado. Resulta daí uma imprecisão semântica que faz com que seja preciso, em cada caso concreto, estabelecer-se as razões que levam à sua aplicação. E que diante desses conceitos indeterminados não se consegue estabelecer, a priori, as situações que se enquadrariam na sua fórmula.

E isto que acontece com conceitos como ordem pública, interesse coletivo, justa indeni­zação, entre outros. Impende, assim, em cada caso concreto em que se tenha de aplicar um desses conceitos, que o órgão jurisdicional indique os parâmetros empregados em sua interpretação, estabelecendo o motivo concreto pelo qual é ele aplicado - nos termos em que compreendido - no caso concreto.

Permita-se um exemplo. O art. 183, § 3a, da Constituição da República estabe­lece que “[a]s desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro”. Assim, instaurado um processo que tenha por objeto a

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determinação do valor a ser pago a título de indenização por um imóvel que o Poder Público pretende desapropriar (o qual é regulado pelo Decreto-Lei n2 3.365/1941), deve-se estabelecer, na sentença, o preço da indenização (art. 24). É na sentença, então, que se fixa o valor da justa indenização. Pois a sentença só estará fundamentada se ali se indicar os parâmetros empregados para estabelecer-se que um determinado valor é o justo para o caso concreto.

Pense-se em outro exemplo: o art. 1.228, § 42, do CC estabelece que ‘‘[o] proprie­tário [pode] ser privado da coisa se o imóvel [consistir] em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços con­siderados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”. Ora, parece evidente jue extensa área, considerável número de pessoas e interesse social e econômico relevante são

conceitos vagos, imprecisos, juridicamente indeterminados. Pois não se pode admitir iue se profira uma decisão judicial que diga algo como “tendo o imóvel extensa área, endo ocupado por considerável número de pessoas que nele fizeram obras de rele- ante interesse social e econômico, priva-se o proprietário do bem”. É absolutamente

sssencial, para que se tenha por verdadeiramente justificada a decisão judicial, que o órgão jurisdicional indique, em sua decisão, os parâmetros empregados para afirmar que a área daqüele imóvel em particular é realmente extensa; que o número de pessoas que ocupa aquele prédio é considerável, e que as obras realizadas têm interesse social e econômico relevante. Em outras palavras, é preciso deixar claro o modo como se hegou à conclusão de que realmente deveria incidir a norma jurídica que resulta da nterpretação do § 52 do art. 1.228 do CC. Não se estabelecendo isso na decisão, de orma precisa, é ela nula. Afinal, se o conceito jurídico é indeterminado, sua aplicação

no caso concreto deve dar-se de forma determinada, precisa, a fim de permitir que se encontre, na fundamentação da decisão, elementos que levem a afirmar que aquela era a decisão correta para o caso concreto posto sob julgamento.

Também é viciada por ausência de fundamentação a decisão judicial que “ [invoca] motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão” (art. 489, § l 2, III). Tem-se, aí, um comando destinado a impedir a utilização de decisões prêt-à-porter (expressão francesa que significa “pronto para vestir ’, e que indica a roupa que, pro­duzida em larga escala, é posta à venda já pronta, sem que seja produzida de modo individualizado para cada consumidor). É que incumbe ao órgão jurisdicional proferir uma decisão que seja a solução do caso concreto, personalizada, e não ter decisões prontas, produzidas para utilização em larga escala, sem respeitar as características de cada caso concreto que seja deduzido em juízo.

Isto é extremamente importante especialmente (mas não apenas) no que diz res­peito às demandas de massa, repetitivas. É que não obstante o caráter repetitivo que ostentam, todas elas têm características individuais que são irrepetíveis, e que preci­sam ser consideradas pelo órgão jurisdicional no momento de se proferir a decisão.

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Sentença 279

Pense-se, por exemplo, na imensa quantidade de processos que já se instauraram no País para postular o reconhecimento de que teria havido um registro indevido do nome do demandante em um cadastro restritivo de crédito (ou seja, um cadastro de maus pagadores, de devedores inadimplentes). Por mais que essas causas sejam exaustivamente repetitivas, sendo incontável o número de casos de pessoas que, em­bora nada devam, têm seus nomes inscritos nesses cadastros por terem sido vítimas de fraudes perpetradas por indivíduos que obtêm indevidamente seus dados pessoais e os empregam para praticar atos ilícitos, sempre será necessário que se verifique, no caso concreto, se aquele demandante é realmente vítima de fraude ou se ele é, na verdade, um devedor inadimplente que tenta se passar por alguém que inocentemen­te descobriu que teve seu nome indevidamente levado àquele banco de dados. E de se exigir, portanto, que o pronunciamento judicial seja criado para o caso concreto, identificando as circunstâncias fáticas e jurídicas que o envolvem, não se podendo conviver com decisões produzidas “em escala industrial”.

Tenha-se claro este ponto: ao Judiciário incumbe julgar os casos que lhe são sub­metidos. E cada caso é um caso, por mais que hoje existam casos iguais, muitas vezes em quantidades impressionantes. Os casos podem até ser iguais, mas não se trata sempre do mesmo caso. E é preciso que a decisão justifique até mesmo os motivos que levam a se considerar que aquele caso em julgamento é igual a outros já julgados, demons­trando-se que realmente as circunstâncias fáticas deles são idênticas. Não sendo feita essa demonstração, a decisão será nula por vício de fundamentação, pois não estará adequadamente fundamentada.

É, ainda, nula por falta de fundamentação a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adota­da pelo julgador” (art. 489, § l,2, IV). Este é um elo de ligação entre os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões, ligação esta já tantas vezes afirmada neste estudo.

Como deve ser sempre lembrado, o princípio do contraditório assegura aos su­jeitos interessados no resultado do processo o direito de participar com influência na formação do seu resultado (além de assegurar que não haverá decisões-surpresa). Pois este direito de participação com influência não se resume à garantia de que as partes poderão manifestar-se ao longo do processo ("direito de falar”), mas também - e principalmente - à garantia de que serão Ouvidas (“direito de ser ouvido", right to be heard). Em outros termos, significa isto que as partes do processo têm o direito à consideração de seus argumentos (Recht auf Berücksichtingung). Pois só será possível fiscalizar a atuação do juiz - a quem cabe, nos termos do art. 72, “zelar pelo efetivo contraditório” - , verificando-se se houve efetiva participação das partes, em contradi­tório, na formação do resultado do processo se todos os argumentos pela parte dedu­zidos no processo, e que sejam (ao menos em tese) capazes de levar a resultado que à parte favoreça, tiverem sido examinados.

Pode acontecer, por exemplo, de uma das partes deduzir, na petição inicial ou na contestação, diversos fundamentos, cada um deles - ainda que isoladamente

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considerado - capaz de justificar, em tese, um resultado que lhe seja favorável. Pois para que a parte possa ser legitimamente vencida, com a rejeição de sua pretensão ou defesa, é essencial que o órgão jurisdicional justifique os motivos pelos quais todos esses fundamentos são rejeitados. Perceba-se: tendo o juízo acolhido um desses fun­damentos, e chegado a uma conclusão favorável a uma das partes, não será preciso examinar os demais fundamentos suscitados pela mesma parte (afinal, os demais argu­mentos da parte só poderíam servir para justificar a mesma conclusão a que o juízo já chegou). Neste caso, deve-se considerar que os demais_argumentos estão prejudicados (isto é, que desapareceu, por absoluta inutilidade, o interesse em que tais argumen­tos sejam examinados). De outro lado, a rejeição do primeiro argumento deduzido pela parte deve, necessariamente, levar o órgão jurisdicional ao exame do segundo argumento (que seja, em tese, capaz de justificar um resultado favorável à parte que o suscitou). E a rejeição deste segundo argumento deverá levar ao exame do seguinte, e assim sucessivamente. Só se pode julgar contra a parte, insista-se, se todos os argu­mentos por ela suscitados e que sejam, em tese, capazes de lhe garantir um resultado favorável, tiverem sido expressamente rejeitados. O não cumprimento, por parte do órgão jurisdicional, do seu dever de considerar todos os argumentos da parte implica, então, violação à garantia constitucional do contraditório, negando-se deste modo a nota essencial e característica do processo (que é, precisamente, o contraditório), o que acarreta a nulidade da decisão.

Por fim, exige-se que na fundamentação das decisões judiciais sejam levados a sério os precedentes, tanto nos casos em que eles são aplicados, como nas hipóteses em que a eles se nega aplicação. É o que se obtém com a interpretação dos incisos V e VI deste art. 489, § l e.

Será nula, então, por vício de fundamentação, a decisão que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinan­tes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” ou que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a su­peração do entendimento”.

Mais adiante, quando do éstudo dos precedentes judiciais, será possível retornar a este ponto com mais profundidade. De todo modo, não se pode deixar de dizer, desde logo, que decidir a partir de precedentes judiciais não é o mesmo que fazer uma colagem de ementas de acórdãos ou de referências vágas a enunciados de súmula. E preciso que se faça um confronto entre o caso precedente (isto é, o caso concreto que deu origem à decisão judicial que em um novo processo se pretende invocar como precedente) e o caso seguinte (ou seja, o novo caso, só agora submetido à apreciação judicial, e no qual se pretende invocar o precedente como fundamento da decisão). Impende que se faça uma análise dos fundamentos determinantes do precedente (ou, para usar aqui uma expressão consagrada no estudo da teoria dos precedentes, é pre­ciso examinar as rationes decidendi), justificando-se de forma precisa a aplicação desses

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Sentença 281

fundamentos determinantes no caso sob julgamento com a demonstração de que este se ajusta àqueles fundamentos. É que através do uso de precedentes como fontes do Direito o que se busca, ao menos no Direito brasileiro, é uma padronização decisória que permita que casos iguais (ou, pelo menos, análogos) recebam decisões iguais (ou, pelo menos, análogas). Como se costuma dizer na doutrina de língua inglesa, to treat like cases alike. É absolutamente essencial, então, que se promova este confronto analítico entre o caso precedente e o caso sob julgamento, indicando-se os pontos que os aproximam a ponto de aplicar-se o precedente ao novo caso. — .

E o mesmo raciocínio se aplica aos casos de distinção. Só através do confronto analí­tico entre o caso precedente e o novo caso, agora sob julgamento, se poderá demonstrar que o precedente é inaplicável, motivo pelo qual a decisão agora proferida dele se afasta. A não realização do confronto analítico entre o caso precedente e o caso sob julgamento gera, então, nulidade, pois o distinguishing, a distinção, se terá feito de forma irregular. Por fim, nos casos em que não se aplica o precedente invocado pela parte por ter sido ele superado (através da técnica conhecida como overruling), é também preciso justificar a não aplicação do precedente invocado pela parte, demonstrando-se as razões da supe­ração. Vale registrar, aliás, que nos casos em que a parte tiver invocado um precedente que sustenta ser aplicável ao caso e capaz de justificar uma decisão que lhe favoreça, o dever de fundamentar adequadamente sua não utilização, por ser caso de distinção ou de superação, resulta do mesmo direito à consideração dos argumentos que exige que a decisão se manifeste sobre todos os argumentos trazidos pela parte. Ora, a invocação de um precedente é, certamente, um argumento deduzido pela parte em seu favor e, por isso, precisa ser analisada adequadamente pelo órgão jurisdicional, que só terá bem fundamentado sua decisão se justificar - por ser caso de distinção ou de superação - a não utilização daquele precedente como fundamento do julgamento da causa.

A enumeração contida no § l 2 do art. 489, registre-se, é meramente exemplificati- va. Outros casos haverá de decisão não fundamentada (bastando pensar, por exemplo, em uma decisão que se limite a dizer algo como “defiro” ou "indefiro”, sem qualquer indicação de razões para fazê-lo: FPPC, enunciado 303).

Estabelecido este mínimo essencial da decisão para que se repute estar ela funda­mentada de modo constitucionalmente legítimo, substancialmente motivada, é pre­ciso tecer algumas considerações acerca do disposto no § 22 do art. 489, por força do qual "[n]o caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.

Há casos em que o julgador se depara com normas em conflito. Pode se tratar de um conflito entre regras (o qual se resolve pelas técnicas tradicionais de solução de antinomias, de modo que a regra hierarquicamente superior prevalece sobre a infe­rior; sendo ambas de mesma hierarquia, a regra especial prevalece sobre a geral; não havendo relação de especialização entre elas, a regra mais recente prevalece sobre a mais antiga, revogando-a) ou de um conflito entre princípios.

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282 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

No caso de conflito entre princípios, é preciso sempre recordar que no caso de colisão entre eles não é possível ao julgador afirmar que um revogue o outro. Ainda que, por algum motivo, um deles prevaleça no caso concreto, o outro permanece em vigor, íntegro. Pense-se, por exemplo, no caso em que um artista tenta impedir um jornal de divulgar uma matéria jornalística sobre algo de sua intimidade. Colidem, aí, dois princípios: o da dignidade da pessoa humana (garantidor do direito à priva­cidade) e o da liberdade de expressão (assegurador da liberdade de imprensa). Pois sempre será possível construir-se, discursivamente, uma justificativa para que um desses princípios estipule uma exceção ao outro, de modo que em cada caso concreto um deles prevaleça.

Pois tanto nos casos de conflito entre regras como naquele de colisão de princípios cabe ao juiz esclarecer, na decisão judicial, o critério usado para solucioná-lo, não bas­tando a vaga afirmação de que se usou este ou aquele método. *

Fala o texto legal em “ponderação”. Este é termo que costuma ser vinculado a uma certa corrente de pensamento jurídico, não sendo elogiável um texto normativo que o empregue. Afinal, pode ficar a impressão de que se estaria, aqui, a tentar impor um determinado pensamento (ò qual, registre-se, é incompatível com tudo quanto se tem sustentado neste trabalho acerca do modo como se deve compreender o Direito a partir da Constituição da República). Assim não é, porém, e é perfeitamente pos­sível dar ao dispositivo interpretação compatível com o ordenamento constitucional. Basta considerar que, no caso de colisão de princípios, deverá o julgador esclarecer, discursivamente, como se justifica o afastamento de um princípio, excepcionado pelo outro. Em outros termos, tem-se neste § 2a do art. 489 algo perfeitamente compatível com o que até aqui se afirmara acerca da fundamentação das decisões judiciais: uma exigência de, que a decisão seja completa e substancialmente justificada, cabendo ao órgão julgador argumentar de modo a demonstrar que a decisão proferida é a correta, mesmo que se esteja diante de um caso de conflito entre normas (conflito entre regras ou colisão de princípios), tendo sido adotado o critério correto para sua solução, com a consequente prolação de uma decisão correta para o caso concreto. Reafirma-se, pois, a exigência de fundamentação substancial das decisões judiciais.

Reafirme-se, por fim, que a existência de um vício de fundamentação (que pode consistir em sua absoluta ausência ou na existência de uma fundamentação inadmissível, assim entendida a que se enquadra em alguma das hipóteses previstas nos incisos do § Ia do art. 489, ou que não atende à exigência feita pelo § 2a do mesmo artigo) acar­reta a nulidade da decisão judicial.

14.3.3 DispositivoO dispositivo é a parte conclusiva da sentença, em que se encontra a decisão. É

nele que, nos termos do art. 489, III, o juiz "resolverá as questões principais que as partes lhes submeterem”. O dispositivo, porém, vai muito além disso. É nele que se­rão encontradas todas as decisões que o órgão julgador profira em sua sentença.

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Sentença 283

Pense-se, por exemplo, em um processo em que o juiz tenha de examinar três questões preliminares ao mérito (como seriam, e.g., a alegação de falta de legitimi­dade ativa, de ausência de interesse de agir e de irregularidade formal da demanda por falta de um requisito essencial da petição inicial) e, na eventualidade de serem ultrapassadas estas questões, haja dois pedidos cumulados a apreciar (por exemplo, os pedidos de indenização de um dano material e de compensação por dano moral). Pois pode ocorrer de, em um caso assim, o juiz proferir cinco decisões (uma para rejeitar cada uma das preliminares, e uma para a resolução de cada um dos pedidos cumulados). Pois todas essas decisões integram a parte dispositiva da sentença (ou, sim­plesmente, dispositivo).

A cada decisão proferida no pronunciamento judicial corresponde um capítulo da sentença (ou, mais propriamente, um capítulo do pronunciamento, já que este pode não ser exatamente uma sentença). E tais capítulos podem ser independentes (como é, por exemplo, o caso dos capítulos que julgam pedidos formulados em um mesmo processo em cumulação simples) ou não (como no caso em que o juiz aprecia o pedido principal e, além disso, impõe ao vencido o custo econômico do processo, condenan­do-o a pagar despesas processuais e honorários advocatícios).

A teoria dos capítulos de sentença (rectius, capítulos de pronunciamento judicial) é expressamente adotada pelo CPC. Assim é que, no art. 966, § 3a, se afirma expressa­mente ser possível o ajuizamento de ação rescisória para impugnar apenas um capítu­lo da decisão. O art. 1.015, § 3a trata da possibilidade de haver questões processuais, estranhas ao mérito, capazes de levarem a pronunciamentos que são capítulos da sen­tença. E o art. 1.013, § 5a faz referência ao capítulo de sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória.

Pois a existência de distintos capítulos em um mesmo dispositivo tem efeitos práticos relevantíssimos. Pense-se, por exemplo, em dois capítulos que sejam inteira­mente independentes um do outro (como seriam os capítulos nos quais são julgadas pretensões de indenização por dano material e de compensação por dano moral). Em casos assim, a interposição de recurso apenas contra um dos capítulos (recurso parcial, de que trata o art. 1.002) implica o trânsito em julgado dos capítulos não recorridos. E é precisamente por isso que o § l 2 do art. 1.013 estabelece, no trato do recurso de apelação, que “[sjerão [objeto] de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido so­lucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado". É que capítulos não impugnados, por terem transitado em julgado, são imutáveis e indiscutíveis. .

Do mesmo modo, pode haver decisão interlocutória que, dividida em capítulos, tem um (ou mais de um) capítulo impugnável por agravo de instrumento, não sendo possível a interposição deste recurso contra os demais capítulos. É o que acontece, por exemplo, com a decisão de saneamento e organização do processo (art. 357), em que só se admite agravo de instrumento contra o capítulo da decisão que define a dis­tribuição do ônus da prova (art. 357, III, combinado com o art. 1.015, XI).

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No caso da sentença, é o dispositivo que permite saber se o mérito da causa foi ou não resolvido e, tendo sido, se o pedido foi (no todo ou em parte) procedente ou impro­cedente. É no dispositivo que se sabe qual é o comando estatal que estabelece a solução do caso concreto. Pois é precisamente por isso que a ausência de dispositivo faz com que se considere a decisão viciada como inexistente. A decisão judicial que é proferida sem parte dispositiva não é, pois, e propriamente, uma decisão judicial. É algo que não se reconhece como decisão, sendo seu vício insanável. Contra ela não se admite qual­quer recurso (afinal, não seria possível recorrer contra uma “não decisão”), não pode ela ser executada (já que não existirá título que sirva de base para esta execução) nem transita ela em julgado (pois não pode transitar em julgado o que não existe).

14.4 Interpretação da SentençaEstabelece o § 3S do art. 489 que a “decisão judicial deve ser interpretada a partir

da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”. Tem-se, aí, pois, uma regra de interpretação'da sentença (mas que se aplica, evidentemente, a todas as decisões judiciais).

Em primeiro lugar, é preciso ter claro que a decisão precisa ser interpretada siste­maticamente, de modo que se leve em consideração todos os seus elementos (e não só o dispositivo isoladamente). Isto é especialmente importante em casos nos quais o dispositivo da sentença é incompleto ou incongruente com a fundamentação.

Pense-se, por exemplo, um processo no qual o autor tenha cumulado dois pedi­dos: rescisão contratual e reintegração na posse. Imagine-se, agora, que o juiz tenha, na fundamentação da sentença, expressamente afirmado que os elementos dos autos justificavam a rescisão do contrato e, como consequência desta, a reintegração na posse do bem. Figure-se, agora, a possibilidade de o juiz ter-se limitado a afirmar, na parte dispositiva da sentença, que acolhia o pedido de rescisão contratual, silencian­do acerca da reintegração na posse. Deve-se considerar, porém, diante da exigência de compreensão da sentença em seu todo, que também o pedido de reintegração de posse foi acolhido.

Além disso, a decisão judicial deve ser interpretada “em conformidade com o princípio da boa-fé". É que a sentença gera, nos sujeitos que participam do processo (e também em terceiros) expectativas legítimas, o que impõe a proteção da legítima confiança que na sentença se deposite. Assim, por exemplo, o fato de se ter empre­gado na sentença terminologia equivocada (como se falar em nulidade em vez de anulabilidade, ou de resilição em vez de resolução) não deve levar a se ter por viciado o pronunciamento, se é legítimo considerar que o órgão julgador decidiu a causa que lhe foi submetida.

Existe, aliás, uma íntima ligação entre esta regra de interpretação da sentença, de forma sistemática e em consonância com a boa-fé, e a regra de interpretação do pedido que se estabelece a partir do art. 322, § 22 (por força do qual o pedido deve

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Sentença 285

ser interpretado levando-se em conta o conjunto da postulação e o princípio da boa- fé). E não podería mesmo ser diferente. Afinal, demanda e sentença devem ser como espelhos, um a refletir o outro. E isto por força da regra da necessária correlação entre demanda e sentença (arts. 490 e 492). É que incumbe ao juízo, na sentença de mé­rito, apreciar todos os pedidos formulados pelo autor (na demanda principal) e pelo réu (em sede reconvencional), acolhendo-os ou os rejeitando total ou parcialmente (art. 490). A sentença que não aprecia todos os pedidos formulados é citra petita, devendo o tribunal, em sede de apelação, determinar ao juízo de primeiro grau que a complete ou, se a causa já estiver em condições de ser inteiramente apreciada, julgar desde logo o pedido não julgado no grau inferior (art. 1.013, § 3a, III). E não se pode proferir sentença ultra ou extra petita (isto é, que conceda mais do que se postulou ou que defira bem jurídico diverso do que tenha sido postulado), diante da expressa vedação contida no art. 492.

A sentença ultra petita deve ter seu excesso podado pelo tribunal, em grau de recur­so, a ele cabendo invalidar o excesso. Já a sentença extra petita é inteiramerite nula (ou, no caso de apenas um capítulo de sentença ser extra petitum, nulo será este capítulo,

.. já que a nulidade de parte da sentença não contamina o restante do pronunciamento, sendo a invalidação parcial da decisão judicial expressamente prevista no art. 520, III).

Além de congruente com os elementos da demanda, a sentença (de mérito) deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional (art. 492, parágrafo único). Significa isto que a sentença deve ser capaz de conter uma certificação, um acertamen- to, da existência ou inexistência de um direito. E que se espera da sentença que ela afirme, categoricamente, se determinado direito subjetivo existe mesmo ou não. Sen­tenças condicionais, que não produzem essa certificação (e, portanto, não eliminam a incerteza jurídica que está à base da necessidade do processo de conhecimento) são inservíveis e, portanto, nulas. Basta pensar, por exemplo, em uma sentença que afir­me condenar o réu a reparar um dano se ficar posteriormente constatado que este não ocorreu. Parece evidente que esta sentença não seria capaz de permitir afirmar com segurança se o demandado é ou não credor do demandante, mantida assim a crise de certeza jurídica que legitimou a movimentação da máquina judiciária.

Por fim, deve-se dizer que a sentença, uma vez publicada, só pode ser alterada se houver necessidade de corrigir alguma inexatidão material (como seria um erro de grafia do nome de uma das partes) ou erros de cálculo, ou se forem opostos embargos de declaração (tudo nos termos do art. 494). Trata-se da regra do exaurimento da competência, por força da qual o juiz dá por encerrado o exercício da atividade cogni­tiva ao prolatar sentença.

14.5 Classificação da Sentença DefinitivaA sentença de mérito (sentença definitiva) é tradicionalmente classificada em

três espécies: declaratória (também chamada de meramente declaratória), constitutiva e

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condenatória. A estas três categorias alguns autores acrescentam mais uma (mandamen- tal) ou duas (incluindo, além da mandamental, a sentença executiva).

O CPC fala em demanda ‘‘meramente declaratória" (a que correspondería uma sentença de mérito meramente declaratória) em seu art. 20. Fala, ainda, em conde­nação nos arts. 81, 82, 85, 92, 94, 95, 128, 129, 145, 323, 324, 492, 495, 496, 509, 520, 523, 524, 528, 550, 553, 555, 572, 702, 818, 903 e 1.012. Não há dispositivo algum falando de sentenças constitutivas (o que, evidentemente, não significa que elas não existam). Quanto às sentenças mandamentais, encontram-se no CPC quatro dispositivos que fazem alusão a "medidas mandamentais” (arts. 139, 380, 400 e 403). Nada há, de outro lado, a fazer referência expressa aos pronunciamentos que teriam natureza executiva.

E preciso, então, examinar essas sentenças, buscando-se determinar seu conteú­do. E o que se passa a fazer.

Chama-se sentença declaratória (ou meramente declaratória) à que contém, apenas, a certificação da existência, inexistência ou modo de ser de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento.

Como já se viu anteriormente, toda sentença de mérito deve ser certa (art. 492, oarágrafo único), isto é, deve conter uma certificação, um acertamento. Pois é preciso igora deixar claro que a esta certificação dá-se o nome de declaração. Declarar é tornar certo, induvidoso, eliminando oficialmente qualquer dúvida ou incerteza que pudesse haver. Pois toda sentença de mérito deve conter uma declaração e, por isso, é comum - e correta - a afirmação de que toda sentença de mérito é declaratória. Há, porém, senten­

ças de mérito que contêm apenas esta certificação e, por isso, são meramente declaratórias.

E o que se dá, por exemplo, com a sentença que julga procedente pedido de re­conhecimento de paternidade. Este pronunciamento judicial se limita a certificar que uma pessoa é pai de outra. É, também, o que se tem na sentença que reconhece a aquisição de propriedade por usucapião (já que tal sentença não constitui o direito de propriedade, mas certifica que tal direito foi adquirido no momento em que se com­pletaram os requisitos, inclusive o temporal, para a usucapião).

E importante ter claro que, como regra geral, a sentença de mérito não declara fatos. Declaram-se relações jurídicas. Assim, não é tecnicamente correto declarar-se, por exemplo, que o autor emprestou dinheiro ao réu (pois isto seria declarar um fato). Declara-se, isto sim, que o autor é credor do réu (já que aí se estaria a declarar a exis­tência, entre eles, de uma relação obrigacional).

Prevê o art. 1 9 ,1, a possibilidade de se declarar não só a existência ou inexistência de relação jurídica, mas também seu modo de ser. É o que se dá em casos nos quais não existe controvérsia sobre a existência de uma determinada relação jurídica, mas sobre algum de seus aspectos. Cabe à sentença, em casos assim, certificar não que a relação existe, mas como ela é (declarando-se, por exemplo, que a relação jurídica está sujeita

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Sentença 287 ]

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a uma condição resolutiva; ou que existe uma condição suspensiva; ou, ainda, que a relação jurídica tem duração limitada no tempo, indicando seu termo final).

Normalmente se afirma que só em um caso se admite a prolação de sentença meramente declaratória de um fato: na hipótese em que o pronunciamento judicial se limita a certificar a autenticidade ou falsidade de um documento (art. 19, II). É preciso reconhecer, porém, pelo menos mais uma hipótese de sentença meramente declaratória de um fato: a da sentença que acolhe pedido de demarcação de terras, determinando o traçado da linha demarcanda (art. 581). É que esta sentença não constitui o limite entre duas áreas de terra, mas certifica o lugar exato em que tal li­mite está (e estava, mesmo antes da sentença, embora isto fosse objeto de dúvida). E não se pode negar que o lugar onde fica o limite entre dois imóveis não é uma relação jurídica, mas um fato.

As demais sentenças de mérito são mais complexas do que esta que acaba de ser vista. E que todas as demais sentenças de mérito são declaratórias, mas não o são meramente. Em outros termos, as demais sentenças de mérito declaram e, além disso, fazem algo mais (constituem, condenam). São sentenças que têm dois momentos lógicos, um declaratório e outro que a identifica como sentença de outra natureza que não meramente declaratória.

Pois é entre essas sentenças mais complexas que se encontra a sentença constitutiva. Esta se caracteriza por conter ato judicial que determina a criação, modificação ou extinção de relação jurídica.

Casos há, pois, em que a sentença contém comando que determina a criação de uma relação jurídica. E o que se dá, por exemplo, com a sentença que defere a adoção de pessoa maior de dezoito anos (caso em que, nos estritos termos do art. 1.619 do CC, depende-se de "sentença constitutiva"). No caso de adoção de crianças e adoles­centes também se profere sentença constitutiva (art. 47, caput e § 7a - este falando expressamente em “sentença constitutiva” - do ECA).

Em outras hipóteses, a sentença determina uma modificação em relação jurídica já existente. E o que se tem, por exemplo, na sentença que determina a revisão judi­cial de aluguel (art. 69 da Lei de Locações) ou na sentença que decreta a separação judicial, a qual dissolve a sociedade conjugal sem encerrar a relação matrimonial (CC, arts. 1.575 a 1.577).

Por fim, há sentenças que determinam a extinção de uma relação jurídica. É o que se tem com a sentença que decreta o divórcio, ou com aquela que anula um contrato (dissolvendo a relação existente entre os contratantes).

Caso especial de sentença constitutiva se encontra no art. 501. Trata-se da hipóte­se em que o demandante é credor de obrigação de emitir declaração de vontade (como a que resulta, por exemplo, de um contrato-promessa, como é a promessa de compra e venda). Pois, neste caso, a sentença de procedência do pedido de reconhecimento des­sa obrigação prescinde de execução (e, por isso, não é condenatória), sendo capaz de,

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uma vez transitada em julgado, produzir todos os efeitos da declaração de vontade não emitida (art. 501, infiné). Assim, por exemplo, se as partes celebraram uma promessa de compra e venda de imóvel e, depois, não foi celebrado o contrato definitivo (isto é, o contratq de compra e venda), a sentença a que se refere o art. 501 substitui o contrato definitivo, que não terá mais de ser celebrado, sendo possível promover-se o registro da sentença no registro de imóveis, do mesmo modo como se teria, normalmente, promovido o registro da escritura de compra e venda.

Em todos esses casos, a sentença de mérito é constitutiva.

Por fim, chama-se sentença condenatória àquela sentença que, reconhecendo a exis­tência de um dever jurídico, permite a prática de atividade jurisdicional posterior des­tinada a efetivar aquilo que na sentença se reconheceu ser direito de uma das partes. Em outros termos, sentença condenatória é aquela que permite o desenvolvimento de atividade executiva (em sentido amplo, aí incluídas tanto a execução por sub-rogação, em que o Estado-juiz substitui a atividade do sujeito passivo do dever jurídico, como se dá no caso em que o devedor de dinheiro vê seus bens expropriados para satisfação do crédito exequendo; como a execução por coerçãó, em que medidas destinadas a constranger o titular do dever jurídico, como multas por atraso no cumprimento da decisão ou prisão civil - expressamente autorizada no caso de dívida inescusável de alimentos - , são empregadas para forçar o devedor a cumprir seu dever).

Toda sentença que permite o desenvolvimento de atividade jurisdicional posterior, de natureza executiva, é, portanto, condenatória.

Discutia-se, ao tempo da legislação processual anterior, se haveria sentenças me­ramente declaratórias que poderíam ser consideradas título hábil a permitir a instau­ração da execução (título executivo). Com a vigente legislação processual, porém, esta discussão perde sentido por completo. É que qualquer sentença, seja ela de pro­cedência ou de improcedência, que declare a existência de um dever jurídico ainda não cumprido, certo, líquido e exigível (art. 783) permite a instauração de atividade executiva e, portanto, deve ser considerada sentença condenatória.

Dito de outro modo, a diferença fundamental entre uma sentença meramente declaratória (da existência de uma obrigação ou outro dever jurídico) e uma sentença condenatória é que esta permite a instauração de atividade executiva, e aquela, não permite que tal atividade se desenvolva (por ser absolutamente desnecessário, como se dá nos casos de usucapião ou de reconhecimento de paternidade, nenhum dever ju­rídico tendo sido reconhecido na sentença; ou por não ser ainda possível, por não ser a obrigação reconhecida certa, líquida e exigível, como se daria no caso de se reconhe­cer a existência de obrigação ainda não vencida). Não é por outra razão, aliás, que o art. 5 1 5 ,1, afirma ser título executivo judicial (e, portanto, ter natureza condenatória) a decisão judicial que reconhece a exigibilidade de obrigação.

Registre-se, porém, e desde logo, que existe um tipo “especial” de sentença conde­natória: a condenação genérica. Esta reconhece a existência de obrigação certa e exigível sem estabelecer o quantum devido e, portanto, não sendo capaz de certificar a liquidez

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Sentença 289

da obrigação. Neste caso, há uma “condenação incompleta" (na verdade, a declaração é que será incompleta, já que não se terá ainda certificado o quantum devido), já que não será possível desde logo promover-se atividade executiva, mas permite a lei processual a instauração de um incidente processual posterior à sentença, chamado de “liquidação de sentença" (arts. 509 a 512), após o qual a execução poderá instaurar-se.

Usa-se falar em “sentenças mandamentais” para se fazer referência àquelas sen­tenças de mérito que impõem o cumprimento de deveres jurídicos infungíveis, que só pelo devedor ptTderiam ser cumpridos (como se dá nas obrigáções personalíssimas ou - em qualquer obrigação de não fazer), motivo pelo qual sua efetivação se dá exclusiva­mente através de meios coercitivos. Esta não deve, porém, ser considerada uma categoria separada, como se fosse um quarto tipo de sentença de mérito. Na verdade, toda sentença mandamental é uma sentença condenatória. Permita-se afirmar que toda sentença man- damental é condenatória, mas nem toda sentença condenatória é mandamental. Sentença man­damental, portanto, é a sentença condenatória cuja efetivação se dá exclusivamente através do emprego de meios coercitivos (como multas, por exemplo), o que resulta da natureza do dever jurídico a ser cumprido.

Por fim, há quem fale em sentenças executivas (há, mesmo, quem fale em “sen­tença executiva lato sensu”, mas esta expressão não faz sentido algum, já que não exis­te, em contraposição, uma "sentença executiva stricto sensu”) . Sentença executiva seria uma sentença que contém a determinação para que se instaure a execução, a qual poderia dar-se per officium iudicis, desenvolvendo-se no mesmo processo. Ocorre que há muito tempo (desde muito antes da aprovação do CPC de 2015) a execução civil se desenvolve no mesmo processo em que a sentença é proferida. Além disso, ser ou não possível a instauração de ofício da atividade executiva é uma questão de opção le­gislativa, que nada interfere na natureza da sentença. Basta ver o seguinte: no regime do CPC, as sentenças que condenam a cumprir deveres jurídicos de fazer, não fazer ou entregar coisa podem ser executadas de ofício, o mesmo não acontecendo com a sen­tença que condena a pagar dinheiro, cuja execução depende de requerimento do credo (art. 513, § l 2). Fosse correto o entendimento aqui criticado, e se diria então que só no caso de obrigações pecuniárias a sentença seria condenatória, sendo executiva nos demais casos. No processo trabalhista, porém, a sentença que condena a pagar dinheiro pode ser executada ex officio (art. 878 da CLT). Ora, a sentença que condena a pagar dinheiro por força de uma obrigação civil e a que condena a pagar dinheiro por força de uma obrigação trabalhista têm idênticos conteúdos. Ambas reconhecem a existência de dever jurídico de cumprir obrigação pecuniária. Se é assim, ambas têm a mesma natureza (já que a natureza jurídica é determinada pelo conteúdo, e não pelo efeito, que lhe é necessariamente externo). Assim, são ambas condenatórias. A opção legislativa de permitir ou não a instauração de ofício da execução não interfere na natureza da sentença.

São, pois, três os tipos de sentença de mérito: meramente declaratória, constitu­tiva e condenatória.

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Destas, a terceira espécie merece um exame mais cuidadoso, já que existem regras próprias para os casos de condenação a pagar dinheiro e para os casos de condena­ção ao cumprimento de deveres jurídicos de outras naturezas (entregar coisa, fazer e não fazer).

No caso de sentença que condena ao cumprimento de obrigação pecuniária, ainda que o demandante tenha formulado pedido genérico, a decisão deve definir desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o ter­mo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização de juros (se for o caso), tudo nos termos do art. 491. Em outros termos, a regra é que a sentença reconheça obri­gações pecuniárias líquidas (sendo apropriado chamar essas sentenças de condenações ordinárias).

Excepcionalmente, porém, se admite a prolação da condenação genérica, assim en­tendida aquela sentença que reconhece obrigação pecuniária sem determinar o quan- tum debeatur (reconhecendo-se, portanto, a exigibilidade de obrigação ilíquida). Isto só é possível naqueles casos em que ao longo do processo de conhecimento não tenha sido possível determinar, de modo definitivo, o montante devido (art. 491, I) ou se a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença (art. 491, II). Nesses casos, como dito anteriormente, far-se-á necessária a instauração de um incidente processual posterior à condenação (e prévio à execução) chamado de liquidação de sen­tença (como se pode ver pelo texto do art. 491, § l 2). Tudo isso se aplica, tanto no que diz respeito à condenação ordinária como no que é pertinente à condenação genérica, aos casos em que se profira acórdão condenatório que altere a sentença de primeiro grau de jurisdição (art. 491, § 22).

Quando a sentença reconhecer dever jurídico de fazer ou de não fazer, deve-se con­ceder a tutela jurisdicional específica. Significa isto dizer que a sentença condenatória imporá ao devedor o cumprimento específico daquilo a que estava originariamente obrigado. Também na sentença se deverá estabelecer providências que assegurem a tutela pelo resultado prático equivalente (tudo nos termos do art. 497).

Assim, por exemplo, se uma pessoa jurídica é devedora da prestação de consertar um produto eletrônico e não cumpriu sua obrigação, a sentença reconhecerá seu de­ver jurídico de promover o conserto (tutela específica) mas, além disso, estabelecerá meios para assegurar que, não sendo efetuado o reparo, o credor receba um aparelho equivalente em perfeito estado de funcionamento (tutela pelo resultado equivalen­te). A obrigação só se converterá em perdas e danos se o autor assim o preferir, ou se for impossível a tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente (art. 499).

Para compelir o devedor a cumprir a decisão, poderá ser estabelecido um prazo e fixada multa periódica pelo atraso (art. 500). Caso posteriormente, não tendo sido cumprido o dever jurídico, o credor opte por finalmente converter a obrigação em perdas e danos (ou se verifique que há uma absoluta impossibilidade de cumprimento

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Sentença 291

específico ou pelo equivalente), a indenização devida será paga cumulativamente com a multa que tenha se vencido até a data em que o credor tenha requerido a conversão (porque a partir dessa data, evidentemente, não há qualquer razão para que a multa continue a incidir, uma vez que o credor não quer mais compelir o devedor ao cumpri­mento específico ou pelo equivalente).

E importante perceber que nos casos de sentença que condena a cumprir obriga­ção de fazer e não fazer duas regras gerais do processo civil são afastadas: a da corre­lação entre demanda e sentença (já que a lei expressamente permite que, postulada a tutela específica, o juiz conceda a tutela pelo resultado prático equivalente, como se dá, por exemplo, no processo em que o autor pede a condenação do Estado a fornecer um medicamento e a sentença determina que o Poder Público entregue o remédio ge­nérico, o qual é capaz de produzir resultado prático equivalente) e a do exaurimento da competência, já que é possível, mesmo depois da sentença, estabelecer-se a conver­são da obrigação de fazer ou de não fazer em perdas e danos.

Há uma regulamentação específica para o caso da tutela inibitória. Esta deve ser compreendida como a tutela de prevenção do ilícito. Em outros termos, tem-se aí uma decisão judicial proferida em caráter preventivo, com o objetivo de impedir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito. Pense-se, por exemplo, no caso de uma decisão que proíba a divulgação da foto de uma pessoa em um filme publicitário por não ter sido autorizada a utilização da imagem. Pois neste caso, "é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo" (art. 497, parágrafo único).

Este dispositivo é extremamente importante para que se consiga evitar a confusão conceituai que resulta do Código Civil. É que o art. 186 do CC estabelece que “[a] quele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Da lei­tura desse texto normativo, fica a impressão - equivocada, diga-se desde logo - que só comete ato ilícito quem, agindo culposamente, causa dano a outrem. Isto, porém, não é correto.

Ato ilícito é o ato contrário ao direito. Sua aptidão para causar dano é absoluta­mente irrelevante para que se qualifique o ato como ilícito. Pense-se, por exemplo, nos crimes de mera conduta, que não produzem qualquer resultado danoso (como é, por exemplo, o caso do crime de porte ilegal de arma de fogo). Não há dano, mas ine­gavelmente é ato ilícito. O mesmo se pode dizer daquele que faz publicidade abusiva por ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial à saúde (art. 37, § 22, do CDC). O mero fato de se veicular essa publicidade é ilícito, pouco importando se alguém sofreu ou não dano.

A questão é que o Código Civil definiu o conceito de ato ilícito para o único fim de regular a responsabilidade civil, estabelecendo os casos em que haverá obrigação de indenizar (daí a razão pela qual o art. 927 do CC estabelece que “[a]quele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”).

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292 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

E tudo quanto se disse até aqui sobre o dano pode ser dito também do elemento subjetivo da conduta (dolo ou culpa, nos termos do art. 497, parágrafo único, embora a linguagem típica do Direito Civil permita falar aqui apenas em culpa, termo que, nessa área do conhecimento, engloba as condutas intencionais, já que no jargão do Direito Civil o termo dolo designa fenômeno completamente distinto, um vício de consentimento previsto nos arts. 145 a 150 do CC).

Ocorre que na demanda inibitória o objeto do processo não é o reconhecimento da obrigação de indenizar. O que se busca é, tão somente, uma decisão destinada a inibir a prática do ato. Por isso, é absolutamente irrelevante saber se o demandado agiu culposamente ou se algum dano foi - ou está na iminência de ser - produzido. Estas são questões que poderão ser relevantes em outro processo, no qual se busque alguma indenização. Não, porém, no processo cujo objeto é a tutela inibitória. Neste, basta a demonstração de que se está na iminência da prática de um ato ilícito (con­trário ao Direito), ou que este é um ato de duração prolongada no tempo e que está sendo praticado, para que se profira decisão que determine a abstenção de sua prática ou que ele não seja reiterado ou que não continue a'ser praticado.

Já nos casos em que a sentença condene ao cumprimento de obrigação de entregar coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica (isto é, ao determinar a própria entrega da coisa devida), deverá fixar o prazo para que o devedor cumpra a obrigação (art. 498), e uma multa pelo atraso (art. 500). Também aqui só haverá conversão em perdas e da­nos se for impossível a tutela específica ou se o credor optar pela conversão (art. 499), caso em que a multa que já vinha incidindo permanecerá até a data do protocolo da petição em que se requer a conversão em perdas e danos (ou até a data em que se percebe a absoluta impossibilidade de cumprimento específico), e será devida°cumu- lativamente com a indenização.

Nos processos que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de entregar coisa não se aplica a regra do exaurimento da competência (prevista no art. 494), já que é possível, mesmo depois de publicada a sentença, que seu comando seja alterado para que se converta a obrigação de entregar coisa em perdas e danos.

Não se pode, por fim, deixar de examinar um efeito dos pronunciamentos que condenam a pagar dinheiro (ou que convertem em pecúnia obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa): a hipoteca judiciária (art. 495).

Hipoteca é uma pré-penhora de imóveis (ou outros bens que aos imóveis são equiparados para fins de hipoteca, nos termos do art. 1.473 do CC). Pode ser con­vencional, legal ou judiciária. É convencional quando surge por força de um negócio jurídico celebrado entre as partes. Legal quando resulta diretamente da lei, como se pode ver pelo art. 1.489 do CC. E judiciária quando sua constituição é efeito de deci­são judicial.

Afirmou-se que a hipoteca judiciária é uma penhora antecipada, uma pré-penhora. Em outros termos, o que se tem aqui, como efeito da decisão, é uma antecipação de um ato executivo típico das execuções por quantia certa, destinada não só a assegurar

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Sentença 293

que em uma futura e eventual execução o credor tenha seu direito satisfeito, mas também para servir como um poderoso mecanismo inibidor de fraudes.

A decisão (que condena a pagar dinheiro ou que converte obrigação de outra na­tureza em perdas e danos) produz a hipoteca judiciária ainda que seja genérica, ou seja, que não tenha determinado o quantum da obrigação (art. 495, § Ia, I). Produz-se, também, mesmo que esteja pendente medida cautelar de arresto sobre bem do deve­dor (art. 495, § l 2, II). E se produz ainda que a sentença seja impugnada por recurso, pouco importando se tal recurso é dotado de efeito suspensivo (art. 495, § Ia, III) ou não (art. 495, § Ia, I). Não se produz, porém, a hipoteca judiciária quando a decisão condena ao cumprimento da obrigação de entregar coisa distinta de dinheiro (FPPC, enunciado 310).

Constitui-se a hipoteca judiciária mediante apresentação de cópia da sentença pe­rante o cartório do registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, decla­ração expressa do juiz ou demonstração de urgência (art. 495, § 2a). Uma vez efetuado o registro da hipoteca judiciária, o credor que o tenha promovido terá o prazo de quinze dias para informá-lo ao juiz da causa, que determinará a intimação do devedor para que tome ciência do ato (art. 495, § 3a).

A hipoteca judiciária, ncs termos do § 4a do art. 495, implica direito de preferên­cia, quanto ao pagamento, em relação a outros credores. E este direito de preferência observará a prioridade do registro (o que significa dizer que, havendo mais de uma hipoteca pendente sobre o mesmo bem, receberá primeiro o dinheiro obtido com a ex- propriação aquele que tenha registrado a hipoteca em primeiro lugar, observando-se a partir daí a ordem dos registros). O direito de preferência é efeito processual da pe- nhora (art. 797) e, por conseguinte, da hipoteca (art. 1.493, parágrafo único, do CC).

Caso sobrevenha reforma ou invalidação da decisão que condenou a pagar dinhei­ro ou que converteu obrigação em perdas e danos, a parte responderá objetivamente (isto é, independentemente de culpa) pelos danos resultantes da constituição da hipo­teca judiciária (a qual será, evidentemente, cancelada, já que terá desaparecido o título que legitimara sua constituição). O valor da liquidação será liquidado e executado nos mesmos autos, sem necessidade de ajuizamento de demanda autônoma de reparação de danos (art. 495, § 5a).

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16

ESTABILIZAÇÃO, PRECLUSÃO E COISA JULGADA

16.1 EstabilizaçãoOs atos jurídicos em geral tendem a adquirir estabilidade, o que é uma exigên­

cia de segurança jurídica. Assim é que, preenchidos determinados requisitos (que, evidentemente, variam de um ato para outro), todo ato tende a adquirir uma certa estabilidade, o que permite sua permanência no ordenamento jurídico.

O fenômeno da estabilidade alcança atos jurídicos de Direito privado (como um estatuto de sociedade anônima ou um contrato, atos que não podem ser modifica­dos livremente) e de Direito público (como acontece com decisões judiciais ou atos administrativos, entre outros). A estabilidade, porém, pode ser de graus variados. Em outros termos, pode-se mesmo dizer que existem atos mais estáveis do que ou­tros. Assim, por exemplo, um ato administrativo só pode ser revogado pela própria Administração Pública, e mesmo assim desde que alguns pontos sejam observados. Por exemplo, não se admite a revogação de ato administrativo cujos efeitos já se te­nham exaurido. No Direito Processual Civil encontram-se algumas espécies diferen­tes de estabilidade do ato processual. E a diferença se dá pelo grau de intensidade da estabilidade.

Duas formas de conferir estabilidade ao ato processual são bastante conhecidas de todos os estudiosos do Direito Processual: a preclusão e a coisa julgada. Há, porém, outro fenômeno, que não pode deixar de ser examinado, e que com aqueles não se confunde: o da estabilização.

O CPC faz alusão ao fenômeno da estabilização em duas passagens: ao tratar da estabilização da tutela antecipada (art. 303) e ao regular a estabilização da derísão de sanea­mento e organização do processo (art. 357, § l 2).

Embora já se tenha feito alusão a esses dois casos, quando do estudo das tutelas provisórias e ao se analisar o procedimento comum do processo de conhecimento, é interessante voltar a tocar no assunto, para fins de organização do pensamento.

Assim é que a decisão que declara saneado o processo e o organiza para preparar a atividade de instrução probatória se torna estável após o decurso do prazo de cin­co dias de que dispõem as partes para requerer esclarecimentos ou solicitar ajustes (art. 357, § l 2). Como se trata de decisão que não pode ser impugnada por agravo de

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300 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

instrumento (com a única exceção do capítulo que versa sobre distribuição do ônus da prova), deve-se considerar que essa estabilização implica a impossibilidade de - no mesmo grau de jurisdição - tornar-se a discutir o conteúdo da decisão. Às partes, evi­dentemente, se assegura a possibilidade de impugnar tal decisão na apelação ou em contrarrazões de apelação (art. 1.009, § I a) . Mas para o juízo de primeiro grau não é mais possível alterar o que tenha sido decidido naquele pronunciamento, ainda que se trate de matéria de ordem pública.

Isto é extremamente importante para a organização do processo de conhecimen­to, que é estruturado em dúas fases bem distintas: uma introdutória, destinada a estabelecer o que será objeto da cognição; outra, principal, que tem por fim permitir a instrução e o julgamento da causa. Pois a decisão de saneamento e organização do processo é o ato que põe fim à primeira fase do processo de conhecimento, permitindo assim o início da fase principal. E é extremamente relevante que essa decisão tenha alguma estabilidade, de modo a permitir que o processo se desenvolva em direção a um resultado que deve ser alcançado em tempo razoável.

Deste modo, incumbe ao juiz estabelecer, na aludida decisão, quais são as ques­tões de fato e de direito que serão debatidas e resolvidas na segunda fase do processo. E, ultrapassado o prazo de cinco dias de que dispõem as partes para solicitar ajustes ou esclarecimentos, tal decisão se torna estável, vinculando o juízo de primeiro grau a ela de forma absoluta. Incumbirá, pois, ao juízo de primeiro grau respeitar aquela decisão, examinando todas as questões de fato e de direito controvertidas que ali te­nham sido fixadas. E não poderá o juízo extinguir o processo sem resolução de mérito com base em fundamento já debatido e afastado na primeira fase do procedimen­to. Evidentemente, fatos supervenientes poderão - e deverão - ser levados em conta (art. 493), assim como é possível que depois dessa decisão ter-se tornado estável surja alguma questão nova, daquelas que podem ser suscitadas a qualquer tempo (e que ainda não tivesse sido suscitada). Há, aí, porém, alguma estabilidade da decisão, cujos termos não poderão ser posteriormente modificados pelo juízo de primeiro grau de jurisdição.

Ainda mais intensa é a estabilização da tutela antecipada. Neste caso - que ocorre, nos termos do art. 304, quando da decisão concessiva de tutela de urgência satisfativa antecedente não se interpõe recurso - há um grau maior de estabilidade, de modo que a decisão - que não é alcançada pela autoridade de coisa julgada, uma estabilidade ainda mais intensa (art. 304, § 6a) - permanecerá eficaz e só poderá ser afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em processo autônomo, o qual precisa instaurar-se no prazo de dois anos a contar da ciência da decisão que extinguiu o processo em que a tutela antecipada foi deferida (art. 304, § 5a).

Neste caso, então, deferida a tutela antecipada antecedente, e não havendo recur­so contra tal decisão, tem-se uma relativa estabilidade da decisão, a qual acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito, permanecendo, porém, eficaz a deci­são antecipatória de tutela até que, em processo autônomo cujo objeto é sua revisão,

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Estabilização, predusão e coisa julgada 301

reforma ou invalidação, venha ela a ser cassada ou substituída. Resulta daí, pois, uma inversão do ônus de demandar, já que caberá àquele contra quem a tutela antecipada es­tável produz efeitos o ônus de ajuizar a demanda de revisão, reforma ou invalidação (o que só poderá ser feito dentro do prazo de dois anos a que já se fez alusão). Enquanto essa demanda não for proposta (e julgada), porém, a decisão estável produz todos os seus efeitos.

Há, pois, aí dois diferentes níveis de estabilização, com intensidades distintas, mas nenhum deles chega =o grau de estabilidade da coisa julgada (de que se falará adiante). E entre elas há algo em comum: é que a estabilidade resultante da estabi­lização da decisão de saneamento e organização do processo, assim como a que resulta da estabilização da tutela antecipada, implica um obstáculo ao reexame do que foi decidido que não é absoluto, sendo permitido às partes tornar a suscitar a matéria (em grau de recurso, no caso da estabilização da decisão de saneamento e organização do processo; por demanda revocatória, no caso de estabilização da tutela antecipada).

16.2 Preclusão•’ c

Chama-se preclusão à perda da possibilidade de praticar um ato processual. Pen­se-se, por exemplo, no caso de se ter proferido uma sentença. Contra esta, é possível a interposição de apelação. Pode ocorrer alguma situação (como, por exemplo, o de­curso do prazo dentro do qual o recurso é admissível) que faça desaparecer a possibi­lidade de prática do ato.

Da preclusão sempre resultará uma estabilidade processual. Assim é que, para se usar uma vez mais o mesmo exemplo, preclusa a possibilidade de interpor apelação, resulta daí a estabilidade da sentença.

Costumeiramente se cogita de três modalidades de preclusão: temporal, lógica e consumativa.

Chama-se preclusão temporal à perda da possibilidade de prática de um ato pro­cessual em razão do decurso do prazo dentro do qual tal ato era admissível. Estabelece o art. 223 que “[djecorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial”. Assim, sempre que hou­ver prazo (fixado em lei ou assinado pelo juiz) para a prática de ato processual, seu decurso in albis (isto é, sem que o ato tenha sido praticado) acarreta preclusão.

Há alguns casos de predusão temporal expressamente previstos no CPC. E o que se tem, por exemplo, no art. 63, § 3e, que prevê a preclusão temporal da possibilidade de alegação, pelo réu, da abusividade da cláusula de eleição de foro; no art. 209, § 22 (preclusão temporal da possibilidade de alegar existência de contradição na transcri­ção eletrônica de atos processuais praticados diante do juiz); no art. 278 (preclusão temporal da possibilidade de alegar a anulabilidáde de ato processual); e no art. 293 (preclusão temporal da possibilidade de impugnar o valor atribuído à causa pelo demandante).

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302 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

É costume ouvir-se afirmar que só existiría preclusão temporal para as partes, e que os prazos para os órgãos jurisdicionais seriam impróprios (isto é, que de seu de­curso não resultaria preclusão). Isto, porém, não é sempre verdadeiro. Basta ver o que consta do art. 235 e seus parágrafos. Ali há a previsão do caso em que se representa contra o magistrado por excesso de prazo. Pois distribuída a representação, seu rela­tor, após o decurso do prazo para apresentação de justificativa pelo magistrado repre­sentado, “determinará a intimação do representado por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato”. Decorrido este prazo de dez dias sem que o ato tenha sido praticado, perde o juiz a possibilidade de o praticar, devendo os autos ser reme­tidos ao substituto legal (art. 235, § 32). Tem-se, aí, pois, preclusão temporal para o juiz.

Ocorre a preclusão lógica quando o sujeito do processo, em razão da prática de um determinado ato, perde a possibilidade de praticar outro que com ele seja incom­patível. É o que se tem, por exemplo, no caso de a parte vencida aceitar a sentença e, posteriormente, pretender impugná-la por meio de recurso (art. 1.000).

A preclusão lógica é uma manifestação da boa-fé processual (art. 5e), que tem, entre seus corolários, a vedação de comportamentos contraditórios (nemo vetiire con­tra factum proprium). Também para o juiz há preclusão lógica, e não só para as partes. Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz indeferir prova testemunhai ao fundamento de que o fato que se pretende provar já está demonstrado nos autos por documento (art. 4 4 3 ,1). Pois esta decisão impede que o juiz, no futuro, julgue contra a parte que pretendera produzir essa prova oral ao fundamento de que havia insuficiência de pro­vas acerca daquele mesmo fato. Isto seria uma violação à boa-fé objetiva por consistir em comportamento contraditório e, portanto, alcançado pela preclusão lógica. Em caso como este, caberá ao juiz, verificando a insuficiência do material probatório, re­vogar a decisão anteriormente proferida e autorizar a produção da prova testemunhai, sob pena de frustrar a legítima expectativa que seu pronunciamento gerou na parte.

Por fim, tem-se a preclusão consumativa quando o sujeito do processo, por já ter praticado o ato, perde a possibilidade de praticá-lo novamente (ou de o complemen­tar). Assim, por exemplo, oferecida a contestação, não pode o réu posteriormente (ainda que em tese ainda houvesse prazo para fazê-lo), contestar outra vez ou com­plementar sua contestação. Do mesmo modo, não se admite que contra uma mesma decisão a mesma parte interponha dois recursos (com a ressalva do cabimento simul­tâneo de recurso especial e recurso extraordinário, nos termos do art. 1.031), o que é manifestação de algo que no jargão forense é costumeira e impropriamente chama­do de “princípio da unirrecorribilidade", mas que, na verdade, é apenas uma conse­quência da regra (e não princípio) da preclusão. E também para o juiz há preclusão consumativa. Pense-se no caso de ter-se tornado estável a decisão de saneamento e organização do processo. Pois preclui para o juiz (mas não para as partes, que poderão sobre elas se manifestar em apelação ou em contrarrazões de apelação) a possibilidade de tornar a decidir sobre aquilo que tenha sido expressamente resolvido naquele pronunciamento (com a ressalva da distribuição do ônus da prova, que, tendo sido

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Estabilização, preclusão e coisa julgada 303

impugnada por agravo de instrumento, pode ser objeto de retratação pelo juiz, nos termos do art. 1.018, § I a).

Além dessas três espécies de preclusão que, como dito, são tradicionalmente re­conhecidas, pode-se cogitar de uma quarta espécie: a preclusão por fases do processo. E que às vezes um ato processual se torna prática impossível simplesmente por se ter alcançado fase processual que com ele é incompatível. Assim é que, por exemplo, não se pode cogitar do julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332) se o réu já foi citado; nem seria possível o julgamento antecipado parcial do mérito se toda a instrução probatória já se concluiu e é possível a prolação de sentença.

É preciso ter claro, porém, que há situações que afastam a preclusão. Assim, por exemplo, a preclusão temporal pode ser afastada por justa causa (art. 223; art. 278, pa­rágrafo único), assim considerado o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato (art. 223, § I a). Nestes casos, releva-se a preclusão, e se admite a prática do ato que a princípio parecia já não mais ser admissível, devendo o juiz fixar prazo para que isto ocorra (art. 223, § 2a).

A preclusão gera uma estabilidade que é endoprocessual, isto é, se produz apenas internamente ao processo em que se forma (diferentemente da coisa julgada, que é uma estabilidade exoprocessual, projetando-se para fora do processo em que se forma). E é por isso que o art. 507 expressamente impede que se volte a discutir, no curso do processo, as matérias já alcançadas pela preclusão.

16.3 Coisa JulgadaContra uma decisão judicial pode (e em regra assim é) ser cabível a interposição

de recurso. Em alguns casos, como no da sentença, o cabimento do recurso é imedia­to. Em outros (como no caso das decisões interlocutórias que não constam do rol do art. 1.015), o cabimento do recurso é diferido. De toda maneira, a maioria das decisões é recorrível. Fatores há, porém, que tornam a decisão irrecorrível. E que os recursos no Direito Processual Civil brasileiro são limitados e sujeitos a prazo de interposição. Assim, esgotados todos os recursos, ou decorrido o prazo para que o recurso admis­sível seja interposto, a decisão se torna irrecorrível.

A passagem da decisão da situação original (em que era recorrível) para esta nova situação (de irrecorribilidade) é chamada de trânsito em julgado. E algumas decisões, por serem irrecorríveis, já nascem transitadas em julgado (como é, por exemplo, o caso da decisão proferida pelo Pleno do STF no julgamento de arguição de descumpri- mento de preceito fundamental, nos termos do art. 12 da Lei na 9.882/1999).

Dá-se o trânsito em julgado da decisão, então, quando precluem os recursos. Po­de-se, pois, dizer que o trânsito em julgado é efeito da preclusão dos recursos (ou por terem sido todos usados, ou por ter decorrido o prazo sem que o recurso admissível tivesse sido interposto).

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304 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

Casos há em que, transitada em julgado a sentença, é ela alcançada por uma esta­bilidade mais intensa, a que se chama coisa julgada.

Coisa julgada é, pois, a estabilidade da sentença irrecorrível. Mas, como se verá adiante, nem todas as sentenças alcançam, mesmo sendo irrecorríveis, este grau de estabilidade (e, além disso, há diferentes graus de coisa julgada, como se poderá verificar).

Vale registrar, aqui, que a denominação coisa julgada, muito tradicional na lingua­gem processual, não é exatamente a mâis apropriada. É que o vocábulo coisa, na termi­nologia jurídica, designa os bens corpóreos, o que a coisa julgada definitivamente não é. Melhor seria que se usasse caso julgado (como se lê, por exemplo, no art. 6a, § 3a, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) ou, como parece preferível, causa julgada. Dever-se-ia, então, afirmar que se já há causa julgada (isto é, se a sentença deu à causa um julgamento final, não mais se admitindo recurso, e tendo ela adquirido, por força da lei, a estabilidade de que se está aqui a tratar), não seria possível ajuizar novamente a mesma demanda e, caso isto viesse a acontecer, o novo processo teria de ser extinto, sem resolução do mérito, por já estar aquela causa julgada.

A denominação "coisa julgada", porém, é não só a mais tradicional, mas também a expressamente empregada pela legislação processual brasileira, motivo pelo qual será aqui empregada.

16.3.1 Coisa Julgada Formal e Coisa Julgada MaterialA coisa julgada é uma estabilidade alcançada por certas sentenças (mas não to­

das). E produz ela uma relevante consequência (que se pode chamar de efeito negativo da coisa julgada): o impedimento à repropositura da demanda já decidida por sentença coberta pela autoridade de coisa julgada, sendo o caso de extinguir-se o processo, sem resolução do mérito, se a demanda vier a ser proposta novamente (art. 485, V), com as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido (art. 337, §§ 2a e 4a).

Mas há duas espécies de coisa julgada, com diferentes graus de estabilidade: coisa julgada formal e coisa julgada material (ou substancial).

Chama-se coisa julgada formal à estabilidade alcançada, ao se tornarem irrecorrí­veis, por certas (mas.não todas as) sentenças terminativas, isto é, sentenças que não contêm a resolução do mérito da causa.

É que em alguns casos, expressamente previstos na lei processual, embora termi­nativa a sentença, não será possível propor-se novamente a mesma demanda (salvo se corrigido o vício que acarretou a extinção). É o que se verifica pela leitura do disposto no art. 486, § I a. Esse texto normativo faz alusão aos casos em que o processo é ex­tinto sem resolução do mérito por indeferimento da petição inicial (art. 4 8 5 ,1), falta de pressuposto processual (art. 485, IV), falta de “condição da ação” (art. 485, VI) e existência de convenção de arbitragem ou de decisão de tribunal arbitrai reconhecen­do sua competência (art. 485, VII). Pois nesses casos a sentença terminativa tem uma

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Estabilização, preclusão e coisa julgada 305

estabilidade maior do que nos demais casos de extinção do processo sem resolução do mérito, não sendo possível simplesmente propor outra vez a demanda, o que só será admitido se o obstáculo ao exame do mérito vier a ser removido.

Em alguns casos, essa remoção é fácil. Basta pensar, por exemplo, na sentença ter­minativa por indeferimento da petição inicial. Pois bastará elaborar-se nova petição, sem o vício da anterior, para que se possa demandar novamente.

Há, porém, situações em que essa estabilidade é ainda maior. Pense-se, por exem­plo, no caso de ter sido proferida sentença terminativa por se ter entendido que o demandante não tinha legitimidade ativa. Pois neste caso será preciso demonstrar que o autor passou a ter uma legitimidade que anteriormente não tinha (como se daria, e.g., se viesse a ser posteriormente editada lei que conferisse legitimidade extraordi­nária ativa àquele demandante). Sem a correção do vício - que em alguns casos será virtualmente impossível - não se poderá demandar novamente. Isto, porém, ocorre com sentenças que terão julgado extinto o processo sem resolução do mérito e, portanto, por razões processuais, formais. Daí o motivo pelo qual se fala, na hipótese, em coisa julgada formal.

Insista-se, porém, que nem'toda sentença terminativa é alcançada pela coisa jul­gada formal. E o que se dá, por exemplo, com a sentença que extingue o processo por ter o autor desistido da ação (art. 485, VIII). Neste caso, pode o demandante, livremente, repetir sua demanda e dar origem a novo processo, sem que haja qualquer impedimento (salvo a exigência de que tenham sido pagos as custas e os honorários advocatícios relativos ao processo anterior, nos termos do art. 486, § 22).

Diferente da coisa julgada formal, e ainda mais intensa (já que nem com a “cor­reção do vício" seria possível demandar-se novamente), é a coisa julgada material, au­toridade que acoberta as decisões de mérito irrecorríveis, tornando-as imutáveis e indiscutíveis (art. 502). Formada a coisa julgada material, o conteúdo da decisão de mérito se torna imutável e indiscutível, não mais podendo ser alterado nem rediscuti- do, seja em que processo for. Aqui, mais do que em qualquer outra situação, pode-se falar em causa julgada. E que a coisa julgada material é a imutabilidade do conteúdo da decisão de mérito irrecorrível.

Sintetizando, então, pode-se afirmar que as sentenças terminativas em jgeral fi­cam sujeitas à preclusão. As sentenças terminativas resultantes de indeferimento da petição inicial, de ausência de pressuposto processual ou de "condição da ação” ou da existência de convenção de arbitragem ou de pronunciamento de árbitro ou tribunal arbitrai que reconheça sua competência são alcançadas pela coisa julgada formal, só se admitindo a repropositura da demanda se o obstáculo à apreciação do mérito for re­movido. Por fim, as sentenças de mérito são alcançadas pela coisa julgada material, não se admitindo, em hipótese alguma, que a mesma demanda seja novamente proposta.

Tenha-se claro, então, que coisa julgada é um gênero (que deve ser compreendido como a imutabilidade da sentença irrecorrível, capaz de impedir a repropositura da mesma demanda por aquela sentença já julgada), que comporta duas espécies: coisa

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306 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

julgada formal (que incide sobre algumas sentenças terminativas) e coisa julgada ma­terial (que incide sobre sentenças definitivas).

16.3.2 Limites Objetivos da Coisa JulgadaA afirmação de que a sentença, uma vez formada a coisa julgada, se torna imutá­

vel, deve ser compreendida dentro de certos limites (objetivos e subjetivos). Importa, neste momento, examinar os limites objetivos, ou seja, é preciso verificar o que se torna imutável e indiscutível com a coisa julgada.

Estabelece a lei processual que "[a] decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida” ;,art. 503). A expressão “força de lei”, certamente, aparece como uma tradução da expressão alemã Rechtskraft, termo usado pelos juristas germânicos para denominar o que no Brasil se chamou "coisa julgada”. Assim, o que se tem no art. 503 é a afirmação de que a sentença de mérito faz coisa julgada material nos limites da questão principal expressamente decidida.

A leitura do caput do art. 503 e do art. 504 (que afirma não fazerem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” e “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”), per­mite asseverar que apenas o dispositivo da sentença é alcançado pela coisa julgada.

Evidentemente, nada se encontra no texto legal acerca de a coisa julgada alcançar ou não o relatório da sentença. É que, perdoe-se a obviedade, onde coisa nenhuma é julgada não existe coisa julgada. Quanto à fundamentação da sentença, porém, poderia pairar alguma dúvida e, por isso, é extremamente importante ter clara a opção legis­lativa por excluir dos limites da coisa julgada o que é afirmado na fundamentação da decisão judicial.

A coisa julgada, portanto, fica objetivamente limitada ao dispositivo da sentença.

E preciso, porém, compreender como se harmoniza tudo o que até aqui foi dito com o disposto nos §§ Ia e 2a do art. 503, acerca da inclusão, nos limites objetivos da coisa julgada, da resolução das questões prejudiciais ao mérito.

Há casos em que a resolução de questão prejudicial ao mérito (art. 503, § I a, I) será também alcançada pela coisa julgada material, independentemente de pedido expressamente formulado por qualquer das partes (FPPC, enunciado 165). Como já se viu anteriormente, nem sempre a questão prejudicial se relaciona com uma ques­tão (prejudicada) de mérito. Quando isto ocorrer, porém, sua resolução - desde que preenchidos alguns outros requisitos - se tornará imutável e indiscutível, sendo al­cançada pela autoridade de coisa julgada material. Tais requisitos, registre-se, são cumulativos e, portanto, devem todos estar preenchidos para que a resolução da ques­tão prejudicial seja alcançada pela coisa julgada (FPPC, enunciado 313).

Em primeiro lugar, para que a resolução da questão prejudicial seja tida por in­cluída nos limites objetivos da coisa julgada, é preciso que o juízo prolator da decisão

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Estabilização, preclusão e coisa julgada 307

tenha competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal (art. 503, § l 2, III). Figure-se aqui um exemplo: proposta demanda de ali­mentos, o réu contesta alegando, entre outras matérias de defesa, não ser pai do autor. Neste processo, a questão principal é, evidentemente, a de saber se o réu deve ou não alimentos ao autor (o que passa, por exemplo, pela análise do binômio necessidade- possibilidade). Antes de resolver a questão principal, porém, incumbe ao juiz verificar se as partes são, mesmo, pai e filho (e, caso não sejam, deverá julgar improcedente o pedido de alimentos). Pois neste caso, o juízo competente, em razão da matéria e da pessoa, para conhecer de uma demanda em que se suscita a questão da filiação é o mesmo (juízo de família) competente para conhecer da demanda de alimentos, o que permite (desde que todos os demais requisitos sejam preenchidos) a formação da coisa julgada material sobre a solução da questão prejudicial.

Outro exemplo pode ajudar: proposta demanda de cobrança de juros moratórios devidos em função do não cumprimento de obrigação resultante de um contrato, ale­ga o réu em defesa que não a cumpriu porque o próprio contrato é nulo. Pois neste caso, já que o mesmo juízo é competente para conhecer do pedido de cobrança e da validade do contrato, a coisa julgada alcançará, também, a declaração de validade ou de invalidade do contrato.

Pode-se, porém, pensar em exemplos nos quais a coisa julgada não alcançaria a solução da questão prejudicial por incompetência do juízo. Figure-se a seguinte hi­pótese: uma pessoa ajuiza, em face do Estado, perante juízo especializado nas causas da Fazenda Pública, demanda de reparação de danos resultantes da morte de seu companheiro, o qual teria sido assassinado dentro de um estabelecimento prisional enquanto cumpria pena. O Estado se defende, então, alegando que a autora não era companheira do falecido, mas apenas uma visitante ocasional, que com ele não man­tinha qualquer vínculo familiar. Neste caso, o pronunciamento do juízo acerca da existência ou não de entidade familiar não será alcançado pela autoridade de coisa julgada material, dado que o juízo fazendário não é competente para causas de família.

Perceba-se que a competência que deve ser aferida como requisito para a for­mação da coisa julgada sobre a resolução de questão prejudicial ao mérito é a do órgão jurisdicional que conhece da causa em primeiro grau de jurisdição. É que pode acontecer de o órgão com competência recursal ter competência mais ampla que o de primeiro grau. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, as Câmaras Cíveis Comuns têm competência em razão da matéria para todas as causas que não versem sobre matéria criminal ou sobre relações de consumo. Assim, por exemplo, se no primeiro grau de jurisdição o juízo fazendário e o das causas de família são órgãos distintos, no segundo grau o mesmo órgão acumula ambas as competências. Isto, porém, não é relevante para definir se a resolução da questão prejudicial é ou não al­cançada pela coisa julgada. O que importa é a competência, em razão da matéria e da pessoa, do órgão jurisdicional competente para conhecer da causa em primeiro grau de jurisdição.

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O requisito da competência, porém, não é suficiente. Exige-se, ainda, para que a solução da questão prejudicial ao mérito se insira nos limites objetivos da coisa julga­da, que “a seu respeito [tenha] havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia” (art. 503, § l 2, II). Fica, então, e desde logo, excluída a possibili­dade de formar-se coisa julgada material sobre a resolução da questão prejudicial ao mérito se o réu tiver sido revel. Mesmo que não se tenha configurado a revelia, porém, a coisa julgada pode não se formar. E que se exige, para que a solução da questão pre­judicial ao mérito seja inserida nos limites objetivos da coisa julgada, que sobre ela tenha havido “contraditório prévio e efetivo”. Assim, será preciso sempre verificar se sobre a questão as partes tiveram, antes da decisão, oportunidade para se manifestar de forma efetiva, tendo sido possível esgotar-se o debate acerca da mesma. Figure-se, por exemplo, o caso da decisão liminar proferida no procedimento especial da “ação monitoria” (art. 701), a qual é prolatada sem contraditório prévio e, pois, jamais per­mitirá a formação de coisa julgada sobre a resolução de questão prejudicial. Pois este requisito pode gerar, na prática, alguma perplexidade. Afinal, nada impede que em outro processo se suscite novamente a questão, ao argumento de que no processo an­terior não houve contraditório prévio e efetivo sobre ela, não tendo as partes debatido de forma completa todos os aspectos da questão.

Figure-se um exemplo: Fulano demanda em face de Beltrano e Sicrano, alegando na petição inicial que os réus formam uma sociedade não personificada, e postulando a condenação solidária dos demandados a reparar um dano que afirma ter sofrido em razão do exercício, por um deles, de ato relacionado ao objetivo social. O primeiro réu, Beltrano, contesta alegando inexistência de dano a indenizar. Já o segundo réu, Sicrano, alega que não é sócio de Beltrano, não existindo a sociedade mencionada pelo autor. Sustenta, ainda, que se algum dano houve que deva ser indenizado, a responsabilidade seria inteiramente do primeiro réu. Parece evidente que para julgar a pretensão do autor, incumbirá ao juízo da causa (competente em razão da matéria e da pessoa) verificar se a sociedade não personificada entre os réus existe ou não (o que será essencial para definir se os réus são ou não solidariamente responsáveis, nos termos do art. 990 do CC). Imagine-se, então, que o juiz da causa profira sentença em que se afirma a inexistência da sociedade, condenando-se apenas o primeiro réu, responsável pelo dano sofrido pelo autor, mas não o segundo, exatamente em razão da afirmada inexistência de sociedade. Transitada em julgado esta sentença, instaura- se outro processo, agora apenas entre os réus daquele primeiro, no qual se pretende discutir se a sociedade entre eles existe mesmo ou não (deduzidas, por exemplo, pretensões cumuladas de dissolução dessa sociedade e partilha do patrimônio social). Poderia, neste segundo processo, surgir discussão sobre se houve ou não a formação, no processo anterior, de coisa julgada sobre a solução dessa questão. Afinal, pode acontecer de uma das partes, a quem o resultado do processo anterior não interessa, sustentar que naquele primeiro processo não houve contraditório efetivo acerca da questão, não tendo sido completo o debate ou não tendo sido produzidas todas as provas que poderíam ter sido produzidas, acerca da existência ou não da sociedade, já

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Estabilização, predusão e coisa julgada 309

que sua preocupação principal teria sido discutir a existência ou não de dano, e não a existência ou não da sociedade. Isto levará à necessidade de que o juiz do segundo processo se pronuncie sobre se houve ou não a formação de coisa julgada sobre a re­solução dessa questão prejudicial (e, caso considere que não houve, isso ainda pode resultar na posterior interposição de recursos para rediscutir esse ponto e, até mes­mo, na propositura posterior de ação rescisória, ao fundamento de que a sentença do segundo processo teria ofendido a coisa julgada formada no primeiro, apoiando-se a ação rescisória no disposto no art. 966, IV).

Há, ainda, um requisito negativo para a formação da coisá julgada sobre a reso­lução da questão prejudicial: ela não se formará “se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial”.

Existem procedimentos que, por força de lei, têm restrições probatórias. É o que se dá, por exemplo, com o mandado de segurança (em que só se admite prova docu­mental preconstituída) ou com o procedimento previsto para os Juizados Especiais Cíveis (em que não se admite perícia complexa, além de só se admitir que cada parte arrole três testemunhas). Nestes casos, a mera existência de limitações probatórias já é suficiente para afastar a possibilidade de formação de coisa julgada material sobre a resolução de questão prejudicial. Em outros casos, pode haver limitações cognitivas que impeçam o exame aprofundado da questão prejudicial (como se dá nas "ações possessórias”, em que não se admite debate sobre a existência de domínio ou outro direito sobre a coisa, ou nos processos em que se discuta obrigação representada por título de crédito que tenha sido posto em circulação, no qual não se admite discussão acerca da relação jurídica de direito material que tenha dado origem aò crédito). Pois nesses casos a resolução de questão prejudicial não será capaz de alcançar a autoridade de coisa julgada material.

No que diz respeito à vedação de formação de coisa julgada material sobre a reso­lução de questão prejudicial em processo no qual haja restrições probatórias, porém, há um dado adicional a considerar: seriam apenas as restrições probatórias decorren­tes da lei (como as dos exemplos acima mencionados) capazes de afastar a formação da coisa julgada sobre a resolução da questão prejudicial? Ou o mesmo resultado ocorrería se a restrição probatória resultasse de uma decisão judicial?

Deve-se considerar que qualquer restrição probatória, seja ela derivada da lei ou de decisão judicial, é suficiente para excluir a formação da coisa julgada sobre a reso­lução da prejudicial ao mérito. E que no caso de o juízo ter indeferido a produção de alguma prova (relacionada com a questão prejudicial, evidentemente), não se poderá considerar que houve contraditório efetivo sobre a matéria, uma vez que se poderá demonstrar, em processo posterior, que esta prova poderia levar a resultado distinto. E o mero fato de ser possível examinar-se esta alegação já implica dizer que não há coisa julgada, uma vez que esta impede qualquer nova apreciação daquilo que já tenha sido julgado.

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310 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

Em síntese, o que se viu até aqui é que a solução da questão prejudicial ao mérito estará incluída nos limites objetivos da coisa julgada se for objeto de contraditório prévio, efetivo e completo em processo que se tenha desenvolvido perante juízo com­petente em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la, não tendo sido revel o réu.

Há, porém, um outro ponto a enfrentar, e que é essencial para compreender-se este sistema de definição dos limites objetivos da coisa julgada. É que se faz neces­sário afastar a equivocada ideia segundo a qual, presentes os requisitos para que a resolução da questão prejudicial faça coisa julgada, esta alcançaria uma parte da fun­damentação da decisão. Assim não é. Presentes os requisitos já examinados, a questão prejudicial ao mérito será decidida na parte dispositiva da sentença. Fundamentação não ransita em julgado, em hipótese alguma (art. 504).

Nos casos em que estiverem preenchidos os requisitos estabelecidos nos § Ia. e 2- do art. 503, a questão prejudicial deverá ser resolvida na parte dispositiva da sen­tença, independentemente de pedido expresso. Ter-se-á, aí, a inclusão dessa questão ío objeto do processo por força de lei. Trata-se de fenômeno que na linguagem pro­cessual costuma ser chamado de "pedido implícito”, ccmo se tem em relação aos juros legais, à correção monetária e às verbas de sucumbência (art. 322, § Ia), que devem ser objeto de decisão (no dispositivo da sentença) ainda que não tenham sido objeto de pedido expresso. Pois o mesmo deve dar-se com a resolução da questão prejudicial. Sendo o juízo de primeiro grau competente em razão da matéria e da pessoa, não tendo sido revel o réu, tendo havido contraditório prévio e efetivo e não existindo restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofunda­mento da análise da questão prejudicial, deverá o juiz proferir decisão sobre ela, a qual integrará a parte dispositiva da sentença e, assim, alcançará a autoridade de coisa julgada material (equivocado, portanto, o enunciado 438 do FPPC, por força do qual "[é] desnecessário que a resolução expressa da questão prejudicial incidental esteja no dispositivo da decisão para ter aptidão de fazer coisa julgada”, já que tal decisão integrará o dispositivo da sentença, ainda que seu prolator formalmente não a tenha incluído na parte final de seu texto).

16.3.3 Limites Subjetivos da Coisa JulgadaEstabelece o art. 506 que “[a] sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é

dada, não prejudicando terceiros”. Tem-se, aí, a regulamentação dos limites subjetivos da coisa julgada, isto é, da determinação das pessoas que se sujeitam à coisa julgada, não podendo tornar a discutir o que tenha sido decidido.

Pois a coisa julgada alcança as partes da demanda (demandante e demandado). São eles os sujeitos da demanda decidida pelo pronunciamento que alcança a autori­dade de coisa julgada e, por isso, são eles os alcançados pela res iudicata. Apenas as par­tes da demanda são alcançados pela coisa julgada. Outras partes do processo que não sejam consideradas partes da demanda (como é o caso do assistente, por exemplo)

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Estabilização, predusão e coisa julgada 311

não se sujeitam à coisa julgada (embora o assistente fique sujeito à assim chamada “eficácia da intervenção”, de que se falou anteriormente, e que é tratada no art. 123).

Terceiros, estranhos à demanda, não são alcançados pela coisa julgada, de modo que esta não pode prejudicá-los. É interessante observar que o Direito Processual Ci­vil brasileiro se afasta, em alguma medida, de suas fontes romanas (e de um modelo que vigorou no Brasil até a entrada em vigor do CPC de 2015), quando se considerava acertado afirmar que a coisa julgada produzida entre as partes não beneficiaria nem prejudicaria terceiros (ou, como se encontrava nas fontes romanas, res inter alios iudicata aliis neque nocet neque prodest). Pois o art. 506 estabelece que terceiros não podem ser prejudicados pela coisa julgada, o que implica dizer que podem eles se beneficiar de uma coisa julgada formada em processo de que não tenham participado.

Pense-se, por exemplo, em processo no qual os sujeitos de um contrato garantido por fiança litigam sobre se o contrato já foi ou não inteiramente cumprido pelo deve­dor, sem que do processo participe o fiador (o que é perfeitamente possível ocorrer, dada a natureza autônoma do contrato de fiança). Pois a coisa julgada formada sobre sentença que afirmasse que o contrato ainda não foi cumprido não seria capaz de pre­judicar o fiador, o qual estaria livre para, em processo futuro, tornar a suscitar a dis­cussão acerca da extinção da obrigação principal. De outro lado, porém, a coisa julgada formada sobre sentença que afirmasse que o contrato principal já fora integralmente cumprido podería ser invocada pelo fiador, por ela beneficiado sem ter participado do processo (já que, extinta a obrigação principal, extingue-se também a fiança).

A coisa julgada, portanto, fica limitada às partes da demanda, não prejudicando (mas podendo beneficiar) terceiros. E preciso considerar, porém, que nos casos de sucessão, a coisa julgada alcançará também o sucessor. É que na sucessão, o sucessor ocupa a mesma posição jurídica que antes era ocupada pelo seu antecessor. E isto se aplica tanto aos casos de sucessão mortis causa (seria absurdo, por exemplo, que exis­tindo coisa julgada sobre sentença que afirma que um bem pertence a A e não a B, com a morte deste pudessem seus sucessores reivindicar o bem de A ao argumento de que receberam sua propriedade por herança), como nos casos de sucessão resultante de ato inter vivos. Pense-se, por exemplo, no caso de se ter formado coisa julgada no processo entre A e B no qual estes disputavam a propriedade de um bem, tendo sido declarada a propriedade de A. Este, posteriormente, vende o bem a C. Evidentemente, não poderá B disputar com C a titularidade do bem (pelos mesmos fundamentos já rejeitados no processo em que litigou com A), ao argumento de que C não foi parte naquele processo. C, sucessor (inter vivos) de A, é alcançado pela coisa julgada, inse­rindo-se em seus limites subjetivos.

Também é preciso afirmar que nos casos de substituição processual - isto é, naque­les casos em que um legitimado extraordinário atua no processo no lugar do legitima­do ordinário - a coisa julgada alcança a ambos, substituto e substituído. O substituto processual é alcançado por ser ele parte da demanda (demandante ou demandado). E o substituído processual é alcançado pela coisa julgada por ser ele o verdadeiro titular

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312 O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • Câmara

do interesse em disputa. Para ambos, então, forma-se coisa julgada, não se podendo mais tornar a discutir, seja em que processo for, aquilo que tenha sido decidido.

16.3.4 Coisa Julgada nas Sentenças DeterminativasO art. 505, I, estabelece que não se tornará a decidir o que já tenha sido coberto

pela autoridade de coisa julgada material, “salvo [se], tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”. Trata-se, aí, do (falso, como se verá) problema da coisa julgada nas sentenças determinativas.

Chama-se sentença determinativa àquela que provê sobre relação jurídica de tra­to sucessivo ou continuado (também chamada de relação jurídica continuativa). São aquelas relações jurídicas de natureza obrigacional que se protraem no tempo de um modo tal que o pagamento das prestações não é capaz de extinguir a relação obrigacio­nal. Uma vez efetuado o pagamento, nova prestação surge para ser paga, e assim su­cessivamente. E o caso da obrigação alimentar ou da obrigação de prestar alimentos.

Essas relações continuativas, evidentemente, podem extinguir-se. Seu fato ex- tintivo, porém, nunca será o pagamento. Podem elas extinguir-se apenas por outros motivos (como a morte de algum de seus sujeitos ou a resilição do contrato que lhe dá origem), mas nunca pelo pagamento. E por isso não se confunde a obrigação de trato continuado com a obrigação de pagar em parcelas. É que, neste último caso, o pagamento da última parcela extingue a obrigação.

Pois acontece com alguma frequência de se deduzir em juízo alguma causa re­lacionada a uma obrigação de trato sucessivo, como se dá nas “ações de alimentos” ou nas “ações revisionais de aluguel”. Pois nestes processos são proferidas senten­ças que proveem sobre relações jurídicas de trato sucessivo, as quais são as sentenças determinativas.

A questão que aqui se põe está em saber se há alguma peculiaridade na coisa jul­gada material que se forma sobre as sentenças determinativas. É que, uma vez transi­tadas em julgado, pode surgir a necessidade de instaurar-se novo processo para rever o que havia sido anteriormente estabelecido. É o caso, por exemplo, de se ter fixado um certo valor de prestação alimentícia e, posteriormente, alguma modificação de fato ou de direito levar à necessidade de revisão do valor anteriormente fixado. Questiona- se, então, se tais sentenças são aptas a alcançar a autoridade de coisa julgada e, caso positivo, como explicar a possibilidade de revisão do que foi decidido.

Pois é preciso dizer, em primeiro lugar, que tais sentenças transitam em julgado. Uma vez preclusas as vias recursais, terá a sentença transitado em julgado, não mais sendo possível, no mesmo processo, alterar o que foi decidido.

Além disso, como quaisquer sentenças de mérito, as sentenças determinativas são aptas a alcançar a autoridade de coisa julgada material. E a coisa julgada que se forma

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Estabilização, predusão e coisa julgada 313

sobre as sentenças determinativas é igual a qualquer outra. Pois é precisamente por isso que pode haver revisão. Estranho seria se não pudesse.

E que, uma vez preclusas as vias recursais, não será mais possível tornar a discutir, em outro processo, a mesma demanda (isto é, a mesma causa), entre as mesmas partes, fundada na mesma causa de pedir e com o mesmo objeto. É preciso, porém, lembrar que a coisa julgada (rectius, causa julgada) é um impedimento apenas a que se julgue novamente a mesma causa. A demanda de revisão, porém, é distinta das anteriores, tendo causa de pedir e pedidos diferentes. E, portanto, uma demanda que nunca foi julgada anteriormente. Passe, pois, o truísmo: a coisa julgada (causa julgada) não pode impedir a apreciação de uma “coisa” (causa) que nunca foi julgada.

Compare-se, por exemplo, a demanda de condenação ao pagamento de alimen­tos com a demanda revisional de alimentos. Na primeira delas, a causa de pedir é a existência de uma situação de necessidade, associada à possibilidade de o demandado arcar com a prestação. E o pedido que aí se formula é de condenação do réu ao pa­gamento da pensão. Já na demanda revisional de alimentos, a causa de pedir é uma modificação superveniente à sentença condenatória de pelo menos um dos elementos do binômio “necessidade + possibilidade”. E ,o pedido é de modificação do valor an­teriormente fixado. Causas de pedir e pedidos completamente diferentes, que jamais foram apreciados em juízo anteriormente. Nada há, pois, capaz de impedir o exame, agora, desta nova demanda.

Como se pode ver, então, a coisa julgada que se forma sobre as sentenças determi­nativas é igual a qualquer outra coisa julgada.

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X

COGNIÇÃO: CONCEITO, OBJETO E ESPÉCIES

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Após a análise dos aspectos ligados à teoria geral do Direito Processual, passa-se ao estudo das três espécies adm itidas de m ódulo processual, come­çando-se pelo m ódulo processual de conhecim ento, ou cognitivo. Esse tipo de m ódulo processual é assim denom inado por ter, como atividade preponderan­te, a cognição, objeto de atenção nesse m om ento.1

Cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através da consideração, aná­lise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las.2 Trata- -se de atividade comum a todas as categorias de m ódulo processual, em bora se revele predom inante no módulo cognitivo.

Explique-se esse conceito: a finalidade essencial do m ódulo processual de conhecim ento é a obtenção de um a declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo dem andan­

1 É de se notar que a denominação “processo de conhecimento” (ou, como prefiro dizer aqui, mais genericamente, módulo processual de conhecimento) é típica da linguagem dos proces- sualistas brasileiros e italianos. Não é, porém, a mais freqüente entre os juristas portugueses, que preferem designar essa espécie de processo pelo fim básico a que se destina, qual seja, a declaração da existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante, razão pela qual se fala, naquele país, em processo declarativo. Assim, por todos, Fernando Luso Soares, Direito processual civil, p. 211.

2 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 41; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, p. 207.

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3 0 8 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

te em sua petição inicial. Para prolatar o provim ento capaz de perm itir que se alcance essa finalidade, é preciso que o juiz examine e valore as alegações e as provas produzidas no processo, a fim de em itir seus juízos de valor acerca das mesmas. A essa técnica de análise e valoração é que se dá o nome de cognição.

A cognição é elem ento essencial para a adequação do processo às ne­cessidades do direito material, como facilmente se com preenderá quando da análise das diversas espécies em que a m esm a pode ser dividida.

Discute-se em doutrina qual é o objeto da cognição. Note-se, antes de mais nada, que o conceito de objeto da cognição não coincide com o de objeto do processo, já estudado, sendo certo que este é mais restrito , e encontra-se con­tido naquele.3 O que se busca aqui é saber sobre o que incide a atividade cog­nitiva do juiz, havendo profunda dissensão entre os autores que trataram do tem a em definir os com ponentes desse objeto.

Há que se referir, em prim eiro lugar, aos autores que defendem a ideia de que o objeto da cognição é um binômio, 4 formado pelos pressupostos p ro ­cessuais e pelas "condições da ação”.5 De ou tro lado, encontram os os defen­sores da ideia segundo a qual o objeto da cognição judicial é formado por um trinômio de questões: "condições da ação”, pressupostos processuais e m érito .6 Não se pode, ainda, deixar de referir a teoria segundo a qual o objeto da cognição seria um quadrinômio: pressuposto processual, supostos processuais, "condições da ação” e m érito da causa.7

A questão que ora m e ocupa já me preocupou antes, a ponto de te r elabo­rado, a seu respeito, ensaio já aqui referido.8 Reitero, agora, a ideia ali enuncia­da, de que o objeto da cognição é, sim, formado por um trinômio de questões, mas não o trinôm io tradicionalm ente enunciado. Em vez de falar em pressupostos

3 Sobre a distinção entre objeto da cognição e objeto do processo, consulte-se Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil”, p. 222, esp. nota de rodapé n° 30; Dinamarco, “O con­ceito de mérito em processo civil", Fundamentos do processo civil moderno, p. 204.

4 Entre estes destaca-se, sem sombra de dúvida, a figura maior de Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 69.

5 Nunca é demais recordar que Chiovenda defendia uma concepção concreta da ação, o que o levava a considerar que as “condições da ação” eram os requisitos para obtenção de um jul­gamento favorável, aí incluindo, portanto, a existência do direito substancial afirmado pelo de­mandante.

6 Essa é, sem dúvida, a doutrina dominante. Assim, entre outros, Buzaid, Do agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil, p. 90; Dinamarco, O conceito de mérito em processo civil, p. 205; Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 51; Machado Guimarães, Estudos de direito processual civil, p. 99; Luís Eulálio de Bueno Vidigal, “Pressupostos processuais e condições da ação”, Revista de direito processual civil, vol. VI, 1967, p. 5-11; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, p. 177.

7 Neves, Estrutura fundamental do processo civil, p. 199.8 Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, passim.

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Cognição: Conceito, Objeto e Espécies 3 0 9

processuais, "condições da ação” e mérito da causa como com ponentes do objeto da cognição, parece-me mais acertado falar-se que os com ponentes de tal trinô- mio são questões preliminares, questões prejudiciais e questões referentes ao mérito da causa (objeto do processo).9

Em prim eiro lugar, a meu sentir, devem ser apreciadas as questões preli­minares. Estas são um a espécie de questão prévia, assim com preendida toda e qualquer questão que deva ser apreciada antes do m érito da causa. Entre as questões prévias encontram -se duas espécies: preliminares e prejudiciais.10 As prim eiras, com que me preocupo nesse m om ento, são aquelas questões pré­vias cuja solução pode im pedir o julgam ento do objeto do processo.11 Assim, por exemplo, a análise das questões sobre as "condições da ação”, ou das ques­tões sobre o processo (entre as quais se situam os pressupostos processuais e os im pedim entos processuais, en tre outras), são prelim inares, visto que sua resolução pode im pedir a apreciação do m érito, extinguindo-se o processo sem que este seja resolvido.

São prelim inares as questões enunciadas no art. 301 do CPC, cabendo ao réu alegá-las na contestação, sob pena de responder pelas "custas do re­tardam ento”. Registre-se que, no art. 301, são incluídas duas questões que não se enquadram propriam ente no conceito apresentado de prelim inares: a incom petência absoluta e a conexão (aí utilizado o term o em sentido amplo, abrangendo tanto a conexão stricto sensu como a continência). Essas duas ques­tões não chegam jamais a im pedir a apreciação do m érito da causa, razão pela qual são denom inadas preliminares impróprias ou dilatórios.12

Note-se, aqui, que a inclusão das "condições da ação” e dos pressupostos processuais (e dem ais questões sobre o processo) num a m esm a categoria não implica negar sua diversidade ontológica. Já ficou claro, ao longo da exposição de m inhas ideias, que "condições da ação” e pressupostos processuais são ca­tegorias distintas, da m esm a forma como são distintos os institu tos da ação e do processo. O que pretendo é, tão som ente, a inclusão dessas categorias ontologicam ente distintas num a única categoria quanto à cognição judicial, um a vez que ambas têm um elem ento em comum, qual seja, o fato de serem ambas questões que devem ser apreciadas antes do objeto do processo, e cuja resolução pode im pedir a apreciação deste.

Ultrapassadas as prelim inares, o que significa dizer que é possível a apre­ciação do objeto do processo, passa-se à segunda espécie de questão prévia, a

9 Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil", p. 208.10 Sobre as questões prévias como gênero, de que são espécies as preliminares e as prejudiciais. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil [de 1939], tomo IV, p. 63.

11 Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, p. 29-30.12 Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil”, p. 209.

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3 1 0 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

prejudicial. Entra-se, nesse m om ento, no segundo elem ento com ponente do trinôm io de questões que com põe o objeto da cognição judicial.

Q uestão prejudicial é a segunda espécie de questão prévia, e pode ser definida como o antecedente lógico e necessário do julgam ento do m érito (questão prejudicada), e que vincula a solução deste, podendo ser objeto de dem anda au tônom a.13 Trata-se, com o se verifica facilmente pela definição apresentada, de questão que deve ser apreciada antes do objeto do processo, o que justifica sua inclusão como elem ento d istin to do m érito no objeto da cognição judicial. A prejudicial é um a questão prévia ao m érito e cuja solução terá forte influência na resolução do objeto do processo. Exemplo tradicional é o que se tem na "ação de alim entos”, em que o autor alega ser filho do réu, e este contesta a pretensão do dem andante, negando a filiação. A ntes de julgar a pretensão do autor, com o facilm ente se deduz, caberá ao juiz verificar se ele é ou não filho do réu. Essa questão não integra o objeto do processo, sendo a ele an terior (questão prévia, portanto). Salta aos olhos, porém , que a solução que se dê à prejudicial influirá no julgam ento da pretensão.

N ote-se que o juiz não julga a questão prejudicial, mas tão som ente dela conhece. Isso explica por que, por exemplo, afirma o art. 469, III, do CPC que a resolução da questão prejudicial não é alcançada pela coisa julgada. Essa afir­mação contida na lei fica mais clara quando se sabe que só pode ser alcançado pela coisa julgada aquilo que é julgado, e isso não ocorre com as prejudiciais, que são apenas conhecidas. O juiz apenas conhece incidenter tantum das prejudi­ciais, e não principaliter.14

A questão prejudicial pode ser interna (quando surge no m esm o processo onde será apreciada a questão prejudicada, com o ocorre no exemplo anterior­m ente aventado, da "ação de alim entos”), ou externa (quando sua apreciação se dará em outro processo, o que ocorreria, por exemplo, se a negação de pater­nidade do exemplo aventado tivesse ocorrido em "ação negatória de paternida­de”). Pode, ainda, ser classificada em homogênea (quando pertence ao mesmo ram o do Direito que a questão prejudicada, e mais um a vez cito o exemplo referido da "ação de alim entos”, um a vez que a obrigação de alim entar e a fi­liação pertencem , ambas, ao m esm o ram o da ciência jurídica: o Direito Civil) e heterogênea (quando a prejudicial pertence a ram o do Direito diverso da questão prejudicada, o que se dá, por exemplo, quando num a dem anda fundada no Di­reito Civil surge um a prejudicial de inconstitucionalidade de lei).

13 Antônio Scarance Fernandes, Prejudicialidade, p. 53; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, p. 218.

14 Será visto mais adiante que há uma possibilidade de o juiz conhecer principaliter das ques­tões prejudiciais, hipótese em que a postulação referente a estas será julgada e, por conseguinte, alcançada pela autoridade de coisa julgada. É o que se dá quando existe "ação declaratória inci- dental" (arts. 5o, 325 e 470 do CPC).

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Cognição: Conceito, Objeto e Espécies 3 1 1

Após a análise de eventual questão prejudicial que tenha surgido no processo, passa-se ao terceiro elem ento do objeto da cognição, qual seja, o conjunto de questões referentes ao m érito da causa, ou objeto do processo (o Streitgegenstand da doutrina alemã). Esse conceito já foi analisado anterior­m ente, sendo de lembrar, apenas, que o m érito da causa nada mais é do que a pretensão m anifestada pelo autor em sua dem anda. Em outras palavras, após a apreciação das questões prévias, passa o juiz a apreciar o mérito, ou seja, a julgar o pedido do autor.15

Registro, porém , e desde logo, que resolver questões não é julgar, mas algo que se faz a cam inho do julgam ento. Julgar é concluir, e só se consegue chegar à conclusão depois de resolvidas todas as questões. É preciso, então, que o juiz conheça de todas as questões de mérito, e as resolva, para que possa proferir seu julgam ento sobre a pretensão do dem andante. Essa observação deve ser feita para que se possa, depois, voltar ao ponto (quando do estudo dos elem entos essenciais da sentença).

Após conceituar a cognição, e depois da exposição de seu objeto, há que se passar à classificação da cognição, analisando-se cada um a de suas espécies. A inda aqui não há consenso doutrinário, em bora se possa verificar um a certa uniform idade no pensam ento da m aioria dos autores que tratou do tema.

Uma prim eira tentativa de classificação da cognição foi feita por Chioven­da, que reconhecia a existência de um a cognição ordinária ao lado de outra, su­mária.16 Para esse autor há um a espécie ordinária de cognição, que seria "plena e com pleta”, na qual o juiz teria "por objeto o exame afundo de todas as razões das partes, ou seja, de todas as condições para a existência do direito e da ação e de todas as exceções do réu”.17 Ao lado dessa prim eira espécie, reconhece Chiovenda um a cognição sumária, incompleta, "quando o exame das razões das partes ou não é exaustivo ou é parcial”.18

A cognição sumária, para este autor, poderia se m anifestar de três formas:

a) na condenação com execução provisória, quando se adm ite que um a sentença condenatória, ainda sujeita a recurso, produza o efei­to de abrir caminho para a instauração da execução forçada;

15 Note-se que, como julgar o mérito é julgar o pedido do autor, caberá ao juiz, quando da pro­lação da sentença de mérito, julgar procedente ou improcedente o pedido (e não a ação, como se vê todos os dias na linguagem forense, e até mesmo na obra de diversos processualistas). Não se deve falar em “ação procedente” ou em “ação improcedente”, uma vez que não é do julgamento da existência ou inexistência do poder de ação que se trata aqui. O que está sob julgamento, quando da apreciação do objeto do processo, é o pedido formulado pelo demandante. Admitir-se como corretas as expressões aqui criticadas implicaria fazer-se uma concessão inadmissível às teorias concretas sobre a ação.16 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 174-236.

17 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 175.18 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 175.

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b) na condenação sob reserva, quando se adm ite que o juiz possa pro­ferir sentença condenatória, reservando o exame de determ inadas exceções do réu para m om ento posterior; e

c) no procedim ento m onitório, quando a lei adm ite que se possa or­denar um pagam ento antes de ser ouvido o pretenso devedor.

Ter-se-ia cognição sum ária nos três casos, sendo a cognição não definitiva (na hipótese sub a), parcial (na hipótese sub b) ou superficial (na hipótese subc).19 Nas três espécies de cognição sumária, ter-se-ia como objetivo a antecipa­ção da execução, razão pela qual deu Chiovenda a essas m edidas provenientes de cognição incom pleta o nom e de "declarações com predom inante função executiva”.20 Admitia, ainda, Chiovenda, haver cognição sum ária, em razão da urgência, para concessão de medidas provisórias, acauteladoras ou não.21

Essa classificação da cognição, em bora extrem am ente lógica, e tendo sido defendida pelo m ais influente entre todos os processualistas, não recebeu acolhida da m elhor doutrina. É realm ente preferível adotar-se ou tra forma de classificação, proposta no Brasil pelas vozes mais autorizadas que trataram do tem a.22 Assim é que a cognição deve ser examinada em dois planos, o horizontal (da extensão ou am plitude) e o vertical (da profundidade).

No plano horizontal, em que se verifica a am plitude da cognição judicial, o que se busca é saber qual a extensão com que são analisados os elem entos com ponentes do objeto da cognição. Fala-se, assim, em cognição plena (quando todos os com ponentes do trinôm io são apreciados) e limitada (quando ocorre alguma restrição na am plitude da cognição). A prim eira espécie é a mais fre­qüente no módulo processual de conhecim ento, já que o princípio da economia processual impõe se busque a existência de um processo capaz de assegurar o máximo de vantagem com o m ínim o de dispêndio. Assim sendo, na maioria dos processos cognitivos o objeto da cognição é inteiram ente analisado pelo juízo, com o que se garante que a sentença resolverá a questão subm etida ao crivo do judiciário da form a mais com pleta possível.

Exemplo da segunda espécie, em que a cognição é lim itada no plano horizontal, restringindo-se assim a análise do objeto da cognição, é o que se tem nas "ações possessórias”, em que - como notório - não se pode examinar a existência do dom ínio (vedação da "exceção de dom ínio”). Assim, por exem­plo, se for proposta um a "ação possessória” em que figure como réu o pro­prietário do bem, este não poderá alegar em defesa o domínio. A cognição é,

19 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 236-237.20 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 237.

21 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 275.

22 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 83-91; Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 21-27.

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portanto, limitada, restringindo-se à análise da posse. Fica aberta, obviamente, a via da "ação petitória” para que aquele que se considere proprietário possa fazer valer esse direito em juízo.

No plano vertical, em que se busca saber a profundidade da análise dos elem entos a serem apreciados pelo juiz, têm -se três espécies de cognição: exau- riente, sumária e superficial.

A prim eira espécie é aquela em que a decisão judicial será proferida com base em juízo de certeza. Cabe, aqui, um a explicação. É que todo juízo de certeza é, em verdade, um juízo de verossim ilhança.23 Tal se dá porque o juiz atua, em relação aos fatos da causa, como o historiador em relação aos fatos históricos, buscando reconstruí-los. Assim é que o juiz, em sua ativida­de cognitiva, afirma que dado fato é verdadeiro quando alcança aquele grau de convencim ento que lhe é outorgado por um a m áxim a verossim ilhança. A certeza a que se refere aqui, portanto, não é um a certeza psicológica, mas um a certeza jurídica.24

A cognição exauriente, portanto, perm ite a prolação de um a decisão ba­seada em juízo de certeza (jurídica), o que justifica a formação da coisa julgada, m anto que reveste de im utabilidade e indiscutibilidade o conteúdo dessa de­cisão. Em outros term os, a cognição exauriente perm ite a resolução definitiva da questão trazida ao crivo do judiciário, impedindo, assim, o surgim ento de processo posterior que tenha o m esm o objeto.

As principais características da cognição exauriente são a existência de um contraditório antecedente ao provim ento jurisdicional (eis que o juiz só poderá form ar o juízo de certeza após ouvir as razões de ambas as partes), o qual deverá se realizar nos term os predeterm inados por lei, e na possibilidade de o provim ento assim proferido ser alcançado pela im utabilidade e indiscuti­bilidade da coisa julgada substancial.25

A cognição exauriente, com o facilmente se verifica, é freqüente nos m ó­dulos processuais de conhecim ento, um a vez que a finalidade essencial destes é, precisam ente, a obtenção de certeza jurídica quanto à existência ou inexis­tência do direito substancial afirmado pelo dem andante.

A segunda modalidade de cognição no plano vertical é a cognição sumária. Esta se caracteriza por levar o juiz a em itir um provim ento baseado em juízo de probabilidade. Cabe, aqui, ou tra rápida digressão. Os conceitos de possibilidade,

23 Piero Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, Opere giuridiche, vol. V,p. 616.24 Piero Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile", p. 617.

25 Essas as características apontadas para o que chama cognizione piena, e que corresponde ao que aqui venho chamando cognição exauriente, Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile,p. 601.

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verossimilhança e probabilidade são, em verdade, m uito próximos, sendo m esm o com um que sejam em pregados como sinônim os. Não parece, porém, que essa seja a m elhor form a de se interpretar esses term os. Assim é que opto por dar a esses três conceitos o sentido que lhes dá Calamandrei, em obra clássica já referida: possível é aquilo que pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a aparência de verdade; por fim, provável é aquilo que se pode considerar como razoável, ou seja, aquilo que dem onstra grandes motivos para fazer crer que corresponde à verdade.26 Apresentam -se, pois, esses três term os como um a escala em direção à certeza: a mais tênue das três figuras é a m era possibilidade (capaz de excluir, apenas, os fatos impossíveis de terem ocorrido). Um pouco mais forte é a verossimilhança (que se afigura como aparência de que o fato ocor­reu) e, por fim, a probabilidade, algo como um a “quase-certeza”.

Na cognição sumária, busca-se um juízo de probabilidade, devendo o provim ento a ser proferido afirmar, apenas e tão som ente, que é provável a existência do direito, ou seja, que há fortes indícios no sentido de sua existên­cia, convergindo para tal conclusão a m aioria dos fatores postos sob o exame do juiz. Tal provimento, obviamente, não poderá jamais ser tido por imutável e indiscutível, já que não é capaz de afirm ar a existência do direito, sendo, portanto, incapaz de ser alcançado pela im utabilidade e indiscutibilidade de­correntes da autoridade de coisa julgada substancial.27

São diversas as h ipóteses em que o ju iz é cham ado a em itir provim en­tos com base em cognição sum ária, en tre eles se destacando as m edidas cau- telares e a tu te la antecipada.28 A cognição sum ária é um a técnica destinada a assegurar três escopos principais: econom ia processual, evitar o abuso do d ireito de defesa e busca de efetividade da tu te la quando esta seja com pro­m etida pelo tem po.29

26 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 621.

27 Não concordando com o que vai no texto, afirmando a possibilidade de um provimento ba­seado em cognição sumária alcançar a coisa julgada material, Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência, p. 8-9. Registro, aqui, que o ordenamento pode estabelecer casos em que a decisão proferida com base em cognição sumária, em razão de algum fato posterior, passa a se equiparar a decisões baseadas em cognição exauriente. É o que se tem, por exemplo, no procedimento mo- nitório, em que o provimento liminar, baseado em juízo de probabilidade, somado à contumácia do demandado, permite a formação da coisa julgada material.

28 Sobre a natureza sumária da cognição em sede de tutela cautelar, para não multiplicar des­necessariamente as citações, basta referir a principal obra já escrita sobre o tema: Piero Cala­mandrei, "Introduzione alio studio sistemático dei prowedimenti cautelari”, Opere giuridiche, vol. IX, p. 201. Sobre a índole sumária da cognição na tutela antecipada, é farta a literatura no Brasil. Consulte-se, entre outros, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, p. 113; Nery Júnior, Atualidades sobre o processo civil, p. 61; Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 145; Marinoni, A antecipação da tutela na reforma do processo civil, p. 22-24; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 62.29 Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, p. 603.

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É de se notar, por fim, que, em razão da diversidade conceptual anterior­m ente apontada entre possibilidade, verossimilhança e probabilidade, não parece cor­reto afirmar que a cognição sum ária perm ite um "juízo de verossim ilhança”.30 Este, como se verá adiante, é o que se forma na cognição superficial, terceira e últim a espécie de cognição no aspecto vertical.

A probabilidade, exigida na cognição sumária, corresponde a um a "qua- se-certeza”, razão pela qual se exige, nesse campo, a existência de alguma pro­dução probatória.31 E à luz dessas provas, insuficientes para produzir um juízo de certeza, m as capazes de convencer o juiz da probabilidade de existência do direito afirmado, que se prolatará o provim ento judicial decorrente de cogni­ção sumária.

Afirme-se, para encerrar essa rápida exposição do conceito e das carac­terísticas da cognição sum ária, que estou convencido de que a probabilidade de existência do direito exigida para a prolação de um provim ento cautelar é a m esm a que se exige para a antecipação da tu te la jurisdicional satisfativa.32

A terceira e últim a das modalidades de cognição quanto à profundidade é a cognição superficial ou rarefeita. Esta se caracteriza por levar o juiz a um juízo de possibilidade (ou, pode-se dizer, a um juízo de verossimilhança). É de se notar que é aqui, na cognição superficial, e não na cognição sum ária, que ha­verá verdadeiro juízo de verossimilhança. A utilização indevida dessa palavra no caput do art. 273 do CPC pode induzir o intérprete em erro, um a vez que a hipótese ali versada, tu te la antecipada, é exemplo típico de cognição sumária.

Verossimilhança, como se sabe, é a aparência de verdade, sendo con­ceito mais rarefeito que o de probabilidade. O juízo de verossimilhança, é de se deixar claro, não é um juízo a ser exercido sobre os fatos, mas sobre as afirmações.33 O juízo de verossimilhança, portanto, característico da cognição superficial, se dá num prim eiro m om ento, o das alegações, antes de se iniciar o procedim ento probatório. Trata-se de um juízo que se produz sobre um a m áxim a de experiência, decorrente da verificação da frequência com que se produz o fato alegado pela parte.34 O juízo de verossimilhança, pois, difere do

30 Vários autores, porém, fazem essa equiparação entre probabilidade e verossimilhança, que me parece errônea. Por todos, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, p. 113.31 Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 24-25.

32 Já afirmei isso anteriormente, em Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 68. No mesmo sentido, Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 24, esp. nota de rodapé n° 30. Em sentido contrário, afirmando haver diferença de profundidade entre a cognição para a tutela antecipada e para a tutela cautelar, entendendo ser a exigência para a tutela cautelar mais tênue, Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 145.

33 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 621-622.34 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 622-623.

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juízo de probabilidade, típico da cognição sumária, pois este se realiza após a produção de algumas provas.

A cognição superficial é típica das decisões lim inares em processo cau­telar (mas não em todas as lim inares, visto que algumas são deferidas com base em cognição sumária, com o no caso do m andado de segurança) .35 Pode- -se, pois, afirmar que a decisão lim inar será deferida com base num a cognição que, no plano vertical, encontra-se um "degrau” acima daquela exigida para o provim ento final do processo onde a m esm a é prolatada. Assim, por exemplo, no processo de conhecim ento de rito ordinário, o provim ento final - a senten­ça - é proferido com base em cognição exauriente. Conseqüência disso é que a lim inar antecipatória dos efeitos da sentença deverá ser deferida com base em cognição sum ária (um "degrau” acima). Já no processo cautelar, em que o provim ento final é de cognição sumária, a lim inar deverá ser proferida à luz de um juízo de m era verossimilhança, ou seja, cognição superficial.

Afirme-se, por fim, que as diversas m odalidades de cognição podem ser com binadas num m esm o processo, sendo possível adm itir-se a existência de processos com cognição plena e exauriente, plena e sumária, lim itada e exau­riente, e todas as outras combinações que se revelem possíveis en tre a am pli­tude (plano horizontal) e a profundidade (plano vertical) da cognição.36

35 Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 26.

36 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 85-86; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil", p. 224-225.

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