Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011

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O ESCUDO DE ENEIAS: A REPRESENTAO DA CONSAGRAO DE AUGUSTO CSAR

NASCIMENTO, Danniele Silva do (Graduanda UFPB) RGO, Nathlia Pinto do Rgo (Graduanda UFPB)

RIBEIRO, Prisciane Pinto Fabrcio (Graduanda UFPB) ALBERTIM, Alcione Lucena de (Orientadora)

Resumo: O presente trabalho objetiva elucidar a consagrao de Otvio Augusto como Princeps, presente no Livro VIII, da Eneida, poema latino escrito por Virglio no perodo clssico, mais precisamente entre 29 a.C. e 19 a. C. A partir do episdio do escudo de Eneias, observamos que a sucesso das cenas l descritas trazem um enlace do mtico com o histrico, a fim de afirmar a linhagem divina de Otvio. Dentre os eventos representados no escudo, a Batalha de Actiumfoi decisiva na vida de Csar, pois, aps este acontecimento, ele assume o nome Augusto, que vem do termo latino augurque significa que o novo senhor tinha o poder divino de comear tudo sob felizessuspcios (GRIMAL, 1984, p. 51). Palavras-chave: Escudo; Consagrao; princeps

Introduo

A Eneida, marco da Literatura Latina, um poema pico encomendado por Augusto Csar a Virglio. A Epopeia visa a um projeto poltico, cuja inteno seria eternizar a glria e o poder de Roma. Escrita em versos hexmetros,dactlicos ou espondaicos1, a obra trata das errncias de Eneias, Heri Troiano, que tendo sido impelido pelo destino, sai das plagas de Troia, em direo ao Lcio a fim de erguer as muralhas da altiva Roma.

Foi em Homero que o poeta buscou os pressupostos para escrev-lo. Por esse fator, encontramos diversas semelhanas com a Ilada e aOdisseia, porm, importante ressaltar que apesar de tomar como modelo as duas epopeias, Virglio inova, desenvolvendo episdios que em Homero esto apenas pontuados, como por exemplo, o advento do cavalo de madeira, que descrito com detalhes, no Livro II da Eneida, cujo argumento a destruio de Troia. O poeta toma como base para a composio do poema, fatos histricos,que repousam na origem mtica de Roma, de modo a ratificar a divinizao de Augusto como sendo determinada pelos deuses.

Como todo poema pico, a Eneida comea in medias res2, ou seja, no meio dos acontecimentos: Tria j foi destruda e o heri j est no stimo ano de errncia desde que partiu da cidade.

Partindo de uma estrutura tridica estabelecida por Milton Marques Jnior3, assim podemos sintetizar a anlise geral dos doze Livros da obra: 1O hexmetro dactlico constitudo por seis ps, consta de cinco dctilos e no sexto um espondeu ou troqueu. Em todos os ps o dctilo pode ser substitudo por um espondeu exceto o quinto p. Um dctilo uma sequncia de trs silabas poticas, uma longa e duas breves o que faz analogia as falanges do dedo que uma longa e duas breves, visto que o termo grego dactilus da/////ktuloj significa dedo e tambm um termo de comparao de medida. 2 ...semper ad euentumfestinat et in medias resnon secus ac notas auditoremrapit ...

(HORCIO,ArsPoetica, v.148 - 149) In medias res um termo latino retirado da Arte Potica de Horcio que designa uma narrativa que comea no meio dos acontecimentos. uma caracterstica inerente a epopia, i. , segundo Horcio o poema pico no deve comear no princpio dos acontecimentos (abouo) mas in medias res, no meio dos eventos.

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Provaes (Livros I-IV):No momento em que Enias assinalado pelos deuses para efetuar a misso de fundar uma nova Tria, a ele sero dadas inmeras provaes que consolidaro o seu rito de passagem. Nos Livros I, II e III, encontramos o heri troiano vivenciando as provaes. No Livro I,perseguido pela a ira da Juno; chega a Cartago, desviado por uma tempestade enviada pela deusa. No Livro II, utilizando o recurso narrativoflaskback, Eneias relata a destruio de Tria. No Livro III, ele narra sua errncia por terra e mar depois da partida da cidade dardnia em chamas. O Livro IV trata dos amores de Eneias e da rainha Dido, em Cartago, onde, a mando de Jpiter, o heri lembrado de sua misso por Mercrio. Eneias parte de Cartago e este fato culmina no suicdio da rainha.

Rituais(Livros V- VIII) Os livros V a VII so caracterizados pelos ritos que iro estabelecer a transio de Eneias como pai da ptria. O Livro V trata dos jogos fnebres a Anquises aps um ano de sua morte. O Livro VI o marco da mudana do heri, no qual Eneias desce aos Infernus e sofre a catabsis. L encontra a alma do seu pai, Anquises, que reafirma o destino do filho como heri, atravs de uma prolepse sobre a grande descendncia proveniente de Silvio Eneias, filho que tivera tardiamente com a princesa latina Lavnia. Em seguida, Eneias sofre a anabasis, emergindo ao mundo dos vivos. Suas aes posteriores convergiro para ratificar a virtus confirmada pela sua descida. O Livro VII marcado pela chegada de Eneias ao Lcio e pelo ritual de sacralizao do territrio onde ser fundada a cidade. O Livro VIII, corpus do nosso trabalho, comea com a aliana entre Eneias e o rcade Evandro, que o apresenta as terras onde futuramente sero erguidas as bases de Roma, e se finda com o recebimento das armas forjadas por Vulcano para Eneias, a pedido de Vnus, me do heri. Dentre as armas, o escudo de essencial importncia, visto ser a arma que denota o equilbrio na luta entre dois adversrios. Logo, no escudo que veremos a antecipao da soberania de Augusto, e consequentemente, da glria de Roma.

Combates (Livros IX-XII): Os trs ltimos Livros abordam o IngensAeneas, ou seja, o Magno Eneias, que aps errar e adquirir a tmpera necessria, une-se ao Arcdio Evandro e ao Etrusco Tarco, triunfando frente aos combates contra Turno, rei dos rtulos. Alm de tomar posse da terra, Eneias assume Lavnia como esposa, que posteriormente dar o nome ao Reino de Lavnio. Tais fatos no esto explcitos no poema, porm podemos inferi-los a partir da descrio da morte de Turno e das prolepses presentes em todo decorrer da narrativa.

Desenvolvimento

Marco da literatura latina, a Eneida um poema pico, escrito por Pblio Virglio Maro a pedido do imperador Otvio Augusto Csar. A epopeia busca enaltecer Roma, senhora do mundo, e, consequentemente, engrandecer a figura do Otvio como princeps. Dentre os doze livros que compem a obra, delimitamos o Livro VIII como corpus para o nosso trabalho, mais especificamente os versos 626-731, os quais tratam da descrio do escudo de Eneias.

O escudo, dentre as armas que o heroi porta, de essencial importncia, haja vista denotar a posio de equilbrio do guerreiro dentro do combate. Por possuir o escudo dimenso e peso considerveis, ele o primeiro a ser abandonado no momento de fuga, caso haja desvantagem de um combatente em relao ao seu adversrio. Logo, essa arma representa o ataque, pois em dadas circunstncias mortal, mas, sobretudo, ela smbolo de defesa contra o inimigo.

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A descrio dos episdios gravados no escudo feita a partir dos olhos do prprio personagem, pois acontece no momento em que Vnus o entrega a Eneias, e ele, admirado com a beleza das imagens representadas, percorre com olhar atento a representao da futura glria de Roma, sem saber, no entanto, do que tratam. O primeiro episdio referido trata da origem mtica de Roma, o qual diz respeito ao nascimento dos gmeosRmulo e Remo, que foram amamentados por uma loba. A figura do animal concerne a Marte, por ser consagrado a ele, deus da guerra. Sendo o pai dos gmeos, ele teria enviado a loba para que assistisse sua prole. Do mesmo modo que Marte guiava a juventude em suas conquistas territoriais, a loba guiaria Rmulo e Remo a fim de, posteriormente, fundarem Roma.

A segunda imagem descrita corresponde ao rapto das sabinas. Preocupado com a posteridade da cidade e com a escassez de mulheres, Rmulo organiza jogos solenes em honras divinas a fim de chamar a ateno dos povos vizinhos para ver a ascenso da cidade. Nesse nterim, os sabinos comparecem aos jogos com suas mulheres e crianas. Durante o clebre evento, jovens romanos se lanam na captura das mulheres sabinas, tomando-as para si, fato que desencadeou a guerra entre os dois povos. O rei Tcio (originrio da cidade de Cures) nomeado chefe de guerra pela confederao sabina, para vingar o rapto de suas mulheres e findar com o progresso de Roma. Porm, com a reconciliao dos povos atravs da interveno das mulheres sabinas, Romanos e Sabinos formariam um s povo. Tcio e Rmulo partilhariam entre si do poder sobre a cidade formada. Tcio habitaria na cidadela do Capitlio, e Rmulo, no palatino. Para Rmulo, permaneceria o nome da cidade, Roma, e para Tcio, mudaria o nome da populao romana para Quirites. A referncia seguinte trata do evento de Mcio e Tulo. Estando em conflito romanos e albanos, e temendo os etruscos, MettiusFuffetius, ditador albano e TulusHostilius, rei romano, entram em um acordo atravs do qual acertaram que a vitria da guerra seria atravs da participao dos gmeos Horcios, para os romanos, e Curicios, para os albanos. Para aquele quesasse derrotado, caberia a submisso ao povo vencedor. Coube aos romanos a vitria. Porm, a paz entre os dois povos no durou muito, pois para retomar o favor e o prestgio no meio de seu povo, Mcio levantou uma conspirao para destruir Roma. Ele incentiva a outros povos a declararguerra contra Roma, a qual seja feita abertamente. Ganhada a guerra, Tulo arma cerco contra os albanos aps fingir que no tinha conhecimento da traio do ditador albano e o prende em dois carros com cavalos que, correndo em sentido contrrio, dilacera lhe o corpo arrastando os pedaos pelo cho. Na sequncia, vemos passagens que relatam o episdio de guerra declarada por Poserna aos romanos, usando como argumento a expulso de Tarqunio de se seu trono. Tarqunio, sendo expulso de Roma, pede apoio a Porsena, um rei etrusco, que utiliza esse fato como argumento para levantar uma guerra contra Roma. Cocles, tendo perdido seus companheiros pelos Tarqunios, enfrenta o exrcito inimigo sozinho na ponte Sublcia at que essa se rompesse e todos os soldados de Porsena estivessem afastados do Tibre. pela posio de Cocles que fora destruda a nica passagem mal guarnecida pelos Tarqunios. Depois vemos Cllia, refm, que garantia a Porsena a retirada. Ela liberta as companheiras e atravessa o rio a nado. O poeta d continuidade a narrativa descrevendo o episdio de Mnlio. Despertado pelo grasnar dos gansos, o romano repeliu um ataque noturno ao Capitlio que foi armado pelos gauleses em 390 a.C, os quais foram forados a recuar de maneira abrupta. Posteriormente, Mnlio intercede pelas classes romanas mais pobres, prejudicadas por uma lei rgida concernente s dvidas. Esse fato acarretounuma

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acusao a qual afirmava que Mnlio estava buscando se transformar em um tirano, por isso foi condenado morte e lanado do alto da Rocha Tarpeia.

No centro do escudo est localizado a maior de todas as conquistas romanas, a Batalha de Actium, travada em 31 a.C. entre Otvio Augusto e Marco Antnio. Esse acontecimento decisivo para a consolidao do domnio e do poder de Otvio e, consequentemente, de Roma.

A guerra mostrada em todo o seu poderio blico evidenciado pelo carter descritivo do trecho. A imagem de Otvio caracterizada por um esplendordivino cujas tmporas alegres cintilam dupla chama e a constelao paterna lhe fulge sobre a cabea4.Tal divinizao faz aluso direta ao deus Apolo que est auxiliando os romanos no combate e ele que, durante toda a Eneida, direciona Eneias a seguir o seu destino.

Na Guerra, Csar possua os elementos necessrios para obter a vitria os quais esto presentes nos versos 675-679 do Livro VIII da Eneida:

inmedioclassisaeratas, Actiabella, cernere erat, totumqueinstructo Marte uideres feruereLeucatenauroqueeffulgerefluctus. hinc Augustus agensItalos in proeliaCaesar cumpatribuspopuloque, penatibus et magnisdis

No Meio, percebia-se as tropas bronzeas, a Batalha de ccio,tendo Marte provido todo Leucates, vejas ferver e luzir as ondas em ouro.Daqui Augusto Cesar trazendo os Italos em combates com o senado e os habitantes, os penates e os grandes deuses.

Ento, podemos perceber a importante participao dos habitantes e dos pais da ptria como a presena poltica em potencial ao lado de Otvio e a referncia aos penates e aos grandes deuses que aponta a aprovao e colaborao divina dando um enfoque religioso aliado viso poltica. Esses aspectos dopara Otvio Csar a autoridade de estabelecer em Roma a sua posio de princepssenatus,pois ele no visto pelo povo como simplesmente um lder ou ditador, mas oinsigne por possuir uma linhagem divina e ser aquele que est destinado a firmar a PaxRomana.

Triunfando sobre Marco Antnio, Otvio passa a ser chamado de Augusto, o que traz bons augrios, consagrado e aclamado por todos.

Concluso Deste modo, vimos que o escudo figura como o principal armamento dentre os que Eneias recebera de Vnus, sua me, e nesse fato que Virglio se prende ao escolher exatamente essa arma como representao simblica da glria do imprio de Otvio Augusto e sua aclamao como princeps. A partir de uma descrio detalhada das cenas gravadas no escudo, o poeta se utiliza de fatos histricos aliados a mitos prprios da cultura greco-romana para afirmar a soberania augustana, inserindo nesse contexto elementos que daro a Augusto Csar uma posio poltica soberana, pois todos os episdios descritos esto dispostos de maneira a contribuir para a ascenso de Otvio Augusto como um lder romano, que

4VIRGLIO. Eneida; Traduo e notas de Tassilo Orpheu Spalding. 9. Ed. So Paulo: Cultrix, 2010, p 171.

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ocupava uma posio destinada a ele pelos deuses, uma vez que o imperador descendia de uma linhagem divina.

REFERNCIAS

GRIMAL, Pierre. Dicionrio da mitologia grega e romana. Traduo de Victor Jabouille. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. ______________ A civilizao romana. Traduo de Isabel St. Aubyn. Lisboa: Edies 70, 1984. ______________ O sculo de Augusto. Traduo de Rui Miguel Oliveira Duarte. Lisboa: Edies 70, 1992. MARQUES JNIOR, Milton. Honra, Glria, Destino e Piedade: Introduo pica Clssica. Graphos: Revista da Ps-graduo em Letras UFPB. Joo Pessoa: Idia; Editora Universitria, 2007. SARAIVA, F. R. dos Santos, Novssimo dicionrio latino-portugus. 9 Ed. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2006. VIRGLIO. Eneida; Traduo e notas de Tassilo Orpheu Spalding. 9. Ed. So Paulo: Cultrix, 2010. VIRGILE.Lnide Tome Premier; textetraduit par Maurice Rat avec Introduction et notes. ditions GARNIER Paris: LibrairieGarnierFrres, 1947.