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Uma semente no campo do Vargas: A questão agrária e social da colônia agrícola de Santa Cruz (1930-1945). Henrique Dias Sobral Silva 1 Resumo: O presente estudo analisa a criação do núcleo colonial de Santa Cruz, situado na zona oeste carioca, no entorno da então capital federal, região de Baixada que nas décadas de 1930 e 1940, passa por grandes mudanças geográficas e estruturais, em especial, por influência dos trabalhos de saneamento na região e da criação do núcleo agrícola, que as disposições governamentais pretendem como parte de um projeto de melhorar o abastecimento de alimentos da então capital federal. Meu objetivo se centra na análise da colônia ao longo do período proposto sob a ótica da diferença entre as disposições governamentais e os ‘projetos camponeses’ dos colonos. Palavras – chave: Colonização; Núcleos Coloniais; Governo Vargas. Résumé: La présente étude analyse la création de la colonie agricole de Santa Cruz, située dans la zone ouest de la ville de Rio de Janeiro, à ce moment capital fédéral.Cette région pendant les années 1930 et 1940, a été frappée par grands changements structurels, en particulier, les travaux d'assainissement et de la création de la colonie agricoles. Les dispositions gouvernementales prétendaient comme partie d'un projet d'approvisionnement de la capital fédéral. Mon objectif est l'analyse de la colonie sous l'optique de la distance entre les dispositions gouvernementales et le `projets paysans’ des colons. Mots clés : Politique Publique; Colonies Agricoles; Gouvernement Vargas. Introdução 1 Graduando do Curso de Bacharelado e Licenciatura de História – UFRJ, Bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ e membro do LEHS-UFRJ – Laboratório de Experimentação em História Social.

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  • Uma semente no campo do Vargas: A questo agrria e social da colnia agrcola de Santa Cruz (1930-1945).

    Henrique Dias Sobral Silva1

    Resumo: O presente estudo analisa a criao do ncleo colonial de Santa Cruz, situado na zona oeste carioca, no entorno da ento capital federal, regio de Baixada que nas dcadas de 1930 e 1940, passa por grandes mudanas geogrficas e estruturais, em especial, por influncia dos trabalhos de saneamento na regio e da criao do ncleo agrcola, que as disposies governamentais pretendem como parte de um projeto de melhorar o abastecimento de alimentos da ento capital federal. Meu objetivo se centra na anlise da colnia ao longo do perodo proposto sob a tica da diferena entre as disposies governamentais e os projetos camponeses dos colonos.

    Palavras chave: Colonizao; Ncleos Coloniais; Governo Vargas.

    Rsum: La prsente tude analyse la cration de la colonie agricole de Santa Cruz, situe dans la zone ouest de la ville de Rio de Janeiro, ce moment capital fdral.Cette rgion pendant les annes 1930 et 1940, a t frappe par grands changements structurels, en particulier, les travaux d'assainissement et de la cration de la colonie agricoles. Les dispositions gouvernementales prtendaient comme partie d'un projet d'approvisionnement de la capital fdral. Mon objectif est l'analyse de la colonie sous l'optique de la distance entre les dispositions gouvernementales et le `projets paysans des colons.

    Mots cls : Politique Publique; Colonies Agricoles; Gouvernement Vargas.

    Introduo

    1 Graduando do Curso de Bacharelado e Licenciatura de Histria UFRJ, Bolsista de Iniciao Cientfica

    da FAPERJ e membro do LEHS-UFRJ Laboratrio de Experimentao em Histria Social.

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    Pretendo aqui tratar do processo de implantao do Ncleo Colonial de Santa Cruz, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, no perodo entre 1930 a 1945, procurando entender como se processou a relao entre as transformaes estruturais e a agncia dos colonos, em nvel local, insistindo em realizar seus projetos camponeses com maior ou menor sucesso contra o roldo da urbanizao, da especulao e das diretrizes governamentais.

    Para chegar a uma histria social da colonizao, preciso confrontar as fontes oficiais (relatrios, diretrizes e projetos do Ministrio da Agricultura e de diversos outros rgos criados neste perodo), com documentos e fontes produzidos pelos ou para os colonos (como registros de foreiros, ttulos de lotes, carns de prestaes, fotografias, memrias e misses de campo feitas na poca). Iniciando as pesquisas em 2011, minhas primeiras investidas, no que competem as fontes, foram no Arquivo Nacional, onde atravs do fundo da Fazenda Nacional de Santa Cruz e do fundo DNOS2, pude me aproximar da conjuntura anterior a criao do Ncleo Colonial, atravs da instalao do projeto de colonizao, com os relatrios de saneamento da Baixada e atravs de mapas cartogrficos. Num segundo momento, fiz um levantamento no escritrio do INCRA (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria) que, em parcela maior, concentra relatrios sobre o Ncleo colonial e ttulos de compra e venda de lotes. Ao me debruar sobre os estudos acerca do Ncleo Colonial de Santa Cruz pretendo apresentar o tema como parte de um conjunto das polticas varguistas. A

    2 Departamento Nacional de Obras de Saneamento.

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    historiografia que se dedica aos estudos da Era Vargas3 privilegia a anlise de outros projetos, tais como a substituio de importaes, o incentivo indstria, questes trabalhistas, a participao poltica dos trabalhadores dentro de uma tica populista, e a preocupao com a projeo, at nossos dias, do modelo gerado sob a tutela de Vargas.4

    O que pretendemos aqui ampliar nossos horizontes de interpretao sobre o perodo do primeiro governo Vargas, 1930 a 1945, na tentativa de observar como se d a poltica pblica de colonizao agrria, no Rio de Janeiro. Alm de ser importante a avaliao de um projeto governamental que altera, ainda que de maneira limitada, a estrutura agrria e social da regio.

    O perodo aqui analisado foi de grandes mudanas no campo brasileiro. Enquanto o pas passava por um perodo de retrao econmica aos produtos da pauta de exportao, nas regies mais povoadas a demanda interna por alimentos e matrias - primas aumentava substancialmente (SILVA & LINHARES: 1999). No limite essa sucesso de acontecimentos, somada necessidade de abastecimento urbano, visando reordenar a produo agrcola para o mercado interno, ensejou novas medidas estatais frente ao campo.

    Logo bastante claro que negligenciar esse caso esquecer parte da histria agrria brasileira, que muito nos tem a dizer sobre a formao desses espaos. Da surge minha inquietao e vontade de explorar os meandros e descaminhos dessa poltica.

    3 Refiro-me a substituio de importaes e incentivo da indstria no Brasil atrelado s questes

    trabalhistas que nascem em seu bojo, somado participao poltica dos trabalhadores, dentro de uma

    tica populista, temas esses que j foram amplamente discutidos por autoras como, ngela de Castro

    Gomes, Sindicalismo e corporativismo: um legado da Era Vargas. Conjuntura Econmica (Rio de Janeiro),

    Rio de Janeiro, 2004; Marieta de Moraes Ferreira, Poltica e Poder No Estado do Rio de Janeiro Na

    Republicam Velha. REVISTA DO RIO DE JANEIRO, 1985; Maria Antonieta P. Leopoldi A economia poltica

    do primeiro governo Vargas (1930-1945): a poltica econmica em tempos de turbulncia. In: Jorge

    Ferreira e Lucilia Neves Delgado. (Org.). O Brasil Republicano; Entre outros.

    4 Ver LINHARES, Maria Yedda. ; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma histria da

    questo agrria no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999. pp. 103.

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    O Ncleo Colonial para a academia, as consideraes dos gegrafos

    Para realizar este trabalho, alm das j citadas fontes primrias, me debrucei sobre a obra de gegrafos, especificamente aqueles influenciados pela escola conhecida como Geografia Agrria Clssica, que tem boa parte de suas estruturas consolidadas no pas nas dcadas de 1930 a 1960. Foi um perodo no qual se formaram e se firmaram os primeiros gegrafos profissionais no Brasil, alunos dos mestres europeus, mais que procuraram conhecer e construir uma Geografia Agrria essencialmente brasileira. interessante notar que o incentivo do governo federal no perodo foi um importante diferencial na produo geogrfica. Temos no pas a criao do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) aliado a elementos de divulgao da produo dessa intelectualidade como a Revista Brasileira de Geografia e os Anurios Geogrficos, sendo criados respectivamente nas dcadas de 1930 e 1940.

    A Geografia Agrria Clssica se colocava a preocupao com as condies naturais, as relaes entre agricultura e meio ambiente, os problemas da colonizao, a questo da terra, os sistemas de uso da terra, a organizao agrria e a configurao das paisagens rurais.5

    Sobre o Ncleo Colonial de Santa Cruz, as consideraes dos gegrafos se estruturam na forma de crticas e sugestes s polticas governamentais, na execuo do projeto de colonizao, voltados basicamente para dois problemas: a assistncia tcnica e as cooperativas. Sobre a assistncia, para os gegrafos ela deveria ser incentivada enquanto medida de valorizao econmica da produo hortifrutigranjeira que, na poca tratada, j era deficitria e rarefeita (CORRA, 1961; FAISSOL, 1950; GEIGER, 1952). A falta de assistncia era motivo de reclamao dos colonos, que 5 OLIVEIRA, Alexandra Maria de. Resenha sobre Mundo Rural e Geografia. Geografia Agrria no Brasil:

    1930 1990. AGRRIA, So Paulo, N 2, pp. 109-114, 2005.

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    queriam ateno dos tcnicos, fornecimento de sementes e reprodutores de raa do Ministrio da Agricultura6.

    Outra questo freqente nos debates geogrficos sobre os ncleos coloniais a questo da constituio de cooperativas (FAISSOL, 1950: 1164; CORRA, 1962: 50). Servindo a melhor organizao e integrao do colono ao ambiente econmico, Faissol ainda indica que a Cooperativa deveria ser organizada pela prpria Diviso de Terras e Colonizao7, e que deveria ser entregue aos colonos quando da emancipao do ncleo.

    Vale frisar que, embora a no efetivao dessa medida, desde o governo provisrio, o Governo Vargas j pressupunha a cooperativa como uma instncia de organizao dos trabalhadores rurais sob a orientao do governo, no se efetivando esse processo por conta das interferncias dos grandes proprietrios, como coloca Vanderlei Vaselesk. Ainda nesse ponto, Snia Regina de Mendona fala de baixas concesses de crdito pelo Banco do Brasil, a proprietrios de poucos recursos, fica claro com isso, o impasse governamental e bancrio ao aumento do nvel da lavoura do pequeno proprietrio.

    Efetivamente, os gegrafos perceberam que os colonos acabavam recorrendo a associaes agrcolas8 extra-governamentais para a efetivao de suas demandas de

    6 ALONSO, Denilda Martinez. Alguns aspectos geogrficos do municpio de Itagua.

    7 Na organizao institucional do Ncleo Colonial, a Diviso de Terras e Colonizao (DTC), era o rgo

    gestor do processo de criao do ncleo, desde a organizao dos registros de terras para colonizao

    at o assentamento dos colonos. Fazia parte do Departamento Nacional de Produo Vegetal, ligado

    ao Ministrio da Agricultura. Ver, Decreto - lei 25.291, de 30 de julho de 1943.

    8 Refiro-me a cooperativas, que segundo Denilda Alonso, Na regio de Itagua, tratavam- se de quatro, a

    Cooperativa Mista do Ncleo Colonial de Santa Cruz, a Cooperativa Agrcola Mista de Itagua Ltda., a

    Sociedade Agrcola de Itagua e a Cooperativa Mista dos Trabalhadores Rurais do Estado do Rio de

    janeiro.

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    crdito e assistncia. Ou desistiam da produo, deixando os lotes incultos ou vendendo-os, o que era a marca do fracasso do projeto colonial.

    Alm disso, so esses intelectuais os primeiros a inserir os projetos de colonizao como parte de uma Histria da Baixada Fluminense, configurando a idia muito difundida de que essas polticas de saneamento e colonizao eram a soluo para a decadncia advinda desde a abolio da escravido. possvel entender essa construo, guardados os paralelos por vezes duvidosos criados pelos gegrafos que, numa percepo do historiador atual, incorreria em anacronismos perigosos, como uma apropriao da Histria como tentativa de justificativa para o presente.

    Seu pioneirismo ainda se expressa na viso das polticas voltadas para a Baixada Fluminense em seu conjunto, entendendo signos como o saneamento, a especulao, os loteamentos e a colonizao, como caracteres formadores de uma nova Baixada mais integrada dinmica urbana, capitalista e ao centro do Rio de Janeiro.

    Na Baixada Fluminense germina o novo... O Ncleo Colonial de Santa Cruz

    Em 1930, ainda no Governo Washington Lus, pelo decreto n19.133, criado o Ncleo Colonial de Santa Cruz na zona Oeste do ento Distrito Federal, com uma rea de 19 140 hectares9. Esse foi o primeiro de trs ncleos constitudos nesta regio no perodo de 1930 a 194510, localizado na divisa do municpio do Rio de Janeiro, no bairro de Santa Cruz, com o municpio de Itagua, na Baixada Fluminense.

    9 Segundo GEIGER, Pedro Pinchas; MESQUITA, Mirian. Estudos rurais da Baixada fluminense (1951-

    1953), Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional de Geografia, CNG/ IBGE, 1956.

    10 No perodo tratado ainda se organizam os ncleos coloniais de So Bento (1932), no municpio de

    Duque de Caxias e o de Tingu (1938), no municpio de Nova Iguau (ambos na Baixada Fluminense)

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    Vale dizer, que mesmo com a criao em 1930, ainda era preciso dar condies estruturais ao projeto, como oramento, criao de rgos dentro de ministrios, organizao dos mtodos de assistncia e a grande mudana estrutural, o saneamento. Todas as tarefas descritas foram postas em prtica no Governo Vargas, sendo os colonos assentados a partir de 1934, quando o processo de saneamento j se encontra em estado avanado.

    O motivo concreto da instalao do Ncleo Colonial nessa regio tinha relao com o projeto do Estado Novo de criar um cinturo verde nas proximidades da capital federal, visando a melhorar o abastecimento do Rio de Janeiro com produtos hortifrutigranjeiros11. Vale dizer que neste perodo o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro era feito a partir de centros produtores na regio serrana e dos estados de Minas Gerais e So Paulo, o que encarecia a produo devido s longas distncias e precariedade dos transportes at o consumidor final.

    Esse projeto se concretiza, porm sua durao curta e restrita, apenas algumas glebas do Ncleo Colonial conseguem efetivar os planos de colonizao, no perodo analisado Santa Cruz consegue se colocar como a colnia mais rentvel da Baixada Fluminense, segundo os relatrios do Ministrio da Agricultura. O padro de vida mdio das populaes na colonizao acima da mdia se comparado ao meio rural no BR, mais em muitos casos se iguala a ele. Alm disso, a produo no toda dirigida para o Rio de Janeiro, So Paulo destino de parte dela, mais de qualquer forma a colonizao trouxe um reforo ao abastecimento do Rio;

    segundo o relatrio apresentado pelo Ministrio da Agricultura ao presidente referente aos anos de

    1930 1944.

    11 H certa dificuldade com obras sobre o abastecimento da Capital na poca tratada, sobre as crises de

    abastecimento no governo Vargas, ver: Alberto Gawryszewski. Panela vazia: o cotidiano carioca e

    fornecimento de gneros alimentcios (1945-1950). Rio de Janeiro: PMRJ, 2001

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    Alm da carestia na cidade do Rio de Janeiro, outro objetivo da criao do ncleo colonial de Santa Cruz era a difuso da pequena propriedade. No prprio texto o decreto lei esta inteno aparece.

    CONSIDERANDO que o povoamento da zona rural do Distrito Federal e o

    abastecimento populao da Capital da Repblica so problemas que devem constituir constante preocupao dos poderes pblicos, e do programa do Governo Provisrio a extino progressiva dos latifndios, protegendo a organizao da pequena propriedade, mediante a transferncia direta de terras de cultura, em pequenos lotes, ao trabalhador agrcola,

    preferencialmente ao nacional; (Decreto n 21.115, de 2 de Maro de 1932)

    Parte da agenda poltica desde o governo provisrio j concebia a pequena propriedade como forma de modernizao da estrutura agrria brasileira e estando atrelada ao cooperativismo. Segundo Vanderlei Vazelesk, seria uma alternativa importante aos latifndios, e mesmo ao desenvolvimento do capitalismo liberal12. Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva e Maria Yedda Linhares, essa extino progressiva dos latifndios trata se de um arranjo precrio entre a modernizao e o arcasmo vigente no meio rural, avanando apenas, no caso em estudo, sobre terras pblicas13, evitando uma reforma agrria ampla e radical (SILVA & LINHARES, 1999:129).

    A colonizao se dar em terras pblicas, a Fazenda Nacional de Santa Cruz especificamente, representava para o governo, alm da no confrontao com setores latifundirios, a tentativa de soluo para a questo dos aforamentos14, regimento em

    12 Entre os objetivos das cooperativas ainda estavam a possibilidade de as cooperativas criarem colnias

    agrcolas, objetivando o fomento da produo policultora. RAPOSO, Sarandi. Plano Geral de Organizao

    Agrria, Ministrio da Agricultura, 1934.

    13 Sobre o aproveitamento agrcola da Fazenda Nacional de Santa Cruz e de outros imveis da Unio,

    ver: Decreto- lei n893 de 26 de novembro de 1938. 14 Consistia num contrato bilateral, de carter perptuo, em que por ato inter vivos ou disposio de

    ltima vontade, o proprietrio cedia a outrem o domnio til de um trato de terras incultas ou de

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    vigor antes mesmo da repblica, numa tentativa de dirimir conflitos por direitos de propriedade e limites entre terrenos pblicos, privados, aforados e apossados. Outros autores ainda apontam uma motivao de cunho poltico, onde a posse dessa fazenda, herdada do patrimnio do imperador pela Repblica, constitua uma excrescncia no Estado moderno que Getlio Vargas pretendia. O objetivo, ento, era se desfazer desta e de outras fazendas nas mesmas condies, promovendo, ao mesmo tempo, um espetculo poltico de propaganda do regime (SOUZA, 2005:60). A localidade escolhida para a fixao do Ncleo Colonial tinha uma posio geogrfica favorvel em relao ao centro da capital federal, sendo atendida pela estrada de Ferro Central do Brasil e por estradas de rodagem. O problema estrutural at a dcada de 1930 eram as constantes inundaes, resolvidas, com a realizao de obras de saneamento e drenagem. Executadas previamente a instalao do Ncleo Colonial, e dirigido pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS).

    Sobre o trabalhador agrcola, preferencialmente ao nacional, que ser o exemplar do colono no Ncleo Colonial de Santa Cruz, sua procedncia ironicamente - parece no corresponder ao campons e sim ao desempregado urbano15. A ideia de deslocar desempregados da capital federal para a Fazenda Nacional de Santa Cruz, segundo Vazelesk, denotava um deslocamento de excedentes populacionais das regies urbanas que deveriam ser fixados em zonas rurais, preferencialmente prximas a mercados consumidores, na condio de pequenos proprietrios.

    terreno destinado a edificao, mediante o pagamento de foro anual em dinheiro ou em frutos. (Cdigo

    Civil, artigos 678 e 680).

    15 Associado a tese da vadiagem, pela falta de trabalho, e a medida tomada pelo presidente a partir do

    relatrio do chefe de polcia Filinto Muller, aps a Intentona Comunista, em 1935, que fala no

    Descongestionamento, nos centros urbanos, da massa de desocupados, rumo ao interior, sob a

    assistncia e localizao do estado Ver, Otvio Guilherme Velho, Capitalismo autoritrio e

    campesinato, Rio de Janeiro, Difel, 1979.

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    Outro grupo que fez parte do empreendimento da colonizao no oeste carioca foi o dos estrangeiros, especialmente os japoneses16 inicialmente representados por 13 famlias, at 1938, tiveram um rpido destaque na produo agrcola, orientados pela Cooperativa Agrcola de Cotia (SP) que, em convnio com o governo federal, estimulou a vinda de famlias que j se dedicavam a agricultura na cidade de Cotia e nas regies prximas.

    Essa diferena de origem entre os colonos bastante visvel no estudo de campo de Speridio Faissol que, na dcada de 1960, enxergou diferenas categricas no modo de produo desses grupos, seja no modo de plantio onde h preferncias de gneros agrcolas para o plantio, seja no emprego da mo de obra familiar no trabalho com a terra. Seria no seio dessas diferenas que o Estado pretendia fazer brotar clulas de civilizao nova 17, visando criao do novo trabalhador rural brasileiro.

    Um lugar ao sol, sobre a conquista do lote no Ncleo Colonial

    A obteno do lote rural na rea de colonizao em Santa Cruz dava se atravs do incentivo governamental, podendo ser pagos, em regime parcelado, num prazo de 10 anos, com o lucro da colheita. Alguns lotes contavam com casas de alvenaria, embora haja menes de que certos trechos ainda no estavam saneados e a malria grassava, e que as casas no estavam construdas quando da instalao dos colonos, em 1932 (GEIGER & MESQUITA; 1956). Um aspecto interessante na estrutura operacional dos Ncleos Coloniais era a preservao ambiental, que determinava o desmatamento de, apenas, de 50 % do lote, ficando o restante como rea de reserva para extrao controlada e sustentada de madeira, para utilizao domstica e para outros fins. Embora, Segundo Denilda 16 Segundo Leonarda Musumeci, na regio colonial de Santa Cruz, onde - semelhana de outras reas

    horticultoras do estado e do pas os japoneses se destacavam (ou eram tidos) como o elemento

    modernizador.

    17 Salles, Apolnio Jorge F. Relatrio do Ministrio da Agricultura (1930-1944), Rio de Janeiro, 1944.

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    Alonso, os colonos fossem obrigados a manter um trecho de mata em seus lotes os colonos da baixada no cumpriam essa determinao, sendo posta em prtica uma campanha de reflorestamento com eucaliptos e jaqueiras. Logo, percebe se claramente a explorao dos recursos naturais pelo homem e o pouco apego a questo ambiental idealizada pela administrao do Ncleo.

    Alm dessa proposio governamental, havia outra, que vejo como um grande desvio entre o produzido e o vivido pelos colonos: o de lotes no ncleo colonial, a legislao visava impedir tanto a concentrao, como a fragmentao da propriedade territorial nas novas colnias garantindo que esses pequenos proprietrios desenvolveriam ali uma produo agrcola tecnificada (Vaselesk, 2006: 62). Autores como Roberto Lobato Corra, porm apontam para o desvio nos usos da terra, como o abandono devido ao baixo investimento estatal e por desinteresse dos colonos, h tambm a utilizao apenas para moradia sem configurar a condio de agricultor e a utilizao de lotes para prticas de veraneio, sobretudo ao longo das vias asfaltadas, essas prticas eram comuns no ncleo devido falta de fiscalizao.

    H meu ver, o histrico apresentado, ainda que embrionrio, nos permite fazer algumas observaes. Estamos diante de um projeto que por diversos prismas, seja de cunho ligado assistncia tcnica aos colonos, seja na falta de uma cooperativa de agricultores para o melhor manejo comercial dessa produo, intensificou a ao individualista do colono, principalmente no aspecto da negao/deturpao das disposies governamentais, atitude denominada por Alcir Lenharo como uma resistncia passiva 18. Entretanto na tica do regime, os colonos no teriam preocupaes de ordem autonomista, pois o que precisariam era sua incorporao ao modelo de estado que se encontrava em marcha. Gostaria de esclarecer que esta pesquisa est em curso, o que significa que ainda no foi possvel mapear todas as nuances dessa poltica de colonizao, contudo, 18

    Dificuldade de trabalhar com os poucos recursos da Diviso de Terras e Colonizao do Ministrio da

    Agricultura.

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    acredito que o material apresentado aqui at o momento, pode favorecer o debate e a compreenso do processo de implantao do Ncleo Colonial de Santa Cruz.

    Referncia Bibliogrfica:

    ALONSO, Denilda Martinez. Alguns aspectos geogrficos do municpio de Itagua. Revista Brasileira de Geografia: jul./set, 1960.

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