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12/2/2015 1 Prevenção da lombalgia crónica: porque tarda a valorização dos fatores de risco (e da intervenção) em meio laboral? Florentino Serranheira António Sousa Uva Lombalgia e trabalho A Organização Mundial de Saúde estima que mais de um terço (cerca de 37%) das lombalgias tenha origem profissional, resultando em 800.000 DALY (disability adjusted life years) ( OMS, 2010). Das alterações a nível lombar que envolvem episódios álgicos, como a lombalgia (Marras et al., 2009): (i) entre 11 e 80% são devidos aos fatores de risco (profissionais) relacionados com a atividade e (ii) entre 14 e 63% existe relação com fatores de risco (profissionais) do contexto psicossocial. ?grande variabilidade? intervalos … Lombalgia não específica/ de etiologia profissional/ agravada pelo trabalho António Sousa Uva/Florentino Serranheira

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Prevenção da Lombalgia crónica

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Prevenção da lombalgia crónica:

porque tarda a valorização dos fatores de risco (e da intervenção) em meio laboral?

Florentino Serranheira

António Sousa Uva

Lombalgia e trabalho

• A Organização Mundial de Saúde estima que mais de um terço (cerca de 37%) das lombalgias tenha origem profissional, resultando em 800.000 DALY (disability adjusted life years) (OMS, 2010).

• Das alterações a nível lombar que envolvem episódios álgicos, como a lombalgia (Marras et al., 2009):• (i) entre 11 e 80% são devidos aos fatores de risco (profissionais)

relacionados com a atividade e

• (ii) entre 14 e 63% existe relação com fatores de risco (profissionais) do contexto psicossocial.

?grande variabilidade? intervalos …

Lombalgia não específica/ de etiologia profissional/ agravada pelo trabalho

António Sousa Uva/Florentino Serranheira

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Lombalgia e trabalhoP

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trabalhador com lombalgia

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nal • Voltar ao

trabalho habitual

• Recolocação• Reconversão

António Sousa Uva/Florentino Serranheira

Lombalgia e trabalho

Pre

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ção

• Ergonomia• HST• Medicina do

Trabalho• …

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• MGF• Reumatologia• Ortopedia• MFR• Fisioterapia• Osteopatia• … R

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ção

p

rofi

ssio

nal

• Recursos Humanos

• Ergonomia• Medicina do

Trabalho• Engenharias• Educação

Física• …

António Sousa Uva/Florentino Serranheira

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Lombalgia e trabalho

António Sousa Uva/Florentino Serranheira

Fatores de risco - Lombalgia

Florentino Serranheira / António Sousa Uva

suscetibilidade:

sexo, idade, IMC, capacidade física, personalidade,…

A lombalgia tem origem biomecânica!

O risco é definido pela relação entre a carga (força) colocada no tecido e a sua tolerância à carga.

Psicossociais:•Individuais: medo/receio, educação, satisfação, motivação,… •Organizacionais: trabalho por turnos, noturno, cadências impostas, pressão organizacional e temporal, …

Profissionais (relacionados com atividade): levantar cargas, puxar e/ou empurrar cargas, posturas que envolvem a flexão, extensão, rotação e inclinação do tronco, repetição de gestos/movimentos,…

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Fatores de risco - Lombalgia• Principais fatores de risco (profissionais) relacionados com a

atividade (NRC/IOM, 2001):

• Exigências físicas elevadas (evidence);

• Elevação ou levantamento de cargas, incluindo movimentação manual de cargas (strong evidence);

• Posturas extremas da coluna-tronco repetidas em flexão e/ou rotação do tronco (evidence);

• Posturas estáticas do tronco (insufficient evidence);

• Vibrações de corpo inteiro (strong evidence).

• Risco elevado (strong evidence in biomechanical and laboratory studies):

• (i) Elevação ou levantamento de cargas, incluindo movimentação manual e

• (ii) Posturas extremas repetidas em flexão e/ou rotação do tronco.

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Lombalgia e trabalho• A tolerância dos tecidos é frequentemente associada à tolerância

mecânica dos tecidos.

• O limite de compressão dos discos intervertebrais lombares (e lombo-sagrado) avaliado em cadáveres (forças de compressão aplicadas a 2 vértebras até se dar a fratura de um planalto vertebral) é considerado o “gold standard” para o limite de tolerância mecânica lombar;

• A resposta dos discos intervertebrais à carga envolve as componentes elásticas e plásticas de deformação e a sua capacidade de recuperação pós-carga é reduzida.

• A maioria dos métodos de avaliação do risco utilizam os 3,4 kN de carga (força aplicada) e de 2,3 MPa de compressão discal como os valores limites de segurança.

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Lombalgia e trabalho• Em situações de trabalho onde existem posturas ou posições de flexão do

tronco durante a mobilização de cargas (aplicação de força) alguns autores referem as “forças de corte” como modificadoras dos limites de tolerância dos tecidos, reduzindo-os para valores substancialmente inferiores aos de compressão (Marras, 2008).

• Há um conjunto de fatores biomecânicos a considerar na estimativa dos limites de tolerância dos tecidos durante a mobilização de cargas.

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Lombalgia e trabalho

• A tolerância dos tecidos não é constante ao longo do tempo (Marras, 2013):

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•A relação entre fatores como a força e:

• idade, • alterações tecidulares, • carga cumulativa, • condição física, • caraterísticas genéticas,

influencia a tolerância dos tecidosao longo do tempo

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Lombalgia e trabalho

• A tolerância dos tecidos é um processo dinâmico associado a respostas fisiológicas locais e centrais:

• a resposta central à dor pode ficar registada (memória) e, mesmo na ausência ou na redução do estímulo, os mecanismos de resposta podem manter-se ativos face à memória desse registo o que determina uma “sensação de dor mantida” (Marras, 2008) .

• A tolerância dos tecidos é complexa, dependente de mecanismos individuais de tolerância biomecânica (carga física) e de tolerância psicossocial (há produção de mediadores bioquímicos em situações de carga psicossocial).

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Fatores de risco - Lombalgia• Principais fatores de suscetibilidade individual e de risco,

organizacionais e psicossociais (NRC/IOM, 2001):

suscetibilidade individual

sexoidadepeso

alturaresiliênciaeducação

estilos de vidahistória clínica…

(1) solicitações/exigênciasdiversidade/monotonia

(2) pressão temporal/objetivosritmos/cadências/pausas

horas extraordinárias(3) controlo/autonomia

participação/decisãomargem de manobra

trabalho à peçaavaliação do desempenho

(4) relações de trabalhosuporte hierárquico

suporte social,…

psicossociais…

• Interação entre fatores:potenciação ou diminuição

organizacionais

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• Hipóteses fisiopatológicas para a explicação das relações entre a exposição aos fatores de risco psicossociais e o risco de LMELT:

• A carga mental (psicológica, afetiva, emocional) resultante da perceção das capacidades individuais face às exigências físicas ou mentais do trabalho pode condicionar alterações nos níveis de catecolaminas (ex.: adrenalina, noradrenalina).

• Podem existir consequências como a vasoconstrição das arteríolas, que reduzem a disponibilização de nutrientes através dos sistemas de microcirculação muscular e dos tendões, e pode resultar numa maior dificuldade de recuperação de microlesões (Aptel; Cnockaert, 2002).

• Observam-se também com frequência alterações neuro-imuno-endócrinas.

Lombalgia e trabalho

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• Estudos recentes associam a presença de determinadas respostas celulares como consequência das interações entre a carga a nível lombar com as caraterísticas individuais de personalidade na resposta ao stress (Splittstoesser, 2012):

• As exigências das situações de trabalho podem condicionar a formação reticulada no sentido de respostas fisiológicas que aumentem e mantenham a ativação muscular e, consequentemente, diminuam as micro-pausas e aumentem a carga a nível do aparelho músculo-esquelético (Bongers; Kremer; Laak, 2002).

• As respostas do sistema nervoso central (libertação de mediadores químicos) às exigências da atividade profissional (ex.:pressão temporal) podem conduzir a um aumento da sensibilização ao estímulo da dor (Barr; Barbe, 2004);

Lombalgia e trabalho

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Lombalgia e trabalho• Quando determinados tipos de personalidade são expostos a

ambientes psicossociais negativos ou mentalmente exigentes durante a mobilização de cargas, a carga física aumenta substancialmente (Marras; Ferguson; Burr; Davis; Gupta, 2004; McGill et al., 2003).

• Aparentemente os mecanismos de interação dos diversos fatores de risco provocam um aumento da co-ativação dos músculos antagonistas de suporte da coluna vertebral (diminuindo a força dos agonistas) nesses tipos de personalidade (Splittstoesser, 2012).

Florentino Serranheira / António Sousa Uva

Lombalgia e trabalho

Carga psicossocial

Sistema NervosoSNCSNP

Formação Reticulada

↑ tensão muscular

↓micropausas

Fadiga

LMELT

Sistema imunitário

↑ citoquinas

InflamaçãoAlodinia

↑ sensibilização à dor

Supra-renais

↑ corticosteróides

↑ catecolaminas

FadigaEdema

Medula

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Lombalgia e trabalho• A dor surge frequentemente primeiro do que as alterações (observáveis)

a nível dos tecidos (Marras, 2013).

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Os limites de tolerância da dor que são ainda influenciados (reduzidos) pela presença de respostas imunológicas (inflamatórias)

Lombalgia e trabalho

• Estado da arte na relação lombalgia e trabalho:

• A investigação biomecânica das LMELT estuda atualmente a resposta dos tecidos musculoesqueléticas a exposições únicas e múltiplas a diversosfatores de risco (interação) para antever situações agudas (Cutlip et al, 2004, 2005; Baker et al., 2007) e crónicas (Barbe et al., 2003; Cutlip et al., 2006);

• O papel dos fatores de risco psicossociais está claro, em particular a respostaà carga mental elevada e ao stresse do trabalhador no local de trabalhodecorrente da exposição a fatores de natureza social e organizacional(Karjalainen et al., 2001; Andersen et al., 2002)

• Os mecanismos de influência multi-dimensional dos fatores de risco sobre o trabalhador, incluindo os fatores de risco relacionados com a atividade, ospsicossociais de natureza organizacional e os individuais, podem aumentar a coatividade muscular dos antagonistas e, por consequência, diminuir a forçaa nível da coluna vertebral (Marras et al., 2000).

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Lombalgia em contexto profissional• O conhecimento da interação dos diferentes fatores de risco externos e

internos revela-se extremamente importante para a antecipação de efeitos do trabalho (carga biomecânica) sobre a coluna vertebral e sobreo sistema nervoso (carga psicossocial), na prevenção das lombalgias(Marras, 2013).

• Normas internacionais, em particular dirigidas à conceção de equipamentos, ferramentas e locais de trabalho devem incluirelementos de prevenção das lesões musculoesqueléticas a nível lombare lombo-sagrado.

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Lombalgia e trabalho

• Existem métodos de avaliação da carga física, que incluem a avaliação da repetitividade e da força no tempo, que permitem definir as “exigências físicaselevadas” numa situação de trabalho concreta(Lavender et al., 1999; Marras et al., 2001);

• É possível analisar tridimensionalmente os efeitosdas forças a nível da coluna vertebral durantelevantamentos de cargas, através de modelosmecânicos de engenharia biológica assistida e de modelos de estabilidade, estáticos e dinâmicos, da coluna vertebral (Cholewicki, 2000; McGill; Cholewicki, 2001; Granata; Wilson, 2001)

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Lombalgia e trabalho

• A utilização de modelos animais in vitro e in vivo e de técnicas de modelação através de elementosfinitos permitem determinar os valores limites de tolerância biomecânica (alterações dos tecidos) em situações de carga estática e/ou dinâmica(Callaghan; McGill, 2001; Cutlip et al., 2004, 2005, 2006; Barr; Barbe, 204, 2006; Baker et al., 2006, 2007);

• A compreensão das alterações dos tecidos à cargaimposta considera o papel das respostas pro-inflamatórias de determinados nervos periféricoscom libertação de citoquinas e de neurotransmissores que podem ser estimulantesda dor (Peters et al., 1990; Barbe; Barr, 2006).

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EN-1005-4

Postura Estática

Movimentos

Baixa Frequência

(< /2 minuto)

Elevada Frequência

(≥≥≥≥ 2/ minuto)

I Aceitável Aceitável Aceitável

II AceitávelCondição A

Aceitável Não aceitável

III Não aceitável

AceitávelCondição C

Não aceitável

IV AceitávelCondição B

AceitávelCondição C

Não aceitável

Condição A: Aceitável se o Tronco está complemente apoiado; se não, a aceitação depende da duração da tarefa e das pausas.Condição B: Aceitável se o tronco está completamente apoiado num encosto dorso-lombar adequado.Condição C: Não aceitável se é uma postura utilizada em longos períodos.

Flexão e Extensão do Tronco

Safety of machinery. Human physical performance. Evaluation of working postures and movements in relation to machinery

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Lombalgia e trabalho

• Existe uma interdependência entre os diversos fatores de risco e uma natureza sistémica das lesões musculoesqueléticas a nível da coluna lombar (incluindo lombo-sagrada) e da lombalgia de etiologia profissional!

• Quais os contributos da interação entre os diferentes fatores de risco físicos (relacionados com a atividade), psicossociais, organizacionais e individuais no risco de lombalgia?

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Lombalgia e trabalho• Complexidade da relação trabalho-doença:

• Os fatores profissionais podem participar na etiologia da lombalgia e também do seu agravamento.

• O nível de (in)capacidade de realização do trabalho para o trabalhadordepende de várias exigências (físicas; psicossociais; …).

• As consequências podem ser:

• Limitadoras da atividade de trabalho

• Incapacitantes também para a atividade de trabalho

• O retorno ao trabalho depende fundamentalmente da adaptação do trabalho à capacidade restante do trabalhador e da forma como a organização/empresa o acolhe.

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Lombalgia e trabalho

• Lombalgia – red flags: investigação diagnóstica

• Lombalgia inespecífica (95%) – terapêutica focada na pessoa como a cinesioterapia, a atividade física, a educação do doente, entre outras (Back Pain Europe, 2005) – omitindo a eventual relação e/ou possível agravamento com a atividade profissional;

• Lombalgia de etiologia profissional – a prevenção deve ser focada na conceção do trabalho, nas ajudas técnicas, na não mobilização manual de cargas, na organização do trabalho e, por fim, na informação e formação dos trabalhadores sobre técnicas de mobilização de cargas.

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A. Intervenção centrada na situação de trabalho

1. Instalações/Implantação de equipamentos1. Espaços de trabalho2. Ferramentas3. Utensílios4. Máquinas5. …

B. Intervenção centrada na “organização do trabalho”:

1. Horários de trabalho2. Cadências 3. Pausas4. Rotação de trabalhadores5. …

C. Intervenção centrada no “trabalhador”:

1. Informação 2. Formação3. Capacitação4. ...

Lombalgia e trabalho

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Planear/conceber /organizar o trabalho de acordo com as capacidades e limitaçõesdos trabalhadores, promovendo a sua participação e a promoção da saúde nolocal de trabalho.

Aumentar a participação e a

margem de manobra“autonomia”

Definição/Regulação do ritmo de trabalho

Definição daspausas

Participação narotação entre postos

Auto-organização dos trabalhadores

Programas de gestão do stress e coping

Enriquecimento das tarefas

PREVENÇÃOdas LMELT

e das lombalgias

Melhoria da capacidade física

António Sousa Uva/Florentino Serranheira

Lombalgia e trabalho

Lombalgia e trabalho

• Então porque tarda a valorização dos fatores de risco (e da intervenção) em meio laboral na prevenção das lombalgias?

• Os FR profissionais são hipovalorizados e a abordagem é maioritariamente centrada na terapêutica e na reabilitação física;

• O trabalho é considerado imutável;

• Há insuficiente (ou não há) comunicação entre a Clínica, a SO, os RH, a Produção, entre outros (o problema e as soluções são multifatoriais mas as abordagens são monodisciplinares)

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LMELT, lombalgias e outros riscos profissionais:

é preciso valorizar a interação entre os diversos fatores de

risco profissionais e as variáveis individuais numa

intervenção que necessita de uma abordagem multifatorial …

e, também, participativa de todos os intervenientes.

Florentino SerranheiraAntónio Sousa Uva