14-Lagoas Do Norte

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3Lagoas do Norte Fluminense

Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenv Sustentvel Desenvolvimento SustentvelConsrcio Macror Consr cio Inter m unicipal da Macr or r e gio Ambiental 5

LAGO GOAS LAGOAS DO NORTE FLUMINENSE NORTE FLUMINENSEPerfil - Perfil Ambiental -

Projeto Plangua Semads / GTZ de Cooperao Tcnica Brasil-Alemanha maro/2002

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Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Ficha catalogrficaB 585 Bidegain, Paulo Lagoas do Norte Fluminense - Perfil Ambiental Paulo Bidegain - Carlos Bizerril, Arthur Soffiati Rio de Janeiro: Semads 2002 148 p.: il ISBN 85-87206-17-6 Cooperao Tcnica Brasil - Alemanha, Projeto Plangua Semads / GTZ Inclui Bibliografia. 1. Recursos Hdricos. 2. Meio Ambiente. 3. Lagoas. 4. Ecossistemas Aquticos I. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel. II. Plangua. III. Ttulo. CDD-333.91

Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel Rua Pinheiro Machado, s/n Palcio Guanabara Prdio Anexo / 2 andar Laranjeiras RJ / 22 238 900 e-mail: [email protected] Projeto Plangua Semads / GTZ O Projeto Plangua Semads / GTZ, de Cooperao Tcnica Brasil-Alemanha, vem apoiando o Estado do Rio de Janeiro no gerenciamento de recursos hdricos com enfoque na proteo de ecossistemas aquticos. Campo de So Cristvo, 138 / 315 So Cristvo RJ / 20 921 440 Tel./Fax: ( 0055 ) ( 21 ) 2580-0198 e-mail: [email protected]

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Coordenadores Antnio da Hora Subsecretrio Adjunto de Meio Ambiente da Semads Wilfried Teuber Planco Consulting / GTZ Reviso e adaptao William Weber Consultor Plangua lia Marta Samuel Diagramao Luiz Antonio Pinto Semads Editorao Jackeline Motta dos Santos Raul Lardosa Rebelo Plangua

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Autores Paulo Bidegain da Silveira Primo Carlos Roberto S. Fontenelle Bizerril Arthur Soffiati Consultores do Projeto Plangua Semads / GTZ Colaborao Paulo Marinho Consrcio Intermunicipal da Macrorregio Ambiental 5 Alan Carlos Vieira Vargas Fundao Superintendncia Estadual de Rios e Lagoas Mapas e desenhos Marco Aurlio Santiago Dias Fotos Alan Carlos Vieira Vargas Arthur Soffiati Carlos Roberto S. Fontenelle Bizerril Consrcio Intermunicipal da Macrorregio Ambiental 5 DNOS ( extinto ) Acervo fotogrfico Marina Suzuki Paulo Bidegain da Silveira Primo Projeto Plangua Ren Justen Secretaria de Meio Ambiente e Oramento / Campos - Semaoec Zacarias Albuquerque de Oliveira Foto da capa Imagem Landsat 7 ETM+. Mosaico das cebas 216-075 de 02/08/99; 216-076 de 29/08/99 e 217-076 de 27/06/00

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Apresentao

O

s motivos que levaram o Projeto Plangua Semads/GTZ a focalizar a regio das lagoas da bacia hidrogrfica da lagoa Feia e da regio entre a foz dos rios Paraba do Sul e Itabapoana em to oportuna publicao prendem-se ao fato de ser a lagoa Feia a menos conhecida das grandes lagoas em todo o Estado. H poucos estudos e compilaes atuais que permitam traar medidas de gerenciamento e recuperao. Deste modo, o presente documento tem dupla finalidade: suprir a lacuna de conhecimento que existia at ento e possibilitar aos rgos ambientais gestores estaduais e municipais , e sociedade civil conhecerem melhor parte do patrimnio pblico ambiental formado pelas lagoas e lagunas fluminenses. Ao mesmo tempo, permite que as lagoas sejam registradas, formalmente, como patrimnio pblico. A segunda, servir como instrumento para balizar a gesto destes ecossistemas. Possibilita ainda identificar tambm as reas, antes de lagoa, mas que foram indevidamente privatizadas aps obras de drenagem, configurando uma posse ilegal de bens pblicos, assim como delinear as medidas de recuperao desse sistema lagunar Norte Fluminense que, agora se sabe, rene 132 lagoas, onde as intervenes humanas registradas datam de 1688 ( 313 anos ) com a abertura do canal do Furado. O governo Estadual, que elegeu as questes ambientais como uma de suas prioridades, alm de considerar fundamental o resgate da histria hidrogrfica da Regio Norte Fluminense com esta publicao, atua na recuperao dos vrios sistemas lagunares do Estado mediante o Programa Nossas Lagoas. Merece destacar na Regio Norte do Estado as medidas adotadas pelo Governo do Estado, atravs da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel, na aprovao da Resoluo Semads n 167, de 6 de novembro de 2000. Criou-se no mbito do Projeto Plangua Semads/GTZ um Grupo de Trabalho para indicar lista da Conveno Ramsar sobre zonas midas reas fluminenses, de que so exemplos os manguezais da baa de Sepetiba, o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, acrescido das lagoas da Ribeira e Feia, entre outras reas de importncia ambiental. Na Regio Norte do Estado, a Semads faz parte e acompanha as aes do Consrcio Intermunicipal para a Gesto Ambiental das Bacias dos Rios Maca, Macabu, das Lagoas de Cima, Feia e Zona Costeira Adjacente, integrado por 11 prefeituras locais, empresrios, representantes da sociedade civil e de ONGs, segmentos esses ora empenhados na criao de Comits de Bacias. Assim, com o esforo de toda a coletividade e a correta aplicao dos instrumentos legais sobre recursos hdricos disponveis lei federal, ou das guas n 9.433/97, e lei estadual n 3.239/99 , temos a certeza de que o rico ecossistema da Regio Norte Fluminense sobreviver, desde que sejam sustentveis as atividades de abastecimento de gua, pesqueira, agroindustrial, turstica e de lazer. As presentes e futuras geraes merecem. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel

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11 13 17 23 31 53 65 93 105 111 117 123 137 138 140 143 148

Introduo

1. Acervo de mapasRegio documentada desde 1767

2. Relevo e povoamento da regioTopografia condicionou a ocupao humana

3. Formao do delta do rio Paraba do SulEvoluo lenta, mas permanente

4. RetrospectivaO Estado do Rio j teve o seu Pantanal

5. As grandes obras e intervenesMalria, cheias e expanso agropastoril

6. Quadro atualO domnio das lagoas de tabuleiro

7. Lagoas entre a foz do Paraba do Sul e ItabapoanaImportante ecossistema lacustre

8. Impactos ambientaisDrenagens alteram as condies de vida

9. Sociedade e conservao do meio ambientePovo e Poder Pblico entendem-se mais

10. Recomendaes para gerenciamentoPrevista rea de Proteo Ambiental

Bibliografia Siglas Anexos Consrcio Ambiental Maca

Projeto Plangua Semads / GTZ Endereos teismaro/2002

ecidn. Macabu . Lagoa Feia

ndice

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N

esta publicao, so identificadas e descritas, em linguagem acessvel, as lagoas e lagunas associadas bacia hidrogrfica da lagoa Feia e as situadas na rea costeira, entre a foz dos rios Paraba do Sul e Itabapoana, que constituem a regio menos conhecida de todo Estado. De fato, as lagoas da Baixada de Jacarepagu e a lagoa Rodrigo de Freitas tm sido estudadas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade Santa rsula. As lagoas situadas entre Niteri e Arraial do Cabo tm sido objeto de intensas pesquisas da Universidade Federal Fluminense e as lagoas costeiras localizadas em Maca, Carapebus e Quissam so foco de amplos estudos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na regio ao norte do canal da Flecha at o rio Itabapoana, somente h poucos anos a Universidade do Norte Fluminense UENF iniciou pesquisas de ecologia lacustre, com nfase nas lagoas de Cima, Campelo, Grussa e Iquipari. Contudo, permanece grande vazio de conhecimento. Esta constatao estimulou-nos a coligir e sistematizar as informaes existentes sobre a regio. A paisagem que, hoje, se apresenta na rea alvo desta publicao bastante distinta da existente at o sculo XIX. Uma sucesso de obras de drenagem empreendidas por rgos pblicos e por particulares, seguida pela ampliao de reas para lavouras de cana-de-acar e para pastagens, bem como para a urbanizao, promoveram profundas alteraes na hidrografia regional. Tendo em vista este fato, foram analisadas tanto as lagoas e lagunas que permaneceram at hoje quanto as que foram drenadas, artificialmente,

oudortnItornando-se brejos rasos e mesmo as que foram totalmente drenadas, transformando-se em terra firme. apresentado levantamento indito que contabiliza um total de 132 lagoas na regio. Destaque especial foi dado s lagoas Feia, de Cima e do Campelo. A lagoa Feia foi a maior do Estado do Rio de Janeiro at 1949, data de concluso do canal da Flecha pelo extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento DNOS. Sua superfcie superava a da lagoa de Araruama, sendo pouco inferior da Baa de Guanabara. No incio do sculo XX, medies apontavam uma rea de 370 km2, no perodo chuvoso. Reduzida, hoje, a menos da metade desta superfcie, ela nunca teve sua importncia reconhecida em mbito estadual, seja pelos governos, seja pela populao, seja pela mdia e seja mesmo pela comunidade cientfica, embora tenha impressionado os primeiros colonos de origem europia e os naturalistas europeus. Foi dada ateno especial a ecohistria da regio, muito rica e objeto de recente dissertao de mestrado de Arthur Soffiati, um dos autores desta publicao. A rica paisagem formada por serras e colinas, tabuleiros, plancie aluvial e restinga produziu, ao longo dos anos, grande quantidade de lagoas e lagunas, o que torna a regio merecedora do status de uma autntica regio dos lagos, constituindo uma imensa rea mida de importncia mundial, passvel de integrar a lista da Conveno Ramsar. Em 1785, escreveu o Major Couto Reis em seu relatrio sobre a regio: finalmente todo o terreno de que temos tratado cortado e regado de infinitos pantanais, muitos crregos, lagoas e rios com uma mtua e natural correspondncia entre si.

Introduo

Os autoresmaro/2002

Mapa das Macrorregies Ambientais do Estado do Rio de Janeiro

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Fonte: Projeto Plangua

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1A. . . . . .

Acervo de mapas

Regio documentada desde 1767de Macabu, Campos, Mussurepe, Cabo de So Tom, So Fidlis, Travesso, So Joo da Barra, Italva, Morro do Coco, Barra Seca, Itabapoana, Presidente Kennedy e Itapemirim, todas publicadas pelo IBGE na dcada de 1960, bem como as plantas da Secretaria do Patrimnio da Unio, na escala de 1:2.000, que cobrem a faixa litornea da rea de interesse. Estes mapas retratam a paisagem aps o impacto das grandes obras realizadas pelo DNOS. Com respeito aos mapas antigos, seis se destacam:

regio apresenta paisagem muito alterada pelas sucessivas obras de drenagem realizadas por rgos pblicos e privados para uso na lavoura canavieira, em pastagens e expanso urbana. Tendo em vista este fato e de que uma das finalidades do presente trabalho resgatar as informaes antigas sobre as lagoas e lagunas, foram analisados mapas atuais e antigos. Os mapas atuais utilizados foram as cartas na escala 1:50.000 de Conceio de Macabu, Carapebus, lagoa Feia, Farol de So Tom, Dores

Mapa de Manuel Vieira Leo, com o ttulo de Carta Topogrfica da Capitania do Rio de Janeiro Feita por Ordem do Conde de Cunha, Capito General e Vice-Rei do Estado do Brasil e datada de 1767, a partir do original existente na seo de iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mapa do Capito Manuel Martins do Couto Reis, acompanhado de relatrio de sua autoria com ttulo de Descrio Geogrfica, Poltica e Cronogrfica do Distrito dos Campos dos Goitacases, que por Ordem do Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza, do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capito General do Mar e Terra do Estado do Brasil se Escreveu para Servir de Explicao ao Mapa Topogrfico do mesmo Terreno, que Debaixo da Dita Ordem se Levantou. Rio de Janeiro. Ambos datam de 1785. O mapa pertence ao acervo particular de Sylvia Mrcia Paes. Mapa de Antonio Joaquim de Souza e Jacintho Vieira do Couto Soares, intitulado Planta e Nivelamento do Canal entre a Cidade de Maca e a Cidade de Campos, publicada em dezembro de 1849 e integrante do acervo da seo de iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mapa de Pedro DAlcntara Bellegarde e Conrado Jacob de Niemeyer, publicado em 1865 pela Litografia Imperial, no Rio de Janeiro, com o nome de Nova Carta Corogrfica da Provncia do Rio de Janeiro e tambm integrante do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mapa elaborado pelo escritrio do engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, acompanhando seu relatrio Defesa contra Inundaes, de 1929, e publicado em suas obras completas, em 1944. Este mapa foi apensado ao relatrio Saneamento da Baixada Fluminense, de Hildebrando de Arajo Ges, editado em 1934 pela Comisso de Saneamento da Baixada Fluminense, como a ilustrao n15 de um volume anexo ao relatrio Saneamento da Baixada Fluminense. A cpia examinada pode ser encontrada na Biblioteca Pblica Estadual de Niteri e no IBGE. Mapa de Alberto Ribeiro Lamego, integrante do trabalho Geologia das quadrculas de Campos, So Tom, lagoa Feia e Xex. Foi publicado em 1955 no Boletim n 154 do Departamento Nacional da Produo Mineral. Embora datado da dcada de 1950, ele retrata a Regio Norte Fluminense em princpios do sculo XX, a partir de levantamento do engenheiro Marcelino Ramos da Silva. De todas as cartas antigas, a que tem melhor preciso cartogrfica. maro/2002

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Reproduo do mapa da Comisso de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro ( 1934 )

Fonte: Comisso de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro ( 1934 )

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Lagoas e Lagunas no incio do Sculo XX

Fonte: Alberto Lamego ( Geologia das quadrculas de Campos, So Tom, Lagoa Feia e Xex, Boletim DNPM n 154, 1955 ) Este mapa em escala maior pode ser consultado na sede do Consrcio Intermunicipal da Macrorregio Ambiental 5

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CARTOGRAFIA

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lm dos mapas citados, importante mencionar os diversos servios de cartografia bsica realizados no final do sculo XIX e incio do sculo XX, cujas informaes podem ser utilizadas para reconstruir a hidrografia antiga. Os primeiros levantamentos topogrficos com maior preciso tcnica realizados na regio foram empreendidos pela equipe do engenheiro Marcelino Ramos da Silva, chefe da Comisso de Saneamento da Baixada do Estado do Rio de Janeiro, organizada pelo Governo Fluminense entre 1894 e 1902. Ele implantou uma rede poligonal de 229,32 km e produziu diversas plantas nas escalas de 1:20.000 e 1:2.000, a maioria perdida. Em seguida, a Comisso do Porto de So Joo da Barra e Baixada Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, confiada ao engenheiro Jos Antnio Martins Romeu, fixou referncia de nvel com base em observaes maregrficas a partir da praia de Atafona. Este sistema referencial foi adotado, oficialmente, pelo Instituto de Portos e Canais, por Francisco Saturnino Rodrigues de Brito e pela Comisso de Saneamento da Baixada Fluminense/Departamento Nacional de Obras de Saneamento. A Comisso do Canal de Maca a Campos,

que a sucedeu, efetuou estudos topobatimtricos ao longo do canal, traando sees transversais; instalou vrias rguas para leitura de nvel de gua ao longo do canal, nos rios Macabu e Urura, na lagoa Feia, no rio do Furado e na barra do Furado. Em 1925, foi instalada a Comisso de Estudos e Obras contra Inundaes da Lagoa Feia e Campos de Santa Cruz, chefiada por Lucas Bicalho. Dentre as atribuies da Comisso, segundo as especificaes baixadas pela Portaria do Ministrio das Viaes e Obras Pblicas, de 31 de julho de 1925, constava: produzir plantas topogrficas da escala 1:50.000 da lagoa Feia e de maior detalhe da regio entre esta e o oceano; estudo das cotas de nvel de gua da lagoa Feia, em perodos de estiagem, cheias ordinrias e extraordinrias, plantas planialtimtricas da regio da lagoa Feia e das bacias dos rios Urura e Macabu e plantas topobatimtricas das lagoas Paulista e Carapebus, na escala de 1:10.000. Por fim, entre 1925 e 1930, o Escritrio Tcnico Saturnino de Brito realizou os melhores levantamentos topogrficos e estudos hidrolgicos da regio. As ilustraes das pginas anteriores reproduzem os mapas da Comisso de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro e de Alberto Lamego, retratando a regio no incio do sculo XX. Neles, possvel observar grande quantidade de lagoas. Para o leitor estes mapas constituem referncias bsicas, indispensveis leitura do texto.

Conjunto de obras do antigo DNOS

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Relevo e povoamento da regio

Topografia condicionou a ocupao humanaimensa plancie holocnica, de origem fluvial, com o rio Paraba do Sul sendo seu principal construtor. A parte mais externa desta poro continental constituda por duas restingas: a meridional pleistocnica estende-se do rio Maca barra do Furado; a central holocnica e a mais extensa das duas , comea no Cabo de So Tom e termina em Manguinhos. A plancie flvio-marinha composta pela unidade aluvional e pelas duas maiores restingas do Estado do Rio de Janeiro tem sido intensamente estudada por gelogos, geomorflogos e gegrafos. As bacias hdricas mais destacadas desta regio so, de sul para norte, a da lagoa Feia, as dos rios Paraba do Sul e a do Itabapoana. bacia da lagoa Feia afluem os rios Urura e Macabu. O primeiro, alm de ligar a lagoa de Cima com a lagoa Feia, o desaguadouro indireto dos rios Imb ( coletor de vrios pequenos rios que descem da serra do Mar, em sua vertente atlntica ), Urubu e Preto. A lagoa Feia, no passado, defluia por cinco canais naturais centralizados pelo conhecido rio Iguau, hoje, a lagoa do Au, at a abertura do canal do Furado, em 1688, por Jos de Barcelos Machado. H ainda um pequeno rio o Guaxindiba , com barra permanentemente aberta, se bem que reforado com o aporte de gua do canal Engenheiro Antnio Resende. Mencionem-se tambm as pequenas bacias que descem dos tabuleiros e que foram barradas por praias e restingas, mantendo ou no comunicao peridica com o mar. Surgiram, assim, lagoas alongadas, entre as quais se destacam os rios/ lagoas Funda, dAnta, do Siri, Lagoinha, das Pitas, do Mangue, Caculucagem, da Tiririca, da Boa Vista,

relevo da regio, compreendida pela bacia hidrogrfica da lagoa Feia e superfcie entre a foz dos rios Paraba do Sul e Itabapoana, formado por serras e colinas ( zona ou formaes cristalinas ), tabuleiros de topo aplainada ( Formaes Barreiras ), e por imensa baixada constituda de terrenos delineados pelos rios ( plancie aluvial ) e pelo mar ( restingas ), chamada em conjunto de Baixada dos Goytacazes, em aluso aos ndios que ali viveram. As serras e colinas datam da era prcambriana, h mais de um ou dois bilhes de anos atrs, enquanto os tabuleiros se formaram no tercirio, poca que se estende entre 12 e 70 milhes de anos, antes do presente. A baixada muito mais recente. A plancie aluvial formou-se durante a poca holocnica, que se iniciou h cerca de 11 mil anos atrs, enquanto a restinga tem dupla idade. Uma parte holocnica e a outra parte da era pleistocnica, que se estende entre 11 mil e 1 milho de anos atrs. Nota-se que as formaes cristalinas prcambrianas ( serras e colinas ) descrevem um quase semicrculo, cujas extremidades tocam o mar ao sul, entre as desembocaduras dos rios So Joo e Maca. Ao norte, nas imediaes da foz do rio Itapemirim, toda a poro continental restante formada por terras transportadas das serras ou acumuladas por movimentos marinhos. Do tercirio, existem duas unidades de Formao Barreiras: a do sul, localiza-se nos municpios de Carapebus e Quissam; e a do centro, nos municpios de Campos e So Francisco de Itabapoana. Bem ao centro desta vasta regio, eqidistante de suas extremidades, formou-se uma

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do Morob, Salgada, Doce, Guriri, do Largo, de Buena, de Macabu-Sesmaria, de Imburi, da Saudade, de Santa Maria, do Brejo Grande, Preta, Paulista, de Carapebus, Comprida e Cabinas. Nas plancies fluviais, notadamente na deltaica do Paraba do Sul, formaram-se tambm inmeras lagoas, a maior parte delas, total ou parcialmente, drenada. Tambm nas restingas h lagoas paralelas e perpendiculares linha da costa.

VEGETAOQuanto vegetao nativa original, a zona cristalina era revestida de florestas ombrfilas densas e de florestas estacionais, este segundo tipo tambm cobrindo as reas de tabuleiro e tendo no NorteNoroeste Fluminense seu limite austral de ocorrncia. Nos pontos mais altos, como na Pedra do Desengano e no Pico do Frade, encontram-se campos de altitude. As plancies fluviais, extremamente midas, s comportavam campos e matas inundadas nas partes mais elevadas ( vegetao aluvial ). As restingas contavam com vegetao rasteira distribuda em uma primeira zona herbcea, junto costa, uma zona de plantas

arbustivas, em posio intermediria, e uma zona de vegetao arbustivo-arbrea mais afastada da linha costeira. Na foz dos rios e nas lagoas costeiras, em comunicao peridica com o mar, desenvolveram-se manguezais de diversas dimenses, j que a costa linear, desprovida de reentrncias, no conta com baas. A espcie Avicennia germinans, rvore exclusiva deste ecossistema, tem, no rio Maca, seu ponto mais ao sul de distribuio ( MACIEL e SOFFIATI, 1998 ). Atualmente, o grau de supresso da vegetao nativa alcanou ndices alarmantes, com vistas ao fornecimento de energia e extrao de madeiras nobres, bem como para abertura de espao agricultura, pecuria e urbanizao ( SOFFIATI, 1996 ). Entre as principais atividades rurais, inscrevem-se a cana-de-acar, o caf, o feijo, o arroz, o tomate, o abacaxi, o maracuj, a mandioca, o coco e olercolas, e a bovinocultura de leite e de corte ( IBGE/IBDF, 1988; VELOSO, RANGEL FILHO e LIMA, 1991 ). Do ponto de vista ecolgico, cada vez mais a comunidade cientfica se inclina a considerar toda a faixa de terra que se estende entre a costa e as serras da Mantiqueira e do Mar, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, como um grande bioma chamado de Domnio Atlntico, envolvendo grande ecodiversidade intimamente inter-relacionada ( VELOSO, RANGEL FILHO e LIMA, 1991 ).

Canal Antnio Resende, prximo lagoa do Campelo

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OCUPAO HUMANAsingrar as guas que banham as costas da plancie Pelo prisma cultural, coincidncia ou no, antes mesmo da colonizao deste territrio por grupos de pertencente regio em apreo, registrou, por volta de 1553, que os ndios Uetac eram ...donos de origem europia, os povos indgenas que o habitavam dotaram-lhe de uma certa unidade cultural. uma linguagem que seus vizinhos no entendem... ( LRY, 1961 ). Esclarece Angyone Costa que o domnio dos No sculo seguinte, o Padre Simo de Goitacs consistia numa estreita faixa de terra apertada pelos Papanases e Tamoios, distendida do Vasconcelos notificou que os Goitacs habitavam o territrio compreendido entre os rios Paraba e Esprito Santo ao rio Paraba do Sul, e que essa Muria, mas que, em caso de necessidade, como nao, no entendimento de vrios estudiosos, por ocasio de guerras, apelavam ajuda aos povos formava uma espcie de ilha no meio de povos indgenas habitantes das regies mais altas Tupis, no s pelo modo de vida peculiar que ( VASCONCELOS, 1943 ). Dando um desconto ao desenvolveram por imposio do ambiente, como tambm pela lngua que falavam. Obrigado a empreender um estudo de antropologia histrica, visto que esses povos j estavam extintos ou muito descaracterizados culturalmente na primeira metade do sculo XVII, Angyone Costa aceita a diviso dos Goitacs nos trs grandes grupos reconhecidos pelos cronistas dos sculos XVI, XVII e XVIII, quais sejam, Goitac-guau, Goitac-mopi e Goitac-jacorit, alm de considerar os Coroados, os Puris e os Corops como seus descendentes ou aparentados ( COSTA, 1959 ). Tambm Curt Nimuendaju traa um famoso mapa em que esta regio ocupada por Goitacs, Guarus, Coroados e Puris, limitados, ao Ocupao da orla junto s lagoas costeiras em Farol de So Tom ( Campos ) Norte, pelos Temimins e, ao sul, pelos Tupinambs ( NIMUENDAJU, 1987 ). fantstico que povoava a mente do padre, oportuno Da lngua ou lnguas faladas por estes povos, nada restou, nem sequer na toponmia, a no atentar para as conexes que as naes indgenas da plancie faziam com as naes que habitavam as ser breves apontamentos tomados pelo engenheiro partes mais elevadas da regio. Examinando o fato, Alberto de Noronha Torrezo, no fim do sculo XIX. Renato da Silveira Mendes nota que, apesar das A lngua falada pelos Puris e, talvez, com variantes, diferenas e mesmo da oposio entre regies pelos Goitacs, Corops e Coroados spera e geogrficas, havia estreita ligao dos povos que as estranha ao contexto cultural circunvizinho. Alis, o habitavam ( MENDES, 1950 ). insulamento cultural dos Goitacs j era reconhecido Se, a despeito da tecnologia rudimentar da de longa data. Jean de Lry, baseando-se num maior parte dos povos indgenas americanos, informante normando embarcado junto com ele, ao estabeleciam-se intercmbios, por vezes de longo

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alcance, entre regies distantes e extremamente distintas, lcito admitir que, na regio em apreo, contatos entre plancie e serra se tornassem mais facilitados em vista da existncia do tabuleiro, rea de transio entre ambas, de resto povoada tambm por naes afiliadas aos Goitacs. Jos Ribamar Bessa Freire e Mrcia Fernanda Malheiros renem, com base nas pesquisas de Aryon Rodrigues, as naes que formavam o enclave cultural mais ou menos correspondente regio na famlia Puri, integrante do tronco macro-g. Dos registros efetuados no perodo colonial e imperial, calcula-se que ela dividia-se em 23 lnguas, sendo 12 faladas na Capitania/Provncia do Rio de Janeiro (FREIRE e MALHEIROS, 1997).

CAPITANIAS HEREDITRIAS

Sobre as bases ecolgicas e culturais apontadas que os invasores e ocupantes de origem europia, sobretudo portugueses e seus descendentes, construram uma regio, conquanto no houvesse inteno deliberada e consciente neste propsito. As Capitanias de So Tom, doada a Pero de Gis da Silveira, e do Esprito Santo, doada a Vasco Fernandes Coutinho, contavam com recortes inteiramente arbitrrios, como todas as demais capitanias. Fonte: Brasil 500 Anos- pg. 79 Diga-se que este tipo de diviso territorial e administrativa era completamente artificial, sem qualquer compromisso com a

realidade natural e cultural sobre a qual se assentava. Faixas paralelas e longitudinais de territrio comeavam no oceano Atlntico e morriam sobre a linha tambm fictcia do Tratado de Tordesilhas como listras de uma bandeira. A Capitania de So Tom foi doada a Pero de Gis da Silveira em 10 de maro de 1534 e confirmada em 28 de janeiro de 1536. No trato cotidiano naquelas em que houve alguma tentativa de colonizao, evidentemente , que surgem os problemas de demarcao de fronteiras. Pela Carta de Doao, a Capitania de Pero de Gis contava com 30 lguas de terra, comeando a 13 lguas alm de Cabo Frio, ao norte, onde terminava a Capitania de Martim Afonso de Souza, e acabava no Baixo dos Pargos, incluindo as ilhas at dez lguas mar adentro. Em direo ao interior, tudo o que se pudesse encontrar e fosse da conquista do rei. Pelo que se v, limites muito vagos. To logo Pero de Gis tentou ocupar seus domnios a partir do norte, em rea de tabuleiro, surgiu um problema de fronteira que seria resolvido, pacificamente, com Vasco Fernandes Coutinho, donatrio da Capitania do Esprito Santo, por acordo de 14 de agosto de 1539. Como se tornasse difcil precisar o local em que ficava situado o Baixo dos Pargos, ambos os donatrios propuseram a D. Joo III que fixasse a divisa entre as duas capitanias no rio Tapemeri ( Itapemirim ), por eles batizado de Santa Catarina, pleito atendido por Carta datada de 12 de maro de 1543. No foi necessrio definir os limites

O Brasil foi distribudo a 12 donatrios por D. Joo III

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ao sul, pois Pero de Gis s conseguiu se movimentar nas cercanias do rio Manag, atual Itabapoana, onde tentou implantar duas fundaes. No sul, por conseguinte, o espao ficou em aberto. A empreitada do donatrio fracassou em 1546, frente falta de recursos e resistncia dos ndios. No incio do sculo XVII, seu filho Gil de Gis tentou reativar a capitania, mas tambm malogrou e dela abriu mo em 1619. Sabedores do seu abandono, sete fidalgos requereram-na a ttulo de sesmaria, em 1627. As terras doadas estendiam-se do rio Maca ao rio Iguau ( atual lagoa do Au ). Esta terceira tentativa de colonizar a poro meridional da regio efetuou-se no pelo tabuleiro, como as duas primeiras, mas pela plancie flviomarinha e iniciou, de fato, a implantao contnua de um modo de vida europeu. A exemplo das capitanias, os novos colonos dividiram a vasta gleba de terra que lhes coube de forma artificial, em faixas paralelas que se alongavam at a linha de cumeada da serra do Mar, com testadas mais ou menos equivalentes.

e poltico-administrativa, eles acabaram por estreitarse aos rios Manag ( atual Itabapoana ), ao norte, e dos Bagres ( atual Maca ), ao sul; ao leste, toda a linha da costa atlntica; e, ao oeste, a serra do Mar, com incurses serra da Mantiqueira pelo vale do rio Paraba do Sul. Em 1785, ao delimitar os termos do Distrito dos Campos, Manoel Martins do Couto Reis no manifesta mais nenhuma dvida:

Os seus termos, ou limites do Norte a Sul, so os rios Cabapuana e Maca: este os divide do Distrito de Cabo Frio; assim como aquele, do da Capitania do Esprito Santo, tendo de um, a outro extremo confinante, 28 lguas de extenso contadas pela costa ( ... ). A Leste confinam com o Mar Braslico, e a Oeste com sertes das Minas Gerais, em meio dos quais discorre a Cordilheira, ou Serra Geral... ( COUTO REIS, 1875 ). Da mesma forma, Jos Carneiro da Silva, depois de exaltar a parte sul da regio como fertilssimo pas da Provncia do Rio de Janeiro, d os seus limites: ao sul, o rio Maca; ao leste, o mar; ao norte, o rio Cabapuana ( Itabapoana ); e, ao oeste, a grande cordilheira de serras que costeiam o Brasil em quase toda a sua extenso ( serra do Mar ) ( SILVA, 1819/1907 ). Talvez, no seja mero acaso que as terras baixas formadoras da regio tenham sido ocupadas antes das suas partes altas. Talvez, no seja simples coincidncia grupos nativos aparentados lingisticamente e integrantes da grande nao macro-g terem se assentado nesta concavidade situada entre o planalto e o oceano. Talvez, seja explicvel ainda a preferncia inicial dos europeus por estas terras baixas constitudas por tabuleiros, plancie aluvial e restingas. A explicao mais plausvel que a serra, com sua vegetao luxuriante e complexa, com seus fantasmas e assombraes, representou uma barreira expanso do estrangeiro, acostumado a um continente j domesticado e conhecido. No sem razo, os primeiros e mais importantes ncleos de povoamento foram erigidos de uma a outra ponta do arco, passando por sua barriga: Vila da Rainha,

INTERESSESDada a fertilidade dos Campos dos Goitacs, voltaram-se para eles interesses civis e eclesisticos. Os Correia de S e Benevides e as ordens religiosas dos beneditinos, dos jesutas e dos franciscanos tambm fincaram p naquelas plagas. Nova Carta Rgia de Doao, com data de 15 de setembro de 1674, assegurava terras na extenso de 100 lguas, ao Visconde de Asseca e seu tio. A partilha entre eles suscitou problemas relacionados ao limite sul da Capitania. A soluo foi obtida mediante diviso das 100 lguas entre os dois donatrios, em anexo o mapa apresentado ao rei de Portugal, esclarecendo que a capitania que pertenceu a Gil de Gis comea em Santa Catarina das Ms, no rio Itapemirim, e se estende at o rio das Ostras ( LAMEGO, 1942 ). Esta partilha foi confirmada pela segunda apostila da Carta de Doao, assinada em Lisboa em 5 de maro de 1676. Com a partilha acordada entre Pero de Gis da Silveira e Vasco Fernandes Coutinho, em 1539, e com esta, de 1676, foram atingidos os limites mximos geopolticos da regio. Norte: rio Itapemirim; Sul: rio das Ostras ( antigo Leripe ). Da em diante, por razes de ordem natural

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Santa Catarina das Ms, So Sebastio, So Joo da Barra, Campos, Quissam, Maca e Barra de So Joo. S depois de uma srie de incurses para o interior, outras fundaes foram sendo erguidas: So Fidlis, So Jos de Leonissa da Aldeia da Pedra, Itaperuna, Santo Antnio de Pdua, Nossa Senhora das Neves, etc. O relevo condicionou o povoamento e a economia: impressionante a unidade expressa pelas atividades praticadas em toda a extenso das terras baixas da regio: extrativismo vegetal, pecuria

extensiva, agricultura canavieira, mandioca, algodo, feijo, fbricas de acar e aguardente. As presses de tais atividades sobre os ecossistemas nativos tambm se assemelham. Numa regio plana e semiplana torna-se mais fcil a derrubada de matas estacionais, o cultivo dos campos nativos, a remoo de vegetao de restingas e o corte de manguezais. Por outro lado, a existncia de lagoas, brejos, cursos baixos dos rios e um clima tropical, todos eles desconhecidos na Europa, torna-se um problema de difcil soluo para o invasor e conquistador.

Vista area da lagoa de Iquipari, vendo-se a barra aberta

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3A

Formao do delta do rio Paraba do Sul

Evoluo lenta, mas permanenteo mais longo, o atual baixo Paraba. Aos poucos, o rio, correndo em leito mais firme do que o antigo, consolidou o segundo canal com aluvies depositados nas enchentes e foi abandonando o primeiro, que se tornou apenas auxiliar no tempo das guas ( LAMEGO, 1955 e 1974 ).

plancie do delta do rio Paraba do Sul teve, em Alberto Ribeiro Lamego, um grande intrprete. Examinando a Baixada dos Goitacs, ele a v como resultado de dois processos concomitantes e intrinsecamente associados: a plancie formada de aluvies, transportados pelo rio Paraba do Sul da zona cristalina, e a plancie marinha, resultante de movimentos ocenicos de avano e retrocesso. No perodo tercirio, o rio Paraba do Sul desembocava numa grande baa de guas rasas, em mar aberto, que confinava com a zona cristalina, talvez, passando por trs da serra do Sapateiro e desembocando no rio Muria que, futuramente, transformar-se-ia em seu afluente. Da, pouco a pouco, avanou mar adentro, na direo sudeste, talvez, por influncia do Muria, que tem esta orientao. Lanando sedimentos de um lado e de outro, o rio construiu seu prprio leito dentro da baa, at atingir o que seria a futura linha de costa, num ponto situado entre os atuais Cabo de So Tom e Barra do Furado, onde desembocaria por um delta do tipo p de ganso ou Mississipi. Este canal ainda era navegvel, no sculo XVIII, com o nome de crrego Grande ou do Cula. Couto Reis d notcia dele e diz que era navegvel em tempos de cheia, pois funcionava como um extravasor secundrio do excedente hdrico do Paraba do Sul. Ainda hoje, h plidos vestgios dele na Baixada dos Goytacazes. Este primeiro leito dividiu a grande baa em duas menores: a baa da lagoa Feia e a baa de Campos. Num determinado momento da sua histria, o leito do Paraba do Sul mudou de rumo, invadindo a chamada baa de Campos. Sem abandonar, contudo, seu primitivo leito, forma-se agora um delta do tipo arqueado ou Niger-Rdano, com dois braos que se separam em local distante da futura linha da costa: o mais curto era o crrego do Cula e

PLANCIE DELTICAO aterramento natural da baa de Campos processouse de forma mais intensa do que o da baa da lagoa Feia. Naquela, restaram inmeras lagoas, ao passo que, nesta, a grande lagoa Feia permaneceu como remanescente de uma das duas grandes baas holocnicas construdas pelo leito antigo do Paraba do Sul. Por fim, delineou-se um delta simples que Lamego chama em bico ou em cspide ou ainda de tipo Tibre ou Paraba , na extremidade do canal esquerdo do grande rio, canal que se estabilizou, primeiramente, por ao natural e, depois, por ao antrpica. Alm destes trs deltas, Lamego aponta ainda o delta extravasor da lagoa Feia, grande reservatrio dgua que ficou aberto at o advento das restingas. Depois de fechado, a fora da gua acumulada, notadamente no perodo das cheias, sulcou vrios canais extravassores ao sul do sistema lacustre. A maior parte reuniu-se no antigo leito do rio Iguau, hoje, lagoa do Au, que desembocava no ponto mais baixo da costa, at a abertura da barra do Furado, em 1688. Diz Lamego que Com exceo do Carapebas, que se dirige para a barra do Furado, o caminho natural dessa rede labirntica era o rio Au, que tambm recebe, na margem esquerda, o rio

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Evoluo e caractersticas fsicas da paisagem

Situao da plancie costeira do rio Paraba do Sul, correspondente a aproximadamente 5.100 anos at o presente, caracterizando um sistema de ilhas-barreiras delimitando uma laguna Fonte: Martin, Suguio, Dominguez e Flexor. Geologia do quaternrio costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e Esprito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997

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Novo e vai buscar uma sada para o mar, num tortuoso curso entre restingas. ( LAMEGO, 1955, p. 49 ). Por fim, cabe ressaltar a vedao da plancie deltaica pelas restingas. Este tipo de formao geomorfolgica se constitui pela ao de correntes marinhas conduzindo sedimentos em suspenso que, ao encontrarem um acidente na costa, perdem velocidade e formam, progressivamente, uma faixa de areia perpendicular ao litoral. Pode tambm se constituir pelo processo de avano ou recuo do mar, bastante acentuado no Pleistoceno e no Holoceno ( LAMEGO, 1955, p. 42 ). A partir da dcada de 80,

a interpretao de Lamego, que se tornou clssica, vem sendo revista por um grupo de gelogos. Gilberto Dias contesta a possibilidade de um delta p de ganso em mar aberto, face grande energia ocenica regional. Sustenta ele que o delta primitivo do Paraba do Sul apresentaria configurao semelhante atual ( DIAS, 1981 ). Recentemente, os gelogos Louis Martin, Kenitiro Suguio, Jean-Marie Flexor e Jos Maria Landim Dominguez, partindo de informaes obtidas com mtodos qumico-radioativos de datao, apresentaram um quadro bastante abrangente que teria passado por sete fases de evoluo:

Fase 1: provavelmente durante o Plioceno ( poca entre 1 a 12 milhes de anos atrs ), sob a vigncia de um clima semi-rido sujeito a chuvas espordicas e torrenciais, teria ocorrido a sedimentao da Formao Barreiras; o nvel do mar deveria ser mais baixo do que o atual, permitindo que os sedimentos desta formao cobrissem completamente parte da plataforma continental. Fase 2: o clima passa a ser mais mido; j no Pleistoceno, deve ter ocorrido um avano do mar, erodindo a parte externa da Formao Barreiras e constituindo uma linha de falsias. Em muitos locais, essas falsias foram erodidas durante o penltimo e ltimo avano. Fase 3: na fase de recuo subseqente ao mximo do antepenltimo avano, o clima parece ter retornado semi-aridez, pelo menos nos estados da Bahia, Sergipe e Alagoas. Essa volta s condies semelhantes s de deposio da Formao Barreiras levou sedimentao de novos depsitos continentais no sop de escarpas, agora mais baixas, esculpidas nos sedimentos da Formao Barreiras. No norte-noroeste fluminense, no se conhecem evidncias dessa fase. provvel que elas tenham sido erodidas durante o penltimo avano, que tambm fez desaparecer a antiga linha de falsias. Fase 4: corresponde ao mximo da penltima elevao do mar ( com o nvel maximum maximorum atingido h cerca de 123 mil anos antes do presente), quando o mar erodiu, total ou parcialmente os depsitos continentais do estdio anterior. Os baixos cursos dos vales fluviais foram afogados dando origem a esturios e lagunas. Os sedimentos da Formao Barreiras foram novamente erodidos, formando-se nova linha de falsias. Fase 5: durante rebaixamento do nvel ocenico subseqente, foram construdos os terraos arenosos pleistocnicos formados por comoros, ou pequenas elevaes do solo, montculos e aretenos, que avanavam mar adentro. Fase 6: mximo do ltimo avano ( 5.100 anos antes do presente ), quando o mar deve ter erodido, total ou parcialmente, os terraos marinhos pleistocnicos, com o afogamento da Formao Barreiras externa e das plancies pleistocnicas, formando-se sistemas lagunares. A constituio de ilhas-barreiras isolou do contato direto com o mar aberto testemunhos de antigos terraos marinhos ou de antigas falsias esculpidas nos sedimentos da Formao Barreiras. Surgem lagunas atrs do cordo de ilhas-barreiras. Essas ilhas j estavam instaladas antes do pico mximo da ltima elevao do mar. Quando um rio desemboca nessas lagunas, comeam a desenvolver-se deltas intralagunares. Fase 7: ocorre um novo abaixamento do nvel relativo do mar, subseqente ultima subida, ensejando a construo de terraos marinhos a partir das ilhas-barreiras originais, quando elas existiam, ou diretamente a partir dos terraos pleistocnicos ou ainda das falsias esculpidas em sedimentos da Formao Barreiras. Verifica-se gradual transformao das lagunas em lagos de gua doce e, finalmente, em pntanos. Tambm registram-se flutuaes do nvel marinho, de pequena amplitude e curta durao, aps 5.100 anos antes do presente. maro/2002

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Evoluo e caractersticas fsicas da paisagem

Sada direta ao oceano de um brao de delta intralagunar, ocorida entre 5.100 e 4.200 anos A.P. ( At o Presente ) Fonte: Martin, Suguio, Dominguez e Flexor. Geologia do quaternrio costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e Esprito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997

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Evoluo e caractersticas fsicas da paisagem

Fase de intenso retrabalhamento dos ltimos depsitos, com eroso local e sedimentao em outra parte, no perodo de 2500 anos at hoje Fonte: Martin, Suguio, Dominguez e Flexor. Geologia do Quaternrio Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e Esprito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997

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Os mapas das pginas 24, 26 e 27 ilustram momentos importantes da evoluo da plancie.

AVANOS e RECUOSLimitando-nos s fases 6 e 7, correspondentes ltima elevao e rebaixamento do nvel do mar, a nova explicao identifica 12 momentos de pequenos avanos e recuos marinhos que no cabe pormenorizar aqui. Basta dizer que o avano do mar sobre os tabuleiros pliocnicos, entre Quissam e Manguinhos, comeou anteriormente a 5.100 antes do presente, erodindo de novo a parte externa das restingas e da Formao Barreiras, criando falsias na forma de ilhas-barreiras. Estas ilhas constituram um pontilhado prximo da linha da costa atual. No seu interior, formou-se uma laguna com algumas aberturas para o mar. Nela, passa a desembocar o rio Paraba do Sul. Aps o ltimo mximo de elevao ocenica, cerca de 5.100 anos antes do presente, o mar inicia seu descenso, permitindo que o rio Paraba avance no interior da laguna semi-aberta. Ao norte do futuro cabo de So Tom, uma concavidade produz a acumulao de areia impulsionada por ondas provenientes do sul, iniciando a formao da restinga central da regio, a mais vasta do futuro territrio fluminense. No interior da laguna, os braos do Paraba do Sul continuam depositando sedimentos trazidos de partes altas e avanando sem atingir o oceano aberto, at que,

cerca de 4.200 antes do presente, quando ocorre um abaixamento brusco do nvel do mar, um dos braos do delta intralagunar do rio chega ao mar aberto, prximo da foz atual. Este brao funciona como barragem para a areia, aumentando a progresso da restinga central. Da em diante, uma seqncia de perodos de avano e recuos, de eroso e de construo acaba por consolidar a desembocadura ocenica do Paraba do Sul e da restinga intermediria. Aos poucos, a laguna interior vai sendo colmatada pelo avano do delta intralagunar, favorecendo a formao de lagunas. O brao ocenico do Paraba do Sul funciona como uma barragem hidrulica que retm areia na margem sul de sua foz e, ao que parece, deposita sedimentos na margem norte. Sedimentada a lagoa interior e soldadas as ilhas-barreiras, formam-se lagoas e uma faixa contnua de restinga entre Quissam e Manguinhos, posto que com larguras distintas. A linha da costa, antes mais recuada, aproxima-se da fisionomia que atualmente apresenta. Num determinado momento, chegou mesmo a ultrapassar a linha atual, sobretudo na altura do Cabo de So Tom, onde seu recuo originou bancos de areia submersos at hoje encontrados naquele ponto. Constituem-se, assim, duas grandes extenses de restinga. A do sul, entre Maca e Barra do Furado, data do Pleistoceno. Sua constituio deve-se a comoros que deslocaram-se com regresso do mar que se operou aps o

O rio Paraba, com a ponte da Lapa (Campos ), no perodo de estiagem: cota de cerca de 6 metros

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mximo de avano ocorrido a 123 mil anos antes do presente. A altitude costeira deste terrao baixa e, a partir da lagoa de Carapebus, as areias da praia atual, de origem holocnica, invadem as areias pleistocnicas. A presena de cristas de praias na superfcie dos depsitos arenosos pleistocnicos permite pensar que estes terraos no foram submersos durante a ltima elevao marinha, sugerindo para ela um processo de achatamento aps 5.100 antes do presente, responsvel por sua baixa altitude atual. Entre a foz dos rios Itapemirim e Guaxindiba, os depsitos arenosos pleistocnicos atingem um desenvolvimento notvel somente na restinga de Morob, margem esquerda da foz do rio Itabapoana. A restinga central, por sua vez, formou-se aps o ltimo recuo do mar, cuja elevao mxima foi alcanada em 5.100 antes do presente, sendo, portanto, uma restinga holocnica bem nova quando comparada com a restinga sul e a restinga norte. Os autores retomam o delta p de ganso proposto por Lamego e negado por Gilberto Dias. De fato, este tem razo em contestar aquele no que toca a tal aspecto, porquanto um delta deste tipo

seria invivel em mar aberto. No, contudo, no interior de uma laguna semi-aberta ( MARTIN, SUGUIO, FLEXOR e DOMINGUEZ, 1997 ). Alm de formar uma imensa plancie com sedimentos trazidos das partes mais altas por onde ele corre, o rio Paraba do Sul, aliado ao mar, ajudou a construir a maior restinga da regio analisada. Plancie aluvial e restinga bloquearam rios que desciam dos tabuleiros sul e central, levando-os a se transformar em lagoas ou conduzindo-os para outros desaguadouros. A plancie bloqueia cursos dgua que se alastram como lagoas, a exemplo das lagoas da Ona, Limpa, do Cantagalo e das Pedras, Taquaruu e Brejo Grande. A restinga solapa crregos que se transformam nas lagoas de Macabu, Sesmarias, Imburi, Cauaia, da Saudade, de Santa Maria e de So Gregrio. No caso da lagoa de Cima, que alimentada pelo rio Imb, coletor dos rios provenientes da vertente atlntica da serra do Mar, no mbito da regio, a plancie aluvial faz verter pelo rio Urura at a lagoa Feia, abrigando esta tambm as guas do rio Macabu. Ambos deviam desembocar no mar ou sulcar tabuleiros, seis mil anos antes do presente.

Lagoa da Saudade, em So Francisco de Itabapoana

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Lagoa Feia, em 1785

Fonte: Extrado de Couto Reis, Manoel Martins, do mapa topogrfico dos Campos Goitacaz, levantado por ordem do Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza, do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capito General do Mar e Terra do Estado do Brasil se escreveu para servir de explicao do mapa topogrfico do mesmo terreno, que debaixo da dita ordem se levantou. Rio de Janeiro: 1785 ( manuscrito original )

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4Q

Retrospectiva

O Estado do Rio j teve o seu PantanalNa bacia da lagoa Feia, abarcando o trecho entre o canal da Flecha e o rio Paraba do Sul, domina, soberana, a plancie aluvial, que confina, ao norte, com as serras; ao sul, com uma estreita faixa de areia que liga as restingas meridional e setentrional da regio Norte Fluminense; ao leste, com a grande restinga do Norte e, ao oeste com os tabuleiros. Com base em relatrios, em mapas antigos e atuais e em levantamento de campo, acredita-se que havia na bacia hidrogrfica da lagoa Feia cerca de 106 lagoas, sendo quatro no setor norte, cinco no setor oeste, 83 na plancie aluvial e 14 na restinga.

uando chegaram, os portugueses encontraram a bacia hidrogrfica da lagoa Feia constituda por diversos rios e centenas de lagoas, brejos e canais perenes e sazonais. Na poca das chuvas, no vero, os rios transbordavam, inundando as plancies adjacentes e ampliando o espelho de guas de mais de uma centena de lagoas, unidas por uma intrincada rede de canais e brejos rasos. O grande volume de chuvas e a pouca declividade dos terrenos criavam as condies favorveis inundao. Rios, canais, lagoas e brejos formavam imenso pantanal e, assim, deveriam permanecer por longos meses, esvaziando-se quando a fora das guas descarregadas da lagoa Feia por um sistema de canais e concentradas em uma lagoa na restinga, rompiam a faixa de areia escoando para o mar o volume excedente acumulado.

Mangue da Carapeba

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No setor norte, intrometendo-se nas ramificaes da serras, localizavam-se, originalmente, as lagoas:

. . do Pau Funcho, fazendo par com outra sem nome, ambas alimentadas pelo rio Urura, ficavade Cima: a ser analisada separadamente por sua importncia encravada entre a lagoa de Cima, o macio do Itaca e o rio Urura, na zona marginal deste;

da Frente . da Vassoura . do Russo . Ostra de Fora . Terceira Grande . das Cruzes . do Ciprio . do Mulaco . do Capim . Seca . do Pau Grande . de Bananeiras . do Capes . de Colomins . do Jorge . dos Paus . de Saquarema . de Saquarema Pequena . da Restinga Nova . do Peru . do Mergulho . de Cambaba . do Limo . da Sentinela . da Fazendinha . do Furtando ou do Osrio . do Paulo . do Morcego . da Capivara . do Anil . do Carmo . da Mandiqera. Destacando-se na plancie aluvial pelo seu grande tamanho estava a lagoa Feia. Na restinga da bacia formaram-se tambm grandes lagoas, em especial ao norte do canal da Flecha, a saber: da Ribeira e do Luciano, interligadas por um canal . do Au . da Ostra . Salgada . do Riscado ( tambm conhecida como brejo do mesmo nome ) . Quitingute . Ta Grande . Ta Pequeno . do Barreiro . So Joo ( tambm considerado brejo ) . de Grussa . de Iquipari . do Veiga. Em seqncia, descreve-se, em detalhe, as caratersticas primitivas da lagoa Feia e de Cima e as grandes obras e intervenes.

. do Piri-Piri: figurada como brejo . do Timb: tambm considerada brejo, ficava encravada entre o cristalino e o tabuleiroNo setor oeste, tambm penetrando as reentrncias do tabuleiro, as lagoas ou brejos: do Policarpo, do Mutum, Nova Esperana, da Taquara e da Cruz. Na grande plancie aluvial, levantamento de campo executado por Arthur Soffiati, da Univesidade Federal Fluminense, aponta as seguintes lagoas: do Monjolo: tambm considerada brejo . de Cacumanga: grande lagoa no entorno da lagoa Feia . do Saco: lagoa de guas limpas prxima ao paleocanal do Cula, nas cercanias da atual cidade de Campos . Vista Alegre . Santa Cruz . So Jos . do Cantagalo . Grande: dilatada lagoa, nas proximidades da lagoa Feia, da qual ainda resta significativo fragmento . da Caraca . do Lagamar: a sudeste da lagoa Feia, situa-se na plancie aluvial, a menos de 300 metros da linha da costa . da Piabanha . da Frecheira . do Isidoro: tambm figurando como brejo . de Jesus . da Concha . do Cmara . do Capim . do Barata . Curimat . da Carioca . Vermelha . do Capo dos Porcos, tambm considerada brejo . do Lucindo, tambm registrada como brejo . Segunda Grande . das Colhereiras . do Sussunga . do Tambor . da Janjuca . Rasa . do Pino . da Aboboreira . das Conchas . Auzinho . da Goiaba . da Restinga . dos Coqueiros . do Capado . do Sabo . do Tucum . do Baixio . do Salgado . do Caboclo . da Cutia . de Dentro . do Fabrcio . do Ludovico . Lagamar . de Fora .

A LAGOA FEIA de ANTIGAMENTE

. Narrativas histricasA primeira descrio da lagoa Feia feita por um europeu, de que se tem notcia, figura no controvertido Roteiro dos Sete Capites, cuja autoria atribuda a Miguel Aires Maldonado e a Jos de Castilho Pinto, datando de 1632. Em 1627, o ento governador do Rio de Janeiro, Martim de S, na condio de procurador de Gil de Gis e de Joo Gomes Leito, que haviam renunciado Capitania de Paraba do Sul, fez doao de carta de sesmaria a pedido de sete fidalgos que prestaram relevantes

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servios Coroa Portuguesa. No Livro de Registro da Cmara Municipal de Campos, 1796-1801, fls. 15, consta que o Tabelio do Rio de Janeiro declarou estarem os sete capites pedindo ... a terra que est desde o rio Maca, partindo com a data dos ndios at um rio que chamam Iguau, que est alm do Cabo de So Tom para o norte, correndo pela Costa tudo o que estiver entre um e outro rio e para o serto at o cume da Serra, visto ser Vossa Senhoria Capito de Cabo Frio por sua Majestade e procurador dos Donatrios Joo Gomes Leito e Gil de Gis da Silveira, em cujo distrito caem as ditas terras. ( Apud. FEYDIT, 1979 ). A descrio da lagoa se tornou clebre por parecer este documento uma espcie de testamento de Ado da regio Norte Fluminense. Eis o seu teor:

h neles alagoas e uma de tanta grandeza, que do meio dela mal se enxerga terra duma parte e doutra. So suas guas doces e habitadas de infinidade de patos e outras aves semelhantes... ( Apud. FEYDIT, p.19 ). No correr do sculo XVII ainda, Andr Martins da Palma impressiona-se com ela, propondo seu aproveitamento pela Coroa: H uma alagoa mui grande para a comunicao dos povos vizinhos, que, sendo de gua doce, se no v terra, navegando-se por muitos dias, e to dilatada que por um ms e mais se no corre... ( PALMA, 1984 ). Da em diante, a lagoa, ao que se saiba, s volta a aparecer nos documentos como acidente geogrfico impressionante no sculo XVIII, pela pena do capito cartgrafo Couto Reis. Dedica-lhe ele uma das pginas mais vivas da sua descrio.

... seguimos a ver com eles o grande mar dgua doce, como eles lhe chamavam pelo seu idioma; lhes perguntamos se ficava perto, e nos disseram que sim. Poderamos ter caminhado coisa de meia hora, quando j perto descobrimos o dito mar. Era um grandssimo lago ou lagoa dgua doce, a qual estava to agitada com o vento sudoeste, to crespas suas guas e to turvas que metiam horror: aonde lhe demos o apelido de Lagoa-feia. ( MALDONADO E PINTO, 1894 ).

Ainda no sculo XVII, o jesuta Simo de Vasconcellos, no seu livro A Vida do Padre Joo de Almeida da Companhia de Jesus na Provncia do Brasil, refere-se lagoa como um monumento situado em meio a uma encantadora regio:

O lugar considerado em si, era naquele tempo uma paragem das mais notveis e aprazveis que h em todo este Brasil. So umas Campinas formosssimas dalgumas vinte ou mais lguas de espao, quase todo to raso comoo mesmo mar; to verde, enfeitado e retalhado da Natureza, que parecem outros Campos Elseos, e so chamados os Campos dos Goitacases, h

No meio ( ... ) ou quase no centro deste terreno ( ... ), est a celebrada lagoa Feia, a maior, e mais soberba de todas, com a extenso de 3 lguas esforadas na sua maior largura, fazendo suas pontas, e enseadas, por toda sua redondeza, de que lhe resultam mais de 18 lguas de mbito. Dela se reparte uma considervel poro dguas que por uma pequena garganta ou barra da parte do sul no lugar chamado Farinha seca ( Nota de margem: Assim se ficou chamando este lugar; porque os seus primeiros descobridores quando ali chegaram, no levavam mais provimento que uma pouca de farinha, talvez esperanados em encontrar alguma caa: erraram no projeto, contentaram-se com farinha sem mais adjunto. Deste acontecimento passaram a ter outro no dia seguinte; porque matando eles um tatu, o comeram sem farinha por se ter acabado, ficou tambm o lugar memorvel denominando-se do Tatu ) vai formar uma segunda lagoa com 2/4 de lgua de largo e mais de 2 de comprido porm uma, e outra, com natural correlao.

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Ela um receptculo geral dos rios, lagoas menores, infinitos crregos, e brejais, da sua circunvizinhana, por cuja causa no depende de chuvas a sua conservao ( ... ). Os rios, que mais a fecundam de guas com incessante comunicao, so ( ... ) o Macabu, e Urura, o qual permanente sangradouro da lagoa de Cima, e conseqentemente do Imb, seu legtimo gerador ( ... ). So as suas margens por alagadias pouco povoadas, e em muitas partes por areentas menos frteis, so bordadas de matos ( ... ). finalmente esta lagoa navegvel de canoas grandes: tem seus baixios, e suficientes canais, por onde facilmente podero passar grandes barcas construdas com fundo de prato, o que seria muito til por evitar o grande perigo das canoas, ou o invencvel precipcio a que se expem, quando repentinamente se alteram as guas agitadas por ventos furiosos, e ficam com semelhanas de um mar impetuoso. ( COUTO REIS, 1785, p. 10 11 ).

anotar as informaes porventura colhidas no local acerca dos topnimos Farinha Seca e Tatu, usados at hoje. Em nota de rodap, o prncipe naturalista germnico Maximiliano de Wied-Neuwied esclarece, em sua passagem pelo norte da Capitania do Rio de Janeiro, que:

A lagoa Feia divide-se em duas partes, ligadas por um canal; a sua configurao no est rigorosamente inscrita em meu mapa, porque apenas a atravessei e no lhe pude abranger toda a superfcie ( ... ). Peixe abundante, gua doce. A extensa superfcie geralmente agitada pelo vento e, por isso, quase sempre perigosa para canoas: no d calado a embarcaes maiores. A Barra do Furado [um dos distributrios da lagoa no mar poca] seca nos perodos em que o nvel da gua baixa. Toda essa regio recortada, ao longo da costa, de numerosos lagos, muitos dos quais omitidos no mapa. ( WIED-NEUWIED, 1989 ). O mapa a que alude o viajante foi desenhado por Arrowsmith e aproveitado por ele em sua excurso cientfica do Rio de Janeiro a Salvador, entre 1815 e 1817, no s para orientao como para retificaes, figurando no fim da edio da Viagem ao Brasil. Sua descrio da lagoa Feia coincide com a de Couto Reis, conquanto menos detalhada. Certamente, ele est se referindo s lagoas Feia e da Ribeira, que, poca, comunicavam-se entre si. Aires de Casal, citado pelo naturalista alemo, no acrescenta muito, ao dizer que:

. Imensa baaCom efeito, ningum conseguira, at ento, um grau de detalhamento como o alcanado pelo cartgrafo miliciano. Ele chamou a ateno para o solo arenoso existente em certos trechos marginais, vestgios de restingas que se formaram quando a lagoa era uma imensa baa a se comunicar com o mar, se bem que, poca, no se cogitasse a respeito de processos geolgicos. Ele registrou a ligao da lagoa Feia com a lagoa da Ribeira, na enseada do Tatu. Ele notou a vegetao ciliar existente e caracterizou as adjacncias da lagoa com seus abundantes brejos e pntanos. Falou dos afluentes que a alimentam, acompanhando o rio Urura, principal deles, at a lagoa de Cima e, desta, at o Imb. Assinalou os canais por onde defluiam as suas guas, mostrando que seu volume dispensava a contribuio das chuvas para sua alimentao. Por fim, no deixou de

A lagoa Feia formada de duas desiguais, e unidas por uma garganta estreita, uma ao norte com pouco menos de seis lguas de comprimento leste-oeste, e pouco mais de quatro de largura; outra ao sul com quase cinco de comprido, e meio de largo, piscosa, e aprazvel; e s feia quando agitada do vento, em razo do seu pouco fundo, tendo s canais para canoas. Suas guas so

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sempre doces e saudveis, ainda que turvas pela contnua agitao dos ventos ( ... ). Tem dentro uma considervel pennsula. Vivendo na regio, Jos Carneiro da Silva fala com o conhecimento que a experincia emprica lhe confere:

( BELLEGARDE, 1837, p.9-10 ). Saturnino de Brito, em 1929, considera:

Quase no meio dos Campos est a lagoa Feia, que a princpio teve o nome de lagoa do Iguau: e de gua doce; tem nove lguas de comprido, cinco de largura e trinta a trinta e duas de circunferncia ( ... ). Formase das guas dos rios Macabu e Urura e de outros muitos crregos e brejos que nela desguam. O nome de Feia talvez lhe venha porque, sendo muito baixa, com qualquer vento se encrespam as suas guas e se faz temvel para quem deseja embarcar-se: a sua situao toda mui agradvel, a sua forma irregular por causa dos estreitos e pontas que tem, as quais fazem diferentes baas e algumas to grandes que a vista no alcana o lado oposto; as suas guas so mui saudveis porm turvas pelo contnuo movimento e s ficam cristalinas passados muitos dias, depois de estarem em casa ou passadas pelos filtros. ( SILVA, 1819,1907 ).

... ( ... ) natural que depois do rio sair da regio montanhosa ( em Iterer ), uma parte de suas guas corra subterraneamente, alimentando o grande lenol aluviano da plancie formada pelo prprio rio em colaborao com mananciais menores e com o oceano; este lenol desce para a bacia da lagoa Feia e para o mar [como suspeitavam Aires de Casal e o major Bellegarde]. ( BRITO, 1944 ).

O engenheiro deve ter confundido Casal com Carneiro da Silva, j que o primeiro no fez tal afirmao. Levando-se em considerao a data de publicao do livro de Jos Carneiro da Silva ( 1819 ) e do de Pizarro e Arajo ( dcada de 20 do sculo XIX ), parece no mais haver dvida de que este copia aquele sem qualquer referncia. Basta uma leitura comparativa para que esta concluso se imponha. Eis o que Pizarro e Arajo tm a dizer sobre a lagoa Feia:

E, numa nota ao fim de sua memria, ele faz uma observao consideravelmente interessante, que merecer a ateno dos psteros, mesmo daqueles que parecem no ter lido seus escritos. Ele aventa a possibilidade de existir uma comunicao subterrnea entre o rio Paraba e lagoas e cursos dgua distantes ( SILVA, 1819, 1907, p. 76 ). Bellegarde se solidariza com ele, dizendose inclinado ...a pensar, com o sensato Autor da Memria Topogrfica e Histrica de Campos, que semelhante fenmeno devido a grandes filtraes, e a ocultos canais, que absorvem, e derivam grande parte de suas guas; ao menos muitos fatos concorrem para fortificar esta opinio.

Quase no meio do territrio dos Goiatacases se v a lagoa denominada Feia, a maior das que subsistem no Continente, formando duas barras por um estreito no lugar com o nome de Farinha Seca. A que fica ao norte compreende mais de 5 lguas na sua maior largura; e no comprimento de leste a oeste conta mais extenso que 5 lguas; a de sul ter meia lgua de largo, correndo de leste a oeste; mas de N. a S. numera perto de 5 lguas, e abrange 30 a 32 na sua circunferncia. Origina-se esta lagoa dos rios Macabu, e Urara, cujas guas a fecundam, alm de outras, que nela confluem ( ... ) e o nome de Feia lhe provm do encrespamento das guas com qualquer vento, que intimida a voga das canoas, por ser mui baixa em quase toda extenso. ( PIZARRO E ARAJO, 1942 ).

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Canal de So Bento, coberto de plantas aquticas flutuantes, prximo Rodovia 216

Em Muniz de Souza, a descrio da grande lagoa no dispensa os elementos at ento invariavelmente repetidos desde o tempo dos Sete Capites. H em suas palavras, porm, a sensibilidade de um naturalista: ... a lagoa Feia, cujo nome em nada adequado, pois s merece o de lagoa formosa, o centro onde desguam todos os rios, crregos, vertentes, brejos que se acham de S. Salvador para o Sul; tem nove lguas de comprimento, cinco de largura, e trinta e duas de circunferncia; a sua forma irregular, tem diversas ilhas, e golfos, que formam diferentes baas, e alagoas to grandes que se no avista o lado oposto; as suas guas so saudveis, ainda que so de cor de caf, e algum tanto turbas, no s porque todas as vertentes que despejam nela tm a mesma cor, como pelo moto contnuo em que se acham, porque sendo mui baixa, com qualquer vento se encrespam as suas guas tornando-se temvel a quem deseja vade-la embarcado, pelo que talvez tivesse o nome de Feia... ( SOUZA, 1934 ).

Com suas proverbiais conciso e preciso, Bellegarde assinala: A lagoa Feia, a maior das contidas nesta Seo principalmente alimentada pelos rios Macabu, e Urara, e em duas partes separada pela pennsula de Capivari. Tem, nos tempos de guas mdias, 150 milhas quadradas de superfcie, que sobem a 200 pelos aluvies. ( BELLEGARDE, 1837, p. 12 ). Teixeira de Mello repete seus antecessores, salientando que seu nome indgena era Iguau; que suas medidas alcanavam 32 quilmetros de comprimento por 24 quilmetros de largura, com uma circunferncia de 130 quilmetros e fundo suficiente para a navegao de pequenos vapores; que seus principais afluentes so os rios Urura e Macabu; que se trata de um pequeno mar interior cuja travessia se torna perigosa em dias de tempestade; que D. Pedro II props denomin-la de lagoa Bonita; que ao sul dela delineia-se uma pennsula com seis quilmetros de extenso, quase dividindo-a ao meio; e que uma das enseadas, segundo Casal, chamava-se Saco da Pernambuca ( MELLO, 1886 ). No se sabe onde Jos Carneiro da Silva colheu a informao de que a lagoa Feia recebeu dos habitantes indgenas o nome de Iguau. Tampouco Lamego revela a fonte em que encontrou o topnimo primitivo Igua ( LAMEGO, 1945, 1974 ). Quanto ao Saco da Pernambuca, Teixeira de Mello fez confuso, pois Casal coloca-o na lagoa de Cima e no na Feia.

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. AfluentesRIO URURA Passando agora descrio dos afluentes, o mais conhecido alimentador da lagoa Feia o rio Urura, que a liga lagoa de Cima. Ele j mencionado no Roteiro dos Sete Capites. Na segunda viagem dos fidalgos, em 1633, o capito Antonio Pinto proclamou a seus colegas: J temos dado apelido a outros lugares, necessrio ir dando a outros tambm, pois estamos em um pas inculto, que est em uma escuridade, necessrio que ns lhe demos a luz da aurora, para os nossos vindouros e para a sua civilizao. ( MALDONADO E PINTO, 1894, p. 364 ). Seus companheiros concordaram prontamente. Assim que, topando com um rio que formava um pntano cercado da palma rara, decidiram emprestar este nome ao curso dgua. Por sua posio, tudo leva a crer que se trata mesmo do rio Urara. Noutra passagem do controverso documento, escreve-se: ... seguiu a campina e atravessou alguns lagos, direito a um alto que lhe demos o apelido do Retiro, por estar no centro desse alto no muito longe de um riacho dgua que fica ao sudoeste beira de um mato, vai em direitura grande lagoa Feia; desta beira sua margem da parte norte, por no podermos atravessar a grande lagoa Feia, at apanhar a barra do rio dos Macacos, vizinho do Urara. ( MALDONADO E PINTO, 1894, p. 378 ).

O rio aparece de repente, sem ter sido nomeado antes. Pode-se supor que rara seja palavra usada para designar outro rio e que os sesmeiros conservaram a expresso Urara em tupi, gua de jacar , tanto quanto se pode presumir que o documento seja apcrifo, como o considerou Vieira Fazenda. Couto Reis, mais de um sculo depois, explicou que o rio Urara esgota as guas da lagoa de Cima para a lagoa Feia, descrevendo um trajeto com grandes meandros, o que tornava a navegao enfadonha ( COUTO REIS, 1785, p. 5 ). Casal observa que ele cumpre o papel de desaguadouro da lagoa de Cima ( CASAL, 1976, p. 205 ). Jos Carneiro da Silva ressalta que o rio Urara nasce na lagoa de Cima e desgua na lagoa Feia ( SILVA, 1819,1907, p. 11 ), enquanto Pizarro e Arajo limitamse a dizer que ele fermenta na lagoa de Cima ( PIZARRO E ARAJO, 1942, p. 111 ). Bellegarde tambm o menciona, rapidamente, explicando que deriva-se da extremidade oriental da lagoa de Cima, e vem por junto da serra do Itaca, fazer barra na lagoa Feia, com seis lguas de curso. ( BELLEGARDE, 1837, p. 11 ). Muniz de Souza, sempre to observador, no vai mais longe que seus predecessores ( SOUZA, 1834, p. 151 ). Por sua vez, Teixeira Mello repete Bellegarde apenas substituindo as seis lguas por 52 quilmetros. ( MELLO, 1886, p. 33 ).

Rio Urura, alimentador da lagoa Feia, ligando-a tambm lagoa de Cima, em 1980

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RIO PRETO A serra do Mar, no Norte-Noroeste Fluminense, sofre uma brusca interrupo nas imediaes da garganta por onde passa o rio Paraba do Sul em direo ao mar. Os rios que nascem na vertente interior da serra desguam todos eles no maior rio da regio. Os que nascem na vertente atlntica correm para a bacia da lagoa Feia ou diretamente para o mar, com exceo de um: o rio Preto. Seu curso o conduz ao rio Paraba, no qual, outrora, desaguava, como explica Lamego ( LAMEGO, 1955, p. 35 ). Com as cheias deste, porm, seu curso era obstrudo e desviava-se para o rio Urura, do qual atualmente tributrio, mantendo, porm, uma foz facultativa fixada por ao do Departamento Nacional de Obras de Saneamento DNOS, que pode funcionar tambm como tomada dgua. Couto Reis diz que ele se bifurca, fazendo barra no Paraba e lanando um brao limitado para o Urura ( COUTO REIS, 1785, p. 8 ). Casal entende-o como uma grande curva do Urara que se aproxima do Paraba, podendo comunicar-se com ele atravs de um canal ( CASAL, 1978, p. 205 ). A tendncia natural das cheias e o rio Preto demonstram a ntima ligao entre as bacias do Paraba do Sul e da lagoa Feia. RIO MACABU Dos corpos dgua integrantes da bacia da lagoa Feia, um mereceu destaque especial dos cientistas,

memorialistas e viajantes. Trata-se do rio Macabu, que tem suas nascentes nas serras, atravessa a Formao Barreiras e forma uma pantanosa plancie nas adjacncias da sua foz. Um gelogo da nova gerao aponta no rio Macabu um caso de rompimento de diques marginais com deposio de sedimentos. O processo pode ser, resumidamente, descrito da seguinte forma: num perodo de cheia, o rio Macabu teria rompido o dique da sua margem esquerda por ele prprio construdo, formando uma rede bifurcada e radial de canais semelhante, s nervuras de uma folha. Atingindo a cota mais alta de deposio, as guas comeam a baixar, remanescendo apenas alguns canais ativos, at a sua completa desativao ( DIAS, 1981, p. 56-57 ). Esta particularidade pode explicar a infinidade de brejos que existiam junto sua foz, trao que foi notado por vrios autores. J o Roteiro dos Sete Capites faz registro dele, explicando que recebeu este nome em aluso ao rio Macacu, nos arredores do Rio de Janeiro. Couto Reis s pde notar que suas margens baixas favoreciam os transbordamentos e a formao de largos, e compridos brejais, despidos de matos, que no tempo seco do admirveis pastos, e nutrio ao gado. Por estar sua nascente em local de difcil acesso, na poca, considerou-a ignorada ( COUTO REIS, 1785, p. 5 ). Casal j fornece mais detalhes, esclarecendo que ele ... principia na falda da serra do Salvador pouco arredado da origem do ( ... ) rio de So Pedro, confluente do Maca. Seu lveo tortuosssimo; sua corrente tranqila quase sempre por entre pntanos,

Canal de Garga, aps a dragagem

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Album T foto pag. 39 no verso

procurando o nordeste, e desgua na lagoa Feia. navegvel, sem cachoeiras, at perto de sua nascena. A Memria Topogrfica e Histrica sobre os Campos dos Canal Garga: ocupao das margens Goytacazes, publicada por Jos Carneiro da Silva ( Visconde de Araruama ), em reputam mui salubres, talvez porque, situados os seus 1819, contm a seguinte descrio: pntanos em lugares altos, esgotam com presteza as guas, e no as represam para se putrefazerem. As O rio Macabu nasce nas serras alm do Frade de guas do mesmo rio so cristalinas, e de melhor origem, Maca, na serra de Caraocango, procurando a altura que as do Muria e Paraba, sempre turvas. do Macacu, e vem trazendo as suas guas com a ( PIZARRO E ARAJO, 1942, p. 110-111 ). corrente quase sempre ao Nordeste at a lagoa Feia, onde desgua. Este rio pelas margens tem grandes e Muniz de Souza parece ter lido os autores vistosos pantanais, onde os gados produzem muito supracitados, pois os repete no fundamental. Bellegarde idem, acrescentando apenas que o rio bem. ( SILVA, 1819, 1907, p. 10. ). separa os municpios de Campos e Maca. Por fim, Teixeira de Mello coloca sua nascente na juno das serras de Maca, do Imb e dos Crubixais, cordilheira dos Aimors. No seu curso, separa as O rio Macabu, descrito por Pizarro e Arajo: parquias de N. Senhora da Conceio de Macabu e de Quissam e termina na lagoa Feia. Ladeado por incontveis pntanos, navegvel a pequenas ...oriundo das altas montanhas do Frade, corre quase pranchas e canoas. Fala de uma lagoa chamada dos Patos ( talvez a do Peixe, registrada por Pizarro ), constantemente ao nordeste, at se despejar na lagoa que, a seu tempo, no mais existia. ( MELLO, 1886, Feia. Por ambas as margens dele se conservam grandes p. 30-31 ). e vistosos pantanais, enquanto duram as chuvas; e duas pequenas lagoas, que chamam do Peixe, pelo muito a CANAIS SANGRADOUROS criado, subsistem perenemente( ... ). As terras do seu Passemos agora s descries dos sangradouros. distrito indicam ser de boa produo, e os sertes se Ao fechar-se a baa que originou a lagoa Feia pela maro/2002

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Lagoa Feia no incio do Sculo XX

Fonte: Lamego - Geologia das quadrculas de Campos, So Tom, lagoa Feia e Xex, Boletim DNPM n 154, 1955

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ao do rio Paraba do Sul e, sobretudo, pelas restingas, formou-se um reservatrio baixo para onde convergiam as guas das cheias do maior rio da regio e de outros tantos cursos dgua, sem falar nos processos de percolao. Por mais que a evaporao roubasse gua deste grande reservatrio, o volume acumulado buscou sadas de escoamento por uma intrincada rede de canais, vrios deles associados ao antigo delta do Paraba, que, segundo Lamego, deram origem a um novo delta, assim explanado por ele:

Parte dessas guas [da lagoa Feia] junta-se s do Paraba nos velhos braos do primitivo delta que sulcam a plancie da Boa Vista, formando os rios Carapebas, do Viegas, do Furado, Bragana, QuebraCangalhas e o crrego da Tapagem ( ... ). Com exceo do Carapebas que se dirige para a barra do Furado, o caminho natural dessa rede labirntica era o rio Au, que tambm recebe na margem esquerda o rio Novo e vai buscar uma sada para o mar, num tortuoso curso entre restingas. ( LAMEGO, 1955, Ligao lagoa Feia - canal da Flecha, em 1944: motivo de comemorao p. 49 ).

... caminhamos sobre a marinha e tivemos areais: para suportarmos das fadigas descemos das marinhas para a campina em razo dos areais; caminhamos beirando a campina da parte do noroeste; faziam lagos de gua, e destas guas formado o rio Iguau. Ele tem seu nascimento na grande Lagoa-Feia, a que lhe demos o apelido, nos fundos saco apantanado traz sua corrente a leste; suas guas so encanadas por uma espcie de rio, fazendo suas voltas, aonde traz sua corrente pela parte do sudoeste pelo stio do curral do capito Monteiro, na Castaneira, apelido que ele lhe

Antes do sculo XX, nenhum dos autores mencionados conseguiu descrever o complexo sistema de canais por onde a lagoa Feia defluia no mar. Os autores do Roteiro dos Sete Capites ficaram pasmos com a intrincada malha de rios e lagoas, constatando que, com certeza mesmo, s se podia afirmar que as guas da grande lagoa fluam em direo ao rio Au. A passagem, a seguir, constitui o primeiro registro que se conhece:

deu; segue at certa altura da campina, seguindo para leste para a parte da marinha. Neste lugar finda o dito encanamento. Suas guas se espraiam pela dita campina, sempre a leste, no muito longe da marinha; deste lugar fazem sua quebra a procurar o nordeste, isto at a barra do dito Iguau, ao norte do cabo de So Tom. ( MALDONADO E PINTO, 1894, p.355-356 ).

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De fato, a marinha, estreita faixa de restinga que vai do Furado ao norte do cabo de So Tom, cansa o viajante, caminhe ele no plano inclinado da praia ou na parte mais alta do comoro. Descendo para a campina, logo atrs da barreira arenosa, encontra-se a antiga baixada aluvial, de formao plana e firme, por onde se marcha entre canais, lagoas e reas embrejadas. Ainda possvel deparar com alguns canais que, antes da abertura da barra do Furado e das grandes obras de engenharia, rumavam para o norte, at se espraiarem num areal baixo, por onde as guas encontravam passagem para romper o obstculo de areia e defluir no mar por uma foz. Aps relacionar um nmero interminvel de lagoas e rios, ao sul e ao oeste da lagoa Feia, o experiente cartgrafo Couto Reis confessa a sua dificuldade em compreender o sistema de escoamento das guas da plancie. So todos trabalhosos de vadear-se, por fundos, e atoladios: so tambm complicados de muitos braos, que, ou formam ilhas, ou se desvanecem convertendo-se em pantanais. O capito da infantaria se apercebe das muitas bocas por onde a lagoa Feia se distribui. Quando lhe foi dada a incumbncia de traar um mapa da regio, o rio Furado j tinha sido aberto por Jos de Barcellos Machado, permitindo o escoamento da maior parte das guas atravs dele. No entanto, o agudo senso de Couto Reis no deixa que se engane quanto dinmica hdrica da plancie. Alm desta barra do Furado observa ele , abrem outra no Iguau, quando entendem ser necessrio, o que conseguem com muita facilidade: igualmente til, porquanto ajuda muito as vazantes, e ao meu parecer julgo, que discorre aquele rio por um plano mais inferior a todos os mais, tanto assim, que estando a barra do Furado tapada todas as guas pendem para ele. ( COUTO REIS, 1785, p. 16-19 ). Segundo Casal, a lagoa Feia deflui por uma rede de canais que, nos seus leitos derivantes, acabam por formar inmeras ilhas e esbarram num extenso e alto comoro de areia grossa e firme. Por fim, acabam encontrando as passagens que os conduzem ao Furado e ao rio Iguau, ou Castanheta, sendo este o principal distributrio do delta, no mar

( CASAL, 1976, p. 205-206 ). Em sistema to complexo, no de se estranhar que surjam sinonmias e confuses. A descrio de Jos Carneiro da Silva, emitida dois anos depois da de Casal, no empenho de compreender o quadro, acaba por simplific-lo. O Visconde de Araruama a reduz a cinco rios apenas, que acabam por se juntar num ponto e a desembocar na barra do Furado. D o rio Iguau como morto, ao mesmo tempo em que afirma seguirem os cinco rios reunidos, aps descarga no mar, agora com o nome de rio Capivara, em direo barra do Canzoza ou do Iguau. Ao mesmo tempo que morto, o Iguau continua ativo. ( SILVA, 1819-1907, p. 13-14 ). Tomando as palavras do Visconde, o major Bellegarde tenta organizar a enredada teia da seguinte forma: No tem esta lagoa [Feia] sada constante para o oceano, mas sim alguns rios por onde se esgota, e que reunindo-se ao Sul do cabo de S. Tom rompem naturalmente nos tempos de grandes cheias, a barra chamada do Furado; e so os rios: o da Ona, o Novo do Colgio, o da Castanheta, o do Barro Vermelho, e o do Iguau. Como o cmoro de areias prximo ao mar, e os ventos reinantes, muitas vezes conspiram para obstar a sada das guas, acontece que, rodeando estas ento pelo interior do cmoro, vo formar ao Norte do citado cabo a lagoa Iguau, que abre para o oceano a barra denominada Canzonga, e deixa descobertos os rios e extensos pastos. ( BELLEGARDE, 1837, p. 12 ).

. Ecologia e hidrologia do

primitivo ecossistema lacustreA rea da lagoa Feia variava muito ao longo do ano, consoante a quantidade de chuva que caa em sua bacia ou na do rio Paraba do Sul, sendo maior no perodo chuvoso. Cheia, sua rea superfcie era um pouco inferior a da baa de Guanabara e cerca de 1,8 vezes superior superfcie da lagoa de Araruama.

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O quadro, a seguir, resume as informaes sobre a morfologia primitiva da lagoa Feia, coletados entre 1894 e 1929. Morfologia primitiva da lagoa FeiaANO 1894 / 1901 Incio do Sc. XX 1920 1929 LARGURA PROFUNDIDADE PROFUNDIDADE SUPERFCIE NVEL DA PERMETRO COMPRIMENTO GUA ( m ) ( km ) MXIMO ( km ) MXIMA ( km ) MDIA ( m ) MXIMA ( m ) ( km ) 3-5 6 370 123 32 24 275 116 25,6 24,6 -

335

-

-

-

-

3,30 -

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Fonte: Ges ( 1934 ); Brito ( 1903 e 1929 ) 1 O mapa de Lamego, embora publicado em 1955, retrata na verdade a lagoa no incio do sculo 2 Informaes obtidas por mediao da lagoa no mapa de Alberto Lamego

A partir de determinada cota do nvel do espelho dgua, provavelmente, acima de 2,8m, a inundao deveria cobrir amplas reas com profundidade muita baixa, de no mximo 1m. A superfcie no entorno da depresso principal do terreno onde est a lagoa apresenta declividade nfima. A parte leste e sul da lagoa tendia ao fracionamento. Era formada pelas lagoas da Ribeira, do Luciano e de Dentro. A lagoa de Dentro tinha comprimento de 8 km, largura de 3 km e superfcie de 24 km, com profundidade mxima de 1,80 m. Estava separada da lagoa Feia pelas ilhas dos Pssaros e do Tatu, comunicando-se com ela por meio de trs canais: do Major, do Pao e a valeta do Tatu. No interior da lagoa, apareciam as ilhas da Mandinga, Luis de Souza, Capivara, Caro, do Rato, dos Fernandes e dos Pssaros. Dados do DNOS, coligidos entre 1935 e 1949, indicavam que o nvel da gua da lagoa Feia oscilava entre as cotas de 4,73m e 2,17m, mantendose, em mdia, na cota de 2,81m, conforme mostra o quadro, ao lado. No comando hidrulico de toda a vasta regio, estava a lagoa Feia, que era o corpo receptor final das guas que nela se acumulavam antes de serem esgotadas para o oceano por uma rede de canais posicionados entre a lagoa e a barra. Era, por assim dizer, o reservatrio regulador. O clebre engenheiro Francisco Saturnino de Brito afirmava em 1903: uma simples mudana do seu regime ( da lagoa

Relao dos nveis mximos e mnimos anuais e dos desnveis da lagoa Feia no perodo anterior concluso do canal da FlechaANO 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1947 1948 1949 MXIMO 3,28 3,56 4,13 4,25 3,84 3,87 3,49 3,93 4,73 3,64 3,60 3,89 NVEL DA GUA MNIMO DESNVEL ( oscilao ) 0,59 2,69 0,75 2,81 3,04 1,09 3,21 1,04 2,98 0,86 2,53 1,34 2,89 0,60 3,23 0,70 3,26 1,47 2,63 1,01 2,17 1,43 2,34 1,551

Fonte: DNOS - Baixada Campista - Saneamento das Vrzeas nas margens do rio Paraba do Sul, a jusante de So Fidlis - Relatrio Geral. Rio de Janeiro: Engenharia Gallioli, 1969

Feia ), um simples desnivelamento de suas guas, interessa um complicado e extenso sistema hidrogrfico, podendo produzir ou o alagamento ou o dessecamento de uma considervel superfcie de terrenos apropriados para a lavoura. As figuras 4, 5 ,6 e 7 mostram a lagoa Feia retratada em 1785, 1865, no incio do sculo XX e em 1934.

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Lagoa Feia em 1934

Fonte: Mapa da Comisso de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro, 1934

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SISTEMA DE ALIMENTAO O sistema de alimentao de gua da lagoa era constitudo pelos rios Urura e Macabu que nela desguam; o primeiro, ao norte, e o segundo, ao noroeste. Recebia, ainda, em torno do seu vasto permetro, vrios crregos e riachos que serviam de sangradouros a brejos, alagados e lagoas existentes em suas imediaes. Era alimentada tambm pelas guas do rio Paraba do Sul, tanto pela superfcie, por meio do transbordamento desse rio na poca das chuvas, quanto pela via subterrnea durante o ano todo. Deve-se considerar ainda a contribuio das guas pluviais. Antes das grandes obras de engenharia, a comear pela do canal Campos-Maca, executada no sculo XIX, ela era alimentada tambm pelos transbordamentos do rio Paraba do Sul, na estao das chuvas, pois entre a margem direita deste rio e a lagoa estende-se uma vasta plancie aluvial em plano ligeiramente inclinado: a margem do Paraba do Sul pode ser situada na cota 14 e a lagoa Feia formou-se numa concavidade entre a cota 5 e 3m, mais ou menos. Ressalte-se que os sucessivos transbordamentos do rio, por ele correr em terrenos baixos conquistados ao mar ou ocupados com a regresso deste, foi acumulando sedimentos em suas margens e formando diques. Sendo sua margem direita mais baixa que o dique marginal, as guas das cheias corriam para as incontveis lagoas da plancie aluvial e para o grande receptculo da lagoa Feia, no mais retornando ao rio principal. J pela margem esquerda, ligeiramente mais alta, as guas se alastram por um extenso complexo de lagoas e retornam pouco a pouco, mas no de todo, ao rio quando seu nvel cai. Um considervel volume chegava-lhe de forma subterrnea, tendo como supridor principal as guas infiltradas da calha do rio Paraba do Sul na plancie aluvial. Saturnino de Brito, em 1929, considerou que ... ( ... ) natural que depois do rio ( Paraba do Sul ) sair da regio montanhosa ( em Iterer ), uma parte de suas guas corra subterraneamente, alimentando o grande lenol aluviano da plancie formada pelo prprio rio em colaborao com mananciais menores e com o oceano; este lenol desce para a bacia da lagoa Feia e para o mar. Este fato foi aventado, anteriormente, por Carneiro da Silva ( Visconde de Araruama ) e pelo Major Bellegarde. Em 1819, Jos Carneiro da Silva foi o primeiro a levantar a suspeita em Memria Topogrfica e Histrica sobre os Campos dos

Goytacazes. Disse o escritor: Em suas margens existem magnficas fazendas e devido porosidade do terreno a influncia de suas guas se estende muito e natural que existam correntes e mesmo canais subterrneos que comuniquem as guas do rio ( Paraba ) com a de lagoas e riachos distantes. ( p. 76 ). O engenheiro Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde, no Relatrio da 4 Seo de Obras Pblicas da Provncia do Rio de Janeiro, apresentado Respectiva Diretoria, em agosto de 1837 ajunta: O rio Paraba mostra no distrito de Campos um volume de guas muito inferior quele que se lhe observa enquanto corre ao longo da estrada de Minas, e que lhe compete tanto pela extenso de seu curso, como pela riqueza dos outros que em si colhe; inclino-me a pensar, com o sensato autor da Memria Topogrfica e Histrica de Campos, que semelhante fenmeno devido a grandes filtraes, a ocultos canais, que absorvem, e derivam grande parte de suas guas; ao menos muitos fatos concorrem para fortificar esta opinio. ( pp. 9-10 ). A descarga mdia de todas as afluncias lagoa Feia foi estimada por Hildebrando de Ges em

a lagoa Feia deflui por uma rede de canais que, nos seus leitos derivantes, acabam por formar inmeras ilhas e esbarram num extenso e alto cmoro de areia grossa e firme1934, em torno de 40m/s. Alm do Urura e do Macabu, que so os principais tributrios da lagoa Feia, outros merecem ser citados. Ao sudoeste, estavam as lagoas do Luciano e da Ribeira, que se comunicavam por meio de um canal, denominado Estreito ou Correnteza do Magaldi, que atravessava extensos banhados situados entre as duas lagoas. A lagoa do Luciano ligava-se lagoa Feia no local conhecido como enseada da Farinha Seca ou do Tatu por meio de uma barra denominada Pontal, com 380 m de extenso e profundidade mxima de 3m. O rio Macacu percorria cerca de 5,5 km de extensos brejais, ao sul da lagoa da Piabanha, que foi aproveitada no traado do canal de Campos a Maca, drenando-os para a lagoa Feia. Era formado

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Mapa da lagoa Feia e entorno

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Fonte: Ges, Hildebrando de Arajo. Saneamento da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Comisso de Saneamento da Baixada Fluminense, 1934 Este mapa em escala maior pode ser consultado na sede do Consrcio Intermunicipal da Macrorregio Ambiental 5

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pelo crrego do Gabriel, com pouco mais de 2 km, escoadouro da lagoa Piabanha pela ponte da Barra do Sul, e pela vala do Encantado, com 2 km, que lhe conduzia guas daquele canal, sangrando logo a jusante da lagoa da Piabanha O rio do Jesus, com 3 km, esgotava as guas da lagoa de mesmo nome, situada ao noroeste. Ao sul da lagoa de Jesus, encontrava-se extenso pantanal que borda toda a regio ocidental da lagoa Feia. Atravessava-o o rio da Prata, cujas guas se separam das do Macabu por um dos ramos secundrios da serra do Mar. Esta enorme rea, que se achava completamente inundada antes da abertura do canal de Campos a Maca, era drenada pelo rio da Prata, com 16 km, que se lanava na lagoa Feia. Construdo o canal, a parte do rio da Prata entre ele e a lagoa Feia, com 1,5 km, foi, pouco a pouco, desaparecendo. A mesma sorte teve o restante do curso desse rio. Mais tarde, o ligao ferrovirio de Campos a Maca e a abolio da escravatura determinaram o abandono definitivo do canal, no trecho entre os rios Urura e Macabu. Alm destas lagoas, destacavam-se ao noroeste e norte as lagoas de Jesus, Piabanha e de Cacumanga. Ao nordeste e leste da lagoa Feia havia dois arcos de lagoas conectadas, cujos leitos eram os antigos canais por onde correu o rio Paraba do Sul, milhares de anos atrs. Estas lagoas iam enchendo e transferindo suas guas para as vizinhas e, assim, sucessivamente, at que a ltima da fileira esgotasse suas guas em um canal que prosseguia para desembocar na lagoa Feia ou ao sul desta, no labirinto de canais de defluncia. No arco mais prximo, estavam as lagoas Olhos dgua, Sussunga, Tambor, Auzinho, Aboboreira, Conchas, Espinho, Coqueiros, Salgado, Baixio e Capim. Abaixo desta, duas lagoas nas margens: Goiaba e So Martinho. No arco mais distante, atrs do primeiro, se sucediam as lagoas do Ta Pequeno, Jacar, Bananeiras, Pau Grande e Riscado e Mulaco. Entre os dois, ao norte, um curto e antigo canal ocupado pelas lagoas Noya, Mergulho, Cambaba e Saquarema. Por fim, um terceiro cordo era formado pelas lagoa