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1494 - Stephen R. Bown

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  • PrlogoTemposinteressantes

    Entre outras obras agradveis Divina Majestade e diletas de nosso corao, esta certamenteocupaopostomaiselevado,que,emnossapoca,especialmenteafcatlicaeareligiocristsejam exaltadas e estejam em todos os lugares e espalhadas, que a sade das almas esteja sobcuidado,equeasnaesbrbarassejamsubjugadasetrazidasf[].CristvoColombo,[]comaajudadivinaecomamaiorprestezanavegandonoMarOceano,descobriu determinadas ilhas muito remotas e at continentes, que at ento no haviam sidodescobertasporoutros;ondehabitammuitospovosquevivemempaze,comorelatado,andamsemroupasenocomemcarne[].Ns[]damos,concedemosedestinamosavseaseusherdeirosesucessores,reisdeCastelaedeLeo,parasempre,[]todasasilhasecontinentesencontradasouporencontraraoesteeaosul,traando-seeestabelecendo-seumalinhadopolortico,ouseja,donorte,aopoloAntrtico,ouseja,dosul,[]evosfazemos,nomeamosedelegamoseavossosditosherdeirosesucessoressenhoresopoderplenoelivre,autoridadeejurisdiodetodotipo.

    PapaAlexandrevi,InterCaetera,4demaiode1493

    Essabulapapaltemsidoecontinuaaserdevastadoraparaanossareligio,asnossasculturaseasobrevivnciadenossaspopulaes,alegouoConselhoparao Parlamento das Religies do Mundo, organizao internacional destinada acultivar harmonia entre as religies e comunidades espirituais do mundo. Areivindicao foi lanada em 1994, em apoio campanha do Indigenous LawInstitute, com sede nos Estados Unidos, para fazer com que o Vaticanorevogasse formalmente a bulaInter Caetera. A petio on-line do instituto,assinadaporcercadenovecentaspessoas,apresenta,igualmente,umalinguagemforte e convices apaixonadas.Oprembuloafirma:Reconhecemosqueessainiciativa seria um passo espiritualmente significativo na direo de criar umnovomodo de vida e umpasso para longe da cobia e da submisso em umahistriaqueoprimiu,explorouedestruiuinmerospovosindgenaspelomundointeiro.OVaticanoreagiuaalgumasdessassolicitaeseassertivasem27deabrilde2010,duranteanonasessodoFrumPermanentedasNaesUnidassobreQuestesIndgenas.

    Oqueexplicaesseinteresseemumdocumentodequinhentosanosdeidadeemitido pelo chefe de uma das principais religies do mundo? Quemj ouviufalardaInterCaeteraeporqueelateriaqualquerrelevnciaemnossosdias?

  • A bula papal uma forma de decreto, comando ou proclamao emitidapelopapa.Temessenomeporcausadoseloespecial,dechumbo(a bulla),usadoparaestabelecersuaautenticidade.Originalmente,abulaerausadaparaqualquertipodeannciopblico,mas,lpelosculoxv,ficoureservadaacomunicaesmais formais ou solenes, como excomunhes, dispensas oucanonizaes.ExemplosdebulaspapaishistricasincluemAdExtirpanda,de1252,permitindoatorturadeheregespelaInquisiomedieval;DecetRomanumPontificem,de1521,excomungando Martinho Lutero; e Inter Gravissimas, de 1582, reconhecendo esancionandoamuitonecessriareformadocalendrio.

    A bulaInterCaetera e diversas outras damesma poca formam a base doTratado de Tordesilhas, assinado em 1494 por Espanha e Portugal.O tratadoera,entreoutrascoisas,umcatalisadornodesenvolvimentodoconceitomodernodeliberdadedosmaresousodesimpedidodasviasmartimasdomundoparacomrcio e viagens. Outros conceitos jurdicos que informam a modernaleiinternacionaldosmares tambm foramoriginados indiretamentedoTratadodeTordesilhas:odireitodepassagemautorizada,asdefiniesdeguasterritoriaiseguas internas, a zona econmica exclusiva de um pas e a definio deplataformacontinental.AConvenodasNaesUnidassobreoDireitodoMar,estabelecida como conveno internacional obrigatria em 16 de novembro de1994,devesuaorigemaoconflitoeadebatesocorridosduranteossculosqueseseguiram ao Tratado de Tordesilhas. Embora nem todos os pases signa triostivessem ratificadoa conveno, apenasvintepasesdomundo se recusaramareconhecer ou assin-lo, e o mais perto que a comunidade internacionalprovavelmente chegar a um consenso sobre o domnio de parte enorme domundo natural que comum a praticamente todos. A Convenodas NaesUnidas sobre o Direito do Mar a culminao de um processo jurdico efilosfico que comeou no fim do sculoxv, quandonavegantes portuguesesdescobriram um caminho martimo para a ndia e as ilhas Molucas (ilhas dasEspeciarias), contornandoafrica, eColombocruzouooceanoAtlnticopelaprimeiravez.

    QuandoColombovoltouEspanhaem1493,depoisdeumaviagemdesetemeses, a sociedade espanhola ficou atnita com seus relatos sobre povosprimitivos que habitavam ilhas bem para o oeste. Os espanhis estavamparticularmente interessados nos ornamentos e nas joias de ouro usados pelosndiosraptadosdeCubaeHispaniola.Ourosignificavariquezaepoder.Havia,

  • noentanto,umacomplicao.Oretornobem-sucedidodeColomboenfureceuorei Joo ii de Portugal, que recorreu a uma srie de decretos papais indicandoclaramentequequaisquernovasrotasdecomrcioparaterraspags pertenciamsomenteaele.Orei logocomeouaequiparumafrotaparacruzarooceanoereclamar as ndias para Portugal. Na iminncia da guerra, os monarcasespanhis, Fernando e Isabel, enviaram um emissrio oficial corte papal emRomaparadebateraargumentaodoreiportugus.

    OpapaAlexandrevi, tambm chefe do famoso cl dos Brgias, emitiu aprimeiraInter Caetera, que proclamava, pela autoridade do Deus Todo-Poderoso, que Fernando e Isabel e seus herdeiros deveriam ter o direitoexclusivoe perptuoaviagensecomrciocomas terras recm-descobertasporColombo, e o direito de coloniz-las. A bula proibia todas as pessoas, noimportando de que posio hierrquica, situao, grau, ordem ou condio, deousarem,sempermissooficial,ir,comoobjetivodecomrcioouqualqueroutromotivo,scitadasilhasepasesdepoisdeelesteremsidodescobertoseachadosp o rseus enviados ou pessoas mandadas com esse propsito. Com umaassinatura, o papa criava uma linha imaginria dividindoomundo emumeixonorte-sul no meio do oceano Atlntico. Todo territrio a leste da linha dedemarcaoseriaportugus,e todo territrioaoesteseriadedomnionicodaEspanha.Apunioporviolarumaproclamaopapaleraaexcomunho.

    Espanha e Portugal confirmaram os decretos papais daInter Caetera notratado assinado na vila espanhola de Tordesilhas, em junho de 1494. Masmudaram a linha de demarcao entre as zonas de influncia espanholas eportuguesas vrias centenas de milhas para oeste. Isso ps um ainda nodescoberto Brasil na metade portuguesa do mundo, alm de proteger a rotacomercialafricanadePortugalcontraaconcorrnciaeuropeia.Omundoestavaagora oficialmente dividido. Embora se tivesse acreditado inicialmente queColombo descobrira a extremidade oriental da sia, logo ficou patente que omundo eramuitomaior do que se supunha, e que o papa dera Espanha e aPortugalmuitomaisterritriodoquesepoderiaimaginar.

    O motivo oficial da Inter Caetera era evitar a guerra entre os dois pasescristosmaispoderososdapocaerecompens-lospelotrabalhodeCruzada.Otratadode1494,emborainicialmentebem-sucedidoempreservarapaz,acabousaindopelaculatraeteveimplicaesdealcancemuitomaior,almdequalquercoisa imaginada porAlexandrevi. Viria a ter uma profunda influncia sobre a

  • histria do mundo, levando pases europeus a uma rota de coliso einsidiosamentetrazendotonaoressentimentobsicoqueestimulouquasedoissculos de espionagem, pirataria, contrabando e guerra. Emmeados do sculoxvi, a linha de demarcao tinha alado Espanha e Portugal posio desuperpotncias.AntesdaReforma,poucosnaEuropaousavamdesafiarplena eabertamente a autoridade da Igreja catlica romana. Como resultado, Portugalrapidamenteficouricocomomonopliodarotacomercialorientalparaandiaeas ilhas Molucas, ou ilhas das Especiarias. A Espanha, sem oposio nasAmricas,teverdeaslivresparaconquistarasricasculturasdosImpriosasteca,maiaeinca,eparamandarparaooutroladodoAtlnticoenormescarregamentosdeouroeprata.

    Se a Inglaterra, a Frana e a Repblica da Holanda tivessem aceitado aautoridade do papa para manipular as atividades comerciais dos pases edeterminar o destino dos imprios, a histria de explorao, comrcio ecolonizao teria envolvido apenasEspanha ePortugal.Noentanto, duranteosculoxvi,FernodeMagalhescircum-navegouomundopelaprimeiravezparaestabeleceradisputasobreondepassavaalinhadedemarcaonooutroladodoglobo; corsrios ingleses, inspirados pelo lendrio marinheiro Francis Drake,pilhavamnavios espanhis noCaribe e noPacfico; e aRepblica daHolandalutoucontraEspanhaePortugal,tantopelaindependnciaquantopelocontroledocomrcioglobaldeespeciarias.

    Assimcomoatecnologiaeoconhecimentoestavamprestesaabrirasviasmartimas do mundo depois da viagem heroica de Colombo, o Tratado deTordesilhas buscou restringir o acesso s duas naes favorecidas. Comeou aluta pica pela liberdade dos mares: seriam as viagens e o comrcio globaiscontroladosporumdecretoautocrticoouestariamosmaresabertosaosnaviosdequalquernao?

    A liberdadedosmareserauma ideiadistintamentemoderna,defendidanoincio do sculoxvii pelo terico do direitoHugoGrotius.Em1608,Grotius,com25anos,publicouumtratadointituladoMareliberum(Omarlivre).Dirigidoaos governantes das naes livres e independentes do mundo cristo,apresentava argumentos jurdicos que contestavam o direito de Portugal eEspanha de exigirem propriedade exclusiva das vias martimas do mundo.Enquanto o tratado tivesse legitimidade, argumentava Grotius, os oceanos domundoseriamcenriodeconflitosinterminveis.

  • Originalmente concebidos e escritos como justificativa para um ataquedecorsrios holandeses a um navio mercante portugus nas ndias Orientais, ospoderososargumentosdeGrotiusacabaramcomasdesgastadasjustificativasdoTratado de Tordesilhas e da proclamao papal da qual derivavam sualegitimidademoralelegal.Grotiuspropunhaquealiberdadedosmaresestavanocorao da comunicao; que nenhuma nao poderia monopolizar o controlesobreosmaresemrazodeseuenormetamanhoelimitesepelasuacomposioemmudanaconstante.Emboraoutrospensadores logoentrassemnadiscussocom opinies divergentes e aprimoramentos do conceito de universalidadeextrema deGrotius, o debate iniciado por ele dobrou os sinos fnebrespara oconceitodemaresfechados.Seusargumentostornaram-se,desdeento ,asbasesparaalegislaomartimainternacionalmoderna.

    svezes, decises e eventosqueparecem sem importncia em sua pocatm uma influncia profunda e no intencional sobre o curso da histria domundo. esse o caso do Tratado de Tordesilhas. Apesar de ter havidoenvolvimentodereis,prncipesfamososeatdopapa,asorigensdotratadoeramum conjunto prosaico de eventos inteiramente conflitantes com seu impactosobre a histria poltica, geogrfica, comercial e jurdica global. A histria queabarca sculos comea com a competio ambiciosa, a ganncia e as alianasentreCristvoColombo, seusdoisconjuntosdepatrocinadores rivaiso reiJoo ii de Portugal e os monarcas espanhis Fernando e Isabel de Castela eAragoeopapaespanholAlexandrevi.Orgulho,paixo, inimizadeebrigasmesquinhas entre esse grupo privilegiado e poderoso, estimulado e inflamadopelaarrognciadeColombo,levaramaumconflitoglobalquefermentoudurantesculos,oriundodofatodeopapadividiromundoaomeioem1494.

    No corao do maior acordo diplomtico e poltico dos ltimos cincosculos estavam relacionamentos e paixes de um punhado de indivduospoderosos, unidos por animosidade mtua e obrigaes pessoais, brigas,rivalidades ediosqueduraramdcadas.Noentanto, no fim, eles giravamemtornodadeterminaoobstinadadeumajovememescolherseuprpriomarido.

  • IEuropa

  • 1.Aprincesaeoprncipe

    Em1468,asperspectivasdecasamentodeIsabel,entocomdezesseteanos, noeram muito boas. A meia-irm mais nova de Henrique, rei de Castela, achoudesagradveloprimeironomeescolhidopelo reipara ser seumarido:oidoso eavaroreidePortugal,Afonsov.Emboraguerreiroecruzadoderenome,queumadcadaantesderrotaraosmourosemMarrocos,Afonsoagoratinhaodobrodaidade de Isabel e j possua um filho adulto, que seria seu herdeiro.Ele ficaragordoepoucoatraente, almdepoliticamente impotentedesvantagemparaqualquer filho que nascesse da unio. Alm disso, era parente de Isabel, algobastante comumnos casamentos dinsticos daEuropano fimda IdadeMdia,masmesmoassimexigindopermissopapal.Aideiadeteressehomemcomoseucompanheirode leitopelavida inteira e comopaide seus filhos foiobastanteparafazerIsabelchorar.

    Mas o casamento de Isabel era uma questo de interesse de Estado; dopontodevistadeHenrique, amoroucompatibilidadepouco tinhamaver comisso.Eleeraafavordocasamento,assimcomoAfonso.Naverdade,osdois jvinhamdebatendoonoivadohaviaalgunsanos,eapropostaforafirmementeemboracomalgumadiplomaciarecusadaporIsabelduranteessetempotodo.Em determinado momento, a teimosa princesa informara seu meio-irmo quenopodiaserdadaemcasamentosemoconsentimentodosnobresdoreino,oque era uma reivindicao correta, embora ousada. Henrique sabiaque aanunciadeseusnobresnoestariaprontamentegarantidanaqueleclimapolticoconturbado, em especial se Isabel resolvesse criar caso. Mas a presso dePortugalparaaaceitaodapropostaeaprprianecessidadedoreideCastelade obter o apoio militar portugus era to intensa que Henrique acabouameaandoIsabelcomprisonoalccerdeMadri,casoserecusasseaconcordarcomocasamento.

    UmcortesoportugusdeuaentenderqueexrcitoslusosmarchariamsobreCastela,emretaliao,seamoapersistissenahumilhanterecusa.Isabel podiaparecerpassivagostavade lerededicava-sea longassessesdeoraes,porm anos de convivncia com a perigosa intriga da corte fizeram dela uma

  • mestra em dissimulao. Embora seu plcido sorriso transmitisseumaneutralidade afvel, Isabel acalentava os prprios planos e sonhos, que scontava a seus amigos e conselheiros mais prximos. Esses sonhos nocorrespondiamaosdesejosdoreiedemuitosnobresdoreino. Jconhecidanahistriapor terumavontadefortee independenteduranteavida inteira, Isabeltornoubemclaro,em1468,aindaadolescente,quenoteriaorepulsivomo narcaportugus por consorte e esposo, quaisquer que fossem as consequncias.Suaexasperante demonstrao de independncia ameaava acabar com planos quehaviam levado anos para ser forjados e possivelmente iria agitar a frgilfronteiraentreosdoispases.

    Henriquepensouemsuasopes.Consultouseusconselheirosepesquisououtras possibilidades de matrimnio para Isabel. O casamento da meia-irmtornara-se uma questo pessoal, alm de poltica.A reivindicaode Isabel aotronodeCastela,casoHenriquemorressederepente,agoraeramaisforteatqueadesuafilha,Joana.Batizadacomonomedame,aanimadaJoanadePortugal,filhadeHenrique,tambmerasobrinhadoreiportugusAfonsoamulherdoreiHenrique,JoanadePortugal,eraairmmaisnovadeAfonso.MashaviaumafortesuspeitadequeaJoanamaisjovemtivessesidogeradaporumdosfavoritosdacortedeHenrique,ogalanteBeltrndelaCueva,sendoportantoilegtimanoquediziarespeitoheranapoltica.Defato,Henrique,que, segundorumores,seria impotenteouhomossexual,porextremainsistnciade seusnobres,depoisde inmeros anos de estmulo guerra civil, h pouco havia proclamadopublicamentequeJoananoerasuafilha.A infelizmenina foi apelidadadeLaBeltraneja,eptetoqueaelasefixounoapenasdurantesuavida,masaolongodos sculos.Noajudavao fatode a rainha recentemente terdado luzoutracriana sem a menor possibilidade de ter sido gerada por Henrique, porque ocasal real morava em lugares diferentes. Apesar dos grandes esforos paraesconder a gravidez com vestidos apertados, a inconvenincia fora descoberta.Comentava-se abertamente na corte de Castela que a rainha no usara suapessoadeformalimpa,talcomoconvinhaaseudeverdeservidoradorei.

    Ocasamentofoidevidamenteanuladopordeterminaopapal,eosvotosdefidelidadeaJoana,queHenriqueextraradosnobres,tambmforamanulados.Graas reconhecida ilegitimidade da criana, e na ausncia de descendentesdiretos, aos 38 anos, Henrique, desdenhosamente conhecido como Oimpotente,notevemuitaescolhasenonomearsuameia-irmIsabel,princesa

  • das Astrias, a seguinte na linha de sucesso ao trono de Castela, sua nicaherdeiralegtima.Contudo,eleaobrigaraafazerumaconcesso:teriaautoridadeparaescolherummaridoparaela.

    OcasamentodeIsabeltinhadeserpensadoseriamente,masosmotivos deHenrique no eram nada nobres. Ele queria dar a impresso de escolher umcandidatoadequadoparaamoa,masaomesmotemponeutralizaropotencialpoltico dela em Castela e, eventualmente, abalar sua reivindicao ao trono.LogoHenriquesaiuatrsdediversosoutrosarranjosdecasamentoparaIsabel,inclusivecomoduquedeGloucester,o futuroreiRicardo iii, na distante efriaInglaterra,ecomoirmodoreidaFrana,Lusxi,oafetadoCarlos,duquedeBerry e Guienne. Uma aliana com a Frana, selada e garantida por umcasamento, talvez permitisse a Castela e Frana cercar o pequeno reino deAragoereivindicaralgunsterritriosmaisdistantes.

    EmboraCarlosstivessecincoanosamaisqueIsabelefosse,napoca,oherdeiroaotronodaFrana,amoanoestavaapaixonadaporele.Nosendoumanovatanaartedasintrigas,elaenviouFranaseuconfidente,freiAfonsode Coca, para espion-lo. O frade voltou com um relatrio desanimador. Ojovem nobre francs parecia prematuramente envelhecido.De acordo com DeCoca, ele era feio, com pernas finas, extremamente disformes, e osolhoslacrimejantes,svezestobaosapontodeeleficarquasecego,de modoque,em vez de armas e de um cavalo, Carlos precisava de um guia habi lidoso.CertamentenoeraohomemparafazerdispararocoraodeIsabel.

    MasDeCocafezoutradescobertainteressante.Eletambmviajaraparaovizinho reino deArago para espionar outra opomatrimonial que tinha sidosecretamente incentivada junto a Isabel por seu conselheiro poltico pessoal,AlfonsoCarillodeAcua,oarcebispodeToledo;tratava-sedeFernando,ofilhodedezesseisanoseherdeirodoreiJooiideArago.DeCocatinhaoprazerdeinformarIsabelqueojovemprncipetinhaumapresenagalantequenopodiasecompararaoduque[deBerry],[]umagraasingularquelevavatodososquefalavam com ele a querer servir-lhe. O jovem Fernando, alm disso, era umhbil espadachim e comandante de campo, talentos que poderiam se provarvaliososcasoIsabeldesafiasseHenriqueeteimassenessenoivado. Musculoso eatltico, Fernando era um grande cavaleiro de brido e ginete, um excelentearremessadordelana,almdeoutrasatividadesquedesempenhava comgrandehabilidade e graa, como diria depois umhistoriador da corte. Tinha tambm

  • olhosgrandes,umpoucooblquos,maravilhosamentelindos,sobrancelhasfinas,nariz agudo que combinava com o feitio e o tamanho do rosto. Seus lbiosfrequentemente sorriam, e sua constituio era muito apropriada para trajeselegantes e as mais finas roupas. No de surpreender que Isabel tenhadeclaradoaCarillo:Temdeserele,eningummais.

    Um consrcio com Fernando de Arago certamente encontraria oposioporpartedeHenriqueemuitosdeseusfiisnobres, jquefortaleceria,emvezde enfraquecer, a reivindicao de Isabel ao trono de Castela. (Apesar daproclamaopblica,HenriqueaindapretendiadeixarotronoparaafilhaJoana.)Os filhos que Isabel e Fernando eventualmente gerassem seriam herdeirosconjuntosdostronosdeCastelaedeArago,unindoamaiorpartedapennsulaIbricaemumascasarealepossivelmentelanandosombrassobrePortugal.

    A teimosia de Isabel era contrabalanada pelo senso de dever e piedade,masageopolticaeos interessesnacionaisdeCastelapelomenosa ideiadeHenrique sobre o que eram os interesses deCastela tinham um limite. Elainsistiuparaqueseupequenogrupodeapoiadoreseconselheiroscomeasse assecretas negociaes de casamento com Fernando. Dados os episdiosdomsticosvividospelasolitriaprincesaadolescenteopaidelafalecerahaviamuito tempo, a me entrara em depresso e enlouquecera, e o irmo caularecentementemorreraenvenenado,Isabeldemonstrouumacoragemnotvelaodesafiaroreieescolherseucompanheiroe,portanto,emdeterminarasfuturasalianaspolticasdeCastela.Apesardosentimentodeculpaportrairaconfianadomeio-irmoemboraquelaalturaelajsoubessequeHenriquenoestavapensandonosinteressesdela,elatinhadelevarseuplanoadiante,edepressa.Henrique, que estava fora da corte para reprimir uma revolta na Andaluzia,arregimentaria foras para impedir qualquer uniocom Fernando e talvez atprendesse Isabel ou a casasse depressa com o duque de Berry ou com o reiAfonso.Eleaindanoaceitaraarecusaemobedecer-lhecomoalgodefinitivo.

    Enquanto os partidrios de Isabel aristocratas poderosos quetrabalhavampara garantir sua ascenso ao trono deCastelaprosseguiam asdelicadas negociaes matrimoniais com o pai de Fernando, Joo vi, rei deArago, a moa esperava em seu castelo, em Valladolid. As negociaes sedesenrolavamlentamente,umavezquecadacomunicaotinhadeserlevadaacavalo, em segredo, pelas plancies e montanhas, numa viagem entre os doisreinos que podia durar uma semana. Um casamento diplomtico desse nvel,

  • entre a possvel herdeira de Castela e o herdeiro do trono aragons, envolviamuita poltica em relao ao que poderia acontecer nos dois reinos sob umamonarquiaconjunta,enodeviaserapressado.OresultadodosplanossecretosdecasamentodaadolescenteIsabelpoderiaterenormeimpactosobreofuturodapennsula Ibrica, possivelmente levando a uma nova dinastia ou, na pior dashipteses,aumaguerracivil.

    Emalgummomento,duranteasecretatrocadiplomtica,aconscinciadeIsabelpesou,eelaenviouumacartaaHenrique,naAndaluzia.Contou-lheseusplanosdecasamento,tentandoacalmaroorgulhoferidodoirmoeaplacar suaraivaporterdesafiadoaautoridaderealdele.Comsuasmaquinaesdinsticasobstadas, a reao deHenrique foi rpida e decisiva: despachou um bando desoldadosleaisparaonorteafimdeprenderIsabel.

    ApennsulaIbricaumacolchaderetalhosdediversoselementosgeogrficosque contriburam para umamiscelnea igualmente diversa de divises polticasnosculoxv.Aregioincluicadeiasdemontanhasngremes,planaltosventosos,espessasflorestas,frteisterrascultivveisaolongoderioselitoraisrochososnodecursodooceanoAtlnticoedosmaresMediterrneoeCantbrico(ougolfodeBiscaia).OreinocentraldeCastela,queao longodo tempotinha incorporado,pormeio de guerras e casamentos,muitos reinosmenores, era omaior emaispopulosodoscincoreinosemdisputanapennsula.Tinhaumapopulaoentre4e 6 milhes de pessoas, concentradas no frtil plat castelhano, um planaltovarrido pelos ventos, com invernos rigorosos e pesadas chuvas, mas quente eseco no vero. A maior parte dos milhes de carneiros do reino tambm eracriadanoplanalto.Aeconomiaeraprimariamenteagrria,ajudadapormeiadziade movimentados portos comerciais ao longo da costa oriental, alm depescadores,marinheiroseexploradoresdolitoralatlntico.

    A vida era pacata e sobretudo rural. Apenas algumas poucas estradasmalconservadascruzavamapennsula,ehaviagrandestrechosderegiespoucopovoadasentreascidadesealdeiassituadasbeiradosprincipaisrios.Oterrenoacidentado era pontuado de contrafortes nas partes mais altas, com torresdefensivas;ascidadeseramtodasmuradasedefendidas,dandotestemunho dossculosdeconflitosebrigasquedominaramahistriadaregio,confrontosqueentraramemerupocomvigorparticularemmeadosdosculoxv.Aterra eratrabalhada por camponeses, cujos cultivos principais incluam cevada, aveia ,

  • azeitonas e trigo, laranjas, figos, uvas e arroz cultivados no sul de Castela(Andaluzia) e no reinado mouro de Granada. Grandes rebanhos de carneirospatrulhavam a extenso aberta da plancie castelhana, ao mesmo tempo quemascates cruzavam lenta e aleatoriamente a terra, trilhando as estradaspoeirentas,comasmulascarregadasdeespeciariasexticasimportadas,tecidoseremdios. Um viajante contemporneo comentou: Pode-se caminhar durantediasinteirossemencontrarumnicohabitante.

    EmboraCastelativessepotencialparaprosperar,assangrentasdisputasdasfamlias nobres durante grande parte do sculo xv criaram uma instabilidadepoltica que atrapalhava o comrcio, infestava as malcuidadas estradas debandidoseimpunhaempecilhosaopodercentralecapacidadedetaxaoporparte dos reis. Na poca, Madri era uma cidade secundria; embora fossefrequentada pela corte, principalmente pela localizao central, os monarcaseseus squitos preferiam Segvia, Valladolid e Toledo, que tinham osmelhorescastelos e eram mais populosas. No fim do sculoxv, a cidade murada deSevilha,ao longodopotente rioGuadalquivir,eraacidademais importantedeCastela,comumapopulaourbanadecercade40milpessoaseumarearuralcomaproximadamente130milalmas.

    EmtornodoreinodeCastelahaviaquatrooutrosreinoscompartilhandoapennsulaIbrica,incluindoominsculo,masfrtil,reinodeNavarra,nonorte,eoanimadoeprsperoArago,nonordeste,comseusricosportosmartimosemValncia e Barcelona. Arago partilhava com Castela lngua e culturasemelhantes, alm de ramos da mesma linhagem dinstica. A maior ameaa aCastela,Portugal,alcanarasuaindependnciaem1095epassaraasededicarsprpriasconquistas,retomandoLisboadosmourosem1147,eoAlgarve,nosul,maisparaofimdomesmosculo.EmboraCastelaePortugal tivessemcultura,lnguaelinhagemdinsticasimilares,frequentementelutavam umcontraooutropela hegemonia sobre a pennsula. O outro reino ibrico independente era afamosa Granada, apartada dos outros quatro reinos porno compartilhar areligiocrist.Granadaeraumreinomourisco,oumuulmano,onico vestgioremanescente da civilizao que durante sculos dominara a maior parte dapennsula.

    Os invasores islmicos lanaram-sepelo estreitodeGibraltarno inciodosculo viii. Logo disciplinaram e inspiraram guerreiros, liderados por Tariq, oCaolho,ederrotaramosexrcitosdispostoscontraeles.Acabaramsobrepujando

  • grande parte do Imprio visigodona pennsula Ibrica, depois seguirampara onorte,atravsdosPirineus,eentraramnaFrana.Apsumasriedevitriaseavanos, foram contidos por Carlos Martel na Batalha de Tours, em 732. Napennsula,osmourosconsolidaramseunovoimprio,mas,algunsanosdepoisdoassalto inicial,o ldermilitarvisigodoPelgio reconquistouopequeno reinodeAstrias, beira do mar Cantbrico, e comeou a Reconquista (que durousculos)daEspanhapelosreinospredominantementecristoscontraosinvasoresmuulmanos.Nosculoxv,depoisdesculosdeguerras,srestouumpequenoreinomourisco na Espanha, Granada, separada e defendida dos outros quatroreinosibricospelamaiorcadeiademontanhasnapennsula,SierraNevada.

    Naquela poca, apenas metade da populao da pennsula era crist,enquantoorestanteeramuulmanooujudeu.Apesardasguerrasmaisoumenoscontnuas,osseguidoresdastrsprincipaisfsreligiosasconseguiramatingirumacoexistnciainstvel.NancyRubin,emIsabellaof Castile:thefirstRenaissancequeen(Isabel, a catlica: a primeira rainha do Renascimento), observa que haviacristosdepeleescura,mourosdecabelolouro,hbridosdetodososfeitiosecordepeleemCastela.Umviajantedemeadosdosculoxvescreveu,assombrado,que um aristocrata, o conde de Haro, empregava em sua residncia cristos,mouros e judeus, e ele os deixa a todos viver empaz em sua f.Emcidadesmenores,nasreasrurais,membrosdostrscredosfrequentementemoravamemcomunidadesseparadas,masprximas,unidaspelocomrcio.

    Nascidadesmaiores,noentanto,odesenvolvimentopolticoecultural,emmeadosdosculoxv,estavaerodindoatrguainstvelqueprevaleceradurantegeraes. As religies ibricas coexistiram em um caldeiro de animosidades eincompatibilidades reprimidas que vigoravam havia sculos. Os judeus muitasvezes suportaramosmaiores choquesdehostilidade, alternadamente,porpartedos Estados islmicos e dos cristos. Vez por outra esses dios explodiam edepois se acalmavam numa aceitao tranquila, produzindo perodos de trocapacficaeintegraocultural.Grandepartedaliteratura,dacincia,detcnicasagrcolas,conceitoseprticasdemedicina,engenhariaefilosofiadaEuropa alichegouoriundadasofisticadaculturaislmicanapennsulaIbrica.

    Mas no sculo xv o perodo de paz estava chegando ao fim. Em 1453,ConstantinoplacaiusobosexrcitosinvasoresdeMehmet,oConquistador, queusavam gigantescos canhes de stio (ironicamente, manufaturados porinsatisfeitos fabricantes de sinos de igrejas europeus), pondo fim ao Imprio

  • bizantino cristo e fechando o comrcio de especiarias para a Europa.Rapidamente,papasealtosdignitriosdaIgreja tentaram incentivaro interessepor outra cruzada de retaliao. A invaso de Mehmet aumentou a latentequerelaentreoisleocristianismo;comoantes,osjudeusdaEspanhasofreramnasmosdosdoiscontendores.Duranteapocadapestenegra,nosculoxiv,osjudeusforammassacradosporbandoscristosemToledo,Sevilha,ValnciaeBarcelona.Afimdeevitaressedestino,muitosseconverteramaocristianismo.

    Os conversos conservaram sua fortuna e seu status social efrequentemente ocupavam cargos influentes, emprestando dinheiro a juros etrabalhando como tradutores. Alm disso, eram valorizados por reis e grandessenhores como conselheiros e coletores de impostos. Muitos falavam rabe etinham ligaescom as comunidades muulmanas e com os comerciantes deGranadahabilidadeseconexesqueosfavoreciamemtemposdepaz,pormosexpunhammaisaodioeaodesprezoduranteperodosde instabilidade.Aolongo da vidade Isabel, tanto judeus quanto conversos estavam proibidos depossuir terras ou ocupar cargos pblicos e eram obrigados a usar distintivosamarelosespeciais.Tambmnessapoca,aIgrejacatlicacriouaInquisioparadeter o desenvolvimento do livre-pensamento e purificar a f. Essa instituioviriaaseraprimoradaeamplificada,comresultadoshorripilantesnossculosxvexvi.

    Politicamente, a Castela do sculoxv era governada por reis fracos, e ossenhores hereditrios exerciam autoridade significativa. Em decorrncia dafragilidade do poder central, vigorava certa falta de lei, visto que os senhoreslocais impunham suas regras como bem queriam, o que levava a disputasinfindveiseatguerracivil.AReconquistaeosmaisoumenosseissculosdeconflitomilitartinhamfomentadoaformaodeumagrandeclassedesenhoresguerreiros formidveis, treinados para batalha, e cujas milcias, emborateoricamentesobaautoridadedacoroa,operavamdemodosemi-independente.Como essasmilcias erammuitas e impiedosas, a coroa nunca foi inteiramentecapazdeimporsuaautoridadenoreino.Duranteosculoxv,essaclassenobreeratopoderosaqueopaideIsabel,oreiJooiideCastela,queteveumlongoeinsignificante reinado, de 1406 a 1454, foi levado amanter a paz concedendocontinuamente ttulos e terras ao grupo crescente de potentados semi-independentes,decujoapoioeleprecisavaparagovernar.Essesaristocrataslogopossuamecontrolavamquasetantasterrasquantoacoroa;emuitoserammais

  • ricosqueorei.Comoasrendasdacoroadiminuramexpressivamenteduranteseureinado,

    J o oii aumentou os impostos dos plebeus, provocando um profundoressentimento em relao monarquia, amplificado durante os anos deinstabilidadepoltica.Osnobresguerreirosalinharamseussoldadosunscontraosoutros, em mesquinhas disputas territoriais, saqueando fazendas e aldeias,destruindoocomrciolocalerestringindoseriamenteaeconomianacional,oqueresultouemmenorcoletadeimpostosporpartedogovernocentral.Quandoosnobres o desafiaram e o ameaaram com uma guerra civil, exigindo novasconcessesevantagens,Joorecuouesatisfezsuasexignciasdeterrasettulos,oquedeixouossenhoresmaisousadosepretensiosos.Porvoltade1470,Castelasetornaraumcampodebatalhadasfacesemguerra.Tantosuascidadescomocamposforamsaqueadoseaterrorizados.

    JooiinoerasumreiimpopularentreoscidadoscomunsdeCastela,eleera desprezado por seus nobres pela fraqueza de lhes conceder recompensassempre que ameaavam provocar desordens. Em particular, ele ganhou odesrespeito pela submisso sem energia s sugestes de seu favorito na corte,lvarodeLuna, filho ilegtimodeumafamlia realaragonesa,quesuspeitavamser amante do rei. Certamente De Luna era um mestre manipulador, queexercitava seu poder sobre o rei desde que Joo assumira o trono naimpressionvelidadedecatorzeanos.Infelizmente,JooestavatocativadoporDeLunaquelhepermitiuatcontrolarsuavidasexual.Deacordocomumdoscronistasdacorte,agrandemaravilhatinhasidoqueatnosatosnaturaisJooseguia as ordens doCondestvel [DeLuna], e, embora jovemedotadodeboaconstituio,e tendoumarainha joveme linda, seoCondestveldissesseno,ele no ia ao quarto dela nem procurava outras mulheres, embora bastantenaturalmenteinclinadoaelas.Jootinhaproduzidoumherdeiroem1425,comsuaprimeiramulher,MariadeAragoumfilho,chamadoHenrique.Vinteeseisanosmaistarde,comasegundamulher,IsabeldePortugal,foipaidemaisduascrianas,Isabel,em1451,eumsegundofilho,Afonso,em1453.

    Ao morrer, em 1454, Joo II foi sucedido no trono de Castela por seuprimognito, Henrique. Este era formoso, criativo e atltico; mesmo assim,tambm era irresponsvel e sistematicamente preguioso, pouco inclinado aassumirresponsabilidadepeloreinoeseusnegciosalgumasvezesdesagradveis.Henriquedispensoumuitasformalidades,inclusiveascerimniasdejuramentos,

  • e nomeou para posies influentes uma coleo disparatada de presunososparasitascamponeses,msicos, operrios, artistasquemostravampoucorespeito pela monarquia. Um cronista notou que Henrique era eternamenteapaixonadopelapazecontinuavaapolticadopai,deaplacarosnobres comoobjetivo de adquirir estabilidade poltica. Em reao aos frequentes avisos eadmoestaesdeseusconselheiroseaoevidentedesagradodeumgrandegrupodacorteemrelaosuagenerosadistribuiodepresentesettulos,Henriqueretorquiu:Osreis,emvezdeacumulartesouros,comoaspessoasparticulares,tendemadistribu-los,paraafelicidadedeseussditos.Temosdedaraosnossosinimigospara transform-losemamigos, e aosnossosamigosparaconserv-losassim.

    As aes de Henrique, continuando as polticas pusilnimes do pai,redundaramemumaguerracivilquandosuameia-irmmaisnova,Isabel,chegou adolescncia, nos anos 1460. Alguns cronistas alegam que Henrique tinhasofridoabusosexualquando jovemporDeLuna,omesmoquemanipulara seupai,paratorn-locomplacenteemaisfcildecontrolar.DeacordocomAfonsodePalencia,cronistaoficialdacortecastelhana,DeLunamaculouHenriquecomovciodosmaus.Verdadeouno,Henrique, comoopai, era umrei fracoeimprevisvel, que presidia um reino dominado por um crescente caos poltico,coma fragmentaodopodercentralizadoeodesrespeitoao reiporpartedosnobres.

    ContribuaparaainstabilidadedinsticaaalegadaimpotnciadeHenrique.Embora ele fosse casado com Branca de Navarra desde os quinze anos, ocasamentonoproduzira filhosdepoisdequase treze anos.Preocupado comacontnuaespeculaoarespeitodesuasproezassexuais,Henriqueresolveupedira anulao papal do casamento um ano antes de subir ao trono, em1454. Ospreladosespanhis,queapresentaramocasoaopapa,seopuseramaosrumoresprevalentesdequeBrancasairiadocasamentocomoentraraouseja,virgem.Para provar que a culpa do casamento estril era de Branca, os dois padresentrevistaramprostitutasemSegviaquedeclararamtertidorelaescomorei,equeeleera,naverdade,ElPotente .Omotivooficialdadoparaaanulaodocasamento entreHenrique e Branca foi feitiaria, oumagia negra(malefcio) daparte da esposa, e essa magia negra havia tornado Henrique temporariamenteincapaz de gerar um herdeiro. Por que ela desejaria fazer isso com o prpriomarido e sofrer as inexorveis e previsveis consequncias desse ato contra o

  • Estado, isso no foi discutido. Em 1453, a anulao papal foi confirmada, eBrancafoidevidamentebanida.Aessaaltura,Henrique j tinhaabordadooreidePortugal,Afonsov,enegociaraamodairmmaisnovadorei,Joana,umavistosaelindamorenaquechegouaCastelacomumsquitodeservidorescomtrajes coloridos e luxuosos e uma disposio alegre e namoradeira. A jovemprincesa gostava de pompas e cerimnias e, infelizmente, era dada aindiscriesemquestesdocorao.

    Joana tinha apenas dezesseis anos, mal chegava metade da idade deHenrique, e o rei estava nervoso. Sua agitao talvez tenha se acentuado pelaiminnciadas festividadesdanoite. Seus fracassospassadosno eramumbomaugrio para a continuidade de seu reinado ou para a estabilidade poltica deCastela. Como era de prever, Henrique no conseguiu produzirum lenolmanchadodesangueparaseusoficiaisdacorte,que,deacordocomo costumemedieval castelhano, estacionavam s portas dos aposentos reais esperandoprovasdequeocasamentotinhaseconsumado.Essecorrerdosfatos,quandoaprova aceita no foi apresentada, no agradou a ningum.Durante os seisprimeiros anos de seu casamento, Henrique e Joana del Portugal no tiveramfilhos,eosrumoresdaimpotnciaedasinclinaessexuaisdoreimaisumavezse tornaramtemacomumpor todaaCastela.A impotnciadoreiemprocriareranotria,comentouumcronista,enquantooutroescribaregistrouqueoreitoafeminadoquevai,nomeiodanoite,casadeseunovofavoritoparadistra-locantando,quandoestdoente.FernandodelPulgar,outrocronistadacorte,mais tarde escreveu que, depois do casamento com Joana de Portugal, aimpotncia deHenrique ficoumanifesta.Porque, embora ele estivesse casadocomelahaviaquinzeanosetivessesecomunicadocomoutras mulheres,nuncatevesucessoemnenhumafunomasculina.Outrosrelatosdapocasereferemao tamanho do rgo genital deHenrique e condio aguada e fraca de seusmen, como fora inspecionado e relatado por uma equipe de mdicos derenome.

    Em1462,Joanaafinalficougrvidaedeuluzumafilha,tambmchamadaJoana.Acreditava-se,comovimos,queacriananoerafilhadorei,masdeumde seus cortesos, o carismticoBeltrn de la Cueva.Mais tarde, num esforovo de fazer com que a menina se parecesse com o rei, membros do crculontimodeHenriquequebraramonarizdeJoana,parafaz-laseparecermaiscomopai, que tinha umprotuberante nariz quebrado.Masnenhumdos relatos das

  • funesmasculinasinteiramentelivredesuspeitas.Nopossveldeterminarcomautoridade apotncia viril deHenriqueou apaternidadeda filhaque suamulher teve. A verdade biolgica dificilmente tem importncia : na poca,suspeitava-se amplamente queHenrique era impotente e sua filha era produtogenticodeoutrohomeme,portanto,nointegravaalinhadesucessoaotronocastelhano.

    A levemente divertida preocupao com a capacidade de um homem emprocriareadeterminaodaexataancestralidadedeseusalegadosfilhos,agorasodifceisdeavaliar.Noentanto,naEspanhamedieval,oumelhor,naEuropainteira e em muitas outras regies do mundo, a estabilidade do Estado e alegitimidadedaprogniedeummonarcaestavam intimamente interligadas.Emsociedadescomestruturaspolticasprimitivas,a sucessogovernamental ficavalimitada aos filhos legtimos dos monarcas reinantes na poca. Um elaboradoconjunto de regras muitas vezes governava a linha exata de sucesso,determinandoquemherdariaasresponsabilidadeseasregaliasdogoverno.Essasregrasdeviamserseguidasparaganhar legitimidadeeaceitao.Dessemodo, asuposta incapacidade de Henrique em produzir um herdeiro era um problemagrave.Apossibilidadedeimporumacrianailegtimanaodesafiavaasregrasquegovernavamatransfernciaordenadadopoder.Umavezqueaautoridadedatradio era rompida, os portes estavam abertos para outros desafios autoridadegovernamental,questesrelativaslegitimidadedeumnovomonarcae talvez legitimidade do prprio monarca. Se os rumores eram ou noverdadeiros, Henrique foi suficientemente infeliz ao entrar em rota de colisocomosrgidoscdigosdesucessoentoemvigncianapennsulaIbrica.

    Logohouve rumores, entre algumas faces da nobreza, de queHenriqueno era adequado para governar. Havia dvidas quanto legitimidade de LaBeltraneja; insatisfao geral com a competncia do rei para governar, com ofavoritismo,apromoodeamigoseagenerosadistribuiodedinheiro,terrasettulos; e questes referentes ao comportamento adltero da rainha, que ficougrvidadeoutrodoscortesosdeHenrique.Reunidas,essasquestesformaramasemente de rebelio entre osmembros insatisfeitos da nobreza castelhana.Noverode1464,aguerracivilcomeou.Pequenosexrcitospercorriamoscampos,tentandoconquistarascidadesimportantesparasuacausa.

    Henriquesabiaquesuameia-irmIsabel,entocomtrezeanos,eo irmodela, Afonso, com dez, poderiam ser pees nessa querela com muitos nobres

  • poderosos.Emfevereirode1465,eleostirouostensivamentedeondemoravamcomamedeles,pertodeMadri,paraquefossemeducadosdemaneiraadequada,mas, na verdade, paramonitorar a fidelidade dos dois e evitar queoutros os manipulassem para tramar um desafio sua majestade.Henriquesorrateiramente privou os dois irmos dos direitos de herana e ttuloshereditriosdeixadosaelespelopai.IsabelfoimantidanacortedeHenrique,emSegvia,ondesua liberdadefoi restringidaesuacorrespondnciaparaqualquerpessoa fora da residncia real era lida secretamente.Umcronista, refletindoossentimentosdaquelanao,observouque,emvezdefazerumaguerracontraosmouros,[Henrique]guerreiacomseusprpriosvassalos,nasboasmaneirasenasleisantigas.

    UmdoslderesdosnobresrebeldeseraAlfonsoCarillodeAcua,ocortesoquefoipremiadocomumarcebispadoporseuvalenteapoioaomonarcaanterior,opaideHenrique.AgoraarcebispodeToledo,osacerdote--guerreirotinhaaintenodeusarAfonso,irmodeIsabel,comoldersimblicoemsuarebeliocontraHenrique.Afonsoficousobatuteladosrebeldesparatereducao e ficar em segurana. Sacerdotes e cavaleiros, os grandes do reino,escolheram seus lados para impedir o conflito: um para manter Henrique notrono,outroparacriarAfonso,napocacomapenasdezanos.Deacordo comasregras tradicionais de sucesso, que dava primazia aos homens, na linha gem,Afonso era o seguinte na linha do trono, seHenrique no tivesse umherdeiroprprio,legalmentereconhecido.Dessemodo,Afonsoficariaacimadesuairm,Isabel; s se no houvesse um herdeiro homem pensava-se em coroar umamulher.

    ParaestabeleceroapoiopblicorebelioeaoreconhecimentodeAfonsocomo rei, o arcebispo de Toledo e seus companheiros envolveram-se numacampanhapblicaparadesacreditara legitimidadedeLaBeltranejaeproclamarseus ressentimentos contra Henrique. Os representantes dessa faco falavamnaspraasdascidadesefixavamcartazesafirmandoqueLaBeltranejanoeraaherdeira legtima ao trono. Henrique aumentava os impostos sem consultarningum, continuava a desempenhar seu papel; dissipava a riqueza deCastela,empregavajudeusemuulmanos,corrompiaoaredestruaanaturezahumanaem sua corte. Os conspiradores pintaram o retrato de um rei distante eincompetente que no pensava nos interesses do povo, capaz de se rebaixarmatandoinfantespararemoverqualquerobstculoaseusplanosdesucesso.

  • OsrebeldesexigiramqueHenriqueproclamasseAfonsoseuherdeiro,oqueaprincpioeleconcordouemfazer.Algunsmesesmaistarde,voltouatrsemsuadeciso. Em 5 de junho de 1465, em frente catedral, do lado de fora dosportesdacidadedevila,umadelegaodelderesrebeldes,incluindoCarillodeAcua,encenouodestronamentosimblicodeHenriquediantedoscidadosda cidade.No alto de umaplataforma estava a representaodo reiHenrique,feita de palha, com coroa, trono, espada (smbolo da defesa do reino) e cetro(smboloda justia real).Umarauto leuemvozalta asdiversasqueixascontraHenrique,oarcebispoestendeuobraoederrubouacoroadacabeadoboneco.Outrosnobresretiraramaespada,ocetroeasdemais insgniasreais,atqueomanequimficoudesnudado.CarillodeAcua,imponenteemseusricostrajesdecerimnia, entooubem alto queHenriqueno estava apto a governar.Depois,jogouoboneconocho.OlouroepiedosoAfonsofoisolenementeelevadoaotrono vazio e proclamado novo rei de Castela, Afonsoxii. Os dignitriosreunidos ajoelharam-sediantedele ebeijaram-lhe amo, jurandopublicamentefidelidadeaonovorei.

    Terdoismonarcasnomesmoreinadonoera,claro,umagrandevantagemparaopovodeCastela.Aleirealdesintegrou-se,bandidospercorriamasestradascada vez mais decrpitas, o comrcio ficou quase paralisado medida que ocrime aumentava, cidados temiam viajar e permaneciam trancados atrs dosmuros das cidades.Exrcitos privados esquadrinhavam as terras, caando seusinimigos,capturandoeobrigandooscamponesesdesafortunadosa ingressaremsuasfileiras.Acunhagemdemoedascaiuemtermosdevalor,proporoqueaautoridade real desaparecia: foram abertas novas casas de cunhagem para ocomrcio,quegravavamaefgiedosmonarcasconcorrentesemmetaldebaixaqualidade.Bandositinerantesdemercenriosroubavamtantoasfazendasquantoas casas ricas, privando regies inteiras da colheita de alimentos ematandoosanimais de criao. A fome se instaurou, o que levou casas e fazendasparticularesaoabandonoporseushabitantesemfuga.

    Na primavera de 1466, as duas faces reais chegaram a pensar napossibilidadededividiropasemdois:umreinorebeldeindependenteeumreinomonarquista.Henrique, que aindamantinha Isabel como virtual prisioneira emSegvia, tentava selar o casamento dela com dom Afonsov de Portugal. Oconsrcioentresuameia-irmeseucunhadotornava-seaindamais importante,j que Afonso prometera enviar a ele cavaleiros e soldados para ajudar na

  • interminvel lutacontraaaristocraciarebeldeeojovemreiAfonso,ofantochedeautoridadesimblica.OslderesrebeldestemiamqueHenriqueusasseIsabelparagarantiraajudamilitarestrangeiraquesevoltariacontraeles;doaltodesuasposies hierrquicas, alguns deles abordaramHenrique em segredo,apresentandoseusprpriosacordosdecasamentoparaaprincesadequinzeanos.PedroGirn, o senhor deCalatrava, prometeudesistir da rebelio e convenceroutrosadeporarmas.Emtroca,eletomariaIsabelcomoesposa(acompanhadapor um belo dote, claro) e, portanto, eliminaria o potencial valor poltico daprincesa.

    Almdisso,Girnofereceuouro e soldados causa deHenrique, traindoassim Afonso, o rei menino, a quem recentemente jurara fidelidade. HenriqueconcordoucomrelutnciacomocasamentodeGirncomIsabel.Atafacorebelde assentiu, porque isso eliminaria, de maneira permanente, qualquerpossibilidadedeIsabelsermanipuladacomopeonumcasamento,eusadacomopretextoparaintervenesmilitaresestrangeiras.AjovemprincesafraquejouGirn, de 43 anos, alm de ter duas dcadas e meia a mais que ela, eradesleixado, bebedor, praguejador e notoriamente libidinoso. Mas, comoprisioneiradeHenrique,srestavaaIsabelumaopo:GirnouoreiAfonso vdePortugal.Omeio-irmomandou-aparaonorte,paraMadri,acompanhadadeumaguarda.Elaestavapresaentredoisfuturosextremamentedesagradveis.

    Nancy Rubin, em Isabella of Castile: the first Renaissance queen, observa queagora no havia nada a fazer seno soluar, rezar e jejuar em seu quarto noalccer de Madri dia e noite, prostrando-se e implorando a Deus para morrerantesdocasamento.Noentanto,antesdechegarparareivindicaranoiva,Girnfoi vtima de uma morte horrvel, com uma infeco na garganta, expelindopalavrasblasfemasno leitodemorteeamaldioandoaDeuspelacrueldadedenopermitirqueelevivessemaisquarentadiasparadesfrutardeumaltimademonstraodepoder[deitar-secomIsabel].AjovemdeveterimaginadoquehaviaselivradodostenebrososbraosdeGirnporintervenodivina.Liberadadeumpretendentedesprezado,elaestavadeterminadaanosedeixaraprisionarporoutro,mesmoquandoHenriqueamandoudevoltaaSegvia.

    Alguns meses mais tarde, em 20 de agosto de 1467, as faces seenfrentaram em uma batalha na plancie adjacente cidade de Olmedo. Abatalhafoiinconclusiva,masacentuouquantoapolticahaviasedegeneradoemCastela.Nemmesmoaintervenodiplomticadopapaeaameaadepossvel

  • excomunho dos lderes rebeldes produziram uma reconciliao.Numa traioinesperada,no entanto,os guardiesda cidadedeSegvia, a capital de facto deHenrique, centro do tesouro real e o local em que Isabel era mantida emsegurana, abriram os portes da cidade para o exrcito rebelde. Isabel foilibertada.Abalado com essa reviravolta sbita,Henrique concordou, relutante,em assinar um acordo, comeando com uma trgua de seis meses. Foiconvencido aemitir uma nota de garantia de liberdade para Isabel, na qual sereferia a ela como sua querida e muito amada irm. Isabel, impassvel, masagoralivre,correuparaoladodoirmomaisnovo,Afonso,emArvalo,eadotousuacausa.

    Henriqueencontrava-seemposiodifcil.Parareadquiriropodersobreotesouro real, ele acedeu exigncia de que sua rainha Joana deveria se tornarrefmvirtual, emboraemmeioao luxo,nocastelomantidoporumdosnobresrebeldes.As relaes entreo rei e a rainha j estavamemdeclniohavia anos.Observou-sequeelesnemmaisfingiamdormirjuntos;que,defato,Henriqueaencorajavaateramantesenotinharelaonenhumacomela.QuandoJoanase viu oferecida comoumapea em troca do tesouro real, trada e humilhada,deixou de esboar qualquer fingimento de fidelidade em relao a Henrique.Tomou diversos nobres como amantes e deu luz mais dois filhos nos anosseguintes crianas que ningum jamais sugeriu que estariam nalinha desucesso ao trono de Castela, mas que reforavam o argumento de que suaprimeirafilha,Joana,tambmnoerafilhadorei.

    Duranteatrgua,IsabelviajoudecidadeemcidadecomoirmoAfonsoesuapequenacorte,enquantoestecontinuavaadesempenharseupapeldereiparaumaparcela substancialda regio ruraldeCastela.Contudo,menosdeum anodepois de Isabel recuperar a liberdade, em 14 de julho de 1468, Afonso caiudoentedepoisde jantarseupratopreferido, truta.Namanhseguinte,o jovemreientrounumcomamortal,doqualnoconseguiramrecuper-lo.Ummdicoque tentouuma sangria achouque nohavia sangueque flusse e descreveusua lnguacomoinchadaenegra.Aprincpio,achou-sequeeraa peste,masossintomas de Afonso no correspondiam aos sinais conhecidos da doenaaterradora que devastava os campos de Castela. Afonso jamais recuperou aconscinciaemorreudepoisdealgunsdias,oudepesteoudeenvenenamento.AqueleeraumacontecimentomuitoconvenienteparaHenrique.Osrebeldesderepente perderam seu fantoche, e o entusiasmo pela rebelio lentamente

  • minguou.Aessaaltura,Isabeltinhasetornadoumajovemdiscretaecontemplativa,

    bem formada em sua pessoa e na proporo dosmembros, []muito clara eloura:osolhos,entreverdeseazuis,aaparnciagraciosaehonesta,[]orostobem-conformado,bonitoe feliz.parte a adulaoendereadaauma rainha,muitosrelatosdiscorremlongamentesobreseurostovivo,asmaneirasgraciosaseocarisma,eobservamqueelanoeranemenganadoranemmaliciosa,astutaouintrigante.Intriganteelapodenotersido,maserainteligente .Quandoseusconselheirospropuseramqueprosseguissenalutacontraomeio-irmoHenrique,tomando omanto demonarca to recentemente deixado porAfonso, conta-seque ela foi dar uma caminhadapeloparque antes de anunciar suadeciso.Elano submeteria sua terra a novas guerras e ao caos. Ao contrrio, aceitaria aofertadeHenriqueparasersuaherdeira,afimdeprtermoaosinfortniosdeuma guerra entre Henrique e eu. [] Portanto, fico contente com o ttulo deprincesa.Angustiadacomaguerraeocaosquevarreramsuaterra,elachegouasentirqueamortedeAfonsotalvezfosseumcastigodivinoporeletertomadoacoroailegalmente.

    AdecisodeIsabelnoeraoato rudeeobstinadodeuma jovemfrvola,mas uma resposta totalmente ponderada acerca da situao, atitude prpria deumaestadista,algocalculado.Porm,aomesmotempoquebuscavareconciliaras faces litigantes, Isabel tinha sua prpria ambio a longo prazo: subir aotronopormeiodesucessonatural,comoherdeiradeHenrique,deacordocomodesejode seu falecidopai e as antigas leisdeCastela.Elaenvioumensagens aHenriquecompropostasdepaz,e,emalgunsmeses,ostermosdereconciliaoforamacordados.

    Poderosodemaisparaserderrotadoedestronado,Henrique,mesmoassim,sedeucontadequenotinhapodersuficienteparagarantirasucessodeJoana,La Beltraneja, e aceitou o acordo proposto por Isabel.Delegaes dasfacesrivaisdeCastelaseencontraramemsetembrode1468,pertodacidadedevila,nas plancies ventosas de Toros de Guisando. Ali, sombra dos quatromisteriosostourosesculpidosempedra,ondesehaviampraticadoantigosritoseonde um escriba romano gravara notcias das vitrias de Csar, os lderes dasduas faces reuniram-se no meio do campo. Isabel, no papel de princesaeherdeira, cavalgoumontada emumamula branca at a reunio, comoditava atradio,comasrdeasseguradaspeloarcebispodeToledo.Oslderesrebeldes

  • aceitaram a autoridade do rei e juraram fidelidade aHenrique como seurei esenhornatural, e Isabel foideclaradaprincesadasAstrias eherdeira legtimadotronodeCastela.

    OsdireitosjurdicosdeLaBeltranejaficaramtemporariamentesuprimidos;amedela,Joana,arainha,napocagrvidadoamante,serecusouaencontrar-secomHenrique,masseusflertesamorososeramentoamplamenteconhecidos.NancyRubinobservasucintamentequeapercepobastantedifundidadequearainhaJoanaeraadlteraenfraquecerademodoaprecivelaposiodebarganhadeHenrique.Odelegadopapaldeclaroucomsolenidadequeo reinoestavamaiscasadocomela,sobodbilpretextodequeele,porocasiodomatrimnio,no tinha solicitado a bula papal de dispensa porconsanguinidade.Portanto, amenina Joana no era legalmente filha deHenrique e jamais poderia herdar otrono.

    AmaiorconcessoaHenriqueporpartedeIsabeleradequeeleteriavozna escolha do marido dela; que de fato a princesa no casaria sem oconsentimento do rei promessa que ela sabia impossvel de manter, se aproposta fosse contra sua vontade, consciente que estava da motivao deHenriqueem elimin-la politicamente casando-a com quem ele julgava que afosseafastardopaseda linhadesucessoao trono.Apesardasproclamaesoficiais de Henrique, de que iria honrar seu compromisso com Isabel comoherdeira oficial de Castela, muitos se mantiveram desconfiados: o rei j haviavacilado em tantas decises importantes no passado, incluindo essa mesmaquesto da sucesso. Acreditava-se amplamente que ele no levava emconsideraoosmelhores interessesdeIsabel,emuitos julgavamqueHenriquetampoucopensavanosinteressesdeCastela.

    AlutaparadeterminaroparceirodecasamentodeIsabeleraumempecilhoimportanteparaapazcastelhana,maselaesperavaqueissopudesseserresolvidorestaurando as boas relaes com o irmo. Essa questo mais uma vez iriamergulharoreinonaguerracivil.

  • 2.Osenhordossenhores

    NasplanciesrelvadasforadacidadeespanholaocidentaldeToro,umpesadoexrcitocastelhanodemaisde5milsoldadosdeinfantariaelanceirosmontadosse alinhou em formao de batalha para enfrentar um exrcito portugusigualmenteimpressionante.Erafinaldetarde,1 odemarode1476,aluzestavaesmaecidaeumachuvageladaencharcavaocampo.Apesardocansao,depoisdeumdiaperseguindoseusinimigosportuguesesatravsdasngremespassagensmontanhosasdaSierradelaCulebra,ossoldadoscastelhanosjulgavamquehaviachegado a hora do ajuste de contas entre os pretendentes rivais ao trono deCastela,quetinhammergulhadoapennsulanaguerra.IsabeleFernandotinhamsido coroados rei e rainha havia apenas um ano; as foras castelhanas eramcomandadas pelo prprio Fernando, acompanhado por seus nobresexperimentadosembatalhasepelomeio-irmoaragons.Naluzdeinvernoquedesaparecia, eles conseguiamperceber o esplendidamenteornadoAfonsov, reide Portugal, o famoso conquistador dosmouros emMarrocosmotivo peloqualganharaottulodeOAfricano,eseufilhoJoo,umatlticojovemdevinte anos, rodeadopor sua fora de cavaleiros vestidos com armaduras. Joo,herdeiro da coroa portuguesa, talvez estivesse ali para ganhar (ou perder) oslourosdabatalha:eleseuniraaopai,Afonso,comumexrcitodereforovindodePortugalhaviapoucassemanas.

    Milharesdecavalosdebatalha,cobertosporarmadurasdeplacasdemetaleenvolvidos em mantas maravilhosamente bordadas, batiam as patasnervosamente, coma respirao transformadaemnuvem.Oscavaleirosqueosmontavam ajustaram as armaduras, ingeriram mais um pouco de comida ouderam um gole de gua, rezaram pela vitria (ou talvez apenas pelasobrevivncia) e examinaram uma ltima vez suas armas. Muitos dessesguerreiros tinham sido envolvidos em um cansativo jogo de gato e rato,perseguindo-se uns aos outros pelos campos deCastela durantemuitosmeses,sobo calor escaldantedevero eopenetrante friode inverno.Agora estavamansiosos pelo confronto final.O futuro poltico de Castela pendia na balana,semvolta.Ostamboresdeguerraressoaram,osomficandocadavezmaisalto.

  • Finalmente,Fernandodeuosinal, trombetasretumbantesanunciaramoavanodeCastela, e os cavaleiros atacaram, enquanto a infantaria corria pela planciegritando so Jaime e so Lzaro!. Artilheiros dispararam seus canhesprimitivos,enviandobolasdeferroquequicaramnarelvaescorregadia.Grandesnuvens de fumaa de plvora espiralaram no nevoeiro, enquanto arcabuzeirosdispararamsuasarmasrudimentares,parecidascomrifles,sobreseusoponentesem ataque. Arqueiros retesaram os arcos e soltaram uma torrente escura deflechasmortaisparaocu.

    O contra-ataque portugus mirava a ala direita de Fernando, soltandomilhares de projteis no centro dos guerreiros em avano. A fora de ataquequebravaescudos,feriacavaleiroseatirava-ossangrandoegritandosobrealama .Os cavaleiros castelhanos esporeavamsuasmontarias e atacavampara resgataros sobreviventes ensanguentados da ala direita, usando os lanceiros paratranspassarosportuguesesqueavanavam,enquantopesadoscavalosdebatalhabatiam com fora nos soldados da infantaria. Logo um corpo a corpo caticopercorreuaplanciedeumladoaoutro,asarmaserguidasaoaltoecortandoporbaixo, abatendo-se sobre braos e pescoos expostos, esmagando capacetes eescudos.Gritosdebatalha rugiamAfonso!ouFernando!, enquantomassasdehomensataviadoscommetaloscilavamparatrseparaafrentenaescuridocrescente. Ouviu-se Fernando gritar: Avancem, meus cavaleiros castelhanos!Souseurei!eelesavanaramcomrenovadovigor.Depoisdetrshorasdebatalha, centenas de guerreiros tinham escorregado ou mergulhado nas guasnegras do rio Douro e foram levados pela torrente. Outros milhares jaziamgemendoesangrando,muitosmorte,enquantocavalosmoribundosgritavamde agonia emedo no campo encharcado de sangue.Milhares de refns tinhamsidofeitos,eoremanescentedeumexrcitohaviafugidodocampoembuscadeproteo numa fortaleza nas imediaes.Os vivos vasculhavam osmortos embuscadeouro,prata,roupasemuitasoutrascoisas.

    A batalha, aclamada como vitria pelos dois lados, foi central paradeterminarasucessocastelhanaemuitasoutrascoisasnosanosseguintes.

    Oseventosqueculminaram comaBatalhadoTorohaviamsidopostos emmarcha anos antes, depois dos acordos assinados em 1468 pelas duas facesopostas. Contudo, uma vez que as ameaas imediatas de seus nobres seamainaram,oreiHenriquecomeouapensarmelhorarespeitodesuadecisode

  • declararIsabelherdeiradeCastela,emlugardafilha,Joana.A inteno original de Henrique era casar a meia-irm com um prncipe

    estrangeiro, oque a afastaria deCastela epavimentariao trajetopara Joana setornar a herdeira; isso ressurgiu em suamente apenas quatromeses depoisdosacordosde1468.OcasamentodeIsabelpassouaseraquestodiplomticamaispremente do reino. Ela ainda se recusava veementemente a pensar napossibilidadedeseuniraqualquerdospretendentespoucosedutoresdefendidosporHenrique:ovelhoAfonsovdePortugal; o doentio irmodo rei francs, oduque de Berry; o violento duque de Gloucester, futuro rei Ricardoiii daInglaterra.ApesardarecusaexplcitadeIsabel,Henriqueaindaprosseguiacomoplano de cas-la com Afonso, chegando a assinar com o rei de Portugal umacordo secreto de noivado no dia 30 de abril de 1469, estipulando que ocasamento aconteceria dois meses depois, quando Afonso chegasse a Castelacomseusquito.Osdetalheseramcomplicados,concedendo ttulos tantoparaAfonso quanto para Isabel, estipulando o lugar oficial de residncia, o statusjurdico dos filhos e outras questes, como qual dos futuros filhos deveria secasar.Noeraumacordoarranjadofortuitaouapressadamente,eteriamudadoprofundamenteahistria,casotivessetidoxito.Teriafortalecido oselosentreCastela e Portugal, e no entre Castela e Arago,mudando a histria damaisfamosa viagem de todos os tempos, bem como do acordo mais importantepolticaediplomaticamentequejfoifeito.

    MasIsabeltinhasuasprpriasideias.FoiporvoltadessapocaquechegouaprimeirasugestodoreiJooiideArago,oferecendoseufilhoFernandocomopossvel pretendente. Como j vimos, depois de pensar nas opes e ouvir osrelatossecretosdeseuespio,freiAfonsodeCoca,IsabelresolveusecasarcomFernando,oatraentejovemherdeirodotronodeAragoejreida Siclia.Isabelchegou a essa deciso sozinha, sem o consentimento oficial de Henrique eviolandoapromessafeitaaeledequeavaliariamemconjuntoasperspectivasdecasamento.FernandonoapenaseraformosoetinhaamesmaidadedeIsabelcomcerteza,preocupaessignificativasparaumameninadedezesseteanos,comoaqueleeraumconsrcioquerepresentava ,semamenordvida,amaneiramaisseguradegarantirseusprpriosdireitosaotronodeCastela,nopermitindoque ela fosse neutralizada politicamenteemuma terra estrangeira, comoqueriaHenrique.Oproblemaevidentequeela eseusconselheirosenfrentavameraqueHenriquejamaisconsentirianocasamento.Longedeanularopotencialpoltico

  • de Isabel, um casamento comFernando o valorizaria enormemente, unindo ascoroasdeCastelaeAragonumaalianaqueseriaaprovadapelascortesepeloParlamentodeCastela,ecimentariaaposiodajovemcomoherdeiradotrono,aomesmo tempo queforneceria um forte aliado para ajudar a defender essesdireitos.Henriqueestariapresosuapromessadetorn-lasuaherdeira.Eraumadecisoqueeletomarapornecessidadepolticaequelamentava,agoraqueapazrelativaforagarantida.

    Enquanto Henrique prosseguia em suas negociaes com Afonso, IsabelautorizouacontinuaocleredasnegociaessecretasparaseucasamentocomFernando,duranteosanosde1468e1469.Cavaleirosgalopavamparaleparacpeloacidentado terrenoentreocastelodoarcebispo,emYepes,eSaragoa,emArago,ondeJooiieFernandoestavamocupadossedefendendo ,nonorte,de uma invaso francesa. Missivas crpticas ou codificadas, entregue s noite,longe dos olhos espreita, revisavam os termos do acordo de casamento dojovemcasaledeunioentreasduasnaes.Enquantooutrosseencarregavamdasnegociaes,IsabelvivianacortedeHenrique,rodeadadeespieselimitadaem seus movimentos. Manteve-se neutra diante do avano dos diplo matasportugueses,ansiososporconvenc-laaaceitarumacordocomAfonso.

    Em desafio ao acordo que haviam feito no ano anterior, Henriquecertificou-se de que Isabel permaneceria financeiramente dependente dele.Comeou a erguer obstculos no caminho dela: recursos prometidos no erampostos disposio da jovem, evitando que ela estabelecesse sua prpriaresidnciaoucorte, contratasseempregadosou recompensasse seuspartidrios.Alm disso, Henrique preocupava-se com o sentimento pblico negativo quederivaria do casamento de Isabel comAfonso.Muitos nobres perceberam queesse enlaceno apenas seriadepoucavaliapara Isabelnaspalavrasdeumcronista, Isabel se tornaria, na flor da juventude, madrasta de enteados maisvelhos que ela, como no traria nenhum benefcio a Castela. Alm disso,haviaapreocupaodequeoherdeirodeAfonso,Joo,pudessedealgummodoreivindicar a herana de Isabel emCastela, o que iria sobrepujar a honra e aliberdadedopas.SeaopodecasamentopreferidadeIsabelfosseconhecida,osentimentopblicotenderiaafavordeFernandoedeumauniodiplomticacom Arago, reinocom que partilhava a lngua castelhana e muitos de seuscostumes.

    Enquantoisso,nacidadearagonesadeCervera,Fernandosepreparavapara

  • assinaroque ficouconhecidocomoCapitulaesdeCervera.Depoisdemesesde negociaes interminveis, Fernando, contrariando tanto as tradies doEstado como a tradicional supremacia masculina, assinou um documento decasamento no qual abriamo demuitos dos poderes que ele em geral deveriadeter. A Capitulao foi uma espcie de acordo pr-nupcial no qual FernandoconcordavaemmoraremCastela,snomearcastelhanosparapostosdogoverno,obedecerautoridadedeHenriqueeaderirsleiseaoscostumescastelhanos,eno aos aragoneses. Fernando, alm disso, deveria travar guerra contra osmouros, que eram inimigos da f catlica, como fizeram outrossoberanoscatlicosnopassado.Suanoiva, Isabel, epor extensoCastela inteira, se riamdefinitivamenteosprimeirosentreosiguaishierarquiaquerefletiaasrelaesde poder entre a populao dos dois reinos. Arago era um reino menor queCastela,eseutesourotinhasidoexauridoporanosdeguerracontraaFrana.Odocumentofoiassinadoemjaneirode1469,emArago,porFernandoeseupai,oreiJooii,eratificadonoinciodemaropelosconselheirosdeIsabel(masnoporIsabel, jqueelanotinhaposio jurdicanasnegociaesdeseuprpriocasamento).

    Umavezosdocumentosoficialmenteendossadoseascpiasreivindicadaspelas duas partes, o jovem casal tinha s de se encontrar em pessoa paracompletar o negcio e consumar o casamento. Isabel deveria fugir da corte deHenrique.Emmaiode1469,oreideCastelasepreparavaparasairemexpediomilitar Andaluzia para abafar uma revolta. Talvez nervoso com a plcidaneutralidadede Isabel em relaos suaspropostasde casamento, extraiudelaumapromessa de no assumir nenhum compromissomatrimonial enquanto eleestivesse fora. Isabel concordou, ponderando que seu compromisso comFernandojhaviasidoformalizado(emborasemoconhecimentodeHenrique),mas que ela evitaria qualquer outro compromisso. Ela, porm, quebrou umapromessa:noficounacorte.FugiuacavaloparaacidadedeMadrigalnoite,evitandoos espies deHenrique. O pretexto para a fuga fora visitar suamedoente e comparecer aos ritos fnebres de um ano emmemria de seu irmoAfonso,emvila.

    QuandoosespiesdeHenriqueoinformaramdafugadeIsabel,eleemitiuumaameaaaopovodeMadrigal,ameaando-oscompenalidadesdurascasooferecessemaelaqualquerapoionocasamentocomFernando.Furioso,enviousoldados reais para busc-la,mas, a essa altura, Isabel j recebera umaparcela

  • substancialdodotedeAragoeimediatamenteousouparapromoversuacausa.Ela e seu squito perambulavam pelo campo e quase foram apanhados pelossoldadosleaisaHenrique,atchegaremaValladolid.LivredeHenrique,apoiadapelo povo da antiga cidade e segura com o dinheiro recm-recebido, ela pdedescansar.Longedeficaracovardada,mandouumacartaaHenrique,criticando-o por intimid-la e renegar suas promessas e acusando-o de empregardeterminadasmulheres comominhas acompanhantes e servidoras [] parameoprimir e pr minha liberdade em risco. Alm disso, pedia que HenriquepensassesobreseucasamentocomFernandosobuma luzpositiva,enfatizandoqueparaaglriadesuaprpriacoroaeparaasadeebem-estardeseusreinos,que, como sua alteza devia concordar, [] os motivos acima mencionadostornavamevidentesefavorveis,eleconsentissenocasamentocomoprncipedeArago, rei da Siclia. Isabel mencionou que ela e seus conselheiros tinhamconsultado a maior parte dos nobres e prelados de Castela, e estes haviamrespondido que se casar com o rei de Portugal demodo algum redundaria embenefciopara seus reinos. []Mas todos elogiaram e aprovaramo casamentocomoprncipedeArago,reidaSiclia.

    Prevendoumdesastre,Henriqueconcluiudepressa seusnegciosno sul ecorreuparaonorte,paraValladolid,comseuexrcito.OconselheirodeIsabel,Carillo, despachou mensageiros para Arago com pedidos urgentes para queFernando encontrasse sua nova esposa antes que Henrique pudesse intervir.Emboraoprncipeestivesseindubitavelmentepreocupado,liderandoumexrcitonaguerracontraaFrana,omensageiroinformou-odeque,seelequisesseIsabelcomoesposa,eramelhorseapressar,jqueHenriqueestavamarchandocomseuexrcitoparacaptur-la.Semperdadetempo,FernandocolocouemmarchaumplanoparaenganarosespiesqueeletinhacertezadequeHenriqueempregara.Com grande publicidade, partiu de Saragoa, no para oeste, em direo aCastela,masparaoleste,eda,secretamente,voltouesedirigiupelasventosasmontanhas at Castela. Ele sabia que Henrique teria espies e patrulhasesquadrinhandoasfronteiras,masapostouqueoreideCastela jamais esperariaqueoprncipedeAragoereidaSicliaviajassesemumsquitoreal.Planejouesgueirar-sepelafronteirademaneiramuitopoucomajestosa.Adignidadequesedanasse. Fernando sabia que sua nica chance de se casar com a herdeira dotrono de Castela estava em evitar a captura, ou evitar ser assassinado pelosagentesdeHenrique.Viajandocomumpequenogrupodeservidores e guarda-

  • costas disfarados como mascates, ele representou o papel de almocreveesfarrapado,executandotarefasparaseuspatresecuidandodasmulasedoscavalosdogruponoite.Umobservadoratentonotariaqueohumildealmocrevetinha sua comida especialmente preparada e provada antes de ele comer, paraprevenirtentativasdeenvenenamento.DepoisqueessebandorsticoatravessouCastela oriental, foi recebido por cerca de duzentos cavaleiros armados eprotegidos com armaduras, leais a Carillo e a Isabel, que com dilignciaescoltaram o grupo noite, pelas plancies, at a cidade de Duenas, perto deValladolid.

    Nanoitede12ou14deoutubrode1469,Carillo,ocasamenteiro,conduziuFernando, de dezessete anos, para o primeiro encontro com sua noiva, dedezoito. Por um momento, os adolescentes ficaram num silncio aturdidoenquanto se observavam com aprovao. Um cronista insistiu que eles seapaixonaram primeira vista e por que no? Numa poca em que oscasamentos reais eram consumados por interesses polticos, e no porcompatibilidade ou paixo, ser levada presena do noivo pela primeira vez,sabendo queele atendia a todas as prosaicas qualificaes para o casamento enodescobrir um velho parlapato ou um indivduo frvolo, mas um parceiroatraente,damesmaidade,inteligente,encantadoredotadodebomsenso,pareciaumabno. O cronista Afonso de Palencia escreveu: Naquele encontro, apresena do arcebispo refreou o impulso amoroso dos amantes, cujos coraesfortesseencheramcomaalegriaeadelciadomatrimnio.Naquelanoite,elesficaramnoivos formalmente e, entusiasmados,marcaramo casamento para umfuturoprximo.

    Em 18 de outubro, Fernando entrou com grande pompa em Valladolid,acompanhado por uma guarda de honra de trinta pessoas.Cavalgou pelas ruasrepletas de observadores at o palcio de um dos nobres locais, onde ascerimnias civis foram realizadas com grande solenidade diante de 2 milespectadores.Muitos dos que eram neutros ou at hostis ao casamento foramsimplesmente testemunhar a cerimnia, inclusive a apresentao da bula papalautorizandoo enlace, eopronunciamentooficial dasCapitulaes, que tinhamsidoassinadashaviaquaseumano.Ascerimniasreligiosastiveramlugarnodiaseguinte, e, embora alguns fossem contrrios e exibissem tristeza e raiva, amaioria apreciou a celebrao. Depois vieram as danas, as festas e ascostumeirascompetiesdejustasantesqueIsabeleFernandoseretirassempara

  • oquarto,masnoparaaprivacidadequeelesdesejavam:aconsumao de umcasamento real na Espanha medieval era um assunto pblico, para alm dointeresse pessoal. Reunidas do lado de fora do aposento estavam inmerastestemunhas esperando a comprovao de que o casamento havia sidoconsumado e de que Isabel era realmente virgem. Depois de algum tempo,Fernando abriu a porta e exibiu um lenol ensanguentado como prova. Osmensageiros, agitados, mandaram que trombetas, tambores e outrosinstrumentosfossemtocados,enquantomostravamolenolatodosqueestavamesperando.Acelebraodurouumasemana.

    Menosromanticamente,escreveJohnEdwardsemTheSpainof thecatholicmonarchs(AEspanhadosreiscatlicos),deve-seteremmentequeocasalnosetinhavistoantesedeveriasecasarcontraodesejodoreideCastela, semumaadequada permisso cannica e numprazomuito curto.Nessas circunstncias,eramuitopoucoprovvelqueopovodeValladolidtivesseaoportunidadededarqualquergrandedemonstraodealegria.Muitascidadescastelhanas,deacordocomoshistoriadoresdacorte,seguiramemcomemorao,compessoascantandoFlores de Aragn dentro em Castilla son (Flores de Arago esto em Castela),enquanto outras cidades permaneceram neutras, e um pequeno nmeromanifestouprotestos.Asnotciasnoforamrecebidascomentusiasmoemtodososlugares,talvezdominadospelomedodeumanovaguerracivil.OreiAfonso vdePortugal,queentopreparavasuaprpriaviagemaCastelaparasecasarcomIsabel,ficouchocadoehumilhado.DeacordocomJohnEdwards,ofracassodesuastentativasdeuaoreiportugusmotivoparadesenvolverumrancorpessoalemrelaorainhaIsabel,muitoantesdadiscutidaascensodestaaotronodeCastela.

    Parabotarguafrianafervura,Isabel,comoconvinha,escreveuaHenrique,informando-odocasamentoelisonjeando-o:Muialtoemuidistintoprncipeerei,meusenhor,comeavaela.Anovanoivareferia-seasieaseunovomaridocomofiisirmosmaisnovosefilhosobedientesqueestavamtrabalhandoparaaumentar a harmonia e a paz de Castela. Isabel admitia que deveria teresperadoatobteroconsentimentodesuaaltezaeosvotoseconselhosdetodosos prelados e grandes homens de todos esses reinos.Mas, apelava, se fossenecessrioesperaraconcordnciaeoconsentimento, issoseriamuitodifcildeobter, ou ento se passaria tanto tempo que, nesses reinos, grandes perigossurgiriamporausnciadefilhosparacontinuarasucesso.

  • A carta, com suas brandas linhas sinuosas em torno de questesimportantes, menos um derramamento sincero de contrio do que umadesculpafingida por motivos fingidos. Isabel nunca recebeu uma resposta deHenrique. Nos meses seguintes, nem Isabel nem Fernando foram chamados corte de Castela, suportando um silncio ptreo. Durante esse tempo, o reimanobrouabertamente,maisumavez,paradeserd-la.Menosdeumanodepoisdo casamento, e umms depois do nascimento da filha de Isabel e Fernando,Henrique no surpreendeu ningum ao encenar uma cerimnia formal na qualoficialmentedeclaravaocasamentoinvlidodeacordocomaleipapal.Portanto,alegava, ele no tinha outra escolha a no ser deserdar Isabel da sucesso,anulandooacordoassinadoemTorosdeGuisando.Henriqueproduziu,emseufavor, umanovabulapapal denunciando aprimeira como falsa (que real menteerafalsa,poisforaobtidaspressasporCarilloepeloreiJoodeArago, porqueasolicitaoformaldedispensaforarecusada,eelessabiamqueadevotaIsabeljamais se casaria sem o consentimento do papa). Alm disso,HenriqueargumentavaqueocasamentodeIsabeleranuloporqueelatinhase casadosema sua anuncia, violando os termos do acordo de Toros de Guisando. Eleapresentou uma dispensa assinada pelo papa Paulo ii, liberando-o de todas aspromessasque fizeraa Isabel emdecorrnciadoacordo.Depoisdisso,obrigouseusseguidoresajurarfidelidadeaJoana,LaBeltraneja.

    Mais uma vez, La Beltraneja, de nove anos, seria a herdeira de Castela,segundoHenrique.Adeclaraofoientusiasticamenteendossadapelotiodela, ocunhadodeHenrique,oreiAfonsovdePortugal.Henriqueentonegociou,emmeadosdeoutubrode1470,umcontratodecasamentoparaJoanacomoduquede Berry, o enfermio irmo do rei da Frana, que Isabel havia recusado. Emtroca,oreifrancsprometeuauxliomilitaraHenriqueparadefenderostermosdo contrato; pressupunha-se que, ao renegar os itens acordados em Toros deGuisando,oreideCastelairiareacenderaguerracivilemseureino.Defato,logodepoisdaproclamaodeHenrique,irromperamrebeliesemalgumasregiesecidades,assimcomonumerosasdeclaraesdeneutralidade, que resultaramemdesordens no comrcio e diminuio na muito necessria renda oriunda dosimpostos que mantinham solvente o governo de Castela e sua economia emfuncionamento.

    Mesmo algunsdos conselheiros demaior confiana deHenriquepareciampouco inclinados a seguirosdelrios fantasiososditadospelos caprichosdorei,

  • enquanto Castela caa num caos ainda maior. Miguel Lucas de Iranzo, ocondestvel de Castela e um dos amigos de infncia de Henrique, ficou todesgostoso comaoscilaodo rei quanto sucessoque enviouuma carta aoduquedeBerryaconselhandoonobrefrancsanosecasarcomLaBeltraneja:AprincesaJoanaafilhadaadlterarainhadonaJoana,alegavaele,emrazodaimpotnciadoreidomHenriqueedaperversidadequearainhadona Joanacometera comomarido. Lucas de Iranzo conclua seu conselho ao duque deBerrydizendoqueoverdadeirosucessoraoreinoeraIsabel.Nosmesesfinaisde1470,aprpriaIsabelreagiucontraHenriquecomasprevisveisalegaesarespeito da paternidade de Joana.Alm disso, ela argumentou que o papa notinha o direito de interferir nos juramentos que os nobres haviam feito no anoanterioremTorosdeGuisando.Tudopareciaumaretaliaoaosargumentosquetinhamsido trocadospelo reino tododurante anos.Facespolticasmais umavezcomearamatraarsuaslinhas,eosnobres,cansadosda guerraemCastela,seprepararamparaoutrarodadadelutasinternas,guerraecaoscivil.

    OpoderdeHenriquedeimporsuavontadesobreCastelafoiobstadopelafaltade apoiomilitar, especialmentequandoosprometidos soldadosdaFrananuncachegaram.OduquedeBerryvoltouatrsemrelaoaocasamentocomJoana,umavezqueasimplicaespolticasficaramclarasparaele.Nooutonode1471,HenriquesoubequeoduquedeBerrytinhaficadonoivodafilhadoduqueda Borgonha. Alm disso, o aliado deHenrique no Vaticano, o papa Paulo ii,morrera no vero de 1471, e o novo papa, Sistoiv, ao contrrio do pontficeanterior, no apoiava Henrique em Castela. O interesse geral de Sisto nosnegcioscastelhanoserabastante limitado.NancyRubinobserva,emIsabella ofCastile,que,emvezdeencararojovemcasalcomoobstculopazcastelhana,Sistoiv o via comouma soluopara o caos quedominariaCastela depois damortedeHenrique.Sobatuteladeseuconselheiroemnegcioscastelhanos,ocardealevice-chancelerRodrigoBrgia,Sistologopublicouumabula,hmuitotempo adiada, que oficialmente sancionava o casamento de Isabel e FernandoaosolhosdaIgrejaumatoquefortaleceumuitoaposiomoraldelescontraHenrique,emCastela,eenraiveceuoreiAfonsov,emPortugal.

    RodrigoBrgiasaiudeRomaechegouaoportodeValncia,emArago,emjunho de 1472, levando importantes documentos e pronunciamentos. Belo,refinado e carismtico, o cardeal era descendente da nobreza local deArago.Depois de ter sido nomeado delegado do papa responsvel pelos negcios

  • espanhis, elevoltava sua terranatal apsmuitos anosemRoma.Duranteoano seguinte, Rodrigo percorreu Castela e Arago dando demonstraes deriqueza, oferecendo banquetes opulentos e orquestrando procisses grandiosaspelascidades, enquantodistribuanomeaesa seusparentesepartidrios.Eletrabalhou pela paz na pennsula Ibrica e incentivou o apoiopara uma novacruzadaafimdeexpulsarosturcosotomanosdaEuropa.Segundoesperava,issorenovariatambmointeressecastelhano,queseencontravaenfraquecidosobogoverno de Henrique, por atacar o ltimo reino mouro ibrico que restara:Granada.

    Depois de se encontrar comFernando emValncia, RodrigoBrgia ficouimpressionadocomacompetnciaeacondutadojovem,assimcomotambmseadmirou com Isabel, ao conhec-la mais tarde, no mesmo ano. Sua missoprincipal, no entanto, era garantir a paz emArago e Castela e enfraquecer ointeresse portugus pelo trono castelhano. S com a paz essas duas naespoderiamdedicarsuaatenoaderrotarosinfiis.Brgiasecretamenteprometeuganhar o trono de Castela para os jovens Fernando e Isabel e trabalhouparafortalecer alianas em favor deles, aceitando em troca vrias propriedadesaragonesaspeloseuapoio.Obrandocardeal,combenevolncia,ataceitou serpadrinho da filha de um ano de Isabel e Fernando, tambm chamada Isabel .Durante suas viagens, ele se recusou terminantemente a conhecer amulher deHenrique,arainhaJoana,ousuafilha,Joana,LaBeltraneja,erejeitouseuapoioamais uma das interminveis maquinaes matrimoniais de Henrique para amenina.

    OreiJooiideArago,opaiidosodeFernando,tambmtinhaacabadodearranjarocasamentoentreseufilhoilegtimo,maspoderoso,eafilhadeumdosinfluentespartidriosdeHenrique, que emconsequnciadissomudoude lado.Porvoltadamesmapoca,Fernandoliderouumaforadearagonesescom7milhomensna infantariae1,3milnacavalariacontraumafora invasorafrancesa,emummaravilhosotriunfoquepsfimpressomilitarfrancesasobreAragoe transformou Fernando em heri nacional. Depois da rendio, seu paireconheceupublicamenteo jovemguerreiro e falou: Sorte tenho eu, depoderdizerquesoupaideminhaliberdadeedolibertadordomeupas.Aoverseusinimigos ganhando fora e seu prprio apoio se fragilizando, Henrique se deucontadequenohaviaesperanasdeexpulsarIsabeleFernandodapolticadeCastela.ChamouIsabelaSegviaparaumareconciliaoemdezembrode1473.

  • Ocontrasteentreosdoismeios-irmoseraflagrante.Agoracom49anos,oreiexibiaumapalidezdoentia,enquantoIsabel,com22anos,estavanaflordajuventude.Elescompareciamafestasecomemoraespblicasjuntose,umdia,que ficouamplamente registrado, sarampelas ruaspolvilhadasdeneve recm-cada, Isabel montada em um cavalo branco e Henrique ao ladodela, a p,segurandoasrdeas.NodiadeAno-Novo,IsabelchamouFernando parajuntar-seaeles;Fernandosemantiveraespreita,nasredondezas,parao casodehaveralgumatraiocontrasuaesposa.Masostrsagoraeramamigos,desfrutandoocompanheirismoeaharmonia;percorriamascidadesvizinhas,passeavampelocampoe jantavam juntosdiariamente.Oscronistasdacorteeramefusivos:Oprncipedanounapresenado rei, enodemorariamuitopara sedizer comoeste ltimo se alegrou com isso.O rei no poderia estarmais satisfeito comoprncipe. Mas os trs governantes jamais chegaram a qualquer acordo formalquantosucesso.

    Depoisdeumalmoofestivo,comHenriquecabeceiradamesa,IsabeldeumladoeFernandodeoutro,oreigritoudedor.Elepressionouopeitoecaiuaocho.Amsicaparouimediatamente,eospresenteslevantaram-se,incertos.Nosilncio aturdido, os criados deHenrique levaram-no correndopara seu quartoreal. Os mdicos foram chamados, enquanto Fernando e Isabel rezavampublicamentepelarecuperaodorei.Masnoconseguiramsefurtaraoboatodeenvenenamentoqueseespalhounopalcio.Osdoisnotinham interesseemverHenrique morto? No estavam em posio ideal para remover esse obstculofinal sua coroao? Durante meses Henrique permaneceuacamado e fracodemaisparaarcarcomqualquerresponsabilidade;eelejamaisrecuperoupartedesuas foras naturais. Sua estrutura, antes robusta, comeou a decair, porquevomitavaosalimentoseasbebidas,esuaurinasaamanchadadesangue.

    Enquantoo rei suportavaoqueoshistoriadores acreditamseros estgiosfinaisdeumadoenaintestinal,diversastentativasfracassadasforamfeitasparareconcili-locomIsabel.Eleficoumaisfraco,cadavezmaisisoladodafamlia,atquepereceuemmeioasangueemuitaagoniaem12dedezembrode1474,sem nomear oficialmente um herdeiro. Um mensageiro leal imediatamenteencilhouumcavaloecavalgouanoiteinteiraatSegvia,ondeIsabel mantinhauma pequena corte, para informar a princesa de que seu meio-irmo haviamorrido.Isabelsemobilizoudepressa.DepoisdecorreraMadri,paraparticipardoserviofnebre,quefoiconduzidosemapompausualmenteconcedidaaos

  • grandes prncipes, elamudou de roupa e apareceu na frente da igreja de SoMiguel, em uma ampla plataforma, enfeitada com joias evestida de trajesdourados.Enquantoelapermaneciadep,esplndidaemajestosamenteexpostamultidoreunidanapraaprincipal,trombetasressoaram,tamborestocaram,earautosdeclararam-naanovarainhadeCastela.TambmproclamaramFernando,que estava em Arago no momento, seu legtimo marido. Montada numgigantesco cavalo envolvido em belos tecidos coloridos e ornamentado debordados, Isabel seguiu pelas ruas de Segvia. O cronista Afonso de Palenciaobservouqueaprocissoeraguiadaporumcavaleiroqueseguravanoaltoumaespada, smbolo da realeza, para que pudesse ser vistapor todos, at osmaisdistantes, e a fim de que soubessem que ela, que tinha o poder de punir osculpadoscomautoridadereal,seaproximava.

    Isabelagoraerarainha,eFernandooseurei,numamanobraaudaciosaqueenfureceria a muitos. Foi uma jogada necessria, e ela e seus conselheirosdecidiram reivindicar o trono antes que La Beltraneja e seus partidrios ofizessem.Mesmoassim,nohaveriapazparaoambiciosocasalreal.

    Em1474,enquantoacoroaodalindanovarainhadeCastelaerasaudadacomentusiasmopelamaioria, e comapoio reticenteouneutralidadeporoutros,umpequenogrupodenobresesuascidadesefortalezaspreparavam-separaperdermuitoseareivindicaodelasuplantasseadeJoana,LaBeltraneja.AfonsovdePortugal eraomais agitado,porque issoo colocavanumdilema entre desejo eobrigao. Imediatamenteele foi acusadodeprotegeredefender os direitos desuairmmaisnova,avivadeHenrique,edesuasobrinha,LaBeltraneja,parapreservarahonradafamlia.

    AfonsoaindaestavaenfurecidocomahumilhaoporpartedeIsabeleseumaridoFernando.Aomesmotempo,obrigarosinsultuososeenraivecidos nobresdeCastelaaajoelharem-seanteasuaautoridadeeraumatentaoqueeleachavadifcildeixarpassar.TomarotronodeCastela,ostensivamente, paraobenefcioejustareivindicaodesuasobrinhanarealidade,paraelemesmo,juntocomumaheranadeprestgioemuitovaliosaparatransmitiraseufilhoeherdeiro,oprncipeJootambmfariadeAfonsoofundadordeumadinastiapoderosa:eleedepoisJooseriammonarcasdomaiorreinodacristandade.Afonsoestavaficando rico com suas recentes viagens patrocinadas pela coroa para o sul, aolongodaCostadoOuro,nafrica,paraalmdaSerraLeoa,ondeumcomrcio

  • de ouro e escravos tinha se desenvolvido; alm disso, o prestgio poltico iriacomplementar perfeio sua nova riqueza. Seduzido pelo canto de sereia dopoder e do prestgio, Afonso, com 46 anos, resolveu deixar de lado o tnuepretextodedefenderahonradafamliaeconsolidarsuareivindicaoaotronocasando-se,elemesmo,comLaBeltraneja,entocomtrezeanos.

    John Edwards escreve emThe Spain of the catholic monarchs que o conflitodecorrente,queviriaaocupargrandepartedosprimeiroscincoanosdoreinadoconjunto de Fernando e Isabel em Castela, compartilhou tanto do rancorparticularquantodopotencialdereconciliaosbitaquesocaractersticosdasbrigas de famlia. Com um casamento com La Beltraneja e uma subsequenteconquistadeCastela,Afonsopoderiadeumasvezapagaramanchanahonradafamlia,obterpodereriquezaparaeleprprioeparaJoo,lanarasfundaesde um imprio em expanso e punir seus inimigos. Elecomeou a negociarsecretamentecomoreidaFrana,Lusxi,paracoordenarsuaentradaemCastelacom uma invaso francesa vinda do norte. E enviouum ultimato a Isabel eFernando,afirmando:Sabe-sebemqueminhasobrinhafilhadoreiHenriquee,comoherdeira legtima, temdireito ao ttulo de rainhadeCastela.A respostaconjunta do casal real foi que os partidrios castelhanos da causa de Afonsoincluam muitos dos mesmos indivduos que antes haviam jurado que LaBeltranejaera ilegtima, emrazodaprovada impotnciadeHenrique, equegostariamdesabercomoelesdescobriramqueessasenhoranoeraaherdeiradedireitonapoca,[]eagoraachamqueelao.Afonsovnoesperava,defato,umacapitulao.

    Isabel eFernando ficaramchocados coma rapidezda invasodeAfonso.Elesmal tinhamcomeadoacomplicadatarefadeuniroreino,alternadamentepunindoeaplacandonobresdesobedientese impondoa justiareal,depoisdosanos tormentosos que levaram morte de Henrique. Na primavera de 1475,AfonsoeJootinhamequipadoumpoderosoexrcitoportugus,compostopor14milsoldadosdeinfantariae5,5mildecavalaria,apoiadosporenge nheirosdecercodaLombardia.Almdisso,AfonsocunhoumoedascomaimagemdesuacabeaeottuloreideCastela,ecomeouumacampanhapblicaqueincluadistribuio generosa de presentes, enquanto seus agentes tentavam convencercavaleiroscastelhanos insatisfeitosoudesleaisadefender a reivindicaodeLaBeltranejacoroa.Seusescribasproduziramcpiasdeumdocumento,levadoaCastela e publicamente distribudo em cidades ealdeias ocidentais, alegando,

  • ousadamente,queIsabeleFernandotinhamenvenenado Henriqueeseapossadoilegalmentedotrono.Em12demaio,depoisdeseu exrcitomarchardePortugalaCastela,diversascidadescontroladaspornobres simpticoscausaportuguesaabriramseusportesparaosinvasores.UmadelasfoiacidadedePlasencia,ondeAfonsoseencontroucomasobrinha,LaBeltraneja,eseustutorescastelhanos,eondeosdoisnoivaramnaantigacatedral,napraadacidade.Ocasamentodeverdade e a consumao foram adiados, dependendo da chegada da exigidadispensa papal para o casamento.Mesmo assim, La Beltraneja foi declaradarainhadeCastela.Agorahaviaduasrainhas.

    medida que o exrcito portugus penetrava em Castela, ocupandodiversas fortalezas e cidades, Fernando e Isabel iam de cidade em cidade,equipandospressasseuprprioexrcitoelevantandorecursosparaadefesadoreino.Faziamdiscursosparalevantaromoralepatrocinavamtorneiosparaaliciarguerreiros.EnquantoIsabelviajavaparavila,atensodoconflito,aincerteza eapreocupaocomomaridofinalmenteatomaram.Elamalconseguiaescondersua raiva e o ressentimento com a invaso promovida por Afonso; ela estavagrvida,mas,comocoraoraivoso,rangendoosdentesedepunhoscerrados ,abortouumfetomasculino,umpotencialherdeiroao trono.OcronistaAfonsodePalencia lembrouque a atormentada rainha sofrera grande emoo comaperda do filho que ela e Fernando tanto desejavam, um filho que teria trazidomaiorapoiopolticoaoreinodosdois.ElesjogaramaculpadessaterrvelperdaemAfonsoeseuambiciosofilhoJoo,eemjulhotinhamconseguidolevantar umtemvelexrcitodequase42mil soldados, incluindo8mildecavalariae 4milcavaleiroscomarmaduras.

    Sob muitos aspectos, o exrcito deles era uma ral indisciplinada,consistindo em nobres locais invejosos, desorganizados e mal providos, comgrande nmero de soldados a p, camponeses que no eram treinados e, emalgunscasos, encontravam-se desarmados. O contingente foi reunido torapidamentequeoexrcitonotinhacoesointerna,eseuslderesbrigavameserecusavama se submeter s ordens.Fernando, criticamente, tambmno tinhanenhumamaquinaria de stio.medida que suas hostes, imensas,mas frgeis,enveredarampelorioDouroparafazerfacesforasportuguesas,Fernandodeveterprevistoopossvelresultado.Elefezseuprimeirotestamento,alegandoque,semorresse,suasepulturaseriaamesmadeIsabel.Comoestivemosjuntosporcasamentoeamorsingularemvida,diziaele,quenosejamosseparadospela

  • morte.AplebesearrumoudiantedafortalezadeToro,em19dejulho,exaustae

    cobertadepoeira.Afonsocontentou-seemdeix-losespera,abaixodesuasmuralhas, sob sol escaldante, recusando-se a sair de seu lugar, sabendo quefaltava a Fernando maquinaria de cerco e, portanto, que ele no conseguiriatransporasmuralhasdafortaleza.FernandoexigiuumduelopessoalcomAfonso,masdeparoucomadiamentosevasivos.Enquantoisso,ossuprimentosdeguaecomida diminuam, e, vendo que no havia jeito de penetrar na fortaleza,Fernando,comrelutncia,ordenouumaretirada.Omoralestavabaixo,porcausado calor opressivo, das brigas internas e da aparente desesperanada situao.Muitos soldados causaramdestruio em seusprprios campos ao se retirar deToro.

    Isabel,agoraumamulheragudamenteinteligenteereligiosamentedevotade24 anos, que dera luz duas crianas saudveis e umamorta, sentia que essaretirada diante dos portugueses invasores era uma humilhao que ela malconseguia enfrentar.QuandoFernandovoltou, elao repreendeupeladerrota, eeles brigaram. Com cavaleiros to bons, tais cavalos e equipamento e essainfantaria,quelutaseriaperigosaosuficientepararoubardoexrcitoaousadiaeaaoquenormalmentecrescememmuitoscoraes?Sevoctivesseforado afortaleza at ela abrir, e no duvido que voc o conseguisse, se tivesseminhavontade, Portugal e sua soberania estariam perdidos na memria. De acordocomocronistaJulioPuyol,Fernandorespondeuacaloradamente:Acheiqueaovoltarderrotadoiriaencontrarpalavrasdeconsoloeencorajamentovindasdesuaboca,mas voc se queixa porque voltamos inteiros e sem ter perdido a glria.Bom, certamente vamos ter uma pesada tarefa para satisfaz-la daqui emdiante!.

    Mudandodettica,FernandomandousuacavalariaparaPortugalafimdedestruir as plantaes, como vingana pela humilhao em Toro. A guerra seintensificouquandoopaideFernandoenviousoldadosaragonesesparaatacarasterrasorientaisdeCastela,pertencentesaalgunsnobresquetinhamsebandeadopara Portugal, enquanto as frotas das duas naes saram para pilhar asmercadorias uma da outra. Isabel deu licena a corsrios para que seaventurassemparaosul,noAtlntico,comofitodeatacarnaviosportuguesesqueestivessem vindo dafrica, numa tentativa de interromper o comrcio deouroedeescravosqueestavaenriquecendoPortugal.Afonsoseinstalouemsua

  • fortalezaemToroeenvioumilharesdeseussoldadosparacasa,afimdeajudaradefenderaregiodafronteira.Orestantedesuaforadeinvasoestavadisperso,ocupandonumerosascidadesefortalezasnooestedeCastela.

    Amedrontadopelosrelatosdeaumentodashostilidadesedesanimadopeloapoiopoucoentusiasmadoquerecebiadanobrezacastelhana,AfonsopropsumacordodepaznoqualelerenunciariasuareivindicaoaotronodeCastelaemtroca da soberania de determinadas regies da Castela ocidental que faziamfronteira com seu reino. Isabel, furiosa, recusou a oferta, alegando que nocederiasequerumatorredoreinodeCastelaaotraioeiroAfonsoouaJoo.Afim de continuar a guerra, ela tomou emprestada umafortuna em baixelas deouroeprata,depropriedadedaIgreja,comapromessadepagaradvidaemtrsanos.Comosnovosrecursos,IsabeleFernandolanaramumagrandecampanhapara contratar, treinar e equipar soldados ecriar um exrcito maisprofissionalizado.OpaideFernandotambmenviouumdeseusestrategistasegeneraldemaiorconfiana,omeio-irmodeFernando,AlonsodeArago,ummestre nas artes da guerra. Em novembro, Alonso j ajudava a projetar econstruir a maquinaria de cerco para quebrar as fortificaes de Afonsov emToro.

    Amarvirou, e, em janeirode1476, as forasdeFernando recapturaramduas fortalezas estratgicas: Burgos e Zamora. Vendo sua rota de escape deCastelafechada,AfonsoenviouumamensagemaJooparacorreremseuauxliocomoutroexrcitoportugus.Achegadaiminentedessanovaforaportuguesa,liderada por Joo, botou em marcha eventos que levaram inexoravelmente BatalhadoToro,oajustedecontasfinalentreasduasfacesemlutapelotronocastelhano.Dura