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Directora: Beatriz Isaac | Directores-adjuntos: Emanuel Monteiro | Joana Portugal
© Jean-Philippe Ksiazek/AFP/Getty Images
Edição Especial: 40 anos da Revolução dos Cravos
A inquietação em busca de mudança: Uma cuidada análise da actualidade venezuelana
Págs. 7-11
Reportagem Fotográfica: Portugueses pelo Mundo | Memórias de um 25 de Abril Relatos de vivências da Revolução nas Colónias
Págs. 19-25
Grande Entrevista: Jorge Fazenda Loureço e
Jorge Vaz de Carvalho
contam-nos como foi o
seu 25 de Abril
Págs. 12-18
O 25 de Abril e o Cinema Português: Que mudanças trouxe a
liberdade à produção cine-
matográfica
Págs. 29-30
A Revolução tam-bém de faz a rir: Um desabafo que relem-
bra a importância do hu-
mor na revolução social
Pág. 36
EDITORIAL
As Revoluções e a Mudança
Naquela que e a sua 14ª
ediça o, o jornal O Acadé mico,
talvez por influe ncia do ambi-
ente revoluciona rio das come-
moraço es de Abril, deu uma
volta de 360 graus. Ressurge
hoje com imagem e nome re-
novados, que esperemos que
passem pelo crivo dos nossos
leitores.
Assim, Pontiví gula sera , da-
qui em diante, o nome deste
nosso jornal. Perguntar-se-a o,
certamente, de onde surgiu
esta invulgar designaça o, ao
que respondo, dos valores a
que associamos este meio de
comunicaça o.
Pontivírgula é, então, além
de um trocadilho que se pre-
tende que seja sonante, um
sí mbolo de ponderaça o e re-
flexa o, porquanto se encontra
a meio caminho entre o ponto
final e a ví rgula. Ale m do mais,
procura-se tambe m que re-
presente a vontade de trans-
mitir informaça o precisa e cla-
ra que na o impeça, contudo, a
livre interpretaça o do leitor,
assumindo-se como um espa-
ço pu blico. Por u ltimo, Ponti-
vírgula simboliza a atenção
particular a imparcialidade, e
a aproximaça o, tanto quanto
possí vel, a objectividade, sen-
do que procuraremos sempre
apresentar todos os lados da
questa o.
O Pontiví rgula dinamizou
tambe m a sua pa gina de Facé-
book onde partilha diariamen-
te com os seus leitores notí -
cias de va rios meios de comu-
nicaça o. Para estar sempre
informado basta aceder a este
link e colocar gosto, no canto
superior direito.
Deixando a nossa mudança
de parte, e agora tempo de fa-
lar sobre a Revoluça o de 25 de
Abril de 1974 que celebra hoje
40 anos. Como na o podia dei-
xar de ser, e este o grande te-
ma da presente ediça o onde
esta o presentes relatos pesso-
ais de quem a viveu, reflexo es
sobre as mudanças que trouxe
e as promessas faltam cum-
prir.
De facto, a Revoluça o de 25
de Abril e um dos mais impor-
tantes marcos da Histo ria de
Portugal que trouxe, indubita-
velmente, o nascer de uma no-
va aurora. Com algumas pe-
dras pelo caminho, e certo,
mas as suas conquistas sa o
bem maiores que as suas der-
rotas. Creio que, para no s, re-
dactores do Pontiví rgula, bem
como para todos os outros jor-
nalistas, esta revoluça o se
mostra especialmente admira -
vel contanto sem Liberdade
na o existe Democracia, e sem
Democracia na o existe Jorna-
lismo, mas apenas publicida-
de.
Termino, enfim, saudando
todos aqueles que lutaram, e
lutam, aqui ou por esse mundo
fora, pela justiça e liberdade, e
esperando que este projecto
venha tambe m a ser um con-
tributo nesta luta sem fim
pois, como disse um dia N.H.
Kleinbaum “No matter what
people tell you, words and
ideas can change the world”.
Beatriz Isaac
Pág
. 2
Directora:
Beatriz Isaac
Directores-Adjuntos:
Emanuel Monteiro
Joana Portugal
Redacção:
Ana Cla udia Rodrigues
Ana Machado
Da rio Moreira
Ine s Correia
Joa o Gonçalo Simo es
Jose Paiva
Mariana Rodrigues
Patrí cia Fernandes
Sara Pla cido Po
ntiví
gula
| N
º14 F
icha T
écn
ica
Edição de Março
MUNDO UNIVERSITÁRIO Pág
. 3
Décima Quarta Edição
Todos no s sabemos que a
FCH anda a par e passo do
“Valor para Sempre”. Mas ja
paraste para pensar em quem
esta por tra s desta nossa mar-
ca? De todos os eventos, acti-
vidades, Facebook, site… tanta
coisa que na o da para enume-
rar.
Elas sa o homo nimas e e
com um sorriso que as vemos
todos os dias. A Dr.ª Ine s Rom-
ba e a Dr.ª Ine s Carra o sa o as
responsa veis pelo Gabinete de
Marketing e Comunicaça o da
Faculdade de Cie ncias Huma-
nas. Raramente esta o para-
das, e quando esta o os seus
dedos esta o ocupados ou no
computador, ou ao telefone,
sempre com simpatia e boa
disposiça o, tratando de assun-
tos da faculdade.
Para que serve este gabine-
te? – perguntas. E fa cil de per-
ceber e difí cil de executar: o
Gabinete de Marketing e Co-
municaça o e o serviço que tem
a responsabilidade sobre a co-
municaça o e imagem da insti-
tuiça o – quer interna quer ex-
ternamente. O principal objec-
tivo da actuaça o do Gabinete e
o reforço da visibilidade e do
prestí gio da Faculdade atrave s
da definiça o de uma estrate gia
concertada de comunicaça o.
A utilizaça o de uma linha
gra fica coerente e a sua cor-
recta aplicaça o em todos os
suportes nos quais se preten-
da veicular a imagem, interna
e externamente, e decisiva pa-
ra o reconhecimento da Facul-
dade, cuja actividade denuncia
responsabilidade e moderni-
dade. Assim, entre outras com-
pete ncias, o Gabinete de Mar-
keting e Comunicaça o apoia a
organizaça o e da a conhecer a
sociedade as atividades e os
assuntos de cara cter pu blico,
valorizando o seu papel no
meio em que se insere e a pos-
tura da sua intervença o social.
As “Ineses”, como muitas
vezes ouvimos, sa o um exce-
lente exemplo de um trabalho
a rduo que muitas vezes na o
recebe o seu cre dito no meio
estudantil. Tambe m a elas de-
vemos agradecer o valor para
sempre que transportamos e
que a Faculdade transmite.
Se ficaste interessado no
seu trabalho, acompanha al-
guns dos projectos que desen-
volvem acede a sua pa gina de
Facébook, clicando aqui.
Inês em dose dupla Quem está por trás do Gabinete de Comunicação da FCH
Miriam Andrade
Para que serve es-
te gabinete? – per-
guntas. É fácil de
perceber e difícil
de executar: o Ga-
binete de Marke-
ting e Comunica-
ção é o serviço
que tem a respon-
sabilidade sobre a
comunicação e
imagem da insti-
tuição
As “Ineses”, como
muitas vezes ou-
vimos, são um ex-
celente exemplo de
um trabalho árduo
que muitas vezes
não recebe o seu
crédito no meio
estudantil. Tam-
bém a elas deve-
mos agradecer o
valor para sempre
que transportamos
e que a Faculdade
transmite.
E de conhecimento geral
que no presente ano se cele-
bram os 40 anos daquilo que
foi a Revoluça o dos Cravos e e ,
ainda hoje, sí mbolo de uma
independe ncia (tardiamente)
conquistada.
O que talvez na o seja do co-
nhecimento dos alunos, funci-
ona rios e docentes da Faculda-
de de Cie ncias Humanas, e a
pano plia de festejos ao nosso
dispor.
O Jornal Pontiví rgula pro-
po e assim 25 maneiras de ce-
lebrar este marco histo rico.
1. Museu Nacional da Im-
prensa
A decorrer entre 28 de
Abril e 31 de Maio, no Porto, o
Museu contara com a presença
do corpo gerente da Associa-
ça o 25 de Abril, Vasco Louren-
ço, na sessa o de abertura e
com a exposiça o tempora ria
de peças jornalí sticas censura-
das por Oliveira Salazar.
2. Abril Esperanças Mil
Dia 30 de Abril a s 21 horas
na Sala do Senado da Assem-
bleia da Repu blica, em Lisboa,
sera apresentada a peça de
teatro Abril Esperanças Mil
pela companhia A Barraca.
3. Ciclo de Confere ncias
“Revoluça o e Democracia”
A Faculdade de Cie ncias So-
ciais e Humanas da Universi-
dade Nova de Lisboa esta a
promover, durante todo o ano
2014, um ciclo de confere ncias
com tema ticas variadas com
base na “Revoluça o e Demo-
cracia: 40 anos do 25 de
Abril”.
Para saber datas, oradores
e tema ticas de cada me s, pode
clique aqui.
4. Congresso “A Revolu-
ção de Abril”
Entre 21 e 24 de Abril, pode
inscrever-se gratuitamente no
congresso internacional a de-
correr no Teatro Nacional D.
Maria II em Lisboa. Tambe m
aqui ira o decorrer va rias con-
fere ncias, as quais ira o abor-
dar tema ticas sob a perspecti-
va histo ria e polí tica de Portu-
gal.
5. Manifestação em Coim-
bra
Coimbra celebra os 40 anos
atrave s de uma manifestaça o
popular a decorrer na Praça
da Repu blica com o tema “E
com Abril, por Abril, sempre!
40 anos”. Contara com a parti-
cipaça o de Pedro Mendonça,
concertos, peças de teatro e o
lançamento do livro “25 de
Abril em Coimbra” no Audito -
rio da Reitoria da Universida-
de de Coimbra.
6. Livros proibidos no re-
gime fascista
De 14 de Abril a 15 de Maio,
a Biblioteca Municipal de Es-
tremoz contara com uma mos-
tra de livros censurados por
Oliveira Salazar. Ale m disso,
sera o feitas comemoraço es
populares ao Regime de Cava-
laria 3 (RC3) atrave s duma
sessa o de poesia, um desfile e
outras actividades, as quais
pode consultar aqui.
7. Concerto
Ja a Ca mara Municipal de
Santiago do Cace m vai festejar
a Revoluça o dos Cravos com
um concerto da famosa banda
portuguesa Amor Electro, a
decorrer durante a noite de 24
de Abril no Parque Verde da
Quinta do Chafariz.
8. Comemorações no Ter-
reiro do Paço
Na noite de 24 de Abril po-
dera assistir a concertos de
duas dezenas de artistas por-
Ana Machado
ACTUALIDADE Pág
. 4
Edição de Março
Um só dia, 40 anos de História
tugueses, entre eles, Linda
Martini, Camane e JP Simo es,
os quais ira o terminar com
fogo-de-artifí cio e acordes da
mu sica Gra ndola, Vila Morena
de Zeca Afonso. Tambe m nes-
te espaço decorrera durante
toda a noite a projecça o de ví -
deos alusivos ao 25 de Abril,
em toda a fachada do Terreiro.
9. 40 anos, 40 Murais
Projecto desenvolvido pela
Associaça o Portuguesa de Arte
Urbana, o qual celebra os 40
anos pintando murais polí ti-
cos sobre a Revoluça o por to-
do o paí s. O primeiro encontra
-se ja em Lisboa, na zona de
Alca ntara.
10. Jantar Comemorativo
do 25 de Abril
A Associaça o 25 de Abril
esta a organizar um jantar co-
memorativo da Revoluça o na
Estuda Fria, no Parque Eduar-
do VII em Lisboa, a 24 de
Abril. Para quem se queira ins-
crever, pode faze -lo no evento
de Facebook criado pela Asso-
ciaça o, atrave s deste link.
11. Capitãs de Abril
Para aqueles que prefiram
ficar por casa, mas querem,
contudo, celebrar ou usufruir
desta data para conhecer mais
sobre a histo ria e cultura por-
tuguesas, aconselhamos a lei-
tura da nova obra de Ana Sofia
Fonseca. Jornalista e escritora
portuguesa, recolheu o teste-
munho de dez mulheres de
capita es de Abril, contando o
que foi a Revoluça o aos olhos
do feminino.
Para mais informaço es so-
bre o livro clique aqui.
12. 37ª Corrida da Liber-
dade
Pela 37ª vez consecutiva, a
Ca mara Municipal de Lisboa
esta a organizar uma corrida
dia 25 de abril, a começar as
10:30 na Praça dos Restaura-
dores.
13. Militares de Abril
Dia 24 de Abril tera lugar
na Capela do Rato, em Lisboa,
uma missa pelo sufra gio dos
militares, celebrada por D. Ja-
nua rio Torgal Ferreira, Bispo
Eme rito das Forças Armadas e
Segurança.
14. À Descoberta da Revo-
lução
A Antena2, juntamente com
o Teatro A Barraca, va o dina-
mizar um “Teatro de Rua” de-
dicado ao tema da Revoluça o.
15. Comemorações Popu-
lares
Dia 25 de Abril seremos to-
dos testemunhas (e alguns,
participantes) da manifesta-
ça o que ira do Marque s de
Pombal ate ao Rossio, como
gesto comemorativo da Revo-
luça o dos Cravos. Terminara
com a intervença o de um
“militar de abril”, no Rossio.
16. Inauguração da insta-
lação de 8 Girândolas de Luz
No Largo do Carmo, em Lis-
boa, sera o instaladas 8 gira n-
ACTUALIDADE Pág
. 5
© 40 anos 40 Murais
Décima Quarta Edição
dolas em honra das 8 reunio es
do “Movimento dos Capita es”.
17. O 25 de Abril 40 anos
depois
A Fundaça o Calouste Gul-
benkian esta a organizar uma
confere ncia para o pro ximo
dia 14, com a apresentaça o de
va rias sesso es sobre o 25 de
abril, abordando diferentes
tema ticas. A entrada e livre e o
programa pode ser encontra-
do aqui.
18. Cinemateca Portugue-
sa
Usufruindo de filmes docu-
mentais e ficcionais sobre o
Fascismo em Portugal, a Cine-
mateca Portuguesa procurou
reunir as melhores peças a
exibir a alunos de 3º ciclo e
ensino secunda rio. A progra-
maça o pode ser consultada
aqui.
19. 40 anos, 40 Histórias
do 25 de Abril
Peça de teatro sobre a His-
to ria de Portugal, promovida
pela Embaixada do Conheci-
mento, em Lisboa, a estrear ja
em Abril.
Ale m desta iniciativa, a Em-
baixada do Conhecimento esta
a fazer uma selecça o de poetas
contempora neos de forma a
realizar um A udio-Livro com
40 poemas. A interpretaça o
desses textos sera realizada
por Nuno Miguel Henriques,
famoso declamador da lí ngua
portuguesa.
20. Democracy and Revo-
lutions, 84 Anos de 69 de
Abril
Exposiça o inserida no pro-
jecto internacional Démocracy
and Révolutions. Terá início em
Abril e sera uma actividade
permanente da Junta de Fre-
guesia de Carnide, no Centro
Cultural.
21. 40 anos a construir
Abril - Seixal, terra de futuro
Para funciona rios, alunos e
docentes que habitem no Sei-
xal, ou que considerem perti-
nente o Programa organizado
pela Ca mara Municipal, tera o
oportunidade de assistir ao
concerto de Xutos&Pontape s,
famosa banda portuguesa,
bem como presenciar espeta -
culos em va rios Media, de ce-
lebraça o aos 40 anos.
22. 40 anos. 25 de Abril
uma aventura para a demo-
cracia
Tambe m na a rea do cinema
vemos explorado este tema,
atrave s de 7 filmes e 3 curtas-
metragens a serem exibidos
no Audito rio Carlos Paredes
em Lisboa. Segue a programa-
ça o neste link.
23. 40 Anos do 25 de Abril
na Fundação José Saramago
Entre os meses de Abril e
Maio, a Fundaça o Jose Sarama-
go preparou uma agenda re-
cheada de actividades cultu-
rais a serem realizadas no teor
da revoluça o. Para poder con-
sultar quais as actividades e
respectivas datas consulte o
seguinte link.
24. IndieLisboa
Durante a 11ª ediça o do In-
dieLisboa, a iniciar a 24 de
Abril, a Revoluça o sera cele-
brada com tre s filmes, sendo
eles «Les grandes ondes a
l'Ouest», de Lionel Baier, os
documenta rios «Outra forma
de luta», de Joa o Pinto Noguei-
ra, e «Mudar de vida», de Pe-
dro Fidalgo e Nelson Guerrei-
ro, com a participaça o do mu -
sico Jose Ma rio Branco.
25. Conferências na UCP
Como na o poderia deixar de
ser, a Universidade Cato lica
Portuguesa esta a organizar
confere ncias de teor cultural e
histo rico dentro do Campus
Palma de Cima. Estas ira o de-
correr durante o me s de Maio,
ainda com data a definir.
ACTUALIDADE Pág
. 6
Edição de Março
Com a crise da Ucra nia do
outro lado do globo, os Vene-
zuelanos queixam-se da falta
de apoio dos media internaci-
onais, naquilo que tem sido o
maior desassossego do paí s
nos u ltimos 12 anos. O que afi-
nal se passa na ta o longí nqua
Venezuela?
Uma tentativa de violaça o
de uma estudante universita -
ria na cidade venezuelana de
San Cristo bal foi a gota de
a gua para o iní cio dos protes-
tos estudantis. No dia 4 de Fe-
vereiro do presente ano, os
estudantes reuniram-se para
exigir ao governo um maior
controlo da segurança no paí s.
Como conseque ncia dos pro-
testos em San Cristo bal, va rios
estudantes foram presos, o
que provocou uma onda de
revolta em Caracas, a 12 de
Fevereiro. Terminado o pri-
meiro dia de manifestaça o na
capital Venezuelana, podiam
contar-se ja 3 mortes.
As exige ncias de Caracas
começaram por dirigir-se a
libertaça o dos jovens encarce-
rados, mas rapidamente se
disseminaram para outros
descontentamentos da popu-
laça o, sobretudo da classe me -
dia, segundo va rios ob-
servadores. Para ale m do au-
mento de segurança, os pro-
testos focaram a escassez de
bens de primeira necessidade,
desemprego elevado, aumento
descontrolado da inflaça o, bai-
xos ordenados, falta de liber-
dade de expressa o, corrupça o,
e um sentimento por parte da
classe me dia da existe ncia de
um regime ditatorial.
A Venezuela regista uma
das taxas mais altas de homicí -
dios anuais. Em 1999, ano em
que Hugo Cha vez chegou ao
poder, registavam-se 5 mil
mortes por ano, relacionadas
com viole ncia e falta de segu-
rança. No u ltimo ano de vida
de Cha vez, os valores subiram
para os 16 mil homicí dios, o
que equivale a 43 indiví duos
mortos por dia. Apo s um ano
de governo de Nico las Madu-
ro, em 2013 registou-se um
aumento para 67 homicí dios
por dia, num total de 24 700
homicí dios anuais, de acordo
com dados da organizaça o na o
-governamental Observato rio
Venezuelano de Viole ncia.
Nos u ltimos 12 meses o pa-
í s registou 57% de inflaça o,
segundo o Banco Central da
Venezuela (BCV). Produtos
como leite, farinha, açu car,
frango, azeite e papel higie ni-
co sa o de difí cil obtença o em
va rios pontos do paí s. Com a
u ltima desvalorizaça o do bolí -
var (moeda venezuelana), um
cidada o recebe em me dia um
ordenado de 63 do lares ame-
ricanos, ou 45.70 euros men-
sais, tornando a Venezuela o
paí s com o sala rio mais baixo
da Ame rica-Latina.
Os meios de comunicaça o
sa o controlados quase exclusi-
vamente pelo governo. Tendo
sido criados de raiz 25 canais
televisivos, 146 estaço es de
ra dio regionais e 17 jornais,
todos financiados pelo gover-
no outrora de Cha vez, hoje de
Maduro. O acesso a canais por
Irina Shev
ACTUALIDADE
Venezuela A inquietação em busca de mudança
As exigências de
Caracas começa-
ram por dirigir-se
à libertação dos
jovens encarcera-
dos, mas rapida-
mente se dissemi-
naram para outros
descontentamen-
tos da população
Pág
. 7
Décima Quarta Edição
cabo e muito limitado, e a in-
ternet carece de qualidade de
recepça o. Oscar Apablaza, jo-
vem Venezuelano de 29 anos
licenciado em Gesta o Industri-
al e Telecomunicaço es, em en-
trevista ao Pontiví rgula, afir-
mou que “para ale m de na o
haver meios de comunicaça o
privados, o serviço de internet
e pe ssimo, os hospitais na o
te m material necessa rio para
tratar dos doentes, os super-
mercados esta o vazios. Estes
protestos realizam-se porque
o povo esta cansado de tantas
mentiras. Somos um paí s rico
em petro leo, minerais e turis-
mo, na o temos razo es para vi-
ver assim ta o mal. Desde que
entrou Hugo Cha vez ha uma
ma administraça o na Venezue-
la”. Contudo, e de realçar que
Cha vez diminuiu a mal-
nutriça o da populaça o venezu-
elana de 15% para 5%, com as
suas polí ticas sociais, segundo
a Organizaça o das Naço es Uni-
das para Alimentaça o e Agri-
cultura (FAO).
Um cí rculo fechado desde a
morte de Cha vez tem traba-
lhado para consolidar a sua
posiça o no governo – Presi-
dente da Repu blica Nico las
Maduro, Presidente da Assem-
bleia Nacional Diosdado Cabe-
llo e o Presidente da compa-
nhia de petro leo estatal, Rafael
Ramí rez. No entanto, numa
luta pelo poder, este cí rculo
aparentemente so lido e unido
tem demonstrado fraquezas e
inseguranças. O mesmo se
passa na oposiça o. Desde o
iní cio dos protestos de Feve-
reiro que os lí deres da oposi-
ça o te m saí do a rua para apoi-
ar os manifestantes, mas na o
de uma forma unida. De um
lado encontra-se Enrique Ca-
priles, que perdeu as eleiço es
de Abril de 2013 para Maduro,
por 1% eleitoral. Capriles de-
fende uma negociaça o pací fi-
ca, apostando em tentativas de
chegar a um acordo entre am-
bas as partes sem recorrer a
viole ncia. Este polí tico, toda-
via, foi ridicularizado por ou-
tros lí deres da oposiça o por
ter apertado a ma o do presi-
dente Venezuelano, numa reu-
nia o relativa ao incremento de
segurança no paí s.
O lí der do partido social-
democrata Vontade Popular,
Leopoldo Lo pez, foi conhecido
internacionalmente por dar a
cara nas maiores manifesta-
ço es do paí s. Apoiou os jovens
e espalhou a sua ideologia en-
ACTUALIDADE
© Reuters
Pág
. 8
Edição de Março
tre eles, reivindicando uma
mudança radical na Venezue-
la, a renu ncia do presidente e
a revisa o constitucional. Se-
gundo as palavras de Lo pez,
numa entrevista ao canal in-
ternacional de notí cias com
sede na Colo mbia, NTN24:
“(…) no s na o temos armas,
mas sim gente nas ruas. O nos-
so terreno de luta e a rua. No s
so conseguiremos mudar algo
no nosso paí s com um movi-
mento de força popular em
todo o territo rio nacional”. No
passado dia 18 de Fevereiro
Leopoldo Lo pez entregou-se a
polí cia, tendo sido considera-
do responsa vel pela perturba-
ça o da paz na Venezuela, isto
e , pela viole ncia das manifes-
taço es contra o regime.
Apo s a prisa o de Lo pez,
uma outra personalidade polí -
tica ganhou terreno – Marí a
Corina, deputada independen-
te da oposiça o que tambe m
tem apoiado os manifestantes
na sua jornada pela mudança.
Com a sua recente viagem ao
estrangeiro, Diosdado Cabello
destituiu Corina das suas fun-
ço es de deputada na Assem-
bleia Nacional, por motivos
relacionados com traiça o a pa -
tria. Tudo se deveu ao facto da
deputada ter aceitado o cargo
de representante alternativa
pelo Panama na Organizaça o
dos Estados Americanos. Os
Estados Unidos da Ame rica
ponderam sanço es contra este
acontecimento, mas Cabello
avisa que a deputada Marí a
Corina pode ser presa a qual-
quer momento.
Durante os meses passados
de Fevereiro e Março tambe m
houve demonstraço es de
apoio ao actual presidente da
Repu blica Venezuelana, Nico -
las Maduro. Muitos jovens di-
zem-se indignados pelas quei-
xas dos opositores ao governo,
alegando que na o concordam
nem com a falta de segurança
no paí s, nem com a falta de
liberdade de expressa o. Se-
gundo um estudo realizado
pelo Serviço Internacional de
Consultadoria (ICS), onde fo-
ram inquiridas 1400 famí lias,
52,3% dos indiví duos dizem
que a liberdade de expressa o
se encontra garantida. Uma
percentagem de 54,8% dos
inquiridos defende que a de-
mocracia venezuelana e in-
questiona vel juntamente com
65,2 % segundo os quais a for-
ça usada pela polí cia e justifi-
cada pela lei. O ICS possui uma
margem de erro de 2,7%, e um
ní vel de confiança que se en-
contra nos 95%. O que o Servi-
ço Internacional de Consulta-
doria na o informa e a classe
social dos indiví duos inquiri-
dos que, como se tem vindo a
saber, influencia muito a opi-
nia o dos venezuelanos. Do la-
do governo esta ainda a coléc-
tivo militia – mecanismo de
segurança sem uma fonte de
controlo certa, a maioria da
classe baixa venezuelana e cu-
bana.
ACTUALIDADE
Durante os meses
passados de Feve-
reiro e Março tam-
bém houve de-
monstrações de
apoio ao actual
presidente da Re-
pública Venezuela-
na, Nicólas Madu-
ro. Muitos jovens
dizem-se indigna-
dos pelas queixas
dos opositores
52,3% dos indiví-
duos dizem que a
liberdade de ex-
pressão se encon-
tra garantida. Uma
percentagem de
54,8% dos inquiri-
dos defende que a
democracia vene-
zuelana é inquesti-
onável juntamente
com 65,2 % se-
gundo os quais a
força usada pela
polícia é justifica-
da pela lei.
Pág
. 9
Décima Quarta Edição
As relaço es entre Cuba e
Venezuela ganharam força du-
rante a preside ncia de Cha vez,
que assentou uma se rie de
acordos entre estes dois paí -
ses. Em 1999 Hugo Cha vez
chamou irma o a Fidel Castro e
proferiu: “Aqui estamos no s,
ta o alertas como nunca Fidel e
Hugo, a lutar com dignidade e
coragem para defender os in-
teresses dos nossos povos”.
Um dos acordos, em original o
Convenio Integral de Coopera-
cio n, estipulou que ate 2020, a
Venezuela exportara para Cu-
ba entre 20.000 e 26.000 bar-
ris de petro leo por dia. Cada
barril compreende cerca de
160 litros de volume, o que da
um total entre 3.200.000 litros
e 4.160.000 litros por dia. Em
retorno, Cuba fornecera entre
30 000 a 50 000 te cnicos em
va rias a reas, como por exem-
plo fí sicos, desportistas, artis-
tas, me dicos, entre outros, as-
sim como disponibiliza o tra-
tamento de doentes graves,
sendo a u nica despesa venezu-
elana o seu transporte para
Cuba.
Jovem venezuelana de 33
anos, désignér gra fica e psico-
pedagoga, Lydia Solyma r de-
clarou ao Pontiví rgula, a pro-
po sito da relaça o entre os dois
paí ses latino-americanos, que
“Cuba vive da Venezuela e
sempre quis transmitir a sua
ideologia polí tica a Venezuela.
Isto seria o pior que poderia
acontecer ao meu paí s, pois
isto significaria um total fecho
da economia e, por conse-
que ncia, um extremo ní vel de
pobreza e ignora ncia”. Oscar
Apablaza a propo sito da mes-
ma questa o defende que a Ve-
nezuela na o necessita de Cuba
pois tem os melhores te cnicos
em todas as a reas enumera-
das.
Em 2002, o regime de Hugo
Cha vez sofreu um breve golpe
de estado e Nico las Maduro
traça um paralelismo entre o
que sucedeu a Cha vez e o que
esta a acontecer, neste mo-
mento, ao seu governo. Madu-
ro culpa a oposiça o pela tenta-
tiva de golpe de estado com o
apoio dos Estados Unidos da
Ame rica, alegando que os EUA
esta o a tentar criar conflitos
num paí s rico em petro leo.
Elí as Jaua, o Ministro de Nego -
cios Estrangeiros, afirmou que
va rios diplomatas norte-
americanos se reuniram com
ACTUALIDADE
“Cuba vive da Ve-
nezuela e sempre
quis transmitir a
sua ideologia polí-
tica à Venezuela.
Isto seria o pior
que poderia acon-
tecer ao meu país,
pois isto significa-
ria um total fecho
da economia e,
por consequência,
um extremo nível
de pobreza e igno-
rância”.
Lydia Solymár
Pág
. 10
Edição de Março
os jovens universita rios para
treino, financiamento e orga-
nizaça o de manifestaço es vio-
lentas. O governo dos EUA ne-
ga esta acusaça o. Maduro ape-
lidou recentemente os mani-
festantes de “fascistas”, contu-
do, “Chukies” e o nome comu-
mente usado pelos lí deres po-
lí ticos para se referirem aos
protestantes violentos, aludin-
do ao boneco de uma se rie de
filmes de terror.
Apo s va rias tentativas de
dia logo com a oposiça o, por
parte do governo venezuela-
no, a resposta foi constante-
mente negativa. Na o obstante,
vai iniciar-se um conjunto de
reunio es entre os dois lados
do conflito, apo s dois meses
de protestos sangrentos. O se-
creta rio de estado do Vatica-
no, Cardinal Pietro Parolin,
estara presente, na seque ncia
de ter sido escolhido como
embaixador do Papa Francis-
co, cuja nacionalidade e argen-
tina. Muitos observadores di-
zem-se incre dulos de uma
conciliaça o pací fica e breve,
visto que os opositores extre-
mistas continuam a negar a
possibilidade de dia logo.
O sentimento geral apo s a
morte de Hugo Cha vez e de
que sera muito difí cil, se na o
impossí vel, arranjar um candi-
dato a altura do ex-presidente.
Com dados oficiais de 39 mor-
tos e centenas de feridos, mui-
tos na o ve m o fim dos desa-
cordos para breve. Num paí s
como a Venezuela, que e o nu -
mero um em reservas de pe-
tro leo do mundo, e o legado
histo rico do seu hero i inde-
pendentista Simo n Bolí var que
acende a alma a qualquer lati-
no-americano. Tal como o por-
tugue s Dom Sebastia o, Bolí var
e esperado para vir e guiar o
povo venezuelano com fe , es-
perança e dedicaça o, em direc-
ça o a um futuro pro spero e
justo.
ACTUALIDADE
Maduro apelidou
recentemente os
manifestantes de
“fascistas”, contu-
do, “Chukies” é o
nome comumente
usado pelos líde-
res políticos para
se referirem aos
protestantes vio-
lentos , aludindo
ao boneco de uma
série de filmes de
terror.
© Reuters
Pág
. 11
Décima Quarta Edição
O 25 de Abril de 1974 teve
um impacto inega vel em todos
os que o viveram. O Professor
Doutor Jorge Fazenda Louren-
ço fala-nos da sua experie ncia
pessoal, numa altura em que o
pro prio, com 18 anos de ida-
de, se viu confrontado como
uma realidade muito diferen-
te.
Pontivírgula (1): Lembra-
se do que estava a fazer nesse
dia?
Jorge Fazenda Lourenço
(JFL): Estava em Lisboa, a
estudar na Faculdade de Me-
dicina e a viver na Rua das La-
ranjeiras. Acordei de manha
com o ra dio a dar a notí cia de
que as pessoas na o deviam
sair de casa, pois algo estava
acontecer.
Pontivírgula (2): Como
viveu o dia? Teve algum im-
pacto no seu dia-a-dia?
Jorge Fazenda Lourenço
(JFL): O dia foi vivido com
alguma perplexidade. Durante
as primeiras horas na o se sa-
bia se o golpe de estado iria
ser bem-sucedido ou ate se
este era por parte da direita
ou da esquerda, ja a direita do
pro prio regime de Marcello
Caetano estava descontente
com este. Quando começaram
a aparecer na ra dio canço es
proibidas e mensagens, as
pessoas começaram a aperce-
ber-se do que estava realmen-
te a acontecer. Este aconteci-
mento transformou completa-
mente o meu dia-a-dia, como
o de todas pessoas, imagino.
E ramos um paí s muito si-
lencioso – dentro dos cafe s e
das pro prias casas havia um
medo interiorizado, sempre o
receio de que algue m estives-
se a escutar. De um dia para o
outro, passa mos a ser um paí s
alegremente ruidoso.
Pontivírgula (3):
Quais foram, na sua opinia o,
as mudanças sociais e polí ti-
cas mais importantes, nos dias
que se seguiram?
Jorge Fazenda Lourenço
(JFL): A ideia que tínhamos
na e poca e que havia mudan-
ças todos os dias e, nos pri-
meiros dias, deixou de haver
censura nos jornais e outros
meios de comunicaça o. Ate
censuras simples como pisar a
relva ou namorar na rua. A
associaça o das pessoas de for-
ma livre, o que tambe m foi
sensí vel. Por exemplo, nas
GRANDE ENTREVISTA
Patrícia Fernandes
Professor Jorge Fazenda Lourenço
Éramos um país mui-
to silencioso – dentro
dos cafés e das pró-
prias casas havia um
medo interiorizado,
sempre o receio de
que alguém estivesse
a escutar. De um dia
para o outro, passá-
mos a ser um país
alegremente ruidoso
Houve uma grande
vontade de participa-
ção das pessoas em
todo o tipo de deci-
sões, até para aque-
las que não estavam
preparadas. Toda a
gente passou a que-
rer decidir tudo so-
bre tudo, tanto nas
Universidades como
nos empregos
Pág
. 12
Edição de Março
Universidades, as associaço es
de estudantes puderam orga-
nizar-se de uma forma que
na o era clandestina. Houve
uma grande vontade de parti-
cipaça o das pessoas em todo o
tipo de deciso es, ate para
aquelas que na o estavam pre-
paradas. Toda a gente passou
a querer decidir tudo sobre
tudo, tanto nas Universidades
como nos empregos. Os alu-
nos passaram a decidir as ma-
te rias que queriam estudar e
os professores que os ensina-
vam.
A pouco e pouco a Demo-
cracia foi-se organizando e
acalmando, mas houve clara-
mente um perí odo de desre-
gramento, que se sucede a to-
dos os perí odos onde predo-
mina a falta de liberdade.
Pontivírgula (4): O dia 25
de Abril teve algum impacto
relevante no resto da sua vi-
da?
Jorge Fazenda Lourenço
(JFL): Sim. Eu era uma pes-
soa que ja tinha alguns inte-
resses em intervença o social e
isso acentuou-se mais no perí -
odo imediatamente anterior,
com a sensaça o de que todos
podí amos participar no desti-
no Portugal. A longo prazo,
esse perí odo de grande tumul-
to fez com que eu deixasse a
Faculdade de Medicina, entre
outras razo es. Deixei de me
preocupar em ter de ir
para a tropa, tive a oportuni-
dade de me integrar nas cam-
panhas de alfabetizaça o. Era o
tempo de intervir e na o de me
preocupar com os estudos.
Tive a oportunidade, por-
tanto, de ter experie ncias no-
vas, de conhecer melhor o
meu paí s e de alagar os meus
horizontes – descobri novas
a reas, tirei uma licenciatura
em Jornalismo, mas logo des-
cobri que na o era exatamente
o jornalismo que me interes-
sava. Depois fiz enta o o Mes-
trado e o Doutoramento em
Literatura, nos Estados Uni-
dos. Descobri enta o a profis-
sa o de professor, quando me
inscrevi para dar aulas em Sa o
Tome e Prí ncipe, em 1977.
Senti-me bem ali.
Pontivírgula (5): Acha que,
hoje em dia, e necessa rio um
movimento como o que acon-
teceu em 1974?
Jorge Fazenda Lourenço
(JFL): Acho que hoje em dia
e necessa rio outro movimen-
to, mas que na o seja igual ao
de 1974. O que e necessa rio e
que haja um movimento contí -
nuo de renovaça o de ideias,
mentalidades e atitudes, e es-
se movimento na o tem que
ser so feito pelas geraço es
mais novas, mas impulsionado
por estas, ja que as mais ve-
lhas va o ficando mais instala-
das e conforta veis.
O que e preocupante e ver
geraço es mais novas mais aco-
modadas do que geraço es
mais velhas.
Pá
g. 7 GRANDE ENTREVISTA
Eu era uma pessoa
que já tinha al-
guns interesses
em intervenção so-
cial e isso acen-
tuou-se mais no
período imediata-
mente anterior
[ao 25 de Abril],
com a sensação de
que todos podía-
mos participar no
destino Portugal
O que é necessário
é que haja um movi-
mento contínuo de
renovação de ideias,
mentalidades e ati-
tudes, e esse movi-
mento não tem que
ser só feito pelas ge-
rações mais novas,
mas impulsionado
por estas
Pág
. 13
Décima Quarta Edição
GRANDE ENTREVISTA
Professor Jorge Vaz de Carvalho
Professor, investigador, en-
saí sta, tradutor, escritor, can-
tor de o pera, encenador e ate
director de uma orquestra.
Muitas sa o as vive ncias de Jor-
ge Vaz de Carvalho nas mais
diferentes a reas. E em relaça o
ao 25 de Abril, o tema que
preenche esta ediça o especial
do Pontiví rgula, na o poderia
ser diferente. Enquanto aluno
universita rio, o professor da
Faculdade de Cie ncias Huma-
nas viveu a revoluça o, com
apenas 19 anos, e coleccionou
histo rias e aprendizagens que
partilha, hoje, connosco, numa
grande entrevista onde, para
ale m de falar do dia 25 de
Abril de 1974, avalia as conse-
que ncias da revoluça o para si,
para os estudantes e para o
paí s em geral. Espaço tambe m
para fazer um balanço das ex-
pectativas cumpridas e das
na o cumpridas e dos passos a
percorrer para concretizar
aquilo que ainda esta por fa-
zer, uma missa o que cabe, so-
bretudo, a jovens e estudantes
universita rios.
Pontivírgula (1): Profes-
sor, pertenceu a algum movi-
mento estudantil?
Jorge Vaz de Carvalho
(JVC): Nunca fui filiado em
nenhum grupo, partido ou
movimento estudantil. No en-
tanto, participava em manifes-
taço es de estudantes que con-
testavam as condiço es em que
estuda vamos, o pro prio regi-
me, com o qual na o concorda -
vamos e, sobretudo, a questa o
premente que era a guerra
colonial. Especialmente, por-
que eu e outros jovens com
dezoito ou dezanove anos es-
tarí amos a pouco tempo de ir
parar a alguma das frentes de
combate.
Pontivírgula (2): Como foi
o seu dia 25 de Abril de 1974?
Jorge Vaz de Carvalho
(JVC): Foi um dia muito curi-
oso, ate porque a minha expe-
rie ncia pessoal reflecte, em
parte, o que aconteceu naque-
la revoluça o. Eu morava no
Montijo, o que significa que fiz
a travessia de barco ate Lisboa
para vir a Faculdade. Logo de
manha , cedo, ja no barco, fui-
me apercebendo daquilo que
se estava a passar: estava toda
a gente em volta de ra dios e a
comentar que havia um golpe
de Estado em Lisboa. Quan-
do o barco atracou, no Terrei-
ro do Paço, precisamente o
centro revoluciona rio, Sal-
gueiro Maia havia ja ocupado
aquele espaço. Presumi logo
que alguma coisa importante
ali se passaria.
Mesmo assim, eu tinha
combinado encontrar-me na
faculdade com umas amigas.
Por isso, fui ate ao Rossio, apa-
nhei o metro, vim ate ao Cam-
po Grande, dirigi-me, a pe , ate
a faculdade e encontrei-me
com as minhas colegas. O nos-
Emanuel Monteiro e
Joana Portugal
estava toda a gente
em volta de rádios e
a comentar que ha-
via um golpe de Es-
tado em Lisboa.
Quando o barco
atracou, no Terrei-
ro do Paço, precisa-
mente o centro re-
volucionário, Sal-
gueiro Maia havia
já ocupado aquele
espaço
Pág
. 14
Edição de Março
so dilema, por mais curioso
que possa parecer, foi mesmo
procurar um sí tio para almo-
çar, uma vez que estava quase
tudo fechado, a começar pela
cantina. Resolvido este aspec-
to muito pra tico, vim de novo
para a baixa. Quando cheguei,
deparei-me com todos os
acontecimentos do Carmo e
arredores e, evidentemente,
misturei-me com a multida o
que assistia a prisa o de Marce-
llo Caetano e dos outros ele-
mentos do regime. Depois dis-
so, voltei para o Montijo, tam-
be m de barco, e segui os acon-
tecimentos pela ra dio e pela
televisa o.
Este cena rio que retratei
mostra dois aspectos extraor-
dina rios da revoluça o portu-
guesa. O facto de estar a de-
correr uma revoluça o e os
transportes pu blicos funciona-
rem normalmente, com o povo
nas ruas a apoiar os militares,
da -lhe, por um lado, uma di-
mensa o um tanto folclo rica;
por outro lado, reflecte, a rea-
lidade de um regime que ja
estava ta o corrompido, ta o po-
dre, ta o decre pito que na o te-
ve grande resiste ncia. As coi-
sas funcionavam normalmente
enquanto o regime caí a, um
caso raro, sena o ine dito na
histo ria mundial. Continuo
sempre a dizer que o 25 de
Abril foi o dia mais feliz da mi-
nha vida.
Pontivírgula (3): Quais fo-
ram as conseque ncias imedia-
tas que o 25 de Abril teve na
sua e na vida do paí s?
Jorge Vaz de Carvalho
(JVC): Na minha vida, para
ale m da questa o polí tica de
passar a sentir e a viver uma
liberdade ate enta o desconhe-
cida, as conseque ncias foram a
universidade transformar-se
numa coisa completamente
diferente daquilo que era: pa-
ra ale m das sucessivas restru-
turaço es nos cursos, os estu-
dantes passaram a ter mais
reunio es gerais de alunos do
que aulas, a participar activa-
mente na vida acade mica. An-
dava tudo numa grande con-
vulsa o, o que e normal depois
de uma revoluça o. Esta vamos
todos certos de que e ramos
contra o regime derrubado,
que na o querí amos nem cen-
sura, nem tortura, nem presos
polí ticos e muito menos uma
guerra colonial. Todavia, a
partir do momento em que se
deu a revoluça o, começaram
as diverge ncias, uma vez que
cada um queria uma sociedade
diferente. Todos tinham um
conceito distinto de democra-
cia, de liberdade e do tipo de
sociedade que queriam. Mas
estas sa o ideias suficiente-
mente largas e que permitem
uma quantidade de opinio es
divergentes. As pessoas na o
Pá
g. 7 GRANDE ENTREVISTA
© Emanuel Monteiro
Pág
. 15
Décima Quarta Edição
estavam preparadas para dis-
cutir, de uma forma serena e
tranquila, as opinio es diver-
gentes, ate porque a liberdade
e um processo que se aprende.
Na realidade, a grande ques-
ta o que se colocava a todos
no s era: como e que depois de
uma revoluça o se desmantela-
va todo um sistema de poder –
polí tico, social e econo mico,
baseado em monopo lios e nu-
ma exploraça o desenfreada
das pessoas – e como se viria a
colocar fim a quilo que mais
nos preocupava, a guerra colo-
nial.
Portanto, conseguir fazer tudo
isso foi uma coisa extraordina -
ria para um paí s ta o pequeno.
Fomos capazes de batalhar em
duas frentes: a do desmantela-
mento de um poder e, ao mes-
mo tempo, a de colocar fim a
guerra colonial. E consegui-
mos fizer tudo isso sem per-
das de vidas humanas, sem
desmantelamentos sociais
significativos e fomos ha beis
ao ponto de transitar para a
democracia de uma forma
muito serena e tranquila, e de
algum modo, ta o adulta.
Pontivírgula (4): Hoje, qua-
renta anos depois, considera
que as aspiraço es e as pro-
messas do 25 de Abril se cum-
priram?
Jorge Vaz de Carvalho (JVC):
Eu creio que as principais as-
piraço es do 25 de Abril esta o
cumpridas: temos um regime
democra tico, possuí mos liber-
dade de expressa o e somos
livres na escolha das opço es
polí ticas e ideolo gicas que
pretendemos. No entanto, o
que na o se cumpriu com o 25
de Abril tem mais que ver com
uma mudança de mentalida-
des. Se olharmos para a socie-
dade portuguesa de hoje, ve-
mos que na o foi possí vel de-
sentranhar uma determinada
imagem de inferioridade e de
atraso em relaça o a Europa.
Da mesma forma, na o foi pos-
sí vel acabar com uma mentali-
dade baseada em ha bitos de
mesquinhez, de inveja, de ma-
ledice ncia e de intrigas. Mas,
sobretudo, na o foi possí vel,
depois do 25 Abril, fazer acre-
ditar aos portugueses que e
pelo desenvolvimento intelec-
tual, moral e espiritual, pelo
estudo e pela cultura, dando
lugar ao saber e ao me rito, que
e possí vel desenvolver o paí s.
O exemplo mais evidente rela-
tivamente a essa questa o foi o
facto de grandes personalida-
Pá
g. 7 GRANDE ENTREVISTA
Fomos capazes de
batalhar em duas
frentes: a do des-
mantelamento de um
poder e, ao mesmo
tempo, a de colocar
fim à guerra coloni-
al. E conseguimos fi-
zer tudo isso sem
perdas de vidas hu-
manas, sem desman-
telamentos sociais
significativos
© Emanuel Monteiro
Pág
. 16
Edição de Março
des portuguesas, logo a seguir
a revoluça o, na o terem sido
chamadas para as universida-
des. Sa o os casos de Jorge de
Sena e de Ruy Belo. As univer-
sidades, as instituiço es do sa-
ber, na o foram sensí veis a isto
e preferiram dar lugar a pes-
soas intelectualmente inferio-
res apenas por questo es de
amizade ou opço es partida -
rias. Creio que nos falta, ainda,
acreditar no valor do me rito
como motor de desenvolvi-
mento de um paí s. Mas isso,
na o podemos pedir que uma
revoluça o conduzida pelas for-
ças armadas resolva. Tem de
partir de cada um de no s o de-
sejo e a vontade de reverter a
situaça o de pessimismo e pas-
sividade da sociedade em ge-
ral, e dos jovens em particular.
E , de facto, um trabalho de to-
dos no s e de cada um no seu
lugar. E os lugares, a começar
pelos lí deres e dirigentes, te m
de ser para os que provam
merece -los pelas suas qualida-
des e o valor do serviço que
prestam a s instituiço es e ao
paí s.
Pontivírgula (5): No 25 de
Abril, os estudantes foram
fundamentais na mudança de
regime. Considera que hoje
esta classe se demite do seu
papel activo e da sua respon-
sabilidade social?
Jorge Vaz de Carvalho
(JVC): Antes do 25 de Abril
os estudantes tinham agendas
e preocupaço es muito defini-
das: um sistema de ensino em
certa medida anacro nico, que
na o fomentava a inves-
tigaça o e o desenvolvimento,
mas que facilitava o acesso ao
emprego. Havia tambe m um
medo evidente – a guerra co-
lonial –, um problema que
afectava na o so os rapazes,
como as raparigas, pois elas
tinham irma os, primos, namo-
rados e famí lia. Logo, os estu-
dantes em geral tinham causas
muito definidas por que lutar.
Hoje, e ainda bem, na o ha
causas ta o evidentes, ta o mar-
cadas e definidas pelas quais
os estudantes tenham que ba-
talhar. Por isso, a s vezes, a
passividade prevalece em vez
da solidariedade e da defini-
ça o lu cida de objectivos. Ape-
sar disto, e mais do que evi-
dente o problema do desem-
prego que afecta os jovens, ao
ponto absurdo de o paí s gastar
fortunas na educaça o e na pre-
paraça o dos jovens, nomeada-
mente nas universidades, para
depois na o lhes criar oportu-
nidades, fazendo com que es-
tes tenham de emigrar e enri-
quecer a massa intelectual de
outro paí s que apenas benefi-
cia e nada investiu nessa for-
maça o.
Os jovens de hoje sa o uma
geraça o extraordina ria, a gera-
ça o com mais ferramentas de
investigaça o, com melhores e
mais ra pidos acessos a infor-
maça o: hoje em dia esta tudo
ao alcance de um clique. Esta e
uma geraça o na o menos inteli-
gente, talvez bem preparada
do ponto de vista te cnico, mas,
do meu ponto de vista, com
graves deficie ncias na instru-
ça o, fruto de modelos e pro-
gramas de ensino tolos, que
dinamitaram o aprofunda-
mento do conhecimento hu-
manista, fomentaram o lu dico
em prejuí zo da disciplina e o
facilitismo em prejuí zo do ri-
gor. Talvez por isso seja tam-
be m uma geraça o mais passi-
va e pactuante, que ainda na o
percebeu com toda a profun-
didade a terrí vel ameaça do
desemprego e da estagnaça o, e
que, para alcançar os seus in-
teresses e os do paí s tem de
Pá
g. 7 GRANDE ENTREVISTA
Creio que nos falta,
ainda, acreditar no
valor do mérito como
motor de desenvolvi-
mento de um país.
Mas (…) Tem de par-
tir de cada um de
nós o desejo e a von-
tade de reverter a si-
tuação de pessimis-
mo e passividade da
sociedade em geral,
e dos jovens em par-
ticular.
Pág
. 17
Décima Quarta Edição
agir.
Pontivírgula (6): Muitas
pessoas dizem que Portugal
precisa de um novo 25 de
Abril. Precisara mesmo?
Jorge Vaz de Carvalho
(JVC): Um novo 25 de Abril,
conduzido pelas forças arma-
das, com tanques nas ruas, se-
ra um anacronismo impensa -
vel. E necessa rio, sim, que as
pessoas voltem a ter esperan-
ça, uma esperança na o conti-
nuamente apregoada e adiada
para o futuro, mas ja no pre-
sente. E crucial quebrar uma
certa mentalidade rural de
construir e guardar para o fu-
turo. Temos de começar ja , e
na o adiar a felicidade quotidi-
ana e o pro prio paí s para um
tempo incerto. Nesse sentido,
penso que na o se colocam as
questo es do 25 de Abril origi-
nal, isto e , a erosa o do prestí -
gio das Forças Armadas, a con-
quista das liberdades indivi-
duais e a implementaça o de
uma democracia. No entanto,
tenho voltado a sentir algo
que na o esperava, francamen-
te, sentir 40 anos depois: o de-
sespero, o medo e a incapaci-
dade de as pessoas viverem as
suas vidas, de terem para co-
mer e pagar os estudos dos
seus filhos, sobretudo, a im-
possibilidade de uma vida dig-
na. Isso, a mim, perturba-me
em dimenso es colossais, mui-
to mais do que a questa o da
liberdade, ate porque a temos
garantida, seja a liberdade de
expressa o, de publicaça o ou
de reunia o. O que me preocu-
pa verdadeiramente e o medo,
o medo que as pessoas te m em
relaça o a s suas existe ncias, ao
futuro e o desespero que isso
lhes provoca. E esta questa o e
uma das grandes perdas em
relaça o a s expectativas de
uma revoluça o que prometia,
exactamente, uma melhoria
das vidas das pessoas a va rios
ní veis, nomeadamente a pro-
messa de uma existe ncia de-
cente e serena. E esta esta a
ser posta em causa, como
comprova o crescente nu mero
de famí lias que subsiste nos
dias de hoje graças a caridade
de va rias instituiço es de soli-
dariedade social. Deste modo,
devemos ficar humanamente
muito preocupados, porque ha
muitas promessas trazidas
com a revoluça o que na o se
cumpriram, ha conquistas sob
ameaça e que sa o fundamen-
tais para a dignidade e ate a
sobrevive ncia das pessoas (o
Serviço Nacional de Sau de, por
exemplo). Mas, acima de tudo,
ha um ideal de esperança que
o 25 de Abril trouxe a Portugal
e a certeza que, tal como acon-
teceu ao longo da Histo ria, no s
somos capazes, “por obras va-
lorosas”, de superar o que pa-
rece impossí vel.
Pá
g. 7 GRANDE ENTREVISTA
Um novo 25 de
Abril, conduzido
pelas forças arma-
das, com tanques
nas ruas, será um
anacronismo im-
pensável. É neces-
sário, sim, que as
pessoas voltem a
ter esperança,
uma esperança
não continuamen-
te apregoada e
adiada para o futu-
ro
muito mais do que
a questão da liber-
dade, até porque a
temos garantida,
(…) o que me pre-
ocupa verdadeira-
mente é o medo, o
medo que as pes-
soas têm em rela-
ção às suas exis-
tências, ao futuro
e o desespero que
isso lhes provoca.
Pág
. 18
Edição de Março
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Passaram-se 40 anos e onde ficam as memórias daqueles que, ainda com nacionalidade
portuguesa, viveram a Revolução em países transatlânticos chamados em 74 de Colónias Por-
tuguesas?
Maria do Rosário Amorim de Sousa, 72 anos
Rosarito, como prefere ser chamada, tinha 32 anos quando ouviu na ra dio que Lisboa tinha sido
alvo de uma Revoluça o. Sozinha em casa naquele momento, dirigiu-se a cozinha onde se encontrava
o seu cozinheiro, o Salvador, e disse-lhe “Depois disto Moçambique vai ser independente”. E assim
foi. Rosarito vivia desde os 8 anos em Moçambique e na altura na o lhe passou pela cabeça que tivesse
que abandonar o paí s que viu os seus filhos nascer. 1977 foi o ano em que teve que regressar a Portu-
gal, deixando a sua casa nas ma os do escultor Chissano (hoje um museu).
Portugueses pelo Mundo Memórias de um 25 de Abril
Mariana Rodrigues
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. 19
Décima Quarta Edição
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Entre uma mala pequena com livros e roupa, trouxe este desenho feito por Malangatana (pintor
moçambicano) onde este pintou Rosarito com o seu filho Joa o a s costas na Ilha da Inhaca em Moçam-
bique. Esta e das poucas coisas que, passados 40 anos, guarda de Moçambique. Rosarito nunca mais
voltou a visitar a quente cidade de “Lourenço Marques” e hoje diz ja na o querer voltar. Portugal e ho-
je o seu paí s. “Acho que o 25 de Abril foi indispensa vel mas os resultados na o foram os esperados”,
afirma Rosarito.
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. 20
Edição de Março
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Ricardo Rocha, 51 anos
Ricardo tinha apenas 11 anos quando se deu a Revoluça o mas lembra-se que estava a jogar bas-
quetebol com os primos, no jardim de sua casa, em “Lourenço Marques”, quando de repente ouve o
pai a chama -los para dentro com alguma rapidez. Percebeu que algo estava prestes a mudar. Os dias
seguintes foram marcados por discursos de 5 horas de Samora Machel (Presidente de Moçambique
na altura) em que afirmava que os “brancos” ja na o tinham os mesmos privile gios. Para Ricardo, o 25
de Abril tinha que acontecer mas lamenta que a situaça o com as colo nias tenha tido tal desfecho, em
especial, dado que em 1962 Eduardo Mondlane (Frelimo) quis estabelecer um acordo com o Estado
Portugue s que tendo sido realizado, quiça , poderia ter evitado a Guerra Colonial.
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Décima Quarta Edição
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Estes elefantes foram o u nico brinquedo que Ricardo trouxera de Moçambique quando, em 1976,
fugiu da Guerra Colonial e foi viver para o Porto. Em 1992 regressou a Moçambique, ainda em guerra,
e “Senti-me a chegar a casa. Se na o fosse o facto de ter um filho com 2 anos em Portugal, teria ficado
la ” assegura Ricardo.
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Edição de Março
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Maria da Graça, 69 anos
Graça trabalhava na TAP em Sa o Tome e Prí ncipe na altura do 25 de Abril. Apesar de Sa o Tome ter
escapdo a guerra, lembra-se que, ao ouvir a ra dio, disse ao seu marido, “Ja vou conseguir, finalmente,
ter o meu passaporte portugue s”. Como Graça tinha casado com um cidada o Ingle s, e ha muitos anos
que na o visitava Portugal, o regime de Salazar na o lhe permitia a obtença o de um passaporte do seu
paí s de origem e, por isso, andava com um passaporte diploma tico, que era proibido. Maria da Graça
viu a Revoluça o como uma “necessidade”, no entanto, o destino, apo s o 25 de Abril, nunca a fez voltar
para Portugal, tendo vivido em Inglaterra e, desde 1997 em Joanesburgo, na A frica do Sul. Portugal,
desde os seus 10 anos, e apenas um destino de fe rias e para visitar a famí lia.
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Décima Quarta Edição
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Maria José Correia da Fonseca, 54 anos
Maria Jose viu o destino do 25 de Abril de uma forma diferente. Aqueles que trabalhavam para a
funça o pu blica em Angola e eram portugueses tinham direito a uma licença graciosa. Esta licença
consistia numas fe rias de 6 meses em Portugal, de 4 em 4 anos. Assim, Maria Jose encontrava-se de
fe rias com os pais e os irma os na sua casa de Portugal, em S. Bento, quando se deu a Revoluça o. Nun-
ca esperou que naquele dia, com apenas 14 anos, percebesse que nunca mais voltaria a Nova Lisboa,
sem nunca sequer um adeus.
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Edição de Março
REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA
Estas foram as u nicas recordaço es que Maria Jose trouxe de sua casa em Nova Lisboa (hoje Huam-
bo). A sua fotografia, em casa, e a fotografia com a sua avo . Em Portugal, nos dias depois do 25 de
Abril, receberam caixotes e mais caixotes com bens que, quem ocupou a sua casa em A frica, enviou
para a sua casa em S. Bento. Aquelas fe rias por Portugal tornaram-se numa nova vida e, sobretudo,
numa deslocaça o “forçada” para um novo paí s. Apesar de nunca mais ter voltado a Nova Lisboa e
nunca se ter despedido, sente que ha -de voltar, e para ficar. Por isso, “apesar do 25 de Abril ter sido
importante, na altura fiquei baralhada e na o compreendi porque na o podia mais voltar para o meu
paí s e porque que tinha que viver num paí s onde na o tinha liberdade ate ao dia” confessa Maria Jose .
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. 25
Décima Quarta Edição
Vencedor do Pre mio Leya
2011, Joa o Pedro Ricardo
mostra uma histo ria marcada
pelos tempos da Ditadura Sa-
lazarista e que tem iní cio, pre-
cisamente, na Revoluça o dos
Cravos. Sa o tre s geraço es da
mesma famí lia, apresentadas
em pequenos episo dios apa-
rentemente desconexos e alia-
das por uma linha temporal
quase imperceptí vel.
Embora a histo ria arranque
em 1974, acaba por se distan-
ciar da tema tica a que se pro-
mete. O doutor Augusto Men-
des, o seu filho Anto nio e o seu
neto Duarte podiam estar in-
seridos noutro qualquer perí -
odo – a falta de uma justifica-
ça o histo rica, existem algumas
refere ncias a personalidades
contempora neas. Ainda assim,
sa o por demais te nues para
enriquecer o enredo.
Os pontos fortes sa o enta o
difí ceis de detectar, ja que a
decisa o de partir uma linha
temporal em pequenos peda-
ços acaba por apenas dificul-
tar uma leitura que poderia
ter sido mais interessante. A
histo ria de tre s geraço es na o
apresenta uma ordem clara e
os episo dios, que parecem car-
regadas de significado, aca-
bam por na o revelar o poten-
cial prometido.
Os menos familiarizados
com o acontecimento de 25 de
Abril te m, no entanto, alguns
momentos de aproximaça o ao
feno meno que merecem ex-
ploraça o. Em alguns momen-
tos, o autor mostra uma opini-
a o que parece quase sua e o
enredo, embora abalado pelas
ditas razo es, traz uma urge n-
cia de leitura singularizada
pela sensaça o particular de
imine ncia de algo mais.
Infelizmente, a obra acaba
por cair num limbo entre a
ameaça do passado e um pos-
sí vel futuro feliz. Definitiva-
mente um estilo que consegue
agarrar mas cuja escrita preci-
sa de amadurecer, porventura
em histo rias diferentes.
CULTURA
O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro
João Gonçalo Simões
LITERATURA
© Wook
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Edição de Março
Esta e uma obra fotogra fica
documental que nos apresenta
relatos e imagens emotivas da
quinta-feira que marcou para
sempre a histo ria de Portugal.
E um relato de aconteci-
mentos desse mesmo dia que
nos traz um sentimento ine-
quí voco de proximidade aos
rapazes jovens que estiveram
presentes na Revoluça o – al-
guns para lhe por fim, outros
para a defenderem. Num para-
lelismo com a actualidade, es-
te relato e feito por Jose Alves
Costa, um dos soldados que no
dia 25 de Abril de 1974 se re-
cusou a abrir fogo contra os
protestantes.
Uma assumida
“homenagem aos homens da
Cavalaria que acabaram com
48 anos de ditadura”, a obra
conta com a opinia o de va rias
figuras conceituadas e igual-
mente com testemunhos indi-
viduais dos va rios soldados
que deram forma aos aconte-
cimentos retratados. Apesar
disso, a obra dedica-se essen-
cialmente a informaça o visual,
mostrando imagens reais or-
denadas cronologicamente no
dia.
Imagens raras e extrema-
mente ricas do Terreiro do
Paço, Cais do Sodre , Largo do
Carmo e das va rias ruas do
centro de Lisboa pintam um
quadro riquí ssimo que merece
ser apreciado (ou ate relem-
brado) por todos os Portugue-
ses.
CULTURA
Os Rapazes do Tanques, de Alfredo Cunha e Adelino Gomes
João Gonçalo Simões
LITERATURA
© Alfredo Cunha
[a obra] traz um
sentimento ine-
quívoco de proxi-
midade aos ra-
pazes jovens que
estiveram pre-
sentes na Revo-
lução – alguns
para lhe por fim,
outros para a
defenderem
© Alfredo Cunha
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Décima Quarta Edição
Jorge de Sena
Cantiga de Abril
A s Forças Armadas e ao
povo de Portugal
«Na o hei-de morrer sem
saber qual a cor da liber-
dade»
J. de S.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta
anos
reinaram neste pais,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enga-
nos,
chegava ate a raiz.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Essa paz de cemite rio
toda prisa o ou censura,
e o poder feito galde rio.
sem limite e sem caute rio,
todo embo fia e sinecura.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigraça o medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.
Qual a cor da liberdade?
E verde. verde e vermelha.
Essas guerras de ale m-
mar
gastando as armas e a
gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por politica demente.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
so mise ria sem segundo,
so desespero fatal.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta
anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em nego cios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atra s:
estala enfim altiva e nua,
com força que na o recua,
a verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
CULTURA
P equeno espaço de leitura onde são escritos poemas que carecem de interpretações individuais, porque os poemas precisam disso, necessitam que cada leitor os sinta e os aplique para que eles pos-sam viver.
INDIRECTO
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Edição de Março
Quando em 2014 celebra-
mos os 40 anos da Revoluça o
dos Cravos, importa refletir
sobre o impacto do 25 de Abril
no cinema portugue s.
E oportuno recordar que,
apesar de a Revoluça o de
1974 ter trazido a liberdade
depois de mais de quarenta
anos de um regime autorita rio
marcado pelas restriço es im-
postas pela censura, o cinema
portugue s ja tinha experimen-
tado a sua “revoluça o” no iní -
cio da de cada de sessenta do
se culo passado com a emer-
ge ncia do Novo Cinema e com
a busca de uma linguagem que
rompesse com os modelos que
vinham informando o cinema
do Estado Novo. Por outras
palavras, a renovaça o da cine-
matografia portuguesa esta
ligada a filmes como Os Ver-
des Anos (1963) de Paulo Ro-
cha e Belarmino (1964) de
Fernando Lopes, bem como ao
empreendedorismo de ho-
mens como Cunha Telles, que
aceitou o desafio de apoiar jo-
vens cineastas que retorna-
vam do estrangeiro com ideias
novas e a ousadia de homens
como Anto nio Macedo
(Domingo a Tarde, 1965) que,
sem nunca ter saí do de Portu-
gal, trazia a experie ncia e a
vive ncia do movimento cine-
clubista.
O 25 de Abril traz a ta o de-
sejada liberdade e enceta a
produça o de filmes de cara ter
preferencialmente documen-
tal, que refletem a necessidade
de registar um momento his-
to rico de extrema releva ncia
na histo ria nacional. Nos fil-
mes produzidos em 1974 pre-
domina um tom de interven-
ça o polí tica militante, o que se
compreende, tendo em conta a
viragem polí tica observada.
Acreditava-se que era impor-
tante dar a voz ao povo que,
durante anos, teve este direito
negado. Os cineastas ve m para
a rua e, mais do que registar
os eventos, desejam intervir
na sociedade. Surgem produ-
ço es coletivas que resultam do
trabalho em regime de coope-
rativa e muitos documenta rios
sa o claramente ideologica-
mente informados, colocando
em relevo a importa ncia do
trabalho, revelando o quotidi-
ano dos camponeses e dos
CULTURA
O 25 de Abril e o Cinema Português
Adriana Martins
CINEMA
apesar de a Revo-
lução de 1974 ter
trazido a liberdade
depois de mais de
quarenta anos de
um regime autori-
tário marcado pe-
las restrições im-
postas pela censu-
ra, o cinema por-
tuguês já tinha ex-
perimentado a sua
“revolução” no iní-
cio da década de
sessenta do século
passado
O 25 de Abril traz
a tão desejada li-
berdade e enceta a
produção de fil-
mes de caráter
preferencialmente
documental, que
refletem a necessi-
dade de registar
um momento his-
tórico de extrema
relevância na his-
tória nacional.
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Décima Quarta Edição
CULTURA
opera rios das fa bricas, o que e
reforçado pela crí tica acutilan-
te aos proprieta rios. Um
exemplo dessa tende ncia e o
documenta rio As Armas e o
Povo (1975). Importava tam-
be m rever o passado e conta -
lo a partir de uma perspetiva
diferente, o que levou a filmes
que visavam desconstruir os
princí pios ideolo gicos do Esta-
do Novo, como e o caso de
Deus, Pa tria e Autoridade
(1975) de Rui Simo es. Para a
produça o fí lmica, muito con-
tou a importa ncia crescente da
RTP, sendo alguns dos filmes
produzidos pela ou para a te-
levisa o nacional.
Ainda no a mbito dos docu-
menta rios, e oportuno chamar
a atença o para os filmes de
teor mais etnogra fico, que
buscavam dar a conhecer e
valorizar a vida em determina-
das comunidades do paí s. Um
caso emblema tico e o premia-
do documenta rio Tra s-os-
Montes (1976) de Anto nio
Reis e Margarida Cordeiro que
revela o a mago de uma comu-
nidade no nordeste transmon-
tano. Um outro exemplo que
merece destaque e o de Torre
Bela (1975), de Thomas Har-
lan, que retrata a ocupaça o de
uma herdade alentejana por
um coletivo de camponeses
em pleno PREC e o seu contac-
to com a realidade, passada a
euforia da Revoluça o. Ainda a
tí tulo de exemplo, vale a pena
mencionar Continuar a Vivér
ou os Índios da Méia Praia
(1976) de Anto nio da Cunha
Teles que aborda a nova expe-
rie ncia de habitaça o no seio da
comunidade piscato ria na
Meia-Praia, no Algarve, com o
apoio do SAAL (Serviço de
Apoio Ambulato rio).
Embora o cinema dito mili-
tante predomine como resul-
tado do 25 de Abril e do fim da
censura, quando Portugal pro-
curava se reconstruir como
naça o, num novo ciclo da sua
histo ria, o panorama cinema-
togra fico portugue s e marcado
por outras experie ncias que,
sem assumirem um tom mili-
tante, interrogam na o so a
claustrofobia dos anos de dita-
dura, como o fervor revolucio-
na rio. Bénildé ou a Virgém
Mãé (5978) de Manoel de Oli-
veira e um filme, a este propo -
sito, a ser revisto, tambe m
porque antecipa muito do que
viria a ser a cinematografia de
Oliveira nos anos seguintes.
Em suma, as celebraço es
dos 40 anos do 25 de abril, pa-
ra ale m de um exercí cio cí vico
fundamental de memo ria, sa o
um excelente pretexto para
que os espectadores que vi-
venciaram os acontecimentos
daquela e poca, e, especialmen-
te, aqueles que ja nasceram
depois da Revoluça o, possam
interrogar o Portugal atual e o
percurso seguido desde enta o.
Neste processo de interroga-
ça o e revisa o da memo ria na-
cional, o cinema portugue s de-
sempenha um papel funda-
mental. A este propo sito, a ini-
ciativa da Cinemateca Portu-
guesa, denominada “25 de
Abril, Sempre”, e definitiva-
mente uma oportunidade a
na o perder. Para tal, basta
consultar a programaça o da
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. 30
Edição de Março
CULTURA
Quando se fala de uma data
ta o importante para Portugal,
como e o caso do 25 de Abril de
1974, e impossí vel na o se faze-
rem associaço es directas a mu si-
ca!
Quem na o se lembra do
“Gra ndola Vila Morena” de Zeca
Afonso ou de “E Depois do
Adeus” de Paulo de Carvalho?
Estas foram duas das va rias mu -
sicas que assinalaram simbolica-
mente este dia ta o marcante na
nossa histo ria (que nos trouxe a
ta o preciosa liberdade de expres-
sa o)!
Numa e poca em que a liberda-
de e uma realidade mas em que o
Paí s se encontra numa fase me-
nos positiva, sa o va rias as formas
de expressar os males e dissabo-
res que va o na alma dos portu-
gueses. Uma das formas e , clara-
mente, a mu sica – nomeadamen-
te na forma de mu sicas de inter-
vença o.
Formalmente, a mu sica de in-
tervença o, vulgarmente conheci-
da como mu sica de protesto, e
uma categoria na a rea da mu sica
popular cujo principal objectivo e
chamar a atença o aos problemas
polí ticos, sociais e/ou econo mi-
cos de uma sociedade.
Ricardo Se rgio, jornalista de
mu sica, produtor e locutor da
Antena 3, assim como antigo alu-
no da Universidade Cato lica Por-
tuguesa, em conversa com o Pon-
tivírgula, reconhece a suma im-
porta ncia da mu sica de interven-
ça o, no entanto, revela que “No s
em Portugal temos uma definiça o
de mu sica de intervença o associ-
ada a um ge nero musical muito
pro prio, como o de Zeca Afonso
ou Jose Ma rio Branco, o que nos
leva para a balada. Contudo, a
mu sica de intervença o na o e um
ge nero, pode ser o punk, o hip-
hop ou o rock. Por isso, gosto
mais de falar de canço es de inter-
vença o ou canço es de protesto.”
Quando desafiado a nomear
algumas bandas e artistas con-
tempora neos que, hoje em dia, se
dedicam a intervença o social
atrave s da mu sica de protesto,
Ricardo sublinha que:
“Actualmente, por exemplo, na o
se pode dizer que o Pedro Abru-
nhosa ou os Diabo na Cruz fazem
mu sica de intervença o, contudo,
Música
Música de Intervenção: Uma realidade Actual?
Patrícia Fernandes
a música de inter-
venção (…) é uma
categoria na área
da música popular
cujo principal ob-
jectivo é chamar à
atenção aos pro-
blemas (…) de
uma sociedade
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. 31
Décima Quarta Edição
CULTURA
te m canço es de intervença o, co-
mo e o caso dos singlés ‘Para os
braços da minha ma e’ e ‘Vida de
Estrada’, respectivamente. Por-
tanto, hoje em dia, na o ha bandas
ou cantores que se dediquem ex-
clusivamente a mu sica de inter-
vença o.”
Ricardo Se rgio indica, todavia,
nomes como Deolinda, Diabo na
Cruz e ate Se rgio Godinho. Afir-
ma ainda, que, de forma um pou-
co discreta, a nova mu sica dos
Diabo na Cruz pode ser vista co-
mo uma cança o de protesto, pela
sua releva ncia actual “O singlé
desta banda fala sobre a vida na
estrada, a vida de uma banda em
tourne e, mas nas entre-linhas
esta patente a ideia de ‘ir para
fora’ porque la fora e que se esta
bem. ”
Ricardo Se rgio sublinha-nos
tambe m a importa ncia que o hip-
hop dete m na sociedade contem-
pora nea, bem como a sua credibi-
lidade moral e social, relativa-
mente aos problemas da actuali-
dade.
Sobre a mu sica Portuguesa, o
locutor diz-nos, com noto rio or-
gulho, que “O perí odo que a mu -
sica portuguesa vive hoje e í mpar
e absolutamente extraordina rio.
Para isto contribui, a maior acei-
taça o da parte do pu blico (toda a
gente gosta de ouvir mu sica por-
tuguesa) e tambe m a maior facili-
dade em fazer mu sica, devido a
democratizaça o das tecnologias.”
Em 25 de Abril de 1974, a mu -
sica foi um elemento-chave para
a Revoluça o dos Cravos e definiu
o caminho de Portugal. Assim, e
inevita vel ponderar a possí vel
necessidade de uma nova Revo-
luça o e reflectir sobre o papel da
mu sica caso tal viesse a concreti-
zar-se. Nas palavras de Ricardo,
“Eu na o sei se faz falta haver
mais mu sica para chamar a aten-
ça o para o que esta mal, o que se
calhar faz falta e ouvintes que
reajam a ela, porque estamos
num perí odo em que o que e con-
siderado lutar contra o que esta
mal e apenas colocar um post no
Facébook. Somos muito passivos.”
Para quando, enta o, sera a uti-
lizaça o da mu sica, tal como na
Revoluça o dos Cravos, como
kéyword para uma reacção à soci-
edade?
O período que a
música portugue-
sa vive hoje é ím-
par e absoluta-
mente extraordiná-
rio. Para isto con-
tribui, a maior
aceitação da parte
do público (…) e
também a maior
facilidade em fazer
música não sei se faz falta
haver mais música
para chamar a
atenção para o
que está mal, o
que se calhar faz
falta é ouvintes
que reajam a ela
(…) Somos muito
passivos
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. 32
Edição de Março
O caro Capita o Salgueiro
Maia na o deve fazer ideia da-
quilo que se passa em Portu-
gal. Desiludir-se-ia se soubes-
se. Vejo em si a alternativa
u nica para mais uma necessa -
ria mudança. Dito isto, tomo a
decisa o de lhe escrever e fazer
um pequeno retrato daquele
paí s que salvou ha 40 anos. Sei
que sera um aborrecimento
prescindir desse eterno des-
canso para vir a esta pequena
e apa tica miniatura peninsu-
lar. Se realmente tenciona ini-
ciar algum tipo de revoluça o,
aviso-lhe ja que na o pode co-
meçar na Escola pra tica de ca-
valaria de Santare m – foi van-
dalizada, esta completamente
destruí da e deserta. A ca mara
na o demonstra intença o de a
reconstruir, pelo menos por
enquanto – esta demasiado
endividada e pretende conti-
nuar a endividar-se com a
construça o de novas rotundas.
Tudo para o bem da segurança
rodovia ria e para a este tica
citadina – na o me pergunte a
lo gica disto: manias!
Provavelmente na o sabe, e
com o devido reconhecimento,
todos celebramos o 25 de
Abril como aquela data que foi
princí pio de mudança para um
paí s que vivera durante tantos
anos sob um regime fascizan-
te. Hoje considero, e repare
que e so a minha opinia o (vale
o que vale), que estamos apa -
ticos e encostados a parede
com medidas de austeridade
que tiram a dignidade a mui-
tas famí lias. Fazemos manifes-
taço es, sim. Repare bem que
ate ja arranca mos as pedras
da calçada para atirarmos a
uma barreira de seguranças
em frente a Assembleia da Re-
publica. Veja la o senhor que
facilita mos o trabalho e pou-
pa mos alguma ma o-de-obra
porque ha pouco tempo, deci-
diu-se acabar com a calçada
portuguesa – ironia do desti-
no.
Um jovem da minha idade
ja na o tem muita esperança no
futuro profissional. A emigra-
ça o, inevitavelmente, torna-se
a u nica alternativa. E repare
que, muitas das vezes, na o e
por falta de vontade. Gosta-
mos do nosso paí s. Penso que
a identidade nacional ficou-se
pelos feitos que ja foram. O
que sera ja foi.
Admiramo-lo muito, sabe?
A escola onde aprendeu as pri-
meiras letras e hoje uma
“escola museu” – a escola pri-
ma ria de Sa o Torcato de Coru-
che. Se na o tivesse la estudado
possivelmente estaria no role
de escolas que deveriam ser
reconstruí das por causa do
problema do amianto.
Poderia continuar a desaba-
far, mas preferia faze -lo pesso-
almente. Precisamos de si. Ve-
nha que tenho todo o gosto em
oferecer-lhe um cafe . Na o sei
se o nosso Presidente da Re-
publica estara presente – ca
para no s, ele na o e homem de
muitas conversas. O Primeiro-
ministro provavelmente esta-
ria, se o convida ssemos…mas
penso que o senhor quer estar
na companhia de gente se ria.
Responda, por favor, com a
ma xima urge ncia.
OPINIÃO
Carta a Salgueiro Maia
Michelle Tomás
A emigração, inevi-
tavelmente, torna-
se a única alterna-
tiva. E repare que,
muitas das vezes,
não é por falta de
vontade. Gostamos
do nosso país.
Pág
. 33
Décima Quarta Edição
O fim do Estado Novo con-
sumado a 25 de Abril de 1974
atrave s do golpe militar de-
sencadeado pelo MFA
(Movimento das Forças Arma-
das) foi o consumar da
“cro nica de uma morte anunci-
ada”.
Olhando em retrospectiva
os u ltimos 15 anos de regime,
facilmente entendemos que a
sua queda na o foi inesperada,
tendo va rios episo dios acendi-
do o rastilho de descontenta-
mento entre a populaça o ape-
sar da modernizaça o da eco-
nomia atrave s dos Planos de
Fomento do Governo de Mar-
cello Caetano e a tentativa de
aproximaça o ao projecto euro-
peu.
A passagem para o conflito
armado, vulgo Guerra Coloni-
al, em 1961, que levou milha-
res de soldados para o Ultra-
mar, despedaçou famí lias e os
alicerces do Estado. Cerca de
40% do Orçamento Geral do
Estado estava reservado a de-
fesa das colo nias, sendo por
isso um dos factores da queda
do regime. Para ale m disso,
tambe m contribuí ram para o
desmoronar do regime, a saí da
de Salazar da chefia do paí s, a
crescente crí tica internacional
e nacional a s possesso es ultra-
marinas, a par da diminuiça o
da qualidade de vida das famí -
lias que continuava significati-
vamente abaixo do standard
europeu da altura e por u lti-
mo, o grande descontenta-
mento de capita es e milicianos
que combatiam no Ultramar.
Entrando numa narrativa
de ana lise da revoluça o sob o
ponto de vista da identidade
OPINIÃO
O longo [e tortuoso] caminho da Democracia
Bernardo Lourenço
Olhando em re-
trospectiva os últi-
mos 15 anos de
regime, facilmente
entendemos que a
sua queda não foi
inesperada, tendo
vários episódios
acendido o rasti-
lho de desconten-
tamento entre a
população
© João Abel Manta
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Edição de Março
OPINIÃO
nacional, podemos dizer que
foi uma revoluça o com toques
roma nticos tí picos dos portu-
gueses… Fica mos com
“Saudade” dos laços que cria -
mos com os povos que coloni-
za mos, querendo manter uma
relaça o com eles e vice‐versa,
ao mesmo tempo que, ao inve s
de disparar balas, opta mos
por colocar cravos nas Chaimi-
tes e nas armas de fogo… fo-
ram tiros de paz, rumo a um
futuro cheio de esperanças em
que todas as organizaço es po-
lí ticas e militares quiseram
impulsivamente governar os
destinos do paí s.
Com o consumar da revolu-
ça o a Junta de Salvaça o Nacio-
nal po s em pra tica o programa
do MFA, tendo como lema De-
mocratizar, Descolonizar, De-
senvolver… Basicamente eli-
minaram‐se as principais fer-
ramentas do regime: a extin-
ça o da PIDE/DGS, a libertaça o
dos presos polí ticos e o iní cio
do processo descolonizador,
cortando assim todos os laços
com o Estado Novo.
Nos dois anos posteriores a
revoluça o, Portugal deu os pri-
meiros passos rumo a Demo-
cracia e a integraça o na Euro-
pa. Foram momentos bastante
conturbados, principalmente
pela tentativa de instauraça o
de um regime comunista em
Portugal atrave s do PREC, que
so terminou com o mí tico epi-
so dio de 25 de Novembro,
pondo fim ao “Vera o Quente
de 1975”.
Estabilizadas as condiço es
para a realizaça o das primei-
ras eleiço es verdadeiramente
livres, Portugal teve o seu pri-
meiro Governo democra tico
em Julho de 1976, abrindo ca-
minho para o concretizar do
projecto do 25 de Abril.
Criadas as fundaço es para a
democracia começou‐se a pla-
near a forma de integraça o da
economia portuguesa na Euro-
pa, tentando apanhar este
comboio que na o mostrava
sinais de abrandamento.
Olhando em retrospectiva a
adesa o de Portugal a CEE em
1986, podemos dizer que a
Europa na o foi o “El-dorado”
que se pensava. Basta, fazer as
contas…recebemos cerca de
80 mil milho es de euros em
fundos, equivalente ao resgate
e de 2011. Este facto elucida‐
nos do desastre que foi a inte-
graça o de um tecido econo mi-
co com potencialidades inte-
ressantes (porta de entrada da
Ame rica do Sul e A frica), que
contava com um dos maiores
portos de a gua profundas do
mundo (Sines), num projecto
em que so os paí ses com maio-
res posses conseguiram ver-
dadeiramente vingar.
Num espectro global, o 25
de Abril foi talvez a maior
obra de coragem e de esperan-
ça que temos memo ria desde a
e poca dos descobrimentos.
Em suma, fomos fazendo
“zapping” de Governos, rece-
bendo fundos, sem nunca pa-
rar para construir um projecto
so lido… talvez, olhando para
tra s e recortando da histo ria
os episo dios em que soube-
mos ir “ale m da Taprobana” e
demos “novos mundos ao
mundo” fosse um bom exerci-
cí o, mas nunca nos demos a
esse esforço… Caí mos num
vazio de futuro ao mesmo
tempo com uma mirí ade de
sonhos.
a Europa não foi
o “El-dorado” que
se pensava. Basta,
fazer as contas…
recebemos cerca
de 80 mil milhões
de euros em fun-
dos, equivalente
ao resgate e de
2011
ao invés de dispa-
rar balas, optámos
por colocar cravos
nas Chaimites e
nas armas de fo-
go… foram tiros de
paz, rumo a um fu-
turo cheio de espe-
ranças
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Décima Quarta Edição
Herman Jose tambe m foi
Capita o de Abril, so que alguns
anos depois. Pena que nos te-
nhamos esquecido disso.
Em 1987, lança-se “ Humor
de Perdiça o”, um programa
humorí stico televisivo, criado
por Herman Jose , com um
elenco de fazer inveja a qual-
quer dos “novos” conteu dos
co micos do se culo XXI, incluin-
do a actriz Ana Bola, Miguel
Guilherme, Virgí lio Castelo ou
Victor de Sousa. Para ale m
destas verdadeiras estrelas
televisivas, este programa
contou ainda com Miguel Este-
ves Cardoso ou Carlos Paia o.
Ja chega para vos convencer,
ou na o?
A voce s certamente, mas a
RTP 1 na o. Em 1988, a emis-
sa o de tre s “Entrevistas Histo -
ricas ” foram subitamente in-
terrompidas tornando-se este
o primeiro episo dio pole mico
na vida de Herman Jose . De
sublinhar o facto de se passa-
rem ja 14 anos desde o 25 de
Abril. 14 anos.
Este ano celebramos 40
anos de uma revoluça o que faz
parte dos anais da nossa histo -
ria mas que ainda assim na o
surtiu todos os efeitos que es-
pera vamos. No humor, Her-
man nunca baixou os braços e
deixou-nos um legado ignora-
do por alguns, como parte dos
novos humoristas tanto gos-
tam de fazer, mas que perdu-
ra. Assim, consegue deixar
bem assente que a nossa co-
me dia foi silenciada durante a
tempestade salazarista, contu-
do, viveu tempos a ureos logo
apo s a famosa cadeira pregar
uma partida ao nosso lí der de
voz fininha.
Se Herman Jose foi um dos,
por mim apelidado claro,
“Capita o de Abril”, porque e
que hoje, quando ligamos a
televisa o, ou iniciamos uma
pesquisa de ví deos no Youtu-
be sa o poucos os conteu dos
inspirados nas suas pro prias
obras? Porque e que larga mos
verdadeiros tesouros como os
livros e publicaço es de Rafael
Bordalo Pinheiro, as pinturas
de Ze Penincheiro ou os carto-
ons, de tantos e tantos, como
Joa o Abel Manta ou Vasco de
Castro? Para onde foram tan-
tos anos de luta humorí stica
que denunciaram os malfeito-
res e os corruptos, os ladro es
e os abastados, ou que nos
trouxeram figuras como o Ze
Povinho?
Esta revoluça o na o se fez so
de espingarda na ma o e cravo
no cano. Na o se fez so de gran-
des discursos e palavras que
ditaram um caminho feliz. Fez
-se de homens que quiseram
que nos continua ssemos a rir
e que na o perde ssemos uma
das coisas em que somos me-
lhores (exceptuando os ingle-
ses com os Monty Python) : a
Come dia.
Este ano celebram-se 40
anos de liberdade e esta na
altura de repensar se na o de-
vemos recuar um pouco, cor-
tar nos excessos vazios daqui-
lo que se subentende por Hu-
mor e trazer de volta os Jose
Esteves e as Maximianas desta
vida.
OPINIÃO
A Revolução também se faz a rir
José Paiva
Esta revolução não
se fez só de espin-
garda na mão e
cravo no cano.
Não se fez só de
grandes discursos
e palavras que di-
taram um caminho
feliz. Fez-se de ho-
mens que quise-
ram que nos conti-
nuássemos a rir
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Edição de Março
HUMOR
Quem comia morangos com
açu car deve lembrar-se de To
Pe , um dos integrantes dos
D´zrt. A personagem era inter-
pretada por Paulo Vinte m. Ate
aqui, nada de anormal. Fez um
papel representativo daquilo
que e o adolescente portugue s.
Apenas falhou numa parte. Os
adolescentes portugueses do
Se culo XXI na o celebraram a
vito ria republicana porque
esta aconteceu a 5 de Outubro
de 1910. Na o e por serem mo-
narcas, e por na o estarem vi-
vos naquela e poca. Aquilo que
mais me custa e ter sido inge -
nuo. Na altura na o reparei,
com os meus 12 anos, que
Paulo Vinte m e imortal.
Este feno meno merece ser
estudado. Alia s, Paulo pode ter
informaço es ine ditas sobre a
histo ria de Portugal. Bem me
lembro agora que, numa tarde
de Sexta, cheguei a casa e mu-
dei para a TVI. Estava o To Pe
a falar bem do Teo filo Braga
ao ouvido do Ze Milho,
numa das aulas de dança. En-
tretanto, entra o To Jo em cena
e diz que aposta uma perna de
presunto em como o Teo filo
acabou o mandato em 1911.
Estavam todos os bréakdan-
cérs a insistir na data de 5956.
To Pe na o aceitou a aposta e
agora percebo porque . Ele sa-
bia, ele esteve la . Tambe m me
pareceu ve -lo nas pinturas do
antigo Egipto, mas ainda na o
posso confirmar.
Dário Moreira
Tó Pê e a Revolução Republicana
Na altura não reparei, com os meus 12 anos, que Paulo Vintém
é imortal. Este fenómeno merece ser estudado.
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Décima Quarta Edição
HUMOR
Doença das vacas loucas,
Pneumonia atí pica, Gripe das
aves e Selfies, sa o as doenças
do Se culo XXI. Abordo aqui a
u ltima pelo seu ní vel de agres-
sividade. O Ministe rio da Sau -
de recomendou cuidado ao
cidada o quanto ao surto selfa -
tico. Este ví rus aparece de sur-
presa. Ha relatos de pessoas
que estavam a viver a sua vida
tranquilamente quando, de
forma inesperada, as suas
ma os agarram num telemo vel
e tiram uma fotografia com a
ca mara frontal. Reparem na
intelige ncia do SN1H78EH
(nome cientí fico da doença).
Ha cuidados a ter, pois ja se
contabilizam 7 bilio es de pes-
soas que gostam demasiado
delas pro prias. Ate que a situ-
aça o normalize, os governos
estipularam duas alternativas:
1) Os humanos destroem
todos os aparelhos electro ni-
cos que possuem;
2) Os humanos bebem tre s
shots de absinto. Assim, a Sel-
fie fica desfocada e ningue m se
chateia. Isto, obviamente, na o
elimina o ví rus mas ajuda a
espantar.
Um outro problema que
surge, inclusive em Portugal,
centra-se no bolso dos que
aqui vivem. Va rios economis-
tas alegam que o nosso paí s
pode vir a ser pobre. Pode ate
perder, num curto-prazo, a
auto-suficie ncia econo mica
invejada por tantos outros. Se
pensarmos bem, encontramos
a lo gica. O dinheiro sai-nos do
bolso porque o telemo vel pre-
cisa do seu espaço. Um sa bio
disse-me uma vez que as notas
do futuro sera o ana s e que os
telemo veis sera o jogadores de
basquetebol. Nessa altura, se-
ra cada um por si ou Mé, Your
Sélfié and I.
Dário Moreira
Me, Your Selfie and I
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Edição de Março
“Canções de Intervenção”:
1. Bob Dylan, “The Times They Are a-Changin’! (1964)
2. Caetano Veloso, “Alegria, Alegria” (1967)
3. Gil Scott-Heron, “The Revolution Will Not Be Televised” (1970)
4. Sérgio Godinho, “Que Força É Essa?” (1971)
5. Zeca Afonso, “Grândola Vila Morena” (1971)
6. Paulo de Carvalho, “E Depois do Adeus” (1974)
7. The Clash, “White Riot” (1977)
8. Bob Marley, “Redemption Song” (1980)
9. José Maria Branco, “FMI” (1982)
10. Patti Smith, “People Have the Power” (1988)
11. Public Enemy, “Fight The Power” (1988)
12. Rage Against The Machine, “Killing In The Name” (1992)
13. The White Stripes, “The Big Three Killed My Baby” (1999)
14. Valete, “Fim da Ditadura” (2005)
15. Da Weasel, “Negócios Estrangeiros” (2008)
16. Deolinda, “Parva que Eu Sou” (2011)
17. B Fachada, “Deus, Pátria e Família” (2011)
18. Boss AC, “Sexta-Feira (Emprego Bom Já)” (2012)
19. Virgem Suta, “Exporto Tristeza” (2012)
20. Diabo na Cruz, “Vida de Estrada” (2014)