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15 anos vivendo no aeroporto de Guarulhos El País María Martín 4 horas atrás COMPARTIL… TWEETAR EMAIL © Victor Moriyama Denis Luiz de Souza vive há 15 anos no aeroporto de Guarulhos. Nos últimos 15 anos, Denis Luiz de Souza, sem sair do aeroporto, viu o Brasil trocar três vezes de presidente e o Corinthians ganhar uma Copa Libertadores, duas Copas do Brasil, dois mundiais de clubes e duas ligas. Esse rapaz encorpado, com aparência de adolescente, acaba de fazer 32 anos e, desde 2000, mora nos corredores do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. Denis nunca subiu em um avião, mas conhece cada esquina e cada trabalhador do maior aeroporto da América Latina: do agente da Polícia Federal, com o qual comenta os gols da rodada, até o empacotador de malas; da coordenadora do terminal 2, que o conhece desde que era apenas um menino, a todos os outros que, como ele, sem casa, moram nesse lugar onde o tempo parece ter parado. É difícil entender o que se passa pela cabeça de Denis. Suas frases são curtas, incompletas, não distingue a diferença entre um mês e uma semana e não sabe ver as horas se não for em um relógio digital. Não sabe ler, embora passeie com um jornal debaixo do braço, e não sabe citar nenhum destino internacional. Não sabe nada sobre o que ocorre fora do aeroporto, exceto as façanhas e desgostos do Corinthians. Pode ser que os supostos maus‐ tratos, infligidos por sua madrasta e que relatou aos mais próximos, tenham causado sequelas psicológicas, mas ninguém sabe na verdade: o serviço social da prefeitura de

15 Anos Vivendo No Aeroporto de Guarulhos

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15 anos vivendo no aeroporto de Guarulhos

El PaísMaría Martín4 horas atrás

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© Victor Moriyama Denis Luiz de Souza vivehá 15 anos no aeroporto de Guarulhos.

Nos últimos 15 anos, Denis Luiz de Souza, sem sair doaeroporto, viu o Brasil trocar três vezes de presidentee o Corinthians ganhar uma Copa Libertadores, duasCopas do Brasil, dois mundiais de clubes e duas ligas.Esse rapaz encorpado, com aparência de adolescente,acaba de fazer 32 anos e, desde 2000, mora noscorredores do Aeroporto Internacional de Guarulhos,em São Paulo. Denis nunca subiu em um avião, masconhece cada esquina e cada trabalhador do maior

aeroporto da América Latina: do agente da Polícia Federal, com o qual comenta os gols darodada, até o empacotador de malas; da coordenadora do terminal 2, que o conhece desdeque era apenas um menino, a todos os outros que, como ele, sem casa, moram nesse lugaronde o tempo parece ter parado.

É difícil entender o que se passa pela cabeça de Denis. Suas frases são curtas, incompletas,não distingue a diferença entre um mês e uma semana e não sabe ver as horas se não forem um relógio digital. Não sabe ler, embora passeie com um jornal debaixo do braço, enão sabe citar nenhum destino internacional. Não sabe nada sobre o que ocorre fora doaeroporto, exceto as façanhas e desgostos do Corinthians. Pode ser que os supostos maus‐tratos, infligidos por sua madrasta e que relatou aos mais próximos, tenham causadosequelas psicológicas, mas ninguém sabe na verdade: o serviço social da prefeitura de

Guarulhos nunca o visitou. Diz que não vai ao médico desde que era menino. “Denisprecisa de um tratamento psicológico ou psiquiátrico, ele vive em seu mundo, mas precisade um diagnóstico, de que alguém cuide dele”, lamenta Flavio Faria, que trabalha numaseguradora do aeroporto há 20 anos.

Órfão, Denis chegou ao aeroporto em um ônibus depois da enésima bronca em casa, emuma manhã indefinida há 15 anos. Pode ser que seja mais. Ou menos. Ele perdeu a noçãodo tempo, por isso foram os funcionários mais veteranos que calcularam a dataaproximada de sua chegada. Um dia decidiu fugir, conta Sheila, uma de suas mães adotivasda loja de celulares Vivo do terminal 2. Nunca mais voltou para casa. As vendedoras lhedão comida, lavam sua roupa e, quando precisa, guardam suas poucas coisas em uma dascabines de telefone do local.

Quase todos os funcionários do aeroporto se dedicaram à proteção do Corintiano, apelidoque ganhou por sua paixão pelo time. “De uma forma ou de outra, você acaba seenvolvendo. Sempre que me pediu alguma coisa, lhe dei; não pude dizer não”, conta Faria,que leva marmitas para Denis uma vez por semana. “Faz favores para todo mundo, é muitohonesto, conversa e brinca com todos”, descreve Talita, garçonete da cafeteria onde eletoma café.

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Denis vive de caridade, mas também de ajudar aos outros. Os empregados do aeroportorecorrem a ele para pagar as contas de luz, jogar na loteria, comprar remédios e até pagaro aluguel. Em troca, recebe umas moedas que, em outros tempos, quando os preços eramoutros, destinava à sua paixão: ver o Corinthians jogar no estádio do Pacaembu.

Apenas quando os últimos voos internacionais decolam, já no começo da madrugada,Denis parece ficar sozinho e vai dormir. A cama é sempre a mesma, um espaço de trêsassentos na sala de espera do terminal 2, um cobertor azul e um travesseiro desbotado deflores. Sua dieta se resume a arroz com feijão e, com sorte, um café com leite de sete reais,cortesia do McDonald’s. Tomar banho no aeroporto por 47 reais é algo que Denis nãopode se dar ao luxo todos os dias, por isso que a higiene pessoal completa, no local ou nacasa de algum conhecido, é restrita aos sábados.

“Gostaria de ter uma casa, com um quarto da hora, sair desta vida seria bom”, diz Denis.“Mas aqui estou tranquilo”, acrescenta. “Todo Natal, um comandante paga uma noite em

um hotel para que ele durma em uma cama e tome um banho adequado. No ano passado,ao voltar, nos emocionou ao dizer que enquanto comia um frango à milanesa do serviço dequarto, se lembrou da gente, que gostaria de dividi‐lo, por tudo o que tínhamos feito porele”, contam às lágrimas suas madrinhas da loja de celulares.

“Ele precisaria de um lar, mas não acredito que sairia daqui, entende? Acho que tem medode ir embora e não poder voltar depois”, afirma a mais jovem das empregadas.

O “falso piloto” de Chávez chega a GuarulhosO venezuelano Moisés Boyer Riobueno, de 43 anos, é um especialista em morar emaeroportos e provocar escândalos com histórias incríveis. Desde 2011, a imprensa brasileirao localizou em cinco aeroportos brasileiros – incluindo o de Boa Vista, em Roraima, e oJuscelino Kubitschek, em Brasília. De saguão em saguão, ele espera que, depois de quatroanos, seja resolvido seu pedido de asilo político por uma suposta perseguição iniciada em2003, quando começaram suas denúncias midiáticas contra o Governo de Hugo Chávez.

A entrevista que concedeu naquela época a El Espectador, o jornal mais antigo daColômbia, provocou a demissão de seu diretor, Ricardo Santamaría. Nela, Boyer relatoucom detalhes que, por ordem do Governo de Chávez, levou à Venezuela o já falecido RaúlReyes, um dos líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ﴾FARC﴿. Tudo foidesmentido logo depois pelas autoridades venezuelanas e colombianas e Boyer foibatizado pela imprensa como “o falso piloto de Chávez”. As autoridades o expulsaram dopaís, onde também havia pedido asilo, por permanência ilegal.

Boyer reapareceu em 2006 no Peru com uma nova bomba informativa: Chávez haviafinanciado com 600.000 dólares a campanha do então candidato nacionalista OllantaHumala. Foi um escândalo, outra vez desmentido, e o falso piloto acabou detido em umsalão de beleza de Lima por usurpar funções militares.

Agora Boyer está no aeroporto de Guarulhos com outra história falsa construída com osfragmentos de seus últimos dez anos. Além da Bíblia que usa para pregar nas filas docheck‐in dos voos com destino à América Latina, ele carrega um álbum com fotos edocumentos. Entre as imagens, está a cena de um carro crivado de balas, um enterro, umabonita mulher de olhos azuis e duas meninas. Ele afirma agora que sofreu uma terrívelvingança por suas acusações, e que ele foi o único que sobreviveu à emboscada. Seu relatose dilui como um torrão de açúcar: as oito manchas na pele que ele mostra não sãocicatrizes de bala, e a foto de sua filha fazendo um coração com as mãos é na verdade a deCaroline Costa, uma jovem cantora francesa. Em seu bolso há 20 centavos. Mas ele garante,apesar de guardar dois cartazes pedindo ajuda econômica em perfeito português, queprefere morrer a pedir dinheiro.

Chegar ao aeroporto é relativamente fácil, e os ônibus podem parecer a solução para umadiscussão familiar, uma noite de frio para quem mora na rua ou uma crise financeira.

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Guarulhos é confortável, limpo, seguro, funciona 24 horas por dia e ninguém pode expulsarvocê de lá. O aeroporto passou a ser administrado pela empresa GRU‐Airport em 2012,mas continua sendo público. E se as pessoas seguem as normas básicas de convivência,você acaba se tornando invisível. “Basicamente, não posso me meter em confusão nempedir dinheiro”, explica Denis.

Acaba que o difícil é ir embora dali. Assim como Denis, outras pessoas chegaram aoaeroporto com uma mala e sem nenhuma intenção de embarcar num avião. Até hoje nãoencontraram lugar melhor. Segundo os relatos dos empregados, há pelo menos cincopessoas instaladas no aeroporto, além dos sem‐teto – 88 casos no ano passado – quecomeçam a aparecer pelos corredores empurrando um carrinho quando o inverno aperta.

Ao observar os assentos, você depara com um homem esguio e com um tique nos olhos.Vestido de preto, ele não tira as mãos de sua mala. Você também vê A Missionária, umasenhora mais velha de cabelo comprido e grisalho que fala aos gritos pelo celular com“Barack Obama”, e o venezuelano que aguarda asilo político há quatro anos. Ali tambémestá o idoso que há um ano tenta recuperar o apartamento que perdeu após acumular25.000 reais em dívidas de condomínio, e que compra bilhetes da loteria com a esperançade resolver seus últimos dias de maneira triunfal. Enquanto Denis faz um aniversários apósoutro no terminal, os outros vão e vêm. Às vezes desaparecem. E, durante alguns meses,parece que seus planos de se mudar funcionaram.

Denis não tem planos. Sonha com uma casa de verdade, mas não imagina como podeconsegui‐la. Seus amigos do aeroporto gostariam que tivesse uma vida mais normal, masele demorou tanto tempo para construir algo parecido a um lar que eles têm medo de que,no fim das contas, a hostilidade do mundo real seja demais para ele.

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