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A Aplicação de Penas e Medidas Alternativas Relatório de Pesquisa

150325 Relatorio Aplicacao Penas

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relatorio aplicação das penas - Brasil

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  • A Aplicao de Penas e Medidas Alternativas

    Relatrio de Pesquisa

  • A Aplicao de Penas e Medidas Alternativas

    Relatrio de Pesquisa

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Roberto Mangabeira Unger

    Fundao pblica vinculada Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasileiro e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    Presidente Sergei Suarez Dillon Soares

    Diretor de Desenvolvimento Institucional Luiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da Democracia Daniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e Polticas Macroeconmicas Cludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas e Ambientais Rogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriais de Inovao, Regulao e Infraestrutura Fernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas Sociais, SubstitutoCarlos Henrique Leite Corseuil

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas Internacionais Renato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de Gabinete Ruy Silva Pessoa

    Assessor-chefe de Imprensa e Comunicao Joo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • Rio de Janeiro, 2015

    Relatrio de Pesquisa

    A Aplicao de Penas e Medidas Alternativas

  • Ipea

    Alexandre dos Santos CunhaDoutor em direito, tcnico de planejamento e pesquisa e diretor-adjunto da Diretoria de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da Democracia do Ipea (Diest/Ipea).

    Almir de Oliveira JniorDoutor em sociologia, tcnico de planejamento e pesquisa da Diest/Ipea e coordenador do projeto.

    Bernardo MedeirosMestre em direito e tcnico de planejamento e pesquisa, lotado no gabinete da presidncia.

    Emlia Juliana FerreiraMestre em antropologia e assistente de pesquisa da Diest/Ipea.

    Fbio S e SilvaDoutor em direito, poltica e sociedade e tcnico de planejamento e pesquisa da Diest/Ipea.

    Helder FerreiraMestre em sociologia e tcnico de planejamento e pesquisa da Diest/Ipea.

    Luseni AquinoMestre em sociologia e tcnica de planejamento e pesquisa da Diest/Ipea.

    Pedro Vicente da Silva NetoGraduado em estatstica e assistente de pesquisa da Diest/Ipea.

    Talita Tatiana Dias RampinMestre em direito e assistente de pesquisa da Diest/Ipea.

    Tatiana Dar ArajoMestre em cincias sociais e assistente de pesquisa da Diest/Ipea.

    Vitor Silva AlencarMestre em direito e assistente de pesquisa da Diest/Ipea.

    Consultores

    Arthur Trindade Maranho CostaDoutor em sociologia e professor da Universidade de Braslia (UnB).

    Renato Srgio de LimaDoutor em sociologia e membro do Frum Brasileiro de Segurana Pblica.

    Rebecca Lemos IgrejaDoutora em antropologia e professora da UnB.

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2015

    FICHA TCNICA

    Pesquisadores de campo

    Alessandra de Almeida BragaMestre em sociologia e direito.

    Amlcar Cardoso Vilaa de FreitasDoutor em sociologia.

    Andra Caon Reolo StobbeMestre em direito.

    Carolina Cutrupi FerreiraMestre em direito.

    Dineia Largo AnzilieroMestre em direito.

    Erica Santoro Lins FerrazMestre em direito.

    Fabio Henrique Araujo MartinsMestre em psicologia e sociedade.

    Klarissa Almeida SilvaDoutoranda em sociologia.

    Marcelo Ottoni DuranteDoutor em sociologia e poltica.

    Suzann Flvia Cordeiro de LimaDoutora em psicologia.

    Tatiana Santos PerroneMestre em antropologia social.

    Walison Vasconcelos PascoalMestre em antropologia.

    Wilson Santos de VasconcelosMestre em demografia.

    Yuri Frederico DutraMestre em direito e filosofia.

    Auxiliares da pesquisa de campo

    Andrew Todd Prudew, Arlan Montilares de Oliveira Silva, Bruna de Freitas do Amaral, Clara Jane Costa Adad, Karla Juliana Novais dos Santos, Mara Cardoso Zapater, Maria Zenaide Gomes de Castro, Mozart Augusto Machado, Muryan Passamani da Rocha, Naiara Vilardi Soares Barbrio, Naira Rodrigues Alves da Silva, Priscilla Andr Ribeiro, Vitor Moraes Dias e Zonilce Brito Vieira

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

  • SUMRIO

    RESUMO ..................................................................................................................................................................... 7

    1 INTRODUO .......................................................................................................................................................... 8

    2 METODOLOGIA ...................................................................................................................................................... 11

    3 DISCUSSO NOS SEMINRIOS REGIONAIS ............................................................................................................. 23

    4 RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO .............................................................................................................. 28

    5 RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO ................................................................................................................. 45

    6 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................................................ 86

    REFERNCIAS ........................................................................................................................................................... 93

    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ............................................................................................................................... 93

  • 7A Aplicao de Penas e Medidas AlternativasRESUMO

    Com a perspectiva de aprimorar a implementao das alternativas penais no pas, o Departamento Penitencirio Nacional do Ministrio da Justia (Depen/MJ), por meio da Coordenao-Geral de Penas e Medidas Alternativas (CGPMA), estabeleceu acordo de cooperao tcnica com o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) para realizao do projeto Poltica Criminal Alternativa Priso (doravante intitulado A Aplicao de Penas e Medidas Alternativas). O termo de referncia acordado entre os dois rgos objetivou a prospeco de uma nova poltica criminal alternativa priso, a partir da elaborao de estudos diagnsticos de natureza quantitativa e qualitativa.

    Quanto ao estudo quantitativo, pretendeu-se, originalmente, executar um levantamento retrospectivo sobre o fluxo da justia criminal, desde a fase de execuo penal at o inqurito policial, a fim de entender os aspectos determinantes da aplicao (e da no aplicao) de penas e medidas na justia brasileira. A pesquisa abarcou as seguintes Unidades da Federao (UFs): Alagoas (AL), Distrito Federal (DF), Esprito Santo (ES), Minas Gerais (MG), Par (PA), Paran (PR), Pernambuco (PE), Rio de Janeiro (RJ) e So Paulo (SP).1

    Com base em amostra desenhada pela equipe do Ipea para cada uma das UFs selecionadas, foram escolhidos processos, distribudos entre varas criminais e juizados especiais, com baixa definitiva em 2011. Os formulrios para coleta de dados foram compostos por questes fechadas, abrangendo, entre outras, variveis relativas ao perfil sociodemogrfico do autor e aquelas estritamente processuais, que pudessem fornecer subsdios para a compreenso do fluxo do sistema de justia criminal.

    Complementando a pesquisa quantitativa, trabalhou-se com um enfoque qualitativo. Com a vantagem de possibilitar a abordagem mais intensiva e pormenorizada do funcionamento rotineiro do sistema de justia, o estudo qualitativo enfocou os rgos onde se d, a partir de etapas anteriores, o desfecho do processamento do fluxo da justia criminal, ou seja, varas e juizados criminais, varas de execuo penal (VEPs) e centrais de penas e medidas alternativas. O trabalho de campo envolveu, inclusive, a observao de audincias e a realizao de entrevistas com magistrados e servidores. No se tratou aqui do acompanhamento de processos em si; cuidou-se, sim, da observao de como os processos so abordados e conduzidos nos diferentes rgos e quais os obstculos e as dificuldades encontradas para a aplicao e execuo das alternativas penais.

    De forma a diversificar esses casos, foram selecionadas cinco UFs entre aquelas que fazem parte do estudo quantitativo, garantindo-se a representao de todas as regies geogrficas brasileiras. Em cada uma das UFs selecionadas, foram objeto de investigao a capital e uma cidade do interior, com o intuito de confrontar as duas realidades em termos de estrutura e procedimentos e averiguar o impacto destes fatores sobre a implementao das penas e medidas alternativas.

    O plano de pesquisa tambm cuidou de prever um componente de debate e validao dos resultados junto a um pblico diversificado, incluindo especialistas, membros de

    1. O estado da Bahia foi retirado devido a problemas com a consistncia e confiabilidade dos dados fornecidos pelo seu sistema de justia criminal.

  • 8 Relatrio de Pesquisaorganizaes da sociedade civil, operadores do direito e trabalhadores do sistema de justia no pas. Para isso, foi concebida a realizao de oficinas nas cinco regies geogrficas brasileiras. Como esses eventos foram realizados ainda na fase da coleta de dados, antes de os resultados estarem consolidados, o teor das discusses apresentado neste relatrio antes dos resultados dos levantamentos quantitativo e qualitativo.

    Em termos gerais, a expectativa a de que os achados da pesquisa possam esclarecer os meandros da aplicao e da execuo de penas e medidas alternativas pelo sistema de justia brasileiro, contribuindo, alm disso, para apontar os desafios da poltica nacional que ainda se encontram pendentes, especialmente no que diz respeito ampliao do recurso s alternativas penais, de um lado, e ao aumento de sua efetividade, de outro.

    Palavras-chave: justia criminal; medidas alternativas; penas alternativas; alternativas penais.

    1 INTRODUO

    Desde 2000, o governo federal executa, por intermdio do Ministrio da Justia (MJ), a poltica nacional de penas alternativas, com foco no apoio criao de estruturas que viabilizem a execuo dessas sanes no mbito das Unidades Federativas (UFs). Criado em setembro do referido ano, a partir de proposta do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) e sob a gerncia da Central Nacional de Apoio e Acompanhamento s Penas e Medidas Alternativas (Cenapa), o Programa Nacional de Apoio s Penas Alternativas tem como objetivo desobstruir bices burocrticos e outros empecilhos criados por parte dos atores institucionais para aplicao e monitoramento das sanes alternativas, incentivando sua aplicao e apoiando a criao de Centros de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas.

    Apesar de as penas restritivas de direitos terem respaldo legal desde a reforma do Cdigo Penal, em 1984, como ficou previsto em seus Artigos 43 a 48, o balano dos dez anos da poltica apresentado em relatrio produzido pelo MJ (Brasil, 2010) deixa evidente que a aplicao dessas sanes tem se mantido em segundo plano. A resistncia e a cultura conservadora dos atores que integram o sistema de justia brasileiro seriam o fator decisivo para este quadro, o qual usualmente justificado como efeito da ausncia de estrutura para realizar o monitoramento, a fiscalizao e a execuo das sanes.

    Todavia, desde a dcada de 1980, algumas iniciativas em prol da aplicao de penas alternativas, ainda que pontuais, conquistaram espao em diferentes estados, cabendo citar o estabelecimento de convnios com prefeituras e fundaes pblicas e os projetos implementados nas prprias varas de execuo penal (VEPs). A aposta era no sentido de que as penas alternativas contribuiriam para a reduo da taxa de encarceramento, alm de funcionarem como canais de exerccio da cidadania, por meio da conscientizao do infrator quanto ao ato cometido, da aproximao entre a vtima e o autor do fato e da possibilidade de reparao do dano causado. Outro impacto vislumbrado era o da minimizao do estigma de criminoso e dos efeitos da prisionizao, com possveis repercusses, inclusive sobre as taxas de reincidncia criminal (Clemmer, 1970).

    Com o passar dos anos, o projeto de efetivao das penas alternativas se estendeu, tendo sido favorecido pelo molde institucional criado pelas Leis no 9.099/1995 e

  • 9A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasno 10.259/2001, que instituram e regulamentaram os juizados especiais criminais (Jecrims), nos mbitos estadual e federal, respectivamente. O novo aparato institucional teve como objetivo promover o acesso justia, por meio de mudanas no rito criminal ordinrio, para o processamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo, priorizando a celeridade processual, a informalidade, a desburocratizao, a conciliao/transao penal e a aplicao de penas e medidas alternativas (PMAs).

    O que se esperava com o advento dessas leis era a desobstruo dos meandros burocrticos dos rgos judiciais, uma vez que diminuiria o nmero de feitos a serem remetidos s varas criminais e, no mbito dos novos rgos, os processos passariam a ser resolvidos por vias teoricamente mais rpidas e eficazes.

    De fato, a institucionalizao dos juizados criminais instaurava mudanas com perspectivas de forte repercusso sobre o processo, com a criao do rito sumrio e sumarssimo para crimes de menor potencial ofensivo, contribuindo para dar agilidade e informalidade ao procedimento, e com o estabelecimento de novos institutos processuais, que priorizam a composio dos danos ou a conciliao entre as partes, por meio da transao penal e da suspenso condicional do processo. Alm disso, vislumbrava-se que os juizados constituiriam espao privilegiado para a aplicao de medidas e penas alternativas restrio de liberdade e, com isso, os impactos positivos se estenderiam tambm ao sistema penitencirio (Brasil, 2010).

    Todavia, a lacuna existente entre a realidade e o arcabouo normativo que sustenta a aplicao das PMAs causou distores quanto ao emprego dos Jecrims durante as dcadas de 1990 e 2000. Assim, muitos processos que poderiam tramitar no rito mais clere permaneceram ou foram distribudos para as varas criminais, seja pelas restries na interpretao do juiz quanto ao conceito de crimes de menor potencial ofensivo, deixando de abranger determinadas categorias penais, seja pela falta de organizao nos cartrios judiciais para identificar e reunir os processos com essas caractersticas, seja, ainda, pela ausncia de espao e estrutura organizacional para acompanhar as PMAs.2

    Neste cenrio, o MJ tem buscado impactar a cultura jurdica dominante, apoiando aes e projetos que priorizam a aplicao de PMAs, por meio, por exemplo, da criao de varas de execuo especializadas, alm de acompanhar a implementao dessas iniciativas, analisando os resultados obtidos e buscando difundir e multiplicar os projetos bem-sucedidos no pas. Como atesta o prprio MJ, os esforos efetuados resultaram no aumento dos servios pblicos nessa rea, proporcionando um salto da ordem de quatro ncleos de PMAs instaladas antes de 2000 para mais de trezentas centrais e vinte varas de execuo especializadas ao longo de pouco mais de uma dcada. A atuao governamental nessa rea reconhecida nacional e internacionalmente, com o modelo brasileiro sendo destacado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) durante o 12o Congresso das Naes Unidas sobre Preveno ao Crime e Justia Criminal, realizado em 2009, como uma das boas prticas voltadas reduo da superlotao carcerria no mundo.

    2. Tambm se pode fazer a crtica de que a aprovao da Lei no 9.099/1995 levou menos ao incremento do apoio vtima e da celeridade processual e mais ao maior controle penal, j que at mesmo contravenes penais que no eram mais alvo de persecuo penal, pela prpria priorizao policial, passaram a ser alvo da justia criminal.

  • 10 Relatrio de PesquisaMesmo que as aes implantadas pelo MJ sejam relativamente bem-sucedidas em seu

    propsito de apoiar a execuo de PMAs, necessrio aumentar o conhecimento sobre qual o contexto que antecede essa modalidade de execuo penal e a prpria aplicao dessas penas e medidas pelo sistema de justia brasileiro. As inovaes recentes na poltica criminal brasileira, por exemplo, indicam a necessidade de repensar o lugar das penas e das medidas alternativas no sistema de justia nacional. Podem-se citar, de um lado, as vedaes aplicao desse tipo de sano impostas pela Lei no 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e, de outro, o aumento do leque de medidas cautelares disposio do sistema de justia, possibilitado pela Lei no 12.403/2011 (a nova Lei das Cautelares). Alm disso, adensa-se a percepo de que o prprio sistema de justia criminal, incluindo as polcias, o Ministrio Pblico (MP), o Judicirio e os advogados, com seus valores e suas ticas profissionais distintos, suas rotinas e seus procedimentos especficos aos rgos a que se vinculam, portador de uma lgica de atuao que interfere diretamente sobre o que se concebe, na prtica processual, como pena alternativa e sobre os fins a que se destina.

    Com a perspectiva de aprimorar a implementao das alternativas penais no pas, o Departamento Penitencirio Nacional (Depen)/MJ, por meio da Coordenao-Geral de Penas e Medidas Alternativas (CGPMA), estabeleceu acordo de cooperao tcnica com o Ipea para realizao do Projeto Poltica Criminal Alternativa Priso. O termo de referncia acordado entre os dois rgos objetivou a prospeco de uma nova poltica criminal alternativa priso, a partir da elaborao de estudos diagnsticos de natureza quantitativa e qualitativa (primeira etapa), da construo de propostas de poltica (segunda etapa) e de debate com a sociedade (terceira etapa).

    Quanto ao estudo quantitativo, pretendeu-se, originalmente, executar um levantamento retrospectivo sobre o fluxo da justia criminal, desde a fase de execuo penal at o inqurito policial, a fim de entender os aspectos determinantes da aplicao (e da no aplicao) de penas e medidas na justia brasileira. Para isso, a pesquisa procurou centrar-se nas UFs que apresentam maior taxa de homicdios por habitantes Alagoas (AL), Bahia (BA), Distrito Federal (DF), Esprito Santo (ES), Minas Gerais (MG), Par (PA), Paran (PR), Pernambuco (PE), Rio de Janeiro (RJ) e So Paulo (SP).3 O diagnstico passaria, conforme proposto pela CGPMA/Depen, pelos seguintes tipos penais: ameaa, tentativa de homicdio, furto simples, trfico de entorpecentes e porte de arma de fogo.

    Com base em amostra significativa e representativa, desenhada pela equipe do Ipea para cada uma das UFs selecionadas, foram escolhidos processos, distribudos entre varas criminais e juizados especiais, com baixa definitiva em 2011. Os formulrios para coleta de dados foram compostos por questes fechadas, abrangendo, entre outras, variveis relativas ao perfil sociodemogrfico do autor e aquelas estritamente processuais, que pudessem fornecer subsdios para a compreenso do fluxo do sistema de justia criminal.

    Complementando a pesquisa quantitativa, trabalhou-se com um enfoque qualitativo. Com a vantagem de possibilitar a abordagem mais intensiva e pormenorizada do funcionamento rotineiro do sistema de justia, o estudo qualitativo enfocou os rgos

    3. Como se comentar adiante, a pesquisa por tipos de infrao penal foi impossibilitada. Em relao abrangncia territorial, o estado da Bahia foi retirado devido a problemas com a consistncia e confiabilidade dos dados fornecidos pelo seu sistema de justia criminal.

  • 11A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasonde se d, a partir de etapas anteriores, o desfecho do processamento do fluxo da justia criminal, ou seja, varas e juizados criminais, VEPs e centrais de PMAs. O trabalho de campo envolveu, inclusive, a observao de audincias e a realizao de entrevistas com magistrados e servidores. No se tratou aqui do acompanhamento de processos em si; cuidou-se, sim, da observao de como os processos so abordados e conduzidos nos diferentes rgos e quais so os obstculos e as dificuldades encontradas para a aplicao e execuo das alternativas penais.

    De forma a diversificar esses casos, foram selecionadas cinco UFs entre aquelas que fazem parte do estudo quantitativo, garantindo-se a representao de todas as regies geogrficas brasileiras. Em cada uma das UFs selecionadas, foram objeto de investigao a capital e uma cidade do interior, com o intuito de confrontar as duas realidades em termos de estrutura e procedimentos e averiguar o impacto destes fatores sobre a implantao das PMAs.

    O plano de pesquisa tambm cuidou de prever um componente de debate e validao dos resultados junto a um pblico diversificado, incluindo especialistas, membros de organizaes da sociedade civil, operadores do direito e trabalhadores do sistema de justia no pas. Para isso, foi concebida a realizao de oficinas nas cinco regies geogrficas brasileiras. Como esses eventos foram realizados ainda na fase da coleta de dados, antes de os resultados estarem consolidados, o teor das discusses apresentado neste relatrio antes dos resultados dos levantamentos quantitativo e qualitativo.

    Em termos gerais, a expectativa a de que os achados da pesquisa possam esclarecer os meandros da aplicao e da execuo de PMAs pelo sistema de justia brasileiro, contribuindo, alm disso, para apontar os desafios da poltica nacional que ainda se encontram pendentes, especialmente no que diz respeito ampliao do recurso s alternativas penais, de um lado, e ao aumento de sua efetividade, de outro.

    2 METODOLOGIA

    2.1 Elaborao do estudo diagnstico: parte quantitativa

    2.1.1 Fase 1: desenho da pesquisa e elaborao dos instrumentos de coleta de dados

    As discusses para construo do desenho da pesquisa se iniciaram no segundo semestre de 2011, em reunies realizadas entre a equipe do Ipea e membros da CGPMA/Depen. Para execuo do diagnstico quantitativo, pensou-se, inicialmente, em tomar o inqurito policial como unidade de anlise, com o objetivo de averiguar os possveis filtros estabelecidos pelas polcias e pelo MP no processamento dos tipos penais predefinidos. Nesse sentido, a estratgia requereria o mapeamento das centrais de inqurito e estruturas similares nas UFs selecionadas. Contudo, logo se constatou que nem todas contam com centrais desse tipo. Alm disso, em alguns casos, h centrais ligadas Polcia Civil, ao passo que, em outros, so rgos do MP. H, ainda, varas de inquritos do Judicirio que no se comunicam com as outras instituies. A solicitao exploratria de dados referentes a

  • 12 Relatrio de Pesquisainquritos junto s centrais dos MPs de Pernambuco e So Paulo tambm no logrou xito, o que evidenciou a impossibilidade de seguir por este caminho.

    Dada a dificuldade em identificar, naquele momento, fontes de dados seguras, agravada pela variedade de arranjos institucionais referentes aplicao de PMAs, cogitou-se utilizar como fonte de informao a Rede Infoseg, gerenciada pelo MJ. Os dados deste sistema permitiriam estabelecer a fase inicial do fluxo, a ser complementada por dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justia (CNJ) para a compreenso do desfecho da execuo penal. Porm, logo se tornaram patentes as dificuldades de uma pesquisa sobre o fluxo de justia criminal tomando a fase policial como ponto de partida. Alm dos problemas de subnotificao encontrados na base da Rede Infoseg, haveria ainda a dificuldade de acompanhar o andamento dos inquritos quando remetidos ao Judicirio.

    Optou-se, ento, por trabalhar com uma amostra representativa de processos criminais relativos aos delitos de ameaa, tentativa de homicdio, furto simples, trfico de entorpecentes e porte de arma de fogo. Como critrio de coorte, os processos precisariam ter recebido baixa definitiva no ano de 2011. A amostra compreenderia, de forma proporcional, autos findos provenientes tanto das varas comuns quanto dos Jecrims. Com essa referncia, poderiam ser produzidos dois bancos de dados para analisar quantitativa e retrospectivamente o processamento dessas aes penais, desde o inqurito policial at o trnsito em julgado, determinando se houve ou no a aplicao de uma medida ou pena alternativa, bem como eventuais iniciativas de composio com a vtima.

    Contudo, novas adaptaes tiveram de ser adotadas ao longo da pesquisa, em decorrncia de problemas que surgiram ainda na fase de construo das amostras. Como no existem dados disponveis sobre os processos criminais com baixa definitiva na Justia dos estados, estes foram solicitados ao Departamento de Pesquisas Judicirias (DPJ) do CNJ, que deveria produzi-los, em conjunto com os Tribunais de Justia, at o final de fevereiro de 2012. Porm, a pretenso de obter dados para os cinco tipos de delito investigados mostrou-se impossvel de se realizar, dada a precariedade dos registros em relao tipificao penal. Logo, as amostras produzidas se basearam no quantitativo total de processos criminais baixados em 2011, no qual se constituiu o universo da pesquisa quantitativa.

    Procedeu-se ao desenho de uma amostra de autos findos com 95% de confiana e 2,5% de margem de erro, representativa e significativa para cada UF envolvida no estudo, o que resultou em um quantitativo aproximado de quatrocentos processos criminais por UF, sorteados aleatoriamente entre os componentes do universo. Ainda nessa fase, a Bahia foi excluda do levantamento, pois o Poder Judicirio do estado no pde fornecer uma listagem do universo de autos findos no ano de 2011.

    Para a coleta de dados em campo, os pesquisadores deveriam localizar e solicitar o desarquivamento dos autos componentes da amostra para, ento, registrar as informaes necessrias, por meio da aplicao de dois formulrios: um simplificado, para todos os processos criminais, e outro aprofundado, especificamente para os processos criminais referentes aos cinco delitos investigados. Contudo, dada a precariedade das informaes cadastrais disponveis, no foi possvel conhecer previamente a participao desses

  • 13A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasprocessos no total, o que impossibilitava prever o intervalo de confiana e a margem de erro especificamente quanto aos dados referentes aos cinco delitos investigados. Assim, o plano de trabalhar com formulrios distintos segundo os tipos penais foi abandonado, optando-se por conferir tratamento diferenciado aos processos contidos na amostra conforme houvessem tramitado no rito ordinrio ou no rito dos juizados especiais.

    A elaborao dos formulrios a serem aplicados no estudo dos processos baixados nas varas criminais e nos Jecrims foi realizada por uma equipe multidisciplinar formada por advogados, socilogos, antroplogos e cientistas polticos, tomando como parmetro as informaes que poderiam ser extradas dos processos para atender ao objetivo inicial da pesquisa. Para tanto, ocorreu uma fase exploratria, em que a equipe visitou diferentes estados para verificar as especificidades do trmite processual nos expedientes cartorrios, identificando os documentos existentes nos autos. Nessa etapa, foram visitadas varas criminais, Jecrims, varas de execues penais e varas de PMAs. Assim, ainda no primeiro semestre de 2012, a fase exploratria se deu em Alagoas, Bahia, Distrito Federal e So Paulo, conforme o quadro 1.

    QUADRO 1Calendrio das visitas exploratrias s varas e juizados especiais criminais (2012)

    Local Data Estabelecimento da justia criminal visitado

    Braslia/DF26/127/1

    VEPs.2o Jecrim; 3a Vara Criminal; Vara de Execues de Penas e Medidas Alternativas (Vepma).

    Belm/PA 14/2 Vepma; 2o Jecrim.

    So Paulo/SP 01/3 Vara de Penas Alternativas; Jecrim.

    Curitiba/PR 05/3 11a Vara Criminal; Vepma; Jecrims.

    Recife/PE 06/3 Jecrims; Vara de Execues de Penas Alternativas; VEPs.

    Macei/AL 12/3 Vepma; Jecrim.

    Vitria/ES26/327/3

    9a Vara Criminal de Vitria; Vepma.2o Jecrim de Vitria.

    Salvador/BA 27/3 2o Jecrim de Itapo e Central de Penas Alternativas.

    Fonte: Diretoria de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da Democracia (Diest) do Ipea.

    Em abril de 2012, foi realizada uma oficina de trabalho para discusso dos relatos da pesquisa exploratria e elaborao dos questionrios. Alm da grande heterogeneidade no funcionamento da justia criminal de cada UF, houve outras duas constataes importantes, que, inclusive, levaram a novas modificaes no desenho de pesquisa. Uma, o fato de no haver comunicao entre os sistemas de informao dos juizados especiais e das varas criminais; e a outra, de que esses sistemas tambm no classificam os processos conforme os tipos de infrao penal envolvidos. Verificou-se tambm que muitos processos que poderiam tramitar nos Jecrims ainda permaneciam ou eram distribudos nas varas criminais comuns. Diferentes motivos explicam essa realidade: as restries na interpretao do juiz quanto ao conceito de crimes de menor potencial ofensivo; os problemas de organizao ou falta de funcionrios no cartrio para reunir os processos com tais caractersticas; ou a ausncia de espao e estrutura organizacional nos Jecrims para acompanhar as PMAs. Alm disso, diante da constatao de que muitos documentos processuais eram inexistentes ou havia

  • 14 Relatrio de Pesquisaoutros que substituam os originais, ou, ainda, de que os laudos estavam fora de ordem,4 decidiu-se por padronizar as perguntas a partir dos documentos principais que deveriam, em tese, estar sempre presentes nos autos. Entendeu-se que a ausncia ou as falhas nos registros j indicavam aspectos do funcionamento e da dinmica do cartrio que poderiam estar relacionados estrutura organizacional do estado, no que tange prioridade conferida a organizao e manuteno dos dados do Poder Judicirio.

    Ainda em abril de 2012, foram testados os formulrios da pesquisa em uma vara criminal e um Jecrim de So Paulo, o que ensejou novas modificaes a fim de adaptar os formulrios de coleta de dados ao trabalho dos pesquisadores de campo. Apesar de a verso original abranger, em sua totalidade, apenas campos fechados visando celeridade do preenchimento, bem como padronizao das respostas , percebeu-se a necessidade de inserir campos abertos para contemplar aspectos referentes ao contedo das principais peas inquisitoriais e processuais, nos seguintes termos: i) descrio das circunstncias do crime; ii) descrio do contedo da sentena; iii) descrio de alternativas no presentes entre os casos elencados nas respostas; e iv) introduo do campo observaes gerais para os pesquisadores descreverem situaes e fatos que pudessem complementar os dados j inseridos nos formulrios. Assim, os campos abertos tiveram como intuito possibilitar a verificao de correlaes entre os fundamentos de fato e de direito das peas processuais, de inovaes na deciso, orientada por smulas ou correntes jurisprudenciais alternativas, e da coerncia entre as decises da polcia, do MP e do Poder Judicirio, entre outros objetivos.

    Adicionalmente, os pesquisadores ficaram encarregados de escrever um relatrio final registrando peculiaridades do trabalho de campo, tais como as listadas a seguir.

    1) As condies de disponibilizao da informao pela Justia e de acesso aos registros (arquivamento centralizado/descentralizado, codificao dos registros, condio de preservao dos documentos analisados).

    2) A qualidade das informaes disponveis quanto organizao dos autos, ao grau de padronizao no preenchimento dos documentos processuais, compatibilidade de informaes em diferentes fontes (por exemplo, como auto fsico e sistema informatizado).

    3) A identificao das diferenas marcantes entre as varas.

    4) Outras impresses (pistas) sobre os principais aspectos observados no trabalho de campo com algum impacto sobre a aplicao de penas alternativas.

    Os formulrios de pesquisa agregaram questes que se organizam em torno das seguintes categorias analticas:

    l fato criminoso;

    4. Verificou-se, por exemplo, que, em alguns casos, a juntada aos autos de documentos imprescindveis ao processo, como a certido da intimao, necessria para a contagem do prazo temporal de quinze dias para o ru apresentar defesa, no existia ou acontecera posteriormente. Notou-se, tambm, a ausncia da folha de antecedentes criminais, pea considerada fundamental para verificar as qualificaes do ru e estabelecer a dosimetria da pena.

  • 15A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasl fase policial;

    l caractersticas sociodemogrficas do investigado;

    l antecedentes criminais do investigado;

    l instruo do processo;

    l julgamento; e

    l cumprimento da pena alternativa.

    A pesquisa centra-se em algumas hipteses para explicao do fluxo do sistema de justia criminal, originadas, por um lado, da estrutura organizacional e da comunicao e cooperao entre as instituies da polcia, do Judicirio e do MP, e, por outro, da relao entre os atores que integram o sistema (promotor, defensor pblico, juiz, delegado, escrivo da Polcia Civil, escrivo do frum e escrevente). Dessa forma, foram pensados eixos analticos para compreender o fluxo do sistema de justia criminal em seus aspectos objetivos e subjetivos, que podem ser organizados, para fim de exposio, nos termos descritos a seguir.

    1) Estrutura organizacional das instituies: neste eixo, pretende-se analisar se a falta de comunicao entre as instituies, no que se refere ao cumprimento de prazos e tramitao dos atos, poderia criar morosidades no sistema. Isso envolve basicamente alguns aspectos objetivos da estrutura organizacional das instituies, em relao, especialmente, coordenao e comunicao entre a Polcia Civil, o Judicirio e o MP, tendo como finalidade mensurar o fluxo do sistema de justia criminal por meio da variao do tempo e da comunicao dos atos processuais e investigatrios.

    2) Atores institucionais: neste eixo, pretende-se analisar se a subjetividade na interpretao dada pelos atores aos instrumentos normativos que norteiam as instituies influencia na aplicao de PMAs. Isso envolve as aes (ou omisses) dos diferentes atores (delegado, oficial de justia, promotor, juiz, escrivo e escrevente), com o fim de verificar de que maneira ocorre a interpretao e a aplicao de PMAs em detrimento das penas tradicionais, ou vice-versa.

    Aps a finalizao dos formulrios, procedeu-se elaborao do software a ser instalado nos laptops dos pesquisadores que iriam a campo. Os aplicativos foram desenhados para funcionar no navegador Google Chrome de maneira off-line, permitindo que os pesquisadores preenchessem os formulrios mesmo em localidades nas quais seria difcil o acesso internet. Julgou-se que esse seria um recurso importante para o bom andamento da pesquisa, uma vez que muitas comarcas esto situadas em reas distantes das capitais, com precria cobertura pelas empresas de telefonia celular. A opo por realizar os registros em papel tambm foi descartada, para reduzir custos e melhorar o controle sobre o trabalho de coleta pela equipe central da pesquisa.

    Uma vez preenchidos, os formulrios deveriam ser exportados por meio do sistema, sendo ento armazenados em um banco de dados central. Para monitorar e acompanhar a

  • 16 Relatrio de Pesquisacoleta de dados, a coordenao geral da pesquisa teria acesso imediato aos dados exportados. Alm disso, por meio de um site, a coordenao geral poderia obter o prprio formulrio preenchido pelo pesquisador, podendo conferir os dados lanados na exportao e corrigir eventuais falhas de preenchimento ou interpretao. Infelizmente, esse processo no pde ser realizado a contento devido s sucessivas falhas da empresa contratada para desenvolver e manter o sistema, questo que ser tratada posteriormente neste relatrio.

    2.1.2 Fase 2: execuo do trabalho de campo

    Concomitantemente produo dos instrumentos para coleta dos dados, procedeu-se seleo dos pesquisadores-bolsistas que coordenariam o levantamento em campo. Para viabilizar o trabalho no que tange s estratgias de deslocamento, as dez UFs foram divididas em quinze regies, conforme o quadro 2.

    QUADRO 2Regies da pesquisa, segundo as comarcas a serem visitadas

    Regio Comarcas

    AL Arapiraca e Macei.

    DF Braslia.

    ES Cachoeiro de Itapemerim, Colatina, Guarapari, Linhares, So Mateus e Vitria.

    MG1Araguari, Divinpolis, Itajub, Ituiutaba, Lavras, Par de Minas, Passos, Patos de Minas, Patrocnio, Pouso Alegre, Poos de Caldas, Uberaba, Uberlndia e Varginha.

    MG2 Barbacena, Belo Horizonte, Betim, Conselheiro Lafaiete, Contagem, Ibirit, Juiz de Fora, Muria, Nova Lima, Ub e Viosa.

    MG3Araua, Caratinga, Coronel Fabriciano, Curvelo, Governador Valadares, Ipatinga, Itabira, Januria, Manhuau, Montes Claros, Ribeiro das Neves, Sabar, Santa Luzia, Sete Lagoas, Tefilo Otoni e Vespasiano.

    PA Abaetetuba, Altamira, Ananindeua, Belm, Bragana, Breves, Camet, Castanhal, Itaituba, Marab, Marituba, Parauapebas, Santarm.

    PRAlmirante Tamandar, Arapongas, Campo Mouro, Cascavel, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Foz do Iguau, Francisco Beltro, Guarapuava, Londrina, Maring, Pinhais, Ponta Grossa, So Jos dos Pinhais, Toledo, Umuarama e Unio da Vitria.

    RJ1Angra dos Reis, Araruama, Barra Mansa, Belford Roxo, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Duque de Caxias, Itabora, Itagua, Itaperuna, Maca, Mag, Maric, Nilpolis, Niteri, Nova Friburgo, Nova Iguau, Petrpolis, Resende, Rio das Ostras, So Gonalo, So Joo de Meriti, Terespolis e Volta Redonda.

    RJ2 Rio de Janeiro.

    RS1Alvorada, Bento Gonalves, Cachoeirinha, Canoas, Caxias do Sul, Erechim, Gravata, Lajeado, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Sapucaia do Sul, So Leopoldo e Viamo.

    RS2 Bag, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria e Uruguaiana.

    SP1Araraquara, Araatuba, Assis, Barretos, Bauru, Birigui, Botucatu, Catanduva, Franca, Ja, Marlia, Ourinhos, Presidente Prudente, Sertozinho, So Carlos, So Jos do Rio Preto e Tup.

    SP2Americana, Araras, Atibaia, Bragana Paulista, Campinas, Caraguatatuba, Francisco Morato, Indaiatuba, Itatiba, Itu, Jacare, Jundia, Limeira, Mogi Guau, Mogi Mirim, Pindamonhangaba, Piracicaba, Rio Claro, Salto, Santa Barbara dOeste, So Jos dos Campos, Taubat, Valinhos, Vinhedo e Vrzea Paulista.

    SP3Barueri, Cotia, Diadema, Embu, Guarulhos, Itanham, Itapecerica da Serra, Itapetininga, Itapeva, Itapevi, Mau, Mogi das Cruzes, Osasco, Po, Praia Grande, Ribeiro Pires, Santo Andr, Santos, Sorocaba, Suzano, So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul, So Paulo, So Vicente, Taboo da Serra e Tatu.

    Fonte: Diest/Ipea.

    Foram divulgados editais de chamada pblica para seleo de pesquisadores da rea de cincias humanas, com titulao mnima de mestrado. Houve certa dificuldade para contratar pessoas qualificadas. Na primeira chamada pblica, realizada em agosto de 2012, dez das quinze vagas disponveis foram preenchidas. A chamada foi reeditada em outubro, mas ainda no se obteve sucesso em relao s regies de Alagoas e Recife. Essas ltimas

  • 17A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasvagas s foram ocupadas em maro de 2013, provocando novos atrasos nas atividades de levantamento dos dados.

    Aos pesquisadores de campo competiria responsabilidade por produzir os dados, contando com o auxlio de suas prprias equipes e financiamento do Ipea. Para garantir a padronizao das informaes a serem produzidas, os pesquisadores foram treinados e supervisionados pela equipe tcnica central.5 Por mais que houvesse preocupao em padronizar o trabalho de campo quanto ao preenchimento dos instrumentos de coleta de dados e abordagem no contato com as varas (notificadas por ofcio enviado pela equipe central), a pesquisa foi realizada de maneira distinta em virtude das peculiaridades locais. As diferenas observadas se referem a vrios aspectos relacionados aos sistemas de informao dos tribunais, aos procedimentos de enumerao e arquivamento dos processos, organizao destes nas varas e comunicao de informaes com os respectivos tribunais. Descobriu-se, no decorrer da pesquisa de campo, que, em alguns casos, o modo de organizao das varas divergia at mesmo entre municpios do mesmo estado.

    Em estados como Esprito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e So Paulo, a viabilizao do acesso aos autos requereu ajustes no cronograma inicialmente especificado pelos pesquisadores, j que, aps contato com as varas, verificou-se a necessidade de proceder compatibilizao da numerao antiga com a nova, devido atualizao dos sistemas informatizados. Este processo, por vezes exaustivo, no era feito com facilidade, j que nem todos os funcionrios do cartrio estavam motivados a trabalhar mais, alm do previsto em suas rotinas, ou a realizar o atendimento por telefone. possvel que o desconforto diante da possibilidade de que estivessem sendo fiscalizados em seu trabalho tenha se constitudo um problema em algumas ocorrncias.

    Em muitos casos, o trabalho dos pesquisadores chegou a ser interrompido, pois dependia exclusivamente do juiz ou do responsvel pelo cartrio (escrivo ou chefe de secretaria) o encaminhamento de pedido de desarquivamento isento de custas. O trabalho do pesquisador tambm se via comprometido em virtude da rotina do frum no que concerne a frias dos funcionrios, paralisao das atividades, alocao de servidores em tarefas externas ou quando a colaborao dos membros cartorrios dependia de algum em especfico ou hierarquicamente superior. Nessas situaes, os pesquisadores entravam em contato com a equipe central, que buscava intervir no processo, detalhando junto aos rgos judiciais a importncia da pesquisa e a responsabilidade quanto ao prazo firmado com a CGPMA/Depen.

    Um dos fatores que mais impactou a execuo da pesquisa de campo foi a necessidade de substituio dos processos constantes da amostra, o que ocorreu com grande frequncia em todos os estados, demandando nova forma de concerto com os servidores das varas

    5. O treinamento dos pesquisadores foi realizado em trs momentos. Primeiramente, em 17 de dezembro de 2012, com a equipe das seguintes regies: ES, MG1, PA, PR, RJ1, RJ2, RS1, SP1, SP2 e SP3. Em outro momento, com as equipes das regies MG2, MG3 e RS2. No terceiro momento, o treinamento foi realizado com os pesquisadores responsveis pelas regies Al e PE. Embora a principal atividade da pesquisa de campo tenha sido a aplicao dos formulrios nas visitas s varas judiciais, sua realizao s foi possvel mediante o contato telefnico prvio com os servidores desses rgos, essencial ao deslinde da pesquisa e ao acesso s varas e, consequentemente, aos processos.

  • 18 Relatrio de Pesquisae, eventualmente, os dos arquivos.6 No momento em que a pesquisa se iniciou no havia procedimento de substituio dos processos previsto, tendo a amostra sido construda de modo a prescindir deste recurso. Contudo, dada a precariedade das informaes cadastrais recebidas dos rgos judiciais e em virtude da recorrncia de situaes em que os processos constantes da amostra estavam indisponveis para anlise, precisando ser substitudos por outros com as mesmas caractersticas gerais (processo criminal com baixa definitiva em 2011 na vara X), o procedimento teve de ser implementado. Essas situaes foram narradas pelos pesquisadores em vrios estados e contextos diferentes. Por exemplo, descobriu-se em campo que, em uma comarca do Esprito Santo, processos da dcada de 1980 haviam sido cadastrados no sistema no ano de 2011, tendo 49 deles sido inadvertidamente sorteados como parte da amostra.

    Verificou-se tambm que muitos autos estavam arquivados provisoriamente, como em casos encontrados em So Paulo, em que a data da ltima movimentao processual constante no condizia com o ano em que os processos foram efetivamente arquivados, pois estes ficavam esquecidos, uma vez transitada em julgado a sentena. Como entre a data da sentena e o arquivamento no havia nenhuma continuidade em termos do andamento processual, no se justificava a incluso do processo na amostra.

    No Distrito Federal, observou-se que, em alguns casos, constava dos autos somente a data do trnsito em julgado, sem mais informaes quanto data do arquivamento. Como se tratava de situao habitual no expediente cartorrio, os pesquisadores optaram por considerar que, como o processo constava na lista de autos findos de 2011, seria grande a possibilidade de que ele tivesse sido arquivado nesse ano. Assim, tais processos foram analisados. Em outros casos, em que havia mais de uma data de arquivamento e aps a primeira data havia movimentao para mero expediente cartorrio (como destruio de arma, por exemplo), foi considerada a data de arquivamento. Se houvesse, hipoteticamente, apresentao de novas provas ou recursos entre os dois arquivamentos, valeria a segunda data de arquivamento.

    Em virtude dessas e de outras circunstncias correlatas que traziam a perspectiva de grande perda na amostra, a coordenao da pesquisa optou, aps quase um ms de iniciado o campo, por adotar o procedimento de substituio de processos, bem como por ampliar o perodo de referncia da pesquisa, estendendo-o entre os anos de 2009 e 2013 para o caso dos processos substitutos.

    Entretanto, o procedimento de substituio demandava tempo para, primeiramente, localizar os novos processos nas varas e arquivos, verificar se estavam disponveis para anlise e, somente ento, retomar a coleta. Com isso, a mdia de tempo por pesquisador para anlise dos autos, que inicialmente variava entre trinta e quarenta minutos, acabou se estendo em muitos casos para uma ou duas horas.

    6. O processo poderia no estar disponvel para anlise e ser substitudo por outro devido a diferentes fatores: i) caso no tivesse sido baixado no ano de referncia da pesquisa (que, na realidade, foi expandido para o perodo entre 2009 e 2013); ii) caso tivesse sido extraviado; iii) caso fosse de comarca diferente daquelas contidas na amostra; iv) caso tivesse sido remetido Vara da Infncia e Juventude; v) caso fosse sigiloso (tramitando em segredo de justia); vi) caso ainda estivesse em andamento; vii) caso fosse, na verdade, uma carta precatria; viii) caso se tratasse de um pedido de retirada de preso; ix) caso se tratasse meramente de um inqurito policial arquivado; e x) caso se tratasse de um auto de priso em flagrante.

  • 19A Aplicao de Penas e Medidas AlternativasDe acordo com o relato dos pesquisadores, foram enfrentadas algumas dificuldades

    em relao ao espao para a realizao da coleta nas varas e arquivos e destreza na disponibilizao dos autos processuais. Em contrapartida, algumas localidades se destacaram pela organizao, como foram os casos do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, onde os pesquisadores foram ativamente ajudados pelos membros do arquivo na localizao dos processos. Registre-se que, no que se refere aos propsitos da pesquisa, quando os processos se encontravam no arquivo central e no no frum ou na prpria vara, observou-se, de maneira geral, maior cuidado e assepsia na organizao dos documentos e mais agilidade em seu rastreamento. Ao contrrio, quando os autos eram arquivados no prprio frum ou por meio de servio terceirizado, o pedido de desarquivamento demorava cerca de quinze dias ou mais para ser atendido, o que, em muitos casos, s acontecia mediante retirada por lotes (de trinta em trinta processos, por exemplo), em virtude da necessidade de manter o atendimento ao pblico em geral, o que, todavia, gerava mais demora para o trabalho de campo.

    Estas observaes demonstram que a organizao cartorria se reflete na boa organizao e no estado de conservao dos autos processuais, na padronizao dos documentos contidos nos autos e na codificao dos registros fundamentais. De maneira geral, se o cartrio bem organizado, independentemente da infraestrutura disponvel, o acesso aos autos facilitado, e o tempo de coleta da pesquisa, otimizado.

    Finalizada a coleta, os dados produzidos em campo foram consolidados e sistematizados pela equipe tcnica central, a quem competiu igualmente a anlise para produo deste relatrio de pesquisa.

    2.2 Elaborao do estudo diagnstico: parte qualitativa

    Fundamental para conhecer em profundidade as experincias concretas de aplicao de medidas e penas alternativas priso, o estudo qualitativo foi concebido como complemento do quantitativo.

    A pesquisa qualitativa buscou concentrar-se em alguns pontos centrais: i) a anlise dos rgos judiciais, especificamente varas e juizados criminais; ii) o estudo dos procedimentos seguidos no tratamento dos casos suscetveis de aplicao de penas alternativas, especificamente os casos que envolvem os tipos penais indicados pela CGPMA/Depen; iii) a estrutura existente para a implantao de penas alternativas; e iv) o levantamento das percepes dos atores envolvidos no tratamento desses casos. As informaes obtidas por meio dessa abordagem foram fundamentais para identificar os elementos que interferem sobre a aplicao (ou no) das PMAs. A proposta desenhada para a realizao da pesquisa foi a que se segue.

    1) Realizar trabalho de campo nas varas e Jecrims (no incluiu varas e juizados especializados, como as varas de violncia domstica e familiar contra a mulher, para no ampliar demasiadamente o escopo da pesquisa), VEP e centrais de penas alternativas. O que se pretendeu observar foi se aspectos da estrutura, como a existncia de uma vara de execuo penal e de uma central/psicossocial, interferem

  • 20 Relatrio de Pesquisasobre a aplicao de sanes alternativas. Adicionalmente, mereceu ateno a especificidade dos Jecrims, que, em geral, se ocupam da execuo dessas sanes.

    2) Focalizar os delitos de ameaa, tentativa de homicdio, furto simples, trfico de entorpecentes e porte de arma de fogo, com maior ateno aos casos de furto, por constiturem grande parte do volume processual das varas no especializadas.

    3) Levantar informaes sobre os procedimentos processuais adotados, destacando como e quando se insere a possibilidade de sentenciar uma pena ou medida alternativa. De modo geral, pretendeu-se investigar os possveis obstculos (legais, burocrticos, estruturais e culturais, como resistncias dos servidores e do juiz, entre outros) para a aplicao de PMAs.

    4) Recolher as percepes dos atores envolvidos no processamento dos casos, incluindo membros do Judicirio (juzes e servidores), do MP, defensores pblicos, advogados, acusados e vtimas.

    Deve-se destacar que, embora contempladas, as centrais de PMAs no foram privilegiadas na pesquisa, tendo em vista que a CGPMA/Depen dispe de mais informaes sobre o funcionamento desses rgos, assim como sobre o processo de seleo das instituies parceiras e o monitoramento e a fiscalizao do cumprimento das penas e medidas pelo apenado.7 Alm disso, conforme discutido com a CGPMA/Depen, havia carncia de informao sobre o que ocorre nos juizados e nas varas criminais sobre a dinmica que conduz os juzes a sentenciarem ou no as penas alternativas e os promotores a proporem ou no a suspenso do processo ou os acordos de transao penal.

    No que diz respeito aos procedimentos adotados no trabalho de campo, a pesquisa qualitativa foi constituda por uma equipe de quatro pessoas (dois advogados e duas antroplogas, em nvel de ps-graduao), selecionados por meio de chamada pblica. Considerou-se importante que o trabalho fosse realizado por uma equipe interdisciplinar, o que permitiria a complementao dos pontos de vista do profissional do direito com a anlise das cincias sociais.

    Quanto escolha das localidades, cabe ressaltar que a pesquisa qualitativa no tem pretenso de generalizao ou de representatividade. Busca-se, com ela, aprofundar a compreenso das singularidades de determinado contexto e levantar problemas e exemplos ilustrativos do tema investigado. Assim, baseia-se na seleo de casos que possam auxiliar no entendimento de determinada questo, sendo extremamente til para observar como se efetivam as polticas.

    No caso deste estudo, foram escolhidos cinco estados, representantes de cada regio do pas, tendo como base as UFs j selecionadas para a pesquisa quantitativa. Julgou-se que os estados escolhidos deveriam ficar no anonimato, a fim de resguardar as opinies e os dados colhidos com a cooperao de servidores e juzes de cada localidade, assegurando o respeito s demandas de no identificao. Em cada um dos estados, foram visitadas a

    7. A pesquisa junto s centrais foi feita de forma complementar ao objetivo central da investigao qualitativa, visto que a capacidade de execuo das PMAs acaba, por vezes, interferindo em seu sentenciamento.

  • 21A Aplicao de Penas e Medidas Alternativascapital e uma cidade do interior, de modo a poder confrontar as realidades, em termos de estrutura e procedimentos, de ambos os tipos de localidade e refletir sobre seu impacto na implantao de sanes alternativas. A diversidade de regies e estruturas visitadas ao longo do trabalho de campo apresentada no quadro 3.

    QUADRO 3Estruturas dos fruns nas localidades visitadas pela equipe qualitativa

    UF Estruturas vinculadas ao processamento de penas alternativas

    1

    Capital a) trs juizados criminais b) vara criminal c) vara de execuo de PMAs com setor psicossocial d) setor psicossocial (Poder Judicirio) e) central de acompanhamento de PMAs vinculada ao MPInterior a) dois juizados criminais adjuntos a juizados especiais cveis b) vara criminal c) central de acompanhamento de PMAs vinculada ao MP

    2

    Capital a) central de Inqurito no Frum b) juizado Criminal Central c) vara criminal d) departamento de Execuo de PMAs e) central de PMAs (Poder Executivo)Interior a) trs varas criminais (acumulam competncia do juizado) b) vara de execuo l setor social (execuo das PMAs)

    3

    Capital a) juizado criminal b) vara criminal c) vara de execuo de PMAs d) Central de Atendimento Psicossocial Multidisciplinar (CAPM)Interior a) trs varas criminais (matria comum, mais jri, juizado e execuo) l juizado adjunto 2a vara criminal (pretor responsvel) l psicossocial responsvel pela execuo de prestao de servio comunidade (PSC)

    4

    CapitalJuizado criminal a) vara criminal b) vara de execuo de PMAs l Centro Interdisciplinar de Acompanhamento s PMAs (Capema) c) Ceapa/Poder ExecutivoInterior a) duas varas criminais de competncia ampla, pois no h vara de execuo criminal (VEC)

    5

    Capital a) juizado criminal b) vara criminal c) vara de execuo de PMAs l psicossocial responsvel pelo encaminhamento e acompanhamentoInterior a) juizado criminal b) vara criminal c) vara de execuo l psicossocial responsvel pelo encaminhamento e acompanhamento

    Fonte: Diest/Ipea.

    O tempo de permanncia nos fruns variou segundo a localidade. Em algumas delas, a equipe pde realizar um trabalho de campo mais longo, durante algumas semanas, contemplando inclusive o retorno ao campo; em outras, a equipe permaneceu por apenas uma semana. O tamanho do frum e o volume de trabalho foram determinantes na definio do tempo de permanncia no campo. Deve-se ressaltar que a pesquisa qualitativa no pretendeu realizar etnografias dos fruns, o que exigiria maior tempo de permanncia.

  • 22 Relatrio de PesquisaO objetivo foi exclusivamente colher informaes importantes para a realizao de um primeiro diagnstico sobre a aplicao de PMAs.

    Diante do amplo universo de rgos contemplados no desenho da pesquisa, escolheu-se como limitador do trabalho de campo a seleo de um frum determinado em cada uma das localidades. Em cada frum, foram escolhidos at dois juizados criminais, uma vara criminal, a vara de execuo e uma central de penas alternativas ou setor psicossocial responsvel.8 A escolha desses rgos foi feita de maneira mais ou menos aleatria. Algumas informaes prvias, no entanto, foram levadas em conta, como o volume de trabalho e a acessibilidade admitida equipe no ambiente do rgo. Antes das visitas, a equipe levantava informaes sobre os rgos e estabelecia contato com os servidores. Assim, de maneira geral, no foram encontrados obstculos para a execuo do trabalho de campo.

    Realizar a pesquisa nos diferentes rgos foi fundamental, pois permitiu observar o fluxo dos processos que contemplam a aplicao de PMAs. Esse acompanhamento no tinha como objeto um processo especfico, mas diferentes processos presentes em cada um desses rgos, a fim de observar quais os procedimentos e entendimentos guiavam o tratamento dado a eles. Alm disso, a observao do fluxo permitiu identificar os obstculos e incentivos para a implementao das sanes alternativas que podem ser verificados em diferentes instncias.

    As tcnicas de pesquisa adotadas foram a entrevista em profundidade, a observao, a reviso de processos judiciais e o acompanhamento da rotina de trabalho das varas e das audincias realizadas. Diante do pouco tempo disponvel, o trabalho, em cada localidade, se desenvolveu de maneira investigativa, sempre com mais de um pesquisador em campo, de modo que as informaes pudessem ser checadas amplamente com os diferentes atores envolvidos. Sinteticamente, as diferentes tcnicas foram empregadas com os objetivos descritos a seguir.

    1) Observao de audincias e do trabalho da secretaria: visando conhecer a rotina dos rgos judiciais visitados, a equipe assistiu a diversas audincias, acompanhou o atendimento aos apenados nos balces e acompanhou a movimentao da secretaria. Com exceo de uma nica vara criminal e um nico juizado criminal, a equipe no se deparou com nenhuma objeo a sua presena no frum, nem em varas e juizados.

    2) Anlise qualitativa de processos: com o apoio do diretor de secretaria, a equipe revisou alguns processos com o objetivo de compreender os procedimentos, as prticas, as relaes, os acordos seguidos para o processamento dos casos. No houve a pretenso de fazer qualquer anlise da doutrina jurdica.

    3) Entrevistas em profundidade: alm das informaes previstas no roteiro, a equipe buscou elucidar com alguns atores fundamentais os achados na observao e na anlise dos processos, assim como coletar sugestes para o aprimoramento da poltica de PMAs com base em sua experincia. As entrevistas contemplaram juzes,

    8. Em comarcas do interior, onde a estrutura e a pluralidade de rgos judiciais eram diminutas em relao capital, foi possvel observar nmeros superiores aos planejados.

  • 23A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasservidores dos cartrios, promotores, defensores pblicos, apenados e vtimas. Algumas dificuldades foram observadas nas entrevistas com os apenados, pois no houve muita abertura deles; assim, as percepes foram obtidas, sobretudo, no acompanhamento das audincias e dos balces. Tambm no foi possvel trabalhar com as vtimas, cuja presena muito rara nos rgos judiciais visitados.

    A amplitude de informaes colhidas no trabalho de campo e a imensa heterogeneidade de procedimentos e de estruturas observada nos distintos rgos visitados, que ser explicitada na apresentao dos resultados da pesquisa, exigiram da equipe um grande esforo de reflexo e de organizao das informaes. As anlises produzidas so apresentadas neste relatrio segundo os rgos judiciais, sendo acompanhadas de exemplos de casos mais especficos. Adicionalmente, deve-se ter sempre em mente que a pesquisa qualitativa se props a realizar pequenos estudos de casos, que no so e nem pretendem ser generalizados ou representativos da realidade de aplicao de PMAs em nvel nacional.

    3 DISCUSSO NOS SEMINRIOS REGIONAIS

    Os seminrios regionais foram organizados em parceria com instituies e atores diversos, com os quais a equipe do Ipea manteve contato no decorrer da coleta de dados, em especial na fase qualitativa. O objetivo era permitir tanto um retorno em relao s concluses preliminares obtidas com a referida coleta de dados quanto uma oportunidade de dilogo em torno dessas concluses, a fim de enriquec-las com a perspectiva daqueles atores. Entende-se que esse exerccio pode ter como consequncia o despertar da reflexividade nas instituies e o desencadeamento de mudanas ou inovaes organizacionais.

    O perfil dos participantes, por sua vez, no se restringia aos integrantes das instituies parceiras. Com maior ou menor grau de sucesso, as oficinas conseguiram atrair um perfil mais diversificado, variando conforme a capacidade de mobilizao em cada processo de organizao dos eventos. Assim que, por exemplo, o evento realizado em Cuiab apresentou forte variao de perfil de participantes, pois ocorreu associado reunio anual do Frum Brasileiro de Segurana Pblica e, com isso, foi possvel atrair um pblico bastante singular e qualificado.

    A quadro 4 traz informaes agregadas por oficina em relao aos participantes.

    QUADRO 4Participantes dos seminrios realizados para discusso dos resultados preliminares da pesquisa

    Cidade Participantes (total: 127) Perfil principal dos participantes

    Cuiab (MT) 28 Gestores da rea de segurana pblica, acadmicos e estudantes.

    So Paulo (SP) 27 Pesquisadores, policiais, defensores pblicos e membros de organizaes no governamentais (ONGs).

    Canoas (RS) 32 Acadmicos e defensores pblicos.

    Joo Pessoa (PB) 20 Operadores da justia criminal: funcionrios das varas, juzes, promotores e defensores.

    Belm (PA) 20 Estudantes.

    Fonte: Diest/Ipea.

    A dinmica das oficinas seguiu um roteiro mais ou menos padro. De incio, a equipe do Ipea fazia uma apresentao do projeto e dos detalhes de sua execuo, situando a

  • 24 Relatrio de Pesquisaapresentao dos dados. Em alguns casos, quando isso era possvel, eram apresentados dados quantitativos que ajudavam a dimensionar o fenmeno das penas e medidas alternativas no sistema de justia e no contexto da segurana pblica. A maior nfase, porm, recaa sempre sobre o relato dos resultados da pesquisa de campo de corte qualitativo, tratados com mais destaque na seo 5.

    A partir do relato sobre a realidade dos juizados, varas e centrais e de uma anlise crtica e sistemtica sobre as prticas institucionais (Judicirio, MP, Defensoria Pblica, Poder Executivo), a apresentao conduzia a questes sobre a construo e reconstruo cotidianas de padres de tratamento dos conflitos nesses espaos e sobre o sentido de se falar em uma poltica de alternativas penais e, mais que isso, em uma poltica nacional.

    Os resultados da discusso esto consolidados em quatro temas, relatados a seguir.

    A insero sistmica das alternativas penais nas polticas de justia e segurana

    Muitas das manifestaes foram no sentido de estabelecer ou salientar as conexes alternativas penais e as polticas de segurana pblica e justia.

    Duas contribuies aparecem com maior destaque no olhar e na experincia prtica dos atores sociais que integraram os eventos. De um lado, tem-se que a pobreza do repertrio da poltica de alternativas penais hoje centrada nas medidas da Lei no 9.099/1995 e na aplicao de penas de prestao pecuniria e prestao de servios comunitrios, em todos os casos sem que tenham sido institudos servios e procedimentos adequados aplicao e ao acompanhamento9 ajuda a sobrecarregar o sistema de segurana, na medida em que gera a sensao de impunidade no apenas para a vtima mas tambm para os prprios operadores do sistema de segurana (policiais), os quais tm de lidar diretamente com os conflitos.

    Assim que, relatando trabalhar atualmente com o combate violncia pela polcia e, por conseguinte, procurar entender por que os policiais matam ou agem com violncia , um policial que participou da oficina do Sudeste no hesitou em apontar o suposto mau funcionamento de alternativas penais como gerador de descrena para os integrantes de sua organizao e de sugerir que, ao menos em parte, a violncia de policiais justificada pela descrena no sistema ou em sua capacidade de dar as respostas necessrias.

    O participante citou, para tanto, o resultado de uma ao de Jecrim aberta a propsito de acidente de trnsito, na qual serviu de testemunha com outros policiais. Nesse caso, o sujeito dirigia embriagado e atropelou uma pessoa, deixando-a paraplgica. O processo terminou em transao penal na base de trs salrios mnimos (SMs), sobrando para a vtima que assistia audincia na cadeira de rodas , assim como para os policiais, a sensao de que a sua capacidade de locomoo foi barganhada por trs SMs.10

    De outro lado, vrios participantes salientaram a necessidade de reverso de trajetria da poltica criminal, que h quase trs dcadas vem apostando na criminalizao de

    9. Destaca-se aqui uma crtica ao Depen/MJ pela negativa de financiar a aquisio de veculos, os quais, na viso de alguns gestores estaduais, so equipamentos fundamentais para a fiscalizao, o monitoramento e o acompanhamento do cumprimento das alternativas penais.

    10. Para sermos fiis narrativa, o policial contou que o MP havia proposto uma transao de dez SMs, diante da qual o ru props trs, patamar, afinal, aceito pelo MP e homologado pelo juiz tudo sem nenhuma participao da vtima.

  • 25A Aplicao de Penas e Medidas Alternativascondutas como forma de ordenao das relaes sociais, inclusive a partir das agncias da segurana pblica ou seja, no apenas no plano legislativo, embora aqui tambm haja movimento inequvoco de tornar o crime e a pena em ferramentas de engenharia social. Associada mencionada pobreza do repertrio das alternativas penais,11 essa condio empurra para as varas e juizados casos que poderiam ser resolvidos por outras agncias do sistema de justia ou mesmo por procedimentos no judiciais e/ou parajudiciais, como mediao e conciliao.

    Dois exemplos so particularmente ilustrativos. No Nordeste, uma professora de direito falou de sua experincia atuando no ncleo de prtica jurdica de uma faculdade, frequentemente recebendo demandas de Jecrims. Um desses casos envolvia acusado por crime de dano que apareceu no ncleo sem saber bem por que havia sido intimado. A histria original envolvia uma suposta dvida em dinheiro da cunhada do acusado em relao a este. Cansado de cobrar sem receber a dvida, o acusado resolveu ir at a casa da cunhada para pegar um objeto de valor que pagasse a dvida. Quando tirava a TV da tomada, tropeou e caiu, quebrando a TV, conduta apontada como crime de dano quando da lavratura do Boletim de Ocorrncia (BO), dando ensejo ao processo. A questo, que poderia ser corrido no mbito cvel, dizia a professora, acabou descambando para o criminal.

    Outra histria foi contada por um defensor pblico do Sudeste. Dias antes da oficina, ele dava planto em estdio de futebol, quando foi chamado a atuar na defesa tcnica do processo imediatamente instaurado contra torcedor que pulou de uma rea para outra, mais nobre, das arquibancadas. Algo que poderia ter sido resolvido apenas retirando o sujeito do estdio, refletiu criticamente o defensor, tornou-se um processo penal, que provavelmente vai patinar na sequncia de descumprimento, intimao e prescrio revelados pela pesquisa.

    A crtica poltica criminal vigente e incapacidade do sistema jurdico-penal e das alternativas penais hoje hegemnicas de dar conta de certos conflitos, demandando a ampliao do seu repertrio, tambm aparece por outra vertente, desta vez ligada defesa. Defensores pblicos na regio Sul do pas ficaram incomodados com o tratamento dado na pesquisa s decises terminativas, argumentando que no se poderia dar um status diferenciado para casos em que no se configurou tipificao penal e aqueles em que houve falta de provas.

    Desse modo, argumentavam os defensores, o Estado havia sido eficiente ao deliberar pelo arquivamento, resguardando direitos. O cidado foi defendido da arbitrariedade, pois no h crime sem a definio legal anterior ou sem provas. Ou seja, qualitativamente, no haveria diferena entre essas decises e os casos em que h sentena para condenao ou absolvio. Mas se no havia crime, por que o sistema agiu sobre esses indivduos?, perguntavam alguns. Uma das causas pode ser a pobreza de repertrio de que dispe o sistema, o qual s permite que se d um encaminhamento aos casos mesmo quando digam respeito a pequenos conflitos interindividuais: lavrar o BO e iniciar um processo penal ou no.

    11. O fenmeno tem alcances mais amplos, j que conforme foi objeto da crtica dos presentes a uma das oficinas a pesquisa que deu base a este relatrio concentrou-se na justia estadual, sem alcanar, portanto, os juizados especiais e as varas da justia federal. Entretanto, as pesquisas anteriores do Ipea sugerem padro semelhante naquelas unidades.

  • 26 Relatrio de PesquisaParece, em suma, a partir das manifestaes dos participantes nas oficinas, que, alm

    de uma diversificao de repertrios, a poltica de alternativas penais deve, necessariamente, procurar uma insero articulada em meio a polticas de justia e segurana, com as quais tem inevitvel interface, em razo das diferentes etapas do processamento de conflitos pelo aparelho do Estado.12

    A importncia de informaes: pesquisa, planejamento, formao, controle social e superao de obstculos poltico-culturais

    Uma aluso que apareceu invariavelmente entre os participantes dos eventos est relacionada incapacidade de produo de informaes pelos sistemas de justia e segurana. Em uma das oficinas, uma pesquisadora sintetizou o problema afirmando que a informao no est sistematizada ou disponvel, e que, diante de pedidos de acesso, cartrios se sentem vigiados e hesitam em colaborar. Alm disso, todos os pblicos revelaram grande ansiedade para saber quando os relatrios da pesquisa do Ipea seriam publicados, como ser a forma de acesso, se estaro disponveis digitalmente, se podero ser consultados com facilidade e se haver eventos para a disseminao, especialmente junto ao Depen/MJ e ao CNJ.

    O tema da precariedade das informaes nos sistemas de justia e segurana antigo na agenda desse setor e foi exposto em detalhes no componente metodolgico deste relatrio. Sua emergncia nas oficinas veio acompanhada de quatro qualificaes, pelas quais merece ser explorado em maiores detalhes nesta seo.

    Informaes e toda a pesquisa que se pode desenvolver a partir delas foram vistas, inicialmente, como elementos essenciais para o planejamento de polticas (pelo lado do poder pblico) e do controle social (pelo lado da sociedade civil). Assim, por exemplo, na oficina da regio Norte, uma pesquisadora chamou a ateno para a importncia de conhecer melhor as instituies e modelos de polticas pblicas para poder derivar da inspiraes reformistas. Na oficina do Sudeste, ao ressaltar que a produo de informaes sobre o funcionamento da justia raramente uma iniciativa das agncias do prprio sistema, o integrante de uma ONG justificou a importncia disso afirmando que sem o diagnstico, produz-se poltica pblica no escuro.

    Informaes e pesquisas tambm so tomadas como componente relevante para subsidiar programas de formao de agentes implementadores. Uma poltica pblica no pode ser construda apenas a partir de planos ou disposies legislativas considerados em abstrato; deve levar em conta os sujeitos que atuam no cotidiano da implementao e que do sentido e substncia quelas orientaes e disposies.

    Nesse aspecto, as oficinas propiciaram o encontro dos resultados preliminares das pesquisas com um tema antigo na sociologia do direito, qual seja, a formao dos operadores do direito, em geral, e do direito penal, em particular. Informaes e pesquisas, nesse sentido, so tomadas como um impulso para a problematizao de conceitos em sala

    12. Mesmo as boas prticas, nesse sentido, podem ser problematizadas. Policial do Sudeste ressaltou avano na lavratura de termos circunstanciados e no agendamento das audincias, mediante adoo de modelos unificados e na articulao entre polcia e sistema de justia para o agendamento e a intimao sobre a audincia j no ato da lavratura do termo. Medidas como essa sem dvida ajudam a produzir resposta, mas no eximem que se pergunte sobre se o processo penal continua sendo o melhor instrumento diante dos problemas assim tratados, como nos exemplos bastante concretos aqui relatados.

  • 27A Aplicao de Penas e Medidas Alternativasde aula e para a conduo de futuros ou atuais juzes, promotores, defensores, delegados e equipes tcnicas a maior reflexividade.

    Uma acadmica da regio Nordeste, por exemplo, dizia querer mais informao para poder trabalhar com alunos, pois no pode mais prosseguir dando aulas apenas com base nos manuais de processo penal, preciso migrar para a interdisciplinaridade e tirar proveito dos resultados de pesquisas empricas. Outra acadmica, esta do Norte, disse que esses resultados so muito importantes, pois nos fazem questionar determinadas premissas, j que o conhecimento jurdico tende a privilegiar normas em relao a fatos sociais e polticas pblicas, o que, por muitas vezes, torna o jurista refm do senso comum no processo de aplicao dessas mesmas normas.

    Parece, portanto, fundamental que a poltica de alternativas penais venha seguida pelo esforo de se construir sistemas de informao.

    A necessidade de debates mais bem informados e do enfrentamento dos obstculos poltico-culturais relacionados responsabilizao penal

    Ecoando uma preocupao que esteve na base do surgimento da prpria poltica de penas e medidas alternativas, muitos dos participantes das oficinas destacaram o que se pode chamar de obstculos poltico-culturais para se discutir as solues propostas no mbito de um debate sobre alternativas penais ou mesmo para abordar o problema do tratamento da conflituosidade social por esse ponto de vista, colocando em segundo plano as solues confortveis do crime e da pena. A sensao que h pouco espao na opinio pblica e, por consequncia, nos governos, para a proposio de polticas com esse recorte.

    Nesse sentido, em todas as oficinas, os participantes identificaram na pesquisa, objeto deste relatrio, uma oportunidade para a qualificao dos debates pblicos. No Norte, um acadmico disse que era fundamental que viessem tona as informaes e histrias colhidas pela pesquisa sobre quem so essas pessoas que comparecem ao sistema e por quais motivos o fazem. Sobre isso, disse ele, no h dados consolidados e pblicos; falta informao sociedade. Outro acadmico presente oficina do Nordeste corroborou essa expectativa, dizendo que no h dados para iluminar o debate pblico, ficamos no mito de que h violncia e impunidade, o que implica sempre a cobrana de polticas mais duras, porm nem sempre mais efetivas. A fala de uma integrante de ONG do Sudeste resume bem o contexto no qual o relatrio deve dialogar com a opinio pblica e o senso comum: a questo da impunidade mobiliza e gera muitas discusses na sociedade. A pesquisa vai ajudar a qualificar esse debate e pode gerar um clima poltico favorvel a mudanas.

    A conscincia da complexidade e problematizao de solues fceis

    Em funo das posies dos participantes manifestadas nos itens anteriores, as oficinas ajudaram, tambm, a formar a conscincia de que a construo de uma poltica de alternativas penais tarefa complexa que no se exaure com a adoo de solues mgicas, todas quantas podem ser distorcidas depois, no cotidiano da implementao.

    Uma ntida expresso disso apareceu nos debates sobre monitoramento eletrnico. Em quase todas as oficinas houve questionamento sobre se a pesquisa conseguiu captar algum

  • 28 Relatrio de Pesquisaimpacto do monitoramento no desencarceramento e, mais, se ele poderia se configurar como uma alternativa para o deficit de efetividade apresentado neste relatrio. As respostas apresentadas todas baseadas em evidncias qualitativas, dado o carter recente da lei so de que o monitoramento deve ocupar um lugar muito modesto em nosso horizonte.

    Em linhas gerais, os seminrios regionais serviram como espao importante para a validao e o aperfeioamento do diagnstico proporcionado por esta pesquisa, assim como para suscitar alguns desafios e proposies. As principais linhas destas contribuies foram sistematizadas nesta seo. Devem ser entendidas, porm, apenas como um primeiro movimento para se extrair as implicaes e as possibilidades de inovao inauguradas pela realidade desvendada ao longo de todo este relatrio.

    4 RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO

    4.1 Varas criminais

    4.1.1 A fase policial

    No Brasil, apesar de a legislao indicar a necessidade de instaurao de inqurito policial sobre todas as notcias-crime, na prtica, no bem isso o que acontece em uma delegacia de polcia. Nem todas as notcias de crime se convertem em BO e nem todas as ocorrncias so transformadas em inquritos policiais. Fatores ligados repercusso do crime e ao status social das vtimas contribuem significativamente para a instaurao dos inquritos, mas, de forma geral, a lgica de seleo dos casos refere-se muito mais necessidade que os delegados e agentes de polcia tm de administrar o volume de trabalho. Assim, havendo informaes suficientes no BO, instaura-se inqurito sem a realizao de investigao. Do contrrio, arquiva-se a ocorrncia. Portanto, a investigao criminal no uma regra, mas uma exceo.

    Verificando o conjunto dos processos analisados nesta pesquisa, constata-se que 59,2% deles foram instrudos por um inqurito instaurado (tabela 1) a partir da priso em flagrante dos suspeitos e 34,8% a partir de inquritos iniciados por portaria. Alm disso, em 6,0% dos casos os acusados j se encontravam presos por motivos alheios ao processo. Ou seja, em 64,4% dos processos analisados os acusados j se encontravam presos no momento da instaurao dos inquritos policiais (tabela 2).

    TABELA 1Varas criminais: inquritos instaurados

    Frequncia % % acumulada

    Flagrante 1.258 59,2 59,2

    Portaria 740 34,8 94,0

    Outro 127 6,0 100,0

    Total 2.125 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

  • 29A Aplicao de Penas e Medidas AlternativasTABELA 2Varas criminais: rus presos no momento da instaurao do inqurito por motivos alheios ao caso

    Frequncia %

    No 2.011 93,2

    Sim 147 6,8

    Total 2.158 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    Tambm interessante notar que em 89,0% dos processos analisados apenas uma pessoa foi indiciada pelo crime (tabela 3). bem possvel que o percentual inclua tambm os casos de trfico de drogas e crime organizado, em que o trabalho da polcia supostamente deveria indicar a ao criminosa de duas ou mais pessoas.

    TABELA 3Varas criminais: nmero de indiciados nos processos

    Total Frequncia % % acumulada

    1 2.086 89,0 89,0

    2 51 2,2 91,2

    3 15 0,6 91,8

    4 6 0,3 92,1

    > 4 186 7,9 100,0

    Total 2.344 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    Ainda analisando o trabalho da polcia, pode-se verificar que em 86,1% dos processos selecionados no houve dificuldade em localizar autores, vtimas ou testemunhas. Nos poucos casos que os processos indicam problemas com a localizao de pessoas (13,9%), a maior dificuldade registrada foi a localizao do autor (11,5%), seguida da localizao de testemunhas (1,5%). Em nenhum dos processos selecionados houve dificuldade para localizar as vtimas (tabelas 4 e 5).

    TABELA 4Varas criminais: houve dificuldade de localizar pessoas na fase policial?

    Frequncia %

    No 1.877 86,1

    Sim 304 13,9

    Total 2.181 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    TABELA 5Varas criminais: houve dificuldade de localizar autor, vtima ou testemunha na fase policial?

    Frequncia % % acumulada

    Autor 269 11,5 11,5

    Testemunha 35 1,5 13,0

    Vtima 0 0,0 13,0

    No 2.040 87,0 100,0

    Total 2.344 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

  • 30 Relatrio de PesquisaEstes dados, entretanto, precisam ser interpretados com cuidado. A pesquisa no

    analisou todos os crimes registrados pela polcia civil, mas, sim, aqueles que foram denunciados pelo MP. Assim, pode-se dizer que os inquritos que resultaram em denncia criminal foram exatamente aqueles em que os policiais encontraram menos dificuldade para localizar os envolvidos.

    Outro aspecto importante que deve ser destacado refere-se ao reduzido nmero de inquritos que foram devolvidos polcia pelo MP para mais diligncias (tabela 6). Em 73,8% dos processos analisados, o MP aceitou o relatrio final elaborado pelo delegado. Em 17,7% o inqurito foi devolvido polcia no mximo duas vezes. Pode-se afirmar, portanto, que os inquritos que mais frequentemente deram origem a processos criminais so aqueles que no necessitaram de novas investigaes. Uma hiptese forte para explicar esse fenmeno o elevado nmero de prises em flagrante, perante a suposio de que h indcios suficientes de autoria e materialidade do crime, no momento da priso do indiciado.

    TABELA 6Varas criminais: nmero de vezes que o inqurito retornou polcia para novas diligncias

    Total Frequncia % % acumulada

    0 1.610 73,8 73,8

    1 281 12,9 86,7

    2 105 4,8 91,5

    3 49 2,2 93,8

    4 32 1,5 95,2

    5 20 0,9 96,1

    6 13 0,6 96,7

    7 18 0,8 97,6

    8 6 0,3 97,8

    9 43 2,0 99,8

    10 ou + 3 0,1 100,0

    Total 2.180 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    possvel identificar nas polcias duas estruturas organizacionais para investigar crimes. De um lado, existem as unidades generalistas de investigao, as quais esto encarregadas de elucidar vrios tipos de crimes, empregam normalmente um grande nmero de policiais e tm sua jurisdio delimitada territorialmente. O trabalho dessas unidades voltado fundamentalmente para responder s ocorrncias que so relatadas pela populao. , portanto, um trabalho eminentemente reativo. A rotina das unidades generalistas consiste na recepo do dirio de ocorrncias criminais e na seleo de casos a serem investigados por pequenas equipes de policiais. No h diviso clara de trabalho entre os investigadores que so responsveis pela execuo de todas as tarefas ligadas investigao, tais como interrogar suspeitos, entrevistar pessoas, examinar a cena do crime, preencher relatrios, solicitar exames periciais e encaminhar requerimentos.

    Os policiais que trabalham nessas unidades no seguem necessariamente uma ordem de casos a serem investigados. Frequentemente, os investigadores desenvolvem atividades relacionadas a vrios casos ao mesmo tempo, o que notadamente afeta seu desempenho.

  • 31A Aplicao de Penas e Medidas AlternativasTalvez seja por isso que boa parte do trabalho dessas unidades esteja voltada para busca dos suspeitos j conhecidos dos policiais. Trata-se de uma forma de policiamento por suspeio. Assim, as atividades de investigao concentram-se na coleta e sistematizao de informaes sobre as pessoas com registros criminais e na tentativa de estabelecer uma relao entre as atividades dessas pessoas com as ocorrncias criminais relatadas.

    De outro lado, esto as unidades especializadas de investigao, que se concentram na tentativa de elucidar crimes especficos. O principal argumento para criao dessas unidades o de que certos tipos de crimes seguem lgicas prprias e, portanto, requerem rotinas e procedimentos especficos. Em alguns casos, como nos crimes ambientais e tributrios, no frequente o recebimento de denncias da populao. Nesses casos, necessria uma postura proativa da polcia. J nos casos dos crimes de roubo de veculos e fraudes, a polcia age de forma reativa. Em ambos os casos, as atividades de investigao envolvem grandes esforos na produo de inteligncia, ou seja, de informaes que no so necessariamente voltadas para o esclarecimento de ocorrncias ou para a instruo do processo criminal.

    As atividades de investigao das unidades especializadas concentram-se na busca de informaes sobre rotinas, contatos e negcios dos grupos suspeitos de atividades criminosas. Esse tipo de tarefa impe aos policiais a necessidade de contatos com pessoas ou grupos criminosos. Sem um sistema de controle e fiscalizao adequado, essas tarefas acabam possibilitando a ocorrncia de casos de corrupo.

    Os dados produzidos na pesquisa mostram que, de forma geral, os inquritos foram instaurados e concludos por delegacias circunscricionais (77,3%) e no por delegacias especializadas (22,7%). Ou seja, em geral, foram feitos no mbito de delegacias cuja competncia abrange um nmero muito grande de responsabilidades e onde geralmente so escassos os efetivos e meios disponveis para a realizao de investigaes criminais (tabela 7).

    TABELA 7Varas criminais: inqurito concludo por delegacia especializada?

    Frequncia %

    No 1.687 77,3

    Sim 494 22,7

    Total 2.181 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    Em resumo, a maior parte dos processos analisados foi instruda por inquritos policiais instaurados a partir de prises em flagrante (57,6%). Estes inquritos, na sua grande maioria, indiciaram apenas uma pessoa (89%), que a polcia no teve dificuldade de localizar. Alm disso, os inquritos que serviram para instruir os processos criminais foram aqueles concludos por delegacias no especializadas (77,3%) e em que a polcia no teve que realizar novas diligncias (73,8%). Deste modo, a apurao de crimes, longe de centrar-se em uma atividade voltada para inteligncia policial na elucidao de fatos e conhecimento da autoria do crime, torna-se, na maior parte das vezes, passiva na espera da autuao das prises em flagrante para que o inqurito no seja arquivado. O indivduo preso seria, ento, a garantia da continuidade do inqurito para o deslinde processual.

  • 32 Relatrio de Pesquisa4.1.2 Perfil dos autores

    Com relao ao sexo dos autores (tabela 8), as informaes contidas nos processos mostram que 90,3% dos acusados eram do sexo masculino e 9,7%, do feminino. J com relao a raa/cor dos acusados, as informaes existentes nos processos criminais analisados no so muito precisas. No foi possvel determinar a raa/cor dos autores em 31% dos casos. Nos processos que continham informaes sobre raa/cor (tabela 9), verificou-se que 41,9% dos acusados eram brancos; 57,6% negros; 0,3% amarelos; e 0,1% indgenas.

    TABELA 8Varas criminais: perfil dos autores, por sexo

    Sexo Frequncia %

    Masculino 2.736 90,3

    Feminino 294 9,7

    Total 3.030 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    TABELA 9Varas criminais: perfil dos autores, por raa/cor

    Raa/cor Frequncia % % acumulada

    Branca 904 41,9 41,9

    Negra 1.243 57,6 99,5

    Amarela 7 0,3 99,8

    Indgena 3 0,1 100,0

    Total (vlidos) 2.157 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    Se, por um lado, os processos no tm informaes precisas sobre a raa/cor dos autores, por outro, as informaes sobre seu estado civil esto bem registradas (tabela 10). A pesquisa mostra que a maior parte dos autores era solteira (67,3%). Poucos autores eram casados ou tinham algum tipo de unio estvel (28,5%).

    TABELA 10Varas criminais: perfil dos autores, por estado civil

    Estado civil Frequncia % % acumulada

    Solteiro(a) 1.913 67,3 67,3

    Casado(a) 448 15,8 83,1

    Unio estvel 362 12,7 95,8

    Separado(a) 98 3,4 99,3

    Vivo(a) 20 0,7 100,0

    Total 3.109 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    No que diz respeito escolaridade, as informaes dos processos analisados tambm no so muito confiveis. Em 30,3% dos casos, no foi possvel verificar o nvel de escolaridade dos autores. Naqueles processos em que esta informao estava disponvel, verificou-se que 75,6% dos acusados possuam, no mximo, o ensino fundamental completo, sendo que 43,1% possuam ensino fundamental incompleto (tabela 11).

  • 33A Aplicao de Penas e Medidas AlternativasTABELA 11Varas criminais: perfil dos autores, por grau de instruo

    Graus de instruo Frequncia % % acumulada

    Analfabeto 65 3,0 3,0

    Sabe ler e escrever 212 9,8 12,8

    Ensino fundamental incompleto 934 43,1 55,9

    Ensino fundamental completo 427 19,7 75,6

    Ensino mdio incompleto 199 9,2 84,8

    Ensino mdio completo 243 11,2 96,0

    Ensino superior incompleto 37 1,7 97,7

    Ensino superior completo ou ps-graduao 50 2,3 100,0

    Total 2.167 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.

    Com relao aos antecedentes criminais (tabela 12), nota-se grande nmero de autores com passagem anterior pelo sistema de justia. Verificou-se que 46,1% deles j haviam sido presos antes do fato pelo qual foram acusados no processo analisado, 50,1% j haviam sido processados e 28,2%, condenados. O que mais chama ateno, porm, que a maioria dos acusados (62,8%) j havia recebido algum tipo de benefcio penal (tabela 13).

    TABELA 12Varas criminais: passagem anterior do acusado pelo sistema de justia criminal

    J foi preso? J foi processado? J foi condenado?

    Frequncia % Frequncia % Frequncia %

    No 1.232 53,9 1.178 49,9 1.647 71,8

    Sim 1.054 46,1 1.181 50,1 648 28,2

    Total 2.286 100,0 2.359 100,0 2.295 100,0

    Fonte: Diest/Ipea.