25

1527 leia algumas paginas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: 1527 leia algumas paginas
Page 2: 1527 leia algumas paginas

37

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 37

CAPÍTULO 1

PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

CAROLINA BARROS FIDALGO

` CONSTITUIÇÃO FEDERAL

` TÍTULO III – DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

` CAPÍTULO VII – DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

` SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

` LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999

Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

` CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

1. COMENTÁRIOS

1.1. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

De acordo com o artigo 37 da Constituição Federal de 1988, todos os órgãos e entidades da Ad-ministração pública encontram-se adstritos à observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de, logicamente, a todos os princípios constitucionais de natureza geral como a dignidade da pessoa humana, solidariedade, desenvolvimento social, dentre outros, bem como a princípios constitucionais implícitos como a proporcionalidade e razoabilidade.

Essa inclusão formal de normas constitucionais especialmente voltadas à Administração Pública na Carta de 1988 é uma das facetas do fenômeno da constitucionalização do Direito, ocorrido no Brasil nos últimos anos, consistente na irradiação do “conteúdo material e axiológico” das normas constitucionais por todo o ordenamento jurídico. Em virtude desse fenômeno, “os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a con-dicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional”.1

Também em virtude da constitucionalização do Direito Administrativo, houve a necessidade de releitura de alguns paradigmas clássicos desse ramo do Direito,2 tais como a ideia de suprema-

1. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito/2#ixzz2h7YcOtY7

2. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2008, 26 e ss. Paradigmas são os pressupostos teóricos básicos de determinada área da ciência, noções sedimentadas e reconhecidas pela

Page 3: 1527 leia algumas paginas

38

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

cia do interesse público sobre o privado, a ideia de insindicabilidade do exercício de competências discricionárias pela Administração Pública pelo Poder Judiciário (ou impossibilidade de controle) e o conceito de princípio da legalidade, além da alteração das formas clássicas de legitimação dos atos administrativos, que não mais serão reconduzidos, em sua totalidade, à legitimidade eleitoral do Chefe do Poder Executivo.

Esse fenômeno caminha em conjunto com o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos, normas jurídicas caracterizadas, em breve síntese, por sua abertura semântica e por não se submeterem à lógica da subsunção. Trata-se de normas que indicam fins a serem buscados, mas não antecipam os meios para tanto. Além disso, as normas estruturadas sob a forma de princípios também não predeterminam as consequências jurídicas de sua aplicação. Os princípios são aplicados em graus, e não sob a lógica do tudo ou nada, podendo apresentar soluções diversas a depender dos fatos envolvidos no caso concreto.

No presente Capítulo, analisaremos os princípios administrativos previstos na Constituição Federal e na Lei federal nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Adminis-tração Pública Federal.

1.2. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Para cada objetivo administrativo é possível apontar formas alternativas de intervenção do Es-tado hábeis a prosseguir a mesma finalidade: regulação, fomento, criação de sociedades estatais, por exemplo. Mas cada uma delas apresenta um custo, seja monetário ou não. Assim, por exemplo, como alternativa à criação de uma empresa estatal com a finalidade de desenvolvimento econômico regional, pode-se apontar a criação de política de subvenção a sociedades que se instalem na região ou uma política de desoneração tributária.

Existe, assim, uma permanente tensão entre as funções, fins, formas e regime jurídico de interven-ção direta do Estado na economia com o objetivo de concretização de seus objetivos constitucionais, sendo necessário, em cada caso, buscar-se a melhor “equação entre forma e fim da organização”.3 É esse o objetivo do princípio da eficiência.

A obrigação de atender ao princípio da eficiência decorre expressamente do art. 37, caput, con-forme redação atribuída pela Emenda Constitucional nº 19/984, bem como do art. 74, II, ambos da Carta Maior5. O problema é definir o conceito de eficiência, em se considerando as diversas concepções possíveis sobre o tema.

comunidade científica como corretas, e sobre os quais as novas teorias são construídas. De tempos em tempos esses paradigmas podem ser questionados e superados, o que enseja também a revisão das teorias que os utilizaram como premissas.

3. MARTÍN, Encarnación Montoya; MORENO, Alfonso Pérez. Formas Organizativas del Sector Empresarial del Estado. Stvdia Ivridica, nº 60, Colloquia 7. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 63.

4. Isso não significa, contudo, que a Administração Pública já não era obrigada a observar esse princípio antes da sua inclusão expressa no texto constitucional. Confira-se, a título exemplificativo, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “RMS – ADMINISTRATIVO – ADMINISTRAÇÃO PUBLICA – SERVIDOR PÚBLICO – VENCIMENTOS – PROVENTOS – ACUMULAÇÃO – A Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoali-dade, moralidade e publicidade (Const., art. 37). Outros também se evidenciam na carta política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse publico” (RMS 5590/DF, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/1996, DJ 10/06/1996, p. 20395).

5. “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: (...) II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;”

Page 4: 1527 leia algumas paginas

39

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

Quando a doutrina econômica fala em eficiência da alocação de recursos na sociedade normalmen-te está se referindo à eficiência de Pareto.6 De acordo com esse critério, determinada distribuição de recursos na sociedade será eficiente quando não for possível melhorar a situação de um indivíduo sem piorar a situação de um outro indivíduo.7 Aplicando-se esse entendimento à hipótese da intervenção do Estado na economia, por exemplo, teríamos que determinada medida interventiva apenas seria eficiente se aumentasse o bem estar de pelo menos um indivíduo, sem piorar a situação de nenhum indivíduo afetado pela operação. Por se basear nas concepções individuais de bem estar, a eficiência de Pareto requer unanimidade, na medida em que “uma decisão social é ótima se não existe outra situação diferente que se prefira unanimemente”.8

Esse critério, contudo, sofreu uma série de críticas. A principal delas reside no fato de que o “equilíbrio” por ele gerado existe em quase qualquer forma de distribuição de recursos, mesmo formas iníquas e extremamente injustas.9 Tal fórmula, na verdade, beneficiaria o status quo, impedindo que alterações na distribuição sejam feitas se um dos envolvidos na relação for prejudicado,10 Incluindo--se aí os mais abastados.

Assim, naqueles casos nos quais não é possível aceitar a distribuição inicial de recursos em uma dada sociedade, por motivos relacionados à justiça, dignidade humana, dentre outros, o critério de eficiência de Pareto não seria suficiente.

Há também outros possíveis critérios para se aferir a eficiência de determinada alocação de recursos na sociedade, como o critério de Kaldor-Hicks11 e o critério da maximização de riquezas

6. Cf. STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. Trad. 3ª ed. americana. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2003, p. 174; DWORKIN, Ronald. Is wealth a value? The Journal of Legal Studies, vol. 9, nº 2, mar. 1980, p. 194.

7. O ótimo de Pareto pode ser utilizado, ainda, como critério de aferição da medida necessária em sede de exame da proporcionalidade de determinada medida restritiva de direito. Explica-se: “uma distribuição qualquer é considerada um ótimo paretiano quando não se pode redistribuir os recursos sem que um dos elementos iniciais tenha sua situação piorada. Vamos supor que a medida M1, se adotada, é capaz de gerar alguma restrição em um princípio P1 e não promove, em nenhum grau, um princípio P2. Pelo critério de Pareto, a medida, porquanto plenamente inadequada, produz um resultado pior comparado ao estágio inicial, não devendo ser adotada. É possível abandonar M1 sem qualquer custo para o princípio P2. Já o dever de necessidade prescreve que o meio M1 não deve ser adotado se houver um meio M2 capaz de (i) aumentar o grau de promoção de P2 sem impor maiores restrições a P1 e/ou (ii) reduzir o nível de intervenção em P1, mantendo-se o grau de promoção de P2. Nos dois casos, em relação à posição original, temos duas distribuições superiores de Pareto. Dentro das possibilidades fáticas, portanto, a melhor composição entre os princípios impõe a escolha do meio M2, já que M1 se revela, neste segundo caso, desnecessário” (LEAL, Fernando. Propostas para uma abordagem teórico--metodológica do dever constitucional de eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, nº 15, ago./out. 2008, p. 18). Fernando Leal ressalta que a utilização desse critério em procedimentos de pon-deração sofre as mesmas críticas direcionadas ao uso do ótimo de Pareto para fins de distribuição de recursos na sociedade.

8. CALSAMIGLIA, Albert. Eficiencia y Derecho. Doxa, Cuadernos de Filosofia del Derecho, 1987, vol. 4, p. 273.9. DWORKIN, Ronald. Is wealthy a value? The Journal of Legal Studies, vol. 9, nº 2, mar. 1980, p. 193.10. CALSAMIGLIA, Albert. Op.cit., p. 273. A esse respeito, vide nota de rodapé nº 65.11. O critério de Kaldor-Hicks é uma evolução do critério de Pareto, considerando eficiente uma determinada distri-

buição de recursos na sociedade desde que os ganhos usufruídos por parte da sociedade compensem (ainda que de forma meramente potencial) a perda sofrida por alguns indivíduos. Esse critério não exige que os indivíduos beneficiados efetivamente compensem os prejuízos sofridos por parte da sociedade, mas tão-somente que a utilidade gerada por uma determinada medida que afete a distribuição de recursos seja superior aos ônus por ela criados (HIERRO, Liborio L. Justicia, igualdad y eficiencia. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, pp. 22 e seguintes). Sobre esse prisma, o critério de Kaldor-Hicks parece se assemelhar ao terceiro teste do princípio da proporcionalidade, consistindo em uma análise do custo-benefício de determinada medida: se os benefícios de determinada medida compensarem os seus ônus, então a medida será eficiente. A diferença reside no fato de que a eficiência diz respeito aos custos financeiros de determinada medida, ao passo que a proporcionalidade leva em consideração os ônus trazidos para outros direitos envolvidos no conflito.

Page 5: 1527 leia algumas paginas

40

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

de Posner,12 bem como aqueles voltados a indicar a melhor utilização de recursos para a produção de determinado bem ou prestação de determinado serviço, como a eficiência produtiva, a análise de custo-benefício, etc.

De acordo com a doutrina econômica, o atendimento da eficiência depende de algumas condições, como a ausência de externalidades e existência de competição em dado mercado, dentre outras. Em resumo, a sua obtenção depende de um cenário ideal de mercado que não existe na prática. A interven-ção do Estado na economia estaria, assim, justificada, sob o prisma econômico, para corrigir as falhas presentes no mercado com vista a aproximá-lo o quanto possível do cenário ideal mencionado acima.

É importante perceber, contudo, que a intervenção do Estado não busca apenas corrigir as falhas de mercado apontadas pela teoria econômica, mas, além disso, objetiva promover uma distribuição justa de recursos na sociedade. Em vista disso, a doutrina jurídica não se atém ao critério de Pareto ou a outros critérios de natureza estritamente econômica para analisar a eficiência da intervenção do Estado na economia, utilizando, em substituição, critérios, mais ou menos complexos, que considerem a necessidade de o Estado promover a justiça social. 13

Admite-se uma certa perda de “eficiência” – em seu sentido estritamente econômico – na medida em que ela seja necessária para o atendimento de determinada finalidade de interesse público, assim considerada pela Constituição ou pelo processo democrático, e desde que o instrumento escolhido

12. De acordo com esse critério, a eficiência das operações realizadas na sociedade é medida através da análise do grau de riqueza que elas são capazes de gerar: “eficiência significa a exploração dos recursos econômicos de uma tal forma que o valor – a satisfação humana medida pela predisposição agregada a pagar por bens e serviços – é maximizado” (POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. Boston: Little, Brown, 1977, p. 10). Explicando esse conceito, Ronald Dworkin afirma que “a maximização de riquezas, da forma como definida, é atingida quando os bens e outros recursos estão nas mãos daqueles que os valorizam mais, e alguém valoriza mais um bem apenas se ele está disposto e tem condições de pagar mais em dinheiro (ou em equivalente em dinheiro) para tê-lo. (…) A sociedade maximiza a sua riqueza quando todos os seus recursos são distribuídos de uma forma que a soma das avaliações individuais é a mais alta possível” (DWORKIN, Ronald. Op.cit., pp. 191/192). Esse modelo foi muito criticado, contudo, tanto por confundir eficiência com justiça e por defender a fundamentação de todo e qualquer direito conforme a sua importância para a maximização de riquezas em uma sociedade, quanto por se demonstrar, na prática, instável e, portanto, difícil de ser aplicado. Como advertido por Ronald Dworkin, “de acordo com a análise econômica do Direito, os direitos deveriam ser atribuídos instrumentalmente, de uma forma que tal atribuição de direitos favoreça a maximação das riquezas” (Op. Cit., p. 207). Seria essa, em última análise, a justificativa de todos os direitos, inclusive do direito à vida. Todo e qualquer direito deverá ser justi-ficado pelo seu papel na maximização de riquezas na sociedade e não pela sua importância ética ou moral. E continua Dworkin, “Posner não limita o escopo do argumento – que a atribuição de direitos deve ser feita de forma instrumental – ao que poderia ser chamado de direitos menos importantes, como o direito a injunção contra um incômodo ou a reparação de danos por negligência. Pelo contrário, ele é explícito no sentido de que o mesmo teste deve ser usado para determinar os mais fundamentais direitos humanos dos cidadãos, incluindo o seu direito à vida e ao controle do seu próprio trabalho em vez de serem escravos de outros”. (Idem, p. 207). Em suma, a sua aplicação depende de avaliações subjetivas, que variarão conforme a posição do indivíduo na relação de trocas na sociedade e conforme o valor que atribui a determinados bens. Esse critério depende, em suma, das valorizações que cada indivíduo atribui a determinados bens ou serviços, o que pode variar em virtude de uma série de circunstâncias.Além disso, questiona-se se a “maximização de riquezas” é realmente um valor em si mesmo, a ser buscado pela sociedade, e a que custo.

13. Um exemplo disso pode ser encontrado na Teoria da Justiça de John Rawls. Esse autor propõe a substituição do princípio da eficiência pelo o que ele chama de princípio da diferença, de acordo com o qual só serão admitidas distribuições desiguais de recursos na sociedade se trouxerem benefícios para as camadas menos favorecidas da população. “O princípio de diferença é, então, uma concepção fortemente igualitária no sentido de que, se não houver uma distribuição que melhore a situação de ambas as pessoas (limitando-nos ao caso de duas pessoas, para simplificar), deve-se preferir a distribuição igualitária” (RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2008, p. 91).

Page 6: 1527 leia algumas paginas

41

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

pelo Estado para tanto (regulação, criação de empresa estatal, etc.) resista a uma análise de custo--benefício e economicidade. “Eficiência administrativa não é sinônimo de eficiência econômica”.14

Esse entendimento é esposado, dentre outros, por Fernando Leal, autor que afirma que o con-ceito de eficiência “abraça (i) o conhecimento preciso da finalidade almejada por lei, ato ou contrato de direito público, (ii) a conduta do administrador e (iii) a avaliação, ainda, da (1) idoneidade da atuação do agente (sem prejuízo de se questionar se não seria esta uma exigência do princípio da moralidade também enunciado na cabeça do art. 37 da Constituição), (2) da economicidade do seu ato e, finalmente, da (3) satisfatoriedade do atendimento do desiderato legal”.15

Paulo Modesto, em sentido semelhante, considera que o atendimento ao princípio da eficiência pela Administração Pública depende da escolha do meio adequado, da utilização da menor quantidade de recursos possível e do atendimento satisfatório da finalidade pública16.

Na mesma linha, Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma que não se pode limitar a noção de eficiência aplicável à Administração à ideia de eficiência econômica. Nas suas palavras, a eficiência administrativa é aquela “produz um complexo de resultados em benefício da sociedade – portanto, uma eficiência socioeconômica – um conceito híbrido, que consiste em produzir bens e serviços de melhor qualidade o mais rápido, na maior quantidade possível e com os menores custos para a sociedade, para efetivamente atender a suas necessidades”.17

Também podemos citar Alexandre Santos de Aragão, que entende que o princípio da eficiência impõe tanto a atuação econômica do Estado, mas, principalmente, o atendimento ótimo das finali-dades impostas pela Constituição ao Poder Público.18

14. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte. Ed. Fórum, 2010, p. 184. O autor explica que “parte da doutrina tem preferido, por isso, a expressão princípio da eficácia administrativa, para redução do risco de transposição indevida dos conceitos econômicos para a dimensão estatal. O princípio da eficácia impõe como primeiro dever à Administração evitar o desperdício e a falha. (...) Portanto, a eficácia administra-tiva envolve a ponderação de interesses e valores de distinta natureza, sem eleger o lucro e a rentabilidade econômica como princípio único ou fundamental. (...) A eficácia administrativa significa que os fins buscados pela Administração devem ser realizados segundo o menor custo econômico possível, o que não é sinônimo de obtenção do maior lucro” (Idem, pp. 184/185).

15. LEAL, Fernando. Propostas para uma abordagem teórico-metodológica do dever constitucional de eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, nº 15, ago./out. 2008, p. 6.

16. “A imposição de atuação eficiente, do ponto de vista jurídico, refere a duas dimensões da atividade administrativa indissociáveis: a) a dimensão da racionalidade e otimização no uso dos meios; b) a dimensão da satisfatoriedade dos resultados da atividade administrativa pública. Não é apenas uma ou outra exigência, mas as duas idéias conjugadas. Eficiência, para fins jurídicos, não é apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis em função dos fins prezados, como é corrente entre os economistas e os administradores. A eficiência, para os administradores, é um simples problema de otimização de meios; para o jurista, diz respei-to tanto a otimização dos meios quanto a qualidade do agir final. Recorde-se que o administrador público é obrigado a agir tendo como parâmetro o melhor resultado, consultando-se o princípio da proporcionalidade. (...) Na primeira dimensão do princípio da eficiência insere-se a exigência de economicidade, igualmente po-sitivada entre nós, sendo o desperdício a idéia oposta imediata. Trata-se aqui da eficiência como qualidade da ação administrativa que obtém resultados satisfatórios ou excelentes, constituindo a obtenção de resultados inúteis ou insatisfatórios uma das formas de contravenção mais comuns ao princípio. (...) A obrigação de atuação eficiente, portanto, em termos simplificados impõe: a) ação idônea (eficaz); b) ação econômica (otimizada) e c) ação satisfatória (dotada de qualidade)” (MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, nº 10, mai./jul. 2007, pp. 9/10).

17. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro Paradigmas do Direito Administrativo Pós-Moderno. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008, p. 103.

18. “A eficiência não pode ser entendida apenas como maximização do lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo que incumbe ao Estado, que deve obter a maior realização prática possível das finalidades do ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, espe-cialmente de índole financeira, como para as liberdades dos cidadãos” (ARAGAO, Alexandre Santos de. Princípio da Eficiência. Revista dos Tribunais, vol. 830, dez. 2004, p. 709).

Page 7: 1527 leia algumas paginas

42

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

Assim, de acordo com a doutrina jurídica brasileira, o princípio da eficiência, previsto pelo art. 37, caput, da Constituição Federal, não pode ser confundido com a eficiência objeto da análise econômica. Embora esse último critério deva também ser levado em conta – sobretudo no âmbito do Estado empresário –, o princípio da eficiência a que se encontra adstrita a Administração Pública é mais amplo e consiste na análise dos custos e benefícios associados à adoção de medidas adminis-trativas para a consecução de determinadas finalidades públicas, previstas na lei e na Constituição Federal. O princípio da eficiência impõe uma análise dos impactos da intervenção,19 obrigando o administrador a, previamente à opção por determinado modelo interventivo, justificá-lo ante aos objetivos visados e outros possíveis instrumentos de consecução.20

O conceito jurídico da eficiência, à luz do artigo 37, caput, da Constituição Federal, engloba também a noção de eficácia, isto é, o grau de efetiva consecução dos objetivos visados pela medida administrativa. Muito embora seja possível definir separadamente eficiência e eficácia, como o faz a ciência da administração21 e o Tribunal de Contas da União22, a doutrina jurídica defende que, além de se tratar de conceitos complementares, não faria qualquer sentido que a Constituição exigisse a otimização dos gastos públicos, mas não cobrasse também a produção real de resultados, quando aplicável. A nosso ver, o fato de a Constituição Federal ter se referido em seu art. 74, II, à eficiência e à eficácia em termos separados não altera essa conclusão, pois uma determinada medida só será eficiente se atender aos objetivos para os quais foi criada, já que, se isso não ocorrer, os recursos públicos nela aplicados terão sido desperdiçados.

Vale citar, ainda, a definição adotada pela Organização Internacional das Entidades Superiores de Fiscalização (INTOSAI – International Organization of Supreme Audit Institutions),23 entidade internacional da qual faz parte o Brasil, representado pelo Tribunal de Contas da União, e outros 187 países, em seu Implementation Guidelines for Performance Auditing24 (Boas práticas sobre Auditoria Operacional), que aproxima o conceito ao de economicidade:

“Eficiência – fazer o máximo dos recursos disponíveis

19. “(...) pressupondo sempre a decisão de intervenção empresarial do Estado um estudo técnico e de viabilidade econômica, pode afirmar-se que resulta da Constituição, enquanto expressão conjugada entre um princípio implícito de subsidiariedade (...) e um princípio expresso de eficiência da intervenção do Estado na concretização dos imperativos do bem-estar, a possibilidade de o legislador ordinário consagrar um modelo de intervenção empresarial do Estado fundado no respeito pelo princípio da proporcionalidade, especialmente na sua vertente de contabilização ou balanço custos-vantagens” (OTERO, Paulo. Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado. Coimbra: Coimbra Editora, 1998., p. 203).

20. Pode-se citar, nesse sentido, o recente esforço prático e teórico na implementação dos procedimentos de análise de impacto regulatório no âmbito dos procedimentos de formulação de normas regulatórias. Sobre o tema, sugerimos a leitura de estudo promovido pelo PRO-REG – Programa de Fortalecimento da Capacidade Institu-cional para Gestão em Regulação,, “Análise do Impacto Regulatório: A importância da melhoria da qualidade da regulação”, disponível em http://www.regulacao.gov.br/artigos/analise-de-impacto-regulatorio-a-importancia--da-melhoria-da-qualidade-da-regulacao.

21. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp. 237/238.22. O Tribunal de Contas da União, em seu Manual de Auditoria Operacional, aprovado pela Portaria-SEGECEX nº

4, de 26 de fevereiro de 2010, parece adotar um conceito mais estrito de eficiência, referente apenas à análise de custo-benefício de determinada atividade, diferenciando-o da análise da eficácia e efetividade.

23. Essa organização foi fundada em 1953 e é uma entidade autônoma e não-governamental, possuindo status especial de consultoria no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Cf. informação divulgada na página eletrônica da INTOSAI: http://www.intosai.org. Entidades Superiores de Fiscalização são entidades de controle externo de contas do poder público. No âmbito internacional, podemos citar os exemplos da National Audit Office (Inglaterra); Government Accountability Office (EUA); Corte di Conti (Itália); Tribunal de Cuentas (Espanha) e a Auditoria Geral da Nação (Argentina).

24. Implementation Guidelines For Performance Auditing. Standards and guidelines for performance auditing based on INTOSAI’s Auditing Standards and practical experience. Disponível em: http://intosai.connexcc-hosting.net/blueline/upload/1implgperfaude.pdf. Acesso em 24.06.2008, p. 11.

Page 8: 1527 leia algumas paginas

43

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

A eficiência é relacionada à economia. Aqui, também, o ponto central são os re-cursos empregados. A questão principal é se os recursos foram utilizados de forma ótima ou satisfatória ou se resultados iguais ou similares em termos de qualidade e tempo poderiam ter sido atingidos com menos recursos. (…) A questão se refere à relação entre a qualidade e a quantidade de serviços oferecidos e os custos dos recursos utilizados para produzi-los, de forma a atingir os resultados. (...) Auditar a eficiência engloba aspectos como se:

• os recursos humanos, financeiros, e outros são usados de forma eficiente;

• os programas governamentais, entidades e atividades são eficientemente admi-nistrados, regulados, organizados, executados, monitorados e avaliados;

• as atividades das entidades governamentais são consistentes com os objetivos e requerimentos estipulados;

• os serviços públicos são de boa qualidade, orientados às necessidades do cliente e entregues em tempo; e

• os objetivos dos programas governamentais são alcançados de forma custo-bené-fica. O conceito de custo-benefício significa a habilidade ou potencial de uma entidade, atividade, programa ou operação de atingir determinados resultados a um custo razoável. A análise de custo-benefício é um estudo sobre a relação entre os custos do projeto e os seus resultados, expressados como custo por unidade de resultado atingido. Custo-benefício é apenas um elemento no exame da eficiência, o qual pode também incluir análises, por exemplos, do tempo no qual os resultados são entregues.

O conceito de eficiência é restrito principalmente a questão de se os recursos foram utilizados de forma ótima ou satisfatória. Consequentemente, a eficiência é normalmente especificada de duas formas possíveis: se o mesmo resultado po-deria ter sido atingido com menos recursos, ou, em outras palavras, se os mesmos recursos poderiam ter sido utilizados para obter melhores resultados (em termos de quantidade e qualidade de resultado)”.25

O conceito de eficiência que prevalece no âmbito do Direito Administrativo, portanto, é o de custo-benefício, já que se trata da escolha dos meios para a concretização das finalidades que o ordenamento jurídico coloca para o Estado e envolve também preocupação com a efetividade e economicidade, embora esses últimos sejam conceituados autonomamente pela doutrina, conforme se vê no quadro a seguir:

Economicidade é atingida quando o objetivo visado pelo Poder Público é obtido com o menor gasto de recursos, sejam financeiros, ambientais, pessoais, etc.

Efetividadeenvolve a análise do grau de atendimento dos objetivos estatais visados mediante a utilização das medidas escolhidas. Trata-se da relação entre os resultados esperados com a adoção de determinadas medidas e os resultados reais daí decorrentes.

Eficiênciaé atingida quando os custos envolvidos na execução de determinada medida estatal (aí in-cluídos custos financeiros, mas também sociais, ambientais, trabalhistas, etc) são superados pelos seus benefícios.

Cumpre ao Estado, enfim, sob a lógica da eficiência jurídica, adotar as medidas necessárias e aptas a atender aos fins previstos democraticamente na Constituição Federal e na legislação, em uma

25. Implementation Guidelines For Performance Auditing. Standards and guidelines for performance auditing based on INTOSAI’s Auditing Standards and practical experience. Disponível em http://intosai.connexcc-hosting.net/blueline/upload/1implgperfaude.pdf. Acesso em 12 set. 2011, pp. 15/17.

Page 9: 1527 leia algumas paginas

44

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

relação custo-benéfica, que demanda, pela sua própria natureza, também o atendimento aos princípios da economicidade (redução dos custos envolvidos) e do princípio da efetividade (real concretização dos benefícios).

Dentre os exemplos mais claros de aplicação desse princípio no ordenamento jurídico brasileiro, temos:

(i) o estágio probatório, previsto no art. 41 da Constituição Federal, período de 3 (três) anos no qual o servidor nomeado é avaliado no que tange à sua produtividade antes de fazer jus à estabilidade;

(ii) os instrumentos de delegação de serviços públicos à iniciativa privada, tais como as concessões comuns regidas pela Lei nº 8.987/95 e as parcerias público-privadas (Lei nº 11.079/2004).

(iii) o princípio licitatório, insculpido no art. 37, XXI, da Constituição Federal. De acordo com o Tribunal de Contas da União, “é fundamento da licitação que o processo que a regulamenta tem a finalidade de obter o melhor contrato, nas melhores condições, pela melhor prestadora do ponto de vista exclusivo da Administração Pública. A eficiência que direciona a ação administrativa deve, pois, obrigatoriamente conduzir ao melhor resultado possível, com o menor custo, após a análise dos requisitos de habilitação (elementos técnicos, financeiros, jurídicos, fiscais)” (Acórdão nº 1000/2005, Plenário);

(iv) a exigência de elaboração de projeto básico na fase interna da licitação, como impõe a Lei nº 8.666/93 (Acórdão 503/2012 – Plenário TCU), bem como a pesquisa de preços de mercado (Acórdão 2786/2013 – Plenário TCU), cuja inexistência, além de ser ilegal, pode implicar na estimativa incorreta dos custos envolvidos na licitação e, consequentemente, na definição eficiente do objeto da licitação;

(v) o princípio da eficiência também deverá ser observado, de acordo com o Tribunal de Contas da União, na aplicação do art. 23, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, de acordo com o qual, “as obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis”, considerando que, embora a ampliação da competitividade seja uma meta, a divisão excessiva do objeto de um contrato público – i.e. divisão excessiva de trechos de construção de uma rodovia – pode ser ineficiente, gerando um prejuízo para o Erário Público. No acórdão nº 1631/2007, o seu Plenário considerou que a “execução dos trechos isolados, da forma como vem sendo feita, pode resultar em elevado ônus ao erário, caso não seja esta a opção mais efi-ciente e econômica aos cofres públicos. Fato é que não existe estudo comparativo quanto ao impacto no preço final do km pavimentado da rodovia (...). A necessidade do estudo em tela encontra-se insculpida nos princípios da eficiência e da economicidade, contidos nos art. 37, caput, e 70, caput, da Constituição Federal de 1988”;

(vi) esse princípio também determina, por exemplo, de acordo com o decidido no Acórdão 1.374/2010 – TCU, ser ilegítima a desclassificação de propostas mais vantajosas financeiramente para a Administração Pública, no âmbito de procedimentos licitatórios, em virtude de pequenas irregularidades que poderiam ser corrigidas mediante pedido de esclarecimentos;

Considere-se, ainda, por exemplo, o objetivo de distribuir determinados bens a alguns cidadãos mais necessitados. Qual a forma mais eficiente de fazê-lo, considerando aí uma relação de custos e benefícios? A produção direta do produto pelo Estado? A contratação, através de licitação, de uma sociedade privada para fazê-lo? A criação de obrigação para iniciativa privada, via legislação, de concessão de descontos para determinados setores da sociedade? Ou, ainda, a concessão de auxílio financeiro direto aos indivíduos considerados necessitados?

Pensemos, agora, nos gargalos de infraestrutura necessários ao desenvolvimento nacional. Qual a melhor forma de eliminá-los? Através da criação de sociedades estatais, concessão de subsídios para sociedades privadas ou a contratação de empresas privadas para a realização das obras necessárias e posterior prestação dos serviços? Todas as alternativas apresentam prós e contras.

Page 10: 1527 leia algumas paginas

45

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

Todos esses elementos devem ser considerados quando da escolha pela melhor forma de inter-venção a ser utilizada para endereçar a falha de mercado ou para atingir o objetivo redistributivo.

2. QUESTÕES DE CONCURSOS

01. (TRT15/Juiz do Trabalho/2013 – adaptada) Há previsão de princípios específicos na Lei do Processo Admi-nistrativo no âmbito da Administração Federal Direta e Indireta (Lei nº 9.784/1999), tais como os princípios da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, do interesse público e da eficiência.

02. (CESPE/TJ-MA/Juiz/2013 – adaptada) A eficiência constitui princípio administrativo previsto na CF.

03. (TRT15/Juiz do Trabalho/2013 – adaptada) A Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é norteada pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

04. (CESPE/TRT10/Analista Judiciário/2013) Os princípios constitucionais da administração pública se limitam à esfera do Poder Executivo, já que o Poder Judiciário e o Poder Legislativo não exercem função administrativa.

05. (TRF3/Juiz Federal/2013) Assinale a alternativa correta:

a) Princípios de Direito Administrativo devem ser levados em consideração para efeito de decisão judicial apenas quando a lei for omissa, e após recurso à analogia e aos costumes.

b) Desconsiderar princípios de direito administrativo não implica ofensa à ordem jurídica desde que haja disposição legal que, enquanto regra geral aplicável ao caso, possa servir de fundamento para a decisão a ser proferida.

c) Princípios de direito administrativo, expressos na Constituição da República, são hierarquicamente superiores a quaisquer outras regras jurídicas, sejam elas constitucionais ou não.

d) Em direito administrativo, princípios jurídicos têm caráter prescritivo, condicionam o exercício de competências discricionárias, são úteis no processo de interpretação dos atos normativos em geral, e se prestam à colmatação de lacunas.

e) O Direito Administrativo é composto por princípios e regras que, como espécies de normas jurídicas, consubs-tanciam prescrições diferenciadas, conquanto dotadas do mesmo grau de generalidade e abstração.

06. (MPT/Procurador do Trabalho/2013 – adaptada) Os princípios que regem a administração pública – legali-dade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – são aplicáveis inclusive às empresas públicas e sociedades de economia mista federais, estaduais e municipais.

07. (FCC/DPE-SP/Defensor Público/2012 – adaptada) Está em conformidade com a eficiência a prestação de serviço público que satisfaça em parte às necessidades dos administrados, desde que realizados com rapidez e prontidão.

08. (TJ-PR/Assessor Jurídico/2012 – adaptada) O rol dos princípios elencados pela Constituição não é exaustivo, tanto que existem os chamados “princípios implícitos”.

09. (COPESE-UFT/DPE-TO/Analista Jurídico/2012) Sobre os princípios da Administração Pública dispostos na Constituição Federal, marque a alternativa CORRETA:

a) Somente a administração pública direta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

b) A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

c) A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes, exclusivamente, da União, dos Estados, do Distrito Federal obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

d) A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes, exclusivamente, da União, dos Estados e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

10. (FCC/TRT6/Técnico Judiciário/2012) Pode-se, sem pretender esgotar o conceito, definir o princípio da efici-ência como princípio

a) constitucional que rege a Administração Pública, do qual se retira especificamente a presunção absoluta de legalidade de seus atos.

b) infralegal dirigido à Administração Pública para que ela seja gerida de modo impessoal e transparente, dando publicidade a todos os seus atos.

Page 11: 1527 leia algumas paginas

46

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

c) infralegal que positivou a supremacia do interesse público, permitindo que a decisão da Administração sempre se sobreponha ao interesse do particular.

d) constitucional que se presta a exigir a atuação da Administração Pública condizente com a moralidade, na medida em que esta não encontra guarida expressa no texto constitucional.

e) constitucional dirigido à Administração Pública para que seja organizada e dirigida de modo a alcançar os melhores resultados no desempenho de suas funções.

11. (FCC/TRE-PR/Analista Judiciário/2012) A eficiência, na lição de Hely Lopes Meirelles, é um dever que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus mem-bros. (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 2003. p. 102). Infere-se que o princípio da eficiência

a) passou a se sobrepor aos demais princípios que regem a administração pública, após ter sua previsão inserida em nível constitucional.

b) deve ser aplicado apenas quanto ao modo de atuação do agente público, não podendo incidir quando se trata de organizar e estruturar a administração pública.

c) deve nortear a atuação da administração pública e a organização de sua estrutura, somando-se aos demais princípios impostos àquela e não se sobrepondo aos mesmos, especialmente ao da legalidade.

d) autoriza a atuação da administração pública dissonante de previsão legal quando for possível comprovar que assim serão alcançados melhores resultados na prestação do serviço público.

e) traduz valor material absoluto, de modo que alcançou status jurídico supraconstitucional, autorizando a prete-rição dos demais princípios que norteiam a administração pública, a fim de alcançar os melhores resultados.

12. (CESPE/TJ-AL/Analista Judiciário/2012 – adaptada) Ao ser promulgada, a CF inovou ao incluir o princípio da eficiência entre os princípios que regem a administração pública.

13. (CESPE/TRE-SP/Analista Judiciário/2012) De acordo com a Constituição Federal, constituem princípios apli-cáveis à Administração Pública os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Tais princípios aplicam-se às entidades

a) de direito público, excluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam em regime de competição no mercado.

b) de direito público e privado, exceto o princípio da eficiência que é dirigido às entidades da Administração indireta que atuam em regime de competição no mercado.

c) integrantes da Administração Pública direta e indireta e às entidades privadas que recebam recursos ou sub-venção pública.

d) integrantes da Administração Pública direta e indireta, independentemente da natureza pública ou privada da entidade.

e) públicas ou privadas, prestadoras de serviço público, ainda que não integrantes da Administração Pública.

14. (IESES/TJ-RO/Titular de Serviços de Notas e de Registros/2012) É o princípio pelo qual se espera alcançar o melhor desempenho possível, no tocante ao modo de agir dos agentes, e de angariar os melhores resultados na prestação dos serviços, no pertinente à atuação da Administração Pública:

a) Finalidade.

b) Proporcionalidade.

c) Motivação.

d) Eficiência.

15. (IESES/TJ-RN/Titular de Serviços de Notas e de Registros/2012 – adaptada) A decisão de disponibilizar o salário dos servidores públicos na internet está intimamente relacionada com o princípio da eficiência.

16. (ESAF/Receita Federal/Auditor-Fiscal/2014) Nos termos da lei, a Administração Pública Federal observará, em se tratando do processo administrativo, princípios específicos, exceto:

a) princípio da segurança jurídica.

b) princípio da razoabilidade.

c) princípio da eficiência.

d) princípio da insignificância.

e) princípio da motivação.

Page 12: 1527 leia algumas paginas

47

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 5º

17. (FCC/TRT19/Analista Judiciário – Área Judiciária – Oficial de Justiça/2014) Determinada empresa do ramo farmacêutico, responsável pela importação de importante fármaco necessário ao tra tamento de grave doença, formulou pedido de retificação de sua declaração de importação, não obtendo resposta da Administração públi-ca. Em razão disso, ingressou com ação na Justiça, obtendo ganho de causa. Em síntese, considerou o Judiciário que a Administração pública não pode se esquivar de dar um pronto retorno ao particular, sob pena inclusive de danos irreversíveis à própria popu lação. O caso narrado evidencia violação ao princípio da

a) publicidade.

b) eficiência.

c) impessoalidade.

d) motivação.

e) proporcionalidade.

18. (CESPE/PGE-BA/Procurador do Estado/2014) O atendimento ao princípio da eficiência administrativa auto-riza a atuação de servidor público em desconformidade com a regra legal, desde que haja a comprovação do atingimento da eficácia na prestação do serviço público correspondente.

19. (CESPE/Analista Legislativo-Consultor Legislativo/Câmara dos Deputados/2014) O art. 37, caput, da Cons-tituição Federal indica expressamente à administração pública direta e indireta princípios a serem seguidos, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, entre outros princípios não elencados no referido artigo.

20. (PUC-PR/TJ-PR/Juiz de Direito/2014 – adaptada) De acordo com o que expresso no caput do artigo 37 da Constituição Federal, com a redação da Emenda Consti tucional n°. 19/1998, a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade e eficiência.

21. (UESPI/PC-PI/Delegado de Polícia/2014) A Lei n° 9.784/99 estabelece normas sobre o Processo Administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta. Pode-se afirmar que o princípio que a Administração Pú-blica deve obedecer a fim de que todo processo administrativo chegue ao seu final, ou seja, tenha uma decisão conclusiva, que solucione a controvérsia, é o

a) da legalidade.

b) da eficiência.

c) da ampla defesa.

d) da finalidade.

e) do interesse público.

22. (UFG/Defensor Público-GO/2014 – adaptada) Pelo princípio da eficiência, a Administração Pública, na execução dos atos administrativos, tem o dever de alcançar a finalidade normativa, pois se trata de prin cípio diretamente vinculado ao princípio da legalidade e da supremacia do interesse público.

23. (VUNESP/Procurador Jurídico/SAAE/2014 – adaptada) Os cânones da boa-fé e da lealdade, que devem reger as relações com a sociedade, são inerentes ao princípio da eficiência.

GAB1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23

C C C E D C E C B E C E D D E D B E C E B E E

` CONSTITUIÇÃO FEDERAL

` TÍTULO II – DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

` CAPÍTULO I – DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Page 13: 1527 leia algumas paginas

48

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999,.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

` LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999,

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

1. COMENTÁRIOS

1.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E A IDEIA DE JURIDICIDADE

O princípio da legalidade encontra-se consagrado no art. 5º, II, da Constituição Federal, de acordo com o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, sendo, ainda, previsto no caput do art. 37 da Carta Maior, que impõe a sua observância no âmbito da Administração Pública, no art. 84, IV, que prevê a competência do Presidente da Repú-blica para expedir decretos e regulamentos para “fiel execução” da lei, bem como no art. 49, V, que contém a competência do Congresso Nacional para sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Esse princípio retrata a exigência de subordinação da Administração Pública à soberania popular, que se exerce preponderantemente através da Lei e caracteriza contraponto ao princípio da liberdade, de acordo com o qual o administrado pode fazer tudo aquilo que não é vedado pela lei, editada por seus representantes eleitos no Parlamento.

O princípio da legalidade está associado à construção do Estado de Direito, fundando-se na ideia de que a lei seria o reflexo da vontade geral da população e não da vontade arbitrária de um só homem. Conforme ensina Manuel Gonçalves Ferreira Filho, “a supremacia da lei deveria ser, de acordo com o esquema clássico, a supremacia da Razão sobre o arbítrio dos governantes. Deveria exprimir a vontade geral, que nunca erra, por ser a razão humana despida dos interesses que a desencaminham e, jamais, o predomínio de qualquer grupo, de qualquer vontade particular”26. Também Eduardo Garcia de Enterría afirma que o princípio da legalidade envolve a concepção de que “o poder político é uma autodisposição da sociedade sobre si mesma, através da vontade geral surgida do pacto social, a qual se expressa por meio da Lei, uma Lei geral e igualitária”.27

O cidadão, portanto, não pode ter as suas liberdades restringidas senão com fundamento na Lei, editada pelos seus representantes no Parlamento.

.IMPORTANTE. De acordo com a história oficial, a vinculação do Direito Administrativo ao Princípio da Legalidade teria nascido na França, com a “Lei de 28 do pluviose do ano VIII, editada em 1800”, lei esta que, pela primeira vez, organizou e limitou externamente os poderes da Administração Pública128. O Poder Executivo encontrar-se-ia, dessa forma, completamente submetido ao Poder Legislativo, e suas competências se resumiriam à mera aplicação do Direito criado por este último.29

26. FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. O processo legislativo. 3 ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 1995, p. 79.27. La lengua de los derechos. La formación del derecho publico europeo tras la revolucion francesa. Madri: Alianza,

1994, p. 125.28. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constituciona-

lização, p. 10. De acordo com o autor, “Tal lei simbolizaria a superação da estrutura de poder do Antigo Regime, fundada não no direito, mas na vontade do soberano (quod regi placuit lex est). A mesma lei que organiza a estrutura da burocracia estatal e define as suas funções operaria como instrumento de contenção do seu poder, agora subordinado à vontade heterônoma do poder Legislativo”. Idem, p. 10, grifo no original.

29. DUARTE, David. Procedimentalização, Participação e Fundamentação. Para uma concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório. Coimbra: Livraria Almedina, 1996, p. 31.

Page 14: 1527 leia algumas paginas

49

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

Para parte da doutrina de Direito administrativo, a criação do Direito Administrativo teria re-sultado, contudo, não da vontade geral, revelada pelo Legislativo, mas de decisões autovinculativas do próprio Executivo30, através da jurisprudência emanada pelo Conselho de Estado francês. Ou seja, muito embora tenha surgido em um país de tradição romano-germânica, o Direito especial da Administração Pública teve sua origem não em uma lei editada pelo Legislador, mas na cons-trução jurisprudencial do Conseil d’État, através “de um esquema de learning by errors, decorrente da fixação de regras materiais conexas com a descoberta dos momentos patológicos das decisões da Administração”31.

Na prática, a lei não vincularia a atuação da Administração, mas lhe atribuía âmbitos de atuação discricionária considerados, à época, como sendo infensos a qualquer tipo de controle. O princípio da legalidade, juntamente com o da separação de poderes, impedia o controle judicial sobre o mérito do ato administrativo, devendo o juiz limitar-se à análise da sua vinculação à lei, a qual, por sua vez, conferia amplos espaços de atuação discricionária à Administração. É aí que surgiu, por exemplo, o dogma da impossibilidade de revisão do mérito do ato administrativo. A discussão do mérito do ato encontrava-se adstrita à jurisdição administrativa, cuja criação “se baseou na desconfiança dos revolucionários franceses contra os tribunais judiciais, pretendendo impedir que o espírito de hosti-lidade existente nestes últimos contra a Revolução limitasse a ação das autoridades administrativas revolucionárias. A invocação do princípio da separação de poderes foi um simples pretexto, mera figura de retórica, visando a atingir o objetivo de alargar a esfera de liberdade decisória da Administração, tornando-a imune a qualquer controle judicial”.32-33

1.2. CONCEITOS DE LEGALIDADE E DENSIDADE NORMATIVA

Dos enunciados constitucionais supracitados se extrai, de um lado, uma noção positiva de le-galidade, aplicável ao administrado, que tem liberdade para fazer tudo o que a lei não proíba, e, por outro, uma noção negativa, aplicável à Administração, que só pode fazer o que a lei lhe autorize.

Há discussão, contudo, sobre qual deve ser a intensidade ou abrangência dessa autorização. Bas-taria que o Poder Legislativo atribuísse uma autorização genérica para a atuação do Poder Executivo (i.e. “a Agência Nacional de Vigilância Sanitária está autorizada a tomar todas as ações e providências necessárias à promoção da saúde da população brasileira”), ou se exige que a lei em sentido formal contenha parâmetros e diretrizes para a atuação da Administração? E, nesse último caso, bastariam diretrizes gerais ou o Legislador teria que versar de forma minuciosa sobre o que pode ou não pode a Administração Pública fazer?

Veja-se o caso envolvendo o Regulamento Simplificado de Licitações da PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S.A. De acordo com o art. 67 da Lei nº 9.478/1997, também conhecida por Lei do Petróleo, “os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República”.

30. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo..., p. 11.31. DUARTE, David. Procedimentalização, Participação e Fundamentação..., p. 45, itálico no original.32. Idem, p. 13, grifos no original.33. Opinião contrária pode ser encontrada em. GABARDO, Emerson. O suposto caráter autoritário da supremacia

do interesse público e das origens do Direito Administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinicius Alves (coord.). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. Em passagem interessante, o autor afirma que “a assertiva de que o Direito Administrativo tem origem autoritária é tão anacrônica quanto inócua. Afinal, não teria também o Direito Privado uma origem autoritária?” (Op.cit., p. 31).

Page 15: 1527 leia algumas paginas

50

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999,.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

A Lei não indica quaisquer diretrizes ou parâmetros a serem observados pelo Presidente para a edição desse regulamento. A simples autorização por ela estatuída seria suficiente para atender ao princípio da legalidade?

De acordo com o Tribunal de Contas da União, não. Esse Tribunal vem se manifestando reitera-damente no sentido de que o referido Decreto viola o princípio da legalidade, por entender que a lei deveria dispor de forma minuciosa sobre as regras licitatórias aplicáveis a essas entidades, não sendo legítimo, à luz do princípio da legalidade, que simplesmente delegue a competência para dispor sobre o assunto ao Chefe do Executivo. Na decisão nº 663/2002, aquele Tribunal entendeu ser inconstitu-cional o art. 67 da Lei nº 9.478/97, por importar em delegação a ato infralegal da disciplina completa do regime simplificado de licitação: “é dizer, a Lei nº 9.478/97 não trouxe qualquer dispositivo que dissesse como seriam as licitações processadas pela Petrobrás. Nem ao menos os princípios básicos que deveriam reger os processos licitatórios da estatal constaram da lei. Assim, o Decreto nº 2.745/98 inovou no mundo jurídico, ao trazer comandos e princípios que deveriam constar de lei. Pode-se dizer, então, que o Decreto não regulamentou dispositivos: os criou.”

Esse exemplo demonstra que não existe uma única acepção de princípio da legalidade. Esse princípio comporta concepções mais ou menos rígidas quanto ao papel da Administração Pública, que podem ser sintetizadas a seguir: (i) a Administração pode fazer tudo o que não lhe é vedado por lei; (ii) a Administração pode fazer tudo aquilo o que a Constituição ou a lei autorizar; (iii) a Administração só pode praticar os atos cujo conteúdo é predeterminado por lei, não podendo criar direitos ou estabelecer obrigações aos particulares; e (iv) a Administração só pode fazer aquilo que a lei exaustivamente ordenar.34

Na primeira hipótese, a legalidade se apresenta como ideia de não contrariedade com a lei e se confunde com a legalidade aplicável aos particulares e, por isso, não é consentânea com a noção de Estado de Direito.35 As duas últimas, por sua vez, seriam infactíveis – não seria possível, no mundo contemporâneo, que todas as competências administrativas fossem predeterminadas pelo legislador, em todas as suas minúcias, não havendo espaço para qualquer nível de discricionariedade ou criação por parte da Administração.

O Legislativo, com efeito, não está preparado para acompanhar as mudanças da sociedade, criando leis no ritmo necessário à satisfação das novas demandas sociais e econômicas que constantemente vão surgindo. Como salientado por Patrícia Baptista, “a via legislativa formal realmente tornou-se insuficiente e inadequada para o atendimento das necessidades normativas da Administração con-temporânea. A lentidão do processo legislativo tradicional não é capaz de responder, com a presteza exigida pela dinâmica dos fatos do mundo atual, às demandas de regulação de uma Administração interventora e ordenadora, sobretudo na área econômica”36.

Em vista disso, as funções da Administração Pública tiveram de ser repensadas para incluir tarefas outras que a mera execução da norma legal, tais como a própria criação dessas normas e definição das políticas públicas37-38. A sociedade se viu obrigada a recorrer ao processo de delegação de algumas

34. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT, 2003, p. 137.35. Ver, nesse sentido, ARAGAO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense,

2013, p. 61. Essa noção, contudo, já foi aplicada na França e na Alemanha do século XIX, pautada na ideia de que a soberania residia no monarca e não no parlamento (CUEVA, Orlando Vignolo. Cláusula de Estado de Derecho y Principio de Legalidad. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, nº 131, mai.-ago. 2011, p. 795, tradução livre).

36. BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2003, p. 101.37. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico, p. 100.38. Como exposto por Orlando Vignolo Cueva, “as impossibilidades do Legislador para regrar todos os pressupostos

nos quais a Administração deve desenvolver-se, ao mínimo detalhe e com extrema abundância, seguem con-tradizendo aquela evolução dogmática comumente aceita, mas cada vez mais desgastada, que se resume no

Page 16: 1527 leia algumas paginas

51

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

competências normativas à Administração Pública, para permitir a regulamentação de determinadas matérias pelo Poder Executivo. A lei passou a tratar dos aspectos gerais e politicamente essenciais da matéria regulada, tendo sido repassada ao administrador a tarefa de fazer a ligação entre essas normas e os casos concretos, mediante a edição de normas administrativas. Como então conceber o princípio da legalidade nesse contexto, sem descuidar da sua função no Estado democrático de Direito, mas também sem ignorar a força da realidade?

Resta, portanto, a concepção (ii) de legalidade, de acordo com a qual “a Administração não é livre para fazer tudo o que a lei não proíba, mas pode fazer, apenas com base na lei, mas a lei não precisa necessariamente já predeterminar todo o conteúdo da ação administrativa”,39 e que vem prevalecendo nos dias atuais.

Isso não significa, contudo, que bastaria a simples delegação de competências pelo Legislador. A Lei que autoriza a atuação administrativa deve conter, no mínimo, as diretrizes e princípios que deverão ser seguidos pela Administração Pública e servir de parâmetros de controle de seus atos. Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “embora considerasse nulas as autorizações legislativas incondicionadas ou de caráter demissório, esta Corte sempre entendeu legítimas as auto-rizações fundadas no enunciado da lei formal, desde que do ato legislativo constassem os Standards, isto é, ‘os princípios jurídicos inerentes à espécie legislativa’” (ADI 3100).

Alguns autores se referem a esse fenômeno como “vinculação estratégica” da atuação admi-nistrativa com a Lei40. De acordo com essa teoria, atualmente, as relações entre a Administração e o Legislador devem ser necessariamente maleáveis, exigindo, tão-somente, “programação ou densidade normativa mínima o suficiente para que se possa gerar (e resultar viável) a aparição de espaços ad-ministrativos decisórios provocados pela própria indeterminação ou falta de regulação normativa”41.

Além disso, essa nova concepção de legalidade é construída a partir da análise das capacidades de cada um desses Poderes, considerando a forma de escolha de seus membros. A pergunta que se faz é: qual instituição, considerando a sua composição, possui melhores condições para decidir determinada matéria? O Congresso Nacional, formado por representantes eleitos pelo povo, sem exigência de qualquer tipo de formação, teria condições, de tempo e de conhecimento, para definir, por exemplo, quais faixas de radiofreqüência podem ser utilizadas no Brasil? Por outro lado, os di-retores da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP possuem o tipo de legitimidade necessário para a escolha do modelo de contrato – i.e. partilha ou concessão – que será utilizado para a exploração das jazidas de petróleo localizadas no pré-sal? Trata-se de uma decisão técnica ou uma decisão política? E por ser técnica ou política, qual a instituição que tem competência e formação apropriadas para resolvê-la?

O princípio da legalidade, na atualidade, deve ser interpretado considerando-se

(i) as formas de legitimação próprias a cada uma das Instituições estatais (i.e. legitimação democrá-tica/eleitoral e legitimação pela especialização técnica); e

seguinte argumento: ‘a administração está submetida ao Legislador de tal forma que necessita de habilitações permanentes para atuar... é o Legislador que fixa os objetivos e fins a serem alcançados pela Administração e quem, ao mesmo tempo, lhe proporciona os instrumentos apropriados para isso’” (Cláusula de Estado de Derecho y Principio de Legalidad. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, nº 131, mai.-ago. 2011, p. 799, tradução livre).

39. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2013, p. 62.40. CUEVA, Orlando Vignolo. Cláusula de Estado de Derecho y Principio de Legalidad. Boletín Mexicano de Derecho

Comparado, nº 131, mai.-ago. 2011, p. 803, tradução livre.41. CUEVA, Orlando Vignolo. Cláusula de Estado de Derecho y Principio de Legalidad. Boletín Mexicano de Derecho

Comparado, nº 131, mai.-ago. 2011, p. 805, tradução livre.

Page 17: 1527 leia algumas paginas

52

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999,.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

(ii) a natureza das competências de cada uma dessas Instituições e as habilidades e limitações de seus integrantes, propondo uma função legislativa notadamente orientadora da competência administrativa.

Cabe ao Poder Legislativo, sob esse prisma, estabelecer as decisões políticas essenciais para a vida em sociedade, delegando à Administração a disciplina daquelas matérias para as quais não possui capacidade ou habilidade, notadamente aquelas de natureza técnica.

1.3. AS RESERVAS LEGAIS

A concepção (ii), acima mencionada, vem prevalecendo nos dias atuais. Mas há pelo menos uma hipótese em que uma concepção mais restritiva é ainda utilizada – as hipóteses de reserva legal, isto é, hipóteses nas quais o Poder Constituinte exigiu a disciplina da matéria pelo legislador, de forma exclusiva ou não.

As reservas legais podem ser assim classificadas:

1) reserva formal ou material: no primeiro caso, exige-se lei em sentido estrito, isto é, atos emanados do Poder Legislativo, mediante observância do processo legislativo constitucional. No segundo caso, admite-se que a matéria seja objeto de disciplina mediante outros atos normativos previstos pela Constituição Federal no seu art. 59, já que esses atos, embora não exarados pelo Poder Legislativo, tem natureza material de lei (i.e. medidas provisórias).

2) reserva absoluta ou relativa: a primeira existe quando a Constituição exige que determinada matéria seja disciplinada tão-somente via legislativa, em todos os seus aspectos, não sendo admissível complementação via ato normativo infralegal. Um exemplo de reserva absoluta encontra-se previsto é o art. 150, I, da Constituição Federal e diz respeito à competência para a criação de tributos. Pode-se citar, ainda, a reserva absoluta no que tange ao tema da remuneração dos agentes públicos e fixação de sanções penais, nos termos do disposto no art. 5º, incs. XXXIX (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”) e XLVI (“a lei regulará a individualização da pena”) Já a reserva relativa admite a complementação da disciplina legal via ato administrativo infralegal. É o que ocorre, por exemplo, com a possibilidade de criação de restrições administrativas com relação ao direito de livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo ato normativo infralegal, mediante autorização legal, versar sobre critérios de entrada, permanência e saída do território nacional por pessoas e seus bens.

.IMPORTANTE. O conceito de legalidade aplicável em geral no âmbito do Direito Administrativo possui conotação diversa daquela aplicável ao Direito penal e tributário. Como visto acima, a própria Constituição Federal estabelece hipóteses de reserva legal absoluta no âmbito desses dois ramos do Direito, ao passo que, no Direito Administrativo, prevalece a reserva legal simples, representada pelo conceito (ii) supracitado, inclusive no que tange ao Direito Administrativo Sancionador.42 Nesse ramo,

42. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO ANULATÓRIA – MULTA ADMINISTRATIVA (POR-TARIA INMETRO): PRODUTOS COM QUANTIDADE INFERIOR ÀS DESCRITAS NAS EMBALAGENS – LEI Nº 9.933/99 – RESPEITO À LEGALIDADE E À RESERVA LEGAL. (...) A reserva legal pode ser: [a] absoluta (exige “lei formal”, entendida como aquela derivada da casa legislativa competente, respeitado o processo legislativo específico); e [b] relativa (apesar de a CF/88 exigir lei formal, permite-se que ela fixe apenas “parâmetros de atuação para o órgão administrativo”, que poderá complementá-la por ato infralegal). 3 – A jurisprudência acata a “reserva legal absoluta” (lei ordinária) em (e.g.) tema de remuneração dos agentes públicos e definição do tipo tributá-rio e penal. 4 – Quando se trata de “poder de polícia administrativa”, a diversidade e a criatividade dos setores econômicos fiscalizados exige que, a par da existência de leis ordinárias (ou outras) instituindo “infrações” (de tipicidade aberta, no mais das vezes, por necessidade técnica derivada da mutabilidade advinda das novas tecnologias) e “penalidades” (delegando a órgãos fiscalizadores o poder de aplicá-las), outras sejam invocadas (decretos, portarias, resoluções e atos congêneres) para que se possa alcançar a finalidade última do exercício

Page 18: 1527 leia algumas paginas

53

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

aplica-se, por exemplo, uma ideia de tipicidade flexível, que pode se utilizar de princípios como normas tipificadoras de condutas infrativas43. Admite-se, ainda, que as penalidades sejam previstas apenas de forma genérica pela lei (i.e. valor mínimo e máximo de multas aplicadas com relação a qualquer violação às normas setoriais), não se exigindo, tampouco, a enumeração exaustiva de todas as condutas repreensíveis.

DISCURSIVA

� A banca do concurso de 2011, para o cargo de Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fez a seguinte indagação aos candidatos:O postulado da legalidade no direito administrativo tem a mesma conotação do direito penal, processual penal e tributário? Explique cada um deles.

3) reserva legal simples ou qualificada: a reserva legal simples ocorre quando a Constituição apenas prevê que determinada matéria deverá ser objeto de lei, mas sem pré-determinar o seu conte-údo. Já no caso da reserva qualificada, além do requisito formal de edição de lei para a disciplina do assunto, o Constituinte também predetermina o objeto e a finalidade da regulamentação da matéria44. A título de exemplo, podemos citar o inciso LX do art. 5º da Constituição Federal, que determina que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” e o inciso XII desse mesmo artigo, que prevê que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Ou seja, a Constituição permite a restrição da publicidade dos atos e a violação do sigilo de correspondência, mas determina, desde já, a finalidade que deverá ser buscada com tais restrições.

regular do poder: o resguardo do interesses públicos enumerados no art. 78 do CTN. 5 – Os tipos abertos ou as normas em branco, que necessitam de complementação normativa ulterior infra-legal, não são tema estranho ao Direito, abonados até na seara penal, que interpretação mais restrita, por natureza, demanda (ver leis de entorpecentes). 6 – Quando a jurisprudência não abona a aplicação de multas administrativas previstas em atos normativos, decretos, regulamentos ou congêneres, tal ocorre porque as infrações e as penalidades não estão previstas em lei (salvas expressões lacônicas e imprecisas nelas constantes): ferida a reserva legal, violentada a legalidade. 7 – Nunca em tempo algum se afirmou ou se afirmará que a atuação administrativa para fins do exercício do poder de polícia exige amplo detalhamento (ao nível do exaurimento prolixo) das infrações e das penalidades “no corpo da própria lei” que as instituir, pois tal requisito, longe de consubstanciar respeito à legalidade ou franca submissão à reserva legal, denotaria “mero culto dogmático à morfologia” (na linha leiga de que só é “legal” o que estiver “fisicamente” dentro da lei), e, ademais, caracterizaria engessamento hábil a tornar ineficaz qualquer fiscalização. 8 – O princípios constitucionais da legalidade e da reserva legal restam observados à integra se a penalidade (e a multa administrativa decorrente) encontram expressa, específica e detalhada previsão legal: a Lei nº 9.933/99 satisfaz as exigências. 9 – A submissão aos princípios não se desnatura às sós circunstâncias de a própria lei (instituidora da figura do ilícito administrativo e das penalidades) remeter à regulamento e atos normativos (art. 7º c/c art. 8º e art. 9º, § 3º, da Lei nº 9.933/99) a fixação de meros procedimentos e critérios residuais para [a] efetiva parametrização técnica (área de metro-logia) do preceito primário da norma e [b] aplicação da pena (espécie e intensidade), atendendo-se – sempre – a silhueta da regra-matriz, que afirma infração a ela e aos regulamentos e atos normativos a conduta (art. 7º) que contrariar qualquer dos deveres jurídicos “instituídos por essas normas nos campos da metrologia legal e da certificação (...)”. 10 – A Lei nº 9.993/99 (art. 3º, II) legitima os atos normativos do INMETRO (REsp nº 597.275/PR). 11 – Precedentes: STJ e TRF1 (T7 e T8). 12 – Embargos infringentes providos (prevalência do voto-vencido): apelação não provida. 13 – Peças liberadas pelo Relator, em 25/03/2009, para publicação do acórdão.

43. Ver a esse respeito, OSORIO, Fabio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.

44. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p. 211, grifos nossos.

Page 19: 1527 leia algumas paginas

54

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999,.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

1.4. RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO

Há, por outro lado, algumas matérias cuja disciplina a Constituição Federal atribui exclusiva-mente ao Poder Executivo.45 Essas matérias estão previstas no art. 84, VI, da Carta Maior, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, que estabelece competir privativamente ao Presidente dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.46

1.5. LEGALIDADE COMO JURIDICIDADE

Com o triunfo do constitucionalismo e a ascensão da Constituição Federal ao epicentro da ordem jurídica, tanto em virtude de sua superioridade formal quanto axiológica, o parâmetro de validade dos atos administrativos deixou de ser apenas a Lei, passando a englobar também as normas constantes da Constituição Federal, podendo, aliás, “legitimar-se perante o direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação da legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição)”.47

Conforme exposto por David Banquer Criado, “a soberania já não reside na representação parla-mentaria, mas na Constituição... a soberania do número se submete à soberania da razão; a soberania do Legislador é a maioria parlamentaria e frente a ela se erige a soberania da Constituição que protege a minoria frente a eventual tirania da maioria”.48

A ideia de legalidade a ser considerada nos dias atuais, portanto, é mais ampla e engloba também a Constituição, recebendo um novo título: a juridicidade.

45. “RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. – O princípio constitucional da reserva de admi-nistração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI 2364 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, j. 01/08/2001, DJ 14-12-2001).

46. EMENTA. Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei estadual nº 14.235/03, do Estado do Paraná, que (I) proíbe o Poder Executivo estadual de iniciar, renovar, manter, em regime de exclusividade a qualquer instituição bancária privada, as contas dos depósitos do sistema de arrecadação dos tributos estaduais, sistema de movimentação de valores e pagamentos SIAF – Sistema Integrado de Administração Financeira e Conta do Tesouro Geral do Estado/conta receita, conta única, contas dos fundos e programas, contas dos depósitos e movimentação das entidades da administração indireta e fundações públicas, bem como as disponibilidades dos fundos estadu-ais e pagamentos do funcionalismo público, sem a realização de respectivo processo licitatório (art. 1º da Lei impugnada); (II) obriga o Poder Executivo estadual a manter toda a movimentação financeira descrita no art. 1º da Lei impugnada em instituição financeira oficial, nos termos dos arts. 164 e 240, das Constituições Federal e Estadual, respectivamente; (III) determina caber ao Poder Executivo estadual a revogar, imediatamente, todos os atos e contratos firmados nas condições previstas no artigo 1º desta Lei. 3. Potencial ofensa ao princípio da reserva da Administração. Precedentes: ADI 2364, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14.12.2001; ADI nº 1901, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 9.5.2003; ADI 1846, Rel. Min. Carlos Velloso(Informativo STF nº 116). 4. Plausibilidade da tese segundo a qual a lei impugnada estaria a incidir sobre espaço reservado à lei nacional (art. 164, § 3º, da Constituição). Precedentes: ADI 2600, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25.10.2002; ADI 2661, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.8.2002. 5. Potencial ofensa ao princípio da segurança jurídica. 6. Cautelar deferida. (ADI 3075 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2003, DJ 18-06-2004 PP-00044 EMENT VOL-02156-01 PP-00104 RTJ VOL-00191-01 PP-00129)

47. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro/; Ed. Renovar, 2008, p. 38.48. El control de los reglamentos arbitrários. Madri: Civitas, 1998, p. 43.

Page 20: 1527 leia algumas paginas

55

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

Com fundamento nessa nova abrangência do princípio da legalidade, admite-se a ação adminis-trativa com fundamento direto na Constituição Federal, sem a necessidade de interposição legislativa. Exemplo disso foi a edição da Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que veda a prática de nepotismo no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário, considerando nulo, dentre outros, o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados.

Tendo em vista os inúmeros questionamentos levantados contra a referida norma, em especial o de violação do princípio da legalidade já que não existia lei proibindo tais práticas a respaldar a resolução, foi ajuizada a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12 perante o Supremo Tribunal Federal, em cujo julgamento restou decidido que “os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade”49.

DISCURSIVA

� Sobre o tema, a banca do concurso para o cargo de promotor de justiça, do MPDFT, questionou, no ano de 2011, sobre as transformações pelas quais passa o princípio da legalidade, nos seguintes termos:

– A Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça vedou a prática do nepotismo no Judiciário Brasileiro. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a referida Resolução era válida. Considerando esse precedente, disserte sobre as trans-formações pelas quais passa o princípio da legalidade da administração pública no direito brasileiro contemporâneo.

2. SÚMULAS E JURISPRUDÊNCIA

`` PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. LEI Nº 4.595/64. DECRETO Nº 91.152/85. APLICAÇÃO DE MULTA SOBRE FATO TÍPICO. EXAME DE MATÉRIA FÁTICA E PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07/STJ. 3. Concluindo o aresto recorrido que:”(...) O comportamento atribuído ao apelante e ensejador da multa não se adequa ao pre-ceito contido na letra “b” do § 20 do art. 44 da Lei nº 4.595/64. Daí porque, para a aplicação da sanção, a Administração se reporta não a Lei, mas sim a Portarias e Resoluções”, a aferição da tipicidade do mesmo implica em análise fático – probatória, que foi decisiva para a conclusão do aresto recorrido, mas cuja verifica-ção é interditada ao STJ pela Súmula 07. 4. Não conhecimento do recurso que mantém, após cognição ampla, a justiça da decisão, tanto mais que a sanção discutida é de duvidosa legalidade, porquanto imposta ao que parece, por normas de hierarquia menor do que a exigível in casu. 5. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 430536, Primeira Turma, Rel. Francisco Falcão, DJ 30.09.2004)

`` A Resolução nº 12/2001 do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, ao regulamentar o art. 56 da Lei Orgânica daquele órgão, extrapolou os limites aí estabelecidos, criando nova hipótese de incidência de multa, o que ofende, além da própria Lei Orgânica, o princípio constitucional da legalidade. A ilegalidade manifesta-se na criação de nova hipótese típica, não prevista na lei, bem como pelo caráter automático da multa, que não permite a sua gradação, o que afronta o comando contido no § 2º do art. 56 da referida Lei Orgânica (STJ, RMS nº 15578/PB, 1ª Turma, DJ de 09/12/2003)

`` Somente a lei pode estabelecer conduta típica ensejadora de sanção. Admite-se que o tipo infracionário esteja em diplomas infralegais (portarias, resoluções, circulares etc), mas se impõe que a lei faça a indicação (REsp nº 324181/RS, 2ª Turma, DJ de 12/05/2003) (STJ, AGA 901949, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 10.12.2007).

`` Constitucional e administrativo. Comercialização de combustível. Portaria nº 116/2000 da ANP. Opção por exibir marca comercial do distribuidor. Impossibilidade de revenda de álcool de outra distribuidora. – A Portaria nº 116/2000 da ANP não afronta o princípio constitucional da livre concorrência, porquanto apenas quando o revendedor varejista opta por exibir o logotipo do distribuidor em seu estabelecimento comercial é que passa a ser obrigado a somente revender combustível daquela distribuidora. – Igualmente não inflige o

49. ADC 12, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2008, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-01 PP-00001 RTJ VOL-00215 – PP-00011 RT v. 99, nº 893, 2010, p. 133-149.

Page 21: 1527 leia algumas paginas

56

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999,.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

princípio da legalidade, vez que não interfere na confecção das cláusulas que serão pactuadas entre distribuidor e revendedor varejista, que até podem afastar a exclusividade na comercialização do combustível, mas jamais a incidência do dispositivo em vergaste, que é norma de natureza cogente. – Ademais, não seria exigível lei em sentido estrito para que a ANP pudesse regular a matéria em debate, mormente quando já existe a Lei nº 9.478/97 que autoriza o referido ente autárquico a regular e ainda fiscalizar as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo. Seria inviável reclamar, para cada necessidade de regulamentação da política nacional do petróleo, a edição de uma nova lei formal. – As disposições contidas no art. 11, § 2º, do referido ato normativo apenas visam à proteção do interesse do consumidor, que não estará sendo resguardado nas hipóteses em que o revendedor, ostentando bandeira de uma distribuidora, passa a vender combustível de outro distribuidor. – Agravo de instrumento improvido (TRF5, AI nº 200305000062124, 1ª Turma, Rel. Francisco Wildo, DJ. 05.07.04).

`` Concurso público. Candidato anteriormente demitido do serviço público federal. Negativa de nomeação em outro cargo. Ofensa ao princípio da legalidade. O cerne da controvérsia cinge-se à interpretação e aplicação dos princípios da moralidade e da legalidade insculpidos no art. 37, caput, da CF. No caso, o impetrante foi aprovado em concurso público para os cargos de analista fiscal de contas públicas e de analista administrativo do TC estadual, mas teve sua nomeação recusada em virtude de anterior demissão dos quadros da PRF por ato de improbidade administrativa. A Min. Relatora observou que, estando ambos os princípios ladeados entre os regentes da Administração Pública, a discussão ganha relevância na hipótese em que o administrador edita ato em obséquio ao imperativo constitucional da moralidade, mas sem previsão legal específica. A Turma entendeu que, por força do disposto nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da CF, a legalidade na Administração Pública é estrita, não podendo o gestor atuar senão em virtude de lei, extraindo dela o fundamento jurídico de validade dos seus atos. Assim, incorre em abuso de poder a negativa de nomeação de candidato aprovado em concurso para o exercício de cargo no serviço público estadual em virtude de anterior demissão no âmbito do Poder Público Federal se inexistente qualquer previsão em lei ou no edital de regência do certame. STJ, RMS 30.518-RR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19/6/2012. 6ª T (Info 500)

3. QUESTÕES DE CONCURSOS

01. (CESPE/TJ-MA/Juiz/2013 – adaptada) Dado o princípio da legalidade, deve o administrador público pautar sua conduta por preceitos éticos.

02. (FCC/TRT1/Analista Judiciário/2013 – adaptada) O princípio da eficiência e o princípio da legalidade podem ser excludentes, razão pela qual cabe ao administrador a opção de escolha dentre eles, de acordo com o caso concreto.

03. (CESPE/DPE-PR/Defensor Público/2013 – adaptada) O princípio da legalidade administrativa impõe que a administração pública fundamente a sua atuação no direito, razão por que, para se realizar exame psicotécnico em concurso público, é necessária prévia autorização em ato normativo do chefe do Poder Executivo.

04. (FCC/TRT18/Técnico Judiciário/2013 – adaptada) O princípio da legalidade, que exige a prática de atos ex-pressamente previstos em lei, não se aplicando quando se trata de atos discricionários.

05. (CESPE/TC-DF/Procurador/2013) Por força do princípio da legalidade, a administração pública não está auto-rizada a reconhecer direitos contra si demandados quando estiverem ausentes seus pressupostos.

06. (CESPE/TJ-MA/Juiz/2013 – adaptada) Não viola o princípio da igualdade a não realização por órgãos e en-tidades da administração pública de processo seletivo para contratação de estagiário, por não constituir tal recrutamento uma forma de provimento de cargo público.

07. (CESPE/TRT10/Analista Judiciário/2013) Em decorrência do princípio da legalidade, a lei é a mais importante de todas as fontes do direito administrativo.

08. (CESPE/DEPEN/Especialista em Assistência Penitenciária/2013) Segundo o princípio da legalidade, a admi-nistração pública vincula – se, em toda sua atividade, aos mandamentos da lei, tanto em relação aos atos e às funções de natureza administrativa quanto em relação às funções legislativa e jurisdicional.

09. (CESPE/MI/Assistente Técnico-Administrativo/2013) Não viola o princípio da legalidade a exoneração de ofício de servidor público por abandono de cargo.

10. (FCC/TJ-PE/Juiz/2013 – adaptada) A Constituição Federal vigente prevê, no caput de seu art. 37, a observância, pela Administração Pública, do princípio da legalidade. Interpretando-se essa norma em harmonia com os demais dispositivos constitucionais, tem – se que a Administração é livre para agir na ausência de previsão legislativa.

Page 22: 1527 leia algumas paginas

57

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

11. (CESPE/MPOG/Técnico de Nível Superior V/2013) Em consequência do princípio da legalidade, pode-se concluir que, havendo discordância entre determinada conduta e a lei, deverá a conduta ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.

12. (CESPE/MPE-RR/Promotor de Justiça/2012 – adaptada) Segundo jurisprudência do STJ, a administração, por estar submetida ao princípio da legalidade, não pode levar a termo interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa.

13. (FCC/DPE-SP/Defensor Público/2012 – adaptada) Está em conformidade com a legalidade a inobservância a quaisquer atos normativos que não sejam lei em sentido estrito e provindos de autoridades administrativas.

14. (TJ-PR/Assessor Jurídico/2012 – adaptada) O princípio da legalidade é uma das poucas previsões consti-tucionais que se relaciona à possibilidade de existir tirania e autoritarismo dos membros do Poder Executivo.

15. (CESPE/TJ-AL/Analista Judiciário/2012 – adaptada) O princípio da presunção de legalidade gera para o prejudicado o ônus de provar a ilegalidade do ato administrativo, tendo em vista a natureza jure et de jure da presunção formada.

16. (CESPE/TJ-AL/Auxiliar Judiciário/2012 – adaptada) A observância do princípio da legalidade — limitação imposta ao Estado, que só pode fazer o que a lei permite — não impede que a administração, por simples ato administrativo, conceda direitos, crie obrigações ou imponha vedações aos administrados em benefício da coletividade.

17. (VUNESP/TJ-SP/Cartórios/2014 – adaptada) O princípio da legalidade justifica o atributo da pre sunção de legitimidade dos atos administrativos, o que implica dizer que mesmo os fatos gerados pela Admi nistração Pública, e por todos aqueles que exercem a função administrativa por delegação ou por outorga, gozam desta característica.

18. (VUNESP/TJ-SP/Cartórios/2014 – adaptada) O art. 28 da Lei n.° 8.935/94 prescreve: “Os notários e ofi ciais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei”. Sobre a inde pendência afirmada neste artigo, é correto dizer que deve ser integralmente compatibilizada com o regime jurídico administrativo, pois se trata de delegação de serviço público, o que significa dizer que deve observar o princípio da legalidade, dentre outros princípios ju rídicos do Direito Administrativo; por isso, as práticas cartorárias dos notários e dos registradores, e igualmen te a sua remuneração, estão sujeitas ao conhecimento da sociedade civil.

19. (CESPE/TJ-DFT/Cartórios/2014 – adaptada) Uma das exceções ao princípio da legalidade administrativa consiste na possibilidade de o presidente da República editar decreto para criar cargos ou funções públicas.

20. (CESPE/TJ-DFT/Cartórios/2014 – adaptada) O princípio da legalidade administrativa resume-se à observância da lei em sentido formal, não compreendendo os atos normativos de diferentes modalidades editados pelo próprio Poder Executivo.

21. (CESPE/MP/Procurador do MP junto ao TCE-PB/2014 – adaptada) Em face do princípio da legalidade, a ad-ministração pública pode realizar uma interpretação contra legem, secundum legem e praeter legem, conforme a necessidade, adequação e proporcionalidade em prol do interesse público.

GAB1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

E E E E C E C C E E C C E E E E E C E E E

` LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999

Art. 2º...

parágrafo único...

II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes;

III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

Page 23: 1527 leia algumas paginas

58

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

1. COMENTÁRIOS

1.1. O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO

Outro princípio clássico do Direito Administrativo é a supremacia do interesse público, de acor-do com o qual este deve sempre prevalecer sobre o interesse particular, sendo, para alguns autores, inerente à própria existência de qualquer sociedade50.

É esse o interesse que deve servir de parâmetro para a atuação administrativa, impondo que a legitimidade de seus atos esteja atrelada ao cumprimento dessa finalidade, e que os atos administra-tivos que busquem objetivos diversos sejam viciados por desvio de poder ou desvio de finalidade51. Como afirmava o saudoso professor Hely Lopes Meirelles, “não se compreende ato administrativo sem fim público”.52

Sob outra perspectiva, seria esse o princípio que justificaria uma superioridade da Administração em face dos administrados e, nessa linha, a existência de alguns institutos administrativos como a desapropriação, a imperatividade e a auto-executoriedade53 de atos administrativos, as cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, convocação compulsória para a realização de atividades de interesse da coletividade (i.e. serviço militar obrigatório e serviço eleitoral) e a possibilidade de a Administração impor sanções aos particulares.54

Para os seus defensores, o interesse público objeto da aludida supremacia deve ser entendido como o interesse de toda coletividade (interesse público primário) e não como interesse dos agentes públicos ou de uma entidade administrativa (interesse público secundário).55

Esse princípio, contudo, recebeu fortes críticas ao longo dos últimos anos por não se adaptar à teoria dos princípios e dos direitos fundamentais, de acordo com a qual não existem princípios ou direitos absolutos e que devam prevalecer em todas as situações.56 Uma das principais características dos princípios, como visto acima, é o fato de serem passíveis de ponderação e poderem ser concre-tizados em diversos graus de intensidade. O interesse público deve ser considerado o resultado da ponderação entre os direitos envolvidos e não uma hierarquização a priori entre os interesses “do Estado” e os interesses dos particulares.

50. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Ed. Malheiros, 2004, p. 87.51. O conceito de desvio de finalidade encontra-se previsto no art. 2º, § único, “e”, da Lei da Ação Popular (Lei federal

nº 4.717/1965: “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.

52. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 149.53. Possibilidade de execução forçada do ato administrativo sem recurso prévio ao Poder Judiciário.54. Nesse sentido, Maria Sylvia Di Pietro argumenta que “Se a lei dá à Administração os poderes de desapropriar,

de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 188). Nos mesmos termos, José dos Santos Carvalho Filho afirma que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 26).

55. Essa distinção é atribuída ao autor italiano Renato Alessi (Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano, 1960).

56. Vide, nesse sentido, a seguinte obra. SARMENTO, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

Page 24: 1527 leia algumas paginas

59

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 2º

E, em um Estado Democrático de Direito, o interesse público pode ser a proteção de um direito individual.57

2. SÚMULAS E JURISPRUDÊNCIA

`` ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PEDIDO DE REMOÇÃO PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE. SITUAÇÃO INA-DEQUADA À LEGISLAÇÃO PERTINENTE. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO. 1. Hipótese em que o agravante, agente da Polícia Federal na cidade de Borja (RS), sustenta que tem direito a ser removi-do para a Superintendência da Policia Federal no Estado do Ceará, em virtude de ter contraído núpcias com servidora da Polícia Rodoviária Federal lotada em Fortaleza desde 1999. 2. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, consagra o princípio da proteção à família como base da sociedade brasileira e dever do Estado. 3. Contudo, a tutela à família não é absoluta. Para que seja deferido o deslocamento do servidor, nos casos em que a pretensão for negada pela Administração, ele tem de comprovar que sua situação se subsume a uma das hipóteses taxativamente previstas para concessão do benefício, quando inexistente interesse administrativo no ato. 4. A jurisprudência do STJ é rigorosa ao afirmar que a remoção requerida pelo recorrente para acompa-nhar cônjuge é ato discricionário, embasado nos critérios de conveniência e oportunidade, em que prevalece a supremacia do interesse público sobre o privado. 5. In casu, não ficou devidamente demonstrado que sua situação se enquadra nos ditames legais pertinentes, de sorte que deve o seu pedido de remoção se submeter ao juízo de discricionariedade da Administração. 6. Agravo Regimental não provido.. (AGRESP 201101399961, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/02/2012)

`` ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DETERMINAÇÃO DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRÉ-DETERMINADA. RECEBIMENTO DE PROVENTOS. POSSIBILIDADE. 1. O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da propor-cionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais. 2. A liberdade de escolha da instituição bancária que o servidor receberá sua remuneração não pode se contrapor ao princípio da eficiência, que exige do Adminis-trador soluções que alcancem os resultados almejados do modo menos oneroso ao aparelho estatal. 3. Inviável possibilitar que cada servidor escolha o banco que melhor atenda seus interesses, inclusive escolhendo praça e agência, pois tal medida inviabilizaria a Administração Pública em sua tarefa de emitir, em tempo hábil, as devidas ordens de pagamento. 4. O fato de o recorrente receber os vencimentos em instituição indicada pela Administração não lhe tolhe o direito de escolher outra que ofereça melhores vantagens, pois a conta-salário é isenta de tarifas e deve permitir a transferência imediata dos créditos para outras contas bancárias de que o beneficiário seja titular, nos termos das Resoluções nº 3.402/2006 e nº 3.424/2006, editadas pelo Banco Central do Brasil, por meio do Conselho Monetário Nacional. 5. Recurso ordinário improvido. (ROMS 200801636827, JORGE MUSSI, STJ – QUINTA TURMA, DJE DATA:14/03/2011)

`` PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVOS REGIMENTAIS. AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA COMBINA-DA COM AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER E COM PEDIDO PARA CONCESSÃO DE LIMINAR. GREVE DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO FEDERAL EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA EVIDENCIADOS. 1. Os agravos regimentais foram in-terpostos contra decisão liminar proferida nos autos de ação ordinária declaratória de ilegalidade de greve cumulada com ação de preceito cominatório de obrigação de fazer e de não fazer e com pedido de liminar ajuizada pela União contra a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE e Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal – SINDJUS/DF para que seja suspensa a greve “dos servidores do Poder Judiciário Federal em exercício na Justiça Federal em todo o território nacional”. 2. Ainda em juízo de cognição sumária, é razoável ser mantido o percentual de no mínimo 60% dos servidores durante o movimento paredista, sob a pena de multa de cem mil reais por dia. Nesse aspecto, o eminente Ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto nos autos da Rcl 6.568/SP, ressalvou que “a análise de cada caso, a partir das particularidades do serviço prestado, deve realizar-se de modo cauteloso com vista a preservar ao máximo a atividade pública, sem, porém, afirmar,

57. Como expõe Luis Roberto Barroso, “a realização de um interesse público primário muitas vezes se consuma apenas pela satisfação de determinados interesses privados. Se tais interesses forem protegidos por uma cláusula de direito fundamental, não há de haver qualquer dúvida. Assegurar a integridade física de um detento, preservar a liberdade de expressão de um jornalista, prover a educação primária de uma criança são, inequivocamente, formas de realizar o interesse público, mesmo quando o beneficiário for uma única pessoa privada” (Prefácio ao livro Interesses Públicos vs. Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2005, p. xiv)

Page 25: 1527 leia algumas paginas

60

Art. 2º LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

<ART> <AUTOR> <RUNNING HEADER>.

intuitivamente, que o movimento grevista é necessariamente ilegal” (DJe de 25.09.09; fl. 786 – sem destaques no original). 3. O direito de greve no âmbito da Administração Pública deve sofrer limitações, na medida em que deve ser confrontado com os princípios da supremacia do interesse público e da continuidade dos servi-ços públicos para que as necessidades da coletividade sejam efetivamente garantidas. Complementando o raciocínio, pertinente citar excerto dos debates ocorridos por ocasião do julgamento do MI nº 670/ES, na qual o eminente Ministro Eros Grau, reportando-se a seu voto proferido no MI 712/PA, consignou que na relação estatutária “não se fala em serviço essencial; todo serviço público é atividade que não pode ser interrompida” (excerto extraído dos debates, fl. 145 – sem destaques no original). 4. A paralisação das atividades dos servidores da Justiça Federal deflagrada em âmbito nacional, sem o contingenciamento do mínimo de pessoal necessário à realização das atividades essenciais em alguns Estados da Federação atenta contra o Estado Democrático de Direito, ordem pública e os princípios da legalidade, da continuidade dos serviços públicos e da supremacia do interesse público sobre o privado. 5. Agravos regimentais do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal – Sindjus/DF e da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – Fenajufe não providos. (AGP 201000919470, CASTRO MEIRA, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:03/11/2010)

3. QUESTÕES DE CONCURSOS

01. (FCC/TRT1/Analista Judiciário/2013 – adaptada) O princípio da supremacia do interesse público e o princípio da legalidade podem ser excludentes, devendo, em eventual conflito, prevalecer o primeiro, por sobrepor-se a todos os demais.

02. (TRT15/Juiz do Trabalho/2013 – adaptada) O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular é específico do Direito Administrativo, sendo limitado pelo princípio da legalidade, servindo como ponto de origem dos demais princípios da Administração Pública.

03. (CESPE/MJ/Analista Técnico-Administrativo/2013) As restrições impostas à atividade administrativa que decorrem do fato de ser a administração pública mera gestora de bens e de interesses públicos derivam do princípio da indisponibilidade do interesse público, que é um dos pilares do regime jurídico-administrativo.

04. (CESPE/TRE-MS/Analista judiciário/2013 – adaptada) Decorrem do princípio da indisponibilidade do inte-resse público a necessidade de realizar concurso público para admissão de pessoal permanente e as restrições impostas à alienação de bens públicos.

05. (CESPE/TRT10/Analista Judiciário/2013) O princípio da supremacia do interesse público é, ao mesmo tempo, base e objetivo maior do direito administrativo, não comportando, por isso, limites ou relativizações.

06. (CESPE/Telebrás/Advogado/2013) O regime jurídico-administrativo pauta-se sobre os princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e o da indisponibilidade do interesse público pela administração, ou seja, erige-se sobre o binômio “prerrogativas da administração — direitos dos administrados”.

07. (CESPE/INPI/Analista de Planejamento/2013) A supremacia do interesse público constitui um dos princípios que regem a atividade da administração pública, expressamente previsto na Constituição Federal.

08. (UFPR/TJ-PR/Juiz/2012) Em relação ao regime jurídico administrativo, assinale a alternativa correta.

a) O princípio constitucional da supremacia do interesse público é um dos princípios gerais da Administração Pública expressos no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

b) O princípio da supremacia do interesse público não admite ponderação com outros princípios constitucionais dado o seu caráter absoluto.

c) A supremacia do interesse público é princípio oposto ao da indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração.

d) O principio constitucional da supremacia do interesse público é princípio estruturante do regime jurídico admi-nistrativo brasileiro, tendo correspondência à ideia de existirem prerrogativas especiais aos atos administrativos (o que é típico do sistema da Civil Law).

09. (CESPE/TJ-AL/Analista Judiciário/2012 – adaptada) Ao deliberar pela prática ou não de ato vinculado, o servidor deve observar o princípio da supremacia do interesse público, sob pena de se caracterizar o desvio de finalidade, se o ato favorecer particular específico.

10. (CESPE/TJ-AL/Auxiliar Judiciário/2012 – adaptada) O desvio de poder, conduta que viola o princípio da mo-ralidade administrativa, submete-se ao controle interna corporis da administração pública, sendo vedada sua apreciação pelo Poder Judiciário, cuja atuação é admitida apenas para controle de atos legais e de improbidade.