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Trabalho e Sindicalismo em Tempo de Globalização Manuel Carvalho da Silva Introdução Pelo lugar que o trabalho ocupa na sociedade, pelas características da sua centralidade, é indispensável começarmos por fazer um olhar pelo processo de globalização para podermos reflectir, de forma sustentada, sobre o trabalho e o sindicalismo. O trabalho humano tem sido factor fundamental das grandes mudanças estruturais, organizacionais, cientificas, tecnológicas, comunicacionais e informacionais, políticas e sociais que se registam nas sociedades humanas. Por outro lado, essas mudanças influenciam a organização, as formas de prestação e, acima de tudo, o papel e o valor do trabalho. Este “Tempo de Globalização” O termo globalização surge-nos como “quase mágico”, no actual processo de desenvolvimento do sistema capitalista. O conceito de globalização é “uma falsa ideia clara”. O imenso conjunto de problemas e desafios com que nos deparamos, têm dimensão local, nacional, regional e global. Em todas essas dimensões surgem todos os dias factos que 1

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centralidade, é indispensável começarmos por fazer um olhar pelo processo de O termo globalização surge­nos como “quase mágico”, no actual processo de Pelo lugar que o trabalho ocupa na sociedade, pelas características da sua Alguns traços (9) sobre a caracterização geral deste “tempo de globalização”

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Trabalho e Sindicalismo em Tempo de Globalização

Manuel Carvalho da Silva

Introdução

Pelo lugar que o trabalho ocupa na sociedade, pelas características da sua

centralidade, é indispensável começarmos por fazer um olhar pelo processo de

globalização para podermos reflectir, de forma sustentada, sobre o trabalho e o

sindicalismo.

O trabalho humano tem sido factor fundamental das grandes mudanças estruturais,

organizacionais, cientificas, tecnológicas, comunicacionais e informacionais, políticas e

sociais que se registam nas sociedades humanas. Por outro lado, essas mudanças

influenciam a organização, as formas de prestação e, acima de tudo, o papel e o valor do

trabalho.

Este “Tempo de Globalização”

O termo globalização surge-nos como “quase mágico”, no actual processo de

desenvolvimento do sistema capitalista. O conceito de globalização é “uma falsa ideia

clara”.

O imenso conjunto de problemas e desafios com que nos deparamos, têm dimensão

local, nacional, regional e global. Em todas essas dimensões surgem todos os dias factos

que influenciam o processo de socialização dos indivíduos, exigindo-nos capacidades de

observação equilibrada.

Alguns traços (9) sobre a caracterização geral deste “tempo de globalização”

(i) Dispomos hoje de mais meios (e capacidades) económicos, tecnológicos,

científicos e culturais que em qualquer outro período da história da humanidade.

Daí resultam imensas implicações de ordem estrutural e organizacional e, ainda,

nas formas de organização e de prestação do trabalho. É um contexto de grandes

problemas e grandes desafios. O sistema capitalista que tem sido potenciador da

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criação daqueles meios e recursos, contudo, nega a sua utilização para todos e por

todos os indivíduos.

(ii) Impera o fundamentalismo monetarista e financeiro que: (a) desvaloriza

as actividades produtivas e outras não especulativas; (b) desvaloriza fortemente o

trabalho; (c) cria argumentos “técnicos” e ideológicos que sustentam o

agravamento das desigualdades e a ruptura de solidariedades e, por exemplo, o

ataque ao papel e funções do Estado.

(iii) O capital financeiro auto dispensou-se de contribuir para os orçamentos

colectivos (Orçamentos dos Estados) e o capital produtivo procura seguir-lhe as

peugadas. Debaixo de chantagens para atingir esses objectivos, despoletam-se

crises nas empresas; deslocalizações incontroláveis; instabilidades e inseguranças

no trabalho e desestruturação das bases fundamentais do Estado Social.

(iv) As desigualdades acentuam-se perigosamente; o capitalismo confirma-se

como “a civilização das desigualdades”.

(v) As multinacionais constituem o elemento mais determinante no plano da

estruturação das actividades económicas, na própria estruturação e funcionamento

das instituições e, por outro lado, procuram impor uma divisão social e

internacional do trabalho adequada aos seus objectivos (OIT).

(vi) Vivemos tempos do individualismo institucionalizado. Não é que as

pessoas, por acto mágico, se tenham tornado individualistas. Este é um

individualismo que visa isolar as pessoas para depois as responsabilizar pelos

problemas com que se debatem.

(vii) Estamos enleados num consumismo alienante que: (a) cria

dependências incontroláveis; (b) o conceito de consumidor surge atrofiado e são

cada vez mais as estratégicas financeiras dos grandes grupos que consomem as

pessoas. É preciso repor, também na discussão do consumo, o lugar do cidadão,

dando primazia ao social, como ao longo de décadas se procurou assegurar para o

trabalho.

(viii) Proliferam as precariedades e inseguranças no trabalho; elas são

parte de uma generalização de inseguranças (alimentares; belicistas, etc.). Nem

são novas (fruto da modernidade), nem inevitáveis.

(ix) A manipulação de conceitos, como parte de uma enorme ofensiva

ideológica, é uma marca do processo. Exemplos: “Mudança”/positivo;

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“Conservação”/negativo. Essa manipulação é seguida de uma imposição

generalizada.

Mas não há Determinismo a que nos Tenhamos de Submeter

Às dimensões da globalização em curso, que formulam um sistema injusto, violento,

anti-ético e limitador dos horizontes da humanidade, contrapõem-se, designadamente, a

acção de movimentos “anti-sistémicos” e amplas dinâmicas sociais de mudança,

emergindo daí formas de organização social, económica e política, que impõem

mudanças quantitativos em vários planos e projectam e expressam rupturas, procurando

formular alternativas, mesmo que de alcance parcelar.

É necessário acção social e política para se produzirem mudanças qualitativas, mas

estas pressupõem que se actue para ir impondo mudanças quantitativas. Reformas e

rupturas, precisam-se!

É Preciso Profundas Reformas nas Instituições no Plano Mundial

Numa perspectiva geral, as reformas das instituições mundiais terão de assegurar,

designadamente:

(i) Alternativas justas à actuação unilateral (e imperialista) dos Estados Unidos

da América e seus aliados, com base no respeito pelo princípio da autonomia e da

igualdade de tratamento entre Estados e entre Povos, com as suas culturas

específicas.

(ii) Interpretação ajustada do papel de grandes países emergentes na cena

internacional, tendo em conta também as suas alianças, ou os blocos de que fazem

parte.

(iii)Recentragem do papel político do conjunto de países Europa/Médio

Oriente/Norte de África, espaço geográfico altamente sensível nas relações entre

culturas e no plano geo-estratégico e no plano energético.

(iv) Compromissos, meios e políticas para salvaguarda de recursos naturais

perigosamente em causa.

(v) Travagem da degradação da relação metabólica entre homem, tecnologia e

natureza, e entre a sociedade e a natureza, e entre esta e o homem.

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(vi) Regularização, equidade e estabilização nas trocas comerciais, a partir da

afirmação de modelos de desenvolvimento respeitadores da dimensão social e

sustentados por emprego digno.

(vii) Acesso à produção e à utilização da tecnologia e da ciência, mais

partilhado e controlado.

Essas reformas, para terem êxito, terão que considerar, respeitar e integrar dinâmicas

vindas de reajustamentos, valorização e reforço do papel dos Estados e do

funcionamento de blocos de Estados como a União Europeia.

Desafios à União Europeia, numa Perspectiva “Reformista” que visa Valorizar o

seu Papel

(i) A União Europeia deveria colocar, no plano internacional, todo

o seu peso social, económico, político, cultural e moral, no sentido de contribuir

para uma nova ordem, baseada no direito internacional legitimado nas Nações

Unidas, nas suas instituições e agências especializadas, e numa nova ordem

económica global. A consolidação da dimensão social da União e a afirmação do

trabalho com direitos deveria constituir-se como uma grande prioridade.

(ii) Mas a União Europeia continua a defrontar-se com cinco (5)

questões nucleares para as quais não se vislumbram respostas que correspondam às

aspirações dos cidadãos, no respeito pela igualdade e diversidade dos povos,

designadamente:

1. o problema do modelo institucional a seguir está por resolver.

Não basta decretar compromissos dos poderes político e económico dominantes

para impor aos cidadãos. (expl.: Regionalização/Federalização);

2. as implicações do alargamento; é preciso ter presente,

designadamente que aumentaram os “cavalos de Tróia” das políticas dos EUA

no seio da União;

3. a assunção clara de um modelo económico distintivo, que não

se submeta às dinâmicas neoliberais dominantes do processo de globalização em

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curso, assegurando a salvaguarda de conteúdos que caracterizam o seu modelo

social;

4. os equilíbrios de poder internos não estão reencontrados. Nos

últimos vinte anos concretizaram-se alterações muito grandes nos papéis dos

países membros da União, mas tudo caminha com discussões que ignoram esses

factos;

5. as relações da U.E. com terceiros (Rússia, China, África,

América do Sul) estão com dinâmicas insuficientes e contraditórias,

enfraquecendo o papel da U.E. no contexto mundial.

(iii) Os cidadãos europeus e, em particular, os trabalhadores, vão

acumulando críticas e reservas, face à evolução do processo de Construção

Europeia. Os problemas mais sentidos como o desemprego, as deslocalizações, as

precariedades crescentes e as desigualdades, agravam-se profundamente. A Europa

está mais liberal, com os serviços públicos crescentemente privatizados e

enfraquecidos, a concentração do capital é cada vez mais acentuada e a segurança

social mais frágil. Tudo isto coloca um enorme desafio ao movimento sindical

europeu a nível dos países e na acção coordenada e articulada que se deve

referenciar na Confederação Europeia de Sindicatos. Precisamos de uma acção

ofensiva e lutas fortes em benefício dos trabalhadores europeus, mas também dos

trabalhadores de todo o mundo.

(iv) Acrescente-se, às questões já consideradas, as problemáticas

com que a União Europeia se debate no plano demográfico, militar, energético,

tecnológico, bem como a instável e frágil dinâmica de crescimento económico e

temos um cenário de desafios muito grandes.

(v) Ao admitirem competir nos mercados internacionais na base de

mercados de trabalho fortemente desregulamentados (logo, com baixos custos

salariais), e no enfraquecimento dos seus sistemas sociais, escamoteando que foi

com o seu modelo social que a União Europeia se tornou o maior parceiro comercial

do mundo, os seus responsáveis políticos propõem aos trabalhadores e aos seus

povos, ao contrário do que lhes prometeram, a harmonização social no retrocesso.

Ora, esta proposta, para além da descaracterização da U.E. enquanto modelo

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civilizacional alternativo, gerará perigosas rupturas de solidariedades e poderá, até,

fazer germinar, com perigosos impactos, ideias apelativas à sua desintegração.

Sobre o Papel do Estado

Essa instituição fundamental, que tem sido e é o Estado, está mais apropriável,

controlável ou manipulável, por poderes privados (associados às classes ou grupos

dominantes), em muitos dos seus meios, funções e competências, ao mesmo tempo que

se reclama o recentrar e o revalorizar do seu papel para que se possam efectivar

respostas que permitem a afirmação do poder político acima de todos os outros poderes,

e, para se estabelecerem e estabilizarem instituições e regras de carácter regional e

mundial.

Constata-se, pois, que há ajustamentos em curso relativos à instituição Estado, desde

o plano conceptual decorrente da evolução das relações de forças no sistema político – o

que convoca profundo e sério debate político e ideológico –, até à sua estruturação e às

regras e competências da Administração Pública, mas esta realidade não se caracteriza

pela diminuição do papel deste actor colectivo. O Estado continua ainda a surgir como

garantia última de combate eficaz às múltiplas desigualdades, de construção de

dimensões de coesão (social, territorial …) e a ser nele que se referencia a mais forte

possibilidade de (re)construção de solidariedades.

Surgem conexões, continuidades e descontinuidades novas, entre o que deve ser

público e privado, a exigirem análises profundas e produção de teorias sustentadas e,

acima de tudo, práticas em que o Estado garanta igualdade, imparcialidade e equidade

como princípios essenciais na sua relação com os cidadãos, com as organizações

(nomeadamente as empresas) e com todos os actores colectivos e individuais. É aqui

que se fundamenta a especificidade do vínculo de emprego público.

O princípio da responsabilidade social colectiva, que positivamente marcou a

evolução das condições de vida dos trabalhadores e povos europeus, sustentando o

desenvolvimento do Estado-Providência, está afectado pelo desinvestimento do Estado

na salvaguarda da justiça social, debaixo das imposições de políticas cegas, em nome,

por exemplo, do combate ao défice público, ou de um argumentário doutrinal que toma

as diferenças resultantes dos distintos processos de socialização como fundamento

desestruturador da afirmação da igualdade.

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Não é possível manter, reformular ou desenvolver o Estado Social, assim como não

é possível uma regulação e regulamentação das relações de trabalho que seja coerente,

solidária e justa, numa sociedade que se enquadre no ressuscitar de velhas e

reaccionárias catalogações dos indivíduos que, de forma simplista e simultaneamente

violenta, nos dividem entre capazes e incapazes, competentes e incompetentes, frugais e

perdulários, preguiçosos e diligentes.

Centrando-nos no que observámos a nível do nosso país e do espaço da U.E.,

assumindo uma perspectiva de evolução das sociedades por uma via (repleta de

obstáculos) de afirmação da democracia, sugerimos três pressupostos a suportarem uma

mentalidade actualizada de serviço público, expressando que lhe está associado um duro

e complexo conflito social, económico e político que poderá arrastar-se por significativo

espaço temporal:

(i) Há dimensões do desenvolvimento da sociedade, em particular, no plano

social (amplo) e cultural que, à luz das condições que hoje se podem perspectivar,

só o Estado (onde se afirme o interesse colectivo, organizado e colectivamente

comprometido) pode impulsionar.

(ii) A evolução da organização da sociedade, com a sua crescente

complexidade e a consciencialização progressiva dos cidadãos sobre os seus

direitos, exige mais auscultação e observação dos interesses e opiniões dos

indivíduos e das organizações, mais mediação, mais diálogo e mais regulação (o

conflito e as conflitualidades são múltiplos), a par de efectiva transparência no

funcionamento e nas decisões da Administração Pública.

(iii) Os direitos sociais e de cidadania dependem intrinsecamente da sua

universalidade e base solidária, mas são também direitos concretos das pessoas

(mulheres e homens), pelo que a sua implementação e prestação implicam instituir

uma relação igual no funcionamento do serviço público que presta cada um desses

direitos, ou seja, cada cidadão deve surgir como credor de um direito e não a

solicitar uma benesse a poderes instituídos, aos governos, ou ao Estado.

Observemos o Lugar do Trabalho neste Tempo de Globalização

Quatro (4) observações de partida:

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(i) Ter ou não ter o trabalho foi, e ainda é, para muitos seres

humanos significado de ter ou não alimentos de sobrevivência para si e para a sua

família no dia a dia. Entretanto essa centralidade evoluiu.

(ii) A generalidade dos indivíduos vai continuar a organizar a sua

vida em função da sua condição de trabalhador. Trabalhadores Por Conta de Outrem

(TPCO) ou por conta própria.

(iii) As situações de ausência de trabalho (desemprego) são

profundamente desestruturantes nos processos de socialização dos indivíduos.

(iv) Numa perspectiva de desenvolvimento sustentado, assumindo-

se a centralidade do trabalho e uma outra distribuição da riqueza, seria possível criar

muitos milhões de empregos úteis no plano económico, qualificados e de grande

valor social.

A CENTRALIDADE DO TRABALHO que assumo coloca ênfase em nove (9)

componentes, três das quais realçarei, tendo presente o tema desta Conferência

“EDUCANDO O CIDADÃO GLOBAL. GLOBALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E MODOS

DE GOVERNAÇÃO”.

(i) O trabalho como factor de produção: o trabalho é uma actividade

produtiva de criação de valores de uso e de troca …

(ii) O trabalho como actividade socialmente útil: contribui para a

estruturação e organização da sociedade, para o fornecimento de bens e serviços

que harmonizam e qualificam o seu funcionamento …

(iii) O trabalho como factor essencial de socialização: grande presença

das pessoas no trabalho; experiências / vivências / socialização; trabalho / inclusão

(iv) O trabalho, enquanto expressão de qualificações

O trabalho convoca aprendizagens, potencia-as e desenvolve-as. Ao mesmo

tempo que requer qualificações prévias, vai exigindo novas competências e

qualificações. O trabalho é fonte ou eixo de avaliação de cada indivíduo

(trabalhador) pelos outros, daí também a importância da valorização do trabalho e

das profissões. Entretanto, nesse processo, uns trabalhadores surgem valorizados,

outros não. Se o trabalho surge precário e desregulamentado, (as mulheres e os

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jovens são os mais atingidos) se as formas da sua prestação são marcadamente

débeis ou desqualificadas, isso significa que não há condições para valorização do

trabalho, das profissões e das qualificações.

(v) O trabalho como fonte de emanação de direitos sociais e de direitos

de cidadania

Qualquer cidadão, para se sentir realizado tem que se sentir útil, mas ainda

portador de direitos sociais, ter acesso a valores de diversa ordem. Há um conjunto

de pré-requisitos associados ao trabalho e à sua evolução (até numa perspectiva de

melhoria constante da produtividade). O trabalho requer ensino, informação,

comunicação, cultura; exige participação e o dispor do tempo; reclama saúde

física e equilíbrio emocional; põe em evidência a necessidade de outras

actividades, realizações e o lazer; potencia a utilização mais equilibrada do não

trabalho. Tudo isto tem profunda relação com a dignidade da pessoa humana. A

conquista de direitos no trabalho está profundamente associada à emergência e à

consolidação de amplos direitos sociais. Permita-se observar que os tópicos desta

componente negam cabalmente as teorias do fim do trabalho, enquanto constituem

fontes de inspiração para a acção sindical de hoje e do futuro.

(vi) O trabalho como direito universal, fonte e espaço de dignidade e

valorização humana

O trabalho, sendo teoricamente (para grande parte das correntes de

pensamento) um direito universal, não o é na prática e a luta pelo trabalho digno é

hoje um enorme desafio em que os sindicatos estão envolvidos. Simultaneamente,

observamos que a reivindicação do trabalho como espaço de dignidade surge à

cabeça na lista de reivindicações dos trabalhadores, enquanto se registam

significativas limitações à criação e partilha do trabalho entre os países, os povos e

as pessoas em concreto. Os mais qualificados são beneficiários das melhores

evoluções. Os trabalhadores não controlam nem o processo interno e externo, nem

o produto aplicado. Para aqueles que têm trabalho e que conseguem vender a sua

força de trabalho em bases dignas, o trabalho é factor inquestionável de

valorização humana, e inspirador e impulsionador da evolução da qualidade de

vida fora do trabalho. Mas nos processos de avaliação do trabalho nem sempre

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estão presentes a capacidade racional, material, técnica e científica assim como o

respeito e equilíbrio entre o individual e o colectivo, entre o direito jurídico e a

prática, sendo que a desregulação e desregulamentação do trabalho, as

precariedades anulam a valorização do trabalho, desequilibram e destroem

aprendizagens e qualificações.

(vii) O trabalho como factor de alienação económica, ideológico-política

e até religiosa: o trabalhador não é senhor de participação activa /decisiva e no

produto (em geral).

(viii) o trabalho como condição de acesso aos padrões de consumo e aos

estilos de vida, factores que reciprocamente influenciam os comportamentos dos

trabalhadores, individual e colectivamente: o salário é elemento fundamental no

patamar de socialização.

(ix) o trabalho como actividade humana que se adapta e valoriza numa

sociedade crescentemente chamada a cuidar do ambiente e dos valores ecológicos:

a valorização da Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho (SHST) e o significado

dos contextos ambientais internos e externos às empresas.

Alguns Desafios Fundamentais que se Colocam ao Movimento Sindical

O movimento sindical está desafiado a agir e a reagir no contexto de um mercado de

trabalho que surge perigosamente desregulado e instabilizado, com desvirtuamento do

conceito de emprego e com subversão do direito de trabalho, tal como os conhecemos,

definidos e estabilizados pela OIT.

Analisemos três (3) aspectos fundamentais que marcam os designados mercados de

trabalho desde o nacional ao global:

(i) Está em causa o objectivo de harmonização no progresso que orientou,

durante largas décadas, o sentido da regulamentação do trabalho e o estabelecimento

de direitos sociais e de cidadania

O que são e como se foram afirmando os direitos do trabalho e os

direitos sociais? São consagração da dignidade no trabalho e de dimensões de

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cidadania, e constituem, inquestionavelmente, patamares ou degraus do

progresso.

(ii) Há hoje muitos milhões de seres humanos que estão a usufruir, pela

primeira vez, de trabalho remunerado, embora para muitos deles muito mal pago e

sem qualquer dignidade. Eles assumirão caminhos de conquista dos seus direitos,

mas precisam, também, que os trabalhadores que já conquistaram patamares

elevados de direitos lutem pela defesa desses patamares alcançados.

(iii) Para além das grandes mudanças estruturais, organizacionais e das

formas de prestação de trabalho, existem quatro (4) grandes questões que significam

mudanças carregadas de densidade social e humana: aumento quantitativo e

qualitativo das mulheres no trabalho; aumento da esperança de vida; os processos de

migração; as novas exigências de saberes e qualificações. Não é possível analisar

honestamente os quadros de relações de trabalho sem tratar profundamente estes

temas.

Que Movimento Sindical? Que Alianças?

No sindicalismo, é inquestionável a interdependência entre acção e organização, mas

o cerne do sindicalismo é a acção. A organização suporta-a, de forma estabilizada e

consequente. A organização eficaz é propiciadora da informação, da reflexão e do

debate necessários à construção do poder reivindicativo e negocial, potenciador do

desenvolvimento da negociação colectiva e da negociação em geral, da resolução

vitoriosa dos conflitos e dos processos reivindicativos, do sucesso nos processos

negociais e do êxito nas lutas.

São imperativas soluções organizativas assentes numa forte vivência dos problemas

nos locais de trabalho, de ligação aos trabalhadores e às estruturas sindicais das

empresas ou serviços. A necessidade de responder com eficácia aos problemas cada vez

mais complexos com que os trabalhadores estão a ser confrontados, exige dos

sindicatos, mais estudo, formação e domínio dos problemas, capacidades para construir

identidade entre os trabalhadores e um mais profundo conhecimento das atitudes e das

expectativas dos trabalhadores.

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Como assegurar a autonomia e a independência sindicais que são indispensáveis?

Parece-me serem necessárias basicamente quatro (4) condições:

(i) em primeiro lugar, que os patrões (privados e públicos) respeitem a liberdade

sindical e os direitos de organização e acção, condição base para a autonomia; (ii) em

segundo lugar, que o poder político faça respeitar os direitos laborais e sindicais, e

cumpra as suas obrigações de dar conteúdo e eficácia aos direitos de participação

institucional dos sindicatos; (iii) em terceiro lugar, que exista mais valorização do

trabalho e do papel dos trabalhadores na sociedade; (iv) em quarto lugar, que os

sindicatos sejam representativos, tenham organização e acção nos espaços de trabalho,

autonomia financeira e uma vida democrática efectiva, desde a base até ao topo.

É preciso intervenção dos sindicatos em todos os espaços de organização e de acção

inerentes ao trabalho, embora de forma diferenciada.

Na actual sociedade, estamos perante a exigência de uma multiplicidade de

movimentos sociais de objectivos, dimensões e características diferenciadas. O

movimento sindical tendo que desempenhar um papel específico (que não pode

descaracterizar), tem também na acção articulada com outros movimentos, um espaço

relevante para alianças sociais e complementaridade da sua acção específica (que tem

fortíssima sustentação na centralidade do trabalho).

Um Movimento Sindical capaz de agir com eficácia no contexto do actual processo

de globalização necessita de:

(i) ser movimento sindical transformador (fortemente reivindicativo e proponente).

Que não abdique de nenhum espaço de intervenção conquistado mas que privilegie a

acção/representação na Base. Que seja local, nacional, de bloco de Estados, global.

(ii) fazer novas incorporações de objectivos e campos de acção, assumindo uma

perspectiva onde esteja sempre presente a quádrupla perspectiva – social, económica,

política, cultural.

(iii) assumir, sem reservas, que as respostas a muitos dos problemas com que os

trabalhadores e os seus sindicatos se deparam, não são meramente da ordem do

económico, mas sim do político e da própria democracia.

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Movimento Sindical – Actor Necessário e Transformador a Nível Local (EMPRESAS

E SEUS CONTEXTOS), a Nível Nacional, Europeu e Mundial

O movimento sindical é o movimento social com mais perenidade desde o início da

Revolução Industrial. Ele tem: (i) representação e influência social impares; (ii) apoio

significativo nos cidadãos, em organizações sociais e políticas e tem espaço

institucional conquistado; (iii) produz análises credibilizadas ao nível micro e macro;

(iv) tem capacidade de transmitir mensagem e de constituir mobilização e acção; (v)

tem implantação vertical e horizontal na sociedade, factores decisivos para responder a

problemas fundamentais da sociedade actual; (vi) a sua existência e actividade

influenciam o sentido das estratégias e opções organizacionais das empresas e da

administração pública, bem como os contextos envolventes; (vii) a sua acção contribui

para a melhoria das condições de trabalho e de vida, para a afirmação de direitos sociais

e de cidadania, para a construção e revitalização da democracia, para o desenvolvimento

sustentado em todas as escalas.

Obstáculos a representatividade e à acção dos sindicatos

O movimento sindical depara-se com grandes obstáculos, com quebras de

representatividade e de capacidade de acção no plano geral, em Portugal e na União

Europeia. As causas desses obstáculos: (i) têm origem política (evolução do sistema

capitalista; (ii) ideológica e de valores; (iii) estrutural e organizacional do sistema

económico, com relevo para a influência das multinacionais; (iv) resultam de alterações

tecnológicas; (v) de novas formas de organização e prestação do trabalho e das

características do emprego; (vi) da fragilização e descrédito de actores do poder

político; (vii) e são também inerentes a incapacidades próprias acumuladas pelos

sindicatos ao longo do tempo.

Há dificuldades de construção da acção colectiva. Alguns factores explicativos: (i)

as precariedades e inseguranças no trabalho; (ii) o individualismo institucionalizado;

(iii) a manipulação de conceitos; (iv) um consumismo alienante; (v) uma espiral

regressiva de mercados de trabalho, que se constitui como o aprofundamento da

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segmentação do trabalho; (vi) dificuldades nas relações intergeracionais. As condições

dos jovens no trabalho estão insuficientemente analisadas e muito pouco trabalhadas;

(vii) debilidades na apresentação de propostas transversais de interesse para os

conjuntos de trabalhadores; (viii) ausência de propostas políticas alternativas, geradoras

de esperanças e de novas dinâmicas sociais; (ix) distanciamento dos sindicatos face a

problemas concretos e do espaço de trabalho de cada trabalhador, em resultado de

ataques ao sindicalismo e da não progressão nos métodos de trabalho de base dos

sindicatos, que não têm trabalhado a diferenciação das condições de trabalho e vínculos

dos trabalhadores.

Com quem os sindicatos vão negociar e conflituar?

A ideia, propagandeada pelo neoliberalismo, de que não há poderes, ou entidades

institucionalizadas com quem dialogar e conflituar é uma ideia falsa. Existem entidades

identificáveis a quem responsabilizar: a) as entidades patronais (as empresas têm

accionistas identificáveis); b) o capital financeiro; c) as multinacionais; d) o Estado (nos

diversos espaços de poder); e) Instituições e órgãos políticos da U.E (no caso da

Europa); f) instituições e organismos mundiais. São estas entidades todas que temos de

conseguir convocar para o diálogo, a negociação, o conflito!

O combate às deslocalizações é possível e indispensável…

Papel do Movimento Sindical Europeu

Os sindicatos dos países membros da U.E. e a Confederação Europeia de Sindicatos

têm sido, para o bem e para o mal, uma âncora social e construtores de impulsos do

projecto de União Europeia, ao longo dos cinquenta anos do seu percurso.

Nem sempre, porém, estes sindicatos (com projectos diferenciados) e, em particular,

a CES, têm conseguido ser uma consciência crítica activa (social e politicamente);

raramente agem por antecipação, têm dificuldades em mobilizar-se para influenciar as

opções macro-económicas.

É possível e é necessário trabalhar para alterar a situação!

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*

Os sindicatos estão em pleno processo de profundas mudanças que implicam

reanálise e revitalização dos seus projectos conceptuais, alterações estruturais,

organizacionais, de métodos e práticas de trabalho e um grande desafio de formação

(nomeadamente) política e ideológica dos dirigentes e activistas sindicais. O surgimento

da Confederação Sindical Internacional. Visa ser uma referência nesse processo, mas

mostra insuficiência e contradições no plano político, organizacional e de perspectivas

de acção. Vai conseguir consolidar-se como factor de esperança e ancoradouro

organizacional e de unidade de acção?

Sete Conjuntos de Questões que Sintetizam Obstáculos e Desafios aos Sindicatos

1.º. A dispersão, ou fácil deslocalização dos pontos estratégicos da expressão

do conflito, que prejudicam o esforço de organização e mobilização para a acção, e

conduzem a que as reivindicações formuladas não tenham, muitas vezes, condições

de atingir eficácia.

2.º. O esvaziamento crescente do poder político e a cada vez mais afirmada

separação entre o económico e o estatal, o social e o político, como forma de

consagrar o absolutismo do poder económico e financeiro, sendo tal esvaziamento o

resultado do pensamento e da prática política neoliberal que propícia aos governos

(ou os conduz a) actuações de fuga às responsabilidades de negociação e conflito

com os sindicatos e outros actores sociais. Para o poder político ser predominante é

preciso: (i) credenciação junto dos eleitores; (ii) controle da sua acção; (iii)

responsabilização a todo o tempo.

3.º. Um défice do trabalho sindical na análise e interpretações das evoluções

estruturais e organizacionais do capital, desde logo, a nível da super estrutura, das

formas de organização e prestação de trabalho daí resultantes, carregadas de

precariedades, flexibilidades e mobilidades: a importância da existência de

organização e acção no local de trabalho.

4.º. Um atraso acumulado na observação e na assunção das condições e dos

anseios com que os jovens se apresentam no mercado de trabalho, e, na clarificação

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mais sistematizada dos impactos de outras grandes mudanças no mundo do trabalho,

em particular as que se referem ao aumento da esperança de vida, às condições e ao

papel da imigração, ao aumento quantitativo e qualitativo das mulheres no trabalho,

bem como da maior exigência de qualificações e saberes ao geral dos trabalhadores:

jovens, ver os 3 aspectos marcantes sobre atitude face aos sindicatos.

5.º. A dificuldade de renovação e rejuvenescimento geracional, do conjunto

dos sindicalizados e, por consequência, das direcções sindicais, problema ainda mais

marcante ao nível das elites dirigentes: esta dificuldade está associada aos factores já

identificados e é preciso colocar os jovens em funções ….

6.º. O problema da articulação da sua acção original e histórica, que os marca

(aos sindicatos) como movimentos sociais construídos no terreno dos locais de

trabalho, com uma intervenção institucional que têm de potenciar a favor de uma

acção sindical ampla;

7.º. A necessidade de uma forte ofensiva, de claro carácter ideológico e

político, para a afirmação/reafirmação do papel e de espaço dos sindicatos,

integrando nela o objectivo (ou projecto) emancipatório dos sindicatos.

O Movimento Sindical não Pode Abdicar da Intervenção Colectiva dos

Trabalhadores na Regulação e Regulamentação do Trabalho

Não é verdadeiro o pressuposto neoliberal de que o trabalhador, individualmente

considerado, está, no estabelecimento da relação laboral, em pé de igualdade com o

poder do patrão, do gestor ou do grande accionista de qualquer multinacional.

A desregulação ou não-regulação que o neoliberalismo pretende impor é uma forma

de regulação unilateral e violenta imposta pelos mercados, pelas empresas,

designadamente as multinacionais, e, o conceito de flexigurança em discussão pode

surgir face à realidade concreta de cada sociedade, a justificar todas as flexibilidades

violentas dessa unilateralidade.

Na actual onda neoliberal o patronato não esconde o seu objectivo de transformar a

contratação colectiva em cartilha de compromissos dos trabalhadores para com os seus

objectivos económico – financeiros e para o aumento da produtividade, submetendo ao

objectivo do lucro a dimensão social do trabalho e os direitos colectivos e individuais.

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Assim, fica pouco espaço e condições para uma participação sindical credível em

processos de negociação.

Para que o movimento sindical possa ser eficaz tem de possuir efectiva

representação, quadros bem preparados e garantir o exercício da negociação. Mas os

resultados da negociação só terão efectiva aplicação se houver organização activa na

empresa.

A garantia de um quadro de participação dos trabalhadores colectivamente

considerados, nos processos de regulação e regulamentação das relações laborais,

seguindo o enquadramento definido pelas directivas da OIT; a afirmação do trabalho

digno e com direitos; a efectividade da contratação colectiva; a salvaguarda do direito

do trabalho, constituem-se, na actualidade, como campos fundamentais dos grandes

combates políticos que o movimento sindical deve travar.

É preciso dizer que, em última instância, o problema não está no surgimento de

novas formas de organização e prestação do trabalho …

O significado da Contratação Colectiva

a) Ela constitui o maior enquadramento e o melhor ancoradouro dos direitos

no trabalho.

b) O campo de compromissos mais apropriado para se proceder às

constantes adequações/adaptações, aos ajustamentos face às mudanças estruturais e

organizacionais das empresas, e da economia, é a contratação colectiva.

c) A Contratação Colectiva só tem eficácia se as partes estiverem

disponíveis e tiverem representação e, ainda, se se apresentarem em pé de igualdade

no processo de negociação/conflito. Isto pressupõe existência de sindicatos

representativos e possibilidades de desenvolvimento efectivo de actividade sindical

nos locais de trabalho.

d) Para haver negociação é preciso gerar confiança. A confiança só pode

existir a partir da expressão e assumpção dos interesses representados, feita com a

participação e responsabilização dos efectivos representados.

e) O enfraquecimento ou desaparecimento da contratação colectiva

significaria a criação de um vazio, a existência de desregulação. Isso teria efeitos

demolidores sobre os direitos colectivos e individuais, implicaria a quebra dos

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salários da esmagadora maioria dos trabalhadores, provocando também uma

escalada da concorrência desleal.

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