10
Revista OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012. ISSN: 1982-3878 João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012 GEOGRAFIA DA INFORMALIDADE: trabalhadores informais ambulantes nas praias de João Pessoa, Paraíba Luciene Andrade Alves Universidade Federal da Paraíba María Franco Garcia Universidade Federal da Paraíba RESUMO A informalidade e a emergência de trabalhadores atípicos, como definidos por Vasopollo (2009), são fenômenos em expansão nas cidades brasileiras. Esta expansão é sintomática das transformações em curso do mundo do trabalho. Neste texto apresentamos uma análise da dinâmica geográfica da atividade ambulante informal no espaço público de João Pessoa, na expressão do comércio ambulante na praia. Inicialmente, discutimos teórica e conceitualmente a informalidade e a ambulância para, posteriormente, apresentar a suas singularidades nas praias urbanas de João Pessoa. Finalmente discutimos a relação ente informalidade, ambulância e precarização do trabalho no setor turístico, concluindo que esta atividade econômica se expande hoje em João Pessoa em função da incorporação massiva de trabalhadores atípicos nas suas “fileiras”. Palavraschave: Trabalho. Precarização. Trabalho itinerante. Apropriação do espaço. Crise. ABSTRACT The phenomenon of informality is growing in the streets of Brazilian cities. And this expansion of the activity accompanies the various changes of socioeconomic order in which our society is passing by. In this context, the itinerant worker, with its expanded set of survival strategies, is forced to go where the possible consumer is. The territoriality and the subjectivity of informal work, embodied in this social subject, are some of our research purposes. The beach comes as an extra attraction to the “negotiators of space”. It is a landscape that is appropriated and sold primarily through the discourse of development by the tourism industry, by government representatives, in a sort of partnership with private enterprises. And the itinerant worker who sells his goods in that area, try to enter into this reality, even the most precarious forms possible, for, wander through the sand and boardwalk from the edge of the city of Joao Pessoa, to survive and support his family. Keywords: Precariousness. Itinerant work. Appropriation of space. Crisis.

16107-27195-1-SM.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • Revista OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012. ISSN: 1982-3878 Joo Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB http://www.okara.ufpb.br

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    GEOGRAFIA DA INFORMALIDADE: trabalhadoresinformais ambulantes nas praias de JooPessoa,Paraba

    LucieneAndradeAlves

    UniversidadeFederaldaParaba

    MaraFrancoGarciaUniversidadeFederaldaParaba

    RESUMOAinformalidadeeaemergnciadetrabalhadoresatpicos,comodefinidosporVasopollo(2009),sofenmenosemexpansonascidadesbrasileiras.Estaexpansosintomticadas transformaes em curso do mundo do trabalho. Neste texto apresentamos umaanlisedadinmicageogrficadaatividadeambulanteinformalnoespaopblicodeJooPessoa,naexpressodocomrcioambulantenapraia.Inicialmente,discutimostericaeconceitualmenteainformalidadeeaambulnciapara,posteriormente,apresentarasuassingularidadesnaspraiasurbanasde JooPessoa.Finalmentediscutimosarelaoenteinformalidade,ambulnciaeprecarizaodotrabalhonosetor turstico,concluindoqueestaatividadeeconmica seexpandehojeem JooPessoaem funoda incorporaomassivadetrabalhadoresatpicosnassuasfileiras.Palavraschave:Trabalho.Precarizao.Trabalhoitinerante.Apropriaodoespao.Crise.ABSTRACTThe phenomenon of informality is growing in the streets of Brazilian cities. And thisexpansion of the activity accompanies the various changes of socioeconomic order inwhichoursocietyispassingby.Inthiscontext,theitinerantworker,withitsexpandedsetofsurvivalstrategies,isforcedtogowherethepossibleconsumeris.Theterritorialityandthesubjectivityofinformalwork,embodiedinthissocialsubject,aresomeofourresearchpurposes.Thebeach comesasanextraattraction to thenegotiatorsof space. It isalandscape that isappropriatedandsoldprimarily throughthediscourseofdevelopmentby the tourism industry, by government representatives, in a sort of partnershipwithprivateenterprises.Andtheitinerantworkerwhosellshisgoodsinthatarea,trytoenterinto this reality,even themostprecarious formspossible,for,wander through thesandandboardwalkfromtheedgeofthecityofJoaoPessoa,tosurviveandsupporthisfamily.Keywords:Precariousness.Itinerantwork.Appropriationofspace.Crisis.

  • Geografia da informalidade: trabalhadores informais ambulantes nas praias de Joo Pessoa, Paraba

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    264 264

    INTRODUOA informalidade e a emergncia de trabalhadores atpicos, como definidos porVasopollo (2009), so fenmenos em expanso nas cidades brasileiras. Estaexpansosintomticadastransformaesemcursodomundodotrabalho.ParaAntunes(2005)estaramosdiantedeumanovamorfologiadotrabalho,portanto,daampliaodeexpressesqueatomomentonoocupavamolugarcentralnaconfigurao da classe trabalhadora nos termos clssicos, lugar protagonizadopelooperariadofabril.Areestruturaoprodutivadocapitaleaflexibilizaodotrabalhopropiciaramessaemergncia.Nestecontexto,otrabalhadorambulante,trabalhador atpico na informalidade, desenvolve um inesgotvel leque deestratgiasdeeparaasuasobrevivncia.Aambulnciaobrigada,literalmente,adeslocarse ali onde o seu consumidor em potencia se encontra.A cidade olcusprincipaldereproduodocomercioambulante,umespaoapropriadoporestestrabalhadoresnassuasprticascotidianas.NacidadedeJooPessoa,partedos trabalhadores ambulantes que comercializam suas mercadorias nasproximidades das praias, ou nelas, o fazem em condies precrias no seuperambularcotidianopelasareiase/oucaladodasuaorla.O termo informalidade cercado de interpretaes diversas que, longe deesclarecer, acabam por dificultar o entendimento deste fenmeno. Permeandonossa anlise, reconhecemos que esta expresso da informalidade, ou seja,aquela que vista nas ruas, apenas um indcio de algo muito maior, quecomprometeaestruturasocialdenossopas.ConcordamoscomYzigi(2000)aoafirmarque:Poristo,oquesevnasruasmuitomaisalvodecrticas(p.180).Podemos considerar que a informalidade vai ao caminho oposto ao dasconquistastoduramentebatalhadaspelostrabalhadoresbrasileiros.Osdireitosconquistados,principalmenteapartirdaConstituiode1988,representaramumavano,aindaqueosdireitosconquistadosestejammuitoaqumdomerecidoenecessrioclassetrabalhadora.Porm,omnimodeseguranaqueaatividadelaboralapresentahoje,emsuacondioformal,absolutamente inexistentenaexpressoinformal,oqueevidenciaofatodestaatividadeserumforteindciodacriseestruturalemqueseencontraosistemadocapital.A itinerncia do comrcio ambulante nos despertao interesse de dar vida aostrajetosocupacionaisdestes trabalhadores.Ou seja, sentimosanecessidadedeconheceramaneiracomoestesujeitoencontraparapoder levarsuavida,e,namaioria das vezes, de sustentar a sua famlia, atravs da informalidade. Comovive?Porqueoptouporestaatividade, sequepodeoptar?Atquepontoodesempregode fatoonico fatorquedeterminaestaescolha?Esteseoutrosquestionamentosperpassamnossapesquisaenorteiamnossasmetodologiasdetrabalho. Essa aproximao ao sujeito de pesquisa se d no intuito de nosdesvencilharda tendnciaexageradamentequantitativadealgunsestudos,queinterpretamsuperficialmenteostrabalhadores,comomerosnmerosestatsticos.Nossosquestionamentosnosprovocame,decerta forma, incomodam,aponto

  • ALVES, L. A.; GARCIA, M. F.

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    265

    de nos fazer buscar em diferentes espaos respostas que talvez esclaream asdiferentesimplicaessociaisdestefenmeno,apartirdestesujeito.A cincia geogrfica nos ajuda a esclarecer nossa sociedade, a partir da classetrabalhadora,aonosmostrarasmarcasterritoriaisdotrabalhonela impressas(THOMAZJNIOR;FRANAJNIOR,2009).Epelofatodeoespaosermuitomaisdoqueasimplessomaentrepaisagemesociedade,ouseja,comoafirmaCosta(1989,p.16):Oespaoumainstnciaeconmicoscioculturaldasociedade,consideramosqueadimensodosocialcapazdeforneceraessnciadoespao,oquefazcomqueestesejaumdosesteiosideolgicosdenossapesquisa.Nestaprecarizaodo trabalho,encontrase,demaneiraaindamaisprecria,otrabalhador ambulante , de que tratamos com nosso texto. Analisamos otrabalhadorque seutilizapredominantementedapraiacomo localde trabalho,perambulandopelasareiasecaladesdacidadede JooPessoa, semnenhumvnculoempregatcio,trabalhandoporcontaprpria.DeacordocomThomazJnioreFranaJnior(2009,p.165):

    Quando nos ocupamos com a (des)realizao e as novasidentidades do trabalho territorialmente expressas naplasticidade que se refaz continuamente, estamospreocupados com os desdobramentos para os trabalhadoresda constante redefinio de profisses, habilitaes,especializaes, inseres autnomas etc., entremeada, emvrioscasos,comexperinciasdedespossesso.Essatrajetriade fragmentaesatingeemcheioo trabalho,e soessasasevidnciasmaisprofundasdoestranhamentoqueacrescentamdesafioscompreensodotrabalho,naperspectivadeclasse.

    Enestepanoramadefragmentaodaclassetrabalhadora,aeconomia informaljuntase ao trabalho temporrio, terceirizado, subcontratao, enfim, aodesempregoestrutural.A formaodeuma conscinciade classe,em si, se vimpossibilitada. Manter o emprego, quando se tem um, submetendose aosabusosprpriosdeumasociedadeondereinaocapital,acabaporrepresentaranicaformadesobrevivncia.O nmero de trabalhadores informais tem aumentado vertiginosamente,acompanhando as ltimas crises econmicas, bem como as modificaesestruturais e modernizaes foradas adotadas pelo governo brasileiro emobedincia s determinaes do capital financeiro internacional. Estasdeterminaes tornaramse evidentes no incio da dcada de 1990 (governo

  • Geografia da informalidade: trabalhadores informais ambulantes nas praias de Joo Pessoa, Paraba

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    266 266

    Collor), quando o parque industrial brasileiro foi completamente alterado, easconstantes privatizaes deram margem aos mandos e desmandos deinvestidores estrangeiros, resultando na escalada do desemprego e dasflexibilizaesdosdireitostrabalhistas.Aaberturaeconmica,ocorridamaisevidentementeapartirdadcadade1990,que tanto representou para a modernizao da economia brasileira, com aintensa reestruturao do parque produtivo nacional, provocou, dentre outrasconsequncias, a incorporao de tecnologias de ponta, a relativa estabilidadedos preos, uma forte retomada de investimentos. Mas cabe ao pesquisadorcrticoperguntarasconsequnciasreaisdestasmodificaesgrandemassadapopulao brasileira. Estas mudanas resultaram em aumento real de salrio?Maiornmerodeempregos?Melhorescondiesdetrabalho?Orespeitofielaosdireitos trabalhistas? A histria recente mostra que no, e a expanso dainformalidade s vmmostrar que o desenvolvimento atribudo ao pas nesteperodo no , nem de longe, uma conquista para amaioria da populao.Odesemprego tecnolgico e estrutural, bem como a excluso social e aprecarizaodotrabalhotmrelaodiretacomainformalizaodotrabalhoquehoje semostra toevidente.SegundoConservaeArajo (2008,p.76),acrisedosmodelosnacionaledesenvolvimentistaemgeral legouenormesbolsesdeinformalidadeemisriametropolitana,avolumandoestruturalmenteofenmenodainformalidadeedaexcluso.Enoquesereferesmodificaesdeordemscioeconmicanopasnoreferidoperodo,segundoAntunes(2005,p.165):

    Oneoliberalismoeareestruturaoprodutivadaeradaacumulaoflexvel,dotadosdefortecarterdestrutivo,tm acarretado, entre tantos aspectos nefastos, ummonumentaldesemprego,umaenormeprecarizaodotrabalho e uma degradao crescente na relaometablica entre homem e natureza, conduzida pelalgicasocietalvoltadaprioritariamenteparaaproduodemercadorias,quedestroiomeioambienteemescalaglobalizada.

    Odiscursovitoriosoarespeitodocrescimentoeconmico,cheiosdenmerosevazioeminterpretaesreaisnocotidianodamaiorpartedapopulao,mascarainformaesdetalhadasdeordemsocial.Nestesentido,afirmaMalaguti(2000,p.3334):

  • ALVES, L. A.; GARCIA, M. F.

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    267

    Variveiseconmicastogenricaspouconosdizemsobreascondies concretas da vida da populao brasileira. Porexemplo:ocrescimentodoPIBoudoPIBpercapitanadanosdizsobreageraodeempregosouadistribuioefetivados rendimentos (por ser uma mdia, um crescimentoespantosodoPIBpercapitapodecoabitar,porexemplo,comsalriosdecrescentes);umoramentopblicodeficitrionadanos informa sobre a aplicao da receita governamental (odficitpodetersidogeradotantoparasanearbancosquantopara a construo de hospitais e escolas); as altas taxas dejuros tanto atraem o capital internacional (acrscimo decapitais volteis) quanto oneram o Tesouro nacional(diminuiodoestoquededivisas).Damesmaforma,asimplesestabilidade dos preos pouco nos permite afirmar sobre asvariaes dos salrios ou dos rendimentos das vriasocupaes (podendo coexistir inflao zero com arrochosalarial).

    A informalidadeacabaporrepresentarumaespciedevlvuladeescapeparaumgrandecontingentedetrabalhadoresquesevem,deumahoraparaoutra,desprovidosdeseusempregos,edeumaseguridadesocial,aindaquejbastantedesbastada pelos incontveis modelos de flexibilizao adotados. Porm, oscustossociaisdestasoluoapresentamconsequnciasaindamaisfunestasparatodaaclassetrabalhadora.Eestatendnciademudanadomodeloocupacional,no sentido da informalidade, atingiu um nmero to significativo detrabalhadores, que mostra sinais de que vai se firmar e se agravar, j que,segundo estudos do IBGE (e os nmeros oficiais tendem a no expressar tofielmente a realidade), nas grandes cidades brasileiras, o nmero detrabalhadores ocupados na informalidade corresponde metade da populao(JACKOBSEN;MARTINS,2000).

    ApraiacomolugardetrabalhoinformalemJooPessoaAs praias da cidade de Joo Pessoa so divulgadas como grandes atrativos delazer. O turismo quase uma vocao natural destes espaos, e o interesseeconmico gravita permanentemente toda ordem de modificao doequipamentopblico.Ouseja,todotipodealterao,implementadapelaordemprivada ou pelo poder pblico, visa venda desta paisagem. Toda estapropagandafeitanointuitodeatrairumpblicocadavezmaior,sejalocaloudeforadacidade,e,comisso,atrairdivisas.EotrabalhadorambulantedaspraiasdeJoo pessoa se insere neste comrcio, indo at onde esto os possveisconsumidoresde suasmercadoriase servios. So vendedoresde castanhade

  • Geografia da informalidade: trabalhadores informais ambulantes nas praias de Joo Pessoa, Paraba

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    268 268

    caju, picol, refrigerantes, e outros incontveis gneros alimentcios, almdaqueles que prestam servios de aluguel de cadeira e guardasol etc., porexemplo.Muitos dos produtos comercializados so produzidos na casa do prprioambulante,eporseusfamiliares,oquefazcomquearededainformalidadesejamuitomaiordoqueaprpriamanifestaodamesmanapraiapodedemonstrar.Na TABELA 1 (pg. Seguinte) procuramos representar os produtos e serviosinformaisidentificadosemnossaspesquisasdecampo.Notasequeavariedadegrande,porm,osprodutoseservioselencadosprovavelmentenoestonemprximosdonmeroexatodevariedadesquesepodeencontrarnapraia.

    Tabela1Comercializaodeprodutoseserviosinformaisidentificados

    PRODUTOS SERVIOSSadadepraia(vestido,cangaetc.) Passeiodebarco

    Picol(egarrafinha) Passeiodebuggyculosdesol Alugueldeguardasolecadeira

    Castanhadecaju Alugueldepatinsgua Alugueldequadricicloeltrico

    guadecoco PasseiotursticoCerveja Alugueldeboias

    Refrigerante PacotestursticosAmendoim Guardadeveculos(flanelinhas)

    CamaronoespetoChapeu

    BronzeadorPipa

    BijuteriaartesanalCD/DVDBrinquedo

    Artesanatoalternativo(mbilesdematerialreciclvel,enfeitesdearameetc.)

    BolsasartesanaisChinelosartesanais

    RedesTrufas

    PfanoartesanalOvodecodorna

    TatuagemdehennaSaladadefruta

    SalgadosBolsasdecouro

    CocadaMarisco

    Cachorroquente(hambrgueretc.)

    Fonte:TrabalhosdeCampoentreosmesesdejaneiroeabrilde2011.

  • ALVES, L. A.; GARCIA, M. F.

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    269

    Em nossas atividades de campo temos observado que algumas caractersticaspredominamentreostrabalhadores,comoumarendamensalbaixa,umndicedeescolaridade que normalmente no ultrapassa a alfabetizao, alm de umarelativadesilusoem relaoao retornoouprocurapelo trabalho formalizado,sejapormotivode idadeavanadaouporacreditarque trabalhandoporcontaprpria,otrabalhadortermaisoportunidadesdeaumentararenda familiar.Ocarter extenuante da atividade, a competitividade crescente entre estestrabalhadores, e amanifesta precariedade deste trabalho tambm se sucedemnasrespostasdostrabalhadores,aosquaispudemosaplicarnossosquestionrios.Algo bastante presente tambm na realidade dos ambulantes da praia umaconstante perseguio por parte dos comerciantes formalizados, e dosrepresentantes do poder pblico. No comeo deste ano, algumas aes daPrefeituraMunicipalde JooPessoa tiveramo intuitodeafastarmuitosdestestrabalhadores das praias, em especial aqueles que trabalham no calado. Deacordocomoargumentodosrepresentantesdosrgospblicosenvolvidosnaao,principalmenteaSecretariadeDesenvolvimentoUrbanoSedurbestestrabalhadorescausariamalgumtipodetranstornoordemnaturaldoespaoemquesto, o calado da orla. De acordo com o relato informal de algunstrabalhadores,oalugueldeboxesfixosnosespaosoficiais,oscameldromos,numpreoqueelesnopodempagar,foraqueestesespaosacabamporlimitar,emuito,aspossibilidadesdevendersuasmercadoriasouoferecerseusservios,emfunodacrescenteconcorrnciaentreostrabalhadoresinformais.Praia:turismoetrabalhoprecarizadoA problemtica do espao tornase evidente no tipo de pesquisa por nsproposta.Um fato que vem chamar nossa ateno, desde o comeo de nossoestudo,queamaioriadostrabalhadoresdequetratamos,moraembairrosdeperiferia, distantes dos bairros em que trabalham, predominantemente; algunsmoramemoutras cidades. Sendoas imediaesdapraia locaisdemoradiaouhospedagemparaumfragmentodasociedade,dealtopoderaquisitivo,umfatomanifesto a segregao pela qual passam os trabalhadores ambulantes, querepresentam um grande nmero de pessoas com baixo poder aquisitivo. Deacordo com Lefebvre (2008, p. 14), omtodo para abordar os problemas doespao no pode consistir unicamente nummtodo formal, lgica ou logstica;analisandoascontradiesdoespaonasociedadeenaprticasocial,eledeveepodeser,tambm,ummtododialtico.Apraia,paranossosujeitodepesquisa, lugar de trabalho. Para osmoradores ou hospedados na localidade, ou queestejamnacidadeparafazerturismo,lugardelazer.Sobreoslugaresdelazeres,oautorafirmaque(p.4950):

  • Geografia da informalidade: trabalhadores informais ambulantes nas praias de Joo Pessoa, Paraba

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    270 270

    [...]assimcomoascidadesnovas,sodissociadosdaproduo,apontodosespaosde lazeresparecerem independentesdotrabalhoelivres.Maselesencontramse ligadosaossetoresdo trabalho no consumo organizado, no consumo dominado.Essesespaosseparadosdaproduo,comose fossepossvela ignoraro trabalhoprodutivo, [...]aosquais seprocuradarumarde liberdadeede festa,quepovoade signosquenotm a produo e o trabalho por significados, encontramseprecisamente ligados ao trabalho produtivo. [...] Soprecisamente lugaresnosquaissereproduzemasrelaesdeproduo, o que no exclui,mas inclui, a reproduo pura esimplesdaforadetrabalho.

    Asprincipaispraiasquerepresentamaproblemticaespacialdequetratamosemnosso trabalho, a saber, Cabo Branco e Tamba, apresentam um conjunto decaractersticasbastante representativasdoqueestamos tratando.O trechoquecompreende as praias de Cabo Branco e Tamba concentra um significativonmero de equipamentos de forte apelo turstico: quiosques na areia, hoteisluxuosos,espaosdelazerpropriamentedito,edifciosresidenciaiscaros,bareserestaurantes frequentados por pessoas em geral de alto poder aquisitivo, sejamoradores da cidade ou turistas. A praia a paisagem desejada pelosidealizadoresdestesequipamentos,sejadainiciativaprivadaoudopoderpblicoounormalmenteosdois juntosno sentidodeexercerumpoderdeatraosobreosconsumidoresdesteespao.Anaturezaentomoldadano intuitodefacilitar o acesso e a permanncia daqueles que afinal possam pagar por estapaisagem. Um bem que natural, pblico portanto, acaba por ser, maldisfaradamente, apropriado, negociado, alterado, vendido. De acordo comLefebvre(2008,p.54):

    Anatureza,comooespao,comoespao,simultaneamenteposta em pedaos, fragmentada, vendida por fragmentos eocupada globalmente. destruda como tal e remanejadasegundo as exigncias da sociedade neocapitalista. Asexignciasdareconduodasrelaessociaisenvolvem,assim,avenalidadegeneralizadadaprprianatureza.

    Nas referidas praias esto concentrados de fato os principais equipamentostursticosdacidade,quesurgiramemsuamaiorianadcadade1970,comoporexemplo,oMercadodeArtesanatodeTamba(1974)eoHotelTamba(1971).Posteriormente, foi criado o Centro Turstico Tamba (1988), e realizada a

  • ALVES, L. A.; GARCIA, M. F.

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    271

    reurbanizao da Feirinha de Tamba (dcada de 1980; recentemente outragrandeobratransformouesteespao),edocaladodaorlaedasavenidasCaboBrancoeTamandar(2004)(LEANDRO,2006).AspolticaspblicasparaaregioNordesteestorepletasdeaesnosentidodeincentivaraatividade turstica.Eopadronaturalistaest semprepresentenodiscurso e nas aes polticos, associado ao binmio solmar. Tratase de umaespciederetornoaorecorrenteargumentodedesenvolvimentoregional,ondeanatureza colocada ora como problema, ora como soluo dos problemas daregio,eque,segundoCruz(2002,p.11),desconsideranecessriasalteraesnaestrutura socioeconmica regional como condio sine qua non para qualquerpossveldesenvolvimento.Porm,nosopoderpblico,porinflunciadainiciativaprivada,modificaestesespaos.Tambmoefetivocrescentedetrabalhadores informaisnasruasalterasignificativamente estes espaos, transformando a vida pblica, bem como oprprioespaopblico(YZIGI,2000,p.25).Compreender o trabalhador informal, em especial a partir de sua prpriaperspectiva, mostrase um grande desafio, pelo fato deste trabalhadorrepresentar com clareza o momento de heterogeneizao, fragmentao ecomplexificao,peloqualpassaaclassetrabalhadoracomoumtodo.REFERNCIASANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e acentralidade do mundo do trabalho. 10 ed. So Paulo: Cortez, Campinas, SP:EditoradaUniversidadeEstadualdeCampinas,2005.CONSERVA,Marinalvade Sousa;ARAJO,Ansio Josda Silva. InformalidadeePrecarizaonosMundosdoTrabalho.In:TeoriaPolticaeSocial.V.1.N.1,dez.2008.COSTA, Elizabeth Goldfarb. Anel, cordo, perfume barato: uma literatura doespaodocomrcioambulantenacidadedeSoPaulo.SoPaulo:NovaStella,EditoradaUniversidadedeSoPaulo,1989.CRUZ,RitadeCssia.Polticadeturismoeterritrio.3ed.SoPaulo:Contexto,2002.JAKOBSEN, Kjeld. MARTINS, Renato. DOMBROWSKI, Osmir. (orgs). Mapa dotrabalho informal:perfil socioeconmicodos trabalhadores informaisnacidadedeSoPaulo.SoPaulo:PerseuAbramo,2000.ColeoBrasilUrgente.

  • Geografia da informalidade: trabalhadores informais ambulantes nas praias de Joo Pessoa, Paraba

    OKARA: Geografia em debate, v.6, n.2, p. 263-272, 2012

    272 272

    LEANDRO,AldoGomes.OturismoemJooPessoaeaconstruodaimagemdacidade. 2006. Dissertao (Mestrado em Geografia) Departamento deGeocincias,UniversidadeFederaldaParaba,JooPessoa,2006.LEFEBVRE,Henri.Espaoepoltica.BeloHorizonte:EditoraUFMG,2008.MALAGUTI,ManoelLuiz.Crticarazo informal:a imaterialidadedosalariado.SoPaulo:Boitempo;Vitria:EDUFES,2000.THOMAZJNIOR,Antnio;FRANAJNIOR,LuzimarBarreto(Orgs).GeografiaeTrabalhonoSculoXXI.PresidentePrudente:Centelha,2009.V.4.YZIGI, Eduardo. O mundo das caladas. So Paulo: Humanitas/FFLCH6/USP;ImprensaOficialdoEstado,2000.ANTUNES,R.OssentidosdoTrabalho:ensaiosobreaafirmaoeanegaodotrabalho.SoPaulo:Boitempo,1999.GONALVES,M.A.ATerritorializaodotrabalho informal:umestudoapartirdos catadoresdepapel/papeloedos camelsemPresidentePrudente SP.2000. 224 f.Dissertao (Mestrado em Geografia Humana) Faculdade deCinciaseTecnologia,UniversidadeEstadualPaulista,PresidentePrudente.RODRIGUES,I.D.ADinmicaGeogrficadaCamelotagem:ATerritorialidadedoTrabalho Precarizado. 2008. 197 f. Dissertao (Mestrado em Geografia) FaculdadedeCinciaseTecnologiaUniversidadeEstadualPaulista.THOMAZ JNIOR A., GONALVEZ, M. A. Informalidade e precarizao dotrabalho:uma contribuio a Geografia do Trabalho. Revista Eletrnica deGeografia y Ciencias Sociales. Barcelona.Universidad de Barcelona, 2002. ISSN11389788.THOMAZ JUNIOR.A.Omundo do trabalho e as transformaes territoriais: oslimites da "leitrua" geogrfica. CinciaGeogrfica, Bauru, v. 9, n.1, p. 96103,jan/abr.2003THOMAZJUNIOR.A.PorumaGeografiadoTrabalho.COLQUIOINTERNACIONALDEGEOCRTICA.4.Barcelona,2002b.Contato com o autor: [email protected], [email protected] Recebido em: 24/11/2012 Aprovado em: 28/12/2012