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HYGEIA, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde - ISSN: 1980-1726 www.hygeia.ig.ufu.br/ Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006 Página 47 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA EM PORTUGAL E BRASIL: DESAFIOS PARA AÇÕES EM SAÚDE THE PERSON WITH DEFICIENCY IN PORTUGAL AND BRAZIL: CHALLENGES FOR ACTION IN HEALTH 1 Ana Lucia de Jesus Almeida Fisioterapeuta, Docente do Departamento de Fisioterapia e Doutoranda em Geografia na FCT – UNESP [email protected] RESUMO O presente artigo tem como objetivo principal refletir sobre as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência no seu cotidiano, no lugar onde vivem. Partindo da análise da produção das cidades contemporâneas tendo em vista a reprodução da vida urbana em função do processo de circulação das pessoas, observa-se que esta circulação é pouco acessível às pessoas com deficiências. Para esta análise, procurou-se retratar a situação da pessoa com deficiência na realidade portuguesa e brasileira, evidenciando-se semelhanças e diferenças. No primeiro caso, se destaca o intenso debate acerca da importância da integração, a superação do preconceito e a luta pela igualdade entre os diferentes cidadãos. Por outro lado, dentre as principais diferenças, observa-se que a etiologia da deficiência no Brasil ainda está muito relacionada com a falta de acesso a serviços de saúde e a qualidade desse serviço, o que chama a responsabilidade dos profissionais envolvidos neste setor, como o fisioterapeuta, para o papel importante a desempenhar nesse processo. Palavras-chaves: deficiência, cotidiano, fisioterapia ABSTRACT Our goal is to make a discussion about difficulties found by disabled people in their everyday life at the housing place. Cities are reproduced keeping obstacles and the urban are reconstructed in the people circulation process. This circulation allows less access to disabled people. We discuss the role of the physical therapy on the rehabilitation process using techniques for helping these disabled people become less limited about their movements and fewer dependents on physical help. We also discuss about the necessity of completeness at health policies. Our analysis has looked for showing the situation of disabled people at Brazilian and Portuguese reality, underlining similarities, as the discussion about the importance of the integration, elimination of the prejudice and the struggle for equality. We have also underlined differences in the Brazilian social inequality, showing that the etiology of disability in Brazil is still related to low access to health services and its quality. Therefore, we underline the role of the physical therapy on this process. Key words: disability, daily, physical therapy 11 Recebido em: 02/08/2006 Aceito para publicação em: 21/11/2006

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HYGEIA, Revista Brasileira de Geografia Mdica e da Sade - ISSN: 1980-1726 www.hygeia.ig.ufu.br/ Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 47A PESSOA COM DEFICINCIA EM PORTUGAL E BRASIL: DESAFIOS PARA AES EM SADE THE PERSON WITH DEFICIENCY IN PORTUGAL AND BRAZIL: CHALLENGES FOR ACTION IN HEALTH1 Ana Lucia de J esus Almeida Fisioterapeuta, Docente do Departamento de Fisioterapia e Doutoranda em Geografia na FCT UNESP [email protected] RESUMO Opresenteartigotemcomoobjetivoprincipalrefletirsobreasbarreiras enfrentadaspelaspessoascomdeficincianoseucotidiano,nolugaronde vivem. Partindo da anlise da produo das cidades contemporneas tendo em vistaareproduodavidaurbanaemfunodoprocessodecirculaodas pessoas,observa-sequeestacirculaopoucoacessvelspessoascom deficincias. Para esta anlise, procurou-se retratar a situao da pessoa com deficincia na realidade portuguesa e brasileira, evidenciando-se semelhanas ediferenas.Noprimeirocaso,sedestacaointensodebateacercada importncia da integrao, a superao do preconceito e a luta pela igualdade entreosdiferentescidados.Poroutrolado,dentreasprincipaisdiferenas, observa-se que a etiologia da deficincia no Brasil ainda est muito relacionada com a falta de acesso a servios de sade e a qualidade desse servio, o que chamaaresponsabilidadedosprofissionaisenvolvidosnestesetor,comoo fisioterapeuta, para o papel importante a desempenhar nesse processo. Palavras-chaves: deficincia, cotidiano, fisioterapia ABSTRACT Our goal is to make a discussion about difficulties found by disabled people in their everyday life at the housing place. Cities are reproduced keeping obstacles andtheurbanarereconstructedinthepeoplecirculationprocess.This circulationallowslessaccesstodisabledpeople.Wediscusstheroleofthe physical therapy on the rehabilitation process using techniques for helping these disabledpeoplebecomelesslimitedabouttheirmovementsandfewer dependentsonphysicalhelp.Wealsodiscussaboutthenecessityof completenessathealthpolicies.Ouranalysishaslookedforshowingthe situationofdisabledpeopleatBrazilianandPortuguesereality,underlining similarities, as the discussion about the importance of the integration, elimination oftheprejudiceandthestruggleforequality.Wehavealsounderlined differencesintheBraziliansocialinequality,showingthattheetiologyof disability in Brazil is still related to low access to health services and its quality. Therefore, we underline the role of the physical therapy on this process. Key words: disability, daily, physical therapy 11 Recebido em: 02/08/2006 Aceito para publicao em: 21/11/2006 ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 48INTRODUO Comofisioterapeutaeatuandojuntoapessoascomseqelasneurolgicasfcil perceberqueoprincipalenfoquenareabilitaotemsecentradonasmodificaes individuaisdapessoacomdeficincia,utilizando-sedetcnicasqueasauxiliema tornarem-se menos limitadas em seus movimentos, menos dependentes de ajuda fsica deterceiros,portanto,maisprximadaquiloquesechamadenormalidade.Por exemplo:melhoraraamplitudearticular;treinaramarcha;treinarasatividadesdevida diria: orientando na alimentao, vesturio, higiene, cuidados pessoais e etc. Mas aqui existeumacontradio,sehumapreocupaoemhabilitarmotoramenteapessoa, favorecendosuamaiorindependncia,precisa-sesabereentenderseelaestouno mais independente no seu dia-a-dia, no seu cotidiano. Os fisioterapeutas, e mesmo outros profissionais da sade, ainda no tm dedicado a ateno devida a essas questes, como se o cotidiano das pessoas com deficincia no interferisse na sua reabilitao, na sua sade, na sua qualidade de vida.Aqui cabe observar o quanto esta postura afasta-se da viso de integralidade das aes em sade e se identifica com o modelo da doena, que baseado nos conhecimentos das funes biolgicas dos indivduos, tem no esquadrinhamento do corpo, nos seus aspectos anatmicos e fisiolgicos, a maneira cientfica de conhecer o normal e o patolgico. Por causadisto,distancia-sedosmodelosexplicativosparaasadequelanammode conhecimentos das cincias sociais e do comportamento que se destinam compreenso dohomemnasociedade(PINHEIRO,2006).Esteocasodageografiaeodebate especfico da produo da cidade acessvel. Nessesentido,aatuaodofisioterapeutapermanecevoltadaprincipalmenteparaas dificuldades inerentes deficincia e de carter mais biolgico e pouco se tem feito para interferir nas dificuldades que decorrem, por exemplo, da falta de transporte adequado, ou deportassuficientementelargas,ourampaseelevadoresespeciais,oucaladas conservadas e com guias rebaixadas, das dificuldades de acesso ao espao da escola, ao lazer ou trabalho, e at mesmo, no caso da realidade brasileira, da excluso social e dapobreza.Essassodificuldadesquesurgemnarelaodapessoacomdeficincia com seu espao social, com o territrio, com o lugar onde ela vive.Seavisomultidimensionaldasadeestivessemaispresentenasaesdos profissionais da sade poderia-se observar uma maior influncia desses profissionais no debateenaimplantaodepolticaspblicasparaaspessoascomdeficinciaque fossem ao encontro da superao dessas dificuldades. Assim,naperspectivadebuscarumentendimentotericosobreasquestesacima apontadas,aGeografiaapresentou-secomoumdoscaminhospossveisquepodedar suporteaoentendimentodacidadeedasrelaesconstrudaspelaspessoascom deficincia, visto que muitas das dificuldades por elas enfrentadas tm implicaes com dimenses polticas, ideolgicas/culturais e de desenvolvimento urbano, que so objetos deestudodacinciageogrfica,dageografiadavidacotidiana.Entretanto,nodebate sobreourbanoGuerra(2003)observaquehumatendnciaavalorizarosgrandes movimentoseasgrandesfunesurbanas,efrequentemente,tende-seaesquecera escalatemporalegeogrficadavidacotidiana,desvalorizandoopapeldoespaona estruturao dos modos de vida das pessoas.Segundo esta mesma autora, ...acidadeestruturaoespaoeotempodavidacotidianana diversidadedosterritriosemodosdeapropriaoquetemosdodia-a- ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 49dia.Umacidadesemequipamentosdesuportevidaquotidiana,com espaosrecortadoseguetizados,semrelaoemsi,comdeficientes condiesdemobilidadeedeacessibilidade,eaindacomdegradao sucessivadefactoresidentitrios,umacidadesemqualidade (GUERRA, 2003, p. 241). Paraexemplificaraproblemticaaquicolocada,observa-sequemuitaspessoascom deficincia ficam impossibilitadas de uma participao ativa na sociedade, em razo de obstculosmateriais:portasdemasiadamenteestreitaparapermitiremapassagemde umacadeiraderodas;escadasedegrausinacessveisemedifcios,nibus,trense avies;telefoneseinterruptoresdeluzcolocadosforadoseualcance,instalaes sanitriasquenopodemutilizar(CHAGAS,2003).Tambmsevemexcludaspor outros tipos de barreiras, como por exemplo, na comunicao oral, quando no se leva emcontaasnecessidadesdaspessoasportadorasdedeficinciasauditivas,ouna informaoescrita,quandoseignoramasnecessidadesdosdeficientesvisuais.Estas barreirasexistememboramuitasdelaspudessemserevitadas,compoucosgastos, mediante um planejamento cuidadoso (ONU, 1988).Essasquestessociais,econmicasedeparticipaoqueinterferemnavidadas pessoas com deficincia e suas famlias, bem como a forma pela qual a sociedade trata osreferidosassuntostmchamadoaateno.Se,porumlado,elasrepercutem diretamente na qualidade do processo de reabilitao, ainda encontram-se distantes das prticasdosfisioterapeutas.Oentendimentodequeessesaspectosinterferem diretamente na sade das pessoas com deficincia amplia o leque de ao profissional e avana na direo da superao da viso do modelo da doena e aproxima-se da viso de integralidade na sade. A pessoa com deficincia na cidade e as deficincias das cidades Apessoacomdeficincia,porserdiferente,sempreencontroudificuldadesde participaonavidasocial,nosporenfrentaropreconceito,oisolamentocoma diminuio das relaes sociais e familiares e o estigma por parte da comunidade, mas tambmpelacarnciadepolticaspblicasquefacilitemseuacessoaotransporte, moradia,aosserviosdesade,educao,enfim,asnecessidadesbsicasqueos cidados tm direito. A falta de acesso dificulta a sua participao e, conseqentemente, reduz a sua condio de cidadania, limitando a possibilidade de uma maior convivncia social.Assim,numciclovicioso,aspessoascomdeficinciaseisolameasociedadeno convivecomadiferenanoseudia-a-dia,fazendocomqueessascaractersticasse mantenham. Todavia, considerando que o urbano se reconstri e se redesenha a partir da intensificao da circulao das pessoas e esta circulao pouco acessvel s pessoas com deficincias, podemos imaginar que o movimento de reconstruo do urbano a partir dacirculaodaspessoascomdeficincialentoouinexistenteeourbanoquese redesenhanoofazconsiderandoasnecessidadesdoindivduocomdeficincia,pois so diversas as foras que se atraem e se repelem na reconstruo da cidade e a sua apropriao nem sempre atende a todos (SPOSITO, 2001).Essa caracterstica explica o carter ambguo da cidade que ao mesmo tempo agrega e segregaseushabitanteseexplicatambm,porqueacidadenecessita,deacordocom Carlos(1992),dosconflitosedascontradiesinerentessdiferenasentreosseres paraasua (re)produo. dessemovimentoconstanteque...emergeaproduoda ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 50cidadeeoslugaresvosendo(re)organizados,construdosou(re)construdospara abrigardiferentespessoas,diferentesinteresses e diferentes valores(RESENDE, 2004, p. 14). Assim, por ao ou omisso todas as pessoas participam desse processo, mesmo aquelasquenotmplenaconscinciadesuaparticipao.Essessoosqueesto dispostos a no pensar e no questionar o que est sendo feito e para quem, no espao urbano (CARLOS, 1992). Neste contexto, programas de incluso da pessoa com deficincia so fundamentais no sentidodefavorecerasuperaodestasituao.Entretanto,paraquerealmentea inclusosaiadopapel,dadiscussoacadmicaedodebatepoltico,tornam-se necessriaspolticaspblicasespecficaseapropriadasrealidadedessapopulao. Esta incluso no deve ser restrita educao escolar, mas deve contemplar todas as dimensessociaisnecessriasparaodesenvolvimentohumanoeparaaformaode cidados desde o seu nascimento, no mbito da famlia e na comunidade, tendo em vista que a relao na comunidade parece ser o maior desafio neste campo. Nesse debate sobre o urbano, sobre a cidade e o cotidiano do cidado, o poder pblico municipalumdosresponsveispeladefinioecontroledoplanejamentofsico territorialtendocondiesprivilegiadasparaaconstruodaacessibilidade.Porcausa disso,suaaopodeserdecisivaentreaexcluso/inclusoeentrea integrao/segregaodaspessoascomdeficincia.Poroutrolado,asbarreirasso invisveisparaamaiorpartedapopulao,fazendocomquenovasbarreirassejam criadas.amanifestaodiriaatravsdacirculaodaspessoascomdeficinciana cidadequepermiteavisibilidadedasbarreiras,favorecendoqueassoluesdesuas dificuldades sejam alcanadas no prprio contexto que as geraram (CARLOS, 1992).Esse desafio est posto para os fisioterapeutas, para outros profissionais da sade, para gegrafos, enfim, para todos aqueles interessados na superao de tais dificuldades. Um panorama da deficincia em duas realidades distintas: Portugal e Brasil Oestudocomparativoumdoscaminhosparaodiscernimentodasquestes apresentadasatomomento.Aanlisederealidadesdistintaspodecontribuirparao aprofundamento do tema, extremamente importante para o desenvolvimento da Geografia da Sade. Para isto, so consideradas questes sobre a temtica em Portugal e Brasil. Aopopelousodedadosestatsticostemrelaocomamenordisponibilidadede estudosqualitativosemescalanacional.importantelembrarquemesmonoBrasil, estodisponveisestudosqualitativossobreessatemticanumaescalalocal, expressando a realidade de um municpio. Dados atualizados em escala nacional foram disponibilizados pelo IBGE, atravs dos resultados do Censo Demogrfico de 2001.De fato podem existir limitaes numa anlise que se apia em informaes estatsticas ao despertarem crticas sobre o quanto esses nmeros traduzem e expressam a realidade deambosospases:porapresentaremvcios,porproblemasdemetodologia,porse limitaremaosnmeros eetc.,mas sodados apresentadospor institutosreconhecidos nosdoispaises:INE-InstitutoNacionaldeEstatsticadePortugaleIBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, no Brasil. Essa opo baseou-se na possibilidade de responder algumas questes e trazer outras para o debate. OpanoramaemPortugaltemcomoprincipalfontedeinformaesosdados apresentadosnoRelatrioCensos2001:AnlisedePopulaocomDeficincia: ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 51resultadosprovisrios,organizadoepublicadopeloINI.Tambmseapianorelatrio disponibilizado pelo Secretariado Nacional para a Reabilitao e Integrao das Pessoas com Deficincia, de Portugal, que em seu Caderno 8, apresenta o resultado da pesquisa: Inqurito nacional s incapacidades, deficincias e desvantagens: sntese.Estimativas globais feitas pela Organizao Mundial da Sade apontam para a existncia no mundo de 600 milhes de pessoas atingidas por uma ou outra forma de deficincia, ou seja,10%dapopulaomundial,sendoqueapenas37milhesdepessoasestona Unio Europia.Em Portugal, os dados do Censo sinalizam para a existncia de 634.408 mil pessoas com deficincia (dos quais 333.911 do sexo masculino e 300.497 feminino), o que representa umataxade6,1%(6,7%dapopulaomasculinae5.6%dafeminina).OCentrofoia regioqueseregistrouamaiorpercentagemdeindivduoscomincapacidade(6,7%), contrapondo-se Regio Autnoma dos Aores que registrou a mais baixa (4,3%). Observa-se que as taxas de incidncia no sexo masculino so mais elevadas que do sexo femininoemtodasasregiesdoPas.Entretanto,entreapopulaoidosaamaior percentagemdepessoascomdeficinciapassaapertenceraosexofeminino.Issose explica, de acordo com o relatrio, pelo fato de que entre a populao idosa o nmero de mulheresbastantesuperioraodehomens,conseqnciadedoisfenmenos demogrficos: a maior longevidade das mulheres e a sobremortalidade masculina.Verifica-se que a taxa de incidncia da deficincia visual a mais elevada, representando 1,6%dototaldepopulao.Osindivduoscomdeficinciaauditivaregistramuma percentagemmaisbaixa(0,8%).Comrelaodeficinciamotoranoconjuntoda populaoaproporodeindivduoscomalgumadeficinciadestetipocifrou-seem 1,5%. A populao com deficincia mental situou-se nos 0,7%. A paralisia cerebral foi o tipo de deficincia com a menor incidncia na populao recenseada (0,1%). O conjunto dasoutrasdeficincias,queincluiasnoconsideradasemqualquerdosoutrostipos, situou-se em 1,4% do total de indivduos. A anlise segundo a estrutura etria mostra que entre a populao idosa que incidem as maiores taxas em qualquer dos tipos de deficincia, com exceo da deficincia mental, cuja taxa semelhante em todos os grupos de idade. No grupo de populao mais jovem (menos que 16 anos) a taxa de incidncia de deficincia 2,2% enquanto no grupo dos idososataxaeramaisqueodobrodanacional(12,5%),sendoadeficinciavisuale motora as principais responsveis pelo aumento da taxa de incidncia nas idades mais elevadas. Observa-setambmqueadistribuiopercentualdototaldepessoascomdeficincia segundootipoporidade,revelaqueaimportnciarelativadaparalisiacerebral bastantesuperiorentreapopulaojovem.Poroutrolado,aimportnciarelativadas deficinciasauditivasemotorasaumentajuntamentecomaidadedosindivduos,bem visvel no grupo da populao idosa. OutracaractersticaimportanteemPortugalofatodequeentreapopulaocom deficincia o ndice de envelhecimento (relao existente entre o nmero de idosos e o de jovens,definidonorelatriopesquisado,comoarelaoentreapopulaocom65ou mais anos e a populao dos 0-15 anos) cerca de 5,5 vezes superior ao da populao total. Enquanto a relao entre idosos e jovens na populao total de 95 indivduos, na populao com deficincia de 547. ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 52Em Portugal, o debate sobre processo de envelhecimento da populao com deficincia, bem como o drama familiar a ela associado, tem evidenciado a necessidade de polticas pblicasespecficas.Dentreestaspolticas,destaca-seaconstruodeunidades residenciais, a reviso dos regimes de prestao social e a incrementao de servios de apoio no domiclio, como pode ser observado no relatrio disponibilizado pela Secretaria Nacional para a Reabilitao e Integrao das Pessoas com Deficincia. Noquesereferereabilitao,essemesmorelatrioapontaquenasmodalidades: reabilitaomdico-funcional,educaoespecial,reabilitaoprofissional,integrao laboraleintegraosocial,aspessoascomdeficinciapsquicabeneficiaram-se predominantementecomareabilitaomdicofuncionaleeducaoespecial;paraas pessoas com deficincia sensorial, a educao especial assume uma importncia relativa; nadeficinciafsicaareabilitaomdico-funcionaltorna-semaisevidente;nas deficincias mistas a educao especial o tipo de reabilitao mais solicitado. Por fim, o textonoescondeoarealidadesobreoquantoosindicadoressopreocupantes, expressando baixas taxas de freqncia de medidas de reabilitao. SobreoBrasil,umadasrefernciasutilizadasparaapresentaropanoramafoiaobra RetratosdaDeficincianoBrasil,organizadopelaFundaoGetlioVargas,que apresentaoperfilsocial,econmicoedemogrficodestesegmento,descrevepolticas setoriaisdeinserosocialeavaliaprticascorrenteseaescomplementaresnesta rea,tendocomoprincipalfonteosdadosfornecidospeloIBGEreferentesaocenso demogrfico de 2001. Outra referncia foi o Relatrio sobre a Prevalncia de Deficincias, IncapacidadeseDesvantagens,queapresentaumasistematizaodosestudos realizadosem21cidadesbrasileiras,comametodologiadeentrevistasdomiciliaresda Organizao Pan-americana de Sade e foi disponibilizado pela CORDE Coordenadoria NacionalparaIntegraodaPessoaPortadoradeDeficincia.Estasduasobrasnos permitem uma aproximao realidade brasileira. NoCensoDemogrficoBrasileirode2001declararam-secomodeficientesumtotalde 24,5milhesdepessoas,oequivalentea14,5%dapopulaobrasileira.Omaior percentual se encontra na regio nordeste (16,8%) e o menor na regio sudeste (13,1%). Dessa populao, 48,1% apresentam deficincia visual; 22,9% deficincia motora; 16,7% deficincia auditiva; 8,3% deficincia mental e 4,1% deficincia fsica (CORDE, 2004).A deficincia visual a que comparece com maior freqncia. Entretanto, de acordo com orelatrio,noBrasil,essealtondiceseexplicapelacombinaodedoisfatores:o envelhecimento populacional e a prpria ampliao pelo IBGE do conceito de deficincia visual,quenomaisserestringeapenasacegueira,comotambmaquelesque apresentam dificuldade permanente de enxergar, seja ela corrigvel ou no. Aqui h um reflexo de a populao ter acesso aos servios pblicos de sade ou mesmo a aquisio deculos,ouseja,muitasdaspessoasqueseautodeclararamcomdificuldadesde enxergarpoderiamresolveresseproblemacomousodelentessetivessemacessoa especialistas e condies de aquisio dos culos (CORDE, 2004). Quanto ao envelhecimento populacional, 27,6% das pessoas com deficincia tem mais de 60 anos, sendo que esse nmero de apenas 7,9% para a populao em geral. Observa-se,ainda,quemaisdametade(56%)dapopulaocommaisde67anosinformou possuir alguma deficincia, sendo mais grave entre os idosos sem instruo, onde a taxa dedeficinciadeaproximadamente65%.Outrodadomuitorelevantequeentreos indivduoscommaisde67anosquevivememdomiclioscoletivos,75%sopessoas comdeficincia,refletindoaaltaincidnciadeidososquemoramemasilos,casasde ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 53caridade, leitos hospitalares, mostrando o abandono familiar entre idosos com deficincia (NERI, et al.; 2003).No que se refere incidncia de deficincia por gnero, os resultados do Censo revelam apredominnciadedeficinciasentreasmulheres(53,58%),influenciadopelamaior longevidade feminina. A maioria das pessoas com percepo de incapacidade (55,6%) formada por homens, que esto mais expostos violncia e acidentes em particular na juventude.Quandoavaliamosaincidnciaporraa,verifica-sequeentreosbrancos, 13,78%apresentamalgumadeficincia,enquantoentreosnegroschegaa17,47%, semelhante aos ndios que apresentam 17,06% (NERI, et al.; 2003). Comrelaoinseronomercadodetrabalho,osdadosdoCensomostramquedo total de 24,5 milhes de pessoas com deficincias apenas nove milhes trabalham (37%), desses5,6milheshomense3,4mulheres.Dessapopulao,maisdametade(4,9 milhes) ganha at dois salrios mnimos (CORDE, 2004). As taxas de incidncia de deficincia entre pai, me e sogro (a) so de 53%, seguidas daquelas obtidas por chefes de famlia (24,3%) e conjugues (18,1%), o que preocupante noaspectodarendajquechefeseconjuguesoosprincipaisprovedoresderenda dentro da famlia. De acordo com o relatrio, surpreende o fato de a taxa de miserveis na populao com deficincia ser inferior a populao geral, o que se explica pela atuao do Estado atravs de programas de transferncia de renda (NERI, et al.; 2003). ComrelaoescolaridadeoCensode2001revelaqueataxadealfabetizaodas pessoas de 15 anos ou mais, na populao em geral, era de 87,1%; j entre as pessoas com deficincia era de 72% (CORDE, 2004). As taxas daqueles que nunca freqentaram escola de 16,3%, 21,6% e 33,7% para a populao em geral e para os subgrupos de pessoascomdeficinciaepessoascompercepodeincapacidade,respectivamente (NERI, et al.; 2003).Ainda neste aspecto, a questo do acesso escola que para a populao de 7 a 14 anos estavapraticamenteuniversalizadonoano2000,mostraqueparaapopulaocom deficinciaarealidadeoutra.Ataxadeescolarizaodaspessoascomdeficincia nessamesmafaixaetriaerade88,6%,caindopara74,9%nocasodedeficincias severasepara61%nocasodedeficinciasfsicaspermanentes,segundooIBGE (CORDE, 2004). NoBrasil,aPortarian.1.060de05dejunhode2002,aprovouaPolticaNacionalde SadedaPessoaPortadoradeDeficinciaquetemcomoobjetivoareabilitaoda pessoa portadora de deficincia, a proteo a sua sade e a preveno dos agravos que determinem o aparecimento de deficincias, mediante o desenvolvimento de um conjunto de aes articuladas entre os diversos setores da sociedade e a efetiva participao da comunidade. Alm disso, determina que os rgos e entidades do Ministrio da Sade, cujas aes se relacionem com o tema objeto da Poltica, promovam a elaborao ou a readequao de seus planos, programas, projetos e atividades em conformidade com as diretrizeseresponsabilidadesnelaestabelecidas(BRASIL,2002).Essapoltica contempla todas as necessidades de sade da pessoa com deficincia, o grande desafio transformar a proposta em aes prticas que mude essa realidade. Apontamentos para o debate ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 54AsinformaesdisponveisnapublicaoRetratosdaDeficincianoBrasilmostram umaclararelaoentreprevalnciadeincapacidadeseograudedesenvolvimento social, nvel de renda e pobreza. Em geral, as regies em que a incidncia de deficincia maior, os nveis de educao e renda so baixos, ao passo que aquelas onde o registro menor, observam-se o reverso (NERI, et al.; 2003). Portanto, a presena de deficincia de um lado, a escolaridade e renda de outro, mostram-se inversamente correlacionadas.AanlisedadistribuioespacialdaspessoascomdeficincianoBrasilquando comparadacomindivduoscomasmesmascaractersticas,porexemplo:idade,renda, educao,etc.,seobservadaemdiferentesreas,permiteidentificareguiaraes polticasespecficas.Emumgrupopopulacionalemquehjovenscomaltograude deficinciapodemindicaranecessidadedepolticasqueevitemacidentesdetrnsito, acidentes de trabalho e violncia urbana (NERI, et al.; 2003). Considerando que no Brasil h grandes diferenas entre regies, por ser um territrio marcado por desigualdades, a anlise espacial um importante instrumento na definio de aes de interveno. Noaspectoeducacional,aescolaridademdiadaspessoascomdeficinciaumano menorquedogrupodepessoassemdeficincia.Comrelaooferta,aeducao especial quase que exclusivamente oferecida na rede privada de ensino, apesar de se verificar que o percentual de matrculas de pessoas com deficincia na educao regular sermaiornaredepblicadeensino(NERI,etal.;2003).Importantedizerqueexistem bonsexemplosdessasexperinciasnaredepblicaqueacreditaqueaeducao inclusiva o caminho mais rico para os indivduos desenvolverem seus potenciais, mas aindasovriasasdificuldades:capacitaodeprofessores,infra-estrutura,condies arquitetnicas e etc.Com relao renda, os dados sinalizam o avano do pas nas polticas compensatrias, masdeixouaspolticasestruturais,limitandooacessodaspessoascomdeficinciaa diferentestiposdecapitais(fsico,socialehumano),diminuindoacapacidadedessa populaodegerarrendasustentvel.precisoinvestirempolticaspblicasque motivemessapopulaoaalcanarmaisindependnciaeautonomia,polticasque impactem na oferta de trabalho, na incluso educacional e digital, na sade, no lazer e outras (NERI, et al.; 2003). Por fim, preciso reconhecer que no Brasil, as ...pessoascomdeficinciasohistoricamenteogrupocujapoltica pblicadotipomaisassistencialistapossvel,vistapormuitosquase como esmola. preciso que, pelo menos, uma parcela expressiva das populaocompostaporpessoascomdeficincia,deixemdeser objetosdamerafilantropiainstitucionalparasetornaremsujeitos protagonistas das melhoras alcanadas em suasvidas ((NERI, et al.; 2003; p. 10, cap. 6). Quandocomparadaarealidadebrasileiracomaportuguesaobserva-semuitas diferenas. A etiologia da deficincia em Portugal, que no significativamente diferente deoutrospaseseuropeus,temsuaorigemnoaumentodeacidentesdeareose acidentesdetrabalho.Existeainda,umasignificativataxadedeficientesmilitares, resultadodasfrentesdebatalhaquePortugalmantevenafricaaolongodosanos sessentaatmeadosdadcadadesetenta.AetiologianoBrasilaindaestmuito relacionadacomafaltadeacessoaserviosdesadeeaqualidadedesseservio, justificando a relao entre deficincia e pobreza. ApessoacomdeficinciaemPortugaleBrasil: desafios para aes em sade Ana Lucia de J esus Almeida Hygeia, 2(3):47-56, Dez 2006Pgina 55PoroutroladoemPortugaltambmestpresenteadiscussosobreaimportnciada integraosocial,dasuperaodopreconceito,daigualdadedeoportunidadesno trabalho,acessoasade,educao,lazercomqualidadedevida.Oquechamaa atenoqueasdiferenasentreasregiesnosotograndes,mostrandocerta homogeneidade. No Brasil, gritante o contraste diante das desigualdades, aumentando nossos desafios e mostrando que o setor de sade tem muito a contribuir. REFERNCIAS AFR(AssociaoFluminensedeReabilitao).PesquisadePrevalnciade Incapacidades:umafacedarealidadedasadenosmunicpiosbrasileiros. Niteri/RJ : Revista de Reabilitao, ano 1/n.1, maro/abril, 2005. BRASIL. Poltica Nacional de Sade da Pessoa Portadora de Deficincia. Portaria N 1.060, de 5 de J unho de 2002. CARLOS, Ana Fani A. A cidade. So Paulo: Contexto,1992. CHAGAS, Eliane Ferrari. 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