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Ontologia e Linguagem Prof. (a) Viviane Fernandes

17. Ontologia e Linguagem

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Os graus da dvida em Descartes

Ontologia e Linguagem

Prof. (a) Viviane FernandesOntologia e linguagem em nietzsche

Ontologia e Linguagem em NietzscheQuestiona o postulado metafsico que assegura a existncia de um princpio transcendente fundador de uma ontologia da linguagem, e, do mesmo modo, de uma linguagem da ontologia. Constatao que o surgimento de tal princpio no pensamento ocidental s foi possvel a partir da tutela de uma metafsica da linguagem.

Ontologia e Linguagem em NietzscheSomente atravs da constituio de uma metafsica da linguagem foi possvel erguer um mundo verdadeiro em contradio com o mundo efetivo .

As caractersticas dadas ao verdadeiro ser das coisas so as caractersticas do no-ser, do nada . Construiu-se o mundo verdadeiro a partir da contradio ao mundo efetivo: um mundo aparente, de fato, na medida em que apenas uma iluso tico-moral (Crepsculo dos dolos, A razo na filosofia 6).

Instinto de CalniaNo h sentido em fabular acerca de um outro mundo, a menos que um instinto de calnia, apequenamento e suspeio da vida seja poderoso em ns: nesse caso, vingamo-nos da vida com a fantasmagoria de uma vida outra, melhor(Crepsculo dos dolos, A razo na filosofia 6). Iluso tico -moralEnquanto erro e iluso tico-moral, o mundo verdadeiro traz consigo o mundo aparente.

Com efeito, o que est em jogo aqui a relao entre os conceitos de efetividade, verdade (Wahrheit) e aparncia (Schein), e, embora estes conceitos sejam comuns tradio filosfica, quando avaliados sob a perspectiva da psico-fisiologia nietzschiana eles adquirem um significado peculiar. O Declnio da VidaDividir o mundo em um verdadeiro e um aparente, seja maneira do cristianismo, seja maneira de Kant (um cristo insidioso, afinal de contas), apenas uma sugesto da dcadence um sintoma da vida que declina... (Crepsculo dos dolos , A razo na filosofia 6).

No pretenso mpeto por uma verdade para alm da efetividade, uma verdade metafsica, fundou-se ao mesmo tempo na linguagem e pela linguagem um outro mundo verdadeiro e com ele um mundo aparente.

LinguagemAo mesmo tempo em que gera a oposio entre verdade e efetividade, a linguagem legitima esta verdade fomentando a crena fundamental dos metafsicos, a crena na oposio dos valores, em suma, na oposio de mundos.

Mas de que modo o impulso verdade, atravs da metafsica da linguagem realiza esta ciso dos mundos?

Origem Antagnica da LinguagemO esquecimento (Vergesslichkeit) da origem antagnica da verdade parece ter sido fundamental para o surgimento da crena metafsica na oposio de valores.

Instalado no horizonte do mundo verdadeiro, o metafsico dever julgar o mundo efetivo para, por fim, conden-lo em seu antagonismo (Gegensatz) primordial.

Pois como poderia a verdade ter sido originada do transitrio? AntagonismoCerteza e verdade no so compatveis com tal corrupo, sendo assim, no podiam proceder do mundo emprico todo o mundo emprico as contradiz (Crepsculo dos dolos , A razo na filosofia 5).

no esquecimento e na negao da origem antagnica da efetividade que se sustenta a crena em um fundamento absoluto, oculto e intransitrio sobre o qual se ergueram todas as oposies metafsicas.

Oposio Ser e No-SerOposio que inaugura o prprio pensamento metafsico: a oposio entre Ser e No-ser.

Para o filsofo alemo, esta oposio responsvel pela profuso de aparentes antagonismos, as contradies (Widersprche) lgicas, iluses que, em ltima anlise, obscurecem a real condio antagnica do efetivo. Princpio da No-ContradioDespojado de todo antagonismo, o mundo verdadeiro se ergue como uma realidade ontolgica estabilizada pelo recurso lgico da no-contradio .

Desde sua gnese a tradio metafsica esteve amparada por um mpeto de no-contradio, elemento estruturante e estabilizador de toda discursividade ontolgica, lgica e epistemolgica, enfim, edificador do mundo verdadeiro.

Princpio da No-ContradioO Princpio de No-Contradio representa a prpria presena da razo na linguagem, e, neste sentido, ele o fundamento primeiro da prpria metafsica da linguagem.

Atravs da metafsica da linguagem nos mantemos forados ao erro metafsico fundamental de crermos na existncia de dois mundos.Razo na LinguagemUm verdadeiro e um aparente, equvoco que desde a filosofia pr-socrtica continua a ser reproduzido por toda tradio identitria.

Ao erigir e conservar, atravs da metafsica da linguagem, o mundo verdadeiro, eterno e imutvel em detrimento do efmero e antagnico mundo efetivo, no estariam carregando o peso herdado da tradio, isto , o peso da razo na linguagem?O erro de Parmnides Considerando que o ser , em seu fundamento, ausncia constante de contradies, como parece postular o Poema de Parmnides, resta-nos concluir que a no-contradio condio para o discurso da verdade.

Sua gnese comum ao nascimento da metafsica da linguagem. De Parmnides a HerclitoO monismo ontolgico de Parmnides, pedra fundamental de toda tradio discursiva identitria, no de forma alguma uma intuio arbitrria, mas um desdobramento de um proto-princpio de no-contradio forte.

Nietzsche se aliou a Herclito para atacar a metafsica dos opostos qualitativos em suas bases e princpios. De Parmnides a HerclitoHerclito encarna a prpria hybris transbordante que se revela no conflito belicoso que constitui a vida em seu pleno devir e superao.

Parmnides de Elia: em oposio a Herclito se lanou no banho frio das abstraes terrveis, da verdade inteiramente exangue e de todo subtrada a qualquer realidade (A filosofia na poca trgica dos gregos , 9).

Abstraes terrveis: so os princpios ontolgicos ser e no-ser.

De Parmnides a HerclitoEnquanto Herclito afirma a vida em seu pleno devir e contradio, isto , em sua existncia trgica.

Parmnides parece decidir trilhar por uma via em tudo oposta, a via do ser.

Esta deciso crucial para que Nietzsche o conceba como o menos trgico de todos os gregos antigos. De Parmnides a HerclitoPara Herclito, o mundo se apresentava como um puro e homogneo devir em que todas as coisas se penetram e se transformam umas nas outras idia que exercer forte influncia na filosofia nietzschiana ,

O olhar frio de Parmnides vislumbrar em meio ao fluxo perene algo que fica, e, por ser estvel, no susceptvel ao tempo e s transformaes. De Parmnides a HerclitoPortanto, legtimo acreditarmos que, com o discurso de Parmnides, a tradio filosfica deu seu primeiro passo em direo ao mundo verdadeiro a partir da contradio ao mundo efetivo .

Em outras palavras, o pensador eleata parece ter lanado sobre a efetividade, isto , sobre a unidade trgica e antagnica primordial, uma contradio: se o real for transitrio ele no real, ele no verdadeiro.

O Ser em ParmnidesAquilo que no pode no ser e ser ao mesmo tempo, logo s h uma via para o pensamento: a via do ser.

O princpio lgico condutor do pensamento e do discurso ocidental, o Princpio de No-Contradio.

Mascarando o antagonismo e a multiplicidade da vida, Parmnides atinge enfim a paz cadavrica e rgida do conceito mais frio e menos expressivo de todos, o ser (A filosofia na poca trgica dos gregos , 10).O Ser em ParmnidesAs conseqncias deste gesto so reconhecidamente determinantes para a histria do pensamento ocidental.

Abstrao fundamental:abstrao do real e reduo de toda multiplicidade do mundo a duas vias, ser (positivo) e no- ser (negativo); excluso da via negativa; a constatao da identidade entre ser, dizer e pensar.

Metafsica da LinguagemA filosofia atravs da metafsica da linguagem se revela como um sofisticado instrumento de criao de mundo a partir da simplificao do efetivo (Wirklich).

Com a crtica da linguagem, associada ao pensamento radical da vontade de potncia, as noes de mundo verdadeiro e aparente, conforme concebido pela ontologia metafsica sofrem um significativo abalo.

Crtica da LinguagemO mundo enquanto coisa simples, seja ele verdadeiro ou aparente, no , ou seja, no h o mundo.

A forma extrema do niilismo seria: que toda crena, todo ter-por-verdadeiro necessariamente falso: porque um mundo verdadeiro absolutamente no existe (9[41] do outono de 1887).Crtica da LinguagemEm oposio idia de um fundamento absoluto, enfim, de um mundo verdadeiro, Nietzsche prope a noo de interpretao e perspectiva.

Afirmando a efetividade como uma complexa e incessante produo de mundos.

A noo nietzschiana de mundo no se reduz a um composto de fatos, mas a um jogo de perspectivas e interpretaes que lutam por domnio e mais potncia.

Crtica da LinguagemNum primeiro momento acompanhamos o processo de constituio ontolgica do mundo verdadeiro a partir gnese da metafsica da linguagem.

Agora caminharemos no sentido inverso, isto , trataremos da desconstruo das noes de mundo verdadeiro e aparente atravs da demolio dos princpios ontolgicos e metafsicos da linguagem. Crtica da Linguagem neste sentido que identificamos o movimento crtico-demolidor da filosofia nietzschiana com o conceito-imagem do Leo, metfora que nos remete rebeldia do esprito que diz no ao atavismo resignado do Camelo.

A linguagem se distancia dos domnios da verdade, bem como da segurana dos princpios metafsicos assumidos pela tradio.

Paradoxo da Linguagem Posicionando-se contra o pretensioso modelo discursivo da tradio, a crtica nietzschiana da linguagem parece se encontrar diante de um primeiro paradoxo.

Paradoxo da linguagem: Como demolir a metafsica da linguagem utilizando-se dela mesma, ou seja, da prpria linguagem metafsica?No estaramos a instituindo em cada vez que a negamos? possvel se desvencilhar da metafsica? Metafsica e LinguagemParece bem provvel que a constatao de que a crtica da metafsica deveria comear pela crtica da linguagem j se encontrava bem delineada no pensamento de Nietzsche.

O desprezo pelas pretenses da epistemologia dogmtica despertou em Nietzsche o esprito crtico sobre o qual fundou toda sua filosofia do futuro. Vontade de PotnciaEntendido como vontade de potncia, e nada mais, o mundo concebido como um incessante jogo de impulsos que lutam por mais potncia.

Os fundamentos ontolgicos metafsicos que imprimiam ao mundo unidade e identidade so aqui substitudos por uma complexa multiplicidade de foras que se organizam e se hierarquizam em instituies temporais de sentido. Vontade de PotnciaSendo assim, mundo verdadeiro e mundo aparente aparecem como meras configuraes temporais do mundo efetivo (wirklichen Welt), que em ltima anlise vontade de potncia, e nada mais.

Transfigurada em vontade de verdade(Wille zur Wahrheit), a vontade de potncia pelo artifcio da linguagem se afirma como o impulso fundador de mundos por excelncia.

A Histria da Escrita FilosficaA histria da filosofia tomada enquanto histria da escrita filosfica atuao de foras por domnios;

Um vir a ser de mundos que, inclinados verdade, se instituem temporalmente enquanto sistemas filosficos, bem como suas conseqentes interpretaes.

Entretanto, o advento do mundo verdadeiro traz imediatamente consigo o mundo aparente, ao qual o primeiro se encontra como o duplo oposto. A Abolio do Mundo VerdadeiroSendo assim, a oposio entre verdade e aparncia perde o estatuto ontolgico que lhe fora aferido pela tradio desde Plato para ser entendida como uma mera iluso de procedncia lingstica forjada pela prpria vida, ou seja, pela vontade de potncia.

Da a constatao de que com o mundo verdadeiro abolimos tambm o mundo aparente!, uma fbula . Consideraes FinaisA questo da linguagem retirada dos domnios da tradio ontolgica para ser avaliada no mbito fisiolgico, como mais um dos acontecimentos do mundo orgnico, logo enquanto fices lgicas teis vida.

O desmantelamento do sustentculo metafsico do mundo verdadeiro e do mundo aparente que em ltima anlise representa o desmoronamento da prpria metafsica da linguagem revela o olhar corrosivo lanado por Nietzsche sobre a tradio discursiva ocidental, Consideraes FinaisBem como o importante papel que uma profunda crtica linguagem teria no que concerne realizao de sua empresa maior, a crtica metafsica.

Referncias BibliogrficasGONALVES, Alexander. Transformaes da linguagem: crtica e afirmao no discurso de Nietzsche. 2010. 163 p. Dissertao (Mestrado em Filosofia) Universidade Estadual do Oeste do Paran, Toledo, 2010.

NIETZSCHE, Friedrich. A Filosofia na poca trgica dos gregos(1873). Traduo:Rbens Torres Filho. In: Os Pensadores. Volume: Os prsocrticos. So Paulo: Ed. Abril, 1973.

Referncias Bibliogrficas_____. Crepsculo dos dolos, ou, como se filosofa com o martelo. Traduo: Paulo Csar de Souza. So Paulo: Companhia das Letras, 2006.