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 MUNIZ, M. R. C. . Todos d el rei todos d el rei: s átira e política no teatro de Gil Vicente. In: Calderón, Manuel; Camões, Jo sé; Sousa, José Pedro. (Org.). Por s' entender bem a letra: Homenagem a Stephen Reckert. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda - I NCM, 2011, v . , p. 463-480.  1 Todos d’el rei todos d’el rei : sátir a e políti ca no teatro de Gil Vi cente Márcio Ricardo Coelho Muniz Universidade Federal da Bahia 1.  Em seu iluminador e arguto trabalho sobre o teatro de Gil Vicente, Stephen Reckert revela viva impressão com a inventividade criativa de nosso dramaturgo. Na trilha de Eugenio Asensio, reconhece na obra vicentina experimentalismo, originalidade, vanguardismo, considerando a «base extremamente estreita» ou «uma tradição [teatral] mais variada do que rica» a que Vicente  po de ria recorre r co m o in sp ira çã o p ar a su a cr ia çã o . Em s ín t ese, af irm a: «[...] n as ci do n um pa ís e numa época em que a tradição aproveitável pelo talento individual era tão exíqua [...] o simples facto de ser autor teatral obrigava a sê-lo de vanguarda» (Reckert, 1983, p. 30). A marca e a sustentação desta «poderosa inventiva» vicentina Reckert atribui à «tendência do dramaturgo para a criação de múltiplas variações sobre o mesmo tema» (idem, p. 20). Repetição com variação  pa re ce ser a c h av e, n o ent end er d o cr ít ic o in g s, de toda a pot ên ci a cr ia t iv a d o d ram aturgo, qu e Reckert tão bem demonstrou nas análises que fez dos três autos das Barcas. Em que pese o polêmico de algumas dessas afirmações 1 , cuja discussão foge aos meus  pr op ós it os nes se mom ent o, ou t ro d ad o i n di ca do por S t eph en Reckert c om pl em en ta e re alça a importância de suas considerações, qual seja, o fato de que muito da matéria tradicional a que recorreu Vicente para a construção de sua obra não ser de fonte teatral. Nas palavras do crítico: [a] frugalidade na administração da sua fazenda temática deixa o autor livre para aplicar a sua poderosa inventividade a experiências, sem precedente na Europa do seu tempo, na dramatização de fontes e materiais temáticos tão diversos como os diálogos de Luciano de Samósata [...], a Parábola do Samaritano [...], as Horas canônicas [...], ou os romances de cavalaria [...] (i dem, p. 19).  N o lim it e de st e t ext o, dis cut ire i o po ssível u so de um a dessas f on tes n ão teat ra is , os tratados de política governativa medievais, para a construção de um topos do teatro vicentino, a t ira con tr a a «privança» o u a «ade rência ao Paço », em ter m os da época. 2. O uso dos Espelhos de príncipe, como se convenciona denominar aqueles tratados, como fonte de inspiração de textos vicentinos já foi apontado por outros 1  Considere-se a dificuldade em demarcar o que é original, experimental ou de vanguarda em períodos tão regrados por normatizações como a Idade Média, a cuja tradição teatral Vicente se vincularia, ou marcados por profunda valorização d a mimesis  como o século XV I, em que se insere a criação vicentin a

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MUNIZ, M. R. C. . Todos d el rei todos d el rei: s átira e política no teatro de Gil Vicente. In: Calderón, Manuel; Camões, Jo sé; Sousa, José Pedro. (Org.). Por s' entender bem

a letra: Homenagem a Stephen Reckert. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda - I NCM, 2011, v . , p. 463-480. 

1

Todos d’el rei todos d’el rei : sátira e política no teatro de Gil Vicente

Márcio Ricardo Coelho MunizUniversidade Federal da Bahia

1. Em seu iluminador e arguto trabalho sobre o teatro de Gil Vicente, Stephen Reckert revela

viva impressão com a inventividade criativa de nosso dramaturgo. Na trilha de Eugenio Asensio,

reconhece na obra vicentina experimentalismo, originalidade, vanguardismo, considerando a

«base extremamente estreita» ou «uma tradição [teatral] mais variada do que rica» a que Vicente

poderia recorrer como inspiração para sua criação. Em síntese, afirma: «[...] nascido num país e

numa época em que a tradição aproveitável pelo talento individual era tão exíqua [...] o simples

facto de ser autor teatral obrigava a sê-lo de vanguarda» (Reckert, 1983, p. 30). A marca e a

sustentação desta «poderosa inventiva» vicentina Reckert atribui à «tendência do dramaturgo para

a criação de múltiplas variações sobre o mesmo tema» (idem, p. 20). Repetição com variação

parece ser a chave, no entender do crítico inglês, de toda a potência criativa do dramaturgo, que

Reckert tão bem demonstrou nas análises que fez dos três autos das Barcas.

Em que pese o polêmico de algumas dessas afirmações 1, cuja discussão foge aos meus

propósitos nesse momento, outro dado indicado por Stephen Reckert complementa e realça a

importância de suas considerações, qual seja, o fato de que muito da matéria tradicional a que

recorreu Vicente para a construção de sua obra não ser de fonte teatral. Nas palavras do crítico:

[a] frugalidade na administração da sua fazenda temática deixa o autor livre para aplicar asua poderosa inventividade a experiências, sem precedente na Europa do seu tempo, nadramatização de fontes e materiais temáticos tão diversos como os diálogos de Lucianode Samósata [...], a Parábola do Samaritano [...], as Horas canônicas [...], ou os romancesde cavalaria [...] (idem, p. 19).

No limite deste texto, discutirei o possível uso de uma dessas fontes não teatrais, os

tratados de política governativa medievais, para a construção de um topos do teatro vicentino, asátira contra a «privança» ou a «aderência ao Paço», em termos da época.

2.

O uso dos Espelhos de príncipe, como se convenciona denominar aqueles

tratados, como fonte de inspiração de textos vicentinos já foi apontado por outros

1 Considere-se a dificuldade em demarcar o que é original, experimental ou de vanguarda em períodos tão regrados pornormatizações como a Idade Média, a cuja tradição teatral Vicente se vincularia, ou marcados por profunda valorizaçãoda mimesis como o século XVI, em que se insere a criação vicentina

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estudiosos, como Margarida Vieira Mendes2. É também Mendes que, ao propor, para a

melhor compreensão dos gêneros do teatro vicentino, a existência de «forças criadoras

de forma», de proveniência diversa, às quais o dramaturgo recorreria no momento de

criação, arrola «factores formativos» que estariam na base da criação vicentina

(Mendes, 1990a). Dentre esses fatores, doze ao total, três interagem perfeitamente com

os tratados dedicados à formação do príncipe. As «formas discursivas», como os

discursos laudatório, pedagógico, moralizante, admoestador, conselheiro e rogativo

compõem modos discursivos reiteradamente presentes naqueles tratados políticos e que

certamente serviram de repertório compósito para Gil Vicente. Também o que Mendes

denomina «funções enunciativas de ocasião», como o elogio da família real, as artes de

morrer, a paródia de discursos, as artes de governar, os triunfos etc. balizaram, segundo

a crítica, a produção de mais de um auto vicentino. Ainda ligado aos Espelhos de

príncipe, outro «factor formativo», o «momento da representação» ou o contexto

propiciador desta, como as festas régias (entradas, nascimentos, partidas, casamentos

etc.), estimulavam a que homens sábios da corte, via de regra religiosos, se dispusessem

ou fossem impelidos a escrever manuais dedicados à educação do cortesão. Esses três

«factores formativos» estão, como se percebe, em perfeita conexão com os propósitos

dos Espelhos de príncipes, o que autoriza Mendes a indicá-los como «forças criadoras»

da produção de Vicente.

Uma das preocupações centrais desses tratados dedicados à formação do

príncipe, como se sabe, é orientar o governante a se cercar de pessoas moral e

eticamente confiáveis, evitando os lisonjeiros, bajuladores, interesseiros, que,

gravitando em torno do poder, podem, por meio de intrigas, nublar as ações do monarca

e afastá-lo daqueles que realmente estão interessados em contribuir com a tarefa

governativa. Conselhos para se evitar e aprender a desconfiar da lisonja fácil são

repetidamente reiterados por aqueles tratados  – desde a obra inaugural de Isócrates, o

 Discurso a Nícocles, passando pelos escritos carolíngios, até os tratados produzidos ao

longo dos séculos XII e XIV, período de ápice dessa literatura política.

As recomendações a respeito dos «privados» dos monarcas inseriam-se,

naqueles tratados, em particular nas partes dedicadas à constituição do Conselho real.

Cercar-se de bons e virtuosos conselheiros era, segundo os Espelhos de príncipe,

condição sine qua non para o êxito de um governante na direção do Estado. Os

2 Cf. Mendes, 1990b. Retomo e corroboro algumas das idéias de Mendes sobre os Espelhos de príncipescomo fonte da criação vicentina em Muniz, 2003a.

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conselheiros são apresentados como baluartes das boas ações passíveis de serem

empreendidas pelo governante, e de cujos conselhos este se serviria no propósito de

garantir a felicidade do reino. A conseqüência imediata disto é uma normativa sobre as

qualidades que deveriam possuir os conselheiros reais, como escolhê-los, de que grupo

social deveriam provir, em que tipo de ação poderiam colaborar ou ser solicitados a

aconselhar e, na outra extremidade do mesmo ensinamento, quais os homens a que não

correspondia o papel de conselheiro, que tipos de características, ou melhor, de vícios o

príncipe era aconselhado a evitar em relação àqueles que o ajudariam a governar.

Esta preceptiva sobre os conselheiros tornou-se verdadeiro topos na

tratadística política medieval. No século XIV, entretanto, algo novo surge no horizonte

desses escritos políticos, imediatamente após o período áureo do gênero na Idade

Média: a independência daquele topos relativo aos Espelhos de príncipe e a conseqüente

constituição de tratados dedicados exclusivamente aos conselheiros, desejosos de

cumprir papel didático semelhante, ou seja, servir de orientação aos príncipes na difícil

arte de governar (Cf. Muniz, 2005).

O primeiro desses tratados de que temos notícia no espaço da Península

Ibérica é a obra de Maestre Pedro, o  Libro del consejo e de los consejeros, produzido

provavelmente nas primeiras décadas do séc. XIV3. No Prólogo do tratado, o autor

expõe os quatro grandes temas de que irá tratar: «ca asi [os leitores] fallara[n] que cosa

es consejo, e quales han a seer los consejeros, e quantas son las cosas que embargan a

todo buen consejero, e de commo deve guardar a cada vno de sus pueblos sus derechos

e mantenerlos en paz e en justiça» (1962, p. 21). Cada um desses grandes temas se

desdobra em forma de capítulo nos quais se aborda uma variada gama de preceitos

relativos às qualidades e virtudes que devem ter aqueles que são responsáveis por

auxiliar o monarca na ação governativa. Por outro lado, e ainda no interior dos

desdobramentos dos quatro temas, são também indicados e analisados as características

e vícios que se devem evitar na conformação da pessoa do conselheiro, orientando

assim o príncipe na escolha correta daqueles que devem privar de sua companhia.

Em modo de síntese, o tratado de Maestre Pedro arrola, entre as atitudes do

bom conselheiro: não aconselhar sem ser solicitado a fazê-lo, somente aconselhar após

conhecer e refletir bem sobre o tema e depois de discutir o assunto com seus pares e,

3  Libro del consejo e de los consejeros (Maestre Pedro), edição de Agapito Rey, Zaragoza, Biblioteca del

Hispanista, 1962. Este trabalho apareceu primeiramente publicado em  Romance philology, 5 (1951-52),pp. 211-219; 8 (1954-55), pp. 33-39; 9 (1955-56), pp. 435-38; 11, (1957), pp. 160-162. Sigo a edição emlivro, de 1962, sem alterações ou acréscimos significativos em relação à revista, a não ser um glossário.

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ensinamento central, todo conselho deve buscar a honra daquele a quem se aconselha.

Dentre as qualidades que deve possuir o conselheiro estão o ser bom, sábio,

experimentado (entenda-se, ancião), firme, estável, amigo verdadeiro, deve evitar as

paixões, deve visar ao bem alheio em detrimento do proveito próprio etc. O outro lado

da moeda, ou seja, os vícios que não devem possuir aqueles que privam da confiança do

príncipe: ira, cobiça, arrebatamento do coração, falta de temperança, loucura, torpidez,

embriaguez, maldade, juventude, ser lisonjeador, não ter duas língua etc. Além disso,

conclui Maestre Pedro, a forma que tem o príncipe de assegurar-se da correção de suas

escolhas relativas aos que privam de sua companhia e o aconselham é implicar-se e

implicar o outro no ato de governar, cumprindo cada um seu correto papel: o

conselheiro, bem aconselhar; o príncipe, favorecer e honrar seus privados.

O tratado de Maestre Pedro, em realidade, faz uma perfeita síntese de toda a

preceptiva elaborada pelos Espelhos de príncipe, ao longo dos séculos, sobre essa figura

central do corpo governativo: o conselheiro. Ao mesmo tempo, o  Libro del consejo e de

los consejeros é fruto, histórico e contextualmente, da maior institucionalização do

Conselho Régio como um dos órgãos constituidores do aparato governamental. As

transformações sofridas pela sociedade medieval ao longo do séc. XII tornaram o ato de

governar algo mais complexo, exigindo a participação de maior número de membros

especializados como auxiliares do monarca. Paralelo à progressiva burocratização do

exercício governativo, encontramos uma crescente presença de «homens letrados» no

papel de conselheiro, condizente com a especialização que lhe era exigida, e uma

progressiva diminuição das figuras clericais (Carvalho Homem, 1990). Esta

burocratização e profissionalização, todavia, parece não ter evitado que as figuras do

conselheiro e do «privado» se diferenciassem significativamente. Nem todo aquele a

que denominamos «privado da corte» pode ou deve ser considerado conselheiro, mas

quase todo conselheiro privava da companhia do monarca. Sabe-se que a convivência

entre governante e privado era regida pela relação de favor, que, a depender do nível da

«privança» poderia ser determinante nos atos governativos.

Não se determinou ainda até que ponto a preceptiva sintetizada por Maestre

Pedro deitou raízes na Península Ibérica. O estudo da transmissão codicológica dos

quatro manuscritos quatrocentistas do  Libro del consejo e de los consejeros demonstra

que eles sempre estiveram associados a obras de conteúdo político-moral: os códices B 

e C  acompanham o  Livro de los cien capítulos, compêndio didático centrado naautoridade do rei; já os códices A e E , os Castigos e documentos de Sancho IV , também

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este um Espelho de príncipe4. Por outro lado, seus proprietários foram nobres ou

homens do alto clero, vinculados todos muito estreitamente à corte e aos monarcas

(Haro Cortes, 2005). Ou seja, ao largo do século XV o tratado de Maestre Pedro

manteve  – ao acompanhar-se de outras obras dedicadas à formação dos governantes  –  

seus propósitos originais de educar os homens da corte.

Embora não se possa objetivamente identificar a influência do tratado de

Maestre Pedro nos tratados políticos ibéricos dos séculos seguintes, sabemos que a

independência que o tema do conselho e dos conselheiros frutificou para além da  Libro

del consejo e de los consejeros. Testemunham isso obras como o  Leal conselheiro, de

D. Duarte, do séc. XV; El consejo y consejeros del príncipe, de Fradrique Furió Ceriol,

dedicado a Felipe II e publicado, primeiramente, em Anvers, em 1559; o Tratado del

consejo y de los consejeros de los príncipes , de Bartolomeu Filipe, publicado em

Coimbra, no ano de 1584; e, comprovando que o interesse pelo tema atravessou alguns

séculos, o Tractado del consejo y de los consejeros de los príncipes , de Lorenzo

Ramírez de Prado, embaixador de Felipe III, publicado em 1617 (Cf. Muniz, 2005).

3.

Voltando a Gil Vicente, objeto primeiro deste texto, penso não ser difícil admitirque o dramaturgo tenha se inspirado naqueles escritos políticos para a construção da

sátira constante que dedica à «aderência ao paço», aos «privados da corte» ou ao

movimento recorrente, maior nas primeiras décadas do século XVI, de boa parte da

sociedade portuguesa em direção à sede do reino, de modo a alcançar os privilégios

implicados na «privança real». Na impossibilidade de se comprovar o conhecimento por

parte do dramaturgo dessa literatura, creio ser possível observar que Vicente

compartilhava de preocupações semelhantes aos moralistas que redigiram aqueles

tratados, denunciando os males trazidos pela prática da «aderência» ou sugerindo

caminhos de evitá-la ou corrigi-la. Seu teatro, constantemente apontado como realista,

soube tomar do cotidiano que o circundava a matéria e o assunto da encenação satírica,

como se o mundo para que atentasse estivesse em sua essência corrompido 5.

4 São quatro os manuscritos conhecidos, todos datados do século XV: o  A, Biblioteca Nacional de

Madrid, n. 6559; o  B, Biblioteca Nacional de Madrid, n. 6608; o C , Biblioteca Nacional de Madrid, n.9216; e o E , Biblioteca de El Escorial, Z. III. 4. ( Libro del consejo..., 1962).5 A partir desse ponto, aproveito algumas considerações feitas em Muniz, 2001.

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No período da produção teatral vicentina, entre 1502 e 1536, governaram

Portugal dois reis, D. Manuel I, o Venturoso, e seu filho, D. João III. O primeiro, como

o próprio epíteto denuncia, teve a fortuna de receber de seu antecessor e cunhado, D.

João II, um reino preparado para viver seu grande auge. Sob o reinado manuelino,

Portugal abriu as portas do mar Índico ao mundo ocidental e desfrutou de toda a riqueza

e fausto que o comércio pela rota da Índia propiciou. Anos depois, foi o Brasil o outro

veio descoberto, apesar de tardiamente explorado. Isto possibilitou um reinado de luxo,

de pompa e de espírito imperial ao rei venturoso. O cronista de seu herdeiro, Francisco

de Andrada, retrata da seguinte forma essa época áurea do governo de D. Manuel I:

A mayor parte daquelles felices annos que durou o imperio do glorioso e bem

afortunado Rey dom Manoel lhe socederão sempre todas as cousas tãoprosperamente, que parece que a fortuna de proposito tinha tomado a seu cargoengrandecello, porque cos grandes proueitos e interesses que se tirarão demuytas e muyto gloriosas conquistas que os Portugueses fizerão nas partesOrientaes, e do trato e comercio dellas, em espaço de poucos annos veyo estereyno ser tanto mais rico e abastado do que o nunca fora, que os mesmoshomens quasi atonitos de tão supita mudança não souberão tratar as riquezasnem vsar dellas com a temperança deuida e necessaria, quiça parecendolhe quelhe não podia jamais vir a faltar o que huma vez tinhão alcançado (Andrada,1976, p. 19).

Como se vê, a Fortuna não deixou de sorrir para o rei venturoso. O teatro de Gil

Vicente, financiado pela corte e produzido para seu entretenimento, usufruiu de todo o

fausto deste reino em seu início. Com a morte de D. Manuel I, em 1521, subiu ao trono

seu filho, D. João III. Apesar de ter sido na década e meia seguinte, dentro portanto do

reinado deste monarca, o período em que Vicente mais produziu, quase sempre

financiado pelo rei, tudo leva a crer que o cetro recebido por D. João III já não

carregava a mesma magnificência que possuía quando governava seu pai. Vários são osindícios de que os últimos anos do governo de D. Manuel I foram difíceis: a grande seca

que atingiu toda a Península no ano de 1521; a fome, fruto dos estragos provocados pela

seca; a peste, que grassava com frequência por todo território peninsular; os problemas

na administração das possessões ultramarinas e do próprio reino; tudo isto começava a

minar o áureo período manuelino. Todavia, a despeito dos motivos naturais e

administrativos, parece ter sido o deslumbramento com a riqueza e a corrupção dos

costumes provocada pela facilidade e abundância daquela que deram início à decadência

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do império português. É o que se pode inferir do trecho abaixo, da mesma crônica de

Francisco de Andrada:

Esta prosperidade, e boa forma veyo em fim a dar mostra d’alguma mudança e

declinação porque esta grande riqueza e abundancia, que se deuera de pouparpara as necessidades da honra se veyo a empregar toda em delicias e apetites, osquaes como costumão ser insaciaueis forão causa de grandissimassuperfluidades e demasias, nos trajos, tomados quasi de improviso de gentesestrangeiras, nos adereços das casas, no fausto e pompa de serviço, em cheiros eperfumes deliciosos, em inuenções de manjares differentissimos assaz custososha fazenda, e danosos ha vida, e em outras muytas cousas desta calidade, queforão bastantes não sómente para darem grandissima quebra naquella grandeabundancia a que os homens tinhão chegado, mas para  preuerterem e quasi

corromperem de todo aquelle rigor e austeridade dos custumes antigos, que era

a coluna e sustentação da verdadeyra honra (Andrada, 1976, p. 20. Grifosmeus.).

Testemunhos históricos como este de Francisco de Andrada confirmam o que

venho apontando. Porém, o próprio Gil Vicente, no  Romance de Aclamação de D. João

 III , permiti-nos inferir semelhante conclusão referente ao estado do reino português na

transição do reinado de D. Manuel I para o de D. João III.

Neste romance de aclamação de D. João III ao trono português, depois de

descrever toda a cena do levantamento do rei e de fazer o elogio do novo monarca,

Vicente cria uma série de pequenas estrofes nas quais transcreve falas, por ele

imaginadas, que cada um dos grandes senhores de Portugal teria dito ao novo rei no

momento de render-lhe homenagem. Em alguns trechos das falas dos nobres é possível

inferir como o dramaturgo via os últimos anos do governo de D. Manuel I e o que

esperava do reino de D. João III, já que eram palavras «fantasiosas», criadas pelo

poeta6.

Segundo o Romance vicentino, o Marquês de Vila Real teria dito ao novo rei:«[...] governai polo antigo/ qu’este pasto está em pe rigo/ as ovelhas sospirando/ sem

abrigo» (p. 473, v. 2). Observa-se na fala do Marquês o recurso ao topos do rei como

6 Diz Vicente: «Eu estava cá no chão/ com’outro desmazelado/ do teatro tam alongado/ que via beijar amão/  mas nam ouvia o falado/ e ocupei o cuidado/ no que cada um deria/ assi de minha fantesia/ segundo vi o passado/ e a mudança que via». Todas as citações de textos de Gil Vicente serão feitas pelaedição de suas obras que preparou o professor José Camões (Vicente, 2002), seguidas das indicações depágina e volume. Os itálicos serão sempre meus. Para comparação, ainda segundo Francisco de Andrada,as palavras que cada um dos nobres disseram a D. João III não ultrapassaram a «eu assy o juro», queconfirmava uma fala mais longa do Infante D. Luís que dizia: «Eu o ifante dom Luis juro a estes santos

Euangelhos, e a esta cruz em que ponho a maõ, que eu recebo por senhor, e Rey verdadeiro, e natural, omuyto alto, muyto excellente, e muyto poderoso princepe el Rey dom João nosso senhor, e lhe faço preitoe menagem, segundo foro, e custume destes seus reynos» (Andrada, 1976, p. 17).

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pastor de rebanho, de clara reminiscência cristã. O conselho que dá ao rei é para que

este se guie pelos costumes antigos pois o pasto, metáfora do reino, está em perigo, e as

ovelhas, os súditos, estão desamparadas, sem abrigo. A fala do Conde de Marialva

parece apontar para o mesmo desassossego que aflige a todos: «[...] Mandai chamar

vosso gado/ e preguntai-lhe que há/ e de pouco pera cá/ o por que anda arrepiado/ vos

dirá» (p. 473, v. 2). Se na fala do Marquês de Vila Real o «polo antigo» indica um

tempo vago, difícil de se determinar cronologicamente em relação ao momento do

levantamento do rei, o Conde de Marialva é mais pontual. O «de há pouco pera cá»

delimita um passado recente em que algo tem acontecido («preguntai-lhe o que há») e vem

«arrepiando», inquietando, o gado, metáfora do povo.

Constatada a inquietação geral, os conselhos parecem tender cada vez mais para

uma questão específica: o governo do reino. A fala do Conde de Penela ressalta a

necessidade de um governo dirigido aos menos favorecidos e moderado para com os

poderosos: «[...] Sede isento e liberal/ provedor dos lavradores/ e pai dos povos

menores/ c’os grandes muito real/ e moderados favores» (p. 473, v. 2). Já o Conde de

Vila Nova aconselha cuidados com as intrigas da corte para que nenhum lado de uma

pendência seja privilegiado por engano: «[...] Pera bem aconselhado/ nam ouçais

mexeriqueiros/ nem os que forem primeiros/ nam vos façam ser irado/ sem ouvir os

derradeiros» (p. 475, v. 2). É necessário, segundo o Conde, ouvir todos os lados da

discórdia, e se proteger da maledicência.

A fala do Bispo de Funchal, Diogo de Pinheiro, é mais certeira na questão de

que trato aqui. Seu conselho é para que se evitem as «aderências», que favorecem o

ladrão: «[...] o conselho que eu daria/ que perdessem a valia/ as aderências pois são/ as

que dão vida ao ladrão/ cada dia» (p. 476, v. 2). Por fim, os Vereadores da cidade de

Lisboa aconselham algo semelhante, saber reconhecer o verdadeiro servidor e expurgar

o bajulador: «[...] nam estimeis o dinheiro/ e a todo bom cavaleiro/ sede muito liberal/ e

esquivo ao lisonjeiro» (p. 477, v. 2).

Como se percebe pelos conselhos «fantesiados» pelo dramaturgo, a situação de

Portugal nos últimos anos do governo de D. Manuel I parece não ter sido das melhores,

particularmente no que diz respeito ao exercício do poder em relação aos mais

desfavorecidos socialmente. Percebe-se por algumas das falas que o perigo da corrupção

do poder através da prática do favoritismo indiscriminado já rondava o governo do rei

venturoso. Daí, talvez, a ênfase dada às questões da administração, do exercício da justiça e da distribuição dos favores régios, nos conselhos ao novo rei.

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MUNIZ, M. R. C. . Todos d el rei todos d el rei: s átira e política no teatro de Gil Vicente. In: Calderón, Manuel; Camões, Jo sé; Sousa, José Pedro. (Org.). Por s' entender bem

a letra: Homenagem a Stephen Reckert. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda - I NCM, 2011, v . , p. 463-480. 

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Poder-se-ia objetar a esta leitura ideologicamente dirigida que muitas destas

falas dizem respeito à tópica do elogio e da saudação de um novo rei, e que a

identificação de males passados, na realidade, apenas projetaria retoricamente o desejo

de um futuro glorioso. No entanto, levando-se em conta que os «males passados», se

apenas retóricos, diriam respeito ao pai do novo rei, recentemente falecido e de quem se

deveria preservar a memória, não me parece impróprio ler, nesses conselhos, dados de

realismo histórico. Levando-se em conta ainda que financiado e incentivado pelo

governo de D. Manuel I nasceu e se desenvolveu o teatro de Vicente, difícil acreditar

que aquelas pequenas denúncias sejam apenas retórica de elogio ao novo rei e não

reflitam dados circunstanciais e históricos.

Todavia, se o  Romance de Aclamação de D. João III  reflete momentos iniciais

do novo reino e se pouco se pode falar sobre o futuro, os dois autos que melhor

exemplificam a sátira vicentina contra a «aderência ao Paço»  —  a Farsa dos

 Almocreves e  Romagem d’Agravados  —  inserem-se plenamente dentro do governo de

D. João III, já que datam de 1527 e 1533, respectivamente, e parecem denunciar uma

prática que cada vez mais tomara corpo e que se tornara uma grande mazela do reino 7.

O desejo de participar da vida da corte, de desfrutar dos privilégios que esta oferecia e

de angariar os frutos que só a aderência parasitária possibilitava, parece ter sido um

grande mau à época. Mas, vejamos os autos.

4.

Retomando um tema já esboçado por Vicente há aproximadamente 20 anos, em

Quem tem farelos? (1508? – 1515?)8,  Almocreves retrata um Fidalgo empobrecido que,

não querendo assumir sua condição de penúria, continua a manter uma série de hábitos

próprios da nobreza, como ter um capelão, um ourives e um pajem, sem, no entanto,

poder custeá-los. Não tendo condição financeira para pagar suas dívidas, o Fidalgo

engana seus credores com falsas promessas de inseri-los como servidores do Paço real,

de que se diz ser íntimo. Eis o diálogo do Fidalgo com seu Capelão que reclama suas

pagas:

7 Devemos lembrar que, segundo alguns críticos da obra de Vicente,  Romagem d’Agravados e a Farsados Almocreves podem ser novos títulos para dois autos, provavelmente vicentinos, proibidos no  Rol doslivros defesos de 1551: Aderência ao Paço e Vida do Paço. Os títulos desses prováveis autos já são por si

só muitos reveladores de seus significados. Cf. Freire, 1944, p. 301 e 381; e Mateus, 1993.8 Sigo aqui o professor José Camões, que indica as duas datas como prováveis ou limites da representaçãoda farsa (Camões, 1988).

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Capelão: E vós fazeis foliadase nam pagais o gaiteiroisso são balcarriadas.Se vossas mercês nam hãocordel pera tantos nós

vivei vós aquém de vóse nam compreis gaviãopois que nam tendes pios.

Vós trazeis seis moços de pée acrescentai-los a capacoma rei e por mercênam tendo as terras do papanem os tratos de Guinéantes vossa renda encurtacoma pano d’Alcobaça.Fidalgo: Todo o fidalgo da raçaem que a renda seja curtaé por força que isso faça.

Padre mui bem vos entendofoi sempre a vontade minhadar-vos a el rei ou à rainha.Capelão: Isso me vai parecendobom trigo se der farinhasenhor se m’isso fizer  grande mercê me fará (p. 331, v. 2).

A fala do Capelão é dura e incisiva na denúncia da soberba do Fidalgo em querer

manter um status que não possui («viveis vós aquém de vós/ e nam compreis gavião/ 

pois quem nam tendes piós»). Mas, repare-se, basta o Fidalgo apontar com a

possibilidade de torná-lo privado do rei, que a fala do Capelão se adoça e revela-se

também corrompida («Isso me vai parecendo/ bom trigo se der farinha/ senhor se m’isso

fizer/grande mercê me fará»).

Em outra cena da farsa, um ourives requer o pagamento de seus serviços:

Vem um Pajem do Fidalgo e diz:

Senhor o Ourives sé ali.Fidalgo: Entre. Quererá dinheiro.Venhais embora cavaleirocobri a cabeça cobritendes grande amigo em mie mais vosso pregoeiro.Gabei-vos ontem a el reiquanto se pode gabare sei que vos há d’acupar  

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e eu vos ajudareicada vez que m’i achar .

Porque às vezes estas ajudassão milhores que cristéis

porque só a fama que haveise outras cousas meúdaso que valem já o sabeis.Ourives: Senhor eu o servireie nam quero outro senhor.Fidalgo: Sabeis que tendes milhor?Eu o dixe logo a el reie faz em vosso louvor

Nam vos dá mais que vos paguemque vos deixem de pagar

nunca vi tal esperarnunca vi tal avantagemnem tal modo d’agradar.  Ourives: Nossa conta é tam pequenae há tanto que é devidaque morre de prometidae peço-a já com tanta penaque depeno a minha vida (pp. 332-333, v. 2).

Pressupondo o teor da visita do ourives, o Fidalgo nem mesmo espera que a

cobrança aconteça. Inicia de imediato um jogo da sedução que segue caminho similar aotrilhado com o Capelão. O Fidalgo, primeiramente, sugere uma relação de intimidade

com o ourives («cobri a cabeça cobri/ tendes grande amigo em mi/ e mais vosso

pregoeiro»), estende esta «privança» até os domínios reais («Gabei-vos ontem a el rei/ 

quanto se pode gabar») e oferece seus préstimos de intermediador junto a figura real

garantido o sucesso dessa relação («e sei que vos há d’acupar/ e eu vos ajudarei/ cada

vez que m’i achar »). Em seguida lembra a importância fundamental dessas correntes de

favores que amarram uns homens aos outros e garantem o sucesso fácil de uns e adesgraça de outros («Porque às vezes estas ajudas/ são milhores que cristéis/ porque só

a fama que haveis/ e outras coisas meúdas/ o que valem já o sabeis»). A fala sibilina do

Fidalgo é tão eficiente que ainda que a dívida seja pequena, mas cause pena 9, a

corrupção afidalgada convence de imediato o ourives («Senhor eu o servirei/ e nam

quero outro senhor»).

9 Não podemos deixar de chamar atenção para esses trocadilhos e jogos de palavras, tão comum em

Vicente para estabelecimento do cômico. O recorrer aos jogos de palavras para produzir o cômico foiamplamente estudado por Henri Bergson, quando tratou em sua obra O riso da «comicidade de palavras»(BERGSON, 1987, p. 57 e ss.).

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Os dois diálogos acima, que podem ser considerados metonímicos de toda a

farsa, comprovam a «consciência crítica» (Bernardes, 1996, p. 163), o olhar agudo e

denunciador de Vicente sobre uma prática corrente em seu tempo e que cabia, segundo

a moral defendida pelo poeta, combater. Como afirma António José Saraiva: «[...]

Vicente mostra-nos como os privilégios, os alvarás, os empregos se obtinham na Corte

não por mérito mas por favoritismo, ou para empregar a palavra da época, por

‘aderência’» (SARAIVA, 1955, p. 273).

5.

Seis anos mais tarde, em 1533, Gil Vicente faz encenar outra peça,  Romagem

d’Agravados, cujo conteúdo farsesco satiriza os costumes da gente que habita ou que

deseja habitar os paços reais. A arquitetura processional, já anunciada no próprio título,

proporciona um desfile de personagens tipos que apresentam seus agravos a um mestre

de cerimônia, o Frei Paço. Atente-se, antes de escutá-lo, que seu nome denuncia desde

pronto a configuração satírica que Vicente lhe impõe. Ele é, ao mesmo tempo,

representante do mundo eclesiástico, espiritual, religioso, e, também, digno embaixador

do mundo temporal, material, profano. Esta configuração paradoxal não só é assumida

pela personagem, como ele parece querer nos convencer de que o espanto frente sua

aparência pouco comum é improcedente. Vejamos o que diz:

 Entre logo frei Paço com seu hábito e capelo e gorra de veludo e luvas e espada dourada,

 fazendo meneos de muito doce cortesão, e diz:

Quem me vir entrar assicom estes jeitos que façocuidará que endoudeciaté que saiba de mique sam o padre frei Paço.Deo gracias nam me pertencenem pera sempre nem nadasenam espada douradaporque muito bem pareceao paço trazer espada.

Eu sam fino da pessoae por se nam duvidarfiz ữa cousa mui boaleixei crecer a coroa

sem nunca a mandar rapar.E portanto vos não digo

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Deo gracias s’atentais nisto  nem louvado Jesu Cristoinda que trago comigohábito qu’é muito disso.

E sam tam paço em mique me posso bem gabarque envejar mexericarsão meus salmos de Davique costumo de rezar.Falo mui doce cortêsgrã soma de comprimentosobras nam nas esperêssenam que vos contentêscom palavrinhas de ventos (pp. 119-120, v. 2).

A rubrica que revela a aparência exterior de Frei Paço traz à nossa memória, de

imediato, outro religioso da mesma forma satirizado por Vicente: o «padre mundanal»,

do Auto da Barca do Inferno. O hábito, o capelo, a gorra de veludo, as luvas e a espada

são índices claros da configuração satírica, desconstruídora da personagem. Do mesmo

feito, a descrição física que faz de si nas duas primeiras estrofes diz bem do olhar

satírico de Vicente sobre sua figura. Aquilo que ele apresenta como valor («porque

muito bem parece/ ao paço trazer espada.” // «fiz ữa coisa mui boa/ deixei crecer a

coroa») é na realidade o ponto sobre o qual incide a crítica denunciadora do dramaturgo, já que esta configuração apresenta-o como um padre mundano, um religioso seduzido

pelos valores dos homens, pelo orgulho, soberba, mentira etc.

É na terceira estrofe, todavia, que observamos a denuncia mais contundente à

realidade social portuguesa da terceira década do XVI. A inveja e o mexerico

apresentam-se como engrenagens das relações sociais da corte de D. João III. Na

metáfora religiosa do Frei, «envejar» e «mexericar» são o «salmo de David» da

sociedade cortesã. O trabalho e a produção parecem estar alijados do espaço em quetransita a personagem. A denúncia é certeira: a corte orienta-se pela mentira, pelo

engano, pela falsidade, ou, nos termos de Frei Paço, por «palavrinhas de ventos».

Outra questão, além da corrupção social da corte portuguesa, aflige nosso

dramaturgo e a denúncia não tarda a vir. Esta política de favorecimento da parasitagem

apontada fazia da corte objeto de desejo não só do nobre ou do clero corrompido, mas

também do vilão, do homem simples, do camponês, que viam na possibilidade de privar

da corte, ou de um nobre «privado» desta, uma chance de fugir a um destino de miséria

e de desfavorecimento imposta pela organização estamentária da sociedade. Se

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somarmos a isto as constantes crises na produção agrícola, os períodos de fome por que

passa Portugal dessa época e os constantes ressurgimentos da Peste entenderemos que

viver na Corte, privar de algum fidalgo ou eclesiástico, ou até mesmo tornar-se um

moço de câmara real, passa a ser ambição também dos homens simples. Tal situação

desequilibra, como é natural, uma divisão política das classes sociais há muito

instituída, e que assegura a ordem.

Retornando à Farsa dos Almocreves, o perigo de desequilíbrio propiciado por

aquela mobilidade social é apontado por Gil Vicente num diálogo entre o Fidalgo e seu

Pajem. Frente a promessa do Fidalgo de torná-lo «moço da câmara» real, o Pajem

responde, num tom de zombaria, o despropósito de tal promessa, desconstruindo

nitidamente a farsa que seu patrão busca viver com seus outros servidores. O tom

zombeteiro parece apontar não só para consciência que tem o Pajem da situação de

engodo que vive seu senhor, mas também para um saber prático de que tal mobilidade

entre grupos sociais é incomum e difícil, além de não ser producente, pois ao inchaço da

corte corresponde o esvaziamento do campo e, não se pode esquecer, estamos tratando

de uma sociedade essencialmente rural. Ouçamo-los:

Fidalgo: Pois faze-o tu assiporque hás de ser del reimoço da câmara ainda.Pajem: Boa foi logo cá vindaassi que até os pastoreshão de ser del rei samicapor isso esta terra é ricade pão: porque os lavradoresfazem os filhos paçãos.

Cedo nam há d’haver vilãos 

todos del rei todos del rei (p. 336, v. 2).

Como se vê, o comentário da pajem denuncia o desequilíbrio que a política de

«privanças» produzia, pois, há se continuar assim, não haverá mais pastores, nem

padeiros, nem lavradores, pois todos serão «del rei todos del rei».

6.

Muito ainda se poderia demonstrar dentro dos autos de Vicente sobre a sátira à

«aderência ao Paço», à «privança», mas, no limite deste texto, penso que os poucos

exemplos arrolados testemunham a denúncia contundente do dramaturgo da corrupção

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dos costumes da corte portuguesa de sua época. Extremamente atento aos hábitos

daqueles a quem serve e diverte, Vicente não se furta a denunciar a corrupção social e

de dar a sua arte aquele «teor militante» que José Augusto Cardoso Bernardes identifica

como marca do discurso satírico (Bernardes, 1996). Seu teatro está a serviço da

ideologia real e é neste sentido pedagógico no resguardar os ideais defendidos pela

corte. Todavia, não se omite de apontar as falhas dentro do sistema a que serve.

Assim, o topos da «privança», constantemente reiterado em sua obra, como

vimos, traduz a crítica da corrupção que parece vir de uma política de favorecimento

real que não consegue distinguir daqueles que produzem, aqueles que apenas sugam,

consomem e usufruem do status de «privados». No jogo político de influências e

favoritismo, Vicente acusa a ampla vantagem para aqueles que mentem, dissimulam,

enganam, roubam e bajulam. Penso, assim, não ser impertinente sustentar que aqueles

escritos políticos dedicados aos conselheiros reais possam estar no horizonte de

influências da criação de Vicente referente ao tema da «aderência ao Paço».

Para concluir, é exatamente esta situação de decadência dos costumes que

explica, no  Auto da Festa, provavelmente depois de 1526 (Camões, 1992) — portanto,

contemporâneos aos dois autos que venho comentando  — , a presença da personagem

alegórica da Verdade, reclamando do pouco valor que lhe dá a gente portuguesa,

denunciando que os homens preferem o elogio falso, o ganho desonesto, o lucro fácil,

em detrimento de uma vida guiada por um ideal de ética e moral cristã. Frente a tal

reclamação, um Vilão, com quem a Verdade dialoga, é contundente em sua denúncia:

Os homens hão de seguira openião geral,porque já em Portugalquem não costuma mentirnão alcança um só real.

Que os homens verdadeirosnão são tidos nữa palhaos que são mexeriqueirosmentirosos lisonjeirosesses vencem a batalha.

I não há já merecernem servir com diligênciaquem quiser ter que comertrabalhe por aderênciahaverá quanto quiser (p. 679, v. 2).

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