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A contribuição da psicologia à prevenção dos acidentes de trabalho * 1 . Considerações gerais EURÍDICE FREITAS ** I . Considerações gerais; 2. O aci- dente como fenômeno psicossocial; 3. A contribuição da psicologia; 4. A contribuição da pesquisa psicoló- gica; 5. Conclusão. O propósito central desta comunicação é estabelecer um marco para o estudo da prevenção de acidentes de trabalho numa perspectiva psicoló- gica, ressaltando a importância de pesquisas que permitam identificar os fatores humanos subjacentes. A alta freqüência de acidentes, apesar de novas técnicas e novos pro· cedimentos administrativos e organizacionais, é um visível sintoma de que os fatores psicológicos também estão a merecer um tratamento científico que conduza a análises diagnósticas, a fim de atenuar a incidência de tais fatos. Todo problema, cujo centro de gravitação é o homem, não pode ser estudado isoladamente, desvinculado dos motivos intrínsecos e extrín- secos que lhe deram causa, tanto é assim que T. Tomaszewski sugere que .. Trabalho apresentado no XII Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes de Tra· balho, realizado em Guarapari, Espírito Santo, no período de 1.0 a 6 de outubro de 1973. ... Psicóloga do ISOP. Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 26 (1) : 25·31, jan.jmar. 1974

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Psicologia do Trabalho

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  • A contribuio da psicologia preveno dos acidentes

    de trabalho *

    1 . Consideraes gerais

    EURDICE FREITAS **

    I . Consideraes gerais; 2. O aci-dente como fenmeno psicossocial; 3. A contribuio da psicologia; 4. A contribuio da pesquisa psicol-gica; 5. Concluso.

    O propsito central desta comunicao estabelecer um marco para o estudo da preveno de acidentes de trabalho numa perspectiva psicol-gica, ressaltando a importncia de pesquisas que permitam identificar os fatores humanos subjacentes.

    A alta freqncia de acidentes, apesar de novas tcnicas e novos pro cedimentos administrativos e organizacionais, um visvel sintoma de que os fatores psicolgicos tambm esto a merecer um tratamento cientfico que conduza a anlises diagnsticas, a fim de atenuar a incidncia de tais fatos.

    Todo problema, cujo centro de gravitao o homem, no pode ser estudado isoladamente, desvinculado dos motivos intrnsecos e extrn-secos que lhe deram causa, tanto assim que T. Tomaszewski sugere que

    .. Trabalho apresentado no XII Congresso Nacional de Preveno de Acidentes de Tra balho, realizado em Guarapari, Esprito Santo, no perodo de 1.0 a 6 de outubro de 1973. ... Psicloga do ISOP.

    Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 26 (1) : 2531, jan.jmar. 1974

  • "dever-se-ia, antes, considerar uma situao de acidentes, numa estrutura organizacional e, nela, analisar os sistemas de relaes, para detetar os elementos fsicos, fisiolgicos e psicolgicos" (1).

    O acidente de trabalho deve, pois, ser examinado como um sistema de fatores complexos e interdependentes, num contexto organizacional to abrangente quanto possvel, dado que no ele seno um entre muitos signos de um estado geral de insegurana. O absentesmo, a mobilidade de pessoal, a desintegrao do grupo, as dificuldades relativas informao e comunicao configuram-se como outros tantos indcios de um estado de insegurana real do sistema. No obstante, o acidente est mais no foco das atenes e destaca-se como principal fator dessa insegurana, por suas visveis conseqncias fsicas, psquicas, sociais e econmicas.

    A formulao de programas de ao preventiva contra o acidente deve, portanto, fundamentar-se numa perspectiva global da situao de traba-lho, em termos dos trs sistemas (homem-mquina, homem-ambiente e homem-homem) e, sobretudo, na realizao de pesquisas, de cujas conclu-ses se possam estabelecer princpios e normas para a adoo de medidas prticas.

    2. O acidente como fenmeno psicossocial

    J no se equaciona o problema do acidente de trabalho em termos sim-plistas, com uma viso unilateral, pois at a observao assistemtica, alheia a consideraes cientficas, comprova a complexidade de suas cau-sas, manifestas e objetivveis umas, e outras de mais difcil particulari-zao, porque subjetivas e inconscientes.

    luz da cincia e com os recursos da tcnica dirige-se a ateno tanto para as condies fsicas do trabalho como para a pessoa que emprega nele todo o seu esforo e capacidade, crescendo de importncia o fator humano, dado que, obviamente, o homem o elemento bsico de todo sistema organizacional.

    No amplo quadro dos elementos peculiares ao ambiente tcnico e fsico do trabalho - natureza das instalaes dos equipamentos, condies de temperatura, ventilao, luz e som etc. - inscrevem-se fatores psicolgi-cos, que em si mesmos encobrem uma realidade complexa, com aspectos individuais e com elementos do contexto humano no qual se inclui a atividade profissional.

    O acidente pode sobrevir no s pelas condies tcnicas imprprias ou inadequadas, como tambm, por fatores especificamente pessoais e por elementos que delimitam o contexto humano da situao de trabalho. Mesmo que a causa imediata e real de um acidente possa ser levada conta de um instrumento inadequado ou defeituoso, subjacente a essa causa existem fatores subjetivos de quem maneja esse instrumento - sua habilidade, sua atitude, percepo e motivao, ou at negligncia ou des-conhecimento das condies do mesmo. Alm disso, o acidente instala-se

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  • numa estrutura e organizao, na qual a situao de trabalho, constituda de mltiplos e complexos fatores, caracterizada por um certo clima com aspectos psicossociais relevantes.

    Ressalta, destarte, a noo de que o acidente de trabalho um fe-nmeno psicossocial e "no pode ser explicado apenas a partir de processos sensrio-motores ou associativos (automatismos, condicionamentos ou mo-tivao) e de modelos cibernticos, mas igualmente, a partir de processos sociodinmicos e de modelos psicossociais" (2).

    Seu estudo requer, portanto, a contribuio em nveis diversos dos conhecimentos da psicologia: aplicada, experimental ou social. Entretanto, a preveno de acidentes insere-se propriamente no campo da ergonomia, j que a ao dessa cincia verifica-se ao nvel de todos os problemas as-sociados com o homem, como uma entidade em torno da qual gira o di-namismo do trabalho.

    A ergonomia, na tessitura de relaes inter e intradependentes de vrios ramos do conhecimento, indiretamente trata da preveno de aci-dentes, quando, qualquer que seja a esfera do trabalho, exercita sua ao em vrios nveis: no dos elementos materiais ou humanos, no dos pro-cessos sociais ou no dos fatores do sistema; quando estuda as bases psico-fisiolgicas da aprendizagem, seus princpios, fatores e mecanismos; quan-do analisa as informaes utilizadas no trabalho: sinais e ndices, sm-bolos e signos, codificao das informaes elementares ou complexas; quando trata de estabelecer uma linguagem comum, simultaneamente com-preensvel para o homem e para a mquina, estabelecendo leis gerais de funcionamento dos grandes sistemas e analisando de maneira nova, luz de conceitos cibernticos e matemticos, os diversos processos de adaptao do homem: memria, inteligncia, percepo, motivao, fadiga, monoto-nia, nvel de vigilncia, conduta decisria e outros construtos psicofisiol-gicos; quando, situando o trabalho num sistema social, que caracteriza determinada estrutura, analisa os processos de interao, de comunicao ou de fragmentao dessa mesma estrutura, assim como as dificuldades com que o homem confronta em seu trabalho, nas relaes mais diretas com supervisores e com os companheiros e, gradativamente, com todos os elementos situados no plano hierrquico superior.

    Como se depreende do exposto, esse vasto campo de atuao pe em evidncia o carter multidisciplinar da ergonomia e requer um trabalho de equipe em que, segundo o caso, o mdico, o engenheiro ou o psiclogo venha a ter um papel preponderante, nunca, porm, dissociado, contri-buindo cada um com a parcela de seu conhecimento do homem, do meio e das tcnicas.

    3. A contribuio da psicologia

    Participando diretamente dos estudos na rea ergonmica, a contribuio da psicologia preveno de acidentes de trabalho apresenta-se mais

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  • especificamente ao nvel dos fatores humanos, considerados individual-mente ou em grupos, com a possibilidade de fornecer elementos de so-luo.

    As bases psicolgicas da preveno de acidentes firmam-se em dois plos igualmente importantes: a) no estudo dos aspectos subjetivos do acidente com a explicitao dos riscos potenciais, isto , dos erros, faltas ou omisses que podem gerar um estado caracteristicamente perigoso; b) na anlise de fatores objetivos, com o emprego de tcnicas complementa-res, indicadoras de melhores procedimentos de orientao para o traba-lho; com o uso ele mtodos ele motivao, de formao de atitudes e de maior coeso e moral elo grupo; com o emprego de tcnicas de anlise do trabalho e de mtodos sugeridos pelas teorias da informao e da co-municao, apontando os caminhos para a reduo dos erros e de outros determinantes que intervm na etiologia dos acidentes e que afetam a eficincia profissional.

    A psicologia aplicada participa na preveno de acidentes, quando contribui para um ajustamento mais satisfatrio do homem sua tarefa, por meio de procedimentos de informao, de seleo e de orientao profissionais; quando, pela anlise elas funes e cargos, pode discriminar as exigncias psicofisiolgicas de uma boa aelaptao do ponto de vista da segurana do trabalho; quanelo, pela investigao, chega a um diagns-tico analtico de traos pessoais os quais, sensibilizando e predispondo o indivduo, podem aumentar a probabilidade de acidentes.

    Fundamentando essa contribuio, sobressaem os mtodos ela psico-logia experimental para a avaliao da fadiga, dos efeitos nocivos de uma sobrecarga mental e do rudo, da instabilidade tensional e emocional, da falta de coordenao entre percepo e reao motriz, de perturbaes perceptivas, afetivas, cognitivas e co nativas, enfim, de mltiplos traos psiccfisiolgicos que influenciam e determinam o desempenho do homem.

    Complementando os estudos dessas disciplinas, destaca-se a contribui-o no menos relevante da psicologia social, principalmente quanto investigao da influncia dos processos psicossociais na etiologia do aci-dente, e quanto s tcnicas que desenvolve - psicodrama, sociodrama, laboratrio de sensibilidade - visando ao ajustamento do homem nas relaes de trabalho.

    4. A contribuio da pesquisa psicolgica

    A pesquisa constitui, sem dvida, instrumento indispensvel ao diagns-tico e previso dos problemas significativos do trabalho, visando a sua otimizao em termos dos sistemas que o circunscrevem. Desempenha, outrossim, papel importante na descoberta de novos princpios e tcnicas e na elaborao ele modelos vinculados teoria geral dos sistemas. Diver-sos mtodos de pesquisa, por exemplo, mostram a possibilidade de ob-terem-se mensuraes subjetivas do tempo, do rudo ou da fadiga, o que abre perspectivas interessantes ao estudo destes construtos sob o ngulo de seus aspectos psicolgicos.

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  • Outros mtodos de anlise dos indicadores - perturbaes ou mu-danas - que tenham precedido o acidente, tornam possvel descobrir o liame entre este e aqueles na situao do trabalho, favorecendo uma interpretao mais racional do fato. Pelo emprego de diferentes tcnicas, esses mtodos inspirados na ergonomia dos sistemas procuram investigar desde os incidentes crticos ou significativos num encadeamento de fatos e circunstncias, at os erros e os defeitos ou inadequao do material, que refletem quase sempre um estado de insegurana do sistema. Essa anlise num quadro conceitual que abrange um conjunto de unidades funcionais e "as estruturas das relaes de trabalho" (3) pode levar melhor identificao do problema permitindo, assim, orientao mais se-gura quanto tomada de decise~ no campo da ao preventiva.

    Pela aplicao dos resultados de pesquisas similares no domnio da psicologia, o estudo da segurana do trabalho adquire novas dimenses, na medida em que favorece melhor compreenso dos comportamentos im-plcitos na etiologia dos acidentes, prope sugestes e oferece elementos de previso e de deciso na base de critrios mais precisos.

    Partindo do suposto bsico de que h uma necessria interdependn-cia das funes intrnsecas (psicolgicas) e extrnsecas (socioeconmicas) de qualquer interao humana, com a finalidade de elaborar critrios pa-ra a preveno de acidentes, na pesquisa psicolgica pretende-se, por exemplo:

    a) verificar o grau de probabilidade de certos fatores predisponentes aos estados ditos perigosos; b) verificar o grau de estimativa do risco imputado ao mtodo, segundo a conscincia ou o desconhecimento deste risco; c) verificar a influncia dos fatores perceptivos na atitude em fase das tarefas; d) inferir as relaes entre os comportamentos manifestos que se expres-sam por atitudes negligentes, imprudentes ou temerrias, e os erros, as omisses, os "quase-acidentes" - na definio de Mac Farland (4) - os quais podem transformar-se em acidentes em determinadas circunstncias; e) examinar as aptides intelectuais e psicomotrizes com fins de esta-belecerem-se medidas de preveno de acidentes; f) pesquisar em que medida as perturbaes geradoras de acidentes pas-sam de uma outra atividade, considerando-se numa unidade de pro-duo as relaes de dependncia sucessivas, de interdependncia ou de independncia entre as tarefas; g) pr em relao certas variveis psicossociais e certos critrios de aci-dente "analisando-se sistematicamente o sistema social onde eles se mani-festam, qualificando os dados de observao e manipulando experimen-talmente essas variveis" (5).

    Estes poucos exemplos permitem entremostrar as vanas modalidades que a pesquisa psicolgica pode assumir, tendo em vista a segurana do

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  • trabalho, cujas aplicaes prticas devem ser estimuladas para que se possa acompanhar o ritmo dos novos mtodos e princpios ergonmicos em relao aos fatores humanos, que emergem dos avanos da tecnologia, especialmente no contexto da automao industrial.

    Compreendendo o alcance da pesquisa pela exigncia da prpria er gonomia e consciente do papel que a psicologia pode desempenhar no que concerne ao problema que nos congrega neste momento, o Instituto de Seleo e Orientao Profissional, da Fundao Getulio Vargas, rgo normativo de psicologia aplicada, inseriu em seu programa de atividades a organizao de um laboratrio para estudos ergonmicos, seja plane-jando experimentos originais seja repetindo os j feitos.

    Com a criao desse laboratrio, deseja-se incentivar a aplicao dos princpios, normas e mtodos da ergonomia em nosso pas. Atualmente, atravs de seu Centro de Ps-Graduao de Psicologia Aplicada (CPGPA), o ISOP est formando as primeiras turmas de especialistas, contando j com um certo nmero de alunos que, optando por esse rea, preparam-se para estar altura das exigncias de mais um trabalho pioneiro da ins-tituio.

    5. Concluso

    Com estas reflexes propostas ao XII Congresso Nacional de Preveno de Acidentes de Trabalho, queremos assinalar a importncia de colocar-se o problema do acidente num quadro unitrio, ajustado s novas di-retrizes ergonmicas, em que relevante a contribuio da psicologia alia-da de equipes de pesquisadores de outras cincias que se preocupam com a sistematizao dos mtodos de adaptao do trabalho ao homem e vice-versa, em favor de uma eficiente preveno de acidentes.

    Resumo

    O propsito desta comunicao estabelecer um marco para o estudo da preveno de acidentes do trabalho numa perspectiva psicolgica, res-saltando a importncia de pesquisas que permitam identificar os fatores subjacentes.

    As medidas de ao preventiva contra acidente devem fundamentar-se numa viso global da situao de trabalho, em termos dos trs sistemas - homem-mquina, homem-ambiente e homem-homem - e, sobretudo, com a realizao de pesquisas, de cujas concluses se possam estabelecer proposies para o emprego de medidas prticas.

    Como fenmeno psicossocial, o acidente do trabalho requer a con-tribuio da psicologia, seja aPlicada, experimental ou social, com base tanto no estudo dos aspectos subjetivos como na anlise dos fatores obje-tivos, que apontem caminhos para a reduo dos erros e outros determi-nantes que intervm na etiologia do acidente.

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  • Inserindo-se propriamente na ergonomia, a contribuio da psicolo-gia ao problema apresenta-se mais especificamente no nvel dos fatores humanos, considerados individualmente ou em grupo.

    Situada num quadro unitrio, a preveno do acidente requer um trabalho de equipe em que, segundo o caso, o engenheiro, o mdico ou o psiclogo tenha um papel preponderante, mas sempre aliado ao de pesquisadores de outras cincias que se preocupam com a adaptao do homem ao trabalho e do trabalho ao homem.

    Summary

    The purpose of this paper is to establish a landmark for the study of prevention of work accidents, under a psychological perspective, featuring the importance of researches that might allow the identification of under-lying factors.

    The steps for a preventive action against accident must be based on a whole view of the working situation, in terms of three systems - man-machine, man-environment and man-man - and above all with the ac-complishment of researches, which will yield conclusions that will help establishing propositions for the adoption of practical steps.

    As a psychosocial phenomenon, the work accident requires the con-tribution of psychology, either applied, experimental, or social, based not only on studies of subjective aspects but also on the analysis of objective factors, that might p0int out ways of reducing errors and other interve-nient determinants on the etioIogy of accidents.

    The contribution of psychology to the problem, properly inserted on ergonomics, is more specifically presented on the leveI of human factors, taken into account individually or in groups.

    The prevention of accidents, placed on a unitary picture, requires a team work where the engineer, the medicaI physician or the psychologist has a prevailing role, according to the case, but always allied to that of other sciences researchers who worry about the adaptation of man to work and of work to man.

    Referncias bibliogrficas

    1. Tomaszewski T. La situacin d'accident. Le Travail Humain, t. 33 n. 3(4, 1970. 2. Leplat, }acques. In: Bulletin du CERP, v. 10, n. 4, 1961. 3. Cony, X & Krawsky. Practique de l'analyse d'accidents du travail. Le Travail Humain, t. 33 n. 34, 1970. 4. Cazamian et alii. Approach scientifique de la securit du travail. Le Travail Hu-main, t. 34, n. I, 1971. 5. Mertens, C. Systemes psychosociaux et accidents. Le Travail Humain, t. 33, n. 3(4, 1970.

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