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  • CaPtulo 23

    diSPeNSa Coletiva: da teoria ao CaSo CoNCreto

    Marina dos Santos Ribeiro1

    SUMRIO: 1. INTRODUO; 2. ANLISE TERICA; 3. ANLISE JURISPRUDENCIAL ; 4. ANLISE DO CASO CONCRETO; 5. CONCLUSO.

    1. INTRODUO

    A despedida coletiva de trabalhadores redunda em malefcios muito supe-riores queles acarretados pelas dispensas individuais. No apenas os trabalha-dores, individualmente considerados2, mas todos aqueles que dependem, direta ou indiretamente, dos frutos de seus trabalhos so afetados. Vrias so as fam-lias que perdem a sua fonte de subsistncia, o que leva ao aumento da popula-o que vive a margem do emprego com queda do padro de vida e elevao da miserabilidade do pas. O rompimento coletivo no pode, portanto, obedecer mesma lgica do individual e, tampouco, merece o mesmo tratamento jurdico.

    Embora no haja no direito positivo brasileiro pelo menos aparentemente norma que regule especificamente as despedidas coletivas, o Poder Judicirio tem sido chamado a se pronunciar acerca das questes que as envolvem e im-portantes decises foram tomadas sobre a matria. No entanto, ainda, h muito que se avanar.

    Este artigo parte da reviso terica da despedida coletiva, passando pela anlise da jurisprudncia mais atual, at chegar ao relato de um caso concreto no qual as solues sugeridas pela doutrina e pela jurisprudncia no foram ca-pazes de resolver a controvrsia instaurada. Para alm da questo da despedida

    1 Juza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15a Regio e especialista em direito pblico pela Universidade Cndido Mendes em 2008.

    2 Roberta Ferme Sivolella ressalta que, alm dos danos coletivos, h, ainda, os danos ao trabalhador como pessoa humana em sua dignidade: A par do carter pecunirio do emprego, a sua manuteno traz ao indivduo a sensao de capacidade, dignidade, cidadania. Participa do processo produtivo da sociedade, integra o processo produtivo empresarial/de servios de seu pas, desenvolve-se como pessoa e profis-sional e provedor de recursos para si mesmo e para terceiros. SIVOLELLA, Roberta Ferme. A dispensa coletiva e o direito fundamental manuteno no emprego. So Paulo: LTr, 2014, p. 20.

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    coletiva, prope-se a reflexo sobre os limites de atuao do Poder Judicirio e sobre a relevncia da ao sindical na defesa dos interesses dos trabalhadores.

    2. ANLISE TERICA

    O conceito de despedida coletiva no traz grandes embates. A doutrina se baseia na definio formulada por Orlando Gomes, ainda em 1974, para quem a despedida coletiva a resciso simultnea, por um nico e mesmo motivo, de uma pluralidade de contratos de trabalho sem a substituio dos empregados dispensados3. Partindo deste entendimento, pode-se dizer que tambm confi-guram-se hipteses de dispensas coletivas aquelas efetuadas de forma habitual, mas no simultnea, ligadas ao mesmo motivo. Por detrs de dispensas indivi-duais habituais e vinculadas, caracteriza-se uma dispensa coletiva.

    Exige-se, portanto, dois requisitos para se configurar a natureza coletiva da dispensa: o rompimento contratual de forma plural sem a substituio dos des-pedidos e uma nica causa vinculadora.

    No h um nmero fixo de empregados para que a despedida seja conside-rada coletiva. O caso concreto ser responsvel por delimitar a sua natureza. Alguns critrios, embora no sejam requisitos essenciais, podem auxiliar nesta anlise. A potencialidade de gerar danos sociedade4 um deles. Numa peque-na comunidade a despedida de 100 empregados poder ser considerada co-letiva pois provavelmente afetar grande parte das pessoas que ali vivem. Por outro lado, num grande centro urbano, como a cidade de So Paulo, este critrio possivelmente se revelar insuficiente, porquanto a despedida de 1000 empre-gados no provocar impactos diretos na sociedade, contudo, no deixar de ser coletiva. Ser necessria a pesquisa de outros fatores.

    A reduo dos quadros de pessoal da empresa outro indicativo da natu-reza coletiva. Neste aspecto, a anlise deve ser feita a partir do nmero de em-pregados da empresa na localidade em que ocorreu as demisses. Isto porque, o processo produtivo de uma empresa pode ser dividido em unidades indepen-dentes espalhadas por todo o pas para no dizer por todo o mundo -, assim o nmero de empregados despedidos em uma determinada unidade se cotejado com o nmero total de empregados da empresa pode ser nfimo, todavia para aquele local o nmero de dispensados pode ser considervel. O rompimento contratual coletivo atinge a comunidade que vive a sua volta. Neste contexto, os

    3 GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturao da empresa - Aspectos jurdicos do desemprego tecnolgico. Revista de Legislao do Trabalho, n. 38. So Paulo: LTr, 1974. p. 575.

    4 Embora a Sociologia trate das diferenas conceituais entre sociedade e comunidade, neste texto os ter-mos foram empregados como sinnimos, referindo-se ao conjunto de pessoas, que direta ou indireta-mente so afetadas pela despedida dos trabalhadores, seja por meio de relaes pessoais (familiares) seja por meio de relaes comerciais.

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    contratos de trabalho mantidos em outras localidades em nada interferem nos efeitos deletrios sofridos por aquela sociedade.

    Em que pese no haver regulamentao especfica acerca da despedida co-letiva no ordenamento jurdico brasileiro, a partir da interpretao sistemtica da Constituio da Repblica de 1988, do direito internacional do trabalho, as-sim como de precedentes jurisprudenciais, pode se extrair duas categorias de despedida coletiva: a legtima e a arbitrria. Ser considerada legtima a despe-dida socialmente justificada e antecedida de negociao prvia. Do contrrio, a despedida ser arbitrria.

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos preconiza, em seu artigo XXIII, que toda pessoa tem direito ao trabalho e proteo contra o desemprego5, o que significa que na seara internacional pelo menos no aspecto da juridicida-de o trabalho reconhecido como um direito humano destinado a assegurar a dignidade da pessoa humana, independentemente da vinculao a uma ordem jurdica especifica6.

    Roberta Ferme Sivolella defende que os direitos humanos dentre os quais se incluem as garantias diretamente ligadas s relaes de trabalho - so expres-ses de dignidade da pessoa humana, como seu valor inato, essencial e intrnse-co, e, portanto, devem ser identificados como norma mnima das instituies polticas, aplicvel a todos os Estados que integram a sociedade dos povos7.

    A Organizao Internacional do Trabalho (OIT), atenta aos problemas que j se apresentavam poca em consequncia das dificuldades econmicas e das mudanas tecnolgicas ocorridas, editou a Conveno 158 de 19828 que trata do trmino das relaes de trabalho por iniciativa do empregador, buscando mecanismos de implementar o direito ao trabalho. Da simples leitura da Con-veno, se extrai que no permitido ao empregador dispensar o empregado seno quando houver uma causa justificada relacionada com a sua capacidade ou seu comportamento, nos casos de dispensa individual, ou pautada nas neces-sidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou servios em razo de motivos econmicos, tecnolgicos, estruturais ou anlogos, nos casos de dis-pensas coletivas. A despedida deve ser, portanto, socialmente justificada9. Alm

    5 Art. XXIII: Toda a pessoa tem direito ao trabalho, livre escolha do trabalho, a condies equitativas e satisfatrias de trabalho e proteo contra o desemprego.

    6 OLIVEIRA, Christiana Drc Damasceno. (O) direto do trabalho contemporneo: efetividade dos direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana no mundo do trabalho. So Paulo: LTr, 2010, p. 207.

    7 SIVOLELLA, Roberta Ferme. A dispensa coletiva e o direito fundamental manuteno no emprego. So Paulo: LTr, 2014, p. 33.

    8 Disponvel em: http://www.oit.org.br/content/trmino-da-relao-de-trabalho-por-iniciativa-do-em-pregador. Acesso em: 15/03/2015.

    9 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justia social. So Paulo: LTr, 2000, p. 333.

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    disso, a Conveno assegura a informao prvia ao sindicato dos trabalhado-res acerca das dispensas, bem como impe a necessidade de negociao para que as despedidas sejam evitadas ou pelo menos reduzidos os seus prejuzos.10

    A Conveno 158 da OIT foi aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legis-lativo n. 68, de 16/09/1992, do Congresso Nacional; ratificada em 05/01/1995; promulgada pelo Decreto n. 1855 de 10/04/1996 e denunciada pelo ento Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso, por meio do Decreto n. 2.100, de 20/12/1996. A constitucionalidade do ato de denncia, que no foi precedido de autorizao do Congresso Nacional, questionada na Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1625 ajuizada, em 17/06/1997, pela Con-federao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e pela Central nica dos Trabalhadores11.

    As justificativas apresentadas para embasar a denncia da Conveno pau-taram-se na sua inconstitucionalidade na medida em que o art. 7o, inciso I, da Constituio da Repblica de 1988, embora proba a dispensa arbitrria ou sem justa causa, relega lei complementar a sua regulamentao. Entendeu-se, poca, que a Conveno no possua status de lei complementar e, portanto, desrespeitava a exigncia constitucional.

    A posio tomada pela Presidncia da Repblica merece crticas. A Conven-o 158 est em consonncia com o preceito constitucional e o complementa. Relegar a eficcia de uma norma constitucional normatizao infraconsti-tucional um contrassenso. A Constituio a expresso de soberania de um povo e, portanto, a norma fundamental do ordenamento jurdico de modo que lhe deve ser conferida a mxima eficcia12. Os efeitos do direito assegurado no

    10 Art. 13 1. Quando o empregador prever trminos da relao de trabalho por motivos econmicos, tecnolgicos, estruturais ou anlogos:

    a) proporcionar aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informao pertinente, incluindo os motivos dos trminos previstos, o nmero e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos mesmos e o perodo durante o qual seriam efetuados esses trminos;

    b) em conformidade com a legislao e a prtica nacionais, oferecer aos representantes dos trabalha-dores interessados, o mais breve que for possvel, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que devero ser adotadas para evitar ou limitar os trminos e as medidas para atenuar as con-sequncias adversas de todos os trminos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os mesmos.

    11 Embora a ao ainda se encontre pendente de julgamento, alguns Ministros do Supremo Tribunal Fe-deral j proferiram seus respectivos votos. O Ministro Nelson Jobim julgou improcedente a ao. Os Mi-nistros Maurcio Corra (relator) e Carlos Britto julgaram-na procedente em parte para condicionar a denncia da Conveno 158 ao referendo do Congresso Nacional. E o Ministro Joaquim Barbosa julgou totalmente procedente a ao. O autos encontram-se no gabinete da Ministra Rosa Weber. Disponvel em:

    http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=1625&classe=ADI&ori-gem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 04/03/2015.

    12 Segundo o Ministro Gilmar Mendes, o princpio da mxima efetividade das normas constitucionais vem sancionado, entre ns, no pargrafo, 1o, do art. 5o, da Constituio, que proclama a aplicao imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Pau-lo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Editora Saraiva: 2013, 8a ed., p. 96.

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    art. 7o, inciso I, da CRFB, no podem ser absolutamente condicionados inter-mediao legislativa, sob pena de esvaziamento do contedo da prpria Cons-tituio pela inao de um poder constitudo que a ela se subordina. Alm do mais, como bem observou Jorge Luiz Souto Maior, a formao da Conveno no mbito internacional exige muito mais formalismo que uma lei complementar, sendo fruto de um profundo amadurecimento internacional quanto s matrias por elas tratadas13, o que afasta o argumento da inconstitucionalidade da adoo da Conveno por no ter sido respeitado o qurum qualificado de aprovao.

    De qualquer modo, independentemente da vigncia da Conveno 158 da OIT no ordenamento jurdico interno, da prpria Constituio da Repblica de 1988 se extrai um conjunto integrado de normas que veda a demisso coletiva arbitrria. O artigo 1, IV, da Constituio prev como fundamento do Repbli-ca Federativa do Brasil em primeiro plano os valores sociais do trabalho e em seguida da livre iniciativa, sugerindo que estes se subordinam queles. O artigo 3, I, II e III, da CRFB estabelece como objetivos da Repblica a construo de uma sociedade livre, justa e solidria, garantindo-se o desenvolvimento nacio-nal e erradicando a pobreza, a marginalizao e as desigualdades sociais, o que vai ao encontro da vedao da despedida coletiva arbitrria j que acarreta um contingente de trabalhadores injusta situao de miserabilidade elevando a desigualdade social. O artigo 5, XXIII, da CRFB determina que a propriedade deve observar a sua funo social e seus 1 e 2 garantem a imediata aplica-o dos direitos e garantias fundamentais. O artigo 6, caput, da CRFB, consagra o trabalho como um direito social e o artigo 7 deixa claro que no qualquer trabalho, mas sim um trabalho digno protegido contra a despedida arbitrria ou sem justa causa.

    A ordem econmica, tal como disciplina o artigo 170 da Constituio, fundada na valorizao do trabalho humano e tem por finalidade assegurar a todos a existncia digna, pautada nos ditames da justia social. A funo social da propriedade (incisos III), a reduo das desigualdades regionais e sociais (inciso VII) e a busca do pleno emprego (inciso VIII) so uns dos princpios da ordem econmica. O artigo 186, III e IV da CRFB esclarece que a funo social da propriedade atendida diante da observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho e da explorao que favorea o bem-estar dos proprie-trios e dos trabalhadores. J a ordem social, nos termos do artigo 193 da Cons-tituio, tem como base o primado do trabalho e objetiva o bem-estar e a justia social.

    Todas estas normas somadas ao respeito da dignidade da pessoa humana - fundamento da Repblica Federativa do Brasil (art. 1o, III, da CRFB) revelam 13 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justia social. So Paulo: LTr, 2000,

    p. 333.

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    a importncia conferida ao trabalho humano e demonstram o compromisso so-cial que deve ser assumido pelas empresas, o que justifica a necessidade de se distinguir a dispensa coletiva, social impactante, da dispensa individual. No por outro motivo, a dispensa coletiva deve ser pautada na real e justa necessi-dade empresarial, que seja capaz de colocar em xeque sua prpria existncia.

    Alm do mais, como a despedida coletiva gera impactos que transcendem a esfera individual, nada mais razovel viabilizar aos trabalhadores a oportuni-dade de participar do processo, podendo sugerir medidas capazes de evitar ou, pelo menos, minorar os prejuzos sofridos em decorrncia das rupturas contra-tuais. Estabelecer o dilogo social primordial num no Estado Democrtico de Direito. A participao dos trabalhadores se dar por meio de seus respectivos sindicatos, j que a estes incumbe a defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria, conforme se depreende do art. 8o, III, da Constituio da Repblica. Neste sentido a OIT adotou diversas Convenes que destacam a atuao sindi-cal diante de relaes de trabalho massivas, tais como, Convenes n 11, 87, 98, 135, 141, 151, alm da Conveno n 163 da OIT ressaltar o direito informao.

    As condutas necessrias para o enfrentamento da crise econmica empre-sarial sero fixadas na negociao coletiva entabulada entre empresa e sindica-to dos trabalhadores cujo objetivo ser atenuar o impacto da dispensa coletiva. As medidas fixadas podero abranger o conjunto de trabalhadores ou uma par-cela deles. Preferencialmente, deve se procurar meios capazes de evitar os rom-pimentos contratuais, como a adoo da suspenso dos contratos de trabalho para participao dos empregados em cursos ou em programas de qualificao profissional oferecidos pelo empregador, previsto no art. 476-A da CLT, ou como a concesso de frias coletivas. Caso no seja possvel evitar as despedidas, po-dero ser institudas outras frmulas, como a criao de plano de demisso voluntria (PDVs), ou a despedida, em primeiro lugar, dos mais jovens e das pessoas que no possuem dependentes; bem como a no dispensa de mulheres grvidas e de pessoas prximas a aposentadoria.

    A despedida coletiva sem a participao prvia do sindicato viola a boa-f objetiva (art. 5 da LINDB e art. 422 do CC), os princpios da confiana e da in-formao, caracterizando abuso do direito (art. 187 do CC), haja vista que, agin-do assim, a empresa ultrapassa os limites determinados pelo seu fim social e econmico.

    No observadas as premissas ser socialmente justificada e antecedida de negociao prvia a dispensa coletiva ser considerada ato arbitrrio, ense-jando a sua nulidade. Surgem as primeiras indagaes: qual a consequncia da declarao de nulidade do ato de dispensa? Os trabalhadores devem ser rein-tegrados? Passa-se anlise de algumas decises paradigmticas tomadas pela Justia do Trabalho que podem auxiliar nas respostas.

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    dispensa coletiva: da teoria ao caso concreto

    3. ANLISE JURISPRUDENCIAL

    A despedida coletiva ganhou destaque na jurisprudncia em 2009, momen-to em que o Tribunal Regional do Trabalho da 15 Regio, ao apreciar dissdio coletivo de natureza jurdica, reconheceu a abusividade da conduta da Empresa Brasileira de Aeronutica S/A Embraer ao proceder a demisso de mais de 4.200 trabalhadores (20% dos seus empregados), em sua unidade na cidade de So Jos dos Campos, sem observar o procedimento de negociao coletiva pr-via, nem instituio de programa de demisso voluntria incentivada. Como a conciliao judicial tambm no foi alcanada, o TRT, sob argumento de que ine-xistia garantia de emprego ou de estabilidade que justificasse a reintegrao dos trabalhadores, reconheceu o direito de cada empregado demitido a uma com-pensao financeira, bem como a manuteno dos planos de assistncia mdica aos trabalhadores demitidos e seus familiares por doze meses a contar da data da extino contratual. Restou reconhecida, ainda, a preferncia na seleo dos empregados despedidos nos casos de reativao dos postos de trabalho14.

    14 Processo 0030900-12.2009.5.15.0000 DC, relator Desembargador Jos Antonio Pancotti, TRT15, publi-cado em 30/03/2009. CRISE ECONMICA - DEMISSO EM MASSA AUSNCIA DE PRVIA NEGOCAO COLETIVA ABUSIVIDADE COMPENSAO FINANCEIRA PERTINNCIA. As demisses coletivas ou em massa relacionadas a uma causa objetiva da empresa, de ordem tcnico-estrutural ou econmico--conjuntural, como a atual crise econmica internacional, no podem prescindir de um tratamento ju-rdico de proteo aos empregados, com maior amplitude do que se d para as demisses individuais e sem justa causa, por ser esta insuficiente, ante a gravidade e o impacto scio-econmico do fato. Assim, governos, empresas e sindicatos devem ser criativos na construo de normas que criem mecanismos que, concreta e efetivamente, minimizem os efeitos da dispensa coletiva de trabalhadores pelas empre-sas. mngua de legislao especfica que preveja procedimento preventivo, o nico caminho a nego-ciao coletiva prvia entre a empresa e os sindicatos profissionais. Submetido o fato apreciao do Poder Judicirio, sopesando os interesses em jogo: liberdade de iniciativa e dignidade da pessoa humana do cidado trabalhador, cabe-lhe proferir deciso que preserve o equilbio de tais valores. Infelizmente no h no Brasil, a exemplo da Unio Europia (Directiva 98/59), Argentina (Ley n. 24.013/91), Espanha (Ley del Estatuto de los Trabajadores de 1995), Frana (Lei do Trabalho de 1995), Itlia (Lei n. 223/91), Mxico (Ley Federal del Trabajo de 1970, cf. texto vigente - ltima reforma foi publicada no DOF de 17/01/2006) e Portugal (Cdigo do Trabalho), legislao que crie procedimentos de escalonamento de demisses que levem em conta o tempo de servio na empresa, a idade, os encargos familiares, ou aque-les em que a empresa necessite de autorizao de autoridade, ou de um perodo de consultas aos sindica-tos profissionais, podendo culminar com previso de perodos de reciclagens, suspenso temporria dos contratos, aviso prvio prolongado, indenizaes, etc. No caso, a EMBRAER efetuou a demisso de 20% dos seus empregados, mais de 4.200 trabalhadores, sob o argumento de que a crise econmica mundial afetou diretamente suas atividades, porque totalmente dependentes do mercado internacional, especial-mente dos Estados Unidos da Amrica, matriz da atual crise. Na ausncia de negociao prvia e diante do insucesso da conciliao, na fase judicial s resta a esta Eg. Corte, finalmente, decidir com fundamento no art. 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil e no art. 8 da Consolidao das Leis do Trabalho. Assim, com base na orientao dos princpios constitucionais expressos e implcitos, no direito comparado, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy e Ronald Dworkin, Paulo Bonavides e outros acerca da fora normativa dos princpios jurdicos, razovel que se reconhea a abusividade da demisso coletiva, por ausncia de negociao. Finalmente, no sobrevivendo mais no ordenamento jurdico a estabilidade no emprego, exceto as garantias provisrias, inarredvel que se atribua, com fundamento no art. 422 do CC boa-f objetiva - o direito a uma compensao financeira para cada demitido. Dissdio coletivo que se julga parcialmente procedente.

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    marina dos santos ribeiro

    Em sede de recurso ordinrio, a Seo Especializada em Dissdios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, deu provimento ao re-curso da Embraer para afastar a declarao de abusividade das dispensas, mas fixou a premissa, para casos futuros, de que a negociao coletiva imprescin-dvel diante de despedidas coletivas de trabalhadores. A condenao deferida pelo TRT da 15a Regio relativa compensao financeira foi mantida pela SDC do TST que estabeleceu o pagamento de valores proporcionais ao tempo de ser-vio dos empregados demitidos15.

    15 Processo RODC-309/2009-000-15-00.4. TST. Relator: Maurcio Godinho Delgado. Publicado em 04/09/2009. RECURSO ORDINRIO EM DISSDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENINCIA SINDICAL. RESTRIES JURDICAS S DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRTICA EXIS-TENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista , essencialmente, uma sociedade de massas. A lgica de funcionamento do sistema econmico-social induz a concentrao e centralizao no apenas de riquezas, mas tambm de comunidades, dinmicas socioeconmicas e de problemas des-tas resultantes. A massificao das dinmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comu-nidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do prprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pre-tenses jurdicas tm natureza massiva. O carter massivo de tais danos e pretenses obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreenso e enfrentamento dos pro-blemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construo de uma matriz jurdica adequada massividade dos danos e pretenses caractersticos de uma sociedade contempornea sem prejuzo da preservao da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretenses de natureza estritamente atomizada , talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurdico, e sob esse aspecto que a questo aqui proposta ser analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira macia e avassaladora, somente seriam juridicamente possveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamen-tao social, instigador da existncia de mercado hobbesiano na vida econmica, inclusive entre empre-sas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, j h mais um sculo superada no pas. Na vigncia da Constituio de 1988, das convenes internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqncia, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislao infraconstitucional do pas, inevitvel concluir-se pela presena de um Estado Democrtico de Direito no Brasil, de um regime de imprio da norma jurdica (e no do poder incontrastvel privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e res-peito dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante regio. Em conseqncia, fica fixada, por interpretao da ordem jurdica, a premissa de que a negociao coletiva imprescindvel para a dispensa em massa de trabalhadores. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrtica brasileira, desde a Constituio de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenes OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), no permite o manejo mera-mente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e no Direito Individual, exigindo, por conseqncia, a parti-cipao do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princpios constitucionais que determinam o respeito dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorizao do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinao da propriedade sua funo socioambiental (arts. 5o, XXIII e 170, III, CF) e a interveno sindical nas questes coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI, CF), tudo impe que se reconhea distino normativa entre as dispensas meramente tpicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais so social, econmica, familiar e comu-nitariamente impactantes. Nesta linha, seria invlida a dispensa coletiva enquanto no negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que a negociao coletiva imprescin-dvel para a dispensa em massa de trabalhadores, observados os fundamentos supra. Recurso ordinrio a que se d provimento parcial.

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    dispensa coletiva: da teoria ao caso concreto

    O Supremo Tribunal Federal, em 13/05/2013, no julgamento do recurso ex-traordinrio 647.651, interposto pela Embraer, reconheceu que a controvr-sia - necessidade de prvia negociao com o sindicato dos trabalhadores para dispensa coletiva dos empregados - possui repercusso geral. Ainda aguarda-se o julgamento16.

    A despedida coletiva de trabalhadores tambm foi submetida anlise do Tribunal Regional do Trabalho da 1 Regio, que confirmou a deciso proferida pela 23 Vara do Trabalho do Rio de Janeiro no bojo de ao civil pblica ajui-zada pelo Ministrio Pblico do Trabalho. A despedida de 850 empregados da Webjet Linhas Areas S.A foi declarada nula em virtude da ausncia de justifi-cativa relevante para as rupturas contratuais e de negociao coletiva prvia. Entendeu-se que no houve extino da Webjet, mas sua incorporao pela VRG Linhas Areas S.A. - integrante do mesmo grupo econmico, com notria su-perioridade financeira -, caracterizando tpica sucesso trabalhista, o que no justificaria a demisso dos empregados da empresa incorporada. Alm do mais, reconheceu-se a conduta discriminatria j que foram privilegiados os empre-gados da empresa adquirente em detrimento dos pertencentes aos quadros da incorporada, no obstante a identidade da categoria profissional e sua submis-so aos mesmos instrumentos normativos17.

    Outra deciso que merece destaque foi proferida em 2014 pela Vara do Tra-balho de So Jernimo, no interior do Rio Grande do Sul. O Ministrios Pblico do Trabalho, aps a apurao em inqurito civil, constatou que a empresa Iesa leo & Gs S/A contratada pela Tupi BV que tem a Petrobrs como acionista majoritria - pretendia dispensar todos os seus 950 trabalhadores. O MPT ajui-zou ao civil pblica requerendo, dentre outros pedidos, a suspenso das de-misses anunciadas com a colocao imediata de todos os trabalhadores em li-cena remunerada at negociao coletiva do impasse e o bloqueio de bens das empresas Iesa, Tupi e Petrobrs a fim de se garantir o pagamento das verbas rescisrias dos trabalhadores. O Juzo local deferiu a antecipao dos efeitos da tutela suspendendo as iminentes demisses e, reconhecendo a responsabilida-de da Tupi e da Petrobrs, determinou o bloqueio de bens destas empresas bem como da empregadora Iesa em valores suficientes para satisfao das verbas rescisrias, conforme estimado pelo sindicato profissional18.

    16 Disponvel em < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=647651 &classe=ARE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em 28 de fe-vereiro de 2015

    17 Processo RO 0001618-39.2012.5.01.0023 - DOERJ 09-09-2013. Relator / Redator designado: Maria Apa-recida Coutinho Magalhes.

    18 A deciso foi mantida pela SDI do TRT da 4a Regio: MANDADO DE SEGURANA. DESPEDIDA COLETIVA. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIOS. Sendo notria a crise financeira pela qual passa a real empregadora, submetida a processo de recuperao judicial, justifi-

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    Como todas as tratativas de acordo restaram infrutferas, a Vara de So Je-rnimo, diante do requerimento do MPT, reconheceu, em antecipao dos efei-tos da tutela, a extino de todos os contratos de trabalho, tal como aprovado na assembleia do sindicato profissional, com a imediata liberao, a partir do montante bloqueado, dos valores devidos a ttulo de verbas rescisrias, de des-pesas de locomoo para os estados de origem, de depsitos da multa de 40% do FGTS, bem como imps Iesa a obrigao de anotar a data de extino con-tratual nas carteiras de trabalho dos empregados e fornecer as guias para saque de FGTS e encaminhamento de seguro-desemprego19.

    Estes so apenas alguns exemplos de decises tomadas pela Justia do Tra-balho sobre o tema. Da anlise das decises acima j possvel se extrair algu-mas lies. As questes acerca da despedida coletiva foram submetidas an-lise do Poder Judicirio tanto por meio do dissdio coletivo de competncia originria dos Tribunais - quanto por meio de aes cveis pblicas ajuizadas nas Varas do Trabalho. Em todas as decises foi seguida a premissa da necessi-dade de negociao coletiva prvia, valorizando a participao do sindicato dos trabalhadores. As despedidas efetivadas sem a prvia negociao coletiva fo-ram consideradas arbitrrias, ensejando, pelo menos num primeiro momento, a reintegrao dos empregados.

    Surgem outras indagaes, principalmente acerca dos limites mnimos a serem observados na negociao coletiva e a postura a ser adotada pelo Po-der Judicirio diante de acordos extremamente prejudiciais aos trabalhadores. Segue-se ao relato de um caso concreto no qual tais questes precisaram ser enfrentadas.

    4. ANLISE DO CASO CONCRETONa cidade de Guariba, interior do Estado de So Paulo, a empresa GBA Caldei-

    raria e Montagens Industriais Ltda. demitiu 103 empregados sem o pagamento de verbas rescisrias. O sindicato da categoria profissional ajuizou 87 reclama-es trabalhistas e, antes mesmo da notificao da empresa, foram protocoladas peties de acordo cujo contedo era o parcelamento em 10 vezes das verbas rescisrias calculadas em valores muito inferiores queles indicados nas peti-es iniciais. Diante dos indcios de fraude, atuando como Juza do Trabalho da 2a Vara local, oficiei o Ministrio Pblico do Trabalho para que tivesse cincia.

    cada a manuteno do bloqueio de valores da empresa contratante dos servios, levado a efeito com o intuito de garantir a eficcia da eventual execuo de verbas rescisrias dos trabalhadores dispensados. Medida afeta ao poder geral de cautela conferido ao Juzo, em especial em sede de ao civil pblica. Deciso conforme a maioria da Seo, ressalvado o entendimento do Juiz Relator. Processo 0021642-08.2014.5.04.0000 (MS). DOERS 27/02/2015. Relator: Jose Cesrio Figueiredo Teixeira.

    19 Disponvel em: http://www.prt4.mpt.gov.br/images/Ascom/2014/12/iesa_decisao_liberatoria.pdf. Acesso em 06/03/2015.

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    Aps instaurao de inqurito civil para apurar os fatos, com a oitiva de trabalhadores, representantes da empresa e do sindicato, o MPT concluiu que houve despedida coletiva sem a prvia e efetiva negociao e ajuizou ao civil pblica20 requerendo a declarao de nulidade das dispensas com a reintegra-o dos trabalhadores demitidos e absteno de novas demisses at que fos-sem realizadas negociaes em audincia judicial. Requereu, ainda, a suspenso dos atos processuais nas reclamaes trabalhistas individuais ajuizadas at o deslinde da demanda coletiva.

    Os requisitos para a antecipao dos efeitos da tutela estavam presentes. Dos elementos constantes do processo, se podia extrair a verossimilhana das alegaes haja vista a resciso simultnea de 103 contratos de trabalho, o que significava quase a totalidade dos empregados que laboravam na unidade da empresa sediada no municpio de Guariba, sugerindo a natureza coletiva da dis-pensa. Os danos eram evidentes, pois os trabalhadores perderam a sua fonte de subsistncia e, ao que tudo indicava, sequer haviam recebido o pagamento das verbas rescisrias. A necessidade de suspenso das reclamaes individuais tambm era patente porquanto o reconhecimento da abusividade da dispensa objeto da demanda coletiva - inviabilizaria as homologaes de acordos, pre-tendidas naquelas aes.

    A antecipao dos efeitos da tutela foi concedida, determinando a imediata reintegrao dos trabalhadores demitidos at a realizao de negociaes que deveriam ser entabuladas na audincia judicial designada. Tambm foi suspen-so o andamento das demandas individuais, nos moldes do artigo 265 do CPC, IV, alneas a e b do CPC. Da deciso, a r impetrou mandado de segurana com pedido de liminar, medida que foi indeferida pelo TRT da 15a Regio21.

    Na audincia judicial, foram exaustivamente debatidas as propostas de acordo apresentadas pelas partes e pelo Juzo. No foi possvel a conciliao. A r insistia no parcelamento das verbas decorrentes da extino contratual sem oferecer qualquer compensao aos trabalhadores demitidos. A defesa se pautava na grave crise financeira a qual vem enfrentado o setor sucroalcooleiro em que atua e que, no apenas ela, mas vrias outras empresas do ramo reali-zaram demisses em massa com o pagamento parcelado de verbas rescisrias. O argumento falacioso. Isto porque, a adoo por outras empresas de prticas contrrias aos princpios do direito do trabalho no legitima a conduta. Pelo contrrio, demonstra a necessidade do Poder Judicirio de se posicionar no sentido de coibir tal comportamento empresarial.

    20 Processo: ACP-0010268-17.2014.5.15.0120. Disponvel em: https://pje.trt15.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_num_

    pje=183548&p_grau_pje=1&popup=0&cid=16315. Acesso em 14/03/2015.

    21 Processo: MS 6168-88.2014.5.15.0000. Relator: Desembargador Manoel Carlos Toledo Filho. DEJT 23/06/2014.

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    A defesa procurou tambm descaracterizar a natureza coletiva da dispensa sob a alegao de que outra empresa pertencente ao mesmo grupo econmico contratou, no mesmo ms das despedidas, 169 trabalhadores na cidade de San-ta Vitria, no Estado de Minas Gerais, localizada a 450km da cidade de Guariba. A contratao em outra localidade, distante e sem qualquer relao com a ci-dade onde ocorreram as demisses, no capaz de afastar a natureza coletiva das despedidas. As contrataes eram, inclusive, indicativo de que a condio financeira da empresa no estava to grave, tal como pretendia fazer crer.

    Outro ponto trazido pela defesa foi a existncia de negociao prvia. A em-presa asseverou que, dias antes de realizar as dispensas, procurou o sindicato da categoria para inform-lo de que no poderia arcar com o pagamento das verbas rescisrias, avisando-o que pretendia parcel-las em 30 vezes, e que, mediante reivindicao dos trabalhadores e do sindicato, aceitou pagar as ver-bas rescisrias em 10 vezes. Esclareceu que o ajuizamento de demandas indivi-duais visando simplesmente a homologao do acordo foi exigncia do prprio sindicato dos trabalhadores cujo patrono receberia da empresa o percentual de 10% do valor dos acordos homologados.

    Aqui est a primeira peculiaridade do caso. Diversamente das outras de-mandas comentadas, nesta o sindicato dos trabalhadores no se opunha a despedida e considerava vlido o acordo cujo contedo versava simplesmente sobre o parcelamento de verbas rescisrias. A finalidade da negociao foi in-teiramente deturpada.

    A negociao coletiva deve viabilizar direitos para alm daqueles j assegu-rados no rompimento individual dos contratos de trabalho. A suposta negocia-o implementada entre a empresa e o sindicato da categoria no cumpriu esta finalidade. Ao invs de conferir proteo aos trabalhadores, visou apenas aos interesses empresariais. O parcelamento de verbas rescisrias em 10 vezes tal como foi acordado no , em hiptese alguma, benfica aos trabalhadores. As verbas rescisrias possuem carter alimentar e o seu pagamento deve ser rea-lizado na forma e nos prazos preconizados no art. 477, 6, da CLT. Esta uma garantia mnima que no comporta flexibilizao, muito menos renncia.

    Alm de prvia, a negociao deve ser efetiva de modo a fixar condutas para o enfrentamento da crise econmica empresarial, atenuando o impacto das dis-pensas, o que no foi feito. A empresa dispensou seus trabalhadores sem sequer efetuar o pagamento de seus direitos mnimos. A sua conduta se revelou abu-siva. No por outro motivo, declarei a nulidade das despedidas, confirmando a medida liminar que determinou a reintegrao dos trabalhadores demitidos.

    O caso no estava, contudo, resolvido. Surge a sua segunda particularida-de. A empresa, alm de se mostrar contrria s propostas de acordo oferecidas pelo MPT e pelo Juzo, se recusava a cumprir a ordem de reintegrao sob a alegao de que no era do interesse dos empregados demitidos voltar ao em-

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    prego. Para corroborar sua tese, juntou aos autos do processo declaraes dos trabalhadores que expressavam a ausncia de interesse em serem reintegrados e a concordncia com os respectivos parcelamentos das verbas rescisrias em valores inferiores.

    Mais uma vez a empresa no observou os princpios do direito do trabalho, principalmente o princpio da irrenunciabilidade, que consiste na impossibili-dade jurdica do trabalhador de se privar voluntariamente de uma ou mais van-tagens concedidas pelo direito trabalhista em benefcio prprio. Este princpio decorre da natureza publicista das normas que tutelam a relao de emprego e formam um contrato mnimo legal. Afinal, a necessidade do empregado de prover a sua subsistncia, a disputa de mercado, a desinformao, a vulnerabi-lidade decorrente da inferioridade hierrquica, tornam o trabalhador alvo fcil de atos de renuncias lesivas, tal como se observou no caso narrado.

    Alm do mais, a empresa no produziu provas de que a reintegrao no seria favorvel aos trabalhadores. Se j estivessem empregados em outras em-presas, caberia a r colacionar cpias das carteiras de trabalho, demonstrando a nova contratao, o que no o fez.

    Restou evidenciado o descumprimento premeditado da deciso judicial e a inteno da empresa em no se submeter efetiva negociao. Para alm da violao dos direitos dos trabalhadores, a empresa demonstrou completo des-caso pelo Poder Judicirio.

    Diante deste quadro, embora reconhecida a nulidade das dispensas, de nada adiantava prolongar a determinao de reintegrao dos trabalhadores j que no foi acompanhada da consequente negociao em razo das condutas adota-das tanto pela empresa quanto pelo sindicato dos trabalhadores, que claramen-te no representava os interesses de sua categoria. Considerando a necessidade de se conferir efetividade deciso judicial e luz do princpio da instrumen-talidade do processo, decidi, ento, converter o direito reintegrao no paga-mento de indenizao substitutiva a cada trabalhador lesado.

    Em que pese o pedido de indenizao no ter sido objeto da ao civil p-blica, do ordenamento jurdico se extrai fundamentos hbeis a embasar a de-ciso. O art. 496 da CLT permite o pagamento de indenizao substitutiva ao emprego estvel quando a reintegrao se revelar desaconselhvel. Esta norma vem sendo aplicada analogicamente em diversas outras demandas trabalhistas para conferir o direito indenizao diante da impossibilidade de reintegrao. Como exemplo, tem-se o reconhecimento da estabilidade da gestante aps o pe-rodo estabilitrio situao na qual jurisprudncia fixou entendimento no sen-tido de ser possvel o deferimento da indenizao substitutiva pelo magistrado sem que se configure julgamento extra petita (smula 244, item II, do C. TST)22.

    22 Eduardo Henrique Raymundo traz outras hipteses em que se admite a ultrapetio ou extrapetio: Remarque-se, ademais, que alm da hiptese genrica do art. 462 do CPC, aplicvel subsidiariamente,

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    Se permitido ao magistrado, a luz do caso concreto, converter, em deman-da individual, o pedido de reintegrao em pagamento de indenizao substitu-tiva, no pairam dvidas de que esta medida tambm possvel nos casos que envolvem demandas de natureza coletiva.

    As indenizaes deferidas visavam compensar os trabalhadores dos preju-zos sofridos com a conduta abusiva da empresa, que no s realizou despedida coletiva como se recusou a negociar condies dignas para o rompimento dos contratos de trabalho. A empresa foi condenada a pagar, a cada um dos empre-gados demitidos, a ttulo de indenizao, o valor de 5 salrios mensais, indepen-dentemente do pagamento das verbas rescisrias.

    importante ressaltar que a converso em indenizao no a soluo ideal j que privilegia o carter pecunirio monetizando a tutela dos direitos fundamentais. Afasta-se o carter educativo e inibitrio e rebaixa-se o carter fundamental do direito relao de trabalho na medida em que o coloca em p de igualdade com direitos meramente pecunirios. No entanto, h uma rele-vante diferena entre o ideal e o possvel. Na ausncia de um sindicato capaz de zelar pelos interesses da categoria, esta foi a deciso plausvel.

    Restou evidente o prejuzo causado pela ausncia de representatividade do sindicato dos trabalhadores. A negociao coletiva no pode ser uma mera formalidade. A sua finalidade garantir melhoria das condies de pactuao da fora de trabalho na ordem socioeconmica23, o que apenas ser alcanado diante do equilbrio entre as vontades contrapostas. Enquanto o empregador um ser coletivo cuja vontade produz impactos sociais, a manifestao individu-al da vontade dos empregados gera efeitos apenas na relao bilateral de em-prego. por meio dos sindicatos que a vontade dos trabalhadores toma pers-pectiva coletiva, insurgindo no plano poltico e econmico24. A efetividade da negociao coletiva depende da atuao sindical forte e coerente na defesa dos interesses dos trabalhadores.

    Alm das compensaes individuais, a empresa foi condenada a pagar inde-nizao a ttulo de dano moral coletivo, no valor de R$1.000.000,00 (um milho de reais), pois sua conduta no s violou o senso tico da sociedade como tam-

    h casos de extra ou ultrapetio que so, legal e judicialmente, admitidos mesmo no processo individual do trabalho em nome da realizao do princpio da proteo que o especializa e ao direito material, como no da conciliao, que poder alcanar matria que no compunha o pedido e foi depois expressamente aditada em clusula especifica ou impor quele restries de que no cogitava a defesa; na incompati-bilidade que impossibilite a reintegrao do empregado estvel ilegalmente despedido (CLT, art. 496) ou ainda no caso de prestaes rescisrias no honradas que atrai, independentemente de pedido, a condenao das iras do art. 467 tambm da Consolidao. RAYMUNDO, Eduardo Henrique. Sistema da Ao Civil Pblica no Processo do Trabalho. So Paulo: LTr, 2005, pag. 316.

    23 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. So Paulo: Ltr, 2012, pag. 1310.

    24 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. So Paulo: Ltr, 2012, pag. 1308.

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    dispensa coletiva: da teoria ao caso concreto

    bm acarretou desequilbrio da livre concorrncia, uma vez que se desonerou ilicitamente de obrigao imposta a todas as empresas.

    A terceira peculiaridade do caso enfrentado diz respeito s reclamaes in-dividuais ajuizadas pelo sindicato dos trabalhadores visando exclusivamente a homologao dos acordos para o pagamento parcelado das verbas rescisrias. Alm do sindicato ter pactuado condies extremamente prejudicais a sua cate-goria, submeteu, ao Poder Judicirio, 87 lides simuladas25.

    No havia pretenso resistida nas aes individuais. A empresa pretendia quitar as verbas decorrentes das rescises contratuais de forma parcelada e o sindicato concordava com aquele pagamento, tendo a conciliao ocorrido an-tes do ajuizamento das aes, o que caracterizava ausncia de interesse de agir no pronunciamento judicial.

    Alm do mais, o contedo dos acordos versava exclusivamente sobre a ho-mologao de rescises contratuais, que atribuio dos sindicatos ou do Mi-nistrio do Trabalho e Emprego26. Competia ao sindicato homologar as resci-ses contratuais e no submet-las ao crivo da Justia do Trabalho que sequer rgo homologador, conforme se extrai do art. 114 da Constituio da Rep-blica, que fixa a sua competncia.

    O sindicato e a empresa abusaram do direito de ao, pois sobrecarrega-ram a Justia do Trabalho com lides simuladas, trazendo prejuzos tambm a todos os outros trabalhadores que legitimamente recorrem a esta Justia e tm o andamento de seus processos atrasados em funo do tempo perdido com essas aes.

    Tambm restou violado o art. 477, 7, da CLT, que estabelece que o ato da assistncia na resciso contratual ser sem nus para o trabalhador e para o empregador, porquanto foi estipulado o pagamento de honorrios ao advo-gado do sindicato pela empresa - que, diga-se de passagem, totalizaria cerca de R$200.000,00.

    Seja pela ausncia de interesse de agir (art. 267, VI, do CPC), seja pela con-vico de que as partes serviram do processo para praticar ato simulado e proi-bido por lei (art. 129 do CPC), extingui as reclamaes individuais sem resolu-o do mrito e determinei a expedio de ofcios para o MPT e para a OAB para que fossem tomadas as providncias cabveis.

    A empresa interps recurso ordinrio contra a deciso na ao civil pblica e o sindicato recorreu das decises nas reclamaes individuais. A demanda coletiva, ainda, no foi submetida a julgamento pelo TRT da 15a Regio. At o 25 Embora tenham sido demitidos 103 empregados, foram ajuizadas 87 reclamaes trabalhistas pelo sin-

    dicato profissional visando a homologao das rescises contratuais. Os demais empregados ajuizaram demandas individuais, sem assistncia sindical, pleiteando outros direitos alm das verbas rescisrias.

    26 Na falta deles, as rescises contratuais podem ser realizadas pelo Ministrio Pblico, Defensoria Pblica ou Juiz de Paz, nos termos art. 477, 1o e 3o, da CLT.

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    momento da concluso deste trabalho, o MPT havia acabado de apresentar as suas contrarrazes. No que tange s reclamaes individuais, alguns recursos j foram apreciados pelo TRT27, que manteve a extino do processo sem resolu-o do mrito28.

    5. CONCLUSO

    A despedida coletiva enseja consequncias que vo alm da esfera individu-al do trabalhador e, portanto, no pode obedecer a mesma lgica das rupturas contratuais individuais.

    Da interpretao sistemtica da Constituio da Repblica de 1988, do di-reito internacional do trabalho, assim como de precedentes jurisprudenciais, se extrai um conjunto integrado de normas que conferem tratamento jurdico diferenciado s despedidas coletivas que podem ser legtimas ou arbitrrias.

    Para que seja legtima, a despedida coletiva deve ser socialmente justifi-cada e precedida de negociao coletiva. Por outro lado, no observadas estas premissas, a dispensa ser considerada ato arbitrrio, ensejando a sua nulidade e, consequentemente, a reintegrao dos trabalhadores ou, no sendo possvel a restituio das partes ao status quo ante, a percepo de uma indenizao compensatria.

    Nem todas as questes se encontram, todavia, resolvidas. necessrio o aprofundamento da reflexo acerca dos aspectos que circundam a despedida coletiva de trabalhadores, pensados tanto na perspectiva de atuao do Poder Judicirio quanto da representatividade sindical proporcionada pelo sistema brasileiro.

    A partir do relato de um caso concreto, verificou se que a negociao cole-tiva deve ser efetiva de modo a buscar formas de evitar ou atenuar os impac-tos sociais decorrentes das despedidas, garantindo direitos aos trabalhadores para alm daqueles j assegurados nas rescises individuais dos contratos de trabalho. A ao dos sindicatos dos trabalhadores se revelou, portanto, impres-

    27 Como exemplos, cita-se os Processos: 0010169-47.2014.5.15.0120. Relator: Desembargador Francis-co Alberto da Motta. DEJT: 13/02/2015; 0010123-58.2014.5.15.0120. Relator: Juiz Luiz Jos Dezena da Silva. DEJT: 09/03/2015; 0010119-21.2014.5.15.0120. Relator: Juiz Valdir Rinaldi Silva. DEJT: 10/02/2015; 0010121-88.2014.5.15.0120. Relatora: Juza Adriene Sidnei de Moura David Diamantino. DEJT: 09/12/2014.

    28 Deciso interessante foi tomada no Processo 0010216-21.2014.5.15.0120 cujo relator, o Desembarga-dor Edison dos Santos Pelegrini, alm de reconhecer a lide simulada, condenou o sindicato e a empresa, solidariamente, ao pagamento de multa por litigncia de m f, revertendo o valor em favor de institui-o beneficente local, a critrio do Juzo, aps ouvir o Ministrio Pblico do Trabalho. Disponvel em:

    https://pje.trt15.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_seq=10216&p_dig=21&p_ano=2014&p_vara=120&p_num_pje=22046&p_grau_pje=2&dt_autuacao=17%2F10%-2F2014&popup=0&conversationPropagation=begin. Acesso em: 14/03/2015.

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    dispensa coletiva: da teoria ao caso concreto

    cindvel para a defesa dos interesses da classe. De nada adianta estabelecer a necessidade de negociao coletiva sem que haja a participao efetiva e legti-ma da organizao sindical dos trabalhadores. A representatividade dos sindi-catos conferida pelo atual sistema brasileiro questo que merece ser repen-sada. Poucos so os sindicatos que de fato atuam na defesa dos interesses dos trabalhadores.

    O papel do Poder Judicirio tambm merece destaque. A jurisdio deve ze-lar para que os direitos sejam tutelados de acordo com as normas constitucio-nais e para que os direitos fundamentais sejam protegidos e efetivados. Para tanto o magistrado deve adotar posturas ativas e criativas, o que no viola a imparcialidade, pelo contrario, contribui para a efetividade e pacificao social.

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