[1767]Topicos Emergentes Em Seguranca Publica 3

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Tpicos Emergentes em Segurana Pblica III:

Poltica Criminal, Criminologia, Direito e Execuo Penal e Polcia ComunitriaDisciplina na modalidade a distncia

2 edio revista e atualizada

Palhoa UnisulVirtual 2009

Crditos

Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina UnisulVirtual - Educao Superior a Distncia Campus UnisulVirtualAvenida dos Lagos, 41 - Cidade Universitria Pedra Branca Palhoa SC - 88137-100 Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 E-mail: [email protected] Site: www.virtual.unisul.br

Capacitao e Assessoria ao Docente

Acessibilidade

Reitor UnisulAilton Nazareno Soares

Angelita Maral Flores (Coordenadora) Adriana Silveira Caroline Batista Cludia Behr Valente Elaine Surian Patrcia Meneghel Simone Perroni da Silva Zigunovas

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Monitoria e Suporte

Avaliao da Aprendizagem

Coordenao dos Cursos

Mrcia Loch (Coordenadora) Elosa Machado Seemann Franciele Dbora Maia Gabriella Arajo Souza Esteves Lis Air Fogolari Simone Soares Haas Carminatti

Vice-Reitor

Sebastio Salsio Heerdt

Chefe de Gabinete da ReitoriaWillian Mximo

Pr-Reitor AcadmicoMauri Luiz Heerdt

Pr-Reitor de AdministraoFabian Martins de Castro

Campus Sul

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Campus UnisulVirtual

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Equipe UnisulVirtualGerncia AcadmicaMrcia Luz de Oliveira

Gerncia AdministrativaRenato Andr Luz (Gerente) Marcelo Fraiberg Machado Naiara Jeremias da Rocha Valmir Vencio Incio

Adriana Ramme Adriano Srgio da Cunha Alosio Jos Rodrigues Ana Luisa Mlbert Ana Paula Reusing Pacheco Bernardino Jos da Silva Carmen Maria Cipriani Pandini Charles Cesconetto Diva Marlia Flemming Eduardo Aquino Hbler Fabiana Lange Patrcio (auxiliar) Fabiano Ceretta Itamar Pedro Bevilaqua Jairo Afonso Henkes Janete Elza Felisbino Jorge Alexandre Nogared Cardoso Jos Carlos Noronha de Oliveira Jucimara Roesler Karla Leonora Dahse Nunes Luiz Guilherme B. Figueiredo Luiz Otvio Botelho Lento Marciel Evangelista Catneo Maria da Graa Poyer Maria de Ftima Martins (auxiliar) Mauro Faccioni Filho Moacir Fogaa Moacir Heerdt Nazareno Marcineiro Nlio Herzmann Onei Tadeu Dutra Raulino Jac Brning Rose Clr Estivalete Beche Rodrigo Nunes Lunardelli

Design Visual

Pedro Paulo Alves Teixeira (Coordenador) Adriana Ferreira dos Santos Alex Sandro Xavier Alice Demaria Silva Anne Cristyne Pereira Diogo Rafael da Silva Edison Rodrigo Valim Elusa Cristina Sousa Higor Ghisi Luciano Patricia Fragnani Vilson Martins Filho

Rafael da Cunha Lara (Coordenador) Andria Drewes Anderson da Silveira Anglica Cristina Gollo Bruno Augusto Zunino Claudia Noemi Nascimento Cristiano Dalazen Dbora Cristina Silveira Ednia Araujo Alberto Fernanda Farias Jonatas Collao de Souza Karla Fernanda W. Desengrini Maria Eugnia Ferreira Celeghin Maria Isabel Aragon Maria Lina Moratelli Prado Mayara de Oliveira Bastos Patrcia de Souza Amorim Poliana Morgana Simo Priscila Machado Priscilla Geovana Pagani

Produo Industrial

Multimdia

Cristiano Neri Gonalves Ribeiro Fernando Gustav Soares Lima

Francisco Asp (coordenador) Ana Paula Pereira Marcelo Bittencourt

Portal

Relacionamento com o MercadoWalter Flix Cardoso Jnior

Rafael Pessi

Disciplinas a Distncia

Enzo de Oliveira Moreira (Coordenador) Franciele Arruda Rampelotti (auxiliar) Luiz Fernando Meneghel

Secretaria de Ensino a Distncia Karine Augusta Zanoni Albuquerque (Secretria de ensino)Andra Luci Mandira Andrei Rodrigues Bruno De Faria Vaz Sampaio Daiany Elizabete da Silva Djeime Sammer Bortolotti Douglas Silveira Fylippy Margino dos Santos James Marcel Silva Ribeiro Jenniffer Camargo Luana Borges Da Silva Luana Tarsila Hellmann Marcelo Jos Soares Micheli Maria Lino de Medeiros Miguel Rodrigues Da Silveira Junior Patricia Nunes Martins Rafael Back Rosngela Mara Siegel Silvana Henrique Silva Vanilda Liordina Heerdt Vilmar Isaurino Vidal

Gesto Documental

Lamuni Souza (Coordenadora) Janaina Stuart da Costa Josiane Leal Juliana Dias ngelo Marlia Locks Fernandes Roberta Melo Platt

Gerncia de Ensino, Pesquisa e ExtensoMoacir Heerdt Clarissa Carneiro Mussi Letcia Cristina Barbosa (auxiliar)

Criao e Reconhecimento de CursosDiane Dal Mago Vanderlei Brasil

Logstica de Encontros Presenciais

Gerncia FinanceiraFabiano Ceretta

Desenho Educacional

Carolina Hoeller da Silva Boeing (Coordenadora)

Gerncia de Produo e Logstica

Design Instrucional

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Gerncia Servio de Ateno Integral ao AcadmicoJames Marcel Silva Ribeiro

Avaliao InstitucionalDnia Falco de Bittencourt Rafael Bavaresco Bongiolo

Biblioteca

Soraya Arruda Waltrick (Coordenadora) Maria Fernanda Caminha de Souza

Ana Cludia Ta Carmen Maria Cipriani Pandini Cristina Klipp de Oliveira Daniela Erani Monteiro Will Emlia Juliana Ferreira Flvia Lumi Matuzawa Karla Leonora Dahse Nunes Leandro Jos Rocha Lucsia Pereira Luiz Henrique Milani Queriquelli Mrcia Loch Marcelo Mendes de Souza Marina Cabeda Egger Moellwald Marina M. G. da Silva Michele Correa Nagila Cristina Hinckel Silvana Souza da Cruz Viviane Bastos

Graciele Marins Lindenmayr (Coordenadora) Ana Paula de Andrade Aracelli Araldi Hackbarth Daiana Cristina Bortolotti Douglas Fabiani da Cruz Edsio Medeiros Martins Filho Fabiana Pereira Fernando Steimbach Marcelo Faria Marcelo Jair Ramos Rodrigo Lino da Silva

Secretria Executiva Viviane Schalata Martins Tenille Nunes Catarina (Recepo) Tecnologia Osmar de Oliveira Braz Jnior (Coordenador)Andr Luis Leal Cardoso Jnior Felipe Jacson de Freitas Jefferson Amorin Oliveira Jos Olmpio Schmidt Marcelo Neri da Silva Phelipe Luiz Winter da Silva Rodrigo Battistotti Pimpo

Formatura e Eventos

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Logstica de Materiais

Jeferson Cassiano Almeida da Costa (Coordenador) Carlos Eduardo Damiani da Silva Geanluca Uliana Guilherme Lentz Luiz Felipe Buchmann Figueiredo Jos Carlos Teixeira Rubens Amorim

Giovani de Paula Lauro Jos Ballock Giovanni Cardoso Pacheco Nazareno Marcineiro

Tpicos Emergentes em Segurana Pblica III:

Poltica Criminal, Criminologia, Direito e Execuo Penal e Polcia ComunitriaLivro didtico Design Instrucional Carmen Maria Cipriane Pandini

2 edio revista e atualizada

Palhoa UnisulVirtual 2009

Copyright UnisulVirtual 2009 Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prvia autorizao desta instituio.

Edio Livro DidticoProfessores Conteudistas Giovani de Paula Lauro Jos Ballock Giovanni Cardoso Pacheco Nazareno Marcineiro Design Instrucional Carmen Maria Cipriani Pandini Assistente Acadmico Emlia Juliana Ferreira (2 ed. rev. e at.) Projeto Grfico e Capa Equipe UnisulVirtual Diagramao Pedro Teixeira Alice Demaria Silva (2 ed. rev. e at.) Reviso Ortogrfica Carmen Maria Cipriani Pandini

363.3 T63

Tpicos emergentes em segurana pblica III : polcia criminal, criminologia, direito e execuo penal e polcia comunitria : livro didtico / Giovani de Paula, Lauro Jos Ballock, Giovanni Cardoso Pacheco, Nazareno Marcineiro ; design instrucional Carmen Maria Cipriani Pandini ; [assistente acadmico Emilia Juliana Ferreira]. 2. ed. rev. e atual. Palhoa : UnisulVirtual, 2009. 356 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia.

1. Segurana pblica. 2. Polcia. 3. Direito penal. 4. Processo penal. 5. Criminologia. I. Paula, Giovani de. II. Ballock, Lauro Jos. III. Pacheco, Giovanni Cardoso. IV. Marcineiro, Nazareno. V. Pandini, Carmen Maria Cipriani. VI. Ferreira, Emilia Juliana.Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria da Unisul

SumrioApresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 UNIDADE 1 Criminologia e Segurana Pblica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 UNIDADE 2 A Segurana Pblica na sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 UNIDADE 3 Noes de Direito Processual Penal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 UNIDADE 4 Atuao policial no Estado Democrtico e Direito em face dos princpios e garantias aplicveis ao processo penal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 UNIDADE 5 Polcia Comunitria: filosofia de polcia e uma estratgia de preservao da ordem pblica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 UNIDADE 6 A gesto orientada ao problema sob a tica da Polcia Comunitria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279 Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 339 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Sobre os professores conteudistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 349 Respostas e comentrios das atividades de autoavaliao . . . . . . . . . . . . . 351

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ApresentaoEste livro didtico corresponde disciplina Tpicos Emergentes em Segurana Pblica III, que compreende Poltica Criminal, Direito e Execuo Penal e Polcia Comunitria. O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autnoma, abordando contedos especialmente selecionados e adotando uma linguagem que facilite seu estudo a distncia. Por falar em distncia, isso no significa que voc estar sozinho. No esquea que sua caminhada nesta disciplina tambm ser acompanhada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual. Entre em contato sempre que sentir necessidade, por telefone, e-mail ou Espao UnisulVirtual de Aprendizagem. Nossa equipe ter o maior prazer em atend-lo, pois sua aprendizagem nosso principal objetivo. Bom estudo e sucesso! Equipe UnisulVirtual.

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Palavras dos ProfessoresCaros alunos, Neste livro uma das partes do seu estudo ser relacionada a temticas ligadas questes que dizem respeito violncia e criminalidade numa perspectiva criminolgica crtica. Na unidade 1 e 2 apresentaremos possibilidades que dizem respeito compreenso do fenmeno da violncia e da criminalidade, saindo do senso comum e da produo conceitual historicamente construda que acabou estabelecendo uma lgica maniquesta, do bem contra o mal numa pseudo luta ou guerra contra o crime. Apontamos em nossas discusses aspectos histricos, antropolgicos, psicolgicos sociolgicos e jurdicos na busca da elucidao das questes que dizem respeito ao fenmeno criminal, buscando a interdisciplinaridade para uma melhor compreenso do tema e o desapego aos dogmas construdos em torno do Estado, do Moderno ao contemporneo. Buscamos dar cientificidade nas explicaes sobre o crime e a violncia, apontando algumas contradies de nosso sistema punitivo, notadamente no que se refere s relaes de desigualdade e seletividade que opera neste modelo sciopunitivo. Esperamos que a leitura produza reflexes que permitam um novo olhar sobre as pessoas criminalizadas, que se entenda a magnitude do chamado fato-crime, que se desnude outras expresses de violncia escamoteadas pelas estruturas de poder e que se perceba que existem outras formas de mediao de conflitos, menos dolorosas s pessoas e sociedade e que relevem a dignidade da condio humana ! Nas Unidades 3 e 4 apresentamos as noes gerais de Direito Processual Penal e da Lei de Execuo Penal. Nestas unidades voc encontrar algumas informaes, sobre o ordenamento

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jurdico brasileiro, relacionadas segurana pblica no Brasil. Alguns conceitos sero necessrios para compreender o Direito Processual Penal e a lei de Execuo Penal, no contexto do complexo sistema jurdico, do qual se extraem regras de convivncia humana, visando concretizao da paz social. Assim, no Direito Processual Penal, voc ir estudar princpios fundamentais que devem ser respeitados na fase preliminar da persecuo penal, rotineiramente desenvolvida pela polcia civil, por meio do inqurito policial, cuja atuao tambm obedece aos postulados do Estado Democrtico de Direito, j estudados anteriormente, cujo objetivo assegurar a construo de uma sociedade livre, justa e solidria, alm de garantir o pleno exerccio da cidadania e a dignidade da pessoa humana, que integra o rol dos direitos fundamentais do indiciado. Em seguida, voc ter oportunidade de estudar alguns conceitos essenciais para a Execuo Penal, que desafiam a segurana pblica no Brasil, bem como a sociedade, como um todo, buscando cumprir os objetivos da execuo penal, que tem como finalidade primeira, efetivar as disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado, o que se torna invivel sem a participao efetiva de toda a sociedade, pois segurana pblica , no s dever do Estado, mas direito e responsabilidade de todos. (CF, art. 144). Nesta etapa de estudo disciplina Noes de Direito Processual Penal e da Lei de Execuo Penal voc encontrar algumas informaes, sobre o ordenamento jurdico brasileiro, relacionadas segurana pblica no Brasil. Alguns conceitos sero necessrios para compreender o Direito Processual Penal e a lei de Execuo Penal, no contexto do complexo sistema jurdico, do qual se extraem regras de convivncia humana, visando concretizao da paz social. Assim, no Direito Processual Penal, voc ir estudar princpios fundamentais que devem ser respeitados na fase preliminar da persecuo penal, rotineiramente desenvolvida pela polcia civil, por meio do inqurito policial, cuja atuao tambm obedece aos postulados do Estado Democrtico de Direito, j estudados anteriormente, cujo objetivo assegurar a construo de uma sociedade livre, justa e solidria, alm de garantir o pleno10

Poltica Criminal, Criminologia, Direito e Execuo Penal e Polcia Comunitria

exerccio da cidadania e a dignidade da pessoa humana, que integra o rol dos direitos fundamentais do indiciado. Em seguida, voc ter oportunidade de estudar alguns conceitos essenciais para a Execuo Penal, que desafiam a segurana pblica no Brasil, bem como a sociedade, como um todo, buscando cumprir os objetivos da execuo penal, que tem como finalidade primeira, efetivar as disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado, o que se torna invivel sem a participao efetiva de toda a sociedade, pois segurana pblica , no s dever do Estado, mas direito e responsabilidade de todos. (CF, art. 144). Nas unidades 5 e 6 voc ver que ao longo dos ltimos anos a preocupao da sociedade com as questes relacionadas segurana pblica tem sido cada vez maior. As discusses sobre segurana pblica nunca estiveram to em evidncia como hoje. O que antes era uma questo preocupante apenas nas grandes metrpoles brasileiras passou a fazer parte do nosso cotidiano. Podemos afirmar que a soluo do problema passa pelo envolvimento da sociedade nestas questes, em parceria com o aparato estatal de preveno e persecuo criminal, objetivando identificar os problemas que afetam cada comunidade e encontrar solues criativas para esses problemas, a fim de gerar qualidade de vida e comunidades mais seguras. Buscaremos mostrar a voc a conceituao sobre a filosofia de Polcia Comunitria e a metodologia de anlise e soluo de problemas de segurana pblica, no sentido de capacit-los a atuar como gestores de aes de preservao da ordem pblica, engajando-se na construo de uma sociedade mais segura. Aproveite esta oportunidade mpar para expor suas ideias, realizar pesquisas, socializar conhecimentos, interagir com seus colegas e participar desta importante caminhada. Ento, caro aluno, ingresse em mais uma etapa com entusiasmo na busca de novos horizontes do conhecimento. Bom estudo!

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Plano de estudoO plano de estudo visa orientar voc no desenvolvimento da disciplina. Ele possui elementos que o ajudaro a conhecer o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto, a construo de competncias se d sobre a articulao de metodologias e por meio das diversas formas de ao/mediao. So elementos desse processo:

o livro didtico; o Espao UnisulVirtual de Aprendizagem - EVA; as atividades de avaliao (complementares, a distncia e presenciais).

EmentaPoltica Criminal, Criminologia e Direito Penal, Noes Gerais de Processo e Execuo Penal, Polcia Comunitria: caractersticas, princpios, conselhos comunitrios, metodologia de resoluo de problemas.

Carga Horria4 crditos - 60 horas-aula.

ObjetivosGerais: Compreender a dimenso e o significado da violncia na sociedade contempornea, e as formas com que se vem

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enfrentando o problema, conhecer os princpios de processo penal aplicveis atividade policial e a importncia do inqurito policial no contexto da produo de prova no processo penal e as implicaes no mbito da segurana pblica e; compreender os fundamentos da polcia comunitria e contextualiz-la no desenvolvimento de aes nas reas da segurana pblica identificando os critrios para resoluo de problemas no mbito das necessidades sociais com relao segurana. Especficos

Identificar e compreender os princpios e saberes criminolgicos historicamente construdos e que buscam explicar o fenmeno da violncia e da chamada criminalidade, com nfase Criminologia Crtica, apontando fundamentos das polticas pblicas para seu enfrentamento de forma a que se perceba as ambiguidades entre a regulao e a emancipao humana. Conhecer os princpios de processo penal aplicveis atividade policial. Conhecer a importncia do inqurito policial, visando produo de prova no processo penal. Entender a forma de aplicao priso e da liberdade provisria no processo penal e sua repercusso na SP. Saber identificar as situaes mais comuns, previstos no Cdigo de Processo Penal, que ocorrem no dia-a-dia, nas quais a interveno policial obrigatria. Conhecer as principais caractersticas, princpios e conceitos da filosofia de preservao da ordem pblica denominada de Polcia Comunitria. Identificar as diferenas entre o modelo tradicionalmente praticado pelas polcias brasileiras e a filosofia da Polcia Comunitria. Conhecer as principais caractersticas dos Conselhos Comunitrios e Segurana e sua importncia para a prtica da filosofia da Polcia Comunitria.

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Poltica Criminal, Criminologia, Direito e Execuo Penal e Polcia Comunitria

Conhecer os principais pressupostos tericos, mtodos e ferramentas da gesto baseada na soluo de problemas. Perceber a importncia das metodologias de soluo de problemas na rea de segurana pblica, conhecendo a definio do que seja problema de segurana pblica e as principais metodologias utilizadas para soluo destes problemas. Conhecer as etapas e as ferramentas que compe o ciclo de anlise e soluo de problemas de segurana pblica.

Contedo programtico/objetivosVeja, a seguir, as unidades que compem o livro didtico desta disciplina e os seus respectivos objetivos. Esses se referem aos resultados que voc dever alcanar ao final de uma etapa de estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de conhecimentos que voc dever possuir para o desenvolvimento de habilidades e competncias necessrias sua formao. Unidades de estudo: 6

Agenda de atividades/ Cronograma

Verifique com ateno o EVA, organize-se para acessar periodicamente o espao da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorizao do tempo para a leitura, da realizao de anlises e snteses do contedo e da interao com os seus colegas e tutor. No perca os prazos das atividades. Registre no espao a seguir as datas, com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA. Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da Disciplina.

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Atividades

Demais atividades (registro pessoal)

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UNIDADE 1

Criminologia e Segurana PblicaObjetivos de aprendizagem

Compreender a dimenso e o significado da violncia na sociedade contempornea, identificando suas razes na sociedade brasileira e as formas com que se vem enfrentando o problema. Identificar e compreender os princpios e saberes criminolgicos historicamente construdos e que buscam explicar o fenmeno da violncia e da chamada criminalidade, com nfase Criminologia Crtica.

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Sees de estudoSeo 1 Localizando o tema: a compreenso daviolncia por uma nova cultura

Seo 2 Criminologia: fundamentos e escolas Seo 3 A sociologia do crime e da violncia

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Para incio de estudoNo novidade para voc que a sociedade contempornea, em nvel local e global, se depara diuturnamente com a problemtica da violncia e suas consequncias, no mesmo? e a grande questo que tem se colocado : de que forma a sociedade civil organizada e o aparato poltico jurdico do Estado podem se mobilizar para fazer frente a esse problema que tem afligido a todos, direta ou indiretamente? Dentre os vrios problemas que as estruturas de segurana pblica enfrentam no Brasil no que tange preveno e controle da criminalidade e da violncia, o que iremos tratar nesta parte do livro est relacionado forma tradicional com que tem se interpretado os fenmenos sociais conflitivos, mais especificamente a questo da violncia do crime e da criminalidade e s formas que tem buscado para sua resoluo. Num primeiro momento cabe dizer que as aes do Estado e da sociedade no enfrentamento ao problema acabam sendo funcionalizadas mediante o conhecimento emprico aliado incorporao dogmtica dos postulados que remontam aos ideais da modernidade, sobrepujando o conhecimento cientfico produzido nas reas afins e transversais e sendo pouco permevel construo de novos espaos de possibilidades e de oportunidades, o que faz com que acabem reproduzindo e colocando num primeiro plano os interesses das ideologias e estruturas de poder dominantes, relegando a um segundo plano aes de emancipao humana, de preservao/resgate dos direitos de cidadania e dos reais valores da justia. Este estudo aborda a evoluo do pensamento criminolgico, apontando alguns paradigmas em criminologia, chegando-se criminologia crtica sendo esta perspectiva de fundamental importncia para desconstruo de velhos paradigmas e de (re)construo de novas possibilidades, neste ltimo caso com um olhar para o futuro, para uma nova sociedade, a sociedade que a Carta Magna pretende: livre, justa e solidria. Uma sociedade em que as diferenas seja toleradas, os preconceitos banidos e a dignidade da pessoa humana preservada, em qualquer situao!

Modernidade: o projeto da modernidade constituiu-se entre os sculos XVI e finais do sculo XVIII com grandes transformaes sociais e intelectuais para a sociedade. Fundava-se nos seguintes valores: previsibilidade, universalidade, uniformidade, certeza, verdade, predeterminao, e com isso a rotina, a certeza a pressa, o consenso. (Maior aprofundamento ver: SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mo de Alice: O social e o poltico na ps-modernidade. So Paulo: Cortez, 2000).

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Mas poderamos nos perguntar, o que caberia antes disso?

Antes, cumpriria desmistificar a compreenso do fenmeno social a que chamamos violncia, pois est de forma iniludvel enraizado na existncia e na condio humana. Nascemos, vivemos e morremos num ciclo existencial sob o manto da violncia, e do direito. O nascer e o morrer, momentos contingentes extremos do fenmeno vida, implicam em violncia. O nascer em decorrncia dos traumas do ato em si (parto e dor) e a morte pelo desaparecimento e sofrimento que gera. Vamos ao estudo, ento?

SEO 1 - Localizando o tema: a compreenso da violncia por uma nova culturaVoc j estudou sobre esse assunto no curso de segurana pblica, numa disciplina especfica chamada sociologia do Crime e da Violncia e tambm, de forma indireta em outros materiais, no mesmo? Para incio importante que perceba que o Crime e a Violncia tem sido temas que fazem parte dos diferentes estgios civilizatrios das sociedades, desde os tempos primitivos ou arcaicos, com registros obtidos das inscries rupestres sugestivas das formas de interao humana daquela poca, passando pela Antiguidade Clssica em que as obras poticas da poca como a Ilada e a Odissia a Idade Mdia com o Estado Absolutista que passou a ser chamado por alguns historiadores e criminlogos tambm de Estado de terror penal; a Idade Moderna com o positivismo jurdico irradiante de dogmas e postulados que, com base principalmente na razo, contriburam para elaborar instrumentos jurdicos de controle social que tambm desaguaram em expresses de violncia; e a poca Contempornea, a qual nos confronta com um modelo poltico,

Poemas picos. De Homero retratavam a forma de organizao social e seus problemas ou ainda a obra Antgona de Sfocles que nos demonstra a crise histrica estabelecida entre o direito Natural e o Direito Positivo.

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econmico e social que tem contribudo para fomentar uma cultura do medo e da violncia. Portanto, importante que voc compreenda que a histria da humanidade esteve permeada pela violncia. Muitos so os registros de guerras, perseguies, disputas, questes de gnero, preconceitos, desigualdades, terrorismos, exploraes, e por aquela modalidade de violncia que muitas vezes entendida e definida por valores de determinados grupos sociais organizados, trata-se da criminalidade e dos processos de criminalizao, e quais suas relaes com as estruturas de segurana pblica, o que erigiremos a objeto central de discusso na disciplina Criminologia e que passaremos a tratar.

Transgresso, crime, violncia e os direitos de cidadaniaOs atos considerados como transgresso tem acompanhado a vida em sociedade e os desgnios das pessoas no que tange ao seu livre arbtrio sempre foram causa de preocupao da vida grupal, notadamente no que tange ao estabelecimento de limites individuais em prol do bem comum, da paz social. Isto porque, historicamente, o gnero humano falvel no que tange aos seus sentimentos, reaes, impulsos, comportamentos, enfim, como ser poltico por natureza, o homem nasce, vive e morre num contexto das mais variadas condies e possibilidades de situaes de poder e conflitos, estabelecendo consensualmente nas sociedades uma estrutura de poder superior para sua resoluo. Essas estruturas tinham ou evocavam inicialmente foras metafsicas, religiosas, que vemos nos relatos histricos das figuras dos pajens, chefes de tribo, feiticeiros, enfim, cuja autoridade definia a figura do proibido, do pecado, do castigo, o que na realidade consistia numa das manifestaes de poder e cooptao sobre o grupo. Hans Kelsen nos d uma dimenso aproximada da natureza das normas dos povos antigos:

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Poltica Criminal, Criminologia, Direito e Execuo Penal e Polcia Comunitria

[...] na conscincia dos homens que vivem em sociedade, existe a representao de normas que regulam a conduta entre eles e vinculam os indivduos. [...] As normas mais antigas da humanidade so provavelmente aquelas que visam frenar e limitar os impulsos sexuais e agressivos. O incesto e o homicdio so deveras os crimes mais antigos ,e a perda da paz (isto a excluso do grupo) e a vingana de sangue as mais antigas sanes socialmente organizadas. Est-lhes na base uma regra que determina toda a vida social dos primitivos, a regra da retribuio (retaliao). KELSEN, 2003. p. 92).

Nas sociedades de nosso tempo o crime h que ser percebido como uma construo jurdica que tem por escopo o controle social, e as sociedades tem se acudido da aplicao de um castigo como modalidade de resposta visando sua preveno. Nesse processo, o que tem ocorrido historicamente a reproduo da violncia, a negativa de apreenso de novas possibilidades, evitao na mediao dos conflitos. Os fatores que tem levado a isso so de mltiplas ordens: antropolgica, sociolgica, religiosa, filosfica, psicolgica e, mais recentemente, ideolgica, sob o aspecto da forma com que a informao tem sido manipulada e exercido influncias sobre a opinio pblica. Percebe-se que a lgica criada e que estabelece uma distino entre o bem e o mal, to presente no senso comum das pessoas, encontra-se indissociavelmente ligada a razes histricas, se propagando no tempo via de regra em favor de estruturas de poder dominantes, em que o incomum o que fugia as regras, o transgressor passou a ser visto como a encarnao do mal (os outros) em detrimento dos bons (ns), categoria conceitual que passou a se chamar recentemente de outsiders, que segundo a Professora Vera Regina Pereira de Andrade teve H. Becker, sobretudo atravs de seu j clssico Outsiders (publicado em 1963), como fundador deste paradigma criminolgico, que passou a ser conhecido como labelling aproach, que estudaremos um pouco mais adiante.

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Assim, o estudo da disciplina Criminologia busca a compreenso do fenmeno criminal em suas mltiplas dimenses, saindo do senso comum para se ingressar na compreenso cientfica da criminalidade, partindo-se de alguns objetos de estudo como a violncia, o crime, o homem criminoso, os mecanismos de controle social e os processos de criminalizao.

Essas discusses iniciais e saberes tericos serviro de base e tornaro mais elucidativos alguns aspectos inerentes criminalidade na sociedade contempornea, permitindo uma anlise mais acurada sobre as caractersticas da criminalidade brasileira, a questo das drogas, da violncia de gnero, da criana e do adolescente, a anlise de dados estatsticos e do Plano Nacional de Combate Violncia, e as relaes de simbiose que essas questes estabelecem de forma estrutural funcionalista com o sistema penal, ou seja, com o sistema punitivo que engloba a Polcia, o Ministrio Pblico, o Judicirio e o Sistema Penitencirio. Ao se discutir o controle social e suas modalidades de extrema importncia que se estabelea sua correlao com os chamados direitos de cidadania. Assegurar direitos de cidadania desloca o eixo de discusso do controle para a defesa e proteo social, o que, de certa forma, descortina e d visibilidade a expresses de violncia que tm tido pouca visibilidade em nossa sociedade, como a pobreza, a fome, o desemprego, a falta de acesso educao, cultura e lazer, culminando num estado ou condio de anomia. Agora, tambm h que se perceber sobre qual cidadania estamos falando, e sobre isso a professora Vera Regina Pereira de Andrade elucidativa.(...) o horizonte de possibilidades da cidadania na contemporaneidade extremamente complexo e, ao extrapolar os limites da cidadania liberal e seus pressupostos fundantes, revela o profundo descompasso desta com as exigncias histricas naquela implicadas. Explicitando tal descompasso possvel sustentar que: 1 ) enquanto o conceito liberal de cidadania tem

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por pressuposto um conceito limitado do poder, da poltica e da democracia, subestimados na sociedade civil, a percepo da cidadania aqui delineada implica a superao destes pressupostos, uma vez que aponta para a dimenso micro (no estatal) do poder, da poltica e da democracia, na sociedade civil; 2) enquanto o conceito liberal de cidadania tem por pressuposto um conceito individualista da sociedade, que somente vislumbra uma cidadania individual e conflitos interindividuais, a percepo aqui delineada busca apreend-la, tambm, como construo coletiva que, expressando a coletivizao dos conflitos, tem por protagonistas centrais categorias, classes, grupos e movimentos sociais e no apenas indivduos atomizados; 3) enfim, e correlativamente, para alm da representao poltica, postulada pela matriz liberal como contedo da cidadania no bojo de um modelo especfico de democracia a cidadania, tal como aqui concebida, aponta para a participao e o conjunto dos direitos humanos em sentido amplo.(ANDRADE, 2003. op. cit. p. 75).

Percebe-se que a cidadania no pode ser posta como autoexecutria de um suposto pacto social, consectrio do pacto da modernidade e desvelado como redentor das desigualdades e das injustias, mas sim implica em uma constante luta e busca de instrumentos assecuratrios de direitos e deveres, da responsabilidade social de todos. Com esses fundamentos a Professora Vera Regina culmina por precisar a dimenso de cidadania a que nos referimos(...) possvel chegar a uma aproximao conceitual da cidadania como sendo a dimenso de participao/ incluso e na responsabilidade pela vida social e poltica (espao pblico local, regional, nacional, global,...) e atravs da qual a reivindicao, o exerccio e a proteo de direitos, deveres e necessidades se exterioriza enquanto processo histrico de luta pela emancipao humana, ambiguamente tensionada pela regulao social. (ANDRADE, 2003. op. cit. p. 77).

Destarte, o problema da violncia a que estamos nos referindo, como visto, (decorrente do crime) atingiu nossos dias e delegado a um sistema formal de controle chamado de Sistema Penal que composto pelo Legislador (criminalizao primria), Polcia, Ministrio Pblico e JudicirioUnidade 1

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(criminalizao secundria) indo at os mecanismos de controle social informal, como a famlia, a escola, o mercado de trabalho a mdia (ANDRADE, 2003. op. cit. p. 43). Essas estruturas sociais acabam, de forma articulada e segundo uma orquestrao ideolgica proveniente de um modelo scio-poltico que incorporou novos padres de dominao, destacando-se a econmica, tem gerado desigualdades, excluso social e um aumento dos processos de criminalizao, que, como dito, tem recado sobre um alvo preferencial, os pobres, que so submetidos em nossas prises aos mais vergonhosos aviltamentos de suas garantias e direitos fundamentais, conforme diagnstico que nos apresenta o advogado criminal e articulista do Jornal de So Paulo, Lus Francisco Carvalho Filho (2002):As prises brasileiras so insalubres, corrompidas, superlotadas, esquecidas. A maioria de seus habitantes no exerce o direito de defesa. Milhares de condenados cumprem penas em locais imprprios. O Relatrio da caravana da Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados por diversos presdios do pas, divulgado em setembro de 2000, aponta um quadro fora da lei, trgico e vergonhoso, que invariavelmente atinge gente pobre, jovem e semialfabetizada. No Cear, presos se alimentavam com as mos, e a comida, estragada, era distribuda em sacos plsticos sacos plsticos que, em Pernambuco, serviam para que detentos isolados pudessem defecar. No Rio de janeiro, em Bangu I, penitenciria de segurana mxima, verificou-se que no havia oportunidade de trabalho e de estudo porque trabalho e estudo ameaavam a segurana. No Paran, os deputados se defrontaram com um preso recolhido em cela de isolamento (utilizada para punio disciplinar) havia sete anos, perodo que passou sem ter recebido visitas nem tomado banho de sol.(...) O cheiro e o ar que dominam as carceragens do Brasil so indescritveis, e no se imagina que nelas possvel viver. (grifo nosso). (PUBLIFOLHA)

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O nosso sistema penitencirio j est agonizante, entrando em estado de colapso, pois segundo o Jornal O Globo de 27 de maro de 2007, em artigo da lavra de Jailton de Carvalho:[...] o Brasil tem hoje uma superlotao de 150 mil presos em cadeias abarrotadas e inseguras; mais de meio milho de foragidos por causa de 550 mil mandados de priso jamais cumpridos pelas polcias, e milhares de processos se arrastando nos tribunais, por causa de uma Justia lenta e inoperante.

Segundo o mesmo autor:[...] pelo ltimo censo do Depen, o pas tem hoje mais de 401.236 presos. Em 2005, o sistema prisional abrigava 361.402 detentos. Mesmo com o crescente nmero de mandados no cumpridos, a populao carcerria continua aumentando. Pelos dados do DEPEN, o nmero de presos cresce, em mdia, trs mil por ms.

Esses dados, por si s so preocupantes, e devem ao menos fazer com que se perceba que a cultura eminentemente punitiva tem agravado a situao. O assunto no tem como fundamento apenas questes voltadas aos direitos humanos ou de mudana de filosofia na busca da construo da paz social comea a ser uma real necessidade, pois no h mais espaos para tanta gente criminalizada em nossas cadeias e prises!

Pretende-se que os elementos tericos estudados sirvam de subsdios para uma percepo de cunho crtico e acadmico sobre o papel do sistema de justia criminal na modernidade e no Estado Democrtico de Direito, sem paixes e preconceitos, mas com uma viso prospectiva que propicie perspectivas de mudanas, quer a nvel individual e atitudinal, quer a nvel conjuntural, com relao a formulao de polticas pblicas de segurana que tenham como escopo e eixo matricial postulados de cunho mais emancipatrios que reguladores da conduta humana, de preservao do exerccio dos direitos de cidadania por parte de todos, e no de apenas alguns. O primeiro passo o desaprisionamento de conscincias de uma concepo eminentemente punitiva no trato dos conflitos, passar de uma cultura de guerra para uma cultura da paz.

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SEO 2 - Criminologia: fundamentos e escolasUm dos dilemas que tem atravessado sculos o da compreenso das contradies dos modelos sociais com relao ao tratamento que tem dado questo do crime e da violncia. A Criminologia a cincia que, surgida segundo autores pela fuso da Antropologia com o pensamento sociolgico, se ocupa do estudo das teorias do direito criminal, das causas do fenmeno criminal e de suas caractersticas, da sua preveno e controle de sua incidncia, tendo um carter interdisciplinar e abrangente de outras disciplinas e cincias, tais como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria, a Medicina, a Sociologia e a Antropologia.Segundo Zaffaroni (1999) [...] so chamadas cincias da conduta as que estudam a conduta humana desde o ponto de vista do ser desta conduta. A criminologia a disciplina que estuda a questo criminal do ponto de vista biopsicosocial, ou seja, integra-se com as cincias da conduta aplicada s condutas criminais. (ZAFFARONI, Eugnio Raul; PIERANGELI, 1999).

Cumpre destacar que o campo de estudo e atuao da criminologia tem tido concepes que, apesar de convergirem para um o mesmo objeto o homem, o crime, o criminoso, os fatores crimingenos e os mecanismos de controle social conceitualmente apresentam suas variveis, tais como:

Amaral Fontoura: a Criminologia estuda todos os fenmenos referentes ao crime - causas, efeitos, constituio mrbida dos criminosos, estatstica de crimes etc, sendo a Sociologia Criminal parte integrante da mesma. Paulo Dourado Gusmo: entende que a Criminologia estuda o homem criminoso, o delinquente e o crime em seu aspecto psquico-social, fundada exclusivamente em mtodos cientficos, alheada das definies e das categorias jurdico-penais. Magalhes Noronha: entende a Criminologia como cincia causal-explicativa que estuda as leis e fatores da criminalidade e abrange as reas da Antropologia e da Sociologia Criminal.

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Joo Farias Jnior: a Criminologia a cincia que estuda o homem criminoso, a natureza de sua personalidade os fatores crimingenos, [...] a criminalidade, suas geratrizes, o grau de sua nocividade social, a insegurana e os meios capazes de prevenir a incidncia e a reincidncia no crime atravs de uma poltica de erradicao do marginalismo, da profilaxia e da recuperao do delinquente para a sociedade. Newton Fernandes e Valter Fernandes: Criminologia Cincia que estuda o fenmeno criminal, a vtima, as determinantes endgenas e exgenas que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios laborteraputicos ou pedaggicos de reintegr-lo ao grupamento social.

A presente abordagem pretende ir alm dos conceitos tradicionais da Criminologia, percebendo-se outras variveis mais significativas que concorrem para a criminalidade, chegandose Criminologia Crtica, Nova ou Radical em oposio Criminologia tradicional que trata do crime como um atributo apenas de certos indivduos, em que as interpretaes inspiradas nos postulados liberais clssicos aliada ao poder globalizado do capital faz recair a responsabilidade sobre os mais vulnerveis no sistema, via de regra os pobres. Alis, exatamente essa uma das questes centrais da presente pesquisa, demonstrar que os avanos do pensamento criminolgico ainda esto atrelados chamada racionalidade cognoscitiva instrumental, funcionalizados de forma maniquesta e excludente, e em que os valores e a busca de novas verdades acabam sendo geradores de bices e afronta aos interesses dominantes na medida em que no buscam apenas estudar os conflitos, mas compreende-los e desnud-los.

Aspectos histricosO crime, o castigo, a punio, como visto, so imanentes ao processo civilizatrio, desde o Cdigo de Hammurabi na regio mesopotmica, passando pela legislao Mosaica constante nos

Cdigo de Hammurabi: monumento jurdico mais importante da Antiguidade antes de Roma. Continha 282 artigos, sendo muito desenvolvido para a poca, sobretudo no domnio do direito Privado. Hammurabi foi rei da Babilnia, provavelmente entre 1726 1686 a.C. (Maior aprofundamento ver: GILISSEN, John. Introduo Histrica ao Direito. Trad. De A.M. Hespanha e L.M. Macasta Malheiros. 3. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001.

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Fig.1 Brbaro aterrorizado Fonte: Bilbioteca de Histria Universal. Os Brbaros na Europa. Rio e Janeiro: Livraria Jos Olmpio Editora S. A., 1971 p. 26.

livros da Bblia; as reflexes de Confcio (551 478) - tem cuidado de evitar os crimes para depois no ver-te obrigado a castig-los; os gregos que com Esopo asseverou que os crimes so proporcionais a capacidade dos que os cometem , dentre outros pensadores da antiguidade clssica como Isocrates (436 38 a . C) ocultar o crime tomar parte nele -, Protgoras (485 415 a .C.) que sustentou o carter preventivo da pena; Scrates (470 399 a. C.) atravs de Plato afirmando que se devia ensinar aos indivduos que se tornavam criminosos como no reincidirem no crime, dando a eles a instruo e a formao de carter de que precisavam; Plato (427 347) dizendo que o ouro do homem sempre foi motivo de seus males (A Repblica); Aristteles (384 322) sugerindo que a misria engendra rebelio e delito e Sneca, em Roma (4 a .C. 65 d. C), com sua anlise sobre a ira, que considerava a mola propulsora do crime, argumentando ser a razo da sociedade viver em constante luta fraticida. (cf. FERNANDES, Newton; FERNANDES, 2002, p. 62). Como se percebe, o pensamento criminolgico tem sido alvo de preocupaes de pensadores, filsofos e estudiosos desde longa data e diferentes povos. As manifestaes dessa preocupao esto presentes da literatura arte! Escultura da antiguidade mostra um brbaro aterrorizado diante da morte, enquanto dois soldados romanos se aproximam. Com a queda do Imprio Romano do Ocidente, em 476 d.C. e as conquistas dos povos brbaros - povos do norte da pennsula itlica e da Europa, que invadiram o Imprio Romano do Ocidente. Eram assim chamados pelos gregos e romanos em razo de suas caractersticas fsicas e comportamento considerado grosseiro, rude e selvagem. Ocorre um pluralismo de ordens jurdicas criando um ambiente favorvel para a consolidao na Europa de um novo modelo poltico econmico, o Feudalismo e a nobreza feudal sob a proteo do papado, bem como a expanso do cristianismo, como ideologia religiosa oficial, orquestrada pelas classes e econmica e politicamente mais fortes. (FERNANDES. Op. Cit.). As relaes feudais consolidam o Estado Absolutista e a maneira de punir, ao arbtrio dos senhores de terra e sob o jugo das

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monarquias daquele perodo histrico. No demais afirmar a natureza e o carter expiatrio das penas, que atingiam no apenas a liberdade, mas principalmente o corpo do condenado, consistindo nos castigos corporais, nas gals, nos degredos. O contexto geopoltico da Europa, decorrente do processo de evoluo e formao daqueles pases faz com que decorra um pluralismo de ordens jurdicas e a partir dos sculos XII e XIII ocorram transformaes. Segundo Gillissen:[...] As transformaes, aparentemente lentas e progressivas, conduzem a uma verdadeira revoluo na concepo jurdica e tambm poltica, econmica e social. Passa-se dum sistema de direito feudal ou, no Norte e no Leste, de direito arcaico para um sistema desenvolvido e evoludo, racional e equitativo, de tendncia individualista e liberal. [...] Os que exercem o poder tendem a manter a ordem e a paz pelo desenvolvimento da sua polcia e da sua justia. Assim se formam os embries dos Estados modernos [...] O poder de fazer leis passa progressivamente dos senhores e das cidades para os soberanos e depois para a nao. (GILISSEN, John. 2001, p. 205, 206).

As mudanas ocorrem tambm no campo penal, como a que substituiu o sistema de provas irracionais, em que se evocava os ordlios, os juzos de Deus e os duelos judicirios para a resoluo dos conflitos por juzes ou rbitros a fim de investigarem a verdade e decidirem com bases em regras de direito, aparecendo a Justia e a Equidade como fundamentos do Direito.(GILISSEN, John. 2001, p. 205,206). A transao da Idade Mdia para a Idade Moderna, entre os sculos XIV e XVI, manteve a influncia de alguns valores e postulados metafsicos, religiosos e das chamadas cincias ocultas, exemplo disso so os tribunais inquisitoriais da Idade Mdia e suas perseguies, a Astrologia relacionando o movimento dos astros com o comportamento humano, a Quiromancia prevendo o futuro pelas linhas das mos, ou a Demonologia.

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Sobre a Demonologia, segundo[...] buscava conhecer os indivduos pretensamente possudos pelo demnio, com o que facilitou o florescimento de todas as Inquisies havidas na Humanidade. Esta cincia que propiciou o aparecimento, na Idade Mdia, da Psiquiatria. Naquela poca, como sabido, eram considerados como possudos pelo demnio os loucos e os portadores de alienao mental, que eram sistematicamente caados e encarcerados, quando no sacrificados pelos terrveis Tribunais da Inquisio espalhados por todo o mundo. (FERNANDES, op. cit. p. 64).

Essa mesma demonologia que servia como subterfgio para a manuteno do poder e como instrumento de controle social, acabou atravessando sculos e atingiu nosso tempo com o surgimento de novas modalidades de extermnio, em que diante da ameaa do outro o castigo, o sofrimento e a excluso tm sido as respostas mais alvissareiras. As concepes sobre as aes humanas conflitivas e a figura da culpa foram retratadas de muitas formas diferentes, indo do divino ao racional. As imagens abaixo, feitas por volta de 1490, so insinuantes quanto ao temperamento dos homens.Fig.1 Aparncias e olhares Fonte: DA VINCI, Leonardo. Biblioteca de Histria Universal. Renascena. Rio e janeiro: Livraria Jos Olmpio Editora S. A., 1970, p. 131.

As aparncias e olhares das pessoas so insinuativas quanto a maldade humana!

Para com todas essas inquietaes concorrero uma srie de pensadores, filsofos e mdicos da poca, que com suas influncias acabaram contriburam para o surgimento da Criminologia, destacando-se o pensamento e a obra do italiano Cesare Beccaria (1738 1794). Segundo Gilissen:Beccaria teve uma grande influncia na modernizao do direito penal. Escreveu o seu livro Dei delitti e delle pene (Dos delitos e das penas) (1764) com a idade de 25 anos e publicou-o como um panfleto annimo. Novamente publicado pouco depois com um comentrio de Voltaire,

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a obra rapidamente conheceu o sucesso e foi traduzida na maior parte das lnguas europias. Sob a influncia do Contrat Social de Rousseau, Beccaria imagina um sistema jurdico no qual cada um deve ceder uma parcela da sua liberdade to mnima quanto possvel ao soberano, em troca da manuteno da ordem por este ltimo. O soberano no pode abusar do seu direito de punir; os factos so apenas punveis se a lei os considerar como infrao; a proclamao da legalidade dos delitos e das penas; o adgio nullun crimen, nulla poena sine lege que, embora expresso em latim, nada tem de romano. A pena deve ser proporcional ao mal a reprimir; a tortura e a pena de morte no podem ser toleradas. (GILISSEN. op. cit. p. 368).

O inconformismo com os iderios e verdades dogmticas e religiosas faz com que ocorra um movimento cultural e intelectual que se opes s crenas e a alguns valores impostos da poca (sculo XVIII), fazendo com que eclodissem novas concepes no campo das artes, cultura, letras e filosofia, exercendo influncias significativas no pensamento poltico e jurdico at o sculo XX. Convm lembrar que os postulados do movimento iluminista deram azo s proposies que culminaram na Revoluo Francesa de 1789: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Na esfera poltica teve-se como um dos resultados a oposio ao Absolutismo Monrquico e no campo do saber criminolgico e na esteira do pensamento e obra de Beccaria, a questo da preponderncia da lei, da legalidade das infraes, da abolio das penas infamantes e cruis e dos direitos humanos. No obstante, a importncia de Beccaria, com Cesare Lombroso que se tem o marco histrico da fundao da criminologia, que com sua obra LUomo delinquente, em 1876, acaba criando a Antropologia Criminal. Essa obra estabeleceu uma relao entre o homem que pratica crimes e as suas caractersticas fsicas, com estudos que se limitaram observao de presos e questes de etiologia orgnica. Segundo a professora Vera Regina Pereira de Andrade:A primeira e clebre resposta sobre as causas do crime foi dada pelo mdico italiano Lombroso, que sustenta,

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inicialmente, a tese do criminoso nato: a causa do crime identificada no prprio criminoso. Partindo do determinismo biolgico (anatmico-fisiolgico) e psquico do crime e valendo-se do mtodo de investigao e anlise prprio das cincias naturais (observao e experimentao), procurou comprovar sua hiptese atravs da confrontao de grupos no-criminosos com criminosos dos hospitais psiquitricos e prises sobretudo do sul da Itlia, pesquisa na qual contou com o auxlio de Ferri, quem sugeriu, inclusive, a denominao criminoso nato. Procurou desta forma individualizar nos criminosos e doentes apenados anomalias sobretudo anatmicas e fisiolgicas* vistas como constantes naturalsticas que denunciavam, a seu ver, o tipo antropolgico delinquente, uma espcie parte do gnero humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes. (ANDRADE, 2003. p. 35 36).

Portanto, Lombroso inicia os primeiros paradigmas em Criminologia, em que se coloca no centro da discusso sobre a questo da criminalidade a pessoa humana incomum, o objeto da discusso o homem criminoso, aquele ser antropologicamente diferente das demais pessoas. Lombroso, prosseguindo em suas pesquisas, acrescentou como causas da criminalidade ao lado do atavismo, a epilepsia e a loucura moral. Atavismo, epilepsia e loucura moral constituem o que Vonnacke denominou de trptico lombrosiano I. (id. ib. p. 36). Van Hamel chegou a afirmar que Csar Beccaria, nos dias de arbtrio, disse ao homem: conhece a justia; Csar Lombroso, na poca em que se est aferrado s frmulas clssicas do Direito Penal, disse justia: conhece o homem. (LOMBROSO, Csar, 1835 - 1909. O homem delinquente, 2001).A individualizao dos criminosos, doentes e apenados se davam pelas anomalias sobretudo anatmicas e fisiolgicas, ou seja indivduos vistos como pessoas de pouca capacidade craniana, frente fugidia, grande desenvolvimento dos arcos zigomticos e maxilar, cabelo crespo e espesso, orelhas grandes, agudez visual, etc. (ANDRADE, Sistema Penal Mximo x Cidadania Mnima. 2003).

Fig.1 Tipos lombrosianos Fonte: www.romacivica.net

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Essas discusses deram origem ao surgimento de novos paradigmas, e esses paradigmas acabaram se cristalizando como correntes do pensamento que passaram a serem estudados como Escolas Penais, o que passaremos a tratar a seguir.Quais as Escolas penais?

As discusses sobre a questo do Direito Penal, do crime e da criminalidade, com suas respectivas teorias sobre o assunto, passaram a ser designados, como dito, Escolas Penais. Essas escolas passaram a (re)analisar os fundamentos da Criminologia buscando ampliar a compreenso da chamada criminalidade e de suas teorias. A primeira dessas escolas a chamada Escola Clssica.

Escola ClssicaA Escola Clssica surge no contexto do movimento Iluminista, tendo como consectrio os postulados da humanizao da pena. Beccaria foi o expoente e representante da Escola Clssica. Segundo Vera Regina Pereira de Andrade:A Escola Clssica se originou no marco histrico do Iluminismo e de uma transformao estrutural da sociedade e do Estado, inserindo-se, em seus momentos fundacionais, na transio da ordem feudal e o Estado absolutista (o Antigo Regime) para a ordem capitalista e o Estado de Direito liberal na Europa, e se desenvolveu ao longo do processo de consolidao desta nova ordem. (ANDRADE, 2003, p. 45-46).

Teve preocupao em assentar as bases do Sistema Penal com fundamentos baseados na humanizao dos meios punitivos, legalidade do Direito Penal e Processual Penal (garantia e segurana jurdica) e finalidade da pena, opondo-se aos arbtrios e pugnando pela segurana individual em contraposio Justia Penal ingente da poca, cujas penas, assentadas no duplo pilar da expiao moral e da intimidao coletiva, eram excessivamente arbitrrias e brbaras, prodigando os castigos corporais e a pena de morte. (Id. ib. p. 49).Unidade 1

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OLIVEIRA, Odete Maria de. Priso: um paradoxo social. Florianpolis: Editora da UFSC, 1996. p. 61.

Se sustentou num sistema dogmtico e se baseou em conceitos racionalistas, considerando a imputabilidade penal diretamente vinculada ao livre arbtrio e culpabilidade moral, tratando o delito como um ente de natureza jurdica e a pena como um mal necessrio segurana jurdica. Deixou como herana um legado que, baseado em concepes liberais, contribuiu para uma viso estrutural funcionalista do Sistema Penal.

Escola Penal PositivaA obra O homem delinquente de Lombroso representa um novo paradigma em criminologia no campo do saber cientfico fazendo emergir uma nova corrente do pensamento criminolgico, a Escola Penal Positiva, que passou a tratar o delito como uma realidade biolgico social, constituda de fatores antropolgicos e materiais, realando como objeto do seu estudo o homem criminoso e suas caractersticas anatmico fisiolgicas.OLIVEIRA, Odete Maria de. Priso: um paradoxo social. Florianpolis: Editora da UFSC, 1996. p. 62.

Essa Escola Penal teve como caractersticas a questo da responsabilidade social baseada no determinismo e na periculosidade Fig.4 Retrato de Cesare Lombroso do delinquente, bem como na leo sobre tela A M Mucchi, 1910 Fonte: http://de.wikipedia.org/wiki/ sua compleio fsica e biotipo, Cesare_Lombroso considerando o crime como um fenmeno natural e social produzido pelo homem e a pena no mais apenas como um meio de castigo, mas de defesa social, negando o livre arbtrio e a liberdade social. Ao lado a Capa da Obra de Lombroso Luomo delinquente. Edio de 1907.

Fig.5 capa da obra Fonte: www.romacivica.net

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Com relao aos estudiosos da Escola Positiva,Os italianos Cesare Lombroso (1836 1909), Enrico Ferri (1856 1929) e Raffaele Garofalo (1851 1934) so considerados como os mximos definidores e divulgadores da Escola Positiva. O LUomo delinquente (publicado em 1891), de Lombroso, a Sociologia Criminale (publicada em 1891) de Ferri, e a Criminologia studio sul delitto e sulla teoria della represione (publicado em 1885) de Garaofalo, so consideradas as obras bsicas ( os seus evangelhos). Apesar da especificidade destas obras guias da escola com enfoques, respectivamente, antropolgico, sociolgico e jurdico, a Escola Positiva possui, ao contrrio da Clssica, um carter mais unitrio e cosmopolita. At porque, interessava aos positivistas italianos manter a unidade por razes internacionais. A difuso da escola pelo mundo culto foi uma de suas principais preocupaes. Conforme opinio mais generalizada, evidente a influncia do positivismo Comteano, do evolucionismo de Darwin e da obra de Spencer sobre a Escola Positiva. (ANDRADE, 2003. op. cit. p. 60).

Por fim, os seguidores da Escola Positiva tambm advogavam as teorias relativas, ou da preveno, atribuindo pena um fim prtico e imediato, o da preveno geral ou especial do crime. A pena servia como um instrumento de defesa social com o objetivo de reajustar ou tornar incuo o homem delinquente. Outras correntes do pensamento criminolgico surgem aps a teoria e os postulados apresentados pela Escola Positiva, como, por exemplo, a Escola de Poltica Criminal que, a partir do pensamento da Escola Clssica e Positiva, estabeleceu elementos referentes culpabilidade e estado de perigoso, considerando o crime no apenas como tendo uma natureza ontolgica (causas para sua ocorrncia), mas tambm como tendo um status

http://www. direitoemdebate.net/ mon_penaltoquio.html > acessado em 30 de janeiro de 2006.

Fig.6 Ambiente/local de estudos de Lombroso. Fonte: www.museounito.it/lombroso/storia/storia_2.html

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jurdico prevendo medidas e estratgias mais adequadas para a preveno e represso ao crime. As medidas de segurana surgem nesse perodo: medida de internao em hospital de custdia, tratamento psiquitrico e institutos jurdicos como o livramento condicional e suspenso condicional da pena tem sua origem nesse perodo. Temos ainda a Escola Tcnico Jurdica que:[...] nasceu na Itlia como reao ao Positivismo Penal. [...] adotou como mtodo o estudo das relaes jurdicas dogmticas, expressas nos cdigos e nas leis. Negou a investigao filosfica e insistiu na distino entre Direito Penal vigente, de controle normativo, valorativo e penalista e a Criminologia, cincia causal, explicativa e naturalista. (OLIVEIRA, 1996, op. cit. p. 63).

Os postulados das Escolas Penais estiveram balizados pela ideologia liberal, o que, aliado s concepes racionalizadoras e garantidoras do direito penal, culminou no que Baratta chamou de Ideologia da Defesa Social.(BARATTA, 1997). Baratta (pp 30-31) apresenta uma caracterizao dessa ideologia, que se assenta nas seguintes bases. a) Princpio do bem e do mal. O fato punvel representa um dano para a sociedade, e o delinquente um elemento negativo e disfuncional do sistema social. b) Princpio de culpabilidade. O fato punvel expresso de uma atitude interior reprovvel, porque seu autor atua conscientemente contra valores e normas que existem na sociedade previamente sua sano pelo legislador. c) Princpio de legitimidade. O Estado, como expresso da sociedade, est legitimado para reprimir a criminalidade, da qual so responsveis determinados indivduos. Isto se leva a cabo atravs das instncias oficiais de controle do delito (legislao, polcia, magistratura, instituies penitencirias). Todas elas representam a legitima reao da sociedade, dirigida tanto ao rechao e condenao do comportamento36

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individual desviante como reafirmao dos valores e normas sociais. d) Princpio de igualdade. O Direito Penal igual para todos. A reao penal se aplica de igual maneira a todos os autores de delitos. A criminalidade significa a violao do Direito Penal e, como tal, o comportamento de uma minoria desviada. e) Princpio do interesse social e do delito natural. No centro mesmo das leis penais dos Estados civilizados se encontra a ofensa a interesses fundamentais para a existncia de toda a sociedade (delitos naturais). Os interesses que o Direito Penal protege so interesses comuns a todos os cidados. Somente uma pequena parte dos fatos punveis representa violaes de determinados ordenamentos polticos e econmicos e resulta sancionada em funo da consolidao dessas estruturas (delitos artificiais). f) Princpio do fim ou da preveno. A pena no tem (ou no tem unicamente) a funo de retribuir o delito, mas de preveni-lo. Como sano abstratamente prevista pela lei, tem a funo de criar uma justa e adequada contramotivao ao comportamento criminoso, isto , intimid-lo (preveno geral negativa). Como sano concreta, tem como funo a ressocializao do delinquente (preveno especial positiva). g) A ideologia da defesa social encontrou terreno frtil nas sociedades contemporneas, no obstante tornou a funo simblica e declarada do direito penal a defesa da sociedade seguindo os postulados da ideologia liberal, incapaz de tornar real a tranquilidade prometida pelo novo pensamento. (BARATTA, 1997).

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SEO 3 - A sociologia do crime e da violncia importante que voc perceba que a compreenso do crime e da violncia perpassa por uma anlise multifatorial do problema, ensejando uma ampla discusso que transita entre a realidade emprica, a questo da violncia das ruas, at estudos e reflexes de cunho cientfico que pensadores de ontem e de hoje buscam elucidar nos mais variados campos do conhecimento humano: histria, antropologia, filosofia, teologia, psicologia, sociologia, medicina, biologia, direito, artes, dentre outros. A compreenso, portanto, do crime e da violncia interdisciplinar e multifatorial, tendo os cientistas, de Beccaria e Lombroso a Alessandro Baratta e Eugnio Raul Zaffaroni se deparado com o dilema das incertezas na busca de sua elucidao. Agora, no se pode olvidar que o que mais tem inquietado as sociedades modernas a questo da violncia que se materializa em fatos crime, os quais so definidos pela conscincia coletiva da unidade social e impe ao transgressor uma medida punitiva, um castigo, chamado pena. Segundo o professor Sandro Csar Sell, h sanes por todos os lados, eis que:Para garantir que as pessoas se comportaro como a sociedade requer, entraro em ao, enquanto exteriorizaes da conscincia coletiva, vrias instituies indutoras de conformidade. A lei, a moral, a deontologia, a religio e as normas de trato social so mecanismos de controle que, com maior ou menor poder, ajudam a manter cada indivduo no lugar que lhe socialmente reservado. Sem mecanismos de controle como os citados, e suas respectivas punies, a sociedade seria invivel, j que seus membros no nascem sabendo o que deles se espera, e nem sempre o processo de socializao por si s capaz de mant-los nos ditames da cultura a que pertencem. A sociedade forma o indivduo pela socializao e o mantm sob suas determinaes por meio da utilizao constante de mecanismos de controle social. (SELL, 2006, p. 64).

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Nossos estudos visam fazer uma abordagem criminolgica sobre a violncia e a criminalidade que vai alm do estudo do homem delinquente, recaindo sobre o sistema de justia criminal e as contradies entre as suas funes declaradas e suas funes reais. Ocorre que, tanto a nvel local como a nvel global, tem se priorizado, como resposta s violncias, a punio e o castigo, em que na atual fase de globalizao e dominao planetria principalmente pelo capitalismo, tem se banalizado a concepo de enfrentamento belicista ao problema. Para a professora Vera Regina Pereira de Andrade,Fortalecendo o discurso e as tcnicas da guerra contra o crime e da segurana pblica (limpeza do espao pblico e devoluo das ruas aos cidados), o controle penal globalizado radicaliza a funo simblica do Direito Penal atravs de uma hiperinflao legislativa, ou seja, a promessa e a iluso de resoluo dos mais diversos problemas sociais atravs do penal, ao tempo em que redescobre, ao lado dos tradicionais, os novos inimigos (o mal) contra os quais deve guerrear (terroristas, traficantes, sem teto, sem terra, etc.) no poupando, ainda que simbolicamente, a prpria burguesia nacional (sonegadores, depredadores ambientais, corruptos, condutores de veculos, etc.) que se torna tambm vulnervel face ao poder globalizado do capital. (ANDRADE, 2003, p. 25).

As questes macrossociais tem tido papel importante nesse contexto, a ponto de no ser possvel falar em sociologia do crime e da violncia sem que se tenha uma leitura prvia sobre a organizao social, poltica e econmica dos povos. Os fundamentos da ordem social e das interaes humanas apontam para os equvocos de se considerar criminoso determinadas pessoas, consideradas ms e potencialmente perigosas, pois isso acaba mascarando outras expresses de violncia estrutural e institucional. Da a mudana do paradigma etiolgico, que com uma matiz ideolgica fundada na interveno penal sobre a pessoa do criminoso, e com uma viso reduzida e limitada do crime no homem delinquente, daquela pessoa possuidora de atributos anormais e que a tornam perigosa para a vida em sociedade, fazUnidade 1

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emergir um novo paradigma, o Labelling Aproach ou Paradigma da Reao Social, que passaremos a estudar!

A Mudana do paradigma etiolgico para o Labelling Aproach ou Paradigma da Reao SocialObserve a seguinte citao:O paradigma etiolgico considerava que algumas caractersticas distinguiam o homem normal do homem criminoso, da a tese fundamental de que ser delinquente constitua uma propriedade da pessoa que a distinguia por completo dos indivduos normais sem que se fizesse uma anlise crtica do Direito Penal Positivo enquanto definidor do crime e das penas. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Iluso de Segurana Jurdica. Porto Alegre: 2003, p. 199.

Perceba que os pressupostos e postulados das Escolas Penais e do paradigma etiolgico passam ento a ser questionados com o surgimento de novos saberes criminolgicos, os quais passam a se contrapor ideologia da defesa social indagando sobre outras causas para o crime e a criminalidade, voltadas para alm daquelas obtidas pela antropologia, sociologia e outras cincias e suas teorias. O labelling aproach e o paradigma da reao social representam essa mudana de paradigma em criminologia, passando-se a conceber o crime, a criminalidade e o sistema penal segundo novos pressupostos, fundados, principalmente, nos processos de criminalizao, o que ensejar um caminho para a construo de uma nova criminologia, a criminologia crtica. Sobre o labelling aproach,[...] designado na literatura, alternativa e sinonimicamente, por enfoque (perspectiva ou teoria) do interacionismo simblico, etiquetamento, rotulao ou ainda por paradigma da reao social (social reaction aproach), do controle ou da definio. Ele surge nos Estados Unidos da Amrica em finais da dcada de 50 e incios da dcada de 60 [...] ANDRADE, 2003, p. 39).

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O labelling tem como fundamento e tese central[...] a de que o desvio e a criminalidade no so uma qualidade intrnseca da conduta ou uma entidade ontolgica preconstituda reao social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuda a determinados sujeitos atravs de complexos processos de interao social, isto , de processos formais e informais de definio e seleo. (Id.Ib., p.41) Muda-se o foco, indo-se alm do estudo do crime e do criminoso para a questo dos processos de criminalizao, para os que so criminalizados e para a reao social da conduta desviada, notadamente do sistema penal. (Id. Ib., p.41). Segundo essa corrente do pensamento, os processos de criminalizao tm incio no apenas no aparato polticojurdico do Estado encarregado pelo controle social formal, que engloba a Poder Legislativo (criminalizao primria), Polcia, Ministrio Pblico, Judicirio (criminalizao secundria), mas tambm os mecanismos de controle social informal, como a escola , a famlia, a religio ou a mdia. (Id. Ib., p. 43). Mudando-se o foco da anlise, abstraindo-se da anlise atomizada da pessoa que pratica um ato considerado como sendo crime, para se analisar outros fatores que precedem a prtica desse ato numa viso multifatorial e macrossociolgica, se perceber que a herana dos postulados liberais tem sido interpretada em favor de um modelo poltico, econmico e social que tem protrado no tempo as ideologias dominantes e as estruturas de poder, sob uma lgica de excluso dos considerados maus para a proteo dos bons segundo uma lgica maniquesta e excludente da pessoa, o que acabou tornando-se senso comum e discurso dominante, em que cada vez mais se busca, de forma equivocada, o campo punitivo, o Direito Penal, como redeno para problemas que tem outra dimenso e magnitude, agravando-se cada vez mais o caldo social de excludos e marginalizados sob gide da defesa social, que recai de forma preponderante sobre os pobres, como dito, aqueles considerados maus. (Id. Ib., p. 33,45).

A mesma parcela social sobre a qual recai a mobilizao do aparato do Sistema Penal, tambm acaba sendo a mais atingida pelos efeitos da violncia, distribuindo-se de forma desigual os riscos reais de vitimizao. No Brasil, conforme Cludio Beato oUnidade 1

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risco de vitimizao por homicdio nas grandes cidades, hoje, cerca de 300 vezes maior para um jovem de periferia se comparado com o risco para o mesmo crime que corre um senhor de meia idade de um bairro tpico de classe mdia... (BEATO FILHO. Centro de Estudos de Criminalidade e Segurana Pblica da UFMG. Belo Horizonte: Cincia Hoje, 204, maio de 2004). Contra esse discurso a Criminologia Crtica se volta no sentido de desconstruir o discurso da guerra contra o crime, do combate criminalidade, tentando fazer perceber que os processos de criminalizao e a inflao jurdico penal nada mais faz do que agravar os problemas sociais, destacando-se a superlotao das prises e outras formas de violncia institucional, como a pobreza, o desemprego, o estado de abandono, a fome, o estado de terror penal em que se desconhece todo o plexo de leis e as armadilhas do sistema, enfim, criando-se no imaginrio coletivo uma falsa sensao de segurana jurdica. A criminologia crtica se ocupa do estudo do problema tal qual ele se apresenta, no mundo do ser.

Violncia, Sistema Penal e Cidadania: qual a relao?O fenmeno da violncia manifesta-se das mais variadas formas sobre a(s) pessoa(s), direta ou indiretamente, de forma ostensiva ou oculta, de maneira instrumental ou simblica, gerando uma srie de consequncias.Mas o que a violncia?

Dentre as varias maneiras e formas de compreend-la, nos acudimos de uma acepo ampla do termo, conforme Yves Michaud:

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H violncia quando, numa situao de interao, um ou vrios autores agem de maneira direta ou indireta, macia ou esparsa, causando danos a uma ou vrias pessoas em graus variveis, seja em sua integridade fsica, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participaes simblicas e culturais. (MICHAUD, 2001, p. 11).

No se pode olvidar que com a racionalizao dos aparatos jurdicos e com a modernizao da burocracia estatal e seus instrumentos emergiu uma nova figura a do chamado Estado de Direito, que para ter legitimidade teve que se estabelecer sobre bases democrticas. Mas isso no foi suficiente para refrear os impulsos geradoras das violncias e suas formas de expresso. Alex de Tocqueville nos contextualiza a esse respeito:Prncipes tornaram a violncia em uma coisa fsica, mas nossas repblicas democrticas contemporneas transformaram-na em algo to intelectual quanto a vontade humana sobre a qual deve agir. Sob o governo absoluto de um nico homem, o despotismo, para alcanar a alma, atinge o corpo, e a alma, escapando dessas chicotadas, se eleva gloriosamente acima dele; mas nas repblicas democrticas no existe o mesmo tipo de comportamento do tirano; a violncia deixa o corpo solitrio e vai diretamente alma. O senhor no diz mais: `pense como eu ou morra. Agora ele diz: `voc livre para pensar diferentemente; voc pode ficar com sua vida, sua propriedade e tudo o mais; mas a partir deste dia voc ser um estranho entre ns. Voc pode manter seus privilgios na comunidade, mas eles sero inteis para voc, se voc solicitar os votos de seus compatriotas, eles no lhe daro, e se voc pedir somente sua estima, eles criaro subterfgios para recusar-lhe isto tambm. Voc permanecer entre eles, mas voc perder seu direito de ser indivduo singular. V em paz. Eu lhe dei sua vida, mas ela pior do que a prpria morte.

Essa leitura acaba nos retratando as inquietaes decorrentes do surgimento do Estado Moderno, questionando a simblica titularidade de direitos do indivduo como figura central da esfera social e poltica a partir desse momento histrico. Ou seja, pe-se a prova o novo modelo que, inspirado no chamado liberalismo, gerou um novo modelo poltico, econmico e social (o capitalismo) que sob a justificativa de definir e proteger osUnidade 1

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direitos fundamentais da pessoa humana, culminou por gerar outras formas de violncia, em que os processos de excluso nas suas mais variadas formas acabaram sendo sua mais significativa expresso. Por liberalismo, pode-se afirmar:1. Teoria que propugna no s a independncia do Legislativo, Executivo e Judicirio em relao ao executivo, como tambm assegurar as garantias constitucionais do homem e as liberdades fundamentais. 2. Doutrina que coloca o indivduo e o interesse individual acima do Estado e do interesse pblico. (DINIZ, Maria Helena. Dicionrio Jurdico. So Paulo: Saraiva, 1998. 4 v. )

bastante interessante a leitura que Boaventura de Souza Santos faz sobre essa questo, ao afirmar que no sculo XIX que se consuma a convergncia da modernidade e do capitalismo, neste sculo que melhor se podem analisar os sistemas de desigualdade e de excluso E continua seu argumento asseverando que a excluso(...) um processo histrico, atravs do qual uma cultura, por via de um discurso de verdade, cria o interdito e o rejeita. (...) A desqualificao como inferior, louco, criminoso ou pervertido consolida a excluso e a perigosidade pessoal que justifica a excluso. A excluso da normalidade traduzida em regras jurdicas que vincam, elas prprias, a excluso. (grifo nosso). (SANTOS, 2006. p. 280).

A violncia que iremos tratar aquela decorrente de um ato considerado de transgresso pela sociedade e erigida ao condo tipolgico como sendo um ato delitivo, um crime e as aes do aparato poltico jurdico do Estado em seu enfrentamento, que via de regra reproduz essa violncia com uma reao social que imputa responsabilidade e pune o transgressor.

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O enfrentamento do problema da violncia a que estamos nos referindo (decorrente do crime) delegado a um sistema formal de controle chamado de Sistema Penal que composto pelo Legislador (criminalizao primria), Polcia, Ministrio Pblico e Judicirio (criminalizao secundria) indo at os mecanismos de controle social informal, como a famlia, a escola, o mercado de trabalho a mdia. Essas estruturas sociais acabam, de forma articulada e segundo uma orquestrao ideolgica proveniente de um modelo scio poltico que incorporou novos padres de dominao, destacando-se a econmica, tem gerado desigualdade, excluso social e um aumento dos processos de criminalizao, que, como dito, tem recado sobre um alvo preferencial, comprovando-se isso no Brasil mediante anlise do ltimo censo penitencirio. O desafio que se coloca exatamente este, buscar conciliar os iderios propugnados de um modelo de Sistema Penal, regulativo e punitivo, que tem se apresentado de forma ilusria como redentor da violncia, com os postulados emancipatrios dos direitos de cidadania, e por este vis perpassa a necessidade de novas bases de mobilizao e atuao das estruturas responsveis pela Segurana Pblica, o que se ver a seguir. - Leia, a seguir a sntese da unidade, realize as atividades de autoavaliao e consulte o saiba mais para aprofundar seus conhecimentos.

ANDRADE, Vera Regina. Sistema Penal Mximo x Cidadania Mnima. Cdigos da violncia na era da Globalizao. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, op. cit. p. 43.

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Atividades de autoavaliao1) Na unidade 1 voc estudou sobre a questo da violncia, do crime e da cidadania. Comente a relao existente entre esses conceitos e sobre os seus fundamentos sociais e jurdicos!

2) O que significa estado de terror penal? Qual a sua opinio sobre o nosso sistema jurdico punitivo, ser que corresponde a uma nova verso desse estado? Pesquise no site http://www.mj.gov.br/senasp/ prevencao/prevencao_guia.htm e aponte algumas polticas pblicas para a preveno da violncia e da criminalidade.

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SnteseNessa unidade estudamos que a violncia tem acompanhado a histria das sociedades, desde pocas remotas at o mundo contemporneo e que a criminalizao de condutas tem sido uma das expresses dessa violncia. Estudar a criminologia tem buscado explicar essas questes destacando que a manuteno das estruturas de poder que tem dado lgica aos sistemas punitivos de todas as pocas e o controle social e a excluso social tem encontrado sua mxima expresso na criminalizao de pessoas e no mais de condutas. Viu tambm que o problema da violncia decorrente do crime atingiu nossos dias e delegado a um sistema formal de controle chamado de Sistema Penal que composto pelo Legislador (criminalizao primria), Polcia, Ministrio Pblico e Judicirio (criminalizao secundria) indo at os mecanismos de controle social informal, como a famlia, a escola, o mercado de trabalho a mdia. Os fundamentos e os avanos do pensamento criminolgico (conhecimento das escolas penais) foram estudados para que se compreendesse as contradies dos modelos sociais com relao ao tratamento que tem dado questo do crime e da violncia. Sob o aspecto conceitual, a Criminologia a cincia que, surgida segundo autores pela fuso da Antropologia com o pensamento sociolgico, se ocupa do estudo das teorias do direito criminal, das causas do fenmeno criminal e de suas caractersticas, da sua preveno e controle de sua incidncia, tendo um carter interdisciplinar e abrangente de outras disciplinas e cincias, tais como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria, a Medicina, a Sociologia e a Antropologia e isto deve ser levado em conta nas discusses e aes na segurana pblica.

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Saiba maisCHRISTIE, Nils. A indstria do controle do crime: a caminho dos GULAGs em estilo ocidental . Rio de Janeiro: Forense, 1998. YOUNG, JOCK; INSTITUTO CARIOCA DE CRIMINOLOGIA. A sociedade excludente: excluso social, criminalidade e diferena na modernidade recente. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, Revan, 2002. THOMPSON, Augusto. Quem so os criminosos: o crime e o criminoso, entes polticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

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A Segurana Pblica na sociedadeObjetivos de aprendizagem

Conhecer as relaes existentes entre a estrutura de segurana pblica e o cotidiano da sociedade. Identificar os fundamentos da disciplina de criminologia e as interfaces com a segurana pblica.

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Sees de estudoSeo 1 A estrutura da segurana pblica nocotidiano

Seo 2 O fundamentos da Disciplina Criminologianas atividades de Segurana Pblica

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Para incio de estudoAs estruturas de segurana pblica no pas so as responsveis pela interveno mais direta e imediata nos problemas que dizem respeito violncia e criminalidade, muito embora se saiba que uma atuao mais eficiente deva ser multiagencial, envolvendo no apenas o poder pblico, mas a sociedade civil organizada. Ocorre que o estado e a sociedade tem demonstrado hipossuficincia na compreenso e trato das questes que envolvem a ordem social, percebendo-se que as amostragens estatsticas apontam para um crescimento desproporcional da violncia no pas, isso sem falar nas cifras ocultas, naqueles crimes que no so contabilizados, os quais, para Zafarroni, correspondem a maioria das prticas delitivas. Segundo este autor,Praticamente no existe conduta - nem mesmo as aes mais privadas que no seja objeto de vigilncia por parte dos rgos do sistema penal ou daqueles que se valem de sua executividade para realizar ou reforar seu controle, embora se mostrem mais vulnerveis as aes realizadas em pblico, o que acentua a seletividade da vigilncia em razo da diviso do espao urbano que confere menores oportunidades de privacidade aos segmentos mais carentes. [...] Se todos os furtos, todos os adultrios, todos os abortos, todas as defraudaes, todas as falsidades, todos os subornos, todas as leses, todas as ameaas, etc. fossem concretamente criminalizados, praticamente no haveria habitante que no fosse, por diversas vezes, criminalizado. (ZAFFARONI, 1991, p. 25 -26).

As estruturas de polcia, tal qual as demais instncias de poder, historicamente em nosso pas acabaram servindo s elites como mecanismo de controle social, e at h pouco tempo foram long manus dos Estados, de uma ideologia voltada para a segurana nacional, no obstante com a abertura poltica e a democratizao em nosso pas tem buscado se adequar s novas realidades e contingncias e incorporar os novos postulados inerentes ao

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direitos de cidadania, transmudando-se de uma polcia do Estado para uma polcia da sociedade, do bem comum, na verdadeira acepo do termo, que deriva de polis, a arte de bem administrar as cidades para os gregos. Aliado a esse problema de funo das polcias, percebe-se que muito embora haja uma tentativa de articulao e mobilizao no sentido de proporcionar segurana sociedade e s pessoas, seus esforos tem sido muitas vezes em vo, e isto decorre tambm dos problemas crnicos de nossa sociedade, que perpassam pelas desigualdades sociais, falta de sade pblica, deficiente infraestrutura urbana, desvalorizao da educao e do sistema de ensino, e pelas mais variadas expresses de violncia como a pobreza, desemprego, preconceitos, drogadio, explorao sexual, explorao do trabalho infantil (e adulto), falta de assistncia familiar, no acesso aos meios de cultura, violncia intrafamiliar, contra a mulher, dentre outras questes para as quais no esto plenamente preparadas para agir. Some-se a isso a cultura punitiva disseminada no contexto social e com frtil terreno na esfera policial, em que se dificultam os espaos para a mediao preventiva dos conflitos, ao revs, pune-se e violenta-se. Assim, sob a gide da funo declarada do Direito Penal, as polcias acabam concorrendo para o agravamento desse quadro auxiliando na construo dos chamados processos de criminalizao, que exercem influncia significativa na mobilizao de seu aparato, principalmente quando vira moda falar-se em movimentos de lei e ordem como soluo para os problemas de natureza social em momentos de crise, da decorrendo a to citada frase de que a polcia para os pobres, p.. e p.....! Na realidade, preciso cada vez mais evitar que as polcias sejam rgos a servio de um poder, principalmente o poder poltico e o poder econmico, e sobre isso a afirmao de Monet esclarecedora:

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[...] certo que o desenvolvimento das formas modernas de polcia na Europa resultou de uma demanda crescente em matria de segurana, emanada, no essencial, das camadas dominantes urbanas. Mas nas modalidades de sua organizao, tanto quanto nas prioridades operacionais que so as suas, transparece, no mais das vezes, mais a vontade dos governantes de se dotar de instrumentos politicamente confiveis, do que uma verdadeira preocupao de responder demanda social de segurana. , pelo menos, o que sugere uma observao atenta das formas e dos ritmos que escandiram o desenvolvimento dos aparelhos policiais desde sua emergncia histrica. igualmente o que revela a anlise de suas estruturas atuais. (MONET, Jean-Claude. Polcias e Sociedades na Europa. Traduo de Mary amazonas Leite de Barros. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2001. (Srie Polcia e Sociedade).

Depreende-se que se deve instrumentalizar as polcias segundo polticas pblicas que lhe permitam atuar tambm num cenrio poltico, o que diferente de ser usada politicamente, ou seja, propugnar por uma atuao voltada para o atendimento s demandas sociais, legitimando suas aes mediante processos de interao e participao popular, em consonncia com o que prescreve a nossa Carta Magna em seu artigo 144, ao asseverar que Segurana Pblica responsabilidade de todos, no podendo ainda se olvidar que segurana, desde os tempos remotos, preocupao dos povos, trata-se de uma necessidade bsica, de bem viver, ter tranquilidade, de ser feliz! Vamos s unidades ento?

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SEO 1 - A estrutura da segurana pblica no cotidiano interessante lembrar que muitas vezes a atuao das estruturas policiais exige uma atuao eminentemente repressiva, como, por exemplo, naqueles casos em ocorrem inevitveis enfrentamentos diretos, contato fsico, troca de tiros, situaes essas em que no se torna possvel o exerccio de prticas de mediao, ao menos num primeiro momento, devido aos riscos e situao de perigo eminente nessas situaes. H tambm que se ressaltar que essas situaes constituem uma pequena cota parte dentro do plexo de possibilidades da atuao policial. Importa perceber que o papel da polcia muitas vezes apresenta algumas ambiguidades, como, por exemplo, s apontadas por Adriana Loche et. all ao apontar que Na ao da polcia, revela-se uma das faces de nossa sociedade, afirmando que:Entrar no cotidiano da polcia descortina uma outra sociedade, funcionando sob regras e valores diferentes dos preceitos fundamentados no direito. Pode-se falar de uma lgica ocupacional, mas tambm de uma lgica societria que interferem no julgamento e na prtica que os policiais tm de suas funes. Lgicas que exigem solues rpidas e proporcionais aos crimes; que colocam o criminoso como estando fora do pacto social, portanto, sem poder beneficiar-se das garantias constitucionais que foram feitas para pessoas de bem; que separam o universo em categorias polarizadas de bom x mau, delinquente x pessoa de bem etc. Mas, ao mesmo tempo, lgicas que permitem uma flexibilidade enorme no tratamento das pessoas em funo de suas relaes. Assim, alguns indivduos teriam mais direitos que os demais porque, afinal, so parentes, amigos, protegidos, bem vestidos, estudados tem conhecimento, etc. que aqueles outros que no teriam. (LOCHE, Adriana; FERREIRA, Helder; SOUZA, Lus; IZUMINO, 1999, p. 172).

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Essa realidade precisa ser percebida, trata-se de ponto de partida para delimitao dos espaos de atuao das polcias numa sociedade de classes e em que estas estruturas tm se mobilizado consoante uma ideologia liberal (burguesa), a qual insiste em hierarquizar suas aes em desfavor dos mais vulnerveis socialmente, atuando de forma, muitas vezes, pouco isenta. O sistema penitencirio, em que a maioria dos presos so pessoas pobres, retrata com fidedignidade essa situao. A breve anlise e reflexo serve para demonstrar a necessidade de construo de uma nova filosofia no que tange forma de atuao policial, rompendo com o senso comum e com a hegemonia do pensamento (ideologias dominantes) no sentido de rever velhos paradigmas inadequados para uma sociedade que se deseja livre e igualitria, parafraseando o professor Alessandro Baratta: que permita o controle social no-autoritrio do desvio e que abra espao diversidade, o que garantido pela igualdade e expresso da individualidade do homem como portador de capacidades e de necessidades positivas. No obstante, cabe afirmar que j existe h algum tempo uma preocupao com a questo da segurana pblica a nvel nacional, dos estados e municpios, a qual reforada diante do contexto de banalizao da violncia e de comprometimento da segurana pblica notadamente a partir dos anos 90, fazendo com que as autoridades se mobilizassem e no epicentro das discusses emergisse a necessidade de um rgo a nvel Nacional para tratar do problema. No ano de 1995 ento criada a Secretaria Nacional de Segurana Pblica, e logo a seguir, no ano de 2000, diante do agravamento do quadro de insegurana, elaborado o chamado Plano Nacional de Segurana Pblica, tambm conhecido por Plano Nacional Antiviolncia, sob a coordenao do Ministrio da Justia, vindo nesse esteio a criao do Fundo Nacional de Segurana Pblica (FNSP) com o objetivo de apoiar projetos dos governos dos estados e munic