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CAPÍTULO 18 N 2 O: Pros X Contras Carmem Baptista dos Santos * Em 1994 o óxido nitroso completou 150 anos de uso clínico, sendo o único anestésico seguro relatado na história. Assim ele foi utilizado por mais de 100 anos sem que nenhum efeito colateral grave fosse citado. Em 1956 houve o relato de depressão medular óssea grave, após tratamento por longo prazo, de um paciente portador de tétano (1) Nas próximas décadas, muitos estudos focaram entre os efeitos colaterais, a poluição anestésica como causa de danos a saúde dos profissionais que atuam na sala de cirurgia, como também ao meio ambiente, e a partir de 1994 tem sido discutido a sua utilidade para os anos 2000 .(2,3) O que existe de atual no uso clínico do óxido nitroso? Serão analisados a seguir alguns aspectos práticos atuais para possíveis análises de utilidade deste anestésico. Figura I Farmacologia Múltiplos mecanismos estão envolvidos nos efeitos analgésicos-anestésicos do N2O. Liberação de Opioides. O N2O induz a liberação de peptídeos opióides levando a ativação de neurônios noradrenérgicos, que resulta na modulação do processo nociceptivo 4,5 a nível medular (figura I) * Co-responsável pelo CET bento gonçalves da UFRJ Vias descendentes de analgesia.Ação sobre o hipotálamo com liberação de peptídeos opióides e liberação das vias noradrenergécas (vide texto)

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CAPÍTULO 18

N2O: Pros X ContrasCarmem Baptista dos Santos *

Em 1994 o óxido nitroso completou 150 anos de uso clínico, sendo o único anestésicoseguro relatado na história. Assim ele foi utilizado por mais de 100 anos sem que nenhum efeitocolateral grave fosse citado. Em 1956 houve o relato de depressão medular óssea grave, apóstratamento por longo prazo, de um paciente portador de tétano(1) Nas próximas décadas, muitosestudos focaram entre os efeitos colaterais, a poluiçãoanestésica como causa de danos a saúde dosprofissionais que atuam na sala de cirurgia, comotambém ao meio ambiente, e a partir de 1994 tem sidodiscutido a sua utilidade para os anos 2000.(2,3) O queexiste de atual no uso clínico do óxido nitroso? Serãoanalisados a seguir alguns aspectos práticos atuais parapossíveis análises de utilidade deste anestésico.

Figura I

Farmacologia

Múltiplos mecanismos estão envolvidos nosefeitos analgésicos-anestésicos do N2O.

Liberação de Opioides. O N2O induz aliberação de peptídeos opióides levando a ativação deneurônios noradrenérgicos, que resulta na modulaçãodo processo nociceptivo4,5 a nível medular (figura I)

* Co-responsável pelo CET bento gonçalves da UFRJ

Vias descendentes de analgesia.Açãosobre o hipotálamo com liberação depeptídeos opióides e liberação dasvias noradrenergécas (vide texto)

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Figura II

Existem evidências indicando que o N2Oproduz efeito fisiológico semelhante aosopioides, e sua administração, leva a liberaçãode meta encefalina em ratos e cães e pro-opiomelacortina um precursor da β endorfinaem ratos. Outros estudos demonstraram queantagonistas do receptor opiode bloqueiam pelomenos parcialmente os efeitos analgésicos nohomem6 . A ativação das vias inibitóriasdescendentes da substancia cinza periaquedutal(PAG) é um importante local de conexão entrea via ascendente e um componente maiordescendente da inibição da dor, isto é, o sistemaendógeno de supressão da dor. A recepção dosimpulsos dolorosos ativa o sistema supressorpele remoção da inibição tônica (sistemaGABAérgico), através da liberação de outrosneurônios inibitórios e.g. neurônios opióides, fatoreferido como desinibição. O N2O ativa os neurônios opióides no PAG, o que resulta na inibiçãotônica dos neurônios descendentes noradrenérgicos. (Fig.II)

Existem três tipos de neurônios descendentes: neuroadrenérgicos, serotononérgicos eopioidérgicos. Entre estes os neurônios noradrenérgicos parecem desempenhar papel importante,pois o efeito mediador do N2O provoca a depleção do neurotransmissor com liberação denoradrenalina a nível medular. Tem sido demonstrado em ratos, que o N2O induz a liberação daproteína C-Fos, em noradrenalina, que media a inibição descendente nos núcleos da ponte, naslâminas A5, A6 (locus coeruleus) e A77. indicando que estes núcleos são ativados pelo N2O (Fig.III)

Figura III

Corte da medula a nível lombar.(A eB) demonstra c-fos e reação com adietilaminobenzilidina, (C e D). Ailustração da borda de cada lâmina Ae C são controle (ar durante 90minutos) e B e D após exposição de75% de N2O após 90 minutos. Ascélulas c-fos positivas são vistas comoum bloqueio às manchas nucleares,sendo enfatizadas em C e D

Por outro lado, quando se injeta intra-cerbroventricularmente uma toxina mitocondrial, saporin,que se acopla ao anticorpo dopamina β- hidroxilase, as células noradrenérgicas do núcleo pontinosão quase que totalmente eliminadas, e os animais não apresentam analgesia pela exposição ao

Ilustração hipotética das vias de analgesia doN2O ( vide texto)

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N2O. A dopamina β-hidroxilase é a enzima sintetizadora da noradrenalina, o que então localiza ainjúria exclusivamente aos neurônios noradrenergicos.

Modulação do processamento da dor a nível medular

A ativação da via inibitória descendente leva a liberação de noradrenalina na medula, o queresulta na modulação da dor. Os receptores α2 e α1 mediam a atividade inibitória e excitatóriarespectivamente, envolvendo assim dois sistemas neuronais, a inibição pré sináptica direta dosaferentes primários da nocicepção, e ou a ativação dos neurônios de segunda ordem através àativação dos receptores α2. A demonstração destes estudos vem quando se injeta por viaintratecal, mas não supra espinhal antagonista de α2, que bloqueia o efeito analgésico do N28.Outro possível mecanismo é a inibição indireta pré-sináptica dos aferentes primários e, ou ainibição pós-sináptica dos neurônios de segunda ordem pela ativação de dois neurotransmissoresinibitórios na medula o GABA, e a glicina, conforme estudos recentes empregando a proteina C-fos marcada em ratos.(9).

Mecanismos anestésicos do N2O

Comparados com os mecanismos analgésicos os mecanismos anestésicos do N2O perma-necem menos claros. Embora ele induza a liberação de peptídeos opiáceos, também se considerasua interação posterior, pelo menos parcial, com neurônio dopaminérgicos e noradrenérgicos.Experimentalmente o efeito ansiolítico tem sido atribuído a sua mediação junto aos receptoresbenzodiazepínicos, em ratos e camondongos, usando vários parâmetros de comportamento. Omecanismo básico deste efeito ainda deve ser elucidado.

Os anestésicos inalatórios agem com ligação sináptica, em particular nos canais de entradados receptores dos neurotransmissores, canais de cálcio voltagem dependente, que formam umasuperfamília. Esta superfamília contém receptores ionotrópicos para neuro transmissores, e.g.,GABA, glicina, e 5- hidroxitriptamina. Até recentemente considerava-se que os receptoresionotrópicos excitatórios para o glutamato e, em particular, receptores NMDA seriam insensíveisa inibição por anestésicos inalatórios, embora estes receptores sabidamente desempenhem umpapel importante no sistema nervoso central, na sensibilizaçãodas vias dolorosas (hiperalgia).Recentemente foi demonstrado que o N2O antagoniza a ação do receptor NMDA10. Devido aoauxílio da analgesia pré-emptiva na redução da sensibilização central que elevam os estímulosnociceptivos cirúrgicos (dor pós-opertória), muitos são os estudos que avalia a eficácia dosantagonistas dos receptores NMDA na tentativa de sua diminuição, ou mesmo abolição. ACetamina, e a dextrometorfano tem demonstrado efeitos antihiperalgésico promissores, levandoa diminuição da dor pós-operatório e consumo de morfina11,12. Recentemente os estudos conduzema existência de uma ação antihiperálgica do óxido nitroso mimetizante das ações da cetamina,especialmente quando grandes doses de opiódes são empregadas, o que pode paradoxalmente,facilitar a ativação do NMDA dependente do sistema pro-nociceptivo levando a dor pos-operatóriaexagerada13. As evidências de que o N2O tenha propriedades de um potente antihiperalgésicosão confirmadas por estudo experimental14 ao se comparar os efeitos da aplicação de 50% deN20 no retardo da hiperalgesia após dor inflamatória (fig. IV). Durante a década passada foiregistrado um novo efeito adverso relacionado com pelo uso de opióides de curta duração paracirurgia, a tolerância aguda15. Baixas concentrações (20, 30, 40 %) que reduziram a hiperalgiaimediata (incisional) após emprego de fentanil (fig V)

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Figura IV

Efeito da mistura de 50%de N2O no tratamento dahiperalgia induzida em ambas àspatas ipsilateral (A) e contra lateral(B). A injeção inflamatória foirealizada em D0. N2O ou ar foiadministrado a 15 ratos 15minutos antes da injeção decarragean e durante 4 horas. Olimiar doloroso foi medido em D2,D1 e D0, e 2, 4, e 6 horas após ainjeção de carragean esubseqüentemente por 7 dias. Quando os ratos retornaram a seus valores basais de limiar nociceptivo(D7), foi administrado naloxene (1mg kg-1 subcutâneo), e o limiar nociceptivo avaliado 5 minutosdepois Círculos abertos 50% de O2 50% N2O, círculos fechados ratos tratados com ar.

Figura V

Efeito de diferentesconcentrações de N2O (N2O-O2-N2) no tratamento da hiperalgiainduzida por fentanil. As injeções defentanil foram feitas em D0 (dose total4x100ugkg-1). As misturas do gásforam iniciadas 15 min antes dainjeção de fentanil e mantidas por 4horas. O limiar nociceptivo foi medidoem cada pata do rato até 420 min. ediariamente por 7 dias. Ao retornobasal foi aplicada injeção de naloxene(1mgkg-1 )

Estudos clínicos temdemonstrado que o fentanil ou o remifentanil, empregados como anestésicos em cirurgias abdominaise ortopédicas aumentavam o consumo de morfina no pós-operatório, sugerindo a tolerância emcurto prazo.(16,17). Assinala-se também a tolerância aguda desenvolvida uma a duas horas após oinício após o início da infusão se doses baixas de remifentanil em voluntários(18) . Esta nova pesquisa(14) apresenta-nos novas propriedades deste coadjuvante anestésico que teria como vantagemprincipal à inibição dos receptores NMDA prevenindo de modo dose dependente a hiperalgesiadesenvolvida imediata, ou tardiamente por vários dias, e também demonstra que as propriedadesanti-hiperalgésicas dolorosas não são limitadas aos impulsos nociceptivos, mas também se opõema sensibilização central dependente do NMDA, induzida pelos opióides.

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Efeitos analgésicos no recém nascido

Em crianças, acredita-se que o N2O tem as mesmas respostas analgésicas que os adultos, etambém reduz a concentração mínima alveolar (CAM) dos anestésicos inalatários, o que leva asupor o mesmo mecanismo de ação nas crianças e recém nascido(19) .Como foi discutidoanteriormente, a ativação do sistema descendente e a liberação do sistema noradrenérgico,desempenharia papel fundamental para a produção da analgesia, com a diminuição da CAM. Noentanto, várias linhas de investigação experimentais demonstram que em ratos recém nascidos, osneurônios do sistema descendente são funcionalmente imaturos, o que faz supor que este efeitoanalgésico possa não ser tão eficaz.

Efeitos do N2O no E.E.G. índice biespectral e consciência durante anestesia

• N2O diminui o ritmo α e aumenta a atividade β. Quando usado em combinação comoutros anestésicos, os efeitos do E.E.G. tornam-se aditivos, de acordo com o anestésico.

• Não modifica o BIS, ou o potencial auditivo evocado.• Produz perda substancial de memória em concentrações sub anestésicas. Entretanto, se

empregado como agente único em cirurgia, existe uma incidência relativamente alta dedespertar com memória desprazeirosa ou memória inconsciente. A suplementação comopióides não é adequada para bloquear estas seqüelas. A adição de anestésicos voláteispotentes ou venosos poderá obliterar este tipo de memória.

Efeitos sobre a CAM

Na primeira metade do século 20, os efeitos dos agentes anestésicos eram verificadosobservando o paciente relacionando-se tônus muscular, padrão respiratório, sinais oculares(20) Nadécada de 1960, o conceito de concentração mínima alveolar (CAM) foi introduzido e empregadocomo padrão para comparar potências relativas dos anestésicos inalatórios.(21 Na segunda metadedo século 20 o plano de anestesia foi definido focalizando-se o sistema nervoso central e suasrespostas aos estímulos nocivos, observando-se respostas hemodinâmicas, hormonal ao stress,sudorese, aumento dos movimentos respiratórios ou movimentação ao estímulo cirúrgico.Surpreendentemente a resposta motora a incisão da pele mais fácil de determinar, tornou-se maispopular e foi padronizada para comparar a potência relativa dos anestésicos. A anestesia geralconsiste de um número de ações farmacológicas que incluem analgesia, ansiólise, inconsciência,Supressão de respostas motoras, somáticas, cardiovasculares, e hormonais, além de relaxamentomuscular. Alguns estudos demonstram que a supressão de movimentos seguida de estímulo dolorosoestá localizada ao nível da medula, e que independe da ação do anestésico sobre o cérebro.(22,23) .Conseqüentemente, a relevância clínica da CAM estaria prejudicada. Entretanto a CAM continuaa ser considerada nos estudos clínicos e científicos.

A CAM é definida em termos de porcentagem de 1 atmosfera. Assim a CAM é a pressãoparcial ao nível dos alvéolos, e é medida pela concentração expiratória do gás, e requer doisaspectos importantes: Primeiro, que a concentração arterial e a cerebral estejam verdadeiramenteem equilíbrio, e, segundo que a medida depois gases de final de expiração sejam acuradas, pararefletir a concentração arterial. Existem controvérsias sobre a medida exata, mas quando determinadano homem, ela é considerada válida após 15 minutos (para alcançar o equilíbrio nos tecidos) oumais tardiamente em 30 minutos no mínimo, em adultos jovens sadios, com diferenças menores de

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pressões parciais alvéolo arteriais. A CAM não é afetada por qualquer tipo de estímulo, pressupondoa aplicação de estímulo supramáximo, mas no homem ela é freqüentemente associada à incisão dapele, e este não é um estímulo supramáximo, contudo, este permanece como padrão paradeterminação da CAM, o que fez surgir extensões do conceito, tendo sido o primeiro proposto em1975, CAM 95 que seria a dose efetiva para anestesiar 95% da população. Recalculado a CAMdo N20 seria 116vol%, Para abolir a ação do stress, foram realizados estudos das respostas donível plasmático de noradrenalina, pressão arterial, freqüência cardíaca a incisão da pele. Aconcentração anestésica que bloqueava 50% das respostas adrenérgicas foi definida como barishautonomic response (CAM bar)24. A CAM bar para o halotane foi de 1,45(±0,08) e 1,13 (± 0,09)para o enflurane, 1,13 mg Kg-1 para morfina (cada anestésico foi administrado com 60% de N2O)Até o momento não foi calculado a do N2O, permanecendo obscura a sua utilidade. O conceito deCAM acordada foi investigado pela potência dos anestésicos capaz de produzir inconsciência, ouseja, a concentração capaz de abolir as respostas verbais em 50% dos indivíduos. A CAM doN2O seria 0,64, a do isoflurano 0,38CAM, e quanto à memória (ED50 do N2O = 0,5CAM,isoflurano = 0,2CAM dose menor que a esperada pelo efeito aditivo do N2O. Resumindo, aadição de 0,1 CAM do N2O que é aproximadamente 10%, substitui 0,1 CAM da mistura anestésica,quanto à supressão da resposta motora a incisão da pele (interação aditiva). O benefício daadministração de N2O é alcançar a inconsciência, amnésia contribuindo para um plano adequadode anestesia com doses substancialmente menores de anestésicos voláteis e venosos25

N2O e Risco Cardiovascular

O N2O tem um efeito inotrópico negativo, que é dose dependente, devido ao efeito direto nomiocárdio.Assim a mistura de 40% de N2O com O2 diminui a contratilidade cardíaca, que écontraposto pela estimulação simpática na musculatura esquelética, levando ao aumento da resistênciaperiférica, pelo aumento do tono simpático. Seus efeitos sobre o miocárdio estão resumidos naTabela 1.

Parâmetro EfeitoContratilidade DiminuídaIsquemiaGlobal InalteradaRegional aumentadaRecuperação após suspensão Retardadadp/dt DiminuídaOclusão coronária Vasoconstrição epicárdica

Tabela 1 - Efeitos do N2O

Existe quase unanimidade na recomendação negativa (sem que haja contra indicação absoluta,em pacientes que farão procedimentos cardíacos e os portadores de alto risco cardíaco, em cirurgiasnão cardíacas. Entretanto, torna-se necessário a realização de mais estudos das associações deste,com novos anestésicos, tais como sevoflurano, desflurano, remifentanil, além de dados sobre efeitoshemodinâmicos e miocárdicos, quando ele é administrado em pacientes com defeitos cardíacoscongênitos que se beneficiaram da cirurgia na infância. Estes pacientes, agora adultos, podem

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necessitar de novas cirurgias, não havendo estudos sobre esta matéria. Outro campo de pesquisaseria os efeitos sobre o miocárdio da combinação com drogas como betabloqueadores, inibidoresde canal de cálcio ou ACE. Os efeitos hemodinâmicos do N2O estão resumidos na Tabela 2

Parâmetro EfeitoPressão arterial DiminuídaÍndice cardíaco DiminuídoFreqüência cardíaca InalteradaResistência vascular sistêmica AumentadaPressão da artéria pulmonar InalteradaResistência vascular pulmonar InalteradaFluxo sanguíneo esplâncnico DiminuídoFluxo sanguíneo renal DiminuídoFluxo sanguíneo cerebral AumentadoCirculação cutânea e muscular Diminuída

Tabela 2 - Efeitos Hemodinâmicos do N2O

N2O e Cirurgia abdominal

As cirurgias abdominais requerem:• Relaxamento muscular adequado tornando anestesia inalatória, o método de escolha.• O risco de aspiração é freqüentemente associado a casos com patologias gastro intestinal,

além de resultar na diminuição da motilidade, cuja recuperação leva ± 5 dias para grandescirurgia, sendo mais rápida em procedimentos menores.

• A presença de dor pós-operatória leva a leva a diminuição da ventilação• A possibilidade de atelectasia é maior em grandes cirurgias.

Eger26 demonstrou em modelos caninos que a adição de 70% de N2O provoca aumentodo volume do intestino de 70% após duas horas de uso. Quanto ao emprego ou não do N2Oem cirurgias abdominais não há um consenso, havendo divergência entre os autores em cirurgiasmaiores, contudo seu emprego em cirurgias médias e de pequeno porte ele é amplamenteaceito.

Em cirurgias laparoscópicas as concentrações encontradas foram até de 47%, sendo omáximo recomendável de 50%, por perigo de combustão27. Outro risco é o de embolia, devidoà alta pressão do CO2 pode provocar embolia por rompimento de veias e rápida difusão deN2O. Existe relação entre náusea e vômito e N2O. Uma meta análise concluiu que a anestesiasem este agente diminuía a incidência de náuseas e vômitos em pacientes com alto risco destacomplicação (e.g. mulheres, cirurgias laparoscópicas) com benefício com a não utilização desteanestésico28.

N2O em Obstetrícia

O óxido nitroso ainda é amplamente utilizado, para analgesia de parto, em vários países,apesar de existirem evidências de sua pequena eficácia29 (fig.VI).

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Figura VI

Efeito do N2O e ar no análogo visualpara dor (média) durante as contraçõesuterinasNão existe diferença significativa entre asduas técnicas29. A descrição de muitasevidências teóricas de complicaçõesmaternas fetais, como hipoxemia maternalevando a hipóxia fetal (figVII). e perigode broncoaspiração (fig.VIII). Deprático são raros os efeitos indesejáveisdescritos deste analgésico, não havendoprovas de associação entre pacientes oumédicas expostas ao N2O e danos fetais.

Figura VIIEfeitos possíveis do entonox, que podelevar a mãe a hiperventilar, comalcalosee hipóxia por desvio para esquerda dahemoglobina e diminuição do fluxosanguíneo uterino e hipóxia para mãe efeto. (vide texto).

Figura VIII

A mistura de 50% de N2O e O2,pode levar a inconsciência,aumentando a chance de vômito eregurgitação.

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N2O e náuseas e vômitosOs avanços das técnicas cirúrgicas combinadas a melhoria do manuseio anestésico, diminuiu emmuito a mortalidade e a morbidade nesta última década. Entretanto, a incidência de náuseas evômitos pós-operatório (NVPO) não foi reduzida de maneira satisfatória, e permanece altaalcançando 60 a 80%, mesmo empregando-se anti-eméticos profiláticos, (30) sendo descrita comoum grande pequeno problema(31) Entre os numerosos fatores de risco, o N2O tem sido apontadocomo fator contribuinte de NVPO, sem que contudo haja algum estudo sistemático indicativo destefato. As análises mais recentes consideram o N2O um fraco fator de risco de NVPO que deve serlevado em consideração para aqueles pacientes considerados de alto risco, principalmente mulheres,devendo-se pesar a relação benefício do emprego da técnica anestésica com o risco da ocorrênciade võmito considerado como uma ocorrência menor, desde que não haja aumento morbidade.

Toxicologia

Deve-se considerar o anestesiologista como a pessoa mais exposta à exposição prolongada,particularmente se trabalhar sem sucção central e com sistemas abertos. A maioria dos efeitostóxicos hoje conhecidos estão baseados na interação entre N2O e vitamina B12 ou a coenzima(CoB12). O N2O inativa a CoB12 através oxidação irreversível do íon cobalto em duas etapas.Assim, o organismo necessita de B12 viável suficiente para a ressíntese da CoB12, que é capacitadapara reagir. Para melhor compreensão serão lembrados alguns pontos de importância mostradosna figura IX

Figura IX

O radical ® pode se ligar ao cobalto tornando-se cianocobalamina (CN), hidroxicobalamina (OH),ou aquocobalamina(H2O). Devido a sua capacidadede armazenamento no fígado a aquocobalamina éconsiderada o depósito fisiológico da vitamina B12,correspondendo a 90% da capacidade total dearmazenamento do corpo. Como nova síntese devitamina B12 é impossível isto a torna um nutrienteindispensável, que junto com o suco gástrico formaum complexo resistente à pepsina e tripsina, que étransportado ao íleo para reabsorção.Isto por últimoé pH dependente e pressupõe secreção pancreáticaintata.• O N2O pode causar efeitos tóxicos após: a) exposição prolongada (mais de 24 horas), b)

exposições repetidas não prolongadas (média de 6 horas).• A maioria dos efeitos tóxica se baseia na inativação irreversível da CoB12. , estocada sob a

forma de aquocobalamina que forma vitamina B12, cujo estoque é de 2-5 mg, com reservahepática de 1mg. Que é igual a 90% do estoque total de vitamina B12, com níveis séricos de200-400 pg ml-1.sendo o excesso excretado na urina, a necessidade diária é de 1-2 ug sendoduas as coenzimas ativas a 5 desoxiadenosilcobalamina e a metilcobalamina e é impossível asua síntese.

• Os processos metabólicos que requerem CoB12 são: a quebra de ácidos graxos, a quebra de

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aminoácidos (metionina, tireonina, isoleucina, valine) dando produto final da acetil CoA, que éoxidado a CO2 em todos os órgãos, exceto no fígado, onde é utilizado para síntese de corposcetônicos. Se o metabolismo de CoB12 for bloqueado pelo N2O, existirá diminuição de síntesede metionina e metilmalonil CoA mutase.

• N2O influencia o metabolismo do folato, que diminue a captação hepática em 40%.Aproximadamente 150-200ug de folato são obtidos diariamente da alimentação (necessidadediária 25-250 ug, entretanto 2-6ug são eliminados na urina e, 500ug nas fezes. Bactérias dointestino produzem a diferença. Se o folato cai mais de 11,3nmol/l resulta a anemia megaloblástica,leucopenia e trombocitose).

• A anemia megaloblástica pode ser devido à deficiência de vitamina B12 ou folato. Esta deficiênciapode resultar de Má nutrição (vegetariano, idosos com dieta pobre) intervenções cirúrgicasdoenças inflamatórias intestinais.

• Anemia não megaloblástica com macrocitose pode resultar de doenças hepáticas, abuso de álcool,hipotireoidismo, anemia hemolítica, aplástica ou mieloplástica, leucemia aguda, mieloma múltiplo.

• Os efeitos toxicológicos do N2O são variados e listados a seguir: Se o paciente sofre dedeficiência de vitamina B12, mesmo a breve exposição (<1h) levará ao desenvolvimento desíndromes clínicas após 70 a 720 minutos os níveis de folato podem cair 220% e os dehomocisteína 310%. Após 24h surge neutrofilia hiperpigmentada, e, megaloblastia.

• Sepsis em que a síntese de metionina e DNA é inibida a exposição por menos 45 minutos podeprovocar falência aguda de medula óssea. Em pacientes com deficiência de vitamina B12 podeser visto mieloneuropatia, paraparesia espástica e mielose funicular.

• Idosos podem apresentar manifestações neuropsiquiátricas• N2O tem imunotoxicidade potencial (mecanismos em estudo)• Deficiência de vitamina B12 com deficiência simultânea de ferro são vistas com macrocitose. É

difícil a correlação dos sintomas sneurólogicos com os níveis séricos patológicos, mas <100pg/ml é um nível patológico e quando este é zero existe certeza da patologia. . Assim uma anamnesecuidadosa é uma maneira de se encontrar o risco de toxicidade do paciente.

• Se a terapia de reposição de vitamina B12 for feita imediatamente ao aparecimento dos sintomasneurológicos haverá recuperação total imediata. Não se deve testar a suplementação com ácidofólico, B12 oral, ou altas doses de vitamina C. A suplementaçãode hidroxicobalamina é preferívela cianocobalamina. A admnistração de hidroxicobalamina 1000ug por via parenteral deverá serfeita nos dias 1, 3, 7, 10, 14, 21, 30, 40 e 90 após diagnóstico.

• Aspectos Ocupacionais

O abortamento espontâneo é um processo biológico que desempenha um papel essencial deseleção natural. Estima-se que quase 80% dos abortamentos humanos são espontaneamenteperdidos, e 40% perdidos antes mesmo que a gravidez seja descoberta(32).Metade dos abortamentosprecoces tem anormalidades cromossômicas(33). Apesar da eliminação da maioria dos fetos commá formação, cerca de 3% ainda nascem portando algum tipo de defeito congênito, e destes, umterço terá a vida encurtada. Acredita-se que destes 25% seja devido a defeitos genéticos ouaberrações cromossômicas, e o restante são de origem desconhecida. Assim, as drogas e agentesquímicos seriam responsáveis somente por uma pequena porcentagem das anormalidades de causadesconhecida. Até o momento não existe evidência que qualquer agente ou técnica anestésica sejamais seguro que outro, sendo consenso que o anestesiologista pode empregar o N2O sempre quenecessário, especialmente quando a técnica se mostrar ser a mais segura para o paciente.

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• Aspectos ambientais

Nenhuma nova informação relacionando N2O e meio ambiente foi publicada. Qual osignificado da poluição do N2O para o meio ambiente? Em 1988 a emissão total de N2O naatmosfera era estimada em 0,5-1,0x109mol/ano, correspondente a 22-44000 metrotons (34). Isto éconsiderado menos que 1% do total da quantidade de N2O na atmosfera. Como o óxido nitrosocontribui em cerca de 5% do efeito greehouse, a sua contribuição total para o problema era de0,05%. Atualmente a fração anestésica pode ser ainda mais baixa(35) (estimada em 3% do total), oque constitui um pequeno impacto na atmosfera, tão pequeno que não justifica sua substituição poroutro agente, ou com drogas que além de não serem mais seguras, não provem superioridade sobreeste analgésico.

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