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Captulo V
PODERES ADMINISTRATIVOS
1. PODERES ADMINISTRATIVOS
1.1 Introduo
A atividade administrativa desempenhada para a consecuo do inte-resse pblico e pautada pela observncia aos princpios da Administrao Pblica. O administradorpblico, no exerccio dessa atividade, deve se pautar pela estrita obedincia e perseguio do interesse pblico, ganhando bastante relevo, especialmente, os princpios da supremacia do interesse pblico e o da indisponibilidade do interesse pblico.
Entretanto, para que seja possvel a materializao das medidas admi-nistrativas necessrias a esse intento, a Administrao dispe dos chamados poderes administrativos, ou seja, de instrumentos, ferramentas, mecanismos indispensveis para esse agir. Desse modo, os poderes administrativos so as prerrogativas disposio da Administrao destinadas viabilizao do interesse pblico.
1.2. Poderes administrativos
1.2.1. Poder vinculado
A lei pode deixar o administrador escolher ou no qual a conduta a ser adotada em determinada atividade. Quando a lei permite que o adminis-trador o faa, tem-se a discricionariedade e, por outro lado, quando no o permite, h a vinculao. Dessa forma, fala-se em poder vinculado e em poder discricionrio.
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Nesse sentido, o poder vinculado ou regrado aquele que a lei con-fere Administrao Pblica para a prtica de ato de sua competncia, determinando os elementos e requisitos necessrios a sua formalizao1.
Todo e qualquer ato administrativo deve estar em conformidade com o direito e, em muitos casos, a convenincia e a oportunidade de se praticar determinado ato j foram valoradas pelo legislador, no havendo margem de escolha ao administrador. Seu comportamento j foi previamente delimita-do, regrado pela lei. Assim, por exemplo, o agente de trnsito ao constatar que algum praticou uma infrao de trnsito, no pode questionar se con-veniente ou no fazer a autuao ou qual a melhor infrao para imputar ao infrator, porque a lei j fez isso por ele. Deve, obrigatoriamente, fazer a autuao pertinente ao comportamento do infrator, ou seja, se no fazia uso do cinto de segurana, no pode escolher outra infrao para autuar.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro2 e Jos dos Santos Carvalho Filho3 no reconhecem a existncia do poder vinculado, porque, na verdade, no se trata de prerrogativa disposio da Administrao e, sim, uma restrio, uma obrigao de atuao em conformidade com a lei. De fato, mais uma exigncia de comportamento do que um poder.
Entretanto, em razo da cobrana contnua nas provas nos moldes tradi-cionais, manteve-se a abordagem do tema nesses termos.
1.2.2. Poder discricionrio
O poder discricionrio o que o Direito concede Administrao, de modo explcito ou implcito, para a prtica de atos administrativos com liberdade na escolha de sua convenincia, oportunidade e contedo4.
Trata-se de prerrogativa conferida Administrao Pblica de fazer opes, de escolher, de analisar se oportuno, se conveniente, segundo o interesse pblico, a prtica de determinado ato. O legislador no estabeleceu a valorao e a deixou para que seja feita em cada caso, delineando, apenas, os limites legais para tanto.
Essa prerrogativa permite ao administrador escolher diante do caso con-creto, mas, ao mesmo tempo, no possui aval para atuar da maneira que bem
1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 120. Essa definio cobrada de maneira literal, com frequncia, nas provas.
2. Direito administrativo. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2010. p. 89. 3. Manual de direito administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 44. 4. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 121.
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entender. Deve escolher entre as opes legais, ou seja, tem liberdade para atuar e essa atuao tem que se dar nos limites da lei. Caso escolha com-portamento no albergado pelo direito, estar agindo com arbitrariedade. Considere-se, por exemplo, um servidor pblico federal que praticou uma infrao disciplinar cuja sano prevista na Lei n 8.112/90 seja a suspenso. Nessa hiptese que fique bem claro o administrador no tem escolha se deve ou no aplicar a penalidade, pois a lei j escolheu por ele (se no pro-cesso disciplinar foi demonstrada a responsabilidade, deve ser punido), mas, por outro lado, deixou certa margem de escolha ao administrador no caso concreto, porque o art. 130 daquela lei estabelece que a suspenso pode durar at noventa dias. Assim, se aplicar suspenso de cento e vinte dias, haver arbitrariedade.
O poder discricionrio uma importante ferramenta para a atuao ad-ministrativa ante a impossibilidade de o legislador prever todas as situaes que possam ocorrer, j que permite a adoo da melhor soluo para o caso concreto, frente ao interesse pblico.
Cumpre, ainda, lembrar que o princpio da razoabilidade um forte limitador do exerccio do poder discricionrio, pois a escolha do adminis-trador deve ser razovel e est sendo muito usado no controle judicial dos atos administrativos.
1.2.3. Poder hierrquico
O poder hierrquico o de que dispe o Executivo para distribuir e escalonar as funes de seus rgos, ordenar e rever a atuao de seus agentes, estabelecendo a relao de subordinao entre os servidores do seu quadro de pessoal5. Todavia, deve haver a compreenso de que o poder hierrquico tpico da funo administrativa, pois no est presente nas funes legislativa e judicial, mas no exclusivo do Executivo e faz parte dos Poderes Legislativo e Judicirio, na funo atpica de administrar.
A criao de rgos e cargos s feita mediante lei, na qual so definidas as atribuies de cada um. Mas a lei tambm estabelece entre os vrios rgos da Administrao Pblica uma relao de coordenao e subordinao, isto , estabelece a hierarquia6. Sem se esquecer, tambm, do art. 84, VI, que
5. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 124. 6. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2010. p. 95.
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permite ao Presidente da Repblica dispor sobre a organizao da Adminis-trao Pblica federal mediante decreto.
Entendida a existncia da hierarquia apenas quando se tratar da funo administrativa, importante registrar que prpria de cada pessoa da Ad-ministrao Pblica. Assim, dentro da Unio h relao de hierarquia entre seus diversos rgos como, por exemplo, o Departamento de Polcia Federal hierarquicamente superior s Superintendncias da Polcia Federal nos Estados e assim por diante. A hierarquia no existe entre pessoas jurdicas diferentes e, desse modo, entre uma autarquia e o respectivo ministrio h uma relao de vinculao e no subordinao.
Esse poder uma ferramenta de grande valia para a Administrao porque possibilita a concatenao de suas aes em busca da satisfao do interesse pblico. Por ele tem-se a organizao, a estruturao, criando-se uma relao de coordenao e subordinao entre os diversos rgos criados. com base na hierarquia que se pode avocar, delegar, ordenar, controlar, corrigir e aplicar sanes.
1.2.4. Poder disciplinar
O poder disciplinar est relacionado com o poder hierrquico, mas aquele instrumento diferente deste. Desconcentra competncias, isto , dis-tribui internamente competncia entre seus diversos rgos, escalonando-os, hierarquizando-os. Pelo poder disciplinar, h a fiscalizao no desempenho dessas atribuies e a eventual responsabilizao do agente.
O poder disciplinar a prerrogativa pela qual a Administrao apura as infraes e aplica as penalidades ao infrator, que pode ser um servidor pblico ou particular sujeito disciplina administrativa, como um estudante de escola pblica7.
Apesar de se referir apurao de infrao e aplicao da respectiva penalidade, necessrio apontar que no se trata do direito de punir (ius puniendi) que o Estado possui em relao s infraes penais.
A penalidade administrativa tem como objeto as infraes relacionadas ao servio, aplicando-se, portanto, apenas a um agente pblico ou a um particular juridicamente relacionado com a administrao. Ao contrrio, na esfera penal, a aplicao de penalidade dirigida a qualquer infrator da lei penal e no pode ser aplicada por rgo administrativo, sendo privativa da
7. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2010. p. 94.
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atuao judicial. As punies penal e administrativa no tm os mesmos fundamentos, bem como as respectivas penas so de natureza diversa. A diferena das sanes no de natureza de grau, mas, na verdade, substan-cial, da essncia de cada uma e, por isso, possvel que, pelo mesmo fato, o servidor responda administrativa e penalmente.
1.2.5. Poder regulamentar
De maneira geral, a definio sobre poder regulamentar mais encontrada nas provas de concurso a que consiste na faculdade de que dispem os Chefes de Executivo (Presidente da Repblica, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execuo, ou de expedir decretos autno-mos sobre matria de sua competncia ainda no disciplinada em lei8.
A lei tem as caractersticas de generalidade, abstrao e impessoalidade e no tem como objetivo detalhar os assuntos nela tratados e, desse modo, em grande parte, necessrio, para que a disposio legal migre do plano hipottico para o plano concreto, que haja sua explicao detalhada.
Essa funo de explicar, detalhar a lei , sem dvida, uma funo nor-mativa porque os atos administrativos por meio dos quais se regulamenta so atos normativos e, assim, dotados de generalidade, abstrao e impes-soalidade. Entretanto, no podem ser confundidos com a lei, pois esta um ato normativo primrio ou originrio, que tem seu fundamento de validade extrado diretamente do texto constitucional e, assim, pode inovar na ordem jurdica, impondo deveres e obrigaes. Por outro lado, o regulamento um ato normativo secundrio ou derivado, pois que sua existncia dependente da existncia de outro ato normativo, qual seja, a lei, e sua misso , de ma-neira subalterna lei, complementar seu contedo e, de forma alguma, pode inovar na esfera jurdica. O regulamento no pode criar direitos e obriga-es, sob pena de violar o princpio da legalidade constante da Constituio Federal (art. 5, II)9. O que, por vezes, gera confuso que o regulamento pode fixar obrigaes acessrias ou derivadas, que so decorrentes das obrigaes primrias ou originais, desde que sejam adequadas a estas como, por exemplo, lei que cria determinado benefcio mediante a comprovao de determinado fato jurdico, mas no especifica quais documentos devero ser apresentados para a comprovao do benefcio, os quais podero ser fixados e
8. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 130. Original sem destaque.
9. Ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei.
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detalhados em regulamento, pois se trata de obrigao derivada (apresentao de documentos) da obrigao primria (comprovao do fato jurdico)10.
Essa manifestao do poder regulamentar conhecida como regulamento executivo ou de execuo.
A impossibilidade de extrapolar os limites legais fundamenta-se no art. 84, IV da Constituio Federal, pois estabelece que competncia do Presidente da Repblica expedir decretos e regulamentos para sua fiel execuo, bem como, tambm no texto constitucional, no art. 49, V, que atribui competncia ao Congresso Nacional para sustar os atos normativos que exorbitem do poder regulamentar.
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder regulamentar espcie do poder normativo da Administrao Pblica, ou seja, um tipo, uma das formas pela qual se expressa a funo normativa da Administrao Pblica, e o poder regulamentar, assim entendido, privativo doChefe do Executivo e se materializa por meio de decreto, mas h outras formas de expresso do poder normativo como as resolues, as portarias, as instrues, os regi-mentos, mas esses atos possuem alcance restrito aos limites de atuao do rgo e no tm a mesma natureza dos regulamentos expedidos pelo Chefes do Executivo11.
Outra espcie de regulamento o denominado regulamento autnomo, que o ato normativo, infralegal, que pode inovar na ordem jurdica, que tem seu fundamento diretamente estabelecido no texto constitucional e, dessa forma, no depende da existncia de lei, porque no existe para disciplinar matria prevista em lei, mas, ao contrrio, trata de matria no constante em lei. H grande divergncia sobre a existncia ou no dessa espcie de regula-mento no direitobrasileiro, mas a posio que parece predominar nas provas a de que, no ordenamento jurdico brasileiro, s h um caso de regulamento autnomo, qual seja, a descrita no art. 84, VI, da Constituio Federal.
Esse dispositivo atribui ao Presidente da Repblica a competncia para dispor, mediante decreto, sobre a administrao federal, desde que no implique aumento de despesa, no faa a criao ou extino de rgo pblico e nem a extino de cargo pblico provido (por decreto, pode extinguir cargo vago). Os Governadores e Prefeitos tambm dispem dessa competncia, desde que haja previso, respectivamente, nas Constituies estaduais e leis orgnicas.
10. CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 50.
11. Direito administrativo. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2010. p. 90 e 93.
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Na verdade, a extino de cargo pblico uma espcie de ato de efeitos concretos, e a funo normativa restringe-se organizao da Administrao Pblica federal, o que, alis, feito de maneira bem limitada, pois possui um carter interno, no repercute e nem capaz de criar direitos e obrigaes para fora da estrutura administrativa.
1.2.6. Poder de polcia
1.2.6.1. Conceito
A definio que, com frequncia, se faz presente nas provas a de Hely Lopes Meirelles, para quem poder de polcia a faculdade de que dispe a Administrao Pblica para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefcio da coletividade ou do prprio Estado12.
Tambm, existe uma definio legal para o poder de polcia e est no art. 78 do Cdigo Tributrio Nacional, que tem a seguinte redao:
Considera-se poder de polcia a atividade da Administrao Pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ou absteno de fato, em razo de interesse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou autorizao do Poder Pblico, tranquilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais e coletivos.
O interesse pelo poder de polcia, na rea tributria, se d porque, em de-corrncia dele, a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios podem instituir taxa, conforme o art. 145, II, da Constituio Federal.
De maneira geral, possvel afirmar que o poder de polcia uma atividade administrativa consistente em intervir no exerccio de direitos e liberdades individuais, impondo restries e condies para que o interesse particular no cause prejuzo ao interesse pblico.
Corresponde a uma importante medida disposio da Administrao e que, dessa forma, quando houver a oportunidade, deve ser usada e no pode ser considerada como simples faculdade, pois , realmente, um dever do administrador.
12. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 134. Original sem destaque.
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1.2.6.2. Setores, manifestao, finalidade e fundamento
O poder de polcia facilmente identificado na rotina das pessoas, pois h diversos setores da sociedade em que se manifesta como, por exemplo, a polcia de segurana do trnsito, a polcia de vigilncia sanitria, a polcia de edificaes.
O proprietrio tem direito de ir e vir com seu veculo, desde que este esteja em adequadas condies e no coloque em risco a segurana no trnsito, pois, seno, ele pode ser apreendido pelo agente de trnsito. Ainda no trnsito, direito do motorista dirigir um veculo pelas vias pblicas, desde que ele tenha habilitao especfica para aquele veculo (quem habilitado somente para carro e moto no pode dirigir nibus, por exemplo); caso no tenha, a Administrao pode impor as devidas sanes administrativas.
O proprietrio do imvel tem o direito de nele construir sua casa, mas no pode faz-lo da maneira que quiser e, assim, deve se submeter s normas urbansticas do Municpio para que lhe seja autorizado o incio da constru-o. Ou apresenta o projeto e a documentao nos termos exigidos pela lei municipal ou no poder exercer o direito de construir.
Como se v, os exemplos so inmeros e o mais importante compreender que pelo poder de polcia, a Administrao impe limites, condies para que o particular possa exercer seu direito ou liberdade. O particular, de forma alguma, extirpado de seu direito; apenas, se quiser exerc-lo, deve se adequar s exigncias legais destinadas tutela do interesse pblico.
Assim, a finalidade da atividade de polcia administrativa tutelar o interesse pblico, seja prevenindo, seja reprimindo as ofensas a ele dirigidas. Nos exemplos anteriores, o caso da construo uma atuao preventiva e, por sua vez, a apreenso do veculo em condies inadequadas para trafegar j repressiva. Ainda, a manifestao do poder de polcia pode ser geral ou individual. geral quando feita por atos administrativos normativos ou gerais (decretos, resolues, regulamentos, etc.), com destinatrios indeterminados, impondo restries ao exerccio de determinado direito, e individual quan-do a medida tem um destinatrio certo (ordem de apreenso, por exemplo).
Essa atividade tem como fundamento o princpio da supremacia do interesse pblico.
1.2.6.3. Polcia de segurana pblica e polcia administrativa
A polcia administrativa e a polcia de segurana pblica no podem ser objeto de confuso, pois, de fato, so distintas. A polcia de segurana
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pblica pode ser dividida em ostensiva, desempenhada pela polcia militar, e em judiciria, realizada pela polcia federal e pela polcia civil. Ocorre que, normalmente, os rgos de polcia judiciria exercem as duas formas depolcia como se v, por exemplo, na polcia civil em relao ao trnsito e na polcia federal no que se refere atividade de segurana privada ou, ainda, a atuao da polcia militar no trnsito. Entretanto, as atividades so diferentes, pois a polcia administrativa tem como foco a limitao a uma liberdade, ao exerccio de um direito para que no seja exercido de forma nociva ao in-teresse pblico, e a polcia judiciria tem como objetivo a responsabilizao do infrator. Outra diferena que a polcia administrativa regulada pelas normas de direito administrativo, e a polcia judiciria, pelas normas do direito processual penal.
1.2.6.4. Poder de polcia: sentido amplo e estrito; originrio e delegado
necessrio se atentar para a maior ou menor amplitude que se d ex-presso poder de polcia, porque, na doutrina, costuma ser feita a diviso de poder de polcia em sentido amplo e poder de polcia em sentido estrito. Naquela acepo, essa atividade engloba tanto os atos legislativos quanto os atos administrativos, ou seja, tanto uma lei impondo restries ao exerccio de um direito quanto um ato administrativo seriam manifestaes do poder de polcia. De outra forma, na concepo restrita, o poder de polcia uma atividade administrativa e, assim, s pode ser exercida na funo adminis-trativa e no na funo legislativa. nesse ltimo sentido que, no mbito do direito administrativo, deve ser compreendida a expresso13.
Ainda, dentro da acepo estrita de poder de polcia, importante regis-trar que se faz a diviso em poder de polcia originrio e poder de polcia delegado, em que aquele exercido pela administrao direta (conjunto dos rgos integrantes das pessoas polticas) e este desempenhado pelas pessoas administrativas integrantes da administrao indireta, e, no lti-mo caso, o correto deveria ser poder de polcia outorgado e no delegado, pois a descentralizao feita por meio de lei, mas a expresso consagrada delegado14. Questo que se discute, nesse ponto, se a delegao pode extrapolar as fronteiras da Administrao, ou seja, o poder de polcia pode ser delegado aos particulares?
13. CUNHA JNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 87. 14. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. So Paulo:
Mtodo, 2010. p. 243.
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De maneira geral, a doutrina considera que no possvel a delegao do poder de polcia a particulares e aponta como exceo os capites de navio. Em contraposio, mencionam-se os radares em rodovia instalados pelas empresas concessionrias de servio pblico. No se trata de delegao do poder de polcia? De fato, no. A instalao de radares em rodovias e ruas no ato de polcia, pois se limita a constatar, declarar a situao ftica em que est o veculo, ou seja, apenas apontam a velocidade e fazem o devido registro de maneira impessoal, e a manifestao do poder de polcia feita posteriormente pela Administrao Pblica com a imposio da multa. So, na verdade, atos materiais preparatrios do ato jurdico do poder de pol-cia como, no mesmo sentido, ocorre com os atos materiais posteriores ou sucessivos ao ato de polcia, pois, por exemplo, manifestao do poder de polcia a ordem de demolio de determinado prdio que ameaa ruir, mas o ato de imploso em si pode ser delegado a particulares, o que no representa, de forma alguma, delegao do poder de polcia a particulares15.
1.2.6.5. Atributos ou caractersticas
Os atributos ou caractersticas do poder de polcia so a discricionarie-dade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.
Em regra, a atividade de polcia administrativa discricionria, havendo liberdade de escolha do administrador em relao ao momento de atuao, forma de atuao e, s vezes, at no que se refere a qual sano aplicar. Desse modo, por exemplo, a atividade de fiscalizao, normalmente, no possui um momento exato para ser desempenhada e, por vezes, a lei deixa para o fiscal a anlise de qual medida adotar no caso concreto. Todavia, nem sempre h discricionariedade e o poder de polcia pode ser manifestao administrativa vinculada, como so exemplos a licena para dirigir e a licena para construir. Alis, costuma-se indicar que, se o ato praticado porlicena, vinculado e, se feito por autorizao, tem-se a discricionariedade16.
A autoexecutoriedade aponta para o fato de que a Administrao Pbli-ca, para satisfazer o interesse pblico e, assim, prevenir ou reprimir atividade particular nociva quele, pode praticar diretamente os atos afetos polcia administrativa, no necessitando recorrer ao Poder Judicirio. Assim, no precisa a Administrao de ordem judicial para multar, interditar, apreender e
15. MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 839-841.
16. Ver captulo 6, em espcies de atos administrativos (atos negociais), sobre a licena e a autorizao.
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demais medidas de polcia, devendo tal prerrogativa, obviamente, ser compati-bilizada com a inviolabilidade do domiclio consagrada no texto constitucional.
Todavia, a autoexecutoriedade s existe quando prevista em lei ou quando se tratar de situao de urgncia e, assim, no se faz presente em todas as medidas de polcia. Inclusive, em relao multa, existe autoexecutoriedade na sua imposio, no h, quando de sua cobrana, se houver resistncia do administrado. Ento, por exemplo, o fiscal municipal no necessita de ordem judicial para autuar o proprietrio de imvel por violao s normas de postura, mas, se no houver o pagamento, no pode o Municpio, por seus prprios meios, fazer a apreenso de bens do devedor para a quitao e, portanto, dever se valer da ao de execuo fiscal para a cobrana. Portanto, na imposio da multa h autoexecutoriedade, mas na sua cobrana no.
Ainda, quanto autoexecutoriedade, necessrio salientar que, em regra, deve haver processo administrativo, com garantia da ampla defesa e do con-traditrio, para que seja possvel Administrao aplicar sano ao particular, salvo no caso das sanes decorrentes da polcia administrativa impostas em razo de situaes que coloquem em risco a segurana ou a sade pblica ou quando for infrao instantnea em situao de flagrncia17. So exemplos a destruio de alimento imprprio para o consumo, a demolio de imvel que ameaa desabar, o isolamento de rea em razo de forte epidemia. Em qualquer caso, no se afasta a possibilidade de controle judicial sobre as medidas adotadas e, caso fique comprovada atuao indevida da Adminis-trao, o particular poder requerer a respectiva reparao dos danos.
A coercibilidade a prerrogativa que a Administrao tem de impor ao administrado o cumprimento da medida de polcia administrativa, isto , o ato de polcia impositivo, coercitivo para o destinatrio. Assim, a interdi-o de um estabelecimento pela fiscalizao no produzir efeitos apenas se o proprietrio concordar com a medida.
1.2.6.6. Limites
A atividade de polcia administrativa, como qualquer outra atividade ad-ministrativa, deve estar em consonncia com os princpios da Administrao Pblica e, portanto, possui limites. Arazo de existir o poder de polcia a preservao do interesse pblico em face de atividade particular nociva e, desse
17. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 141.
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modo, sua atuao deve ser na medida necessria para tanto e, obviamente, deve haver o respeito aos direitos fundamentais.
Em especial, tem-se, no princpio da razoabilidade, importantssima forma de controle da atividade realizada, pois, para que a medida de polcia administrativa escolhida seja considerada razovel, dever ser adequada, necessria e proporcional. Para ilustrar, imagine-se que um fiscal da vigi-lncia sanitria se depare com um pacote de macarro instantneo fora do prazo de validade em um hipermercado e, diante de tal situao, promova a interdio total do estabelecimento. Nesse caso, a medida adotada pode ter sido adequada, porque a sade pblica foi protegida j que ningum poder comprar o produto com o estabelecimento interditado, mas, com certeza, no foi necessria e proporcional, pois, se a necessidade para se tutelar a sade pblica, no caso, era impedir a comercializao daquele produto especfico, bastaria sua apreenso e aplicao de eventual multa ao estabelecimento.
f PODER DE POLCIAPrerrogativa de impor restries, condies ao exerccio de direitos e liberdades individuais
Sentido amplo restries feitas na funo legislativa e funo administrativa
Sentido estrito somente funo administrativaPoder de polcia originrio exercido pelas pessoas polticas (administrao direta)
Poder de polcia delegado exercido pelas pessoas administrativas (administrao indireta)
Atributos
Discricionariedade regra; autorizao Vinculao exceo; licena
Autoexecutoriedade
prtica de atos de polcia administrativa diretamente,
sem interveno do Judicirio
no existe em todos os atos de polcia
Coercibilidade ato de polcia impositivo
2. ABUSO DE PODER
Os poderes administrativos so instrumentos de concretizao do in-teresse pblico e devem ser usados em consonncia com os princpios da
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Administrao Pblica. Quando o administrador usa os poderes conferidos Administrao (e no a ele) de forma indevida, contrariando o regime jurdico administrativo, h abuso de poder.
O abuso de poder pode ocorrer tanto na forma comissiva quanto na forma omissiva, porque a inrcia da autoridade administrativa lesa o patrimnio jurdico individual quando deixa de executar determinada prestao a que estava legalmente obrigada18.
De fato, o princpio da indisponibilidade do interesse pblico obriga o administrador a atuar quando houver a oportunidade de se tutelar o interesse pblico por meio do uso dos poderes administrativos. Assim por exemplo, quando o fiscal da vigilncia sanitria se depara com um restaurante em pssimas condies de higiene seu dever atuar e no pode se omitir no uso do poder de polcia, pois sua omisso, no caso, colocar em risco o interesse pblico, em especial, a sade pblica.
O abuso de poder tem duas espcies: a) excesso de poder: verificado quando o agente atua alm dos limites
de sua competncia, ou seja, ou o agente invade atribuies cometidas a outro agente, ou se arroga o exerccio de atividades que a lei no lhe conferiu19. Por exemplo, h excesso de poder quando autoridade administrativa aplica pena de demisso e, por lei, s poderia aplicar at a de suspenso.
b) desvio de poder ou desvio de finalidade: ocorre quando o adminis-trador age dentro de sua competncia (no extrapola), mas o faz para alcanar fim diferente do previsto, explcita ou implicitamente, na lei, ou seja, dissocia-se do interesse pblico. o caso do agente que remover servidor, no interesse da administrao (de ofcio) para outra localidade para puni-lo e no em razo da adequao da fora de trabalho ou, ainda, quando se decreta a desapropriao de imvel em razo de utilidade pblica, mas, na verdade, isso feito para pre-judicar o proprietrio.
Em qualquer uma das modalidades, o abuso de poder uma ilegalidade e, desse modo, pode ser afrontado tanto na esfera administrativa quanto em
18. TCITO, Caio. O abuso do poder administrativo no Brasil. RDA 56/1 apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 114.
19. CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 40.
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186 Parte I DIREITO ADMINISTRATIVO Leandro Bortoleto
juzo. Ademais, o abuso de poder pode, tambm, configurar crime de abuso de autoridade, previsto na Lei n 4.898/65.
f ABUSO DE PODER Uso dos poderes administrativos contrariando o regime jurdico administrativo
Forma comissiva ou omissiva
Espcies
Excesso de poder Desvio de poder
Atua fora dos limites da competncia Atua dentro dos limites da competncia, mas com finalidade diversa daquela com
que deveria atuar
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