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Título I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA1

CAPÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A VIDA

1. INTRODUÇÃODos crimes contra a pessoa, destacam-se aqueles que eliminam a vida humana, conside-

rada o bem jurídico mais importante do homem, razão de ser de todos os demais interesses tutelados, merecendo inaugurar a parte especial do nosso Código. É evidente que essa co-locação não implica o estabelecimento de hierarquia entre as normas incriminadoras, mas serve para extrair a importância do capítulo.

A vida será tratada nesse tópico tanto na forma intra (biológica) quanto extrauterina, resguardando-se, desse modo, o produto da concepção (esperança de homem) e a pessoa humana vivente.

No art. 121 temos etiquetado o homicídio2 (ação de matar uma pessoa, voluntária ou involuntariamente), seguido do delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (eliminação da própria existência).

No art. 123 pune-se o assassínio de um recém-nascido, praticado pela própria mãe, agindo esta sob influência do estado puerperal (infanticídio). Todos os tipos, até o momen-to, preocupam-se apenas com a vida existente, palpável, extrauterina. Já nos artigos seguin-tes (124/127) foi tipificada como crime a interrupção dolosa de uma gravidez, destruindo o produto da concepção.

Vejamos, detalhadamente, as várias modalidades delituosas.

le-são corporal seguida de morte

-

-Justitia

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Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

2. HOMICÍDIO

Homicídio Simples

Art. 121

Caso de diminuição de pena

Feminicídio

-

Homicídio culposo

Aumento de pena-

-

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2.1. Considerações iniciaisNa busca do conceito de homicídio, trazemos a clássica definição de Nélson Hungria:

“O homicídio é o tipo central de crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada.”3.

É a injusta morte de uma pessoa (vida extrauterina) praticada por outrem (destruição da vida humana, por outro homem)4.

Prevê nosso Código várias modalidades do crime, a saber:a) doloso simples (caput);b) doloso privilegiado (§ 1º);c) doloso qualificado (§ 2º);d) culposo (§ 3º);e) culposo majorado (§ 4º, primeira parte);f ) doloso majorado (§ 4º, segunda parte, e § 6º).Em face do disposto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.072/90, é hediondo o homicídio

cometido em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente, e o homicídio qualificado.

O homicídio culposo, em razão da pena mínima prevista (um ano de detenção), per-mite que o agente se beneficie da suspensão condicional do processo, se cumpridos os demais requisitos do art. 89 da Lei 9.099/95.

Vejamos as espécies delituosas.

2.2. Homicídio simples

2.2.1 Sujeitos do crimeQualquer pessoa, isolada ou associada à outra, pode praticar o delito de homicídio,

não exigindo o tipo penal nenhuma condição particular do seu agente (crime comum).

3. Comentários ao Código Penal-

-

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Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Flávio A. Monteiro de Barros, transcrevendo na íntegra a lição de Euclides Cus-tódio da Silveira, nos traz interessante problema referente a crime praticado por xifópa-gos (irmãos ligados um ao outro, desde o apêndice xifóide até o umbigo). Apesar de magro o seu interesse prático, existe uma curiosidade teórica:

“Dado que a deformidade física não impede o reconhecimento da imputabilidade criminal, a conclusão lógica é que responderão como sujeitos ativos. Assim, se os dois praticarem um homicídio, conjuntamente ou de comum acordo, não há dúvida que respon-derão ambos como sujeitos ativos, passíveis de punição. Todavia, se o fato é cometido por um, sem ou contra a vontade do outro, impor-se-á a absolvição do único sujeito ativo, se a separação ci-rúrgica é impraticável por qualquer motivo, não se podendo ex-cluir sequer a recusa do inocente, que àquela não está obrigado. A absolvição se justifica, como diz Manzini, porque, conflitando o interesse do Estado ou da sociedade com o da liberdade indi-vidual, esta é que tem de prevalecer. Se para punir um culpado é inevitável sacrificar um inocente, a única solução sensata há de ser a impunidade.”5.

Flávio Monteiro, no entanto, discordando da conclusão dada ao caso, prefere en-sinar que o xifópago autor do crime deve ser processado e condenado por homicídio, inviabilizando-se, porém, o cumprimento da reprimenda, tendo em vista o princípio da intransmissibilidade da pena. Se, no futuro, o outro também vier a delinquir e a ser conde-nado, ambos poderão cumprir as respectivas penas.

O sujeito passivo é o ser vivo, nascido de mulher.6

A pena é aumentada de um terço se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos (§ 4º do art. 121, segunda parte, com redação dada pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso).

2.2.2 Conduta

A conduta típica consiste em tirar a vida de alguém (universo de seres humanos).

Quando se inicia a vida extrauterina?

A vida extrauterina de um indivíduo começa com o início do parto.

5. Crimes contra a pessoa

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Quando se inicia o parto?

A doutrina é divergente. Fernando Capez, ao tratar do tema, cita alguns posiciona-mentos:

“Alfredo Molinario entende que o nascimento é o completo e total desprendimento do feto das entranhas maternas. Para Soler, inicia--se desde as dores do parto. Para E. Magalhães Noronha, mesmo não tendo havido desprendimento das entranhas maternas, já se pode falar em início do nascimento, com a dilatação do colo do útero.”7.

Diante da indisfarçável controvérsia, seguimos a lição de Luiz Regis Prado:

“Infere-se daí que o crime de homicídio tem como limite mínimo o começo do nascimento, marcado pelo início das contrações ex-pulsivas. Nas hipóteses em que o nascimento não se produz espon-taneamente, pelas contrações uterinas, como ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o começo do nascimento é determinado pelo início da operação, ou seja, pela incisão abdominal. De seme-lhante, nas hipóteses em que as contrações expulsivas são induzidas por alguma técnica médica, o início do nascimento é sinalizado pela execução efetiva da referida técnica ou pela intervenção cirúr-gica (cesárea)” 8.

Para que haja o crime, não é necessário que se trate de vida viável (vitalidade, capaci-dade de vida autônoma), bastando a prova de que a vítima nasceu viva e com vida estava no momento da conduta criminosa do agente (qualquer antecipação da morte, ainda que abreviada por poucos segundos, é homicídio).

Recaindo a conduta sobre pessoa já sem vida (cadáver), o crime é impossível por absoluta impropriedade do objeto (art. 17 do CP). Impossível também será no caso de utilizar o agente meio absolutamente ineficaz (ex.: acionar arma de fogo inapta ou des-carregada).

Pode o homicídio ser praticado de forma livre, por ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa), por meios diretos ou indiretos. Mata quem se serve de uma arma de fogo ou de um animal feroz, quem ministra um veneno ou deixa de fornecer a um recém--nascido, tendo a obrigação de fazê-lo, os necessários alimentos.

Magalhães Noronha lembra que o crime pode ser praticado, também, por meios morais ou psíquicos ou mesmo por meio de palavras.

Explica o autor:

“Não só por meios materiais – o que é a regra – pode dar-se a morte de alguém. Também são idôneos os psíquicos. A violenta

7. Direito Penal – Parte Especial -12.8. Tratado de Direito Penal Brasileiro

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emoção, provocada dolosamente por outrem e que ocasiona a morte, é meio de homicídio. Lembre-se, v.g., de um filme – As diabólicas –, em que um homem, depois de fazer crer a sua mu-lher que ela o havia assassinado, aparece-lhe, durante a noite, em uma casa deserta e lúgubre, fulminando-a com uma síncope. É meio psíquico ainda o usado pelo personagem de Monteiro Loba-to, fazendo dolosamente o amigo apoplético explodir em estron-dosas gargalhadas e, assim, o matando, por efeito de hábil anedota contada após lauta refeição.”9.

2.2.3 Voluntariedade

É o dolo, consistente na consciente vontade de realizar o tipo penal (matar alguém). Pode ser direto (o agente quer o resultado) ou eventual (o agente assume o risco de produ-zi-lo).

Não exige o tipo básico qualquer finalidade específica do sujeito ativo, podendo o motivo determinante de o crime constituir, eventualmente, uma causa de diminuição de pena (§ 1º) ou qualificadora (§ 2º).

Ainda quanto ao elemento subjetivo do crime, destacamos dois julgados do Supremo Tribunal Federal discutindo dolo nos crimes de trânsito com resultado morte:

“O Supremo firmara jurisprudência no sentido de que o homicídio cometido na direção de veículo automotor em virtude de pega seria doloso” (HC-101.698).

“A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; §  2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente pre-viu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato” (HC 107.801-SP).

Vamos aprofundar o tema, pois a controvérsia em torna da morte como consequência da embriaguez ao volante e do “racha” não pode ser resolvida com fórmula matemática.

Percebemos parcela da doutrina, com base nos dois julgados acima, equivocadamente, sugerindo que o Pretório Excelso resolveu o assunto, isto é, embriaguez ao volante com morte deve ser punida como homicídio culposo (art. 302, § 2º. do CTB – culpa conscien-te) e racha com morte como homicídio doloso (art. 121 do CP – dolo eventual). Nada mais absurdo. Não se pode ignorar o caso concreto. As circunstâncias que envolvem o fato

9. Direito penal,

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podem sugerir um desprezo do agente pela vida alheia, indicando dolo eventual, ou mani-festa negligência, configurando culpa consciente. Vamos tentar exemplificar.

Imaginemos que JOÃO conduz seu veículo embriagado. Mesmo nesse estado, acredita estar conduzindo o automotor de forma normal. Com seus reflexos comprometidos, acaba por atropelar um pedestre, constatando-se na perícia do local marcas de frenagem do pneu, sinal de que o condutor quis evitar o evento. Não nos parece que JOÃO, mesmo embriaga-do, deva ser responsabilizado pela morte do pedestre a título de dolo, mas culpa (conscien-te). Suponhamos, agora, que JOÃO, conduzindo seu veículo embriagado, nele imprime alta velocidade e ignora sinais de parada obrigatória, acabando por atropelar um pedestre, não se constatando no local marcas de frenagem. Ora, nessa hipótese, podemos cogitar do dolo eventual, respondendo o condutor por homicídio doloso (art. 121 do CP). Percebam como as circunstâncias do caso concreto norteiam a conclusão do operador do Direito.

Sobre o racha com morte, a conclusão envolve, ainda, a ideia de o motorista aceitar ou não o fim da sua própria vida. Vejamos a lição de Rogério Greco:

“(...) não há como presumir o dolo eventual pelo simples fato de alguém participar de uma competição perigosa, que expõe a riscos a vida e a saúde de terceiros. Somente poderíamos entender pelo dolo eventual, nesses casos, quando o agente atuasse, no mínimo, com intenção suicida.

Na verdade, quando alguém participa desse tipo de competição, acredita, sincera-mente, que nada irá acontecer, principalmente com ele. Acredita, sim, na sua habilidade como piloto e que, mesmo fazendo manobras arriscadas, nenhuma lesão ou morte será produzida” 10.

O agente que, sabendo ser portador do vírus HIV, oculta a doença da parceira e com ela mantém conjunção carnal, pratica qual crime?

Para nós, depende. Se a vontade do agente era a transmissão da doença (de natureza fatal), pratica tentativa de homicídio (ou homicídio consumado, caso seja provocada a morte como desdobramento da doença). Se não quis e nem assumiu o risco (usando preser-vativos, por exemplo), mas acaba por transmitir o vírus, deve responde por lesão corporal culposa (ou homicídio culposo, no caso de morte decorrente da doença)11.

2.2.4 Consumação e tentativa

10. Curso de Direito Penal: 11. -

-

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O homicídio atinge a sua consumação com a morte da vítima (crime material)12.

“Prova-se o exício com o exame de corpo de delito, que, em regra, é direto. Na impossibilidade deste, é aceitável o indireto, constituí-do por testemunhas. Irueta Goyena cita o caso de dois indivíduos que foram vistos lutando em um barco, tendo um deles arrojado o outro à corrente caudalosa, não havendo o corpo sido encontrado. Por falta de exame direto é que não deixaria de haver imputação de homicídio.”13.

Podendo a execução do crime ser fracionada em vários atos (delito plurissubsistente), a tentativa mostra-se perfeitamente possível quando o resultado morte não sobrevém por circunstâncias alheias à vontade do agente. Admite-se a forma tentada, inclusive, no crime cometido com dolo eventual, já que equiparado, por lei, ao dolo direto (art. 18, I, do CP).

Lembra Luiz Flávio Gomes:

“A doutrina finalista sublinha que por força do princípio da con-gruência, a tentativa exige uma parte objetiva (tipo objetivo) e outra subjetiva (tipo subjetivo). A parte objetiva esgota-se na realização de uma conduta dirigida à consumação do crime, conforme o plano concreto do autor. A parte subjetiva reside no dolo do agente. Para saber se há ou não tentativa precisamos descobrir o dolo do agente (plano do autor), assim como a forma de execução escolhida para concretizar seu plano de ação (meio de execução). Não há dúvida que o dolo eventual admite tentativa (justamente porque se trata de crime doloso). A não consumação do crime deriva do acaso ou de circunstâncias exteriores ao agente (isto é, por razões alheias à vontade do agente).”14.

2.3. Privilegiadoras, qualificadoras e majorantes do homicídio doloso

2.3.1 Homicídio privilegiado (caso de diminuição de pena)O § 1º do art. 121 prevê três hipóteses em que o homicídio terá sua pena diminuída,

classificado pela doutrina como privilegiado.

12.

RT

13. Direito penal14. -

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As duas primeiras “privilegiadoras” estão umbilicalmente ligadas à razão de ser do crime.

Vejamos.

Motivo de relevante valor social diz respeito aos interesses de toda uma coletividade, logo, nobre e altruístico (ex.: indignação contra um traidor da pátria).

Já o relevante valor moral liga-se aos interesses individuais, particulares do agente, entre eles os sentimentos de piedade, misericórdia e compaixão. Na definição de Fernando de Almeida Pedroso, no motivo de relevante valor social,

“sua abrangência e compreensão são maiores que a do motivo de relevante valor moral. Este conta com o apoio ou certa indulgência pela moralidade média, formulado o juízo pelo senso ético comum. Aquele enverga amplitude de expansão mais adilatada, correspon-dendo aos anseios ou expectativas da coletividade.

Aquele - ilustra Hungria - que, num  raptus  de indignação cívica, mata um vil traidor da Pátria, age, sem dúvida alguma, por um motivo de relevante valor social. A especial atenuação de pena tam-bém não poderia ser negada, por exemplo, ao indivíduo que, para assegurar a tranquilidade da população em cujo seio vive, elimina um perigoso bandido,  gesto libertador por todos louvado e tido como benemérito, emenda Olavo Oliveira”15.

Assim, o homicídio praticado com o intuito de livrar um doente, irremediavelmente perdido, dos sofrimentos que o atormentam (eutanásia16) goza de privilégio da atenuação da pena que o parágrafo consagra. O mesmo exemplo é lembrado pela Exposição de Mo-tivos: “o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico)” (item 39).

Ambos os motivos (social e moral), porém, hão de ser relevantes, ou seja, de conside-rável importância.

15. Doutrinas Essenciais de Direito Penal. Homicídio Privilegiado16.

-

orthos thanatus

dysthanatus

-Tratado de Direito Penal Brasileiro

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Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Nesse sentido, alerta Cezar Roberto Bitencourt:

“Não será qualquer motivo social ou moral que terá a condição de privilegiar o homicídio: é necessário que seja considerável; não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável seja rele-vante, isto é, importante, notável, digno de apreço.”17.

A última “privilegiadora” relaciona-se com o estado anímico do agente (homicídio emocional).

Sabemos que o art. 28, I, do CP não permite a exclusão da responsabilidade penal diante da emoção (estado súbito e passageiro) ou da paixão (sentimento crônico e duradou-ro) que atinge o agente. Todavia, temos no § 1º hipótese em que servirá a violenta emoção como causa de diminuição de pena.

Neste caso, o sujeito ativo, logo em seguida a injusta provocação da vítima, reage, de imediato, sob intenso choque emocional, capaz de anular sua capacidade de autocontrole durante o cometimento do crime.

Da simples leitura do § 1º extraímos todos os seus requisitos:

a) domínio de violenta emoção: significa dizer que a emoção não deve ser leve e passa-geira ou momentânea.

Como bem explica José Henrique Pierangeli:

“Tal emoção deve ser violenta, intensa, absorvente, atuando o ho-micida em verdadeiro choque emocional, ou seja, ocorre a perda do self control. Já se comparou o homem sob o influxo da emoção violenta a um carro tirado por bons cavalos, mas tendo à boleia um cocheiro bêbado. Na crise aguda da emoção, tornam-se inócuos os freios inibitórios que são deixados a si mesmos, ao desgoverno, aos centros motores de pura execução. Desintegra-se a personalida-de psíquica. Antes desse momento, todavia, o processo emocional pode ser interrompido e nessa fase ainda é possível a interferência da autocrítica e o indivíduo pode ainda se manter sob controle, ‘dentro de si’, podendo contar até dez antes de agir. Como dizia Sêneca, ‘a emoção incipiente quase sempre aborta quando se apre-senta um forte contramotivo’. Após isso, atinge-se um momento agudo da descarga emocional, apresentando-se uma emoção vio-lenta, exatamente aquela que oblitera os sentidos, aquela que, na linguagem popular, cega. Se decorrer na prática do homicídio ape-nas uma influência da emoção, é de reconhecer apenas a atenuante prevista no art. 65, III, c, do CP [conforme a Parte Geral antes da reforma de 1984].”18.

A frieza de espírito, evidentemente, exclui a emoção tratada no parágrafo.

17. Tratado de direito penal – Parte especial18. Manual de direito penal brasileiro

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b) reação imediata (logo em seguida a injusta provocação da vítima): para a configuração do privilégio se exige que o revide seja imediato, logo depois da provocação da vítima, sem hiato temporal (sine intevallo), devendo perdurar o estado de violenta emoção. A mora na reação exclui a causa minorante, transmudando-se em vingança.

Na prática, difícil será identificar a proximidade do rebate, razão pela qual o critério mais usado pelos julgadores tem sido considerar imediata toda reação praticada durante o período de domínio da violenta emoção, o que faz depender do caso concreto.

c) injusta provocação da vítima: a “provocação” trazida pelo parágrafo em comento não traduz, necessariamente, agressão, mas compreende todas e quaisquer condutas incitantes, desafiadoras e injuriosas. Pode, inclusive, ser indireta, isto é, dirigida contra terceira pessoa ou até contra um animal.

“Em regra, os Tribunais têm aceitado a violenta emoção do mari-do que colhe a mulher em flagrante adultério. Compreende-se o ímpeto emocional diante da surpresa ou inesperada cena, pois é de sua essência ser brusco, repentino e violento. Mais que discutível, entretanto, será o choque emotivo se o marido, sabendo da infide-lidade da mulher, tudo preparar e fizer para colhê-la em flagrante. Incompreensível é essa emoção a prazo.”19.

2.3.1.1. Comunicabilidade do § 1ºÉ lição corrente na doutrina que o § 1º traz circunstâncias, isto é, dados even-

tuais, interferindo apenas na quantidade da pena e não na qualidade do crime, que permanece o mesmo (homicídio). Por essa razão, na hipótese de concurso de pessoas, tais circunstâncias minorantes – subjetivas – são incomunicáveis entre os concorrentes (art. 30 do CP).

2.3.1.2. Natureza jurídica do privilégioReconhecido o homicídio privilegiado, a redução da pena é obrigatória, segundo o en-

tendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência (direito subjetivo do condenado). Conferir RT 448/356.

2.3.2 Homicídio qualificadoO art. 121, § 2º, descreve certas qualificadoras agravantes, umas ligadas aos motivos

determinantes do crime, indiciários de depravação espiritual do agente (incisos I, II, V, VI e VII – circunstâncias subjetivas), e outras com o modo maligno que acompanham o ato ou fato em sua execução (incisos III e IV – circunstâncias objetivas).

Esta forma do crime, com o advento da Lei 8.930/94, foi etiquetada como hedionda, sofrendo, desse modo, todos os consectários traçados pela Lei 8.072/90.

19. Direito penal

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Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Vejamos, a seguir, separadamente, cada uma das circunstâncias qualificadoras.

2.3.2.1. Mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpePrevê o inciso I o homicídio praticado por motivo torpe, isto é, quando a razão do de-

lito for vil, ignóbil, repugnante, abjeta. O clássico exemplo está estampado logo na primei-ra parte do inciso em comento, com o homicídio mercenário ou por mandato remunerado. Aqui o executor pratica o crime movido pela ganância do lucro, é dizer, em troca de alguma recompensa prévia ou expectativa do seu recebimento (matador profissional ou sicário).

Trata-se de delito de concurso necessário (ou bilateral), no qual é indispensável a parti-cipação de, no mínimo, duas pessoas (mandante e executor: aquele paga ou promete futura recompensa; este aceita, praticando o combinado).

Existe divergência na doutrina sobre se a qualificadora em tela é simples circunstância, com aplicação restrita ao executor do crime, que é quem mata motivado pela remuneração, ou se será aplicada também ao mandante, configurando verdadeira elementar subjetiva do tipo.

Adotando a primeira corrente, Rogério Greco explica:

“Imagine a hipótese na qual um pai de família, trabalhador, ho-nesto, cumpridor de seus deveres, que em virtude de sua situação econômica ruim tenha que residir em um local no qual impera o tráfico de drogas. Sua filha, de apenas 15 anos de idade, foi estu-prada pelo traficante que dominava aquela região. Quando soube da notícia, não tendo coragem de, por si mesmo, causar a morte do traficante, contratou um justiceiro, que, ‘executou o serviço’. O mandante, isto é, o pai da menina estuprada, deverá responder pelo delito de homicídio simples, ainda com a diminuição de pena relativa ao motivo de relevante valor moral. Já o justiceiro, autor do homicídio mercenário, responderá pela modalidade qualificada.”20.

A segunda corrente, hoje, encontra amparo nos Tribunais Superiores:

“Homicídio qualificado. Paga. Comunicação. Coautores. No homicí-dio, o fato de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa, por ser elemento do tipo qualificado, é circunstância que não atinge exclusivamente o executor, mas também o mandante ou qualquer outro coautor. Ademais, com relação ao pedido de exclu-são da qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima, torna-se necessário o revolvimento do conteúdo fático-probatório, o que é vedado na via estreita do habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 71.582/MG, DJ 09.06.1995; do STJ: HC 56.825/RJ, DJ 19.03.1997, e REsp 658.512/GO, DJ 07.04.2008. HC 99.144-RJ, rel. Min. Og Fernandes, j.  04.11.2008.” (HC  99.144/RJ, rel. Min. Og Fernandes, DJe 09/12/2008).

20. Curso de Direito Penal:

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TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA Art. 121

A natureza da paga feita ou promessa de recompensa também é bastante discutida.

Para uns, pode ser ela de qualquer espécie, compreendendo tudo quanto possa ser objeto de paga ou promessa. Não depende igualmente de prévia fixação. Pode ser deixada à escolha do mandante. Não constitui condição essencial da recompensa ter valor econômi-co, bastando, por exemplo, a simples promessa de futuro casamento, com a própria pessoa instigadora ou com terceira.

Predomina, no entanto, o entendimento segundo o qual a recompensa deve ter natu-reza econômica.

Tal discussão, para nós, é inócua, vez que o inciso encerra forma de interpretação analógica, em que o legislador, após fórmula exemplificativa, emprega expressão genérica, permitindo ao aplicador encontrar outros casos indicativos de torpeza (mesquinharia).

A vingança é motivo torpe?

Entendemos que pode ou não constituir motivo torpe, dependendo da causa que a originou.

Nesse sentido, aliás, decidiu o STJ:

“A verificação se a vingança constitui ou não motivo torpe deve ser feita com base nas peculiaridades de cada caso concreto, de modo que não se pode estabelecer um juízo a priori, positivo ou negativo” (REsp 21.261-PR, DJ 4/9/2000; REsp 256.163-SP, DJ 24/4/2006; REsp.  417.871-PE, DJ  17/12/2004, e HC  126.884-DF, DJe 16/11/2009. REsp 785.122-SP). Na mesma linha, entendeu o STF: “a vingança, por si só, não substantiva o motivo torpe; a sua afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação de torpeza do motivo do crime, que há de ser aferida à luz do contexto do fato.” (HC 83.309-MS, DJ 6/2/2004)21.

2.3.2.2. Por motivo fútilO inciso II qualifica o crime de homicídio quando praticado por motivo fútil, ou seja,

quando o móvel apresenta real desproporção entre o delito e sua causa moral.

Ensina Aníbal Bruno:

“Motivo fútil é aquele pequeno demais para que na sua insignifi-cância possa parecer capaz de explicar o crime que dele resulta. O que acontece é uma desconformidade revoltante entre a pequeneza da provocação e a grave reação criminosa que o sujeito lhe opõe.”22.

21.22. Crimes contra a pessoa

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Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Não se deve confundi-lo com o motivo injusto. Este é elemento integrante do crime. Para que se reconheça a futilidade da motivação é necessário que, além de injusto, o motivo seja realmente insignificante23.

A ausência de motivo, segundo alguns, equipara-se, para os devidos fins legais, ao pre-texto fútil, porquanto seria um contrassenso conceber que o legislador punisse com pena mais grave aquele que mata por futilidade, permitindo ao que age sem qualquer motivo receber sanção mais branda (nesse sentido: RTJE 45/276; RT 511/357 e 622/332; RJT-JSP 138/449).

Apesar de concordar com a razoabilidade da equiparação, Cezar Roberto Biten-court adverte:

“A insuficiência de motivo não pode, porém, ser confundida com au-sência de motivos. Aliás, motivo fútil não se confunde com ausência de motivo. Essa é uma grande aberração jurídico-penal. A presença de um motivo, fútil ou banal, qualifica o homicídio. No entanto, a completa ausência de motivo, que deve tornar mais censurável a conduta, pela gratuidade e maior reprovabilidade, não o qualifica. Absurdo lógico: homicídio motivado é qualificado; homicídio sem motivo é simples. Mas o princípio da reserva legal não deixa outra alternativa. Por isso defendemos, de lege ferenda, o acréscimo de uma nova qualificadora ao homicídio: ‘ausência de motivo’, pois quem o pratica nessas circunstâncias revela uma maior anormalida-de moral que atinge as raias da demência.”24. Na mesma linha de raciocínio temos as lições de Celso Delmanto.25-26.

Por fim, o STJ, invocando precedentes da própria Corte, decidiu não haver, no cri-me de homicídio, incompatibilidade entre o dolo eventual e o motivo fútil (Precedentes citados: REsp 365-PR, DJ 10/10/1989; REsp 57.586-PR, DJ 25/9/1995; REsp 192.049-DF, DJ  1º/3/1999; HC  36.714-SP, DJ  1º/7/2005; HC  58.423-DF, DJ  25/06/2007; REsp 912.904/SP, DJe 15/03/2012).

2.3.2.3. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum

O homicídio, nos termos do inc. III, é qualificado quando cometido com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso (dissimulado) ou cruel

23.

24.25. Código Penal Comentado26. RT

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