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Um relato inédito

1932 - Um relato inédito

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O princípio de um fim... O relato de José Amaral Palmeira (Joral)

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– Um

relato

inédi

to

Um jovem soldado nos conta

seus desafios durante a

Revolução de 32, enquanto

o “Batalhão Esportivo” se

deslocava pelo interior

de São Paulo, combatendo

as tropas federais, os

“ditatoriais”. Seus motivos

em participar da campanha

pela autonomia de São Paulo

e por uma Constituinte para

o país, as decepções íntimas

e o dia a dia em trincheiras

cavadas por suas próprias

mãos traçam um panorama de

como a população paulista

e a juventude de seu tempo

compreenderam os ideais de

liberdade e de democracia,

quando esses foram

ameaçados pela própria

esfera federal.

Diário de S. Paulo - 29/12/1933

Correio de S. Paulo - 29/12/1933

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Posfácio de

Paulo de Assunção

2014

Um relato inédito

O princípio de um fim...O relato de

José Amaral Palmeira (Joral)

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ACSP (Associação Comercial de São Paulo) FACESP (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo)

Conselho Editorial:Rogério Pinto Coelho Amato

PresidenteMarilia de Castro

Coordenação Institucional da ACSPMarcel Solimeo

Superintendente do Instituto de Economia Gastão Vidigal – ACSPNatanael Miranda dos AnjosSuperintendente da FACESP

José Olival Moreira de Almeida JúniorAssessor de Relações Institucionais da FACESP

Moisés RabinoviciDiretor de Redação do Diário do Comércio

José Guilherme Rodrigues FerreiraEditor-chefe do Diário do Comércio

Produção:Paulo de Assunção

Texto e transcrição paleográficaLuciana Costa (bibliotecária da ACSP) • Paulo de Assunção

PesquisaCarlos Nabil Ghobril • Josafá Crisóstomo

RevisãoRicardo Alves de Souza

Capa e diagramaçãoValter Pereira de Souza

Gerente de OperaçõesLog & Print Gráfica e Logística S.A.

Impressão e acabamento

Copyright 2013 by Paulo de Assunção Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5.988 de 14/12/73. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os

meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Fundação Biblioteca Nacional, RJ, Brasil

A873r Assunção, Paulo de A Revolução de 1932 : O princípio de um fim... – o relato de José Amaral Palmeira (Joral) / Paulo de Assunção. - 1.ed. – São Paulo : Associação Comercial de São Paulo : Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, 2014. 250 p. : il. Bibliografia. ISBN 978-85-913938-2-4 1. São Paulo (Estado) – História 2. Revolução de 1932 - Memórias I. Palmeira, José Amaral (Joral) II. Associação Comercial de São Paulo III. Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo IV. Título V. Título: O princípio de um fim...

CDD 981.61

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Dedicatória

Ao Joral e a todos aqueles que lutaram pela causa de São Paulo e

pelo ideal constitucionalista.

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Agradecimentos

À família do Joral, por nos ter confiado a leitura e a publicação do diário deste combatente. Um relato que, passadas muitas décadas, ainda toca pela sensibilidade e precisão sobre alguns momentos da Revolução de 1932.

À Biblioteca da Associação Comercial de São Paulo, pela sua permissão ao acesso e consulta ao documento original. Em especial, agradecemos à Luciana Costa pela dedicação contínua no desenvolvimento deste trabalho.

Paulo de Assunção

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Índice

Prefácio ........................................................................................................ 9

O diário de José Amaral Palmeira (Joral):O princípio de um fim ... .................................................... 13Poesias de Joral .....................................................................105

Posfácio de Paulo de Assunção:Em poucas palavras: a trajetória

de José Amaral Palmeira ..........................................135

Imagens da época ..........................................................................215

Referências bibliográficas ............................................... 228

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A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA de 1932 faz parte da história da Associação Comercial de São Pau-lo, que desempenhou papel relevante em todas as etapas desse movimento cívico e que representou a luta para o restabelecimento da autonomia do Estado de São Paulo e pela volta ao regime constitucional e da democracia, usurpados por Getúlio Vargas.

A Associação, sob a presidência de Carlos de Souza Nazareth, participou, com as demais lideranças paulistas, das tentativas de diálogo com o governo, reivindicando respeito a São Paulo e autonomia para o Estado. Ambos vinham sendo negados por Vargas, que havia não apenas revogado a Constituição, como centralizara a administra-ção política e econômica do país.

Quando ficou evidente não haver qualquer possibi-lidade de acordo com Getúlio, a ACSP, em consonância com o sentimento geral da população paulista, se engajou na campanha pela defesa da Constituinte imediata, que acabou culminando com a deflagração da Revolução,

Ajudar São Paulo a libertar o Brasil

Prefácio

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quando a entidade assumiu diversas funções de suporte ao movimento. Cuidou das finanças, da intendência e do abastecimento, colaborou no alistamento e na captação e distribuição dos donativos. Coordenou a Campanha “Ouro para o bem de São Paulo,” cujos recursos rema-nescentes foram doados à Santa Casa de Misericórdia, para a construção de um novo pavilhão.

Vencido no campo militar, devido à grande su-perioridade de recursos do governo federal, São Paulo acabou vitorioso no plano moral por lutar “por São Paulo e pelo Brasil” e porque afinal, em 1934, foi convocada a Constituinte pela qual lutara. Carlos de Souza Nazareth assumiu toda a responsabilidade pela participação das classes empresariais e dos empresários paulistas na Re-volução, pelo que foi preso e exilado.

Mais importante do que historiar o papel da ACSP no Movimento Constitucionalista, é procurar mostrar o entusiasmo e o engajamento da população paulista, especialmente de sua juventude, aqui demonstrados na palavra de um jovem, José Amaral Palmeira, conhecido como Joral, que conta sua participação no conflito, em um Diário doado à Biblioteca de nossa entidade por seu sobrinho Oswaldo Messina Junior.

Joral destaca “o espetáculo esplêndido de ardor cívico e entusiasmo” não apenas dos jovens, que logo se engajaram às tropas paulistas, como também das mulheres, que se dedicaram a costurar fardamento e, mais tarde, a assistir aos feridos. Seu desejo de “partir em defesa da causa que julgava sagrada” esbarrou no conflito entre o alistamento e a resistência da família e da namorada, que foi vencido pelo ideal “acima de tudo, acima da própria vida”.

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José Amaral Palmeira participou de batalhas, foi prisioneiro, retornou ao lar, mas morreu muito jovem, com apenas 19 anos, contudo, deixou-nos um testemunho do amor e do desprendimento da mocidade paulista ao lutar para “ajudar São Paulo a libertar o Brasil”.

A publicação do diário de Joral representa o reconhe-cimento e a homenagem da Associação Comercial de São Paulo a todos aqueles que lutaram para defender o ideal de um Brasil regido “pela Lei e pela Ordem”, fundado nos valores da Liberdade e da Democracia.

Rogério Amato

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José Amaral Palmeira (Joral) I 1913 - ? 1933

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O princípio de um fim...

Nove de Julho, onze horas da noite, sábado... O “Café Acadêmico”, filial da Avenida São João, estava repleto de pessoas que discutiam os mais variados assun-tos. São Paulo, cansado de uma semana de intenso labor, aproveitava as últimas horas daquele dia, preparando-se para descansar num domingo restaurador das energias despendidas. Tudo calmo, tudo normal. Preparava-me já para recolher-me à minha residência, quando alguém anunciou em voz alta o ocupamento militar dos prédios onde funcionam os Correios e Telégrafos e a Delegacia Fiscal, próximos ao café onde me achava. Paguei apres-sadamente as minhas despesas e fui ver o que havia de verídico. De fato, encontrei soldados de armas embaiadas nas portas dos edifícios citados e o movimento contínuo de autocaminhões, repletos de militares e civis que empunha-vam fuzis, rumando destino que se ignorava. Pelas ruas intensificava-se o movimento de populares, boquiabertos e estupefados, perguntando às tontas, o que se passava.

Aventavam-se hipóteses absurdas, até que alguns boletins espalhados profusamente pelas ruas davam a conhecer ao público as origens reais dos acontecimentos. Um movimento revolucionário havia se verificado!

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Após tomar conhecimento deste fato; regressei à minha residência, alheio aos comentários sem base, do povo, reunido em grupos pelas ruas e cafés do centro da cidade. Já em casa pude conciliar-me com o sono, reunindo ideias sobre os futuros acontecimentos.

– Afinal, São Paulo teria motivos para revoltar-se?

Somente um leigo ou um apático em matéria política poderia fazer uma tão descabível pergunta. São Paulo, o primeiro Estado do Brasil, sob todos os pontos de vista, procurava, com a rebelião, quebrar as amarras que alguns políticos vingativos, queriam sujeitá-lo.

Infelizmente para o Brasil, a vitoriosa revolução de 1930, teve a ocasião de trazer à tona certos nomes que, alheios aos interesses da Pátria defendiam unicamente os seus; e São Paulo, tomado como preza de guerra, viu descarregado sobre si o ódio injustificado dos usurpado-res dos poderes públicos. São muito recentes os aconte-cimentos para merecerem um estudo acurado, mas não será demais deixar registrado desde já, a minha opinião.

– Qual o motivo da revolução de trinta?

– Porque ela triunfou?

Duas palavras respondem ambas as perguntas:

– Ambição e despeito!

Terminadas as eleições presidenciais, para a suces-são do Sr. Washington Luis, as urnas deram esmagadora vitória do dr. Júlio Prestes sobre o seu contendor, dr. Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal, de triste memória e que de liberal... só tinha o nome.

A vitória do candidato da Nação não foi recebida

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por uma parte dos políticos componentes do Partido Democrático de São Paulo, que passaram a hostilizar o presidente eleito.

Dessa situação aproveitou-se o Sr. Antonio Carlos, a “Raposa Matreira”, para preparar uma revolução que colocaria o seu candidato – pois era presidente da Aliança Libertadora – no Catete, a poder das armas. Contando com o apoio natural e incondicional do Rio Grande e com a neutralidade do Partido Democrático, Minas preparou politicamente a revolução, deixando a parte de Guerra entregue ao Rio Grande. Pela imprensa e na tribuna, foi feita grande propaganda, até que em 3 de outubro, irrompeu o movimento, que terminou vitorioso, graças a um golpe de Estado, dado no Rio de Janeiro, por dois generais do Exército Nacional e um Almirante.

Terminada a revolução graças em grande parte à absoluta neutralidade bélica do Partido Democrático, que se encarregou da sua propaganda em São Paulo, foi este Estado ocupado militarmente pelos revolucionários, que, iludindo a boa fé dos políticos do Partido Democrático, tomou-o com proeza de guerra. O povo paulista, a parte que era simpática ao Partido Democrático parecia cega, e homenageava entusiasticamente os vitoriosos, sem pensar que poderiam, mais tarde, ser espezinhadores e que seria humilhado pelos conquistadores. Durante quarenta dias tudo foi festas e ilusões!

Nesse tempo, o governo ditatorial do caricato Getúlio Vargas, exonerou o governo de São Paulo, composto de políticos do Partido Democrático, para nomear o tenente João Alberto interventor no Estado. Só aí, então, foi que os Paulistas compreenderam a situação: estavam sendo

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governados por um simples tenente, completamente leigo na matéria de administração e, além disso, filho de outro estado e estranho ao ambiente aonde fora colocado.

Começaram, então, a aparecer os primeiros rumores de descontentamento, que culminaram com a substituição do “tenentinho”, pelo grande paulista que é o eminente jurisconsulto Dr. Laudo de Camargo. Parecia, finalmente, que São Paulo estava libertado dos grilhões que lhe im-pusera a Ditadura, quando a nefasta classe dos tenentes moveu séria campanha junto ao ditador, obrigando-o a substituir o probo juiz que, competentemente, governava São Paulo.

Com a entrada para o Palácio dos Campos Elíseos do militar Coronel Manoel Rabelo, a situação de São Paulo estacionou.

O povo e as correntes partidárias sofrearam o seu descontentamento, aguardando, para julgar a gestão do novo interventor.

Este, graças a sua boa vontade, conseguiu uma ad-ministração honesta e boa, granjeando alguma simpatia dos Paulistas e tudo seria um mar de rosas, não fora os péssimos elementos que o rodeavam no governo, destacando-se o aventureiro Florisvaldo Linhares. A si-tuação, com o decorrer dos meses, foi-se obscurecendo e o Tesouro do Estado sacrificando-se estupidamente para sustentar uma usura de parasitas que afluíram de todos os Estados, para São Paulo.

Novamente os paulistas, por intermédio de seus representantes políticos, reclamaram junto à Ditadura, um governo à altura do Estado, impondo como base ser o mesmo “Civil e Paulista”. A pressão da opinião pública

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fez o governo ditatorial compreender que se tornava neces-sário satisfazer São Paulo e, após inúmeras “démarches”, foi nomeado interventor o ex-embaixador do Brasil, na Argentina, Dr. Pedro de Toledo, que satisfazia a base imposta por São Paulo. Mas, para continuar a infelicidade do Brasil, ficaram ainda no Estado os celebres “outubris-tas”, tendo como chefes os General Miguel Costa, Israel Souto, Maurício Goulart e muitos outros que, à força das armas – pois em S. Paulo havia cerca de 15.000 homens armados, para garantir a supremacia da Ditadura –, além do secretariado do governo ter sido nomeado por indi-cação da Legião Revolucionária.

Para definir qual a situação do Interventor, apareceu em São Paulo um peão, brinquedo de criança, que rodava preso por uma cordinha. O povo, na sua alta compreen-são, batizou-o logo de “Pedro Toledo”...

Triste realidade!

Continuava, assim, S. Paulo quase que na mesma situação; nada podia ser feito sem o visto da G. R., o que era a mesma coisa que não haver interventor.

Novas “démarches” para que se efetuasse a mudança do secretariado e, assim, pudesse São Paulo governar-se, autonomamente. O povo, cheio de indignação, pela hu-milhação que era votada ao seu Estado, exigiu do governo a imediata mudança dos secretários, resolvendo, então, o ditador enviar para S. Paulo o Sr. Oswaldo Aranha, “para apaziguar os ânimos”.

Antes que chegasse a esta Capital o emissário de Getúlio Vargas, o povo paulista saiu à rua e colocou no poder os homens que lhe mereciam confiança, todos eles paulistas ilustres, capazes de elevar o nome de São Paulo,

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ao lugar que lhe compete. Foi esse fato consumado no memorável dia 23 de Maio, quando começou a correr o sangue paulista que há de libertar São Paulo: na Praça da República caíram baleados estudantes de Direito, vítimas das balas assassinas dos “legionários”.

O governo ditatorial, ante a impossibilidade de des-manchar o que o povo paulista fez, resolveu “reconhecer” e... nomear os novos secretários...

Nessa ocasião, então, começaram os brasileiros a compreender a impossibilidade de continuar o Brasil a viver sob o poder de alguns aventureiros que o infeli-citavam, resolvendo, então, os três maiores Estados São Paulo, Rio Grande e Minas, encabeçar uma campanha “pró-Constituição” que, uma vez enraizada na opinião pública, obrigou o governo provisório a marcar o dia 13 de Maio para ser levada a efeito a Constituição.

O povo logo compreendeu com que dor no coração os ditatoriais pensavam em abandonar o poder que usur-pam, tirando logo a lógica conclusão de que, quando se aproximasse a época marcada, seria ela adiada “sine die”.

Com as eleições livres, certa e logicamente seriam derrubados todos os membros do governo provisório, profundamente antipatizados com a opinião pública, dando lugar aos que, realmente trabalham pelo progresso de nossa Pátria.

São Paulo sabia que só com as eleições feitas pelo povo, reconquistaria o lugar que lhe cabe no cenário po-lítico e financeiro do Brasil e batalhava incansavelmente pela Constituição. A frente única dos três Estados conti-nuava a propaganda do ideal, cada vez mais convencida

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de que seria iludida, afinal, pois a única “qualidade” que demonstrou o governo “provisório”, em dois anos de poder, foi a de negociar. São Paulo, o mais prejudicado pelos “regeneradores”, anteviu que, na época marcada para as eleições, seria desarmado e subjugado para não poder protestar belicamente os seus direitos.

Eis, então, porque acaba de estourar um movimen-to armado que, uma vez vitorioso, reencetará a marcha progressiva do Brasil, entregando o seu governo aos legítimos representantes do povo...

Todas esta ideias vieram-me à mente e em mais teria pensado, se não fosse surpreendido pelo romper do dia...

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O Despertar do Leão

O dia 10 de julho veio encontrar São Paulo aparen-temente com a sua habitual calma clerical do domingo, a maioria da população levantou-se mais tarde, de forma que a revolução só se tornou do conhecimento geral, mais ou menos ao meio dia sem, entretanto, causar grande alarme, pois já era esperada, tal a ânsia de liberdade que dominava todos os espíritos paulistas.

No decorrer da tarde, foram abertas as inscrições de voluntários, tendo como ponto de concentração a Fa-culdade de Direito, o que tornou intransitável e em uma verdadeira praça de guerra, o lendário e glorioso Largo de São Francisco.

O enorme entusiasmo que se apossou dos paulistas, desde que foi conhecida a revolução e os seus objetivos, só se pode comparar com um rastilho de pólvora que se propaga insofreavelmente.

Todos queriam ser os primeiros a pegar em armas, para conseguir um “São Paulo forte, dentro de um Brasil unido”!

As inscrições de voluntários era um espetáculo es-plêndido de ardor cívico, enquanto as tropas regulares,

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compostas da Força Pública e das guarnições do Exército Nacional, aqui aquarteladas, rumavam para as fronteiras do Estado, tomando posições.

Com apenas 24 horas de vida, a revolução já era um fato que obcecava todos os paulistas. Iniciativas de todo o governo eram tomadas e 11 de julho já encontrou São Paulo inteiro em armas, embora a sua vida comercial não ficasse sensivelmente alterada. Os voluntários que ainda não haviam sido enviados para os campos de concentra-ção, a fim de receber instruções militares, compareciam regularmente aos seus afazeres.

Uma pessoa que estivesse alheia aos acontecimentos, não descobriria que São Paulo estava revoltado.

Apenas os jornais davam consecutivas edições, pondo o público ao par do que se passava – edições que eram sofregamente disputadas pelo povo. Também as estações de rádio – três – mantinham perfeito serviço de propaganda e informações.

Os dias passavam e a cada hora que o relógio mar-cava, mais aumentava o entusiasmo dos paulistas.

O interior do Estado enviava aos chefes do mo-vimento unânimes votos de solidariedade, ao mesmo tempo que comunicava o movimento de alistamento de voluntários que era enorme.

Nunca se viu espetáculo tão lindo, de tanta demons-tração de desinteressado patriotismo!

Para se fazer uma imagem fiel do que foi o início da revolta, só comparando-a com uma máquina composta de mil peças esparzidas, que um presditigiador, num golpe de ma-

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gia, reunisse e pusesse a funcionar no espaço de um minuto.

Fantástico! Inacreditável!

E, no entanto, era fora de dúvida.

Os fatos estavam à vista do mais leigo observador.

Os paulistas contemplavam atônitos o desenro-lar dos fatos, como, antigamente, se contemplava uma película cinematográfica, produto da fértil imaginação norte-americana.

Num abrir e fechar d’olhos, abriam-se na “casa” para os soldados, oficinas de costuras – onde moças da nossa me-lhor sociedade costuravam fardamentos para os voluntários.

Os periódicos anunciavam donativos de toda es-pécie, demonstrando, que a população em peso abria as suas bolsas – mesmo as mais minguadas para a vitória da causa sagrada que São Paulo abraçava!

Começaram, então, a sair rumo às linhas de frente, os primeiros batalhões patrióticos, levando grande parte da mocidade paulista.

As estações, nos momentos de embarque, ficavam apinhadas do povo que ia levar as últimas palavras de entusiasmo aos jovens que partiam.

E eles, alegres e satisfeitos, entoando hinos patrióti-cos, seguiam contentes, cônscios de estar cumprindo com um sagrado dever!

Os que, por motivos de força maior, não podiam empunhar um fuzil, alistavam-se no policiamento civil, encarregado de substituir os mantenedores da ordem pública.

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Todos davam o máximo para a vitória de São Paulo!

As “Casas do Soldado” e as oficinas de costuras estereotipavam o quanto a mulher paulista estava inte-grada na revolução.

Ao soldado voluntário, enquanto ficava na Capital – recebendo instrução ou aguardando ordem de embarque –, nada lhe faltava.

A bondade das moças paulistas dava-lhe o confor-to moral e a generosidade peculiar aos bandeirantes o conforto material.

Quem viu São Paulo parecer conformar-se com as humilhações que sofria calado ante o espetáculo que contemplou ao irromper o movimento só poderia dizer:

– São Paulo era um Leão que dormia.

Agora, que despertou, cuidado... muito cuidado com ele.

E diria a verdade.

O Leão despertava de seu efêmero sonho enganador!...

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“Entre les deux”

Como todos os verdadeiros paulistas, eu também desejei pegar em armas para na medida de minhas forças ajudar São Paulo a libertar o Brasil.

Mas, e infelizmente, surgiu-me o primeiro obstáculo: a oposição formal de minha família, ainda não integrali-zada com o movimento.

Tenho eu um companheiro de infância a quem es-timo tanto quanto a um irmão e que também se achava um tanto indeciso.

Durante alguns dias, discutimos e planejamos o nosso alistamento, aventando ideias que nos permitissem deixar a família sem constrangê-la.

Por mais que pensássemos, só uma nos pareceu viável para preparar o espírito de nossos pais, “entusiasmando-os”.

Iniciamos imediatamente o nosso plano de ataque, procurando derrubar a intransponível fortaleza que cons-titui o amor de mãe.

A tarefa foi dificílima para o meu Amigo – Milton Pedroso – e impossível para mim que, afinal, tive que optar pela família ou pelo ideal que se inflamava em meu peito.

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Luta difícil e titânica a que se travou no meu íntimo e que, afinal, terminou com a vitória do segundo.

Eu colocará o ideal acima de tudo, acima da pró-pria vida.

Assim, no dia 18 de julho, eu e o meu Amigo Milton estávamos alistados no “Batalhão Esportivo”.

O meu companheiro é órfão de pai e, além disso, o único filho solteiro. Para evitar responsabilidades futuras, de qualquer de nós, deixamos bem claro que nos alistá-vamos, cada um por si, de livre e espontânea vontade, não por sugestão ou conselho de um para o outro.

Depois de alistar-me, recebi inúmeros elogios de meus amigos – que muito me animavam – mas, em compensação, muito recriminado fui por meus pais e por alguns conhecidos, sendo que aqueles não se conforma-vam com a minha decisão.

Muitos conselhos eivados de lágrimas recebi de Ma-mãe, eu, que com o coração mole – peculiar aos paulistas –, dificilmente suporto súplicas sentidas.

Mas, o ardor que continha o meu peito parecia maior do que a própria natureza e, pela primeira vez, fui contra os desejos de meus pais.

Finalmente, a minha família pareceu conformar-se, e, assim, julguei todos os obstáculos morais transpostos.

Mas, puro engano!

O aparente consolo de meus pais, nada mais era do que a brasa viva do desespero coberta com a cinza da resignação.

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Havia, ainda, um outro obstáculo a transpor: o amor da mulher a quem julgo amar.

Desde que “estourara”a revolução que eu não a via.

Qual seria a sua atitude quando soubesse da minha resolução de partir!

Era uma incógnita e eu, para não a decifrar, evitei procurá-la.... até quando fosse possível.

Enquanto isso, corriam animados exercícios milita-res no meu batalhão e, com o decorrer dos dias, maior se tornava o ardor que continha o meu peito e mais se esparziam as cinzas que cobriam as brasas do desespero que fazia sofrer meus pais.

Apesar de comparecer diariamente aos exercícios que se realizavam à noite, no Campo de São Paulo, não deixei os meus afazeres quotidianos, onde os meus colegas animavam-me como se eu precisasse de ânimo...

As moças, todas entusiastas, lamentavam o sexo que as impedia de pegar em armas.

Querendo prestar todo o concurso que estivesse ao meu alcance para a vitória da revolução, matriculei-me no curso de emergência da Força Pública, onde aperfeiçoei os meus conhecimentos militares, recebendo, então, as divisas de sargento.

Desde, então, os meus preparativos militares toma-vam-me todo o tempo – de dia e de noite -, de forma que deixei o trabalho e os amigos, para dedicar-me ex-clusivamente à causa.

Uma semana antes de partir, fui à casa da minha

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namorada – Ruth – fardado e não podia ter uma recepção mais desconfortadora.

Fui recebido com lágrimas e recriminações que de-sanimariam um espírito menos forte.

Mas, eu achava-me com a memória e o juízo to-mados unicamente com o desejo de servir São Paulo e procurei convencê-la de que era necessário toda a moci-dade paulista partir em defesa da causa que eu considero sagrada!

Foi em vão e, deixando-a banhada em lágrimas, talvez sinceras, sai pensando no quanto eu era infeliz; pois enquanto a maioria dos rapazes tinham conforto e animação de seus pais e dos que amavam, eu só recebia recriminações chorosas.

Muitas vezes estive no célebre dilema francês: “Entre les deux mon coeur balance”. Mas, a minha vontade de servir à minha terra sobrepôs-se a todos os sentimentos.

Deixei a minha família e a minha namorada em prantos e parti alegre, certo de estar pagando o meu tributo de honra à minha querida Pátria!

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O desfile do meu batalhão

Chegou, finalmente, o grande dia do “Batalhão Es-portivo”: o dia em que a gloriosa mocidade que o compu-nha desfilou pelas principais ruas da Cidade, recebendo as aclamações e as despedidas do povo de São Paulo.

Descrever o que foi o desfile e a benção do nosso pavilhão nacional é tão impossível como descrever o entusiasmo do povo paulista. Entretanto, eu vou tentar dar uma pálida ideia, com a palidez próprias das penas manejadas por pessoas pouco acostumadas a sensações fortes.

14 horas do dia 1o de Agosto.

O Campo do São Paulo estava repleto de uma as-sistência seleta; enquanto cerca de 500 rapazes, do que há de distinto na sociedade e no esporte paulista, gar-bosamente fardados, equipados e armados, aguardavam o momento solene do batismo da Bandeira Nacional.

Pouco depois, sob um aluvião de aplausos e entu-siásticos vivas, o pavilhão auriverde é introduzido no campo, por uma comissão de distintas senhoritas.

Fez-se religioso silêncio e, enquanto a tropa, linda-

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mente alinhada conservava-se em rigorosa posição de “sentido”, um padre procedeu à benção na bandeira.

A este ato sucedeu uma belíssima alocução do vigá-rio, cujas palavras comoveram em alto grau a assistência e fez uma onda de são patriotismo inundar as faces dos jovens que se achavam perfilados no centro do campo.

Ao discurso responde com breve palavras o Coronel Francisco Bastos, que afirma “ter orgulho de comandar tão valentes e briosos moços”.

Terminadas as solenidades, a banda musical da For-ça Pública entoa o hino nacional brasileiro, cujas notas, efusiantes de entusiasmo, petrificam a massa humana que se achava presente.

Ninguém se mexia e de muitos olhos caíram uma furtiva e impertinente lágrima... Após, deu-se o desfile do Batalhão, cuja disciplina e galhardia foi admirada por grande parte da população de São Paulo, estacionada no itinerário antecipadamente traçado.

Desde a Avenida Tiradentes até o Largo de São Ben-to, ainda pôde o “Batalhão Esportivo” desfilar em forma.

Mas, depois, pelas ruas Libero Badaró, Praça Patriar-ca, ruas Direita e 15 de novembro, praça Antonio Prado e ruas João Bricola e Boa Vista – o povo comprimido es-premia os rapazes do Batalhão, impedindo-os de marchar.

O entusiasmo atingiu ao auge!

Bem poucos povos terão ocasião de presenciar es-petáculo tão lindo, de tanta demonstração de civismo!

Das sacadas e janelas de todos os prédios, senhoras

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e senhoritas atiravam flores sobre os rapazes, como se fos-sem a benção da mulher paulista aos jovens que partiam.

Através da Praça Patriarca e Rua Direita fomos levados pelo povo que invadia as colunas do Batalhão confundindo-se com os voluntários!

Abençoado povo paulista que com tanto ardor sabe amar a terra que lhe serve de berço!

Abençoada mocidade paulista que sabe cumprir com o seu dever!

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O embarque do “Batalhão Esportivo”

O Campo da Floresta estava à Cunha.

Desde às 6 horas da manhã do dia 2 de agosto, para ali afluíram os voluntários que compunham o “Batalhão Esportivo”, acompanhados de suas famílias e noivas que lhe iam levar as últimas bênçãos, as últimas despedidas.

O sorriso caracterizava todos os semblantes, de-monstrando alegria e entusiasmo.

Fotógrafos e mais fotógrafos batiam inúmeras chapas de diversos grupos.

No meio de toda aquela animação e também muito animado, achava-me eu.

Só que não sorria.

Não tinha para quem sorrir, pois os entes que me podiam animar não compareceram ao embarque.

Anônimo, no meio daquele entusiasmo, contemplava os sorridentes blocos de colegas de armas, rodeados de seus pais e irmãos.

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O momento de embarque já tardava, impacientando os presentes, quando, cerca das 10 horas, veio a ordem de se reunir, para serem entregues os armamentos.

Após a distribuição dos últimos equipamentos – mo-chila, cantil, prato, talheres sabonetes, cobertor e “casquete de campanha” – e de um fuzil mauser “1894”, ficamos mais ou menos em forma no jardim fronteiro ao Campo do São Paulo, aguardando ordens para seguir à Estação.

Como por encanto, desapareceram de todos os lábios os sorrisos francos que minutos antes os enfeitavam.

Apenas alguns rapazes esforçavam-se para sorrir, mas a visível comoção que os invadia, impedia-os de tal atitude.

Começaram as despedidas e com elas as lágrimas.

Nesse momento, senti-me feliz de não ter de quem me despedir; isolado a um canto não chorava; não cho-rava porque não tinha por quem chorar...

Tudo pronto! Tudo em ordem!

Veio a voz de “ordinário, marche” e o “Batalhão Esportivo”, mais garboso, entusiasmado e confiante do que nunca, deixou a Floresta por mais um fato lendária – debaixo das aclamações e vivas do povo.

Até a Estação da Luz, o espetáculo foi o mesmo do dia anterior: entusiasmo, alegria e flores, ocultando uma visível comoção que de todos se apossara.

Na Estação, compacta massa popular aguardava os jovens voluntários, que mal puderam atravessá-la, para alcançar o comboio.

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Repetiram-se aí as mesmas cenas de despedida... até eu fui contemplado com um “adeus”de uma colega do Banco que veio dá-lo em nome dos outros.

Fiquei consolado. Ao menos alguém se despedia de mim....

Da minha família, apenas um mano mais moço do que eu, veio despedir-se de mim. Meu pai, que trabalha há 10 metros distantes de onde passei, não se deu ao trabalho de vir abençoar-me.... talvez pela última vez!

Mais tarde ele compreenderá quão injustamente procedeu para comigo.

Por intermédio de meu mano, mandei um recado à minha namorada, apresentando-lhe as minhas despedidas, pois ela ignorava o meu embarque.

Forneci-lhe, ao mesmo tempo, o meu endereço para a fraca possibilidade de ela querer escrever-me.

Eram onze e vinte, quando consegui chegar à gare da Estação; onde recebemos um “lunch” expresso, que nos serviu de almoço.

Ainda aí o povo, destacando-se o elemento feminino, nos aclamava em delírio.

No trem: um grupo de senhoritas distribuiu aos jovens que partiam, medalhas com esfinge de santos, que incluí às muitas orações com que pessoas amigas me presentearam.

Finalmente, o comboio partiu, sob “hurras” e cân-ticos patrióticos.

Quando desapareceram as últimas casas – cuja defesa estava confiada aos fuzis manejados pela gloriosa moci-

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dade paulista –, sentimos todos a nostalgia dos nossos lares, de nossas famílias, de nossos amigos, que ficaram orando por nós.

Os cantos patrióticos que entoavam já não estereo-tipavam entusiasmo.

Cantava-se mais para esparzir as tristezas contidas a custo em nossos peitos e só com dificuldade é que se reprimia uma lágrima rebelde que brincava em nossos olhos.

O entusiasmo sadio que tínhamos em São Paulo, só nos voltou quando o comboio parou e o letreiro na Estação nos indicava Campinas.

Desembarcamos e uma comissão de senhoras e senhoritas da colônia italiana, em um rancho montado a capricho, nos ofertou café, pão, biscoito, bolos, refrescos e frutas.

Fizemos baldeação da Paulista para a Mogiana e um trem – última palavra em matéria de incômodo – deixou--nos ao cair da noite, em Mogi Mirim.

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Mogi Mirim... e um “boateiro”

Seriam 19 horas quando o comboio deu entrada em Mogi Mirim. Desembarcamos em uma estação bastante modesta – como aliás, o são quase todas as da Companhia Mogiana – e no pátio da mesma, recebemos o primeiro “rancho” de campanha – feijão, arroz e carne seca enso-pada – preparado por cozinheiros da Força Pública.

Pela primeira vez em minha vida ingeri uma comida tão ruim. Jamais acreditaria, se não presenciasse, que eu fosse capaz de tomar tal alimento que, em outra situação, me teria causado profundo asco.

O feijão estava duro, mal cheiroso e sem gosto de tão aguado e, portanto, acompanhado de um caldo que se assemelhava a lavagem de panela.

O arroz era um angú semelhante a barro de rebocar parede e, por cima, queimado, cheirando “tifú”.

Da carne seca nada posso dizer, pois o único pedaço que pus na boca foi expelido imediatamente, por intragável...

Após o “jantar” – denominado “chelpa” – entramos em forma e marchamos rumo à cidade. Mogi Mirim é uma cidade elegante, pequena, mas estética, asseada e com algumas bonitas praças ajardinadas.

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Atravessamos as principais ruas – em um ambiente de frio desinteresse por parte da população – e fomos alojar-nos, parte em um dos grupos escolares e parte no salão de bailes de uma sociedade italiana.

A minha companhia ficou na Sociedade, onde o seu comandante, reunindo os soldados, aconselhou-os a repousar, pois no dia seguinte deveríamos fazer uma marcha de 80 km, com destino a Pouso Alegre. Achamos que o Capitão exagerava e, por isso, às escondidas saímos à rua, onde passeamos.

Em conversa com as distintas senhoritas do lugar, ficamos sabendo que a cidade não apreciava soldados porque, dias antes, por ali passara uma tropa regular que cometeu algumas arbitrariedades, desgostando a popu-lação. Animando uns mantendo amistosas palestras com outros, durante as quais púnhamos em prática os nossos dotes de cavalheirismo e educação; captamos simpatias ge-rais, tornando-nos ídolos daquele educado e pacato povo. Apesar de ser bastante tarde e das ameaças do Capitão, ficamos até quase de madrugada na rua, divertindo-nos em um cabaré que funcionava numa rua retirada.

Quando regressamos, tomamos as maiores precau-ções para não sermos surpreendidos. Serviu-nos de leito o duro assoalho de madeiras grossas, sobre as quais colocamos as nossas mantas (cobertores).

Ao romper do dia seguinte, estávamos com o corpo moído e mais cansados do que quando nos deitamos... para repousar...

Ao contrário do que nos dissera o comandante da Companhia, não fizemos viagem alguma, muito menos a pé.

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Após o café tivemos, isso sim, uma pequena e inútil instrução de campanha que só serviu para nos cansar e perder a manhã.

Quando chegou a hora do “rancho”, 11 horas, o quartel estava impedido e só a muito custo, conseguimos permissão para almoçar em um hotel, naturalmente, às nossas expensas. Reunimos um bloco que denomináva-mos “Bloco da Família” – por sermos conhecidos – e procuramos o melhor restaurante do lugar.

Esse bloco teve uma história interessante, pois foi em conversa que descobrimos mutuamente que nos conhe-cíamos por frequentarmos, antes da revolução, famílias amigas. Eram os seguintes os rapazes que o compunha: 2o Sargento Luiz Pereira da Silva; 1o Sargento Milton Pe-droso, os cabos Palmiro Sigolo e Saturnino Brandão e eu.

Quando nos recolhemos ao alojamento soubemos de duas novas: a primeira, comentada muito jocosamente, foi o encontro de Arthur Friedenreich, em lamentável estado de sonolência, no jardim de Mogi Mirim, tendo uma das mãos no lago que ornamenta a praça. Devido ao calor reinante, aquele conhecido campeão de futebol ao regressar da orgia a que se entregou durante a noite, deixou-se ficar no jardim, onde, pela madrugada, foi surpreendê-lo uma patrulha volante, no estado que já descrevi.

A outra novidade que, aliás, só apreensões nos causou, foi o boato – mais tarde confirmado – de que o comandante do nosso batalhão, Coronel Francisco Bastos, havia seguido preso para São Paulo, por ter sido apurado que ele nos queria entregar aos inimigos.

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E era esse homem que dois dias antes havia afirmado “ter orgulho em comandar valentes e briosos moços”...

Miserável!

O dia 3 correu sem maiores incidentes.

Durante o resto do dia, passeamos pela cidade e aproveitamos algumas horas para escrever as primeiras cartas aos amigos que deixávamos em São Paulo.

Uma “casa do soldado”, dirigida por distintas senhoritas, funcionava em um amplo prédio e nela nos eram fornecidos papel para cartas, envelopes, café, pão, biscoitos, doces etc.

À horas do jantar, porém, quando todos nos acháva-mos reunidos no quartel, o Capitão, talvez para dissipar a má impressão que causou a prisão do Coronel Bastos, fez correr o boato de que a revolução havia terminado, pois o Sr. Getúlio Vargas havia sido deposto.

A notícia correu célere pela cidade e, à noite, o povo reuniu-se no principal largo onde muitos discursos se fizeram ouvir.

O nosso comandante, então, aproveitando aquela justa alegria organizou uma espetaculosa passeata – pelas principais ruas da cidade – acompanhada de uma banda de música de emergência.

Durante o desfile, erguemos vivas à revolução... “vitoriosa” e ao povo de Mogi Mirim, principalmente às senhoras e senhoritas.

Esse gesto conquistou de vez o povo do lugar e, mais tarde, eram raros os rapazes que não estavam pas-seando no jardim, ao lado das senhoritas, sob os olhares

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despeitados dos moços da cidade, visivelmente preteridos.

Na “casa do soldado”, então, éramos disputados pelas gentis senhoritas que nos proporcionaram amistosas conversas.

Foi uma noite inesquecível!

No dia seguinte, 4, o povo de Mogi Mirim fez questão que assistíssemos a uma missa de forma que, logo pela manhã, dirigimo-nos à igreja local, onde um padre português celebrou a cerimônia e fez um discurso político, uma peça da mais sã hilaridade.

Terminada a missa, foi-nos ofertado pelas senhoritas um gostoso café acompanhado de bolos, representando as simpatias que captamos naquele lugar.

Essa ligeira refeição foi servida no jardim público, dando margem a alguns discursos cômicos, proferidos por nossos colegas Hermínio Faria e Peri, que foram muito aplaudidos.

Após o almoço, o quartel ficou impedido e, com grande surpresa nossa, às 18 horas, recebemos ordem de embarque, rumo ao desconhecido...

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O batismo de fogo

Não tenho pretensões de escritor. Em absoluto.

Até, mesmo, sou o primeiro a reconhecer a minha incapacidade de relatar com imagens, floreando romanes-camente os fatos, dando-lhes um sabor literário.

Portanto, o que vai ler, é apenasmente, uma descri-ção muito singela do que se passou ante os meus olhos, durante esta campanha.

Podem, pois, acreditar em todas as minhas pala-vras, que, embora mal escritas, representam a legítima expressão da verdade.

Esta advertência tem plena justificativa, pois não é desconhecido o fato de, depois de uma revolução, apare-cerem “heróis” de toda natureza, que, seu pejo, contam bravatas dignas de D. Quixote.

Eu não fui herói. Fiz apenas o que estava ao alcance de minhas forças, animado pelo meu grande desejo de servir São Paulo.

Honro-me de ter estado à altura de meus compa-nheiros – aquela plêiade de jovens entusiastas que não temeram afrontar os maiores perigos, sofrer as mais ter-

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ríveis necessidades, arriscando continuamente a própria vida por um ideal!

* * *

Até a nossa partida de Mogi Mirim foi o que eu chamo a primeira fase da campanha.

Só prognósticos, opiniões, entusiasmo e... a ansiedade de manejar o fuzil perante o inimigo.

Ficamos conhecendo a espécie de comida que nos ia alimentar, o leito em que íamos repousar e a disciplina a que estávamos sujeitos. Pois esses fatos não diminuíram o nosso entusiasmo. Apesar de acostumados com todo o conforto, não estranhamos tanto dormir sobre um duro assoalho e nem menos lavar os pratos de ágate, nos quais fazíamos a nossa refeição.

O ideal, quando enraizado em um indivíduo, fá-lo atravessar as maiores privações com um sorriso nos lábios.

Seriam 19 horas do dia 4, quando, sob intenso frio, chegamos formados à estação de Mogi Mirim, armados e completamente equipados e, enquanto aguardávamos o trem, recebemos a primeira munição: 100 tiros cada um. A esperança de entrar em fogo naquela mesma noite fez aumentar a nossa curiosidade e entusiasmo.

Alguns que confundiam “revolução” com “desfilar” pelas ruas das cidades, quedaram-se receosos e só não “piravam” (fugiam) de vergonha.

Mas de que adiantava isso, se em seus rostos trans-parecia claramente o receio?

Um nosso colega – cujo nome desconheço – quan-

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do estávamos prontos para partir, pediu permissão para tomar café... e não mais voltou...

Já estávamos acomodados em carros de primeira classe quando uma silvo agudo da locomotiva anunciou a partida do comboio.

Para onde vamos? Perguntávamos.

E nós mesmos respondíamos: – Para o desconhecido!

A locomotiva devorava os quilômetros arfando compassadamente e soltando inúmeras fagulhas.

Os carros estavam completamente às escuras, tornan-do também negros os nossos pensamentos, onde miríades de ideias fervilhavam.

Eu não tive medo. Se ficasse inutilizado, terminada a campanha afundaria no sertão onde morreria anônimo. Se morresse, também não me preocupava os que ficavam, pois já que nem os meus parentes se despediram de mim, era sinal de que a minha sorte lhes era indiferente.

Apenas uma visão – a de uma mulher amada – baloiçava em meu espírito, pungindo o meu coração de saudades.

Contemplei uma fotografia que trazia comigo e apesar da escuridão do carro pude distingui-la, como se estivesse pedindo-me que voltasse.

Tornei-me mais romântico e também a imagem de minha Mãe começou atormentar-me.

Os meus pensamentos tomaram todo o tempo da tétrica viagem e deles só me reparei quando o trem parou.

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Desembarcamos em uma modesta estação, cujo letreiro nos indicava ser: “Barão Ataliba Nogueira”. Era uma vilazinha bastante modesta e que, aquela hora, quase meia noite, estava completamente deserta. Apenas alguns funcionários da Estrada de Ferro e um senhor estavam na Estação.

Tudo deserto, tudo escuro, tudo em silêncio.

Aos nossos ouvidos chegavam apenas o longínquo barulho de um tiroteio cerrado.

Enquanto os nossos comandantes confabulavam, conversei com o senhor que se achava na Estação. Ele era o chefe político, delegado, farmacêutico, o maior negociante do lugar, o jornalista e o futuro prefeito. E, no entanto, não passava de um caipira local.

Por aí se calcula o que era a “cidade” Barão Ataliba Nogueira...

Enquanto aguardávamos as ordens, confabulávamos sobre os próximos acontecimentos.

Finalmente, disseram-nos que repousaríamos na-quela vila e nos indicaram como alojamento um mísero casebre, em cuja fachada lia-se pomposamente escrito: “Grupo Escolar”...

Abriram-nos a porta daquele edifício público e imediatamente recebemos no rosto um bafo de bolor, denotando que o prédio de há muito não era habitado.

O seu assoalho sobre a terra era carcomido pelo efeito do tempo e a sala que ocupamos não tinha três metros de altura com o teto forrado de telhas.

Algumas carteiras escolares amontoadas eram o

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seu único mobiliário. Recebemos ordem de nos acomo-dar como pudéssemos e, por isso, estendemos as nossas mantas, prevendo um sono reparador do cansaço de uma viagem perturbada.

Inútil, o nosso trabalho, pois nem chegamos a deitar e veio ordem de montar sentinela avançada nas estradas.

O frio era intenso e foi contra a nossa vontade que deixamos o “alojamento”.

Saímos nas estradas. O silêncio e a escuridão da noite, apenas entrecortado pelo rumor da fuzilaria longe, muito longe, formavam um conjunto tétrico.

Não fazia ainda 10 minutos que estávamos de sen-tinela e veio ordem para nos reunirmos novamente, pois haviam pedido reforço urgente, lá do morro.

Embarcamos às pressas e depois de uma hora de via-gem o comboio nos deixou em uma outra estação também muito modesta, mas cuja cidade era bem maior: Eleutério.

Deixaram-nos no trem, repousando, e só nos vieram chamar de madrugada, às 3 horas do dia 5 de agosto.

Cientificou-nos o comandante de que íamos para as linhas de fogo, ocupar trincheiras a 6 quilômetros daquela cidade.

Havia chovido durante o dia, de forma que as es-tradas estavam eivadas de lama e, além disso, a lua não deu o ar de sua graça, para iluminar os caminhos.

A escuridão era completa tanto que, para não per-demos o contato, éramos obrigados a ir segurando nos companheiros.

A marcha foi penosa, pois tínhamos que descer e

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subir morros, por picadas que nos proporcionaram inú-meros tombos, tantos quanto nas estradas lisas de lama. Apesar do frio reinante, suávamos em bicas.

Só mesmo o entusiasmo e a tempera de um paulista poderiam fazer com que chegássemos ao nosso destino, sem um protesto, sem um pouso de desânimo – para oferecer as nossas vidas ou o nosso sangue em holocausto ao nosso ideal.

E chegamos!

Agora, as balas sibilavam em nossos ouvidos, des-pertando o instinto de conservação, que nos obrigou a rastejar, para atravessar o último cafezal, antes das trincheiras.

Estavam essas situadas no pico de um morro, cerca de 1.000 metros de altitude da cidade.

Aquela altura justificava os esforços que fizemos para galgá-lo.

Quando os homens começaram a ser distribuídos, recrudesceu a fuzilaria inimiga o que nos obrigava a to-mar todas as precauções aconselhadas em tal caso; uma vez que as balas sibilavam ameaçadoramente, por sobre nossas cabeças.

De rastro sobre a terra úmida, íamos tomando po-sição, rendendo os soldados do “Batalhão Pais Leme”.

Eu e mais alguns companheiros, entre os quais Frienderich e Iraci, também sargentos, fomos indicados para guarnecer o flanco esquerdo, local onde não havia trincheiras, sendo obrigados a nos abrigar das balas em cupins que, providencialmente, ali existiam.

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O fogo era cada vez mais cerrado e exigia de nós o máximo cuidado na construção de um abrigo individual, cavado a sabre, na falta de ferramenta apropriada.

Trabalhamos até o romper do dia, quando pudemos localizar o inimigo, na distância de 300 metros. Iniciamos então o tiroteio, nos intervalos, aperfeiçoamos os nossos abrigos, tirando a terra com os pratos de que nos serví-amos nas refeições.

Durante todo o dia 5, trabalhamos ininterruptamente, ora no gatilho do fuzil; ora no cabo do sabre, cavando a terra.

Ao cair da noite, esgotou-se a nossa munição de guerra, vi-me obrigado pelas circunstâncias a sair de meu abrigo e ir à trincheira vizinha uns 100 metros buscar alimento para a culatra de nossos fuzis.

Trouxe cerca de mil tiros, que distribuí aos que estavam perto de mim; nos outros abrigos.

Releva notar aqui que, desde às 18 horas do dia 4, eu nada comia.

Também a água que trouxemos em nosso cantil esgotou-se logo nas primeiras hora do dia 5.

Sem comer e sem beber, atravessamos a noite, sus-tentando o fogo que nos impedia de dormir.

O dia 6 veio encontrar-nos em nossos postos, bas-tante abatidos fisicamente, devido a falta de alimento, água e descanso.

Felizmente, Friedenreich havia trazido um pouco de chocolate em sua bissaca, que nos servia de café pela manhã.

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Vou relatar um episódio interessante.

Quando abri a minha bissaca para dela tirar o prato a fim de remover a terra do abrigo, achei um pedaço de pão.

Tentei comê-lo, mas achando-o com gosto de sabo-nete, joguei-o fora.

Pois quando Friedenreich deu-me o chocolate, lembrei-me do pão e fui desenterrá-lo.

Garanto que jamais comi um “sanduíche” tão gos-toso...

Ah, fome, fome ! A quanto obrigas!

Mas, o diabo foi que o alimento que ingeri desper-tou ainda mais a sede, já de 24 horas, grande parte sob um sol escaldante.

O fogo continuava e a nossa munição estava esgo-tada.

Felizmente, quando o sol a pino anunciava meio dia, vieram render-nos alguns rapazes do 3o Batalhão “9 de Julho”.

O cansaço de uma posição incômoda, a sede e a fome, mal nos permitiam andar e exigiram-nos grande sacrifício – quase impossível – para descer e subir os morros que nos separavam de Eleutério.

Em caminho, encontramos o cadáver de um volun-tário do “9 de Julho”; baleado nos intestinos, quando procurava tomar posição.

Morreu, o coitado, sem ter dado um tiro!

Contemplava eu o seu aspecto: sentado recostado

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em um pé de café, olhos abertos, lábios contraídos, mãos ensanguentadas na altura do estômago.

Já ia deixá-lo, penalizado, ao recordar que aquele jovem, na flor da idade, morrera longe dos seus, sem ter quem lhe fechasse as pálpebras e cruzasse as suas mãos sobre o peito – quando verifiquei que ele ainda conser-vava o cantil, à tiracolo.

Verifiquei-o e, notando-o cheio de água, perdi a compaixão que me inspirava o seu corpo, tirando-lhe o depósito de água, uma verdadeira mina naquela situação.

Reparti a água com os meus companheiros e, saciada a sede, criamos mais animo.

Bastante encorajados para vencer os quilômetros que nos separavam de Eleutério, continuamos a andar, mas chegando ao P. C. (Posto de Comando); longe das trin-cheiras mais de mil metros, uma desagradável surpresa nos esperava: o “9 de Julho” havia debandado, abando-nando as posições, e tínhamos ordem para voltarmos às trincheiras.

Mortos de cansaço e com fome era quase impossível cumprirmos aquela ordem.

Mas, que fazer?

O regulamento militar diz que “ordem cumpre-se e não se discute!”

Pusemo-nos de novo à caminho sobre os nossos passos anteriores, mas não chegamos às trincheiras, graças à chegada de tropas frescas, vindas de Eleutério.

Quando chegamos a esta cidade, ao cair da tarde,

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estávamos aparentando mendigos. O “rancho” (comida) que nos foi apresentado ficou intacto.

Já tínhamos perdido a fome.

Queríamos era sossego!

Deitamos no assoalho duro do alojamento, que me pareceu a “cama patente” lá de casa!

Dormimos tranquilamente, sonhando com o batismo de fogo.

E que batismo...

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A façanha do Trem Blindado

Coube ainda ao “Batalhão Esportivo” inaugurar o trem blindado, no setor de Eleutério.

Após as 36 horas de fogo consecutivo, em que a fuzilaria inimiga, as metralhadoras e os canhões haviam trabalhado sem descanso, sem entretanto intimidar os bravos voluntários do “B. E.” veio a façanha do trem blindado, que se tornou famosa nas hostes inimigas, causando pânico e nos resultando na prisão de alguns ditatoriais e na apreensão de muito material bélico.

Vou descrever a viagem do “blindado”, como o chamávamos, até as posições inimigas em Sapucaí.

Chegado o “blindado” a Eleutério, foram designa-dos para comandá-lo, oficiais do Batalhão “Paes Leme”, que convidaram os soldados, que ali se achavam, para duelar, de livre vontade.

Como é claro, ninguém se recusou.

No carro blindado, foram duas metralhadoras e, em carros de passageiros protegidos por dormentes, os voluntários.

Eram três os carros, mas só dois chegaram ao seu destino, pois o último, ocupado por elementos do Ba-

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talhão “9 de Julho”, foi propositalmente desligado da composição, ficando em meio do caminho.

As metralhadoras do blindado e dos inimigos tro-caram muitos tiros, enquanto os voluntários deixaram os carros para tomar as posições inimigas.

Foram eles felizes, pois além de causarem algumas baixas no inimigo, esse debandou, abandonando grande cópia de munição, armas e toda espécie de equipamentos, que foram recolhidos pelos nossos.

Houve um espetáculo de intensa emoção: havia na estrada um nortista, varado por 5 tiros e que conservava na cabeça o seu “casquete” (chapéu de campanha) com as seguintes palavras nele escritas:

“O meu Deus é o meu fuzil”.

Estava morto, como o seu “deus” caído ao lado.

Além disso, o “B. E.” fez a prisão de um capitão, um tenente, um sargento e cinco praças e um jornalista de “A Noite”, do Rio.

Foi um belo feito, justamente bastante elogiado pelos comandantes e toda a imprensa paulista.

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Um susto

No dia 6, à tarde, grande parte dos rapazes do “Ba-talhão Esportivo” passou por um susto que dificilmente será esquecido.

Seriam quatro horas e os voluntários, depois do almoço, descansavam, nas proximidades do “rancho”, as fadigas dos violentos combates, dos quais acabavam de regressar.

Uns tomavam banho num córrego que passava ali perto, outros, em pequenos grupos, comentavam aviva-damente as peripécias dos combates, procurando sempre, é lógico, destacar a sua atuação.

Eis que apareceram no horizonte dois pontos negros, denunciando a aproximação de aeroplanos. Como pro-cediam dos lados de Itapira, concluímos logo que eram nossos e, quando os vimos sobre nossas cabeças, tivemos disso absoluta certeza, pois traziam sobre as asas uma faixa branca, o distintivo da nossa aviação.

Contentes ao ver aquelas poderosas armas de guerra, erguemos vivas e acenamos-lhes lenços brancos.

Em resposta às nossas manifestações e para surpresa geral, os dois aparelhos baixaram o vôo e atiraram-nos

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três bombas que produziram violento estrondo quando tocaram no solo, abalando a cidade.

Felizmente, as “mechas” caíram em um clarão for-mado pelo córrego e os seus: perigosos estilhaços feriram levemente apenas uns três ou quatro colegas que estavam tomando banho.

Entretanto, se as bombas tivessem caído uns 10 metros a esquerda de onde caíram, por certo ceifariam muitas preciosas vidas.

Durante alguns minutos ninguém se moveu nem falou, petrificados pelo imprevisto da cena.

Recuperada a calma, tratamos de socorrer aos nos-sos colegas feridos, enquanto os aparelhos perdiam-se de nossas vistas, sumindo-se no horizonte...

Entretanto, não pudemos compreender como os nossos próprios aparelhos vieram nos bombardear e só mais tarde viemos a saber o que se passou.

Os aviadores saíram de São Paulo com o fito de bombardear Sapucaí e como Eleutério fica perto desta cidade, telegrafaram ao comandante do setor, para que colocasse um pano branco na Estação de Eleutério, a fim de evitar confusão.

Por motivos que não ficaram apurados – pelo menos por nós – o comandante do setor – Major Higino, não cumpriu essa ordem, motivando o lamentável engano que tão trágicas consequências poderia ter.

Mais tarde, soubemos ainda que um dos aviadores, sabendo do incidente, veio a Itapira disposto a matar o Major Higino, no que foi obstado pelo Q. G. (Quartel

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General) de São Paulo, que mandou prendê-lo em cami-nho, assim que soube dos seus intentos – obrigando-o a regressar à Capital.

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O Morro dos Coqueiros

Do dia 6 ao dia 8, descansamos em Eleutério, re-cuperando as forças despendidas durante os primeiros dias de fogo.

Arranjamos uma casa de família, onde tomávamos as nossas refeições, pagando dois mil réis por cada almoço ou jantar, que se constituíam invariavelmente de feijão, arroz e um ovo frito. Como sobremesa, uma xícara pequena de café simples. Como se vê, éramos vilmente explorados, mas não nos incomodávamos ante a única probabilidade que havia de cuidarmos de pensão: comer no “rancho”, a horrível “chelpa” (comida) feita por atacado.

Durante o dia, visitávamos as fazendas das redon-dezas, geralmente abandonadas, ou íamos tomar banho num monjolo, um tanto retirado da cidade.

À Noite, para não dormirmos no assoalho duro do alojamento, arranjamos um barracão, forrado de feno e capim seco que antes da revolução era um estábulo.

Apesar do “perfume” peculiar aos lugares destinados a dormitórios de animais, ali ficamos melhor acomodados do que no grupo escolar, mais ainda por sermos poucos.

Uma noite, dia 8, cerca das 20 horas, já estávamos

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estendendo as nossas mantas para dormir, quando veio ordem de nos reunir na Estação.

Bastante contrariados, por estarmos cansados de percorrer fazendas em busca de ovos – aprontamo-nos e dentro de poucos instantes, estávamos no local marcado, onde durante duas horas, aguardamos ordens.

Devido a esse pormenor, deu-se um feito interessante de que foi protagonista o meu Amigo Milton.

Devido à grande demora em vir as ordens, ficamos à vontade, em forma, mesmo sem receber instruções para tal. Porém, alguns companheiros, mais cansados ou dor-minhocos saíram de nossa companhia, para sentarem-se em uma escadinha perto da Estação e dentro em pouco estavam dormindo, apesar do frio reinante. Foi então, que se deu o fato escarreiro.

O meu Amigo Milton tendo encostado o fuzil na parede, dormia como um inocente, o que estava longe de o ser..., quando se apresentaram os nossos oficiais, ordenando que entrássemos em forma imediatamente.

Houve natural correria e o sargento Milton semia-cordado, às pressas, pegou uma taquara que casualmente se achava perto do seu fuzil, em vez deste.

Um paisano, que o viu, disse em tom humorístico:

- Você vai para as trincheiras com uma taquara?

Essa pergunta provocou a nossa curiosidade e ainda surpreendemos o nosso colega fazendo a substituição da “arma”...

* * *

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Posto tudo em ordem, foram distribuídas munições e dentro em pouco, sob às ordens do tenente Martines, saiu o nosso pelotão rumo à estrada de Sapucaí, onde, dizia-se, íamos montar sentinela avançada.

Andamos uma hora e, afinal, fomos distribuídos em um campo aberto, onde tomamos posição para observar.

A noite estava escura e o frio era intenso, além do sono que nos impedia de manter por muito tempo os olhos abertos.

A nossa posição era incômoda, pois fomos obrigados a deitar na terra úmida e nessa posição nos conservar até as 2 horas da manhã de 9, quando chegou o Capitão Max trazendo ordem de executarmos um avanço.

Em coluna por um, guardando a distância de um metro – o máximo que nos permitia avistar – tal era a escuridão da noite, pusemos-nos a andar, com toda a cautela, por um mato cerrado, eivado de espinhos e pequenos montes, que ora nos arranhavam, ora nos derrubavam.

O Capitão que nos comandava e também servia de guia, perdeu o caminho, obrigando-nos a andar, por muito tempo, passando sempre pelo mesmo lugar...

Graças a um esforço sobre humano, conseguimos atingir Sapucaí, quando o comando, notando o abatimento físico da tropa e que parte se havia extraviado, resolveu, mesmo antes de fazer fogo, recuar e tomar posição num morro – dos Coqueiros -, excelente posição, graças a sua formidável altura que dominava muitos quilômetros em derredor.

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Quando chegamos aos pés, daquela verdadeira mon-tanha, com a ordem de galgá-la, uma onde de desânimo nos invadiu.

Eram quatro horas da manhã.

O morro tinha mais de mil metros de altura e era demasiado inclinado.

Além disso, não tinha caminho de ascensão, de forma que esta se processou com mil dificuldades, tam-bém devido ao mato estar escorregadio e o terreno ser eivado de pedras que rasgavam as nossas roupas e as nossas carnes.

Para descrever o que foi a subida desse morro, basta afirmar que foi esse o maior sacrifício físico que eu fiz em toda a campanha.

Somente cerca das 6 horas da manhã atingimos o piso do morro.

Sem poder descansar um minuto sequer, recebi ordens de construir um abrigo para poder observar as posições inimigas.

Morto de sono e cansaço, mal tive forças para cavocar a terra e dela tirar enormes pedras de que era cheio todo o morro. Construído o meu abrigo, fique de sentinela até cerca das 10 horas, quando fui rendido.

Depois, descansei até o dia seguinte, quando o meu pelotão iniciou a construção de uma trincheira de pedra, um verdadeiro forte, destinado a resguardar uma M. P. (metralhadora pesada), pertencente à força pública e comandada pelo bravo Tenente Isidoro, a quem muito deve a causa de São Paulo.

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A trincheira exigiu grande trabalho, de um dia intei-ro, mas ficou um trabalho digno dos melhores sapadores.

As piores noites de minha vida, passei-as no Morro dos Coqueiros.

Apesar de termos construído os nossos leitos, neles passamos horríveis noites, pois além de dormimos ao ar livre, o solo, por mais que limpássemos, conservava sempre pedras pontiagudas que nos deixavam indeléveis manchas roxas pelo corpo.

Era também um verdadeiro sacrifício conseguir-se água, pois a fonte mais próxima ficava longe do morro.

Felizmente, alguns colegas do interior, mais acos-tumados à vida rude, prontificavam-se a reabastecer os nossos cantis. A comida era outro problema, pois pena-lizava ver os nossos colegas subir aquele horrível morro, transportando grandes vasilhames do “rancho”.

Durante os dois dias que estivemos no morro, não tivemos nenhum combate sério e, no dia 10, recebemos ordens para descansar em Eleutério.

Com que satisfação eu desci o Morro dos Coqueiros!...

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Eleutério!

No dia 10, quase à hora do “rancho”, chegamos em Eleutério, ainda com tempo de encomendar uma canja de frango para o nosso almoço, na casa particular que, aliás, foi batizada de “Pensão dos Voluntários”.

Sentados em uma mesa modesta como tudo o que pertencia àquela casa de caboclos, comemos com grande apetite e nunca um frango me pareceu tão apetitoso.

Mais uma vez escapávamos da “chelpa” de cam-panha, quase que intragável, além de temperada com muito salitre.

Reiniciamos os nossos passeios pelas fazendas das redondezas e, uma tarde, descobrimos um sítio que parecia abandonado, contendo um pequeno engenho e modesta plantação de cana.

Depois da natural visita ao galinheiro onde colhemos uma dúzia de ovos, apanhamos a fruta necessária para fabricar um pouco de garapa.

Entretidos nesse serviço, não percebemos a apro-ximação do sitiante que quase nos surpreendeu com o “casquete” eivado do saboroso produto galináceo.

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Entretanto, o bom sertanejo até alegrou-se com a nossa presença e chegou a lamentar não estar presente à nossa chegada para ele mesmo fazer a garapa.

Não tínhamos prática, disse-nos.

Até o dia 13, tivemos a boa vidinha, mas não tardou chegar ordem de regressarmos às trincheiras.

Já estávamos tão acostumados a passear que rece-bemos essa ordem com mau humor.

Até dava a ideia de que tínhamos ido à revolução, para visitar fazendas.

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Aborrecido...

Como já disse em páginas anteriores o meu maior desgosto foi sair de São Paulo contra a vontade da minha família e de minha namorada.

Pois bem! Eles vingaram-se da minha atitude, deixando-me dias e dias sem receber notícias e nem as minhas cartas eram respondidas.

Eu escrevia sempre que o tempo me permitia e de resposta, nem uma linha.

O “Correio do Batalhão Esportivo” chegava três vezes por semana e era com o maior desgosto que eu via todos os colegas receberem correspondência, enquanto eu parecia não ter quem se interessasse por mim. A primei-ra carta que recebi foi dos colegas do banco, a segunda idem e a terceira também. Dos que mais me interessava, nem uma linha.

Em represália, deixei também de escrever. Dia 12, se me não falha a memória, fui chamado à venda que havia no lugar, cujo dono – um explorador dos que necessita-vam do seu estabelecimento -, dizendo-me ser o Agente do Correio local, perguntou-me o meu nome, o de meus pais e quando eu já ardia de curiosidade contou-me ter recebido uma carta de papai perguntando a ele se eu estava passando bem.

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Dizia um dos parágrafos: “Em vista das notícias alarmantes que aqui tem chegado, peço escrever-me com todo a franqueza se o meu filho esta ferido ou se aconteceu coisa pior”.

Quem respondeu essa carta fui eu mesmo, estra-nhando papai não me ter escrito diretamente, afirmando ainda não ter notícias minhas.

Passada a primeira surpresa, conclui o interesse que papai tinha por mim.

Se eu estava bem não lhe interessava...

Queria apenas saber se eu já tinha sido morto... ou se só estava ferido...

Quem sabe se era só para ter certeza...

Quanto à minha namorada, não mais me incomodei de escrever. Quem sabe se as minhas cartas, apaixonadas e fervorosas, provocaram-lhe o riso.

Tentei esquecê-la, mas era impossível.

Cada vez que o “correio” chegava e regressava sem trazer-me cartas dela, uma gota de otimismo passava a chamar-se pessimismo e se me tornava difícil arranjar mais justificativa para desculpá-la.

Como última desculpa, escrevi uma enérgica carta a meu mano, culpando-o de não ter cumprido com as mi-nhas últimas instruções, que lhe dei no dia do embarque.

Enquanto não viesse a resposta, restava-me uma justificativa, embora, nas tantas vezes que a ela escrevi, tivesse lhe dado o meu endereço.

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Trincheiras

Como disse, no dia 13, voltamos às trincheiras de Eleutério, as mesmas do “batismo de fogo”. Encontramo--las aperfeiçoadas, em condições de se poder responder vantajosamente ao fogo inimigo.

Apesar de ser a nossa trincheira a mais avançada, pois percebia-se até o movimento do inimigo, não tivemos fogo cerrado durante muitos dias.

Só à noite, trovoavam-se alguns tiros, sem a inten-sidade dos primeiros dias.

Durante o sol, escrevia-se cartas, contava-se histórias e comentava-se os últimos acontecimentos.

O tempo passava com extrema velocidade...À noite, mesmo quanto não havia tiroteio, a senti-

nela era dobrada, pois receava-se a incursão do inimigo.Assim, passávamos as noites acordados, sob a lua

clara e radiante... e um frio que atingia até a medula dos ossos.

A correspondência que chegava a Eleutério era logo nos enviada.

Comecei, então, a receber missiva aos pacotes. Eram cartas e mais cartas de colegas e procuradores do Banco,

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de amigos e amiguinhas que aqui ficaram, de minha fa-mília mas... “dela” mesmo, nada!

Seria possível?

O tempo de que dispunha, mal chegava para res-ponder as cartas.

Infelizmente, diversos dias de trincheiras, dormindo na terra ou passando grande partes das noites em claro, deixou-nos exaustos, principalmente eu, que fui atacado de forte constipação.

Coincidiu a minha doença com a licença do nosso comandante e a de um sargento, de forma que o pelotão ficou desfalcado de graduados, obrigando-me, para não sobrecarregar os meus colegas de serviço de vigilância, a continuar no meu posto.

Aproveitando o licenciamento do sargento Furtini, encarreguei-o de ser portador de alguma correspondência minha, endereçadas a ela e à minha família.

Mal ele partiu, começou a chegar correspondência de São Paulo, em grande quantidade, e, entre ela, muitas cartas ansiosamente esperadas. Cheguei até a esquecer a minha doença para devorar as palavras das missivas adoradas. O pessoal de casa, também encheu-me de car-tas, de forma que se varreu do meu espírito as últimas dúvidas de tristezas que me turvavam os dias.

A vida de campanha continuava sem modificações. Raras vezes o tiroteio recrudescia e nós, bem entrinchei-rados, já nem nos importávamos com o arrepiante sibilar das balas inimigas.

Como a munição era escassa; pouco respondíamos ao fogo. Tudo em doses homeopáticas...

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É interessante descrever uma passagem, hoje, pito-resca, mas que, na ocasião em que se deu, deu-nos muito o que pensar.

O comando e todos os soldados inteligentes, estavam cansados de saber que o inimigo preparava um ataque.

Eles preparavam-se meticulosamente, a julgar pelos caminhões que iam e vinham durante a noite, conduzindo, naturalmente, tropas.

E nós quase que absolutamente sem munição.

Uns 20 tiros “per capita”, se tanto.

Quando ia anoitecendo, vinha ordem do P. C., co-modamente instalado em Eleutério, para que dobrássemos as sentinelas, pois naquela noite o inimigo iria atacar.

Imediatamente, reclamou-se munição e eles, para o portador não perder o trabalho, enviaram-nos uns 150 tiros, a granel, para ser distribuídos entre 30 pessoas.

É provável que os nossos comandantes julgassem que, com sentinelas dobradas, nós seguraríamos os ditatoriais...

* * *

O tão esperado e falado ataque deu-se finalmente no dia 24, à noite, quando o inimigo forçou todas as li-nhas, apoiados por numerosas armas automáticas (m. p. f. m. z. b. etc.) além de 12 canhões 75, que funcionavam ininterruptamente.

Felizmente, esse dia recebemos 50 tiros cada um, de forma que pudemos responder firmes, as tentativas do avanço inimigo. O flanco esquerdo, onde me achava, era apoiado por uma M. P., do valoroso tenente Izidoro, que resistiu 8 horas à carga inimiga.

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Foi uma das noites mais puxadas que passamos.

Com o clarear do dia, o fogo amorteceu e pudemos descansar um pouco, satisfeitos, por não ter o inimigo conseguido romper as nossas linhas.

Eu estava bastante fraco, devido à doença e à noite passada sob as emoções do violento tiroteio, de forma que dormi durante todo o dia.

Ao escurecer, novamente o inimigo avançou, agora com mais intensidade.

Providenciamos munição e sustentamos o fogo, com rara coragem, dispostos a tudo. Os canhões rebumbavam ensurdecedoramente o que mais nos animava ao combate. Foram doze horas de fogo, que me deixou completamen-te exausto. Veio o dia 26 e, antes de amanhecer, cessou completamente o tiroteio, resolvendo eu ir deitar-me.

Às 7 horas, piorou consideravelmente o meu estado de saúde, tanto que o Capitão Max, comandante do meu batalhão, obrigou-me a regressar a Eleutério, a fim de baixar ao hospital.

Passei para o P. C. de campanha aguardando con-dução para a cidade, pois as minhas forças não resistiam tão longa caminhada, a pé.

Deitei-me em uma barraca, logo após furada por uma bala de fuzil, um palmo acima de minha cabeça!

O meu estado era de tal apatia que nem me inco-modei com a noite, passado tão perto...

Recomeçou o canhoneiro, atingindo as mechas lu-gares bem próximos onde me achava, sem entretanto, nada me acontecer.

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Como estivesse demorando a condução o comandan-te indicou dois de meus colegas para me acompanharem até Eleutério.

Pus-me a caminho, caindo aqui e ali, ora deitando para deixar passar uma mecha, ora escondendo de ame-açador avião que cortava os ares.

Cerca de meio-dia, chegamos a Eleutério.

A cidade estava completamente deserta, notando-se apenas alguns oficiais a cavalo, que transmitiam ordens.

O que haveria?

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Retirada! Retirada!

A minha debilidade física, impedia-me de interes-sar-me pelo que passava em derredor, quase como um autômato dirigi os meus passos para o hospital de Eleu-tério, situado no ponto mais alto da cidade. A custa de algum sacrifício, cheguei ao local, onde estava instalado o hospital de sangue e grande foi minha desilusão, ao encontrá-lo completamente abandonado. O local por ser alto, era visado pelas balas ditatoriais que, sem direção certa, eram atiradas rumo à cidade.

Reuni todas as minhas forças [...]1 dendo a gravidade da situação [encami]nhando-me para a estação [onde en-contrei] dois trens repletos de soldados constitucionalistas, prontos para abandonar a cidade.

A mando de um oficial do meu batalhão, embarquei em um sujo carro da 2a classe, viajando em companhia de um cadáver de um volumoso mulato pertencente à Força Pública, morto no combate da noite anterior, por uma bala de fuzil, que lhe abriu o crânio.

1 Os trechos entre colchetes significam que no texto original não é possível fazer a leitura devido à deterioração do documento. Contudo, em alguns casos é possível inferir o termo ausente, que é apresentado entre colchetes para uma possível compreensão do texto.

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Durante a viagem, os meus companheiros contaram--me o que se havia passado.

Os ditatoriais haviam conseguido romper o flanco direito, em Bento Cunha, e marchavam sobre Eleutério, sem possibilidades nossas de lhes deter a marcha, perma-necendo em Eleutério, pois esta cidade teria a saída cor-tada em Barão Ataliba Nogueira. Julguei que estavá[mos] [...] sorte [...] dos meus companheiros [que deixei] nas trincheiras receando que [não] lhes fosse mais possível fa[zer a retira]da. [...] de viagem o trem que nos conduzia chegou a Itapira, parando a uns duzentos da estação.

Antes de mais nada, tratou-se de desembarcar o cadáver que, em vida, deveria ser muito teimoso, pois ofereceu grande “resistência” para sair do carro, dando margens a cenas macabramente cômicas. O seu grande corpo custou passar pela estreita portinhola do vagão exigindo toda a sorte de acrobacias. Finalmente descar-regaram-no não antes de o derrubarem da maca ao chão, que fez descobrir-lhe o rosto contendo um sorriso sinistro, um riso que bem poderia traduzir ele estar caçoando do trabalho que deu até depois de morto...

Depois do solene desembarque do defunto teimoso tivemos uma desagradável surpresa, o trem começou a regressar, até encontrar um outro comboio aquém de Ataliba Nogueira.

Desembarquei e fui agradavelmente surpreendi-do, encontrando os meus companheiros de trincheiras. Depois de efusivos abraços que traduziam a nossa alegria, contaram eles que o nosso pelotão havia sido o último a sair das trincheiras com a máxima ordem e carregando até o último cartucho vazio. Bravos!

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Os nossos comandantes, enquanto comentávamos os acontecimentos, não se entendiam. Uns davam ordens absurdas e logo mais contra-ordens.

Os soldados até as quatro horas sem tomar alimento algum já estavam exasperados, ante tanta indecisão.

Foram distribuídos sanduíches de pão de guerra (blindado) com um pedaço de carne seca crua, comidos com sofreguidão... menos por mim.

Finalmente, às 18 horas, o comandante tomou uma deliberação, os soldados iriam tomar posição num morro pertencente à fazenda São José, aquém de Ataliba No-gueira, nas margens do Rio do Peixe, enquanto os trens conduzindo o P. C. e Intendências seguiriam para Itapira.

Por ordem do Capitão-mor, segui também para Ita-pira, onde cheguei às 20 horas. Dirigi-me imediatamente para o hospital, onde deram-me ótima cama.

Porém, não cheguei nem a deitar-me.

O diretor do hospital veio “visitar-me”, comunicando--me que, para ali permanecer, era necessário uma guia que me seria fornecida pelo médico que se achava na Estação. Com não havia outro remédio, arrumei a minha “muamba”, e fui buscar tal guia.

Releva notar que a Estação não era nada perto...

Conseguida a famosa e custosa autorização, come-cei a sentir fome – eram 21 horas. Encontrei um senhor, perguntei-lhe se encontraria um restaurante aonde pu-desse comer alguma coisa. Ele disse-me que não, mas prontificou-se a arranjar qualquer coisa em sua casa, à rua Bento da Rocha, 26. Aceitei e para lá nos dirigimos.

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Ele era casado, mas estava só e preparou-me uma caça-rolada de arroz e meia dúzia de ovos, o que devorei até o termo sem parar... nem para respirar.

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Itapira

Itapira foi, indiscutivelmente, a cidade mais bonita – depois de Campinas – que encontrei, enquanto estive em campanha.

Belos prédios, obras de arte, hospitais, teatros, ci-nemas, praças ajardinadas, ruas arborizadas, chácaras estupendas em derredor.... e muitas moças bonitas.

É verdade que os boatos que chegaram a essa cidade, coincidindo com a queda de Eleutério e extraordinário movimento de tropas, fizeram com que a maioria da população abandonasse a cidade.

Eu, depois de devorar o arroz e os ovos, rumei para o hospital onde, desta vez, deram-me apenas um colchão. Mesmo assim, despi-me tanto quanto era possível e deitei--me. Se bem que me não fosse possível conciliar com o sono devido os cuidados com os colegas que ficaram e cuja sorte ignorava, repousei, entretanto, o que há muito tempo não fazia.

Só pela madrugada consegui dormir algumas horas, pois às 8, fui despertado pela detonação de uma bala e grande correria na rua fronteira ao hospital.

Acordei sobressaltado e vestindo-me às pressas, fui averiguar o que tinha havido.

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Apenas, foi o que soube, o Major Higino, coman-dante do Setor, indo ao Grupo Escolar que era perto do hospital, saber os motivos da queda de Eleutério, sem reparar nos circundantes, declarou que a retirada fora uma covardia. O Tenente Izidoro – a quem já me referi capítulos atrás – não pôde conter-se ante tamanha calúnia e revoltando-se disse:

– Nós não somos covardes e o sr. é um traidor!

E, ao mesmo tempo, tirou o seu revólver para alve-jar o major Higino, só não acertando o alvo por ter este desviado o seu braço.

Os soldados do tenente Izidoro, num abrir e fechar de olhos, circundara o prédio de M. P.

O major Higino achou prudente “ver se eu estava ali na esquina”...

Este incidente demonstra claramente que o major Hi-gino, responsável pela queda de Eleutério, queria atribuir o fracasso militar daquele setor aos seus comandados.

Enquanto estávamos lutando com os ditatoriais “com sentinela dobrada”, dormiam em Itapira 35 cunhetes de munição (22.500 tiros) que o major Higino não permitiu fossem enviados a Eleutério por não “serem precisos”.

E nós éramos covardes!...

Depois de averiguado o que se tinha passado, voltei para o hospital, para repousar.

Ao meio dia, almoçamos com excelente apetite e pouco depois tive a notícia de que meus companheiros estavam na cidade, de regresso. Preparei-me para deixar o hospital (que por sinal era uma maternidade!...) pois já sentia-me completamente restabelecido. A minha doença

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era simplesmente excesso de cansaço. Também foi em boa hora que resolvi sair da casa de saúde, pois o hospital havia... relaxado...

As últimas notícias eram alarmantes e médicos, enfermeiros etc. acharam mais prudente “pirar”...

Os doentes graves foram removidos para Campinas e os outros... para o “olho da rua”... Eram gozados os comentários feitos...

Dirigi-me ao Grupo Escolar onde encontrei os meus colegas e com eles fui passear pelos pontos mais pitores-cos da cidade.

Os populares perguntavam-nos as novidades, ao que respondíamos com palavras animadoras que nós mesmos estávamos longe de sentir.

A situação, de fato, era grave. Apesar dos reforços enviados com urgência, pelo Q. G. de São Paulo, não tí-nhamos esperanças de poder conservar Itapira em nossas mãos, mais uma semana.

Os inimigos já tinham em seu poder Ataliba No-gueira e marchavam sobre Itapira, cidade desprotegida de pontos estratégicos.

Depois de almoçar principescamente em um bom restaurante, voltamos ao Grupo Escolar, saber do que havia de novo.

Um pelotão do Batalhão Esportivo, comandado pelo tenente Wallim, estava sitiada, em um morro, pelos inimigos e era urgente salvá-los. Imediatamente foram aprestados 3 caminhões e neles 50 homens embarcaram em socorro de seus companheiros. Comandados pelo Ca-

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pitão Max, conseguiram o seu objetivo e, para completar a obra, resolveu o comando dinamitar a ponte sobre o Rio do Peixe, a fim de retardar a marcha ditatorial, até chegarem os socorros esperados.

Mandou-se buscar dinamite em Itapira e quando esta chegou veio também uma desilusão: a “dinamite” era apenas pólvora seca, como se verificou depois de minada a ponte!

Partiu outro carro em busca de gasolina e o mesmo efeito se teve.

A “gasolina” era querosene com água, não inflamável.

O Capitão Max num gesto de desespero, começou cavar a ponte, com um sabre, exclamando:

– O Major Higino nos está traindo!

E era alta traição.

A ponte, graças ao Major Higino, ficou inteira para os ditatoriais passarem, apressando a tomada de Itapira.

O comando, chegando ao grupo, ordenou que todos se alojassem, preparados para qualquer eventualidade.

Ao deitar-me, verifiquei que a minha bissaca havia desaparecido. Foi o primeiro “desaperto” (roubo) que sofri.

Primeiro e último.

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Marcha a pé

No dia 28, às quatro horas da manhã, fomos acor-dados e recebemos ordem de formar na rua. Em todas as feições estava estampada a pergunta irrespondível. Para onde vamos?

Rumamos para a estação. Ainda o dia não havia clareado e devido àquela indecisão de nossa parte sobre o destino que íamos tomar, formavam-se em nosso espírito visões macabras...

Aos poucos, soubemos o que havia.

Durante a noite, houve uma reunião de oficiais e nes-ta ficou deliberado que, em vista das traições descobertas e do cansaço da tropa, o Batalhão Esportivo descansaria 2 dias em Mogi-Mirim e só retornaria ao combate com outro comando motor.

Assim resolvido, fomos à estação em busca de trem, que nos foi negado.

Em vista disso, o comando resolveu que iríamos mesmo a pé.

Eram apenas 24 quilômetros...

Entre nós, resolveu-se apoiar incondicionalmente o

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comando e como tínhamos em média 10 tiros cada um, deliberamos que nada nos deteria a marcha, pois falava--se de uma tropa que, na estrada, nos obrigaria a voltar.

O sol era escaldante, tão logo clareou o dia e, apesar disso, marchamos sem parar.

Quando estava quase finda a etapa, havíamos feito 20 quilômetros – encontramos, pouco além do Monte Gravin, o Major Pedro Luz, acompanhado do seu estado maior e de um pelotão de M. P.

Fizeram-nos parar e quando chegaram os nossos comandantes conferenciaram algum tempo enquanto nós estávamos cada vez mais resolvidos a parar só em Mogi--Mirim. O Major Pedro Luz, ouvindo as explicações de nosso comando, concordou e nós seguimos até encontrar a bela cidade da Mogiana, onde tínhamos feito a nossa primeira parada, antes de entrar em fogo.

Depois de descansarmos, fomos almoçar em uma pensão – eu e o “bloco da família” e em seguida fize-mos um bom corte de cabelo, engraxamos os sapatos e perneiras, recebemos fardamento novo, que envergamos depois de um banho renovador.

Fazia 15 dias que o meu corpo não sentia água...

Comentando os acontecimentos, descansando, pas-sando telegramas e escrevendo cartas na “Casa do Sol-dado”, ficamos em Mogi-Mirim, até o dia 30.

Os nossos companheiros queriam, à viva força, vir a São Paulo, descansar e ver suas famílias, ao que se opôs o comando, argumentando que a falta de homens, impedia a realização dos nossos desejos.

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No dia 30, ao meio dia, veio ordem de embarcarmos para Ribeirão Preto.

Parte dos nossos colegas a isso se opuseram obri-gando o comando a capitular.

Assim, às 14 horas, mandaram-nos formar na rua e dividiram o Batalhão em duas partes. A primeira rumou para Prata, Cascável etc., enquanto a segunda, depois de esperar uma hora, marchou para a Estação.

Para onde íamos?

Chi lo sa!

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Brincando de esconde-esconde

Quando chegamos à estação de Mogi-Mirim, encon-tramos na rua fronteira, três caminhões que, diziam, nos deveriam conduzir a Espírito Santo do Pinhal. Realmente foi o que se deu, tendo nós partido às 14 horas.

Foi a viagem mais incômoda que fizemos. Os cami-nhões saíram superlotados, conduzindo 35 pessoas mais ou menos, cada um, sendo conduzidos a toda velocidade, o que nos ocasionava trancos e solavancos, apesar da estrada ser ótima.

As paisagens que divisamos era a mais linda o que, apesar de tudo, tornou a viagem agradável.

Após duas horas de louca marcha geralmente a 60 por hora, alcançamos Espírito Santo, uma linda cidade, construída em uma elevação...

Os carros pararam no grupo Escolar, onde desce-mos... nos alojamos, com ordem terminante de não nos afastarmos do prédio, por motivo algum, pois a nossa permanência ali era efêmera. De fato, às 18 horas, sem termos jantado, veio determinação para formarmos e recebermos munição para seguir às trincheiras.

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Pouco depois, partíamos em caminhões, nos quais fizemos cerca de quatro quilômetros, andando a pé mais dois. Espírito Santo, devido a usina elétrica achar-se em poder dos ditatoriais, encontrava-se sem luz, completa-mente às escuras. Já era noite cerrada e fazia intenso frio, quando fomos distribuídos entre os cafezais, com ordem de construirmos um abrigo individual e ficar preparados para entrar em combate, bastante esperado, pois o ini-migo estava próximo. Obedecendo a essa determinação, distribui os meus homens da melhor forma possível e construí a minha trincheira. Terminado esse serviço que me custou algum tempo, além de arranhões e sujeira de terra molhada, pus-me a observar a nossa posição.

Esta não podia ser pior. Estávamos em uma baixada, um campo raso, limpo, apenas encoberto da vista dos inimigos, pelos pés de café, mas não das suas balas, além de, na possibilidade de um assalto, sermos envolvidos e, portanto, massacrados.

Não podia compreender como o nosso comando ali nos colocou, quando nem sequer podíamos nos defender em caso de ataque.

Não transmiti aos meus subordinados a minha in-quietação, para não revoltá-los e, confesso sinceramente – pela primeira vez, tive vontade de “pirar”.

Só não fiz para não deixar os meus companheiros expostos aos mesmos perigos.

Felizmente, após 1 hora, – o bastante para regelar-mos os ossos, e antes do esperado ataque, veio ordem de retirada. Esta procedeu-se na máxima ordem e silêncio e, quando voltamos aos caminhões sem ter dado um único tiro, soubemos qual foi a nossa missão: garantir a

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retirada de todas as tropas de Espírito Santo. Naquela posição em que estávamos, a mais avançada possível, era nossa missão retardar a incursão dos ditatoriais e evitar que eles cortassem, por Jardim, a retirada das nossas forças. O objetivo foi conseguido e quando deixamos aquela linda cidade, não havia mais um único soldado Constitucionalista.

A viagem de volta foi o mais tétrica possível.

Os caminhões corriam em desabalada carreira, e, apesar da noite horrivelmente escura, levaram apenas meia luz nos faróis.

Nunca a morte nos rondou tão de perto!...

Cerca de 1 hora do dia 1o de Setembro chegamos a Mogi-Guaçu, uma cidade modesta e acanhada.

Como ainda nada tivéssemos comido, apesar de já fazer doze horas que os nossos dentes nada mastigavam, o comando arranjou uma lata de bolachas “Maria” que, dividida irmãmente, coube três para cada soldado.

Foi o nosso jantar, à 1 hora da madrugada.

Enquanto os oficiais telegrafavam para Mogi Mi-rim, expondo a situação e pedindo ordens, entre nós, corria o boato de que seguiríamos para Casa Branca, a fim de envolver os inimigos, quando estes entravam em Mogi-Guaçu.

Mas não foi isso que se deu. Recebemos ordem para tomarmos posição naquela cidade e o Capitão Ramos reunindo o pessoal e acompanhado de um guia dirigiu-se em pouco para fora da cidade, entrando num estábulo mandou-nos subir um formidável e íngreme morro, ei-

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vado de pedras, que nos proporcionou inúmeros tombos.

Com enorme sacrifício, andamos quase uma hora e, quando julgamos estar no ponto propício, vimos que chegamos no lugar de onde partíramos!

O ponto não se prestava, estrategicamente falando, e o comando resolveu abandoná-lo.

Uma longa e extenuante tarefa feita inutilmente.

Voltamos para a estação e lá recebemos ordem de guarnecer a estrada de ferro, uma ponte, que ficava a dois quilômetros.

Apesar de cansados, fomos para lá e enquanto uma turma ficou de sentinela, nós fomos dormir.

Reinava grosso sereno que molhou o chão, tornando ainda mais fria a temperatura.

Estendemos os nossos cobertores e, deitando na metade, cobrimo-nos com a outra.

O cansaço era tanto que dormimos naquele leito de lama!...

Eu só acordei, quando clareou o dia, que veio acom-panhado de um sol benéfico.

Levantei com o corpo moído de cansaço e fiquei admirado de ver o meu cobertor: branco de orvalho, que chegou a atravessá-lo e umedecer a roupa.

Os pés estavam tão gelados que já não os sentia. Custou-me voltar ao estado normal.

Mandaram-nos, logo após, à estação de Mogi-Guaçu, receber ordens.

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Em caminho, percebemos que aviões inimigos cortavam os ares por sobre as nossas cabeças, fazen-do observação, pelo que deduzimos que os ditatoriais aproximam-se também com as suas forças terrestres. Na estação, recebemos ordem de regressar a Mogi-Mirim. Era mais uma cidade que deixávamos abandonada para o inimigo tomá-la, sem dar um tiro...

Em caminhões, regressamos ao local antecipada-mente destinado.

A população quando nos viu, compreendeu o que se passava e teve, talvez mais uma desilusão!...

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Na fazenda “Calunga”

Logo à nossa chegada em Mogi-Mirim tivemos uma notícia que não nos causou a mínima surpresa: a queda de Itapira, no dia anterior.

Estávamos a 1o de Setembro.

A população de Mogi Mirim abandonou a cidade em grande maioria devido ao pânico causado por muitas tropas que chegaram ali, em debandada.

Entre os meus colegas e comandantes reinava o maior desgosto com o comando do setor, o único culpado dos fracassos, tanto que os nossos oficiais deliberaram não mais cumprir as suas ordens e fazer o Batalhão Esportivo descansar em São Paulo. Foi-nos negado meios de condu-ção, de forma que se resolveu, em sinal de “protesto”(!) virmos a pé.

No mesmo dia 1o, à tarde, pusemo-nos a caminho e, depois de andarmos muitos quilômetros, veio ao nosso encontro, de Jaguari o Capitão Potiguara, do exército na-cional, pedir-nos que voltasse pois ele, recebendo ordens do Q. G. de São Paulo, acabava de assumir o comando daquele setor.

Em vista disso, regressamos, indo diretamente para o alojamento, descansar.

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No dia seguinte, 2, fomos designados para tomar posição na “Fazenda Calunga”, sita a 14 quilômetros, à esquerda de Mogi Mirim.

Obedecemos a essa ordem com o maior prazer, e, depois de passarmos um pequeno susto com dois aviões que bombardearam a cidade, chegamos ao escurecer ao nosso destino, lá passamos a noite sossegadamente, pois uma patrulha de reconhecimento localizou o inimigo a 20 quilômetros.

No dia seguinte, durante o dia passamos pela fa-zenda, moderna e digna de ser admirada.

Só o que havia de ruim, péssimo mesmo, era a co-mida que vinha de Mogi Mirim e nos era servida, já fria, às 13 horas, uma vez só por dia.

Entretanto, havia uns protegidos que tinham auto-rização para cozinhar na fazenda e passavam bem.

Resolvemos protestar e, em resultado, nos recusamos a montar sentinela à noite, como estávamos escalados.

Como conseqüência tivemos ordem de nos apresentar ao comando que depois de nos ouvir, “per capita”, conde-nou os soldados rasos a 10 dias de prisão no alojamento e os graduados, rebaixou-os. Chamou-nos de covardes, dizendo que trocávamos o ideal por um prato de comida e que só não nos mandava fuzilar porque desconhecíamos as leis militares.

Na qualidade de soldado raso, fui dormir.

Entretanto, a penalidade teve pouca duração. Logo que amanheceu o dia 4, mandou-nos chamar declarando em liberdade os soldados e reintegrando aos seus postos os graduados.

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Rendam-se!

Terminada a refeição matinal, servida desta vez em profusão, recebemos ordem de nos armar para fazer uma patrulha de reconhecimento.

Estava justificado o perdão.

O meu pelotão saiu formado da fazenda até 50 metros, quando se separou.

Comandando 8 homens saí pela direita, e, mais além, tornamo-nos a nos dividir ficando eu com apenas dois homens dispostos e resolutos.

Com a maior cautela fomos fazendo o patrulhamento, sem que encontrássemos vestígios do inimigo. Afastamo--nos uns 4 quilômetros, até encontrarmos uma outra fazenda – a “Pintadinha”– onde, colhendo informações, nada conseguimos.

Dispostos a levar boas notícias, continuamos a avan-çar e, quando já estávamos há mais de sete quilômetros da “Calunga”, fomos surpreendidos por:

– Rendam-se!

Eu fui o único a esboçar um movimento de defesa, mas num relâmpago compreendi que, ao menor movi-mento, seríamos fuzilados.

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Pagamos caro a nossa ousadia em avançar tanto.

Segundo nos contaram os nossos prendedores, em número de 6, eles, que pertenciam ao 4o R. C. D., nos tinham avistado há muito tempo, do alto de um morro. Julgando que fôssemos numerosos, mandaram buscar reforço e só desceram quando observaram que éramos somente três. Amoitaram-se, surpreendendo-nos com facilidade.

Depois de presos, fomos conduzidos ao seu Q. G. Tanto em caminho, como na chegada, fomos muito bem tratados.

Em seguida, removeram-nos em carro de passeio, para Itapira, onde ficamos na Delegacia de polícia, local onde avistamos o Major Juarez Távora. Minutos após, removeram-nos para a Cadeia, onde encontramos um companheiro de luta, aprisionado na surpresa.

Nem bem chegamos a esse local, às 17 horas do dia 4, tivemos a notícia da queda do Monte Gravin, um gran-de passo para a tomada de Mogi Mirim pelos ditatoriais.

Essa notícia foi confirmada com a chegada de cerca de 500 constitucionalistas, aprisionados em combate.

Ficamos todos na cadeia, onde passamos uma noite verdadeiramente horrível. Nós, muito sujos, dormimos aos montes, no cimento e perto do W. C. que exalava um mau cheiro intolerável. O ambiente era irrespirável e, além disso, a fome nos açoitava, pois estávamos sem comer, desde manhã. Às 23 horas, serviram-nos uma “chelpa” tão má que, apesar da fome, não me foi pos-sível comê-la.

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Na madrugada do dia 5, tal e qual os degredados da Sibéria, formamos na rua e rodeada de F. M. marchamos até a estação. Pela segunda vez, andei de madrugada pe-las ruas de Itapira, embora desta vez em situação muito diferente.

Já na estação, começamos a ser distribuídos nos numerosos carros da composição que nos deveria con-duzir. Havia carros de carga de transporte de animais, de segunda e primeira classes.

Eu, por sorte, cai em um carro de primeira.

O trem só começou a andar quando já estava bem claro o dia.

Seguíamos para o degredo.

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Uma viagem inesquecível

A péssima linha “Sul Mineira” ficou encarregada de nos castigar durante a interminável viagem.

Pouco depois da partida, passamos por Eleutério, de saudosa memória, e tivemos desolação de vê-la completa-mente saqueada e queimada. Mais além, em Sapucaí, as casas estavam perfuradas de balas e muita terra revolvida demonstrava claramente que em seu seio estavam ocultos para sempre, os restos mortais de soldados.

Aliás, os rapazes da escolta, que nos acompanharam, disseram-nos:

– Olhem o seu trabalho!

O trem devorava distância e a fome nos devorava... Finalmente, para tranquilidade de nossos estômagos, para-mos em Silviano Brandão, onde nos foi servido um frugal almoço, acompanhado de café e pão. Mais algumas estações entre elas Ouro Fino, Borda da Mata, Pouso Alegre etc. E chegamos, já noite, em Afonso Pena, onde a população nos prestou significativa homenagem, ofertando-nos em profusão doces, sanduíches, cigarros e coragem.

Essa cidade há de ocupar sempre os meus melhores

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pensamentos. Parecia que estávamos em São Paulo.

Na madrugada do dia 6, passamos por Itajubá, onde ninguém se achava na estação, talvez devido a hora...

Esqueço-me de dizer que, em Ouro Fino, foi a única cidade onde sofremos maus tratos por parte do povo que nos vaiou e disse “gracinhas” pesadas, que, aliás, sofreram respostas adequadas de nossa parte.

À tarde do dia 6, 14 horas, chegamos à Soledade, onde, à guisa de almoço, nos destinaram café com faro-fa... de carne seca.

Fizemos baldeação, pois não se podia ir por Cruzei-ro, rumando então por Caxambu, Baependy, até Bueno Brandão, onde jantamos. Ali ficamos até anoitecer e só de madrugada partimos, indo para Barra Mansa, onde fizemos baldeação, seguindo depois para Barra do Pirahy e, finalmente, Rio de Janeiro, onde chegamos no dia 7 de setembro, cerca de 12 horas.

Desembarcamos na Estação Marítima, ao contrário do que esperávamos, muito pouca gente encontramos. Desfilamos pela Av. D. Pedro, quase deserta, e fomos parar no quartel do 1o R. C. D., onde ficamos alojados.

Almoçamos e jantamos, com grande apetite, excelente comida e dormimos bem.

No dia seguinte, pela manhã, almoçamos e tomamos numerosos auto-ônibus que foram postos à nossa dispo-sição e que nos deveriam conduzir ao cais de embarque.

Às 18 horas, o último prisioneiro já se achava a bordo do Cargueiro “Vitória” que, às 20 horas, levantou

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ferros, levando-nos ao degredo. Com os prisioneiros de São Paulo juntaram-se outros também daqui; mas que foram presos anteriormente e que se achavam na Casa de Correção do Rio.

O dia nove nos veio encontrar em alto mar, em um horrível navio, que era um foguete das águas.

Avistamos logo uma Ilha que disseram ser a Ilha Grande – como de fato era e nela encostamos às 10 horas. Às 12, todos já estavam na terra firme.

Comemos um péssimo almoço que foi servido e ficamos alojados em três barracões de zinco por forro e cimento por assoalho.

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Um mês e nove dias...

Não vou descrever aqui o que foi a minha e a vida dos meus companheiros na Ilha Grande. Além de tomar muito espaço, trazer-me-ia à recordação, constantemente, fatos bem desagradáveis, que envidarei todos os meus esforços para olvidá-los.

Para que, então, gravá-los, nestas páginas.

A nossa vida lá, aliás, pouco interessante era: le-vantava-se às 6 horas, tomava-se um banho doce e, em seguida, um de mar. O café era servido às 8 e o almoço às 13. Às 19 horas, café e às 21 revista. Em seguida ia-se dormir. Nestes intervalos conta-me passagens da cam-panha, trechos de nossa vida e raramente lia-se alguma revista ou livro.

Às vezes, havia banho de mar, também à tarde. Nos primeiros dias, fomos obrigados a dormir no cimento limpo e para satisfazermos as necessidades fisiológicas era dificílimo, pois havia apenas um W. C. para 700 pessoas!... Formava-se uma fila que tinha, às vezes, mais de 100 pessoas...

Aliás, a nossa vida era formar filas.

Para tomar café, almoçar, jantar, para revista, lavar pratos, tudo era em fila.

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Pouco a pouco, a situação foi normalizando. Constru-íram mais 8 privadas, arranjaram-nos esteiras e cobertores e nós fomos ficando mais conformados. Consegui escrever para o Rio e receber roupa e dinheiro que me estavam fazendo falta, pois fui preso sem um real e apenas com a roupa do corpo. Fiquei tranquilo, pois a minha família também foi avisada.

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Poesias de Joral

Ao meuGrande amor

Único amorTerno amor

Habitat do meu coração

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Ilha Grande

Ilha Grande! Ilha Maldita!Receba em teu seio esta mocidade altivaFilha da terra heróica dos bandeirantes.- Quem Somos? De onde viemos?que lhe importa isso, terra malsinada,se vais cumprir apenas a missão desgraçadase segregar do mundo és pugilo de idealista?Nós somos PAULISTAS, da terra sagrada,onde ideias elevadas tem terreno fecundo.Altivos e fortes, nada tememos;Somos do Exército Constitucionalistas!Viemos de longe, lá das trincheirasonde o canhão, a metralha e o fuzil,escrevem, com sangue, neste momento, a maior página de história do Brasil!Nada tememos, nem mesmo a morte.Faça de nós o que bem entender;Com ideal elevado, “TUDO POR SÃO PAULO”Penaremos quedos, a nossa sorte:Sofrer por S. Paulo, não é sofrer!

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Conselhos de um soldado

Amar sem ser amadoDiz um verso popularDizima um pobre coitadoE faz a sua alma penar

E, no entanto, não se amandoTendo quem goste da gente,Pergunta-me um homem, chorando,Diz-se o que o coração sente?

Eu nada lhe quis responder,Sem consultar um soldado,Que tem muita filosofia.

Ele assim mandou dizer:O homem que tenha cuidadoPorque em mulher não se fia.

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O meu sonho dourado

O que eu mais desejo na vida Ainda não pude encontrar: Uma mulher amante e querida Que eu conseguisse amar.

O meu sonho douradoExige uma mulher assim:Corpo lindo e perfumado,Que goste muito de mim.

E que seja mui bela e bondosa,Dócil, meiga e carinhosa,Com graça que se não resista.

– Desista, amigo insensato,Você está bancando o “pato”.Mulher assim não existe...

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Perfis

Eu vou falar de um rapazQue em tudo é fenomenal,De brigar julgo-o incapaz,Por mais que lhe façam mal.

Só fala palavras sem nexo. (Mas nisso não meto a colher)Penso que ele não tem sexo;Nunca foi homem... nem é mulher

Põe o chapéu torto, na cabeçaE, por mais ridículo que pareça, Ainda tem catinga de bóde.

O meu “amigo” “Estanguinha”Além de tudo é fuinha;Tudo quer e nada pode...

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A vida

Eu vivo cabisbaixo e tristeSem ter do mundo ilusão P ra mim alegria não existeA vida é uma solidão.

Não aprecio os prazeresNem sei mesmo o que é sorrirEmbora tenha afazeresNão me preocupa o porvir.

Em volta de mim tudo é escuroEm vez de alegria só tristeza procuroÉ como se eu vivesse num alcabouço.

Com o riso não faço aliançaSou velho depois de criançaSem nunca ter sido moço.

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Ela... E mais ninguém

À ALICE, ofereço J/A

Eu fui “borboleta” esfomeadaQue beijava todas as “flôres”,Tanto a virgem perfumadaComo as que vendem amores.

Eu não escolhia coresE nem lugar de beijá-lasSó gosava os seus odores;Nunca pensei em amá-las.

Mas um dia flor mimosaMais linda do que a rosaMais suave que a violeta

Prendeu-me, com o seu amor.Então jamais quis outra flor.Deixei de ser “borboleta”...

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Ingratidão

J/A. S.P. 12-12-32

Por que me maltrata assim,Com o seu eterno receio?Não sabe que meu único anseioÉ que tenha confiança em mim?

Lembra-se daquela cartaQue lhe mostrei, com lealdade?Só lhe faltou dizer-me, com maldade:- De você eu já ando farta!

E, no entanto, eu gostariaQue você, com alegriaE fraqueza que se vê,Dissesse, com meiguice:– Ora deixe de tolice.Eu tenho confiança em você?

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Contrastes

Por teu capricho, não serás rainha!Por meu orgulho não serei senhor:Se é que entre nós o amor ainda se aninha,Anda bem disfarçado tal amor...

Quando me vez, o riso em ti definha,Mas fingis rir, prendendo o dissabor;Quando te vejo o prato me espesinha,Mas rio, rio estrangulando a dor!

E no entanto por dentro, nós choramos,Loucos que somos que nos enganamos,Aparentando indiferença, indiferença e riso!

Eis a ironia de um amor profundo:Vive! E nós o julgamos moribundo.Trocando pelo inferno o paraizo!...

Rosinha oferece à Ruth

S. Paulo, 27/1/33.

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Pontuação

Quando o homem vê pela primeira vez A mulher que lhe fala ao coraçãoSente que n’alma, a gelo e fogo, o amor...Um luminoso ponto de admiração.

Começa o amor, revolve-se na cama,Ergue castelos na imaginação;E pergunta: Meu Deus, essa mulher não me ama?É o negro ponto de interrogação.

Porém se amam, os olhos enluaradosDa mulher sonhada que o fez doenteComeça então a vida azul dos namorados,Vírgula, ponto e vírgula, ou dois pontos somente.

O arrufo então é uma garoa necessária,Pra flor se abrir, tonta de olência,E os dois brigam por ciúmes ou coisa imaginária É o período fatal das finas reticências.

Mas de tanto brigar entendem um dia,Que não precisam mais ficar de mal:E fazem a tão sonhada romaria,No mais próximo altar casam; ponto final.Rosinha Ofereceu àRuth S. Paulo, 27/1/33

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Recordação

Para o Álbum de Alsacia PiresO meu quarto de solteiroEra quieto, era triste;Não havia um riso faceiro,Não havia alegria que existeNa casa onde há a vida De u’a mulher querida...

E eu era ainda mais triste Vivendo na solidão Não tinha o amor que resiste À dor, à desilusão Meu coração não amava, Não vivia: vegetava...

Depois que a conheci,Que transformação senti,Que mudança formal.Por causa do seu riso brejeiro,O meu quarto de solteiroVirou quarto de casal...

E eu tornei-me risonho Jamais me viram tristonho. Desfrutar a sua beleza Tirava-me toda a tristeza.

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Gozando tanto prazer Mil anos quisera viver!

Hoje, o quarto onde morava,Aonde eu tanto a amavaÉ um quarto abandonado.Não há mais o riso brejeiro,O quarto não é de solteiroTambém não é de casado...

A mulher que o habitava, Maldita, me enganava. Sem dó, sem piedade e peia. E eu, esquecendo o amor, Não resisti tanta dor, No auge da cólera, matei-a!

Terminou a minha vidaCom a morte daquela pérfida;Nada mais p’ra mim existe.Só às vezes recordo ligeiroO meu quarto de solteiroQue era quieto, que era triste...

São Paulo, 2 de fevereiro de 33.

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‘Velha história’

Primeiro encontro. Uns olhares...Gentilezas... cumprimentos...Depois... profundos cismares...Incertezas... mil tormentos...

Novo encontro... risadinhas...Juras, promessas, bonança,Versos, flores e cartinhas...Amor. Ventura... esperança

Arrufos, prantos, queixumes...Briguinhas, filhas do ciúme...Desdém... caprichos... lamentos...

Mais tarde cantos e flores;Igreja... padre... esplendores...Água benta... Casamento

S. Paulo 15/7/33

RUTH.

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Desejo

Menina, menina,Da boca pintada, Da face rosadaE mão pequenina;Do corpo mimoso,Andar compassado,Jeitinho amorosoE nariz malcriado.

Menina, menina,De tez perfurmada,Da língua ferinaE coração de fada;Da beleza infinda,Dos olhos sensuaisOuvidos que aindaNão os vi iguais.

De ti o que desejo,Custe o que for,É dar-te um beijo,Um beijo de amorE ouvir-te dizerEm tom amoroso:- Oh! Quanto prazer,- Que beijo gostoso... 18-8-33

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Perfis... Bélicos

As moças desta cidadeSão Tão delicadas e gentisque para homenageá-lasDediquei-lhe estes perfis.

Noêmia – os mais lindos olhosQue existem nesta terraAssemelha-se muitíssimoCom o famoso “Pão de Guerra”.

Cidinha – o terror da cidadeCom o seu gênio gosadoFaz-nos lembrar sem quererO temível “Trem Blindado”.

O. Loureiro é quase louraTem porte altivo e garbosoSua beleza nos recorda“O Canhão Misterioso”.

Hortência – flor dos camposTem de mais belo a risadaDá-nos uma Idea bem clara Da “Metralhadora Pesada”.

Lygia é perigosaMas alegre e juvenil

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Quando estraga os namoriscoÉ uma “Bala de Fusil”.

Maria Júlia – a professoraNesse seu cargo tão altoPasseando no Bom SucessoParece um “Carro de Assalto”.

R. Loureiro é bonitaMas assim mesmo eu passo Na defesa da “inocência”É o “Capacete de Aço”.

Lucianda é orgulhosaNão liga mesmo para nadaQuando passa toda erectaDá uma Idea de “Granada”.

R. Marconde – a belaCom o seu olhar temível Recorda-nos perfeitamenteA “Trincheira Intransponível”. Agora turma do amorQue já está revolucionadaAntes que Chova bala Vou bater em “Retirada”.

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Perfis

Os meus colegas do bancoSão tão delicados e gentisQue eu querendo homenageá-losDediquei-lhes estes perfis.

ICarioca, velho de guerra,Não é muito feito, nãoDevido à sua cara de boboChamam-no: Bebê chorão.

IIMario Guida, o sacristão.É mais que um distinto moçoO peso total do seu corpoÉ o peso da pele e osso...

IIIO Nelson, quando tem serviço,Tem “cara” de fim de mêsDa sua inteligência direi:É filho de português.

IVFaces rechonchudasEspelhando faceirice

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Gorda como o Chico BoiaO seu nome? – D. Alice!

VLinda como ninguémOrgulhosa até demaisO fingimento em pessoa– D. Alzira Carvalhais.

VISimond, bela mulher,Ágil qual molaOs meus colegas, malvados,Apelidaram-na: vitrola.

VIIA Frida não quer conversaÉ bonita e... perigosaMuito namoradeira;Mais que isso: venenosa.

VIIIDeus quando fez a CorinaJuntou o sal e a pimenta.Ela salga e queima o CariocaPois é muito ciumenta.

IXBaixinho, muito mirradoAndar compassado de pata

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Senhor Antuvio Mascarenhas Legítimo cabeça chata!

XNada lhe é originalNem mesmo a cor do medo..De um soldado faz um exército– É o medroso Toledo.

XIGorda em demasiaPetulante é a GuerdaDemora com as liquidaçõesPor isso a chamo de lerda.

XIIA Carla é muito feiaNão tem muitos defeitos, não Apenas é demasiado vermelha,Vermelha como um camarão.

XIIIO Maurício não tem defeitosDelicado como poucosMas não arranja pequenas Pois as trata a socos.

XIVO homem é o mesmo que pólvoraE louco por uma folia

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Por isso não pode encostarNo fogo que é a Lucília.

XVEu tenho pouco valorSe é que algo eu valhoNada digo de D. GertrudesQue está fora do baralho.

XVIAlto como um carvalhoTriste como um urubuAraujo ganhou o vulgoDe chamar-se jaburu.

XVIIO Francisco é caipiraVeio lá de CariobaTudo que é dele não prestaCom exceção da...

XVIIIParanaense da gemaPaulista de coraçãoO Tomas diz que é austríaco,Decendente de alemão.

XIXÉ mais que um tipo esquesitoQue não pode alcançar o Céu

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O Shmiglof é um gosadoE mais gosado o seu chapéu.

XXArrota-se conquistadorMas tudo não passa de petaDiz que “cavou”uma louraToda pintada de preta!

XXIDizem que ele não almoçaE para economizar nem comePor isso apelidaram-noLegítimo “unha de fome”.

XXIIAmolante como ele sóMagro como um barbanteO Willy ganhou a famaDe ser enjoado como purgante.

XXIIIO Cabelo encarapinhado do MendesNas moças causa desmaioEsteve preso mas foi libertadoNo dia treze de Maio.

XXIVMagra, muito magrinhaParece que dorme em esteira

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A Elza, quando criançaJurou morrer solteira.

XXVCamarada pirata está aliP ra não casa com estrangeiraPreferiu muito dinheiroCasando com uma fazendeira.

XXVIEste é um legítimo esponjaNão se importando com o odorO Calzia só toma pingaQuando faz frio... ou calor.

XXVIIRoupa bem ajustadaCabelo bem penteadinhoO Alexandre é rapaz sérioMas parece um golfinho.

XVIIIO Amaral é embrulhãoNa hora do aperto ele sai.Afirma que é brasileiroMas nasceu em Shangai...

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A resposta do coração

Desde que te conheciJamais te pude esquecerNão calculas quanto sofriSó por te conhecer.

Entretanto, ainda não seiSe gosto de ti ou não.As horas que pensando passeiNão decifraram meu coração.

Afirmo, porém, sem receios,Que eu não te quero amar.Meu peito vive em anseios,com meu coração a penar.

Eu o consolo, dizendoOlhe o Rei dos Astros viverMas a tarde vem descendo,E ele concorda em morrer.

O sol sendo astro e forteDesce mesmo estando à pino.Console-se, pois com a sortee aguarde a voz do destino.

O meu coração respondeu;com voz maravilhosaO sol nunca sofreuAmor de moça formosa.

Joral

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Engano

Ela, linda! está ao meu lado,Perfurmada, alegre, sorridente.E eu, com o braço ao meu dadoNão estou menos contente....

Quem nos vir assim juntinhos,Comentará com maldade:- Olhem aqueles dois pombinhosComo se amam de verdade!

Mas, a aparência é falsaPorque a nossa “pose” é farsa;A todos eu já desengano.

Não julguem esse cálculo doutoPois Ela está pensando no “outro”E eu... na mulher que amo...

J. A.

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Vozes do outro mundo

Para ser pregado na minha sepultura.José Amaral

Pare um pouco, visitante solitário,Ante esta mármore silenciosa e friaOuça, por favor, o meu rosárioDe tristezas, de amargura e alegria.

Eu fui, como você, um ser vivente. Passei pelo mundo como tudo passa. Vivi, gosei, sofri e, naturalmente Conheci de perto tudo que é desgraça.

Em pequeno, fui cercado de carinhoDe mimos e conselhos, por meus paisEra, para eles, tão querido e bonitinhoInteligente como eu ninguém mais....

Depois eu cresci. Deixei de ser menino Fiquei moço e tive muitas amizades. Entrei para a escola, onde além do ensino Cathedrático, aprendi muitas verdades.

Fiquei conhecendo os homens e a vidaAs podridões e as misérias deste mundoAtrás de cada amigo vi uma perfídia E em cada gesto um desejo imundo.

Depois eu amei, pensando na felicidade– Era uma mulher que me fingia amar

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E que depois de muita falsidadeDeixou-me no mundo sozinho a penar.

Sofrendo esse golpe tão rude e cruelFiquei sem forças para outra messe.E, já acostumado, traguei todo o felDa vida inglória, feita só de interesse.

Depois de tanto penar, eu morri...(Não pode ser? Acredite se quiser...)E aqui estou, melhor do que viviLonge das falsidades da mulher.

Não se vá ainda, solitário visitante,Escute mais. Só por um instante.Minha opinião sem beleza.Sob esta lousa friaAonde não entra alegriaTambém não entra tristeza.

Na vida há muita belezaMas há muito mais tristezaQue despedaça um coração.Sob esta lousa friaNão há nada, nem alegriaNem amargura: Há solidão!

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* * *

Falecimentos

Após insidiosa moléstia que zombou de todos os recursos da ciência moderna, faleceu na madrugada de hoje o jovem José do Amaral Palmeira

Era ele natural de Jacarehy Estado de São Paulo e contava 19 anos de idade, sendo filho de Zeno do Amaral Palmeira e Rosaura do Amaral Palmeira.

O finado deixa os seguintes irmãos Gerusia, casada com Leônidas Sabrini; Marieta, casada com o Sr. Oswaldo Messina; Dulce, Paulo, Cícero e Leuripe.

O seu passamento causou profunda consternação nesta Capital onde o finado possuía largo círculo de amizades, conquistadas graças à sua bondade e grandes dotes morais.

Cavalheiro distinto, conquistou lugar de destaque na nossa alta sociedade, onde, com sua morte, abre-se uma lacuna difícil, impossível mesmo de ser preenchida.

Dotado de inteligência, rara inteligência, com raro brilho cursou o Ginásio do Estado e a Escola de Comércio “Álvares Penteado” e, atualmente, era alto funcionário do Banco Germânico e Redator Esportivo do “Correio de São Paulo”.

Muito relacionado nos meios esportivos desta capital, ocupou cargos importantes em diversos clubes, onde a sua atividade era disputada.

Logo que circulou a infausta notícia do seu passa-mento, o Banco Germânico encerrou o seu expediente e

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nomeou uma comissão para presenteá-lo nos seus fune-rais, deliberou depositar uma coroa de flores sobre seu ataúde. O “Correio de São Paulo” circulará tarjado de luto, prestando assim uma homenagem ao seu auxiliar. Também far-se-á representar nos funerais.

À família enlutada, que tem recebido manifestações de pesar, em grande número, por cartas, cartões e tele-gramas, os nossos sentidos pêsames.

O féretro sairá da rua Vergueiro 189, para o cemi-tério da Consolação.

Sepultamentos

Com grande acompanhamento, realizou-se ontem o enterro do jovem José do Amaral Palmeira.

O carro fúnebre foi acompanhado da rua Vergueiro até o cemitério da Consolação por inúmeras pessoas, entre as quais destacamos uma comissão do Banco Germânico, uma do Correio de São Paulo, representantes de muitos clubes esportivos desta Capital e grande número de pa-rentes e amigos do finado. À beira da sepultura, falou o dr. Enzo Silveira, que terminou com as seguintes pala-vras: “Amaral. A tua bondade e teu magnânimo coração, que formavam de ti um cavalheiro distinto, faziam-nos crer que este miserável mundo, cheio de baixezas, não era digno de tê-lo entre os vivos, vai para o céu, o reino da moral e da pureza, que é o teu verdadeiro ambiente.

Adeus, Amaral, Adeus!”

Outros oradores ainda se fizeram ouvir, exaltando as qualidades – que eram inúmeras no finado.

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Sobre o ataúde, dentre muitas outras, destacamos coroas.

“Ao Amaral, últimas homenagens do Banco Germâ-nico”, “Ao Sr. Amaral, saudades do diretor e procuradores do Banco Germânico”. “Ao saudoso e querido Amaral, Saudades – Correio de São Paulo”, “Ao nosso inovidável filho, seus pais”, “Ao querido José, seus manos e cunha-dos”, “Ao Zezinho querido, o último beijo de tua noiva” e muitas e muitas outras.

A família enlutada agradece por nosso intermédio aos que, por qualquer modo, manifestaram o seu pesar e convida os parentes e demais para a missa de sétimo dia que farão celebrar na próxima sexta feira, às 9 horas, na Igreja de Santo Agostinho.

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Em poucas palavras: a trajetória de José Amaral Palmeira

Eu não fui herói.Fiz apenas o que estava ao alcance de minhas forças,

animado pelo meu grande desejo de servir São Paulo.

José Amaral Palmeira

A Revolução de 1932 causou o envolvimento de uma parcela significativa da população paulista. Muitos autores já se debruçaram sobre o tema, promovendo estudos e reflexões sobre a importância e o impacto do movimento para a construção da nação brasileira. Contudo, olhar o passado pressupõe também saber recorrer a fontes de tipo variado, tendo consciência de que cada documento permite uma possível avaliação do fato.

Apresentamos aqui o diário inédito de um jovem combatente, José Amaral Palmeira, conhecido também por Joral. Escrito depois dos confrontos, o texto permite captar o olhar de um idealista que, a partir de sua po-sição como voluntário, viveu e registrou a revolução e refletiu sobre ela.

Como Paul Ricoeur destacou, nos seus estudos, a memória é uma fonte da história. Segundo esse histo-

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riador, o imaginário possui armadilhas para a memória, mas a busca da verdade se faz presente no olhar sobre a coisa passada. Ao elaborar o seu diário, Joral procurou buscar a verdade específica da sua memória. Resgatá-la era reconhecer-se, e o esforço da lembrança era uma busca consciente da verdade. Era permitir a si próprio sentir e rever como algo se passou, ou algo aconteceu. Ele fora agente e paciente de diversas ações, e o seu testemunho, sem dúvida, era de um privilegiado. Apesar de a memória ter um alto teor de subjetividade, é um dos caminhos entre o presente e o passado. Joral preocupou-se em deixar o seu contributo, percorrendo a sua memória, mesmo que algumas passagens possam ser questionadas.2

O diário, até há pouco desconhecido, tem muito a comunicar como texto memorialístico. Ele permite repensar a Revolução de 1932 e fazer novas relações, mostrando as diferentes interações entre o movimento bélico e suas múltiplas dimensões. Podemos colocar em questão a parcialidade da narrativa feita por Joral que, na realidade, apenas materializa uma visão particular dos fatos.

O ânimo dos paulistas fez que a bravura e o civis-mo despontassem a cada passo do conflito armado. As incertezas eram muitas e os riscos, os maiores. Porém, não se temia o amanhã, pois a causa de São Paulo era sagrada, sendo preciso enfrentar as adversidades e mos-trar a capacidade e o valor moral e espiritual do povo paulista. O idealismo movia a todos em torno da questão da constitucionalidade. Um verdadeiro frenesi envolvia

2 RICOEUR, P. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007, p. 40.

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toda a sociedade paulista. A questão conquistou apreço de outras regiões do país que estavam inconformadas com os desmandos do governo ditatorial.

Este trabalho visa compreender melhor o desenrolar da Revolução de 1932, a partir do olhar do jovem Joral, confrontando-o com os fatos fixados por outros tipos de documentos e pela memória sobre o movimento. Em es-pecial, será destacada a atuação da Associação Comercial de São Paulo, força motriz das ações táticas de retaguarda do movimento revolucionário.

No registro, são apresentadas as memórias do coti-diano da guerra. Rememorações que foram reelaboradas para serem compartilhadas com um público, que entende-ria de forma mais próxima as angústias vividas por um jovem participante de batalhas do confronto. Alguns fatos marcantes ficariam na memória, outros, como ele próprio dizia, preferia esquecê-los. O texto, na sua construção fragmentada, permite delinear como os movimentos da guerra foram sentidos por um idealista que trabalhou no Banco Germânico, em São Paulo, e que atuou também como jornalista esportista para periódicos paulistas.

O diário de Joral apresenta uma redação simples e uma lógica específica: a de mostrar como um indivíduo vivenciou os acontecimentos políticos, como cidadão e combatente. Sem grandes pretensões, o texto foi redigido num caderno de 80 folhas adquirido na Papelaria Garcia, que possuía duas lojas, uma na Rua Anhangabaú, 57, e outra na Praça do Correio, 22.

José Amaral Pereira revela ser um jovem repleto de dúvidas, vivendo entre dilemas pessoais e conflitos da guerra. Ele possuía domínio da cultura letrada, de nível

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médio, o que lhe permitiu atuar na imprensa esportiva da época. Joral fez uma breve reflexão desde a sua entrada no Batalhão Esportivo até a sua prisão. O diário teve como objetivo fixar a memória dos fatos que envolveram seu cotidiano e dos seus amigos combatentes. Selecionou os momentos mais significativos da partida àqueles do confronto na região de Eleutério, Itapira e Mogi Mirim, num fluxo contínuo, sendo possível compreender como os soldados enfrentaram o front e os problemas de uma revolução marcada pela falta de suprimentos e armamen-tos. A experiência de luta e a perseverança são constan-temente mencionadas no texto, como também a falta de recursos para as tropas, as indecisões dos comandantes, e as deserções e traições, as mortes, as apreensões e as desilusões. Afinal, a derrota se impôs aos paulistas.

Pelo registro, é possível perceber o sofrimento dos combatentes e o idealismo que marcaram o movimento, vivenciado por muitas famílias. A incerteza, a insegurança e o medo não foram ocultados. A revolução havia alterado a rotina da população, trazendo transtornos emocionais, mostrando que nem todos tiveram a compreensão da necessidade de combate pelo ideal constitucionalista.

As dificuldades materiais são mencionadas em di-ferentes momentos do relato. Faltavam alimentos, e as refeições eram insuficientes ou de péssima qualidade. De forma idêntica, faltava munição e equipamentos para enfrentarem as tropas ditatoriais. A coragem dos com-batentes mereceu contínuo destaque, como também as críticas às ações desencontradas dos comandantes e aos diferentes casos de traição observados.

José Amaral, nas primeiras páginas do seu regis-

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tro, revelou as dificuldades que enfrentou em aderir ao movimento. A família e a namorada eram contrárias ao seu alistamento como voluntário. O relato mescla senti-mentalismo e frieza, buscando registrar de forma isenta os acontecimentos. A solidariedade, a solidão, e os mo-mentos de reflexão sobre a vida e a morte, caminharam nas linhas do seu diário.

O registro permite de forma sintética apreender o cotidiano de parte do Batalhão Esportivo, mostrando a complexa teia que condicionava a estratégia da guerra. O movimento das tropas, a defesa nos campos de bata-lhas, as perdas de território e as fugas, foram descritas com detalhes. O final da sua aventura como soldado constitucionalista se deu quando os soldados ditatoriais impuseram: “Rendam-se!” Não havia mais saída, apesar de um leve esboço de resistência. Restava apenas capitular e aguardar o que o inimigo determinaria como punição.

Na última parte do seu diário, Joral registrou o período de pouco mais de um mês em que ficou detido na Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Deste momento, res-saltava aos leitores do diário, que não desejava entrar em pormenores sobre o que havia passado junto com os seus companheiros. Apenas registrava a rotina monóto-na a que ficaram submetidos os prisioneiros. A luta e a coragem ficaram no passado. Restava agora a desilusão. A indagação que se apresentava era: qual seria o desfe-cho que o governo ditatorial daria aos revoltosos? Com certeza, a mente de José Amaral Palmeira estava repleta de dúvidas, incertezas e esperanças a respeito do futuro.

Posto em liberdade, o jovem romântico e idealista não teria uma vida longa. No final de 1933, a impren-

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sa paulista noticiava com pesar o passamento de Joral, filho de Zeno de Amaral Almeida e Rosaura Chagas Palmeira. Joral nascera em Jacareí e tivera vários irmãos e irmãs: Genesi do Amaral Sabrini, Marietta do Amaral Messina, Paulo, Cícero, Dulce e Leuripe Amaral. Pelas notas publicadas, em diferentes jornais, é possível inferir o reconhecimento ao trabalho do jornalista e bancário, que tinha conquistado notoriedade. Trabalhava, antes de morrer, na Empresa Jornalística de Informações Gerais e no Banco Germânico. O enterro do jovem ocorreu em 29 de dezembro de 1933, no cemitério da Quarta Parada (Cemitério do Brás). Posteriormente, os seus restos mortais seriam transladados para o obelisco do Ibirapuera, onde permanecem até hoje.

Apesar da curta existência temporal, Joral foi ousado em tentar fixar e passar a limpo a sua vivência. A sua verdade.

* * *

Joral e a Revolução de 1932: o princípio de um fim...

No decorrer do segundo semestre de 1931 e até fevereiro de 1932, Getúlio Vargas não se empenhou em promulgar uma nova Constituição para o Brasil, um dos compromissos assumidos com o processo da Revolução de 1930. Os paulistas estavam unidos contra o que conside-ravam as arbitrariedades do governo federal. Nunca na história do país a união foi tão necessária para salvaguardar os interesses econômicos da coletividade, entre os quais avulta o do restabelecimento da ordem legal do país.3

3 In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 8.

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No Diário Popular, de 2 de fevereiro de 1932, foi publicada a entrevista com o recém eleito Presidente da Associação Comercial de São Paulo – ACSP, Carlos de Souza Nazareth. Este afirmava que duas questões eram importantes: a organização econômica do país e a volta ao regime constituinte. Estava convencido de que a auto-nomia de São Paulo só poderia ser conquistada por esta via. Pois, a ausência de uma constituição tinha acarreta-do graves agitações, afetando intensamente os interesses morais e materiais da nação. As classes empreendedoras e produtivas necessitavam urgentemente de paz, e de tranquilidade, para trabalharem e garantirem o bem estar, a grandeza e a prosperidade do Brasil.

No dia 18 de fevereiro foi publicado no jornal O Es-tado de São Paulo um novo convite ao povo paulista para participar do Comício da Liga Paulista Pró-Constituinte, sendo assinado por outras associações da capital e pelos jornais O Estado de São Paulo, Diário Nacional, Diários Associados, Folha da Manhã, Folha da Noite, A Gazeta e Diário Popular. No dia seguinte, o jornal O Estado de São Paulo publicou o trecho de uma nota publicada no dia anterior no jornal A Noite, do Rio de Janeiro. A matéria do jornal carioca afirmava que o problema que estava acontecendo em São Paulo, no que dizia respeito à nomea-ção do interventor, era mais amplo, pois as forças mais expressivas de São Paulo só apoiariam o interventor se ele se dispusesse a trabalhar para “o regresso imediato do país ao regime constitucional”.4 Fazendo menção ao comunicado publicado em São Paulo, o periódico carioca salientava que havia a assinatura de dezessete associações

4 O Estado de São Paulo, 19 de fevereiro de 1932.

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que davam seu apoio irrestrito à causa constitucionalista. Registrava também que os paulistas, há algumas semanas, não pagavam os impostos federais e estaduais, “como protesto contra a falta de solução do problema político”.5 Este movimento, segundo A Noite, ameaçava espalhar-se por todo o Estado de São Paulo: “Que fazer contra essa determinação? Impostos não se cobram à força”. Era pre-ciso tomar ações para solucionar a situação. O reclamo dos paulistas era considerado justo, uma vez que não tiveram a possibilidade de participar da decisão para definir o interventor que atuaria em São Paulo.6

A imprensa deu ampla cobertura ao assunto, publi-cando os telegramas que a ACSP recebeu, confirmando a conquista de novas adesões ao movimento. A Bolsa de Mercadorias de São Paulo registrava o seu apoio incondicio-nal à frente única paulista e aderindo à “bela iniciativa da Associação Comercial de São Paulo, autorizando a por seu nome entre os subscritores do manifesto”.7 A causa, rapida-mente, ganhou novos adeptos, e com euforia foi abraçada.

No dia 24 de fevereiro, no jornal O Estado de São Paulo, era comunicado à população que o comércio da cidade encerraria o seu expediente às 16 horas, a fim de que patrões e auxiliares pudessem “comparecer à reunião cívica em prol da constitucionalização do país”. Os bancos, também aderindo à manifestação, tiveram o expediente encerrado ao meio-dia, como normalmente acontecia aos sábados.8 O Comício Pró-Constituinte reuniu milhares de

5 O Estado de São Paulo, 19 de fevereiro de 1932.6 O Estado de São Paulo, 19 de fevereiro de 1932.7 O Estado de São Paulo, 21 de fevereiro de 1932.8 O Estado de São Paulo, 24 de fevereiro de 1932.

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pessoas na escadaria da Catedral da Sé que estava sendo construída. O evento contou com a participação de pessoas de todos os setores da sociedade, vindas de diferentes partes do Estado de São Paulo. O comércio fechou as portas, os bancos paralisaram as atividades e uma mul-tidão parou para ouvir os oradores que representavam as classes sociais. As faixas erguidas no evento davam o tom da indignação: “São Paulo unido exige a Constituin-te”, “São Paulo para os Paulistas”, “O explendor de São Paulo dependente dos Paulistas”, “Constituição e Justiça” e “Hoje como no passado Paulistas avante”, e outros.9

A onda de insatisfação fez que o operariado exter-nasse a sua insatisfação, e greves aconteceram. A crise econômica que pairava sobre a sociedade era o combustível que alimentava os insatisfeitos. O momento era delicado e faltou habilidade política para contornar as divergências, bem como predisposição para resolver a questão. Havia correntes que apoiavam o governo, contrárias à elaboração de uma nova carta constitucional. A tensão aumentou quando em 3 de março foi assinado um documento pelos tenentes do Clube 3 de outubro, que haviam participado da Revolução de 1930, dando apoio à ditadura.

A nomeação, em março, do interventor paulista Pedro Manuel de Toledo, não acalmou os ânimos, apesar de agradar diferentes segmentos da sociedade. Ele era paulista e atuara com deputado e ministro, tendo sido representante do Brasil, na Itália, Espanha e Argenti-na. Ao ser nomeado interventor, contava com 74 anos. Getúlio Vargas identificara na pessoa de Pedro de Toledo

9 In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 11.

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a possibilidade de atender aos reclamos dos paulistas, sem perder o controle sobre o governo do principal Estado da federação. Faltava autonomia ao Estado para governar e, cada vez mais, ficava evidente que um conflito estava na iminência de acontecer. O envio de Osvaldo Aranha a São Paulo, como representante do governo federal, e a sua atuação para interferir na constituição do novo secretariado, gerou mais insatisfação. A população irada saiu às ruas, lutando pelos seus direitos.

Carlos de Souza Nazareth concedeu entrevista ao jornal A Gazeta, que publicou em 11 de março, a posição da ACSP sobre o momento político, alertando para o fato de que a entidade deveria ficar afastada das disputas partidárias, pois a questão da autonomia do Estado de São Paulo era a mais importante.10 Era preciso o “pronto retorno ao regime constitucional e a próxima restauração da autonomia estadual”, motivo que levara à constituição da Frente Única, considerada “união sagrada de todos os paulistas”. Ressaltava que cerca de uma centena de asso-ciações havia aderido ao projeto da constitucionalização e que a ACSP atuou de forma a promover o entendi-mento para uma ação conjunta. O papel da entidade era o de ter uma “ação moderadora e conciliadora”, agindo de maneira que fosse um elemento de equilíbrio. Conjecturava que, se a entidade, formasse eventualmente um partido, não traria qualquer benefício à sociedade, mas “prejuízos para os interesses gerais”. De forma en-fática, dizia “nossas opiniões deveriam ser respeitadas e não suspeitadas, visto que na resolução de todos os problemas que nos dizem respeito, temos em vista o bem

10 A Gazeta, 11 de março de 1932.

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geral”.11 Aos seus olhos parecia contraproducente gerar descompassos entre as forças econômicas e políticas do país, “com prejuízo para ambas”. Acima de tudo, estava o dever cívico, que cada membro da entidade deveria abraçar, de forma que todos pudessem ter “governos verdadeiramente representativos da opinião pública”.12

Júlio de Mesquita Filho, Cesário Coimbra, Ataliba Leonel, Coriolano de Góis e outros políticos passaram a realizar mobilizações para a eventual luta armada, fazendo negociações com outros estados para aderirem à causa da constitucionalidade.13

É nesse contexto que a ACSP se apresentou como defensora do ideal dos paulistas. A falta de autonomia dos Estados era um dos pontos centrais da reivindicação dos paulistas, que se sentiam tolhidos de expressão e ação. Em 19 de maio, foi enviado telegrama a Getúlio Vargas, assinado pelo presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth, pedindo atenção para a grave situação em que se encontrava o Estado, frente à crise da admi-nistração que se prolongava. Solicitava que fosse dado ao interventor Pedro de Toledo as autorizações necessárias para encaminhar as soluções no que dizia respeito à no-meação do secretariado.14 O documento foi encabeçado pela presidência da ACSP, contando com corroboração da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, da Sociedade Rural Brasileira, da Associação de Bancos de São Paulo, da Associação Comercial de Varejistas, da Liga

11 A Gazeta, 11 de março de 1932.12 A Gazeta, 11 de março de 1932.13 O Estado de São Paulo, edições de 15 de março e de 15 de abril de 1932.14 O Estado de São Paulo, 20 de maio de 1932.

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do Comércio e Indústria de Louças e Ferragens, do Centro de Comércio e Indústria de Madeiras de São Paulo, do Centro dos Comerciantes Atacadistas, da Liga de Defesa do Comércio e da Indústria, do Sindicato Patronal das Indústrias Têxteis do Estado de São Paulo, da Associação de Comerciantes e Industriais Gráficos, da Associação dos Torradores de Café de São Paulo, da Associação dos Proprietários de Padarias de São Paulo, do Convê-nio de Armazéns Gerais de São Paulo, da Associação dos Usineiros Paulistas, do Centro do Comércio de São Paulo, da Associação dos Proprietários de São Paulo, da Federação Paulista de Criadores Bovinos, da Associação dos Industriais Metalúrgicos, do Centro das Indústrias de Malharia de São Paulo, da Associação dos Proprietários de Farmácias, da Associação dos Alfaiates de São Paulo e da Associação dos Representantes Comerciais.15

Getúlio Vargas respondeu no dia seguinte, dando ciência do teor do telegrama, ressaltando que o proble-ma seria resolvido naquela semana, e que ele solicitaria a Pedro de Toledo que ouvisse os “representantes do comércio, indústria e lavoura de São Paulo”.16 Em 21 de maio, novo telegrama assinado por Carlos de Souza Na-zareth foi despachado para Getúlio Vargas, ressaltando que o interventor Pedro de Toledo, identificado com os interesses de São Paulo, contava com o apoio não só do comércio, indústria e lavoura, “mas de todas as demais classes sociais e correntes de opinião deste Estado, que anseiam por ver organizado um governo local estável e restabelecida a tranqüilidade pública”. Reforçava que de-

15 O Estado de São Paulo, 20 de maio de 1932.16 O Estado de São Paulo, 21 de maio de 1932.

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sejavam que a questão fosse solucionada naquela semana.17

No dia 23 de maio, a ACSP recebeu um telegrama de Getúlio Vargas que dava conta de que o ministro Os-waldo Aranha seguia para São Paulo a fim de agir para resolver os problemas que afetavam o Estado, levando instruções “para agir conforme meu despacho anterior, devendo as associações de que sois digno representante prestar-lhe todo auxílio e colaboração”.18 Nesse momento, novas reuniões foram realizadas com os membros que representavam as diferentes associações, sendo definidas ações estratégicas, como: envio de telegrama a Getúlio Vargas, chefe do governo provisório, exigindo solução para a crise paulista, e a realização de um protesto pú-blico contra a situação em que se encontrava o Estado, rompendo de forma pública com o governo provisório. A definição era pela paralisação das atividades comerciais, a partir das 14 horas, daquele dia. Não era mais aceitável a forma que estava sendo tratada a questão.

No Boletim da ACSP, foi publicado comunicado da diretoria dirigido ao comércio, com o seguinte teor:

Exprimindo os sentimentos gerais de protesto contra protelações infindáveis da solução do premente caso de São Paulo, a Associação Comercial de São Paulo convida o comércio a fechar as suas portas e a suspender as suas transações durante 24 horas, a partir das 2 horas da tarde de hoje, se até esse momento não tiverem sido satisfeitas as legítimas aspirações do povo paulista.19

17 O Estado de São Paulo, 22 de maio de 1932. Ver também: Digesto Econômico, julho 2003, p. 12.

18 O Estado de São Paulo, 25 de maio de 1932.19 In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 12.

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A indignação permeava todos os segmentos da so-ciedade que procurou externar a sua insatisfação, mais uma vez, em praça pública, principalmente os estudantes paulistas. Grupos se articularam para fazer valer o direito de liberdade estadual, realizando passeatas e comícios contra o governo de Getúlio Vargas, vindo a invadir a sede da “Legião Revolucionária”, organização favorá-vel ao governo federal, localizada na proximidade da Praça da República. Nesse episódio, ocorrido em 23 de maio, a população foi recebida à bala pelos membros da “Legião Revolucionária”. A confusão se instalou pelas ruas do centro, e as reações foram imediatas. Quatro jovens invasores foram assassinados: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Draúsio Marcondes de Souza e Antônio Camargo de Andrade. Outro estudante, chamado Orlando de Oliveira Alvarenga, foi ferido e faleceria meses depois.

As mortes aqueceram os ânimos. A indignação aumen-tava, e o tom dos discursos se tornou mais ácido. O brio da gente paulista tinha sido ofendido. Hinos eram cantados pelas ruas, exaltando a dignidade paulista. Reclamava-se a autonomia do Estado e apontava-se para as ações ditatoriais.

No dia 24 de maio, foi constituída uma organização civil que teve como mentores Aureliano Leite, Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, Paulo Nogueira, Prudente de Moraes Neto e Carlos de Souza Nazareth, entre outros jovens acadêmicos de Direito, de Engenharia e de Me-dicina, que foi designada pelo acrônimo M.M.D.C., em homenagem aos jovens idealistas assassinados. Naquele mesmo dia, anunciava-se o “vibrante de enthusiasmo” do povo paulista, a fim de serem satisfeitas as suas aspi-rações, bem como a nomeação de um novo secretariado de governo, o que foi comunicado a Getúlio Vargas, que

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não houvera se manifestado sobre o assunto.20

Em meio à situação explosiva, os principais chefes procuravam o apoio de lideranças de outras unidades da federação, enquanto o governo ditatorial empreendia suas manobras para acabar com os intentos de articulação dos exaltados. Na mesma ocasião, muitas entidades oficiali-zaram, por meio dos seus presidentes ou representantes legais, o apoio ao governo de Pedro de Toledo, demons-trando seu prestígio.21

Em 16 de junho, Pedro de Toledo e seu secretariado foram recepcionados pela ACSP, revelando com isso que se buscava estabelecer uma via de conciliação, que, no entanto, estava longe de ser efetivada. Dois dias depois, o presidente de ACSP, Carlos de Souza Nazareth, foi ho-menageado no Clube Paulista, momento que serviu para mostrar a união da força da Liga Paulista Pró-Constituinte, Associações de Classe, Centros e Grêmios Acadêmicos. Os discursos proferidos na ocasião destacaram o valor da contribuição da ACSP na defesa do civismo. Era louva-da a atuação da entidade nas manifestações coletivas de ordem política, bem como era destacado o valor notável do espírito de sacrifício. O homenageado, reafirmando os laços de solidariedade que a entidade possuía com as classes sociais que viviam em São Paulo, destacou que a trajetória dos paulistas tinha sido gloriosa, marcada por lutas e perseverança, o que fazia do Estado de São Paulo uma potência que não podia esmorecer frente às imposições injustas que tinha que suportar.

Os últimos dias do mês de junho já apontavam para

20 A Platea, 24 de maio de 1932.21 O Estado de São Paulo, 31 de maio de 1932.

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o fato de que a revolução era iminente e inevitável. Em 7 de julho ocorreu a gota d’água que deflagraria a revolu-ção. O general Bertholdo Klinger, incumbido de comandar uma das tropas paulistas revoltosas, foi demitido pelo governo provisório do comando da Circunscrição Militar de Mato Grosso.22 A demissão não teria ocorrido única e exclusivamente pelo seu envolvimento com o possível movimento, mas principalmente pelas suas duras críticas à nomeação de Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso para o cargo de Ministro do Exército. Bertholdo Klinger era um respeitado militar gaúcho, que se aliara à causa, prometendo arregimentar seis mil homens, situação que não se consolidaria como planejada. Atuou no comando das tropas mesmo com ausência de apoio.23 O desenrolar dos acontecimentos fez com que o rompimento da revo-lução fosse antecipado, uma vez que se previa o início do movimento para a segunda metade de julho.24

Em 9 de julho, teve início o movimento armado com o intuito de derrubar o governo provisório e estabelecer uma nova Constituição. Os paulistas imaginavam contar com o apoio de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, o que acabou não acontecendo, nem tampouco a operação foi simples e rápida como se imaginara. As tropas da 2a Região Militar e da Força Pública, sob o comando de Isidoro Dias Lopes e Euclides Figueiredo, deram início às manobras estratégicas em São Paulo. No seio dos oficiais

22 MATTOS, Carlos de Meira. “Por que São Paulo foi derrotado?” In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 33. Ver: Correio da Noroeste, 6 de julho de 1932.

23 LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de escrever e a política. São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 25.

24 MATTOS, Carlos de Meira. “Por que São Paulo foi derrotado?” In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 33.

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militares, o projeto de Isidoro Dias Lopes foi bem aco-lhido, principalmente por causa das ações arbitrárias de Getúlio Vargas em não respeitar as ordens hierárquicas. Na noite daquele dia, o interventor Pedro de Toledo foi surpreendido com uma reunião do seu secretariado, sem que ele a tivesse convocado. Era a comunicação da luta armada contra o governo ditatorial de Getúlio Vargas. A pressão dos paulistas sobre o interventor fez que este aderisse à causa revolucionária, passando a conduzir o processo de rompimento e confronto com o governo federal. No mesmo dia, Pedro de Toledo foi aclamado governador de São Paulo. No dia dez de julho, Carlos de Souza Nazareth participou do movimento de aclamação do governador no Palácio dos Campos Elíseos, com a presença de milhares de pessoas. A euforia tomava conta da população que abraçou a causa paulista e passou a ser protagonista da revolução.

A adesão de membros importantes da sociedade foi imediata, como Armando de Salles Oliveira, Júlio Mesquita Filho, Ibrahim de Almeida Nobre, Francisco Morato, Antônio de Pádua Sales, Bertholdo Klinger, Eu-clides Figueiredo, entre outros. Pedro de Toledo, nome-ado governador, foi guindado ao cargo de comandante da revolução.

O jovem José Amaral Palmeira, no dia nove de julho, sábado à noite, estava no Café Acadêmico na Avenida São João, onde pessoas aproveitavam o final de semana para se divertir. Até aquele momento: “Tudo calmo, tudo normal”. Quando se preparava para retornar para sua residência, alguém em voz alta anunciara a ocupação militar dos Correios e Telégrafos e da Delegacia Fiscal, próximos ao café onde ele se encontrava. Curioso para

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saber o que acontecia, pagou a conta e foi em direção ao local. Lá encontrou soldados de armas em punho nas portas dos edifícios. Observou que havia um con-tínuo ir e vir de caminhões que quebrava o silêncio da noite. Seguindo pelas ruas, notara que se “intensificava o movimento de populares, boquiabertos e estupefatos, perguntando a tontas, o que se passava”.

Os boatos eram muitos, as certezas eram poucas. Até tomar conhecimento de que “Um movimento revo-lucionário havia se verificado!” Ao retornar à sua casa, tentou adormecer mas não conseguiu. Na sua cabeça sobejavam perguntas: “- Afinal, São Paulo teria motivos para revoltar-se?” Ele próprio respondia, afirmando que “só um leigo ou um apático em matéria política poderia fazer uma tão descabível pergunta. São Paulo, o primeiro Estado do Brasil, sob todos os pontos de vista, procurava, com a rebelião, quebrar as amarras a que alguns políticos vingativos, queriam sujeitá-lo”.

A Revolução de 1930, segundo ele, fizera que nomes “alheios aos interesses da Pátria” chegassem ao poder com interesses particulares, muito distintos daqueles dos paulistas. São Paulo fora tomado “como presa de guerra, viu descarregado sobre si o ódio injustificado dos usur-padores dos poderes públicos”. Ao refletir sobre quais os motivos que teriam conduzido à Revolução de 1930 e o triunfo de Getúlio Vargas, respondeu com duas palavras às perguntas: “Ambição e despeito!”.

Segundo José Amaral Palmeira, o Joral, terminadas as eleições presidenciais, para a sucessão do presidente Washington Luís, as urnas deram vitória a Júlio Pres-tes sobre o seu contendor Getúlio Vargas, candidato da

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Aliança Liberal, “de triste memória e que de liberal... só tinha o nome”. A vitória de Júlio Prestes foi hostilizada por uma parte dos políticos componentes do Partido Democrático de São Paulo. Essa conjuntura levou a que Antônio Carlos, a “Raposa Matreira”, presidente da Aliança Liberal, preparasse uma revolução que colocaria Getúlio Vargas no Palácio do Catete, por meio do poder das armas. Esse movimento contou com o apoio natural do Rio Grande do Sul e com a neutralidade do Partido Democrático. Coube ao Estado de Minas Gerais preparar politicamente a revolução, sendo a operação de guerra entregue aos chefes do Rio Grande Sul. Em 3 de outubro, irrompera o movimento que terminou com a vitória dos revoltosos, “graças a um golpe de Estado, dado no Rio de Janeiro”, no final daquele mês.

Findada a revolta, São Paulo foi ocupado militar-mente pelos revolucionários que, “iludindo a boa fé dos políticos do Partido Democrático, tomou-o com proeza de guerra”. Parte da população, que “parecia cega” home-nageou “entusiasticamente os vitoriosos, sem pensar que poderiam, mais tarde, ser espezinhadores e humilhados pelos conquistadores”. No período seguinte, tudo foram “festas e ilusões”. O tempo mostraria que Getúlio Vargas agiria de forma ditatorial, exonerando o governo de São Paulo e nomeando o tenente pernambucano João Alberto Lins de Barros, interventor no Estado, de 26 de novembro de 1930 a 25 de julho de 1931. A situação, evidente para a população, era que São Paulo estava sendo governado por um simples tenente, “completamente leigo na matéria de administração e, além disso, filho de outro Estado e estranho ao ambiente aonde fora colocado”.

O descontentamento cresceu e ficou mais tenso com

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a entrada para o palácio dos Campos Elíseos do coronel carioca Manuel Rabelo, interventor entre 13 de novembro de 1931 e 7 de março de 1932.25 Todos aguardavam para verificar se o novo interventor conseguiria fazer “uma administração honesta e boa, granjeando alguma sim-patia dos Paulistas e tudo seria um mar de rosas, não fora os péssimos elementos que o rodeavam no governo, destacando-se o aventureiro Florisvaldo Linhares”. A situação só piorara, pois, conforme destacava Joral, os cofres do Tesouro do Estado foram sacrificados “para sustentar uma usura de parasitas que afluíram de todos os Estados, para São Paulo”.

Reclamações foram feitas ao governo ditatorial até que ocorreu a nomeação de Pedro Manuel de Toledo, que satisfazia a base imposta por São Paulo. Contudo, parte do grupo de militares que havia participado do levante de 3 de outubro de 1930, continuava no Estado, como os generais Miguel Costa, Israel Souto, Mauricio Goulart e muitos outros, que atuavam de forma dura para garantir a supremacia da Ditadura, gerando insatisfação em dife-rentes segmentos da sociedade paulista.

Por tanto, tal nomeação nada adiantou, aos olhos de Joral, pois o interventor era “um peão, brinquedo de criança, que rodava preso por uma cordinha”. Essa era a triste realidade, e o Estado de São Paulo se via tolhido na sua expressão política, sem poder ter um governo autô-nomo. O povo exigia a imediata mudança dos secretários, o que fez com que Getúlio Vargas enviasse a São Paulo

25 Entre 26 de julho a 13 de novembro de 1931, foi interventor no governo de São Paulo Laudo Ferreira de Camargo.

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Oswaldo Aranha, com o intuito de “apaziguar os ânimos”. Antes de sua chegada à capital paulista, a população se manifestou no ato memorável do dia 23 de maio: “quando começou a correr o sangue paulista que há de libertar S. Paulo: na Praça da República caíram baleados estudantes de Direito, vítimas das balas assassinas dos ‘legionários’”.

A resposta do governo ao movimento foi a nome-ação de novos secretários. Contudo, havia o desejo nos três maiores Estados, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas, de encabeçar uma campanha “pró-Constituição”. O governo acenou com a possibilidade de definir uma data para a nova constituição. Porém, os atos praticados pelo governo ditatorial mostravam que os comandantes não desejavam sair do poder e, assim, quando essa data se aproximasse, ela seria adiada, indefinidamente.

A realização de eleições certamente faria os membros do governo provisório serem derrotados, o que os levava à recusa na definição de uma Constituição. Sabia-se que com o pleito, o Estado de São Paulo voltaria ao cenário político e financeiro nacional. Por conseguinte, o governo ditatorial agia para desarmar e subjugar os paulistas para que não protestassem belicamente.

Essas eram as reflexões do jovem Joral na passagem do dia 9 para o dia 10 de julho. Não aventava ainda qual seria o seu futuro. Na manhã de domingo, na “calma clerical do domingo”, a maioria da população levantou--se mais tarde, “de forma que a revolução só se tornou do conhecimento geral, mais ou menos ao meio dia”. Num primeiro momento, não houve grande espanto. A revolta era esperada. Naquela mesma tarde, foram aber-tas as inscrições de voluntários, tendo como ponto de

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concentração a Faculdade de Direito, do Largo de São Francisco. O local ficou intransitável, já que um grande número de paulistas compareceu ao local com a notícia da eclosão do movimento. Segundo ele, “Todos queriam ser os primeiros a pegar em armas, para conseguir um ‘São Paulo forte, dentro de um Brasil unido’!”.

A partir de 10 de julho, teve início a campanha de alistamento voluntário, em diversas partes do Estado de São Paulo. A articulação, em outros estados da federação, foi reduzida ou inexpressiva. O movimento revolucioná-rio conquistou alguns antigos apoiadores da Revolução de 1930, que se sentiam insatisfeitos com a forma de governar de Getúlio Vargas. A manifestação mais direta veio do sul do Mato Grosso, que declarou apoio irres-trito a São Paulo. Na imprensa do interior era noticiado: “Rebentou em São Paulo e outros Estados, um movimento armado”, de caráter constitucionalista. Destacava que no Rio Grande do Sul e em Pernambuco foram depostos os respectivos interventores, tendo já aderido ao movimento Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso.26 Apoios que não viriam de fato a se efetivar.

O ardor cívico era sentido em cada ato, enquanto as tropas regulares, compostas da Força Pública e das guarnições do Exército Nacional, rumavam para as fron-teiras do Estado, tomando posições. Passadas 24 horas “de vida e a revolução já era um fato que obcecava todos os paulistas”.

Na madrugada do dia 10, as forças revolucionárias paulistas tinham tomado as linhas férreas, ficando o tráfe-

26 Correio da Noroeste, 10 de julho de 1932.

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go paralisado completamente. A preocupação se estendeu sobre os edifícios públicos estaduais e federais. No Largo do Palácio, atual Pátio do colégio, ocorreu a aclamação do governador. Uma vibrante população ovacionou os líderes da revolução, com gritos de: “Por São Paulo livre”; “Abaixo a Tirania”; “Tudo pela Constituição”; “São Paulo não se abaixa”; “Viva o embaixador Pedro de Toledo”; “Viva o general Isidoro Dias Lopes” e “Viva o coronel Euclydes Figueiredo”.27

O primeiro ato do governador de São Paulo, Pedro de Toledo, em 10 de julho, foi garantir a continuidade das leis que governavam o Estado de São Paulo e a confirma-ção das nomeações de seus secretários de Estado, Chefe de Polícia, Prefeito Municipal de São Paulo, Diretor do Departamento Municipal, Prefeitos Municipais, Ministros do Tribunal de Justiça, Juízes, Serventurários de Justiça, Delegados de Polícia, Oficiais e Praças da Força Pública, além de funcionários públicos em geral, nomeados na conformidade das leis.28

Na segunda-feira, dia 11, novas ações do governo foram tomadas para garantir que a “vida comercial não ficasse sensivelmente alterada”. Os voluntários aguardavam para receber instruções militares e, para os menos avisados, podia parecer que São Paulo não estava revoltado, segundo Joral.

Os jornais, nas consecutivas edições, explanavam à população o assunto, assim como as três estações de rádio que mantinham o serviço de propaganda e informações. A cada dia aumentava o entusiasmo dos paulistas. Do interior

27 A Gazeta, 11 de julho de 1932.28 A Gazeta, 11 de julho de 1932.

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chegavam votos de solidariedade e mais voluntários se alistavam, demonstrando patriotismo. A população imbuída do mesmo ideal abria as “casas dos soldados”, constituíam oficinas de costura para fardamentos, entre outras ações. Donativos começavam a chegar, e a “população em peso abria as suas bolsas – mesmo as mais minguadas para a vitória da causa sagrada que São Paulo abraçava!”.

No jornal A Gazeta, de 11 de julho de 1932, a man-chete anunciava a dimensão do movimento: “De São Paulo partiu o brado da Independência, de São Paulo também parte, agora, o brado da Constituição”. O jornal fazia referência à luta armada contra a tirania que se instalara no país. Dava conta que o movimento, que iniciara no dia nove, se alastrava com rapidez por todo o território paulista. Informava que a população havia aderido a ele, com sincero entusiasmo. Era um “protesto eloquente e significativo da índole liberal dos brasileiros contra os métodos boçais de opressão e de mandonismo com que falsos regeneradores do nosso caráter entremeavam, com requintes de um sadismo lombrosiano, a sua obra de destruição sistemática e persistente do patrimônio material e moral da pátria comum”.29 A matéria do jornal afirmava que o governo federal tinha rebaixado o Brasil à situação de uma “republiqueta governada por caudilhos”, o que tinha abalado a credibilidade da nação no estrangeiro. Além disso, tinha implantado um “regime obscurantista, ultramontano e medievo, diante do qual empalidece a crônica arrepiante e sombria dos Felipes”.30

Na avaliação de A Gazeta, São Paulo teria sido a gran-

29 A Gazeta, 11 de julho de 1932.30 A Gazeta, 11 de julho de 1932.

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de vítima da “aventura tenebrosa em que o outubrismo nos mergulhou”. Destacava que os membros do governo ditatorial getulista haviam saqueado os recursos financei-ros do Estado de São Paulo, “ocuparam-no militarmente, deram-lhe para interventor um moço independente e de poucas letras, asfixiaram-lhe as fontes de riquezas, acor-rentando as suas classes produtoras a infamante cativeiro que ainda agora culmina na guerra de morte movida ao café pelo sr. Oswaldo Aranha”. Tal situação exigia que os paulistas reagissem, e eles assim o fizeram, mostrando bravura e que o Estado era digno de seu passado. Não havia espaço para negociação, apenas para a capitulação do governo ditatorial. O movimento não visava atingir pessoas, nem era pautado por ações mesquinhas. O objetivo era “restituir o país ao império da lei e da ordem, e restabelecer as garantias jurídicas e legais dos cidadãos, violentamente suprimidas pelo sítio perpétuo do outubrismo, e convocar imediatamente a Constituinte e, pois, restituir ao povo o direito de governar-se a si mesmo”.

Das estações partiram os primeiros batalhões patrióti-cos, levando grande parte da mocidade paulista. Os jovens “alegres e satisfeitos, entoando hinos patrióticos, seguiam contentes, cônscios de estar cumprindo com um sagrado dever!” Aqueles que não podiam empunhar um fuzil alistavam-se no policiamento civil, ficando responsáveis por manter a ordem pública. Todos contribuíam para que os combatentes, fiéis descendentes dos bandeirantes paulistas, tivessem condições de luta. A conjuntura fizera irromper um movimento, que segundo Joral, mostrava que “São Paulo era um Leão que dormia.” Era preciso cuidado. Contudo, como escreveu Joral no diário, já terminado o conflito: “O Leão despertava de seu efêmero sonho enganador!...”

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Ele próprio, como “todos os verdadeiros paulistas”, desejou pegar em armas para ajudar São Paulo a libertar o Brasil. Tivera obstáculos no seu intento. A sua família foi contrária ao seu alistamento, em especial sua mãe. Joral e outro amigo, chamado Milton Pedroso, discuti-ram e planejaram o alistamento de ambos, buscando ter a aprovação das respectivas famílias sem constrangê-las. Para Joral, a decisão foi difícil porque teve que “optar pela família ou pelo ideal que se inflamava” no seu peito. Como destacou, foi uma luta “titânica” que o fez optar por defender os ideais paulistas, colocando-o acima da própria vida.

Em 12 de julho, Carlos de Souza Nazareth fez uma proclamação pública pela Rádio Educadora, fornecen-do um quadro da circunstância. Era preciso que cada um cumprisse o dever para com a sociedade paulista e brasileira. Solicitava que os comerciantes e industriais continuassem as suas atividades, conservando o preço das mercadorias para não criar dificuldades à população. Aconselhava também que mantivessem o lugar e o salário daqueles empregados e operários que se alistassem como soldados da ordem e da liberdade. Isso era necessário para restaurar o ritmo normal do trabalho, que só seria possível no regime da lei e do direito.31

Getúlio Vargas, em mensagem lida pelo rádio ao povo brasileiro, dizia que tinha a seu lado a marinha e a guarnição do Rio de Janeiro e de todo o Norte, e que preferia “morrer de armas na mão a ser governado por paulistas”. A declaração acendeu os ânimos, fazendo com que o general Bertholdo Klinger se pronunciasse num

31 O Estado de São Paulo, 13 de julho de 1932.

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telegrama ao general Góes Monteiro, afirmando que a situação era pior do que há quatro anos. Era preciso agir.32

Em 12 de julho, as tropas do general Klinger eram acolhidas pela população em meio a uma verdadeira apoteose. Na Rua José Paulino e no Jardim da Luz, uma multidão fazia vivas aos combatentes, com entusiasmo cívico. Pelo local passou um número expressivo de po-pulares que disputaram espaço para aclamar os corajo-sos paulistas.33 Em discurso, Ibrahim Nobre, em apoio ao general Klinger, salientou que: “Estamos dispostos a derramar o nosso sangue em defesa de São Paulo e do Brasil, dispostos a morrer para que possamos chegar ao Rio e sanear o Catete”.34

O Correio da Noroeste informava que as forças da ditadura getulista, vindas ao encontro das tropas consti-tucionalistas, tinham aderido ao lado paulista. A polícia mineira, aquartelada em Uberaba, estava solidária à Frente Única do seu Estado, apoiando São Paulo.35

Em 14 de julho, emitia-se boletim, dirigido ao povo, para a organização de um Batalhão Patriótico em defesa da integridade do solo paulista e da constitucionalização do país.36 No mesmo dia, era formado um Batalhão Uni-versitário, que foi enviado para o sul do estado, tendo como base a cidade de Itararé.37

32 Correio da Noroeste, 12 de julho de 1932.33 A Gazeta, 12 de julho de 1932.34 A Gazeta, 13 de julho de 1932.35 Correio da Noroeste, 13 de julho de 1932.36 O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1932.37 LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de escrever

e a política. São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 26.

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A ACSP agiu de maneira rápida para estabelecer um plano de ação que desse apoio às ações revolucionárias. Alimentou o ideal revolucionário por meio de manifestos, proclamações e discursos, organizou o exército consti-tucionalista, e atuou nos serviços de assistência civil. Após reuniões com o secretário da Fazenda do Estado, Dr. Paulo de Moraes Barros, ficou definido que a ACSP seria responsável pelo controle da receita e despesa da Revolução e da prestação de contas junto ao Tesouro. A ACSP ficava também incumbida de assegurar a vida do Estado, cuidando para que medidas fossem tomadas no sentido de garantir o abastecimento. Além disso, ficava responsável por sugerir procedimentos para restabelecer o comércio de importação, exportação e o mercado de câmbio, bem como passava a ser o elo entre o governo e as associações de classe.

A definição de papéis e responsabilidade fez com que a ACSP se estruturasse para exercer a coordenação dos trabalhos, transformando a sua sede na Rua José Bonifácio no 12, primeiro andar, das 9h às 11h, das 13h às 18h e das 20h às 22h, numa base do quartel revolucionário. Os trabalhos foram contínuos durante todo o processo revolucionário.38 Para dar apoio às ações, foram criados departamentos a fim de captar donativos em dinheiro, mercadorias e ser-viços pessoais. Também foi estabelecida uma central para controlar as ofertas de armazéns, veículos e utensílios por empréstimo. Não só a captação de recursos era importante, mas também sua distribuição e a fiscalização do serviço de recebimento de donativos, que recebeu atenção especial.39

38 O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1932.39 In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 17.

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A campanha de alistamento civil foi intensa, utilizan-do-se de cartazes que foram afixados à porta de estabele-cimentos comerciais. Os estabelecimentos que aderiram ao movimento ostentaram nas suas fachadas cartazes com o seguinte teor: “Todos os nossos empregados alistados no Exército Constituinte têm assegurados os seus lugares e garantidos os seus ordenados integrais durante o tempo da incorporação”.40

Todavia, os meses de combate estavam longe de esta-rem dentro do que pudesse ser considerado normal. Apesar de as atividades produtivas e públicas continuarem a ser realizadas, o ritmo delas foi alterado, bem como a rotina das cidades e das famílias que aderiram ao movimento.

Em 18 de julho, Joral e o seu amigo Milton se alis-taram no Batalhão Esportivo. Como esse amigo era órfão de pai e único filho solteiro, e a fim de evitar responsa-bilidades futuras, ambos assinaram um termo de que se alistavam, cada “um por si, de livre e espontânea vontade, não por sugestão ou conselho de um para o outro”.

Após o alistamento, os amigos elogiaram Joral pela decisão, mas foi recriminado pelos pais, que não se con-formaram com sua decisão. Entre lágrimas e desespero, a família não teve como controlá-lo no desejo de combater por São Paulo. Ele ainda teria que transpor outro obs-táculo, “o amor da mulher a quem julgo amar”. Desde que eclodira a revolta eles não se viam, devido aos trei-namentos e o desejo dele de não mencionar que havia se alistado. Frequentava um curso de emergência da Força

40 O Estado de São Paulo de 12 de agosto de 1932 e In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 18.

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Pública, aperfeiçando os conhecimentos militares, vindo a receber as divisas de sargento. Somente uma semana antes de partir, foi à casa da namorada, que se chamava Ruth. Estava fardado e teve a “recepção mais desconfortadora” que um idealista poderia ter. A acolhida foi feita entre lágrimas e recriminações. Apesar de tentar convencê-la da missão nobre a que estava servindo, ela não cedeu. Joral se sentia infeliz, pois, enquanto “a maioria dos rapazes tinham conforto e animação de seus pais e dos que amavam”, ele só recebia reprovações.

Em 22 de julho, a ACSP publicou uma circular com informações sobre o “Bônus Pró-Constituinte”. Pelo decre-to no 5.585, de 14 de julho, estava autorizada a emissão especial de “bônus do Tesouro do Estado para substituir as disponibilidades dos bancos junto às filiais e agências e do Banco do Brasil no Estado de São Paulo”. A emissão prevista seria no “máximo e exatamente aos depósitos que os bancos têm à sua disposição no Banco do Brasil”. Tal emissão destinava-se a substituir o numerário das agências do referido banco, pois estas ficaram isoladas de sua matriz. O bônus que vigoraria por um período curto de tempo, tinha poder liberatório e deveria ser recebido como moeda corrente pelo seu valor nominal nas repartições públicas, bancos, comércio e público em geral, e passaria a vigorar de imediato. A circular ressaltava que “nenhum motivo poderia existir para não ser dado a esses bônus o melhor acolhimento porque, sendo da responsabilidade do Tesouro estadual e dos Bancos, e representando valor de moeda existente no Banco do Brasil, em porcentagem de 100%, não é de temer que venham a sofrer qualquer depreciação”.41

41 O Estado de São Paulo, 22 de julho de 1932.

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Em 22 de julho, a população de São Paulo, “ajoelhada e contricta”, fazia homenagem ao combatente Fernão Sal-les, morto em combate. Uma multidão seguiu pelas ruas o féretro. Era um coração paulista que “cessara de bater, mas cuja audácia e desprendimento em prol de um real sublime ficarão para exemplo da posteridade”. Esse epi-sódio encorajaria mais jovens a lutar, dentre eles, Joral. Os gritos dos populares exaltavam a coragem e patriotismo de Fernão Salles. Durante o percurso do enterro, que seguiu da sede do Clube Comercial, na Rua Líbero Badaró, até o cemitério da Consolação. Antônio de Carlos Pacheco, ao fazer o discurso derradeiro, lembrou que a morte do jovem, “longe de abater o nosso espírito, desperta dentro de nós a vontade indômita de vencer. E quem vencerá heróis como tu que morrem sorrindo na defesa de uma causa sagrada?”42 Esta era apenas uma das baixas sofridas, das muitas que aconteceram e que não foram registradas pela imprensa.

A morte do coronel Júlio Marcondes Salgado foi noticiada em 23 de julho. Lamentava-se a perda do ilus-tre militar. O general Bertoldo Klinger, acompanhado de outros militares, inclusive do coronel, se dirigiu para Santo Amaro a fim de assistirem à experiência de um novo morteiro, que seria utilizado nas batalhas. As ope-rações foram feitas, quando uma das granadas, em vez de projetar-se para fora do tubo, explodiu dentro dele. Com a explosão, “voaram estilhaços para todos os pontos e um deles apanhou o coronel Marcondes Salgado no pescoço, seccionando-lhe a carótida”, causando morte instantânea.43

O fluxo de donativos em dinheiro e em gêneros

42 A Gazeta, 22 de julho de 1932.43 A Gazeta, 23 de julho de 1932.

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alimentícios eram anunciados na imprensa, mostrando a adesão dos paulistas que progressivamente contribuíam para a constituição de um fundo de reserva para os combatentes. De todas as partes do Estado provinham doações que foram providenciais para a manutenção do confronto.44 Em 31 de julho, a ACSP comunicava, via im-prensa, a respeito do Serviço de Assistência às Famílias dos Combatentes, filiada ao M. M. D. C. (seção abaste-cimento), localizada na Praça da República, que tinha como objetivo prover as necessidades das famílias dos civis alistados no exército constitucionalista, atendendo aos pedidos que lhe fossem endereçados.

Nas semanas seguintes, paulistas e governistas se enfrentaram em diferentes regiões do Estado. A intenção dos paulistas era avançar em direção à sede do governo brasileiro, empreendendo a conquista da cidade de Resen-de, no Rio de Janeiro, para destituírem do poder Getúlio Vargas, da mesma forma que este fizera anos antes com Washington Luís. Para tanto, esperavam contar com o apoio estratégico de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que, no entanto, declinaram do confronto e passaram a apoiar os governistas.

O confronto foi intenso em Piquete, Cruzeiro, Cam-pinas, Mogi Mirim, Itapira e em diferente partes do Vale do Paraíba. A falta de apoio dos outros estados à causa paulista foi sendo sentida com o evoluir do confronto. Apesar dos esforços em alimentar o ideal da revolução, para que esta tivesse um saldo positivo era importante a adesão de outras tropas e combatentes, que não vieram.

44 O Estado de São Paulo, 29 de julho de 1932.

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Os apoios político-militares ficaram aquém do espera-do. Rapidamente os paulistas tomaram consciência que lutavam sozinhos contra as tropas do governo, pois de nada adiantava a simpatia de alguns líderes estaduais ao movimento, nem tampouco discursos inflamados que não redundassem em apoio efetivo para os combates.

Em meio às hesitações, Joral partiu para o combate, certo de que sua decisão era a melhor a ser seguida pelos interesses coletivos. O Batalhão Esportivo, ao qual perten-cia, desfilou pelas principais ruas da cidade, recebendo as aclamações e as despedidas do povo de São Paulo. Era 1o de agosto e passava das 14 horas. O entusiasmo do povo era grande ao ver aproximadamente quinhentos rapazes fardados passarem equipados e armados. Depois do aluvião de aplausos, fez-se silêncio. Um sacerdote deu a bênção à bandeira e pregou um sermão. Em seguida, o comandante da tropa fez elogios aos voluntários. O trajeto que os soldados fizeram partiu da Avenida Tiradentes até o Largo de São Bento, percorrendo depois as ruas Líbero Badaró, Praça Patriarca, Rua Direita, Rua XV de Novembro, Praça Antônio Prado, Rua João Bricola e Rua Boa Vista, por onde o “povo comprimido espremia os rapazes do Ba-talhão, impedindo-os de marchar”. O momento da partida tinha atingido o auge. Os acenos e bênçãos eram muitos.

O embarque para o front ocorreu a partir das 6 horas do dia 2 de agosto. Os voluntários compareceram com suas famílias. Joral não demonstrava alegria, porque os seus pais não estavam na estação, nem tampouco a sua amada. O momento da despedida permitiu que a comoção aflorasse. Ele, isolado num canto, “não cho-rava porque não tinha por quem chorar...”. Apenas um

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colega do Banco Germânico, onde trabalhava, e o irmão mais moço de Joral vieram dar-lhe o adeus. Lamentava que o pai não estivesse presente, porque trabalhava ali perto e poderia ter-lhe agraciado com uma bênção. Até o meio-dia, o trem não havia partido, sendo servido aos voluntários um almoço. Enquanto isso, no trem, senho-ritas distribuíam medalhas com esfinge de santos. Enfim, o trem partiu em direção a Campinas, em meio a urras, lágrimas, entusiasmos e tristezas. De certa forma, todos sabiam que o futuro era desconhecido e que não seriam os mesmos depois das provações que enfrentariam.

Enquanto isso, a ACSP agia para controlar a es-tocagem de mercadorias nas docas de Santos e nas ferrovias e para alimentar a chama viva da luta. A en-tidade atuava ainda no sentido de garantir o trabalho de assistência às famílias dos combatentes e no auxílio ao desenvolvimento de novos equipamentos de defesa.

A aquisição de capacetes de aço para garantir a integri-dade física dos combates foi alvo das operações da ACSP, em conjunto com empresas paulistas, que concentraram esforços para levantar recursos, por meio da venda dos distintivos “Pela Lei e Pela Ordem”, assim como para o fabrico dos próprios capacetes. O êxito da venda de distintivos sur-preendeu, como também o engajamento na produção dos capacetes.45 O jornal O Estado de São Paulo noticiava que: “Em menos de dois dias o povo paulista ofereceu mais de 10.000 capacetes aos defensores da lei e da ordem, já tendo sido feita a primeira remessa para as linhas da frente”.46

45 O Estado de São Paulo edições de 2 e 3 de agosto de 1932.46 O Estado de São Paulo, 4 de agosto de 1932.

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Os capacetes foram confeccionados conforme a orientação do general Bertholdo Klinger. A ACSP fica-va encarregada do acompanhamento da fabricação e a comercialização dos capacetes, enquanto a distribuição ficava a cargo do Serviço de Intendência do Quartel Geral Revolucionário.47

Enquanto isso, em Campinas, os soldados do Ba-talhão Esportivo foram recebidos por mulheres que lhes ofertaram café, pão, biscoitos, bolos, refrescos e frutas. Fizeram a baldeação da linha Paulista para a Mogiana e seguiram em direção a Mogi Mirim, onde chegaram ao cair da noite. A estação era modesta. Receberam uma re-feição composta de “feijão, arroz e carne seca ensopada” – preparada por cozinheiros da Força Pública. Joral, que revelava ter um paladar aguçado, destacou que nunca tinha ingerido “comida tão ruim”. Acrescentando que “Jamais acreditaria, se não presenciasse, que eu fosse capaz de tomar tal alimento que, em outra situação me teria causado profundo asco”. Reclamou que o “feijão estava duro, mal cheiroso e sem gosto de tão aguado e, portanto, acompanhado de um caldo que se assemelhava à lavagem de panela”. O arroz não tinha melhor aspecto parecia “um angu semelhante a barro de rebocar pare-de”. Da carne seca não poderia dizer nada, pois o único pedaço que levara à boca foi “expelido imediatamente, por intragável...”.

Após o “jantar” – denominado “chelpa” – os sol-dados entraram em forma e seguiram para a pequena cidade de Mogi Mirim. Atravessaram a cidade, sem

47 O Estado de São Paulo, 5 de agosto de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 20.

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grande alvoroço da população, e foram alojar-se num grupo escolar, onde descansariam antes da marcha de 80 quilômetros, com destino a Pouso Alegre. Às escondi-das, Joral e outros companheiros saíram para conversar “com as distintas senhoritas do lugar”. Nas conversas que mantiveram, foram informados de que a recepção pouco calorosa da população se devia ao fato que anteriormente tropas regulares tinham agido, cometendo “algumas arbi-trariedades, desgostando a população”. Ele e os amigos procuraram dissipar a imagem negativa deixada pelas tropas, ainda que o jovem declare terem ficado “até quase de madrugada na rua, divertindo-nos em um cabaré que funcionava numa rua retirada”. No retorno, tomaram os cuidados devidos para não serem surpreendidos. Logo amanheceu e, ao contrário do que dissera o comandante da Companhia, os soldados não fizeram viagem alguma, muito menos a pé.

Depois de tomarem o café, tiveram “uma pequena e inútil instrução de campanha que só serviu para nos cansar e perder a manhã”. Na hora do almoço, o quartel estava impedido, e ele e alguns companheiros conseguiram permissão para almoçar num hotel. Ao retornarem ao alo-jamento, tomaram conhecimento das notícias. A primeira era a do jogador Arthur Friedenreich, que foi encontrado “em lamentável estado de sonolência, no jardim de Mogi Mirim, tendo uma das mãos no lago que ornamenta a praça”. Segundo os relatos, talvez maldosos, o “calor reinante”, em pleno inverno e à noite, fizera que o “cam-peão de futebol, ao regressar da orgia a que se entregou durante a noite”, se deixasse ficar no jardim, onde, pela madrugada, foi surpreendido por uma patrulha volante.

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Outra notícia, mais preocupante, era que o coman-dante do seu batalhão, Coronel Francisco Bastos, havia seguido preso para São Paulo, segundo Joral, “por ter sido apurado que ele nos queria entregar aos inimigos”. O jovem descobria que Francisco Bastos fora falso ao afirmar dois dias antes, no evento que sucedeu à partida dos voluntários, “ter orgulho em comandar valentes e briosos moços”.

O restante do dia foi livre. Período aproveitado para visitar a “casa do soldado”, dirigida por senhoritas, onde era fornecido papel para cartas, envelopes, café, pão, bis-coitos, doces etc. Boatos, que davam conta que Getúlio Vargas tinha sido deposto, circularam e organizou-se uma passeata acompanhada de banda de música. Vivas eram evocados. A notícia era falsa, mas serviu para o congraçamento dos moradores com os voluntários.

No dia 4 de agosto, após assistirem à celebração da missa por um padre português que “fez um discurso político, uma peça da mais sã hilaridade”, os combatentes seguiram “rumo ao desconhecido...”.

Joral registrou com emoção o batismo de fogo que ele e os colegas passaram. Procurou de forma singela representar a “legítima expressão da verdade”. Como escreveu depois de findada a guerra, sabia que após as revoluções apareciam heróis de toda natureza, que contavam “bravatas”. Ressaltava que: “Eu não fui herói. Fiz apenas o que estava ao alcance de minhas forças, animado pelo meu grande desejo de servir São Paulo”.

A experiência até aquele momento tinha sido branda, pois o maior incômodo fora a alimentação e o fato de ter dormido sobre um assoalho duro. Nem se incomodava

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de ter que lavar os pratos em que fazia as refeições. O pior estava por vir.

Na noite do dia 4 agosto, os voluntários equipados deixaram Mogi Mirim, tendo recebido cada um cem tiros de munição. Joral afirmou que alguns “que confun-diam ‘revolução’ com ‘desfilar’ pelas ruas das cidades quedaram-se receosos e só não ‘piravam’ (fugiam) de vergonha”. No rosto da maioria, o medo estava estampa-do. Um dos colegas não retornou, após pedir permissão para ir tomar café.

A locomotiva partiu, e os pensamentos entraram em agitação. Joral lamentava que se ele morresse ficaria anô-nimo. Não escondia as saudades da família e da mulher amada, olhando uma foto que leva consigo. O trem parou na estação da vila modesta de Barão Ataliba Nogueira. Era quase meia-noite, e o local estava completamente deserto. Apenas alguns funcionários da estrada de ferro e um senhor estavam na estação. Ouvia-se “o longínquo barulho de um tiroteio cerrado”.

Enquanto os comandantes confabulavam, Joral con-versou com “um caipira local”. A decisão dos superiores era de que eles pernoitariam na vila, num grupo escolar, para onde foram conduzidos. O edifício, que se encontrava fechado há algum tempo, cheirava a bolor, e o assoalho sobre a terra tinha sido carcomido pelo efeito do tempo. Apesar daquelas condições, esperavam repousar um pou-co, mas isto não aconteceu. Foram chamados para montar sentinela avançada nas estradas. O frio era intenso e o silêncio e a escuridão da noite “formavam um conjunto tétrico”. Mal haviam chegado os comandantes solicitaram reforço urgente no morro.

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Embarcaram às pressas e, depois de uma hora de viagem, o trem chegou a Eleutério. Ficaram aguardando nos vagões e, às três horas do dia 5 de agosto, foi de-terminada a ocupação das trincheiras a seis quilômetros daquela cidade. Havia chovido, e a estrada era pura lama. Nem a lua aparecera para iluminar o caminho. Um combatente seguia segurando no outro para não se perderem. A marcha foi penosa, conforme destacou, pois “tínhamos que descer e subir morros por picadas que nos proporcionaram inúmeros tombos, tantos quantos nas estradas lisas de lama. Apesar do frio reinante, suá-vamos em bicas”.

O entusiasmo movia a todos. Sem desânimo, pros-seguiam para o local de destino, como ressaltou, “para oferecer as nossas vidas ou o nosso sangue em holocausto ao nosso ideal”. Enfim, chegaram ao alto do morro, depois de passar por um cafezal. O sibilar das balas fazia que se protegessem. Os homens passaram a ser distribuídos, para os seus postos, rastejando sobre a terra úmida, to-mando a posição dos soldados do Batalhão Pais Leme. Joral, Friedenreich e outro soldado de nome Iraci, tam-bém sargentos, foram indicados para guarnecer o flanco esquerdo. No local não havia trincheiras, fazendo que eles se abrigassem das balas “em cupins que, providen-cialmente ali existiam”.

Debaixo de fogo, eles construíram abrigos, apesar da falta de ferramentas apropriadas. Utilizaram para tanto os pratos em que eram servidas as refeições. O trabalho foi árduo, ora cavando a terra, ora com o dedo no gatilho do fuzil. Ao cair da noite, a munição de guerra havia se esgotado, o que obrigou Joral ir a uma trincheira vizinha para buscar “alimento para a culatra de nossos fuzis”. O

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combate fê-los que esquecessem que estavam sem comer há muito tempo e que não havia mais água nos cantis. Assim passaram a noite, sem dormir com o barulho dos tiros. Na manhã do dia 6, todos estavam abatidos, con-forme registrou, felizmente “Friedenreich havia trazido um pouco de chocolate em sua bissaca, que nos servia de café pela manhã”. A fome era tamanha que Joral, ao abrir a bissaca que também levava, para apanhar um prato a fim de remover a terra, achou um pedaço de pão. Ten-tou comê-lo, mas jogou-o fora, por parecer-lhe que tinha “gosto de sabonete”. Quando ele recebeu o chocolate do amigo, decidiu desenterrar aquele pão e, assim, conforme relatou no diário, fez “um sanduíche tão gostoso...”. A ingestão do alimento deu-lhe mais sede. Para seu alento, perto do meio-dia vieram alguns soldados do 3o Batalhão “9 de Julho”, para rendê-los. O cansaço era muito e mal podiam mover-se. Para eles, a descida do morro era algo “quase impossível”.

Ao retornarem a Eleutério, encontraram no caminho o cadáver de um voluntário do Batalhão 9 de Julho “ba-leado nos intestinos, quando procurava tomar posição”. Estava o bravo combatente “sentado recostado em um pé de café, olhos abertos, lábios contraídos, mãos ensan-guentadas na altura do estomago”. Lamentou pelo jovem na flor da idade morrer longe dos seus, “sem ter quem lhe fechasse as pálpebras e cruzasse as suas mãos sobre o peito”. Joral verificou que o morto ainda conservava o cantil a tira-colo, e que estava cheio de água. Sem pensar duas vezes, afirma: “perdi a compaixão que inspirava o seu corpo, tirando-lhe o depósito de água, uma verda-deira mina naquela situação”. Repartiu a água com os seus companheiros, dando-lhes mais ânimo. A marcha

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continuou em direção ao posto de comando. Ao se apro-ximarem do local, foram informados que o Batalhão 9 de Julho “havia debandado, abandonando as posições” e que tinham ordem de voltar às trincheiras.

Exaustados e famintos era quase impossível cum-prir as ordens. Porém, ressaltava ele: “o que fazer?” pois, conforme o regulamento militar dizia, “ordens cumprem-se e não se discute!”. Para sorte dele e de seus companheiros não chegaram às trincheiras, uma vez que tropas com homens descansados vinham de Eleutério. Tal situação fez que eles retomassem o ca-minho daquela cidade para aliviar o cansaço. Pareciam mendigos. Apesar de ter sido oferecida uma refeição ao chegarem, esta ficou intacta, porque todos queriam sossego. O chão duro parecia um colchão macio, e Joral salientava: “Dormimos tranquilamente, sonhando com o batismo de fogo. E que batismo...”

Coube ao Batalhão Esportivo inaugurar, no setor de Eleutério, o trem blindado que tinha causado pânico, resultando na prisão de alguns ditatoriais e na apreensão de muito material bélico. Assim que o trem “blindado” chegou a Eleutério, foram designados para comandá-lo oficiais do Batalhão “Paes Leme”, que convidaram os soldados que ali se achavam para duelarem, de livre e espontânea vontade. Todos aceitaram e seguiram no carro blindado, onde havia duas metralhadoras, e nos carros de passageiros, protegidos por dormentes. As metralhadoras do blindado e dos inimigos trocaram tiros, enquanto habilmente os voluntários deixavam os carros para tomar as posições inimigas. A operação teve êxito, causando baixas, mas aprisionando alguns inimigos. E

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como os soldados ditatoriais debandaram, uma grande quantidade de munição e equipamentos ficou para trás.

Nesse episódio, segundo ele, “Houve um espetáculo de intensa emoção: havia na estrada um nortista, varado por 5 tiros e que conservava na cabeça o seu ‘casquete’ (chapéu de campanha), com as seguintes palavras nele escritas: O meu Deus é o meu fuzil; Estava morto, com o seu ‘deus’ caído ao lado”.

Na tarde do dia 6 de agosto, os soldados do Bata-lhão Esportivo passaram por um susto que dificilmente seria esquecido pela maioria. Por volta das quatro horas, enquanto alguns descansavam e outros tomavam banho num córrego, apareceram no “horizonte dois pontos negros, denunciando a aproximação de aeroplanos”. Imaginavam que os aviões que vinham do lado de Itapira eram dos paulistas, porque “traziam sobre as asas uma faixa branca, o distintivo da nossa aviação”. A alegria em ver as poderosas armas fez que acenas-sem com lenços brancos. Para surpresa deles, “os dois aparelhos baixaram o vôo” e atiraram “três bombas que produziram violento estrondo quando tocaram no solo, abalando a cidade”. Os estragos foram poucos, apenas ferindo com estilhados alguns rapazes que estavam tomando banho. Nesse momento, todos pararam. Joral registrou: “Durante alguns minutos ninguém se moveu nem falou, petrificados pelo imprevisto da cena”. Pas-sado o instante de inoperância, os feridos foram pron-tamente atendidos, mas todos se indagaram por que os aviões, supostamente aliados, teriam atirado. Só mais tarde viriam saber o que havia ocorrido: “Os aviadores saíram de São Paulo com o fito de bombardear Sapucaí

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e como Eleutério fica perto desta cidade, telegrafaram ao comandante do setor, para que colocasse um pano branco na Estação de Eleutério, a fim de evitar confusão. Por motivos que não ficaram apurados – pelo menos por nós – o comandante do setor, Major Higino, não cumpriu essa ordem, motivando o lamentável engano que tão trágicas consequências poderia ter tido”.

Entre os dias 6 e 8 de agosto, ele e os membros do Batalhão Esportivo ficaram descansando em Eleutério, re-cuperando as forças despendidas. Durante esse período, fizeram as suas refeições numa casa de família, pagando pela refeição, composta normalmente de arroz, feijão e um ovo frito. Como sobremesa, uma xícara pequena de café simples. Joral reclamou que o valor cobrado era alto e dizia: “éramos vilmente explorados, mas não nos incomodávamos ante a única probabilidade que havia de cuidarmos de pensão: comer no “rancho”, a horrível “chelpa” feita por atacado”.

Durante o dia, visitavam as fazendas das redonde-zas, geralmente abandonadas, ou iam tomar banho num monjolo, um pouco retirado da cidade. À noite dormiam num barracão, forrado de feno e capim seco, que antes da revolução havia servido de estábulo. Apesar do “perfume” peculiar do ambiente, eles ficaram melhor acomodados do que no grupo escolar.

Na noite do dia 8, chegaram ordens para se reunirem na estação de trem. Cansados e contrariados, os jovens se aprontaram e foram para o local a fim de aguardar novas instruções. A demora fez que muitos se afastassem, sentas-sem numa escada perto da estação e adormecessem, apesar do frio reinante. Nessa situação, o amigo Milton, que o acompanhava desde São Paulo, estava dormindo, com o

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fuzil encostado na parede. Segundo Joral, “dormia como um inocente, o que está longe de o ser...”. Os oficiais se apresentaram e solicitaram que todos entrassem em forma imediatamente. Houve correria e o “sargento Milton semia-cordado, às pressas, pegou uma taquara que casualmente se achava perto do seu fuzil, em vez deste”. Um paisano, que observava a situação, disse em tom humorístico: “Você vai para as trincheiras com uma taquara?”.

Decorrida essa situação jocosa, o pelotão se organi-zou, rumando à estrada de Sapucaí, onde iriam montar sentinela avançada. Caminharam por uma hora e depois disso foram distribuídos em campo aberto, onde se posi-cionaram para observar. A posição em que se encontravam era incômoda, pois tinham que se deitar na terra úmida, permanecendo nessa situação até o dia seguinte, quando receberam a orientação do capitão Max para executar o avanço. Na área, havia mato cerrado, espinhos e montes, que tornavam o movimento um martírio. O capitão se perdera e fez com que eles andassem em círculos por muito tempo, “passando sempre pelo mesmo lugar...” Os combatentes conseguiram atingir Sapucaí, após muito sacrifício. Estrategicamente, optou-se por descansar a tropa antes de fazer fogo no morro dos Coqueiros.

Eram quatro horas da manhã e o morro parecia para os homens fatigados uma “verdadeira montanha”, invadindo a todos de desânimo. O terreno era demasiado inclinado, além disso, o mato estava escorregadio e o solo estava eivado de pedras que “rasgavam as nossas roupas e as nossas carnes”. Joral entendia que a subida desse morro foi o maior sacrifício físico que fizera em toda a campanha. Às seis horas da manhã, atingiram o pico do morro, sem poder descansar, tendo que, imediatamente,

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iniciar a construção de um abrigo. Apesar de cansado e com sono, ele teve forças para cavar a terra e tirar as pedras que havia naquele local. No abrigo, manteve-se em sentinela até às dez horas, quando outro soldado veio ocupar a sua posição. Joral descansou até o dia seguinte, e o seu pelotão deu início à construção de uma trincheira de pedra, para se resguardar das metralhadoras pesadas. O trabalho levou um dia e foi bem executado. Entretanto, passar a noite no morro dos Coqueiros foi terrível, pois tiveram que dormir ao ar livre, com o incômodo das pe-dras pontiagudas machucando o corpo. Faltava água, e a fonte mais próxima era longe. O fardo de ir buscar água ficou a cargo dos “colegas do interior, mais acostumados à vida rude”, e que se prontificavam a reabastecer os can-tis. A comida era sempre um problema, já que ela vinha de longe. O martírio durou dois dias, depois dos quais, chegaram ordens para que os combatentes descansassem em Eleutério. Joral registrou o seu regozijo: “Com que satisfação eu desci o morro dos Coqueiros!”

No dia 10 de agosto, por volta do meio dia, os comba-tentes chegaram a Eleutério. Houve tempo para encomendar uma canja de frango numa casa particular que foi batizada de “Pensão dos Voluntários”. Comeram com grande apetite. Joral confessou a sua alegria de ter escapado à refeição da campanha que era “temperada com muito salitre”.

Matéria publicada no O Estado de São Paulo de 10 de agosto destacava que “São Paulo está fazendo neste momento, uma tão alta afirmação de civismo, que a cam-panha do ‘ouro para a vitória’, só não terá êxito completo se não existirem aqui, o que é impossível, reservas de ouro e outros metais preciosos em quantidade suficiente para que as dádivas da população atinjam cifras ponde-

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ráveis”.48 Acreditava-se que nenhum paulista deixaria de contribuir, mesmo que fosse com uma pequena quanti-dade de ouro para a “vitória sagrada de São Paulo e do Brasil, na luta de vida ou de morte em que estaremos empenhados”. Os donativos eram a expressão da “opu-lência de sentimento cívico dos paulistas”.49 Os paulistas sonhavam com a vitória.

Em Eleutério, Joral e seus companheiros fizeram seus passeios pelas redondezas e encontraram um pequeno engenho com modesta plantação de cana, onde, na visita ao galinheiro, apanharam uma dúzia de ovos e a cana de açúcar necessária para fabricar um pouco de garapa. Nesse instante, o proprietário chegou e os surpreendeu. De maneira simpática, lamentou não estar ali antes para fazer ele mesmo a garapa. Até o dia 13, segundo Joral, “tivemos a boa vidinha, mas não tardou chegar ordem de regressarmos às trincheiras”. Acostumados a passear, receberam a notícia “com mau humor”.

Em parte, o desgosto de Joral era porque ele não recebera até aquele momento cartas da família e da na-morada, apesar de lhes ter enviado muitas. O correio do Batalhão Esportivo chegava três vezes por semana e ele sempre via com despeito os colegas receberem corres-pondência. As cartas que recebera foram dos colegas do Banco Germânico, mas de quem lhe interessava, “nem uma linha”. Em represália, deixou de escrever. Entretan-to, no dia 12, foi chamado pelo agente do correio local. O agente dissera que recebera carta dos pais de Joral, perguntando se ele estava bem. Dizia um dos parágrafos:

48 O Estado de São Paulo, 10 de agosto de 1932.49 O Estado de São Paulo, 10 de agosto de 1932.

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“Em vista das notícias alarmantes que aqui têm chegado, peço escrever-me com toda a franqueza se o meu filho esta ferido ou se aconteceu coisa pior”. Joral respondeu à carta, estranhando que o papai não lhe tivesse escrito diretamente. Passada a primeira surpresa, o jovem con-cluíra que o pai não estava interessado se ele estava bem, queria “apenas saber se eu já tinha sido morto... ou se só estava ferido... Quem sabe se era só para ter certeza...”. Da namorada, já não esperava mais receber notícias.

Na capital, a ACSP determinou a alguns bancos, como o Banco Comercial, Banco do Comércio e Indústria, Bando do Estado, Banco Noroeste, Banco de São Paulo, que re-cebessem as doações das joias que eram feitas em guichês determinados para isso. Os doadores, em reconhecimento à abnegação, recebiam um diploma de honra, onde constava o nome e a distinção de ter doado ouro para o bem de São Paulo. Membros de diferentes camadas sociais fizeram as suas doações, unidos em torno dos ideais da luta. A cam-panha conquistou notoriedade e passou a ser símbolo do desprendimento e da defesa da liberdade. Ela teve início no dia 12, comunicando à população a importância da doação, que seria útil à felicidade do povo paulista. Aqueles que fizessem a contribuição receberiam um comprovante provi-sório que seria oportunamente trocado por um diploma de honra, que certificaria o doador, dizendo quantos gramas de ouro havia doado “para o bem de São Paulo”. Cada doador receberia também um anel, de ínfimo valor material, com a inscrição “Dei ouro para o bem de São Paulo”.

Além da sede, na rua José Bonifácio, havia outras localidades, como a de Santos, que ficou a cargo da res-pectiva Associação Comercial. A imprensa aproveitou o

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ensejo para alertar à população de que era “destituída de fundamento a notícia ontem veiculada por alguns jornais e estações de rádio, de que uma comissão de senhoras, presidida pelo Sr. Carlos de Souza Nazareth, está rece-bendo alianças de ouro, trocando por alianças de outro metal”.50 O alerta era feito, devido à ação de embusteiros que aproveitavam da boa vontade do povo para obter proveito próprio.

No dia 13, os combatentes do Batalhão Esporti-vo voltaram às mesmas trincheiras onde tinham feito o “batismo de fogo”, as quais estavam bem aparelhadas e, por vários dias, não tiveram fogo cerrado dos inimigos. Durante o dia, escreviam-se cartas, contavam-se histórias e comentavam-se os últimos acontecimentos. À noite, a vigilância, apesar do frio, era dobrada, pois receavam a incursão do inimigo. Joral recebera várias cartas dos amigos do banco e da família, mas da amada, nenhuma.

Nesse mesmo dia, os jornais estampavam nas man-chetes o “esplêndido sucesso” do movimento, registrando que 812 pessoas haviam oferecido as suas joias para São Paulo. Nas páginas dos periódicos foram publicadas ima-gens que mostravam os doadores nas filas. Reforçava-se que, passados mais de trinta dias de guerra, a disposição dos paulistas para a luta continuava, sem esmorecimentos. Durante todo o dia 12 de agosto, um número elevado de pessoas foram aos bancos para fazerem as suas doações, salientado que “Do fundo de velhas arcas, muitos cofres foram retirados, e as relíquias que continham encaminha-das ao montão de ouro que nos bancos se ia formando para a constituição da reserva metálica de que São Paulo

50 O Estado de São Paulo, 12 de agosto de 1932.

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precisa”. A população concorria com todos os tipos de joias e adereços de fino lavor e de valor histórico e senti-mental. Sem hesitações, as doações chegaram, pois, “Para o bem de São Paulo, o paulista dá tudo o que possui”. O movimento de pessoas promoveu um “espetáculo” emo-cionante, uma vez que casais ofereciam as suas alianças, senhoras ofereciam seus relógios de ouro, aneis craveja-dos de brilhantes, pulseiras etc. Os doutores e bacharéis ofertaram os seus anéis de formatura, outros, as medalhas e moedas de ouro e de prata. Como o fluxo de doadores foi elevado, alguns menos pacientes deixaram as filas. Os mais perseverantes mantiveram-se no seu firme propósi-to de contribuir com a causa paulista.51 Entrementes, as doações não bastavam. Era preciso resistência física para enfrentar o inimigo.

Os dias e noites seguidos na trincheira fizeram que Joral ficasse constipado, obrigando-o a ficar no posto, uma vez que faltavam homens. Nesse ínterim, recebeu novas cartas de amigos, familiares e da sua amada, Ruth, o que o fez esquecer-se da doença e varrer do seu “espírito as últimas dúvidas de tristezas”, que haviam turvado os seus dias.

A vida de campanha continuava sem grandes alte-rações e, como a munição era escassa, os soldados cons-titucionalistas pouco respondiam ao fogo. O ir e vir de caminhões das tropas ditatoriais tornava-os apreensivos. Foi solicitado que guardassem sentinela, pois o inimigo poderia atacar. Naquele momento, cada um possuía apenas uns 20 tiros, o que fez que reclamassem imedia-tamente por munição. Foram enviados apenas mais 150

51 O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 1932.

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tiros, “a granel, para serem distribuídos entre 30 pessoas”. O ataque só ocorreu no dia 24, e os inimigos agiram de forma inclemente, usando numerosas armas automáticas e canhões, que funcionavam ininterruptamente. Para a defesa, os constitucionalistas receberam mais 50 tiros e foram apoiados no flanco esquerdo por tropas do tenente Isidoro Dias Lopes, que resistiram por 8 horas à carga inimiga. Foi uma das noites mais puxadas, e o fogo só diminuiu pela manhã, o que permitiu algum descanso. Joral sentia-se fraco.

Naquela noite, ocorreram novos ataques do inimigo, ainda com maior intensidade. O confronto intenso durou mais de doze horas de fogo e só no amanhecer do dia 26 é que os ataques pararam. Joral deitou-se, e o seu estado começou a piorar, fazendo que o comandante do batalhão determinasse o seu retorno a Eleutério, para ser tratado no hospital. Joral teve que aguardar condução para a cidade, pois as suas “forças não resistiriam tão longa caminhada a pé”. Ficou deitado numa barraca, que foi furada com uma bala de fuzil, logo acima do lugar onde estava a cabeça de Joral. Todavia, a sua apatia era tanta, que nem chegou a perceber a gravidade da situação. Os ataques recomeçaram, e o transporte não chegava. Tal situação fez que o comandante determinasse que dois soldados acompanhassem Joral até Eleutério. Assim aconteceu, entre as dificuldades naturais que envolviam a circunstância.

A debilidade física do jovem o impedia de interes-sar-se pelo que estava acontecendo, enquanto caminha-va em direção ao hospital de Eleutério, que ficava na parte alta da cidade. Ao chegar lá, notou que o edifício se encontrava abandonado, por ser alvo das balas di-tatoriais. Dirigiu-se para a estação onde estavam dois

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trens repletos de soldados constitucionalistas prontos para abandonar a cidade. Conforme instruiu um oficial do batalhão, Joral embarcou em um vagão sujo de 2a classe, “viajando em companhia de um cadáver de um volumoso mulato pertencente à Força Pública, morto no combate da noite anterior, por uma bala de fuzil, que lhe abriu o crânio”.

No decorrer da viagem, os companheiros contaram o que ocorrera. As tropas ditatoriais haviam conseguido romper o flanco em Bento Cunha e marchavam sobre Eleutério, sem possibilidade de os constitucionalistas lhes deterem. Dessa forma, foram forçados a se dirigir para Itapira, parando a uns duzentos metros da estação.

Antes de tudo, tratou-se de desembarcar o cadáver. Joral afirmava que aquele combatente da Força Pública deveria ter sido “muito teimoso, pois ofereceu grande ‘resistência’ para sair do carro, dando margens a cenas macabramente cômicas”. O grande corpo custou a passar pela porta estreita do vagão, “exigindo toda a sorte de acrobacias”. Finalmente conseguiram retirá-lo, “não antes de o derrubarem da maca ao chão que fez descobrir-lhe o rosto contendo um sorriso sinistro, um riso que bem poderia traduzir ele estar caçoando do trabalho que deu até depois de morto”.

Depois do desembarque do defunto, o trem começou a regressar, até encontrar um outro comboio, aquém de Barão Ataliba Nogueira. Joral foi recebido pelos compa-nheiros que anteriormente estavam nas trincheiras. Estes lhe contaram que o pelotão em que estavam foi o último a sair das trincheiras, resistindo até “o último cartucho vazio”.

Os comandantes tentavam entrar em consenso, en-

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quanto todos estavam famintos, uma vez que já passava das quarto horas da tarde, e ainda não tinham posto qualquer alimento na boca. Foram distribuídos sanduíches de pão de guerra com um pedaço de carne seca, que custou a Joral comer. Ao final da tarde, os comandantes deliberaram que os soldados iriam tomar posição num morro pertencente à fazenda São José, aquém de Ataliba Nogueira, nas margens do rio do Peixe, enquanto também trens, com soldados, seguiriam para Itapira.

Na cidade de São Paulo, as doações cresciam e, em 14 de agosto, a Campanha dos Capacetes de Aço atingia mais de 775 contos de réis, o que correspondia a mais de 51.000 capacetes.52 A espontaneidade e a pressa em contribuir eram registradas pela imprensa, que abriu espaço nas páginas dos jornais, que visava, ao mesmo tempo, informar e convencer a população a efetuar mais doações. A cada dia, a Campanha do Ouro registrava o crescimento das doações e a comoção popular.53

O desprendimento dos paulistas não foi feito sem dor. Alimentava-lhes o espírito a esperança da sagrada vitória, tão sonhada quanto distante. A imprensa regis-trou o caso do “preto velho Graciliano Vicente Xavier”, que não tinha nenhum anel, mas possuía “apenas uma bela moeda brasileira, de ouro”. A peça lhe fora dada quarenta anos antes pelo seu pai. Conforme relato, “Fora a única fortuna do pai: era, agora, a única fortuna do filho. Mas ao saber que São Paulo precisava de ouro, o velho preto Graciliano Vicente Xavier não hesitou um instante. Exumou-a do baú pobre em que a guardava e

52 O Estado de São Paulo, 14 de agosto de 1932.53 O Estado de São Paulo, 17 de agosto de 1932

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foi oferecê-la ao Banco de São Paulo para a campanha da Associação Comercial, em prol do ‘Ouro da Vitória’”.54

Joral foi para Itapira, onde chegou tarde da noite, sendo conduzido ao hospital, recebeu “ótima cama”. Po-rém, não chegou a deitar-se, porque o diretor do hospital lhe comunicou que era necessário uma guia, que seria fornecida “pelo médico que se achava na Estação”. Sem alternativa, o jovem arrumou a sua “muamba” e foi bus-car tal guia. A estação era longe, e ele estava com fome. No caminho, encontrou um homem e o interpelou onde poderia comer alguma coisa. Aquele senhor se prontificou a arranjar alguma coisa para ele comer, em sua própria casa. Foi servido a Joral uma “caçarolada de arroz e meia dúzia de ovos”, o que ele devorou “sem parar... nem para respirar”.

Itapira era a cidade mais bonita que via, depois de Campinas. Segundo ele, havia “belos prédios, obras de arte, hospitais, teatros, cinemas, praças ajardinadas, ruas arborizadas, chácaras estupendas em derredor.... e muitas moças bonitas”. A movimentação das tropas fizera que a maioria da população abandonasse a cidade. Depois de bem nutrido, Joral foi para o hospital, onde pôde enfim repousar, até ser despertado pelo estopim de uma bala e pela grande correria que acontecia na frente do hos-pital. O motivo era o embate entre o major Higino e o tenente Isidoro Dias Lopes. Nas imediações do hospital, estava o major Higino que, sem reparar no entorno, de-clarou que a queda de Eleutério “fora uma covardia”. O tenente Isidoro, responsável pelas tropas naquele local,

54 O Estado de São Paulo, 19 de agosto de 1932.

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ouviu o que major dizia, ficando indignado e revoltado disse: “Nós não somos covardes e o sr. é um traidor!” Conforme relatos, ao mesmo tempo, tirou o seu revólver para alvejar o major Higino, que desviou o braço para não ser atingido. Iniciou-se a confusão, e o major Higi-no, conforme registrou Joral, “achou prudente ‘ver se eu estava ali na esquina’”.

Joral também se indignou com o comentário. Arguia que, enquanto estavam lutando nas trincheiras contra os ditatoriais em Eleutério, o major Higino dormia em Itapira com seus combatentes, sem enviar munição para o front, alegando não “ser preciso”. Agora, eles, que haviam resis-tido até o último instante, é que eram “covardes”. Passado o entrevero, Joral voltou ao hospital para repousar.

Após o almoço, teve notícia de que seus companhei-ros estavam na cidade. Ele já se sentia melhor e deixou o hospital. A situação era tensa, porque, conforme as alarmantes notícias, “médicos, enfermeiros, etc. acharam mais prudente ‘pirar’...” Assim sendo, os doentes graves foram removidos para Campinas e os demais, postos no “olho da rua”.

Joral passeou com os colegas pela cidade. Quan-do os populares perguntavam sobre as novidades, eles respondiam com palavras animadoras, confessando no diário, que eram palavras que traduziam esperanças que eles mesmos estavam “longe de sentir”. A situação, de fato, era grave. O inimigo tomara a cidade de Ataliba Nogueira e marchava para Itapira, cidade desprotegida.

Ao retornar para o grupo escolar, foi informado que havia um pelotão do Batalhão Esportivo sitiado no morro, ali próximo. Era preciso salvá-los. O capitão Max

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e seus homens seguiram para auxiliar no confronto. Ou-tra solução estratégica foi dinamitar a ponte sobre o rio do Peixe, a fim de retardar a marcha ditatorial, até que chegasse o socorro esperado.

Mandaram buscar dinamite em Itapira e, quando essa chegou, era apenas pólvora. Foram em busca de gasolina, mas só encontraram querosene com água, não inflamável. Em gesto de desespero, o capitão Max co-meçou a cavar a ponte, com um sabre, exclamando: “O Major Higino nos está traindo!”. E Joral afirmava: “era alta traição”. Os constitucionalistas não conseguiram derrubar a ponte, o que permitiria o avanço das tropas ditatoriais, sem grande esforço. Após esta conturbação, ao voltar para o grupo escolar, Joral notara que a sua bissaca havia desaparecido ou, como ele mesmo disse, foi “o primeiro ‘desaperto’ (roubo) que sofri”.

Entre as áreas de confronto, destacou-se a região do Túnel da Mantiqueira, que dividia São Paulo de Minas Ge-rais. Essa área era considerada um dos pontos estratégicos das tropas paulistas que se empenharam para defender o local, e permitia o controle do acesso à região sul de Minas Gerais. No dia 17 de julho, o movimento revolucionário lutava contra as tropas legalistas naquela região.

A ação das tropas getulistas foi inclemente, avan-çando pelo Vale do Paraíba. Cidades como Caçapava e Lorena foram tomadas. Na sequência das manobras militares, outras cidades rebeladas foram derrotadas, como Itapira, Atibaia e Bragança Paulista. As notícias publicadas na imprensa davam conta dos avanços e recuos de guerra, transformando-se numa forma eficaz de propaganda ideológica. As reportagens relatavam de

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maneira detalhada os confrontos e o número de mortos. Atos heroicos eram ressaltados como forma de manter a chama da luta pela liberdade, porém, o preço pago era elevado.

Em 1o de agosto, A Gazeta manifestava o desejo de mandar mais de um milhão de cigarros para soldados da Constituição, e fazia apelo aos leitores. Em artigo, salien-tava: “Enquanto fuma, o soldado, ao mesmo tempo que repousa das fadigas da luta, lembra-se daqueles que dei-xou, lá atrás, a orar por ele”. Era preciso mandar cigarros.55

No dia 3 de agosto, as tropas do coronel Pedro Dias de Campos ocuparam várias cidades do Alto Para-ná.56 Em 5 de agosto, era publicada em A Gazeta matéria com o seguinte título: “Outro trem blindado que entra em ação com êxito”.57 Em 6 de agosto de 1932, A Gazeta defendia que a estação de Eleutério deveria passar a se chamar Fernão Salles, em homenagem ao bravo paulista morto no campo de luta. Foi a última estação que viu passar com vida o “bandeirante paulista”. A redação de A Gazeta pedira à Diretoria da Estrada de Ferro Mogiana que fosse feita a troca, porque todos estavam empenhados para “A grandeza de um Brasil, unido dentro da lei e da liberdade”.58

Dois dias depois, era noticiado que os “trens fan-tasmas” causavam terror às tropas ditatoriais. O trem blindado era temido em vários pontos. Havia três, o primeiro estava no setor de Buri, o segundo, na frente

55 A Gazeta, 1o de agosto de 1932.56 A Gazeta, 3 de agosto de 1932.57 A Gazeta, 5 de agosto de 193258 A Gazeta, 6 de agosto de 1932.

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Norte, e o terceiro, no Oeste, na frente de Eleutério. To-dos eles entrando em ação na hora oportuna. Segundo registros, os ditatoriais, ao verem os trens, abandonavam suas posições, debandando.59

Em 11 de agosto, era noticiado que seis batalhões tomaram parte na primeira refrega de Eleutério.60 No mesmo dia, registrava-se a ação do trem blindado nos combates naquela cidade.61 Entre os dias 13 e 15 de agos-to, os conflitos na região de Itapetininga e Buri foram intensos. Batalhas violentas causaram danos materiais e perdas humanas. Os paulistas se viam tolhidos, e as tropas federais avançavam. Em Eleutério, os repórteres do jornal A Platea acompanharam a luta da trincheira, registrando o “sensacional e impressionante estrondo das granadas da aviação constitucionalista e um arrojado instantâneo photografico”.62

O jornal O Estado de São Paulo afirmava que todos estavam vivendo “horas de epopea”. Os testemunhos que a população dava mereciam ser “contados às gerações que tiverem de empunhar o facha que os paulistas de hoje estão accendendo”. Isso não era comum de acontecer, por conse-guinte, todos deveriam ficar orgulhosos por lhes ter sido facultada a “felicidade de viver nos dias de hoje”. Tal situação fazia que os donativos aumentassem, tais como medalhas, dinheiro, anéis de formatura, livros encadernados a ouro, joias de família chegavam de diferentes partes do Estado.63

59 A Gazeta, 8 de agosto de 193260 A Gazeta, 11 de agosto de 1932.61 A Gazeta, 11 de agosto de 1932.

Ver também: Correio da Noroeste, 11 de agosto de 1932.62 A Platea, 15 de agosto de 1932.63 O Estado de São Paulo, 21 agosto de 1932.

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A imprensa comunicava, no dia 22 de agosto, uma nota sobre a ACSP, informando que o montante de capa-cetes chegara a 73.564.64 Em 25 de agosto, era noticiado que o famoso jogador de futebol Arthur Friedenreich continuava no front, são e salvo. Uma carta do grande campeão à sua esposa, que residia na rua Frei Caneca, 280, comprovava a mentira que circulava sobre a sua morte. O teor da carta era o seguinte: “Muitas saudades. Saúde a todos. A respeito dos dois soldados, nada posso dizer, pois eles não pertencem aos batalhões que aqui se acham lutando heroica e gloriosamente. Peço, caso possível, mandar-me algumas latas de frios ou doces em conserva. Vou bem e com aquele entusiasmo que é de todos os paulistas empenhados na grande causa da Lei, do Direito e da Justiça”.65

Na madrugada do dia 28 de agosto, Joral e os demais combatentes foram acordados com a ordem de formar fila. Rumaram para a estação, em meio a indecisões, pois, se-gundo ele, todos formavam no espírito “visões macabras...” Tendo em conta a deserção do major Higino, a estratégia era que o Batalhão Esportivo descansaria dois dias em Mogi Mirim e só retornaria ao combate com outro comandante. Ficou resolvido que iriam de trem, mais isso, por fim, foi negado. A solução era irem a pé, percorrendo, como o jovem ressaltou, “apenas 24 quilômetros”. Os soldados obstinados marcharam sem parar e, quando já haviam percorrido a maior parte do percurso, encontraram, nas imediações de Monte Gravin, o major Pedro Luz, acompanhado do seu

64 A Gazeta, 22 de agosto de 1932.65 A Gazeta, 22 de agosto de 1932

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estado maior e de um pelotão. Os comandantes das duas tropas trocaram informações e ficou acordado que Joral e seus companheiros seguiriam para Mogi Mirim.

Naquela parada, foi possível descansar, almoçar, cortar o cabelo, engraxar o sapato e tomar “um banho renovador”. Fazia 15 dias que o corpo dele “não sentia água”. Permaneceram no local até dia 30, sendo que muitos dos combatentes “queriam, à viva força, vir a São Paulo, descansar e ver suas famílias”. O comando se opôs, argumentando que faltavam homens, o que impedia a realização “dos nossos desejos”. Na tarde daquele dia, veio ordem para embarcarem para Ribeirão Preto. Houve recusa, e o comando desistiu da intenção. A alternativa foi dividir o grupo em duas partes, uma rumando para Prata, Cascavel e outras localidades, enquanto a segunda, depois de esperar uma hora, marchou para a estação.

Joral seguiu para a estação de Mogi Mirim, onde encontrou três caminhões que deveriam conduzi-los a Espírito Santo do Pinhal. A viagem foi incômoda. Os ca-minhões estavam superlotados e foram conduzidos a toda velocidade, ocasionando “trancos e solavancos, apesar de a estrada ser ótima”. O único reconforto era a paisagem.

As tropas chegaram à cidade de Espírito Santo do Pinhal, sendo os combatentes acomodados no grupo es-colar. Joral registrou que nem houve tempo para qualquer descanso, pois foram solicitados a formar fila para receber munição, e seguirem em direção às trincheiras. O trajeto foi feito em caminhões e mais dois quilômetros a pé. Como a usina elétrica da região estava em poder das tropas dita-toriais, a cidade estava às escuras. Fazia frio, e os homens foram distribuídos pelos cafezais, para entrar em combate,

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já que o inimigo estava próximo. Joral distribuiu os homens que estavam sob sua responsabilidade de forma a fazer a melhor defesa. O problema era que estavam numa baixada, em campo raso, e facilmente visíveis aos inimigos, pois só tinham os pés de café para se protegerem. No caso de um assalto, eles seriam “massacrados”. Joral não entendia por que eles tinham sido postos ali. A sua inquietação era grande e, para não gerar alvoroço, ficou quieto. No diário, registrou com clareza que “pela primeira vez, tive vontade de ‘pirar’”. Não realizou tal ação, para não deixar os seus companheiros expostos ao perigo.

Passada uma hora, e sem terem dado um tiro, veio a determinação de retirada, cumprida em ordem e silên-cio, voltando todos os combatentes aos caminhões. Ao retornarem, souberam que a missão deles era garantir a retirada de todas as tropas de Espírito Santo do Pinhal. Eles deveriam “retardar a incursão dos ditatoriais e evi-tar que eles cortassem, por Jardim, a retirada das nossas forças”. O objetivo foi alcançado. Naquela cidade não havia mais soldados constitucionalistas.

A viagem de volta foi feita em alta velocidade. Em 1o de setembro, eles chegaram à modesta cidade de Mogi Guaçu. Sem comer, há mais de doze horas, o comando “arranjou” uma lata de bolachas ‘Maria’, que, dividida, “coube três para cada soldado”. Este foi o jan-tar deles. Enquanto os oficiais telegrafavam para Mogi Mirim, expondo a situação e pedindo ordens, corria o boato de que eles seguiriam para Casa Branca, a fim de atrapalhar o avanço das tropas ditatoriais. Não foi isso que aconteceu, foram chamados pela capitão Ramos, que os acompanhou e os guiou até fora da cidade, subindo

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um morro íngreme e cheio de pedras, o que “proporcio-nou inúmeros tombos”. O ponto foi analisado, mas não era estratégico, fazendo com que o comando resolvesse abandonar a área. Para Joral, uma longa e extenuante caminhada “feita inutilmente”.

Ao retornarem, receberam ordens para guarnecer a estrada de ferro e uma ponte, que ficava a dois quilô-metros. Enquanto uma turma ficou de sentinela, a outra descansou. Joral deitou-se, e o grosso sereno que caía molhou o chão, tornando mais fria a temperatura. O can-saço era tanto que ele dormiu num “leito de lama”. Ao acordar cansado, observou que o orvalho lhe umedecera a roupa. Seus pés estavam gelados e custou a voltar ao seu estado normal.

Em seguida, recebeu ordens para ir à estação de Mogi Guaçu. No caminho, aviões inimigos cortavam os ares, prenúncio de que a tropas ditatoriais se apro-ximavam também com as suas forças terrestres. Na estação, foram orientados a regressar a Mogi Mirim, partindo em caminhões. Ao deixarem o local, nos olhos da população era possível entrever o pesar, conjectura ele, “mais uma desilusão”.

Logo à chegada a Mogi Mirim, foi anunciada a toma-da de Itapira pelas tropas ditatoriais. O mês de setembro começava em meio à tensão e pânico da população de Mogi Mirim, fazendo com que a população se debandasse da cidade. A decepção era geral. Atribuiu-se ao comando a culpa do fracasso, e os oficiais deliberaram não cumprir mais as ordens, e fazer o Batalhão Esportivo descansar em São Paulo. Todavia não foi possível, por faltarem meios de condução. Em forma de protesto, os combatentes decidiram

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seguir a pé, pondo-se a caminho da capital. Posteriormen-te, veio ao encontro deles o capitão Potiguar, do Exército Nacional, pedindo que eles voltassem, pois ele recebera ordens do Quartel General de São Paulo para assumir o comando daquele setor. Em vista da nova situação, eles regressaram ao alojamento para descansarem.

No dia seguinte, Joral e seus companheiros foram designados para tomar posição na Fazenda Calunga, que distava 14 quilômetros do local em que estavam. Os combatentes rumaram para o local, enquanto dois aviões das tropas ditatoriais bombardeavam a cidade. A noite foi passada com muitas apreensões. Na manhã seguinte, atravessaram uma fazenda “digna de ser admirada”. O que havia de ruim era a comida que vinha de Mogi Mirim e era servida, já fria, às 13 horas, apenas uma vez por dia. Tal situação gerou insatisfação, principalmente após constatarem que “havia uns protegidos que tinham autorização para cozinhar na fazenda e passavam bem”.

Joral e os companheiros resolveram protestar, recusando-se a montar sentinela à noite, como estavam escalados. Devido a esse ato de insubordinação, foram chamados no dia seguinte pelo comando para que cada um fosse ouvido. Como resultado, ocorreu a condenação dos soldados rasos a 10 dias de prisão no alojamento, e os graduados foram rebaixados. Além disso, foram chamados de “covardes”, acrescentando o comandante, de forma condenatória, que eles trocavam “o ideal por um prato de comida e que só não nos mandava fuzilar porque desconhecíamos as leis militares”. Joral foi detido, mas a penalidade não durou muito. No alvorecer do dia 4 de setembro, todos foram chamados e foi declarado que

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estavam em liberdade, sendo reintegrados aos seus postos.

A refeição matinal, naquele dia, foi servida em pro-fusão. Logo em seguida, receberam ordens para fazerem uma patrulha de reconhecimento. Joral afirmava de ma-neira sarcástica: “Estava justificado o perdão”.

O pelotão de Joral saiu formado da fazenda até apro-ximadamente 50 metros, separando-se em seguida. Ele, comandando oito homens, saiu pela direita. Caminharam mais um pouco e se dividiram novamente, ficando ele com apenas dois companheiros. Faziam o percurso com cautela, sem encontrar vestígios dos inimigos, afastando--se da propriedade uns quatro quilômetros, passando por outra fazenda de nome “Pintadinha”. Almejando levar boas notícias, continuaram a avançar, quando foram surpreendidos pelo comando de: “Rendam-se!”.

Joral esboçara um movimento de defesa, mas desis-tiu, pois sabia que ao menor movimento seriam fuzila-dos. Em suas palavras: “Pagamos caro a nossa ousadia em avançar tanto”. Conforme os seis homens da tropa ditatorial, ele e seus companheiros tinham sido avistados há muito tempo. Os ditatoriais ficaram amoitados e os renderam com facilidade.

Os prisioneiros foram levados para Itapira e ficaram detidos na delegacia de polícia, onde estava preso o major Juarez Távora e um antigo companheiro. A notícia da queda do Monte Gravin foi dada logo com a chegada de 500 constitucionalistas presos. Os ditatoriais estavam prestes a tomar Mogi Mirim.

As condições da cadeia eram péssimas. Eles estavam sujos e dormiam uns sobre os outros no cimento e “perto

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do W.C. que exala um mal cheiro intolerável”. Além disso, a fome castigava. Já era tarde da noite, quando foi dada uma refeição que Joral confessou não ter sido “possível comê-la”.

Na madrugada do dia 5, os presos marcharam para a estação de Itapira. Lá foram distribuídos entre as com-posições dos trens que deveriam conduzi-los. Coube a ele ficar num carro de primeira classe. Quando o dia clareou, ele e os demais seguiram “para o degredo”.

A viagem seria inesquecível pelas condições da péssima linha férrea da Sul Mineira. No trajeto, passaram por Eleutério e viram com desolação os estragos feitos na cidade. Em Sapucaí, eles viram as casas perfuradas de balas e os montes de terra que cobriam os restos mortais dos soldados. Em Silvério Brandão, foi servido um frugal almoço, acompanhado de café e pão. Na estação de Ouro Fino, a população “disse ‘gracinhas’ pesadas, que aliás, sofreram respostas adequadas de nossa parte”. O calvário dos prisioneiros continuou, passando pelas regiões de Borda da Mata, Pouso Alegre, chegando a Afonso Pena, onde a população prestou significativa homenagem, ofer-tando “sanduíches, cigarros e coragem”.

Na madrugada do dia 6 de setembro, passaram por Itajubá. Ninguém se encontrava na estação. Mais à frente, fizeram baldeação, rumando então por Caxambu, Baependi, até Bueno Brandão, onde jantaram. Ali ficaram até anoitecer e só de madrugada partiram em direção à Barra Mansa. Novamente foi feita a baldeação, seguindo depois para Barra do Pirahy e finalmente Rio de Janeiro, aonde chegaram no dia 7 de setembro, ao meio dia.

Foram conduzidos para o quartel em que ficaram alojados. Receberam refeições e descansaram. No dia se-

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guinte, foram levados de ônibus para o cais de embarque. No final da tarde, todos os prisioneiros já estavam à bordo do Cargueiro “Vitória”, que os levaria para a Ilha Grande. Chegaram ao destino no dia 9, por volta das dez horas.

Neste local, Joral e os demais prisioneiros passariam quarenta dias. Foram distribuídos em barracões “de zinco por forro e cimento por assoalho”. Diz que as agruras que ali passou não mereciam ser descritas, pois recordaria de fatos desagradáveis e preferia “olvidá-los”, portanto, se pergunta “Para que, então, gravá-los nestas páginas”.

Enquanto Joral e seus companheiros eram presos, os paulistas tentavam manter a chama acesa para dar continuidade à luta e rever o quadro que, no entanto, se apresentava irreversível. Em 7 de setembro, ocorreu o desfile da Guarda Civil da Capital.66 Tendo em vista que na data se comemorava os cento e dez anos da indepen-dência do Brasil, os locais de doação estavam fechados. No dia seguinte, as atividades voltaram ao normal em todos os postos de recebimento, principalmente nos ban-cos. As provas materiais de apoio ao movimento, dignas de aplauso, chegavam de todas as partes do Estado e de outras unidades federativas, como Minas Gerais, de onde tinham vindo polpudas doações das senhoras mineiras.67

Dois dias depois da efeméride da independência, era noticiado que o montante de dinheiro arrecadado permitia a compra de cem mil capacetes de aço: “A subscripção da Associação Comercial já se elevava ontem, a mais de 1.500 contos”.68 Na mesma data, era publicado: “Os exércitos

66 A Gazeta, 7 de setembro de 1932.67 O Estado de São Paulo, 8 de setembro de 1932.68 O Estado de São Paulo, de 9 de agosto e A Gazeta, 9 de setembro de 1932.

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Constitucionalistas entram vitoriosos no segundo mês de campanha”. A matéria afirmava que o dia anterior decor-rera como os outros, de forma favorável para os exércitos da Constituição. No setor norte, houve grande atividade. Em Silveira, os combates, terminaram “com o recuo das tropas ditatoriais, que tiveram durante a luta numerosas perdas”. Em Batedor e Túnel, as tropas constitucionalistas continuavam firmes. Na região de Pinheiros, houve gran-des combates, e as forças constitucionalistas conseguiram manter as posições.69 Destacava-se o trabalho da delegacia militar de Lorena e os trabalhos que vinha realizando. O tenente Armando de Figueiredo empreendera esforços para desaparecerem os boateiros e derrotistas, principalmente naquela cidade, por temer que pessoas infiltradas fizessem comentários que abatessem o ânimo da população.70 Tam-bém chegavam da Europa votos de apoio ao movimento, demonstrando admiração pelos paulistas.71

Essas notícias eram bem distintas da realidade de Joral e de seus companheiros, que se encontravam presos no Rio de Janeiro. A rotina deles era levantar às 6 horas, tomar banho de água doce e, em seguida, outro de mar. O café era servido às 8 e o almoço às 13h. Às 19 horas, café, às 21h revista, e, logo depois, todos iam dormir. Nos primeiros dias, eles foram obrigados a dormir no cimento limpo. Para satisfazer as necessidades fisiológicas era difícil, pois “havia apenas um W. C. para 700 pesso-as!” Formavam fila para fazer tudo, e pouco a pouco a situação foi sendo acomodada, com a construção de mais

69 A Gazeta, 9 de setembro de 1932.70 A Gazeta, 9 de setembro de 1932.71 O Estado de São Paulo, 10 de setembro de 1932.

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barracões e fornecimento de esteiras e cobertores.

Ao terminar o diário, Joral registrava que felizmente tinha conseguido escrever para o Rio de Janeiro, receben-do depois a roupa e o dinheiro que lhe estavam fazendo falta, pois fora “preso sem um real e apenas com a roupa do corpo”. Ficava tranquilo também por sua família ter sido avisada. Era o fim do seu diário.

Durante o período em que Joral esteve na prisão, os combates continuaram. Era noticiado no dia 13 de setembro a vitória da 1a Companhia do 4o B. C., comandada pelo tenente Waldomiro Meirelles. As ações empreendidas por ele e seus soldados fizeram que os ditatoriais recuassem em direção a Paraty, sendo digno de se exaltar a bravura e competência dos combatentes.72 Ações práticas também eram tomadas, como a distribuição de tecidos para evitar que os capacetes brilhassem e se aquecessem ao sol. Tal situação fez que muitos deles fossem obrigados a “besuntá--los de gordura e cobri-los de poeira ou terra”.73 O tecido se adaptaria aos três tipos de capacetes que tinham sido fabricados até aquele momento. Além disso, os capacetes reluzentes à luz do sol ou da lua, indicavam a localização dos soldados, o que os tornava alvo fácil dos inimigos.

Naquele mesmo dia, foi erguido na Praça do Patriarca, em São Paulo, um monumento marcado pela figura do bandeirante: “O desenho é perfeito. Não foi esquecido ne-nhum detalhe do personagem que através dos séculos tem sido o incentivo para a grandeza de São Paulo”. A imagem do destemido desbravador do sertão era representada de

72 A Gazeta, 13 de setembro de 1932.73 O Estado de São Paulo, 13 de setembro de 1932.

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acordo com a seguinte descrição: “chapéu de abas largas e alto cobre-lhe a fisionomia austera de longas barbas brancas. Segue-se seu vestimento simples, deixando livres todos os seus movimentos e a bota de cano alto quase até aos joelhos do velho conquistador das selvas”. A imagem do bandeirante, descobridor de ouro que fez a glória de São Paulo, durante o domínio português sobre a América, aludia no monumento à demonstração de orgulho pelas contribuições das doações em ouro. Exaltava-se, assim, a representação do grande bandeirante que “tinha em suas mãos o prato de estanho, seu companheiro inseparável. O ouro que enche esse prato já passou pelo almocafre e pela bateia. Está limpo. Completamente isento dos detritos da colheitas”. Esse mesmo ouro, simbolicamente representado, era também aquele que estava sendo despejado nas arcas dos bancos de São Paulo, hora a hora. A grande corrente que se formara fazia que o povo se desprendesse dos bens materiais, para conquistar a vitória.74

Contudo, a debilidade de recursos das tropas pau-listas era visível, e os comandantes anteviram uma der-rota. Em 14 de setembro, os revolucionários enviaram ao almirante Protógenes Guimarães, Ministro da Marinha uma proposta de armistício que foi concebida por Ber-toldo Klinger. O primeiro contato dos negociadores, dos dois lados, só aconteceria quinze dias depois, sem que a deposição de armas fosse acordada. Enquanto isso, a imprensa paulista, tendo como intenção manter a chama acesa da luta, destacava as vantagens do exército paulista em diferentes frentes.75

74 O Estado de São Paulo, 13 de setembro de 1932.75 O Estado de São Paulo, edições de 27, 28 e 29 de setembro de 1932.

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Passados dois meses dos conflitos, Carlos de Souza Nazareth fez um discurso pela Rádio Sociedade Record, destacando a importância da luta das trincheiras, devi-do às ações de desrespeito a São Paulo pelo governo de Getúlio Vargas. Lembrava que os sons dos canhões eram o som da liberdade e, que naquele momento, o “único acordo possível” era “o acordo da vitória!”.76

O governo federal, além de combater no front, fez reiteradas ações para apontar a fragilidade dos revoltosos, fazendo circular informações sobre o en-fraquecimento dos paulistas e da necessidade de eles solicitarem o armistício, conforme as imposições a serem feitas por Getúlio Vargas. A ação visava desarticular os revoltosos, ao mesmo tempo em que a população se sentia desprotegida.

Após meses de confronto, a apreensão da população era geral, e os civis procuraram fugir das principais zonas de combate. A dificuldade de abastecimento com a falta de gêneros contribuía para aumentar a apreensão geral. Além disso, os fornecedores de recursos necessários para os combates cessaram a entrega de bens, enquanto o pa-gamento não fosse feito, apontando para as dificuldades financeiras do Tesouro do Estado. A fim de contornar a situação, a ACSP autorizou a transferência de recursos consideráveis da conta da Campanha do Ouro, como noticiou A Gazeta.

No dia 16 de setembro, ocorria no Penha Teatro, na rua da Penha, no 75, um festival dramático, cuja renda seria destinada à compra de capacetes de aço.

76 In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 22.

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Todos os esforços eram necessários, neste momento crucial.77 Apelava-se por mais ouro, afirmando-se: “Paulis-ta, a vitória é nossa!”. Era preciso que o paulista doasse ouro para São Paulo para que, no futuro, após a vitória integral das armas constitucionalistas, a população vol-tasse a ter paz. Avisava-se que todos os ofertantes de ouro iriam receber, dentro de curto espaço de tempo, um anel simbólico, igual àqueles de que tinham se desfeito, doando suas alianças.78

O bombardeio de Campinas acabou por acender mais ainda a ira e a consciência coletiva. A cólera tomou o espí-rito de todos os paulistas que repudiaram a forma de agir das tropas da ditadura. Protestos de várias entidades foram enviados ao governo federal, reclamando do desumano bombardeio. Naquele mesmo dia, Paulo Setúbal tomou os microfones da rádio para irradiar a sua indignação. Chamava a atenção, como jurista, para o desrespeito ao Direito Inter-nacional. Classificava o bombardeio de terrorista, e alertava para o fato de que, se este procedimento continuasse, o Brasil desceria ao nível das nações mais bárbaras. Ressalta-va: “Desumano e estúpido, o ataque aéreo a Campinas é, ainda, um ato de manifesta inutilidade. Não é com ele que as forças ditatoriais quebrarão o ânimo das tropas consti-tucionalistas e estabelecerão, no seio das populações civis, o terror propício ao avanço dos exércitos que combatem a lei. O assassínio de populações inocentes, provoca apenas a indignação geral e redobra o ardor guerreiro do povo”.79

Em 21 de setembro, era noticiado “O bombardeio

77 In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 22.78 O Estado de São Paulo, 17 e 18 de setembro de 1932.79 O Estado de São Paulo, 20 de agosto de 1932.

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de cidades abertas e de ambulâncias e hospitais da Cruz Vermelha”. A Cruz Vermelha manifestava o seu protesto contra os métodos de guerra que estavam sendo usados, fazendo vítimas no Estado, como crianças indefesas, am-bulâncias que transportavam doentes e pessoas abnegadas que atendiam aos doentes.80 No mesmo dia, a incipiente força aérea paulista, que contava com seis aviões, co-nhecida como “gaviões-de-penacho”, destruíram cinco aparelhos dos inimigos estacionados em Mogi Mirim.81

O ataque a Campinas e as mortes impulsionaram o movimento de doações. Atendendo às sugestões da comissão de donativos de São Paulo, foram confeccionados, a fim de serem vendidos em benefício do Movimento Constitucio-nalista, distintivos para lapela com a reprodução do brasão do Estado de São Paulo. Essas peças foram fabricadas em dois modelos, um em prata e o outro em metal esmaltado. Previa-se o fabrico também de alfinetes de gravata, e botões de punho para senhoras. As peças passaram a ser vendi-das nos mesmos estabelecimentos comerciais que estavam comercializando os distintivos constitucionalistas.82

No dia 25 de setembro, uma foto de primeira pági-na era estampada, tendo o seguinte título: “Os capacetes de aço no setor de Amparo”.83 Procurava-se encorajar o povo para novas doações. No mesmo dia, a ACSP comu-nicava que a Companhia Paulista de Estradas de Ferro resolvera conceder um abatimento de 50% nos fretes de

80 A Gazeta, 21 de setembro de 1932.81 LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de

escreve e a política. São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 27.

82 O Estado de São Paulo, 23 de setembro de 1932.83 A Gazeta, 25 de setembro de 1932.

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leite destinado a abastecer a cidade, enquanto durasse o conflito. Conforme o registro: “Este simpático gesto da Companhia Paulista não deixará, certamente, de ser se-guido pelas demais empresas ferroviárias do Estado, às quais também a Intendência Geral dos Mercados dirigiu um apelo visando a mesma redução de fretes”.84 A ACSP tinha feito um apelo aos criadores e pequenos produtores para que intensificassem o envio de leite para a capital. As remessas deveriam ser enviadas em grandes quanti-dades, para atender à demanda, devendo ainda evitar o desperdício. Tal ação buscava garantir a continuidade do abastecimento sem elevação dos preços.85

No dia posterior, três notícias interessantes foram divulgadas pela rádio Record. O General Góes Monteiro fora ferido, ocorrera a morte de um oficial da ditadura e a fuga de outro, abandonando as tropas. A rádio anunciou também que o comandante supremo das forças ditatoriais tinha sido ferido numa cidade do Vale do Paraíba.86

Importantes contribuições do Departamento do Ca-pacete de Aço da ACSP foram feitas para os combatentes de Campos do Jordão. O rigor do inverno exigia o envio de “pullowers” e capuzes de lã, camisas, meias, perneiras, cachecóis, ponches, chocolates, biscoitos, cigarros, fósforos, cognac e periscópios para trincheiras. Ambulâncias também foram providenciadas para atender aos feridos. Alunas do Curso Acadêmico Feminino do Mackenzie estavam empe-nhadas em levantar o montante necessário para tal fim.87

84 O Estado de São Paulo, 25 de setembro de 1932.85 O Estado de São Paulo, 25 de setembro de 1932.86 A Gazeta, 26 de setembro de 1932.87 O Estado de São Paulo, 27 de setembro de 1932.

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Em 28 de setembro, foi comunicado que seria criado o Departamento de Donativo de Metais. O Departamento da Campanha do Ouro tinha recebido numerosos obje-tos de metais não preciosos, como alpaca, níquel, zinco, bronze, latão etc. Esses metais eram muito úteis para o fabrico de inúmeros artigos necessários e representavam também contribuição valiosa. As doações permitiriam a criação de uma reserva de metais para assegurar o abaste-cimento do Estado, na hipótese de a guerra durar muito e esse material vier a faltar. Dessa forma, a criação poderia atender às futuras necessidades e passava a receber os donativos na rua Álvares Penteado, 28.88 Naquele dia, as forças de Romão Gomes dominaram toda a região de Ja-guari. A participação feminina foi expressiva no decorrer dos combates. As mulheres contribuíram com a feitura de fardamento e agasalhos, bem como com material farmacêutico para serem enviados aos feridos. Atuaram também nos hospitais com enfermeiras, cuidando dos feridos, bem como dando suporte às famílias daqueles que estavam no front de batalha. Assim, era assegurado: “As senhoras podem ficar descansadas; o inimigo jamais pisará em Campinas”. A coluna enfrentou os adversários no combate da zona da Mogiana, registrava a imprensa: “Soldados e voluntários que a integraram escreveram, com o seu heroísmo imorredoura página nos combates daquele setor”.89

Em 30 de setembro, as exéquias dos aviadores Gomes Ribeiro e Machado Bittencourt, promovidas pelo governo do Estado, a Aviação Constitucionalista, o Estado Maior das Tropas em Operações, a Associação Comercial de

88 O Estado de São Paulo, 28 de setembro de 1932.89 A Gazeta, 28 de setembro de 1932.

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São Paulo, entre outras entidades, foram comunicadas à população. A missa de sétimo dia ocorreu na Basílica de São Bento, sendo oficiada por d. Duarte Leopoldo e com sermão do padre Leopoldo Ayres. Após a celebração, alguns pilotos voaram para Santos, a fim de espalharem flores do povo de São Paulo sobre o local onde os com-batentes haviam falecido.90

Pedro de Toledo, ao avaliar o segundo mês da revolução, destacava a importância do movimento em-preendido para mobilizar a indústria que produzia aci-ma dos patamares convencionais para atender às novas demandas. A aviação teve papel importante na estratégia de guerra, servindo para ataques às cidades revoltosas. Os bombardeios foram intensos contra combatentes e civis. Os registros fixados pela imprensa local computavam o número de mortos e alertava para o desrespeito à Con-venção de Haia de 1907, principalmente após os ataques empreendidos contra a cidade de Campinas.

A iminência de um final inglório para São Paulo não esmoreceu o povo paulista na Campanha do Ouro. Em primeiro de outubro, uma ampla lista com os nomes dos doadores era publicada, contendo registros desde meados de agosto.91 Naquele mesmo dia, era noticiado que a cidade vivia horas agitadas, vários conflitos tinham acontecido e militares estavam mortos. A população nervosa ficou preocupada com as notícias de confrontos no bairro do Brás. As movimentações eram intensas, e os confrontos chegaram a ferir civis. O comércio fechou as portas, tanto na área central como nos bairros. No período da

90 O Estado de São Paulo, 30 de setembro de 1932.91 O Estado de São Paulo, primeiro de outubro de 1932.

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tarde, aconteceram várias passeatas, e oradores fizeram comícios. O coronel Taborda, chefe da polícia, proibiu os comícios, não permitindo reuniões nem passeatas.92 Eram os momentos finais da luta por um ideal.

O número de mortos cresceu nos embates que se se-guiram até 2 de outubro, quando as tropas paulistas foram derrotadas pelo general Pedro Aurélio de Góis Monteiro. Os sinais de enfraquecimento indicavam que a via mais adequa-da para a questão era a solicitação de armistício. O governo, reunido com os comandantes militares e representantes das associações comerciais, chegou à conclusão de que não havia mais condições de continuidade do confronto, tendo em conta a rendição da Força Pública Paulista, localizada em Cruzeiro que, sem alternativas, depôs as armas.

As tropas governistas ocupavam a capital paulista e impuseram uma perseguição inclemente aos revoltosos: a Revolução de 1932 terminara. O saldo era um prejuízo material elevado e a perda da vida de mais de 600 paulis-tas. Apesar da derrota, a imprensa destacara a abnegação dos paulistas em não esmorecer e sempre lutar, como no passado havia ocorrido com os bandeirantes, referencial a ser tido como um exemplo de perseverança.93 Era um consolo para os derrotados.

Para o novo governo provisório foi nomeado o Ge-neral Valdomiro Castilho de Lima. No dia 3 de outubro, dissolveu-se o M.M.D.C.. A nova situação era que se deveria dar assistência aos retirantes e às famílias dos combatentes.

Em 5 de outubro, o governador militar do Estado

92 A Gazeta, 1o de outubro de 1932.93 Diário Popular, 4 de outubro de 1932. CAPELATO, p. 33.

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reuniu os jornalistas expondo-lhes a atuação da milícia estadual na pacificação, sendo determinada a censura à imprensa.94 No dia seguinte, o general Klinger afirmou de forma altruísta: “Só posso dizer-lhes que assumo inte-gralmente a responsabilidade desta revolução e só desejo que todos os castigos que aguardam meus companheiros recaiam somente sobre mim”.95

O momento era de desolação e de indefinição sobre o futuro. Os principais líderes militares foram presos e conduzidos para o Rio de Janeiro, como também aconteceu com o presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth. Preocupada com as punições que pudessem vir a ser impostas ao seu antigo presidente, a ACSP telegrafou a parceiros do Rio de Janeiro, em 10 de outubro de 1932, pedindo que fossem feitos os gastos necessários para garantir a manutenção de Carlos de Souza Nazareth.96 A resposta se deu prontamente, aceitando a incumbência de tratar das negociações necessárias.

Em 11 de outubro, era noticiada a partida para o Rio de Janeiro de outro grupo de constitucionalistas. A população paulista prestou homenagem aos presos cha-mados pelo governo central, dando demonstrações de carinho e simpatia. “Convidados” para irem para o Rio de Janeiro pelo chefe da polícia, os detidos embarcaram na noite do dia 10. O embarque foi marcado pelo sigilo, mas os prisioneiros foram saudados com vivas vibrantes ao embarcarem. O momento era de emoções intensas. Apesar de ser tarde da noite, os presos foram ovacionados,

94 A Gazeta, 5 de outubro de 1932.95 A Gazeta, 6 de outubro de 1932.96 Ata da 2a Reunião do Conselho Consultivo. 12 de outubro de 1932, p. 234.

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enquanto a composição do trem não saía da estação.97

A diretoria e o conselho consultivo da ACSP decidi-ram visitar o antigo presidente, Carlos de Souza Nazareth, para dar-lhe apoio moral e manifestar a continuidade do apreço que este merecia pela postura firme e obstinada que manteve durante todo o processo de luta.98 O momento era de ebulição e ânimos exaltados, e a ACSP, ciente da conveniência de acalmar a população, divulgou um ma-nifesto em 14 de outubro dirigido ao povo, aconselhando “à população a maior calma e serenidade neste momento, a fim de que a ordem pública seja assegurada, como o exigem os altos interesses do nosso Estado e do Brasil”, e formulando os seus votos “para que serenem as paixões e se desarmem os espíritos, a fim de que o país pacificado possa retomar o ritmo normal da sua vida de trabalho”. 99 No comunicado distribuído na capital naquela data, assinado pelas mais diferentes entidades que apoiaram a revolta, apelava-se para “a heroica população de São Paulo no sentido de que se abstenha no atual momento de qualquer manifestação pública, mantendo-se em atitude de inteira calma”. O documento ressaltava que era preciso que “os bons paulistas se lembrem que maus elementos desejavam a todo o transe perturbar a ordem, tirando disso partido em favor de suas insidiosas campanhas”.100

O governo getulista puniu de forma rígida os revolto-sos com o exílio de mais de setenta pessoas. Os principais líderes, como Carlos de Souza Nazareth, Altino Arantes, Pedro de Toledo, Júlio de Mesquita Filho, Francisco Mes-

97 A Gazeta, 11 de outubro de 1932.98 O Estado de São Paulo, 13 de outubro de 1932.99 O Estado de São Paulo, 15 de outubro de 1932.100 O Estado de São Paulo, 15 de outubro de 1932.

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quita, Ibrahim Nobre, Guilherme de Almeida, Paulo Duarte, Agildo Barata e Isidoro Dias Lopes foram deportados para Portugal, sendo embarcados primeiramente no navio D. Pedro I, passando em seguida para a embarcação Siqueira Campos. Nas fotos dos derrotados, à bordo da embarca-ção, o registro para a posteridade mostrava que, apesar da derrota, os ideais paulistas estavam vivos e a dignidade dos combatentes também.

Em missiva dirigida ao Sr. Feliciano Lebre de Mello, escrita na Casa de Correição do Rio de Janeiro, Carlos de Souza Nazareth comunicava aos antigos companheiros o que lhe estava por vir. Seria deportado. No depoimento que fornecera, trouxera para si “toda e qualquer respon-sabilidade que pudesse caber às classes conservadoras pela atitude que assumiram durante a revolução. Estou mais firme do que nunca”.101

A derrota imposta a São Paulo se deveu em gran-de parte ao isolamento do Estado, que não contou com a adesão de outras unidades federativas. O fato é que todos clamavam pela necessidade de uma constituição que garantisse o direito de liberdade, porém, poucos de fato agiram ou estiveram dispostos a lutar por tal causa. Além disso, pôde-se notar, pelo que foi apresentado, que a revolução foi deflagrada, sem o planejamento estratégico devidamente concebido e sem uma melhor organização das forças militares. A morosidade com que as tropas se deslocaram contribuiu para os revolucionários ficarem mais em posição de defesa do que de ataque. Deve-se também ressaltar que a falta de experiência em combates desse tipo fez com que a maioria das ações fosse impro-

101 Ata da 2a Reunião Ordinária – 10 de novembro de 1932, p. 249.

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visada, faltando, por vezes, voz de comando e ousadia para que operações estratégicas fossem realizadas. Entre os militares, havia divergências com relação aos procedi-mentos e também desavenças e rivalidades pessoais, que acabaram por prejudicar o êxito do movimento. Vários fatores tinham contribuído para o malogro da revolução.

A Revolução de 1932 estremeceu o poder de Getúlio Vargas, chamando atenção para a urgência de se instalar um processo de redemocratização. A luta dos paulistas pela Constituição, que ceifou centenas de vidas, não foi em vão. Apesar da derrota, São Paulo conquistou o seu intento que era a promulgação da Constituição em 1934 e a defesa de eleições sem fraudes, sendo criada para tanto a Justiça Eleitoral.

Todavia, José Amaral Palmeira não teria oportuni-dade de ver esse novo momento da história brasileira. Após retornar da prisão no Rio de Janeiro, muito debili-tado devido a problemas renais, veio a falecer no final de 1933, deixando como testemunho o diário e as poesias que apresentamos nesta edição.

Paulo de Assunção

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Imagens da Época

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Figura 1 - Movimento “23 de Maio” - Rua XV de Novembro

Figura 2 - Movimento “23 de Maio” - Praça da Sé

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Figura 3 - Primeiros dias de alistamento voluntário - Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

Figura 4 - Voluntários - Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

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Figura 5 - Legião Negra desfilando em frente da Estação da Luz

Figura 6 - Batalhão de Voluntários

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Figura 7 - Euclides Figueiredo e combatentes da revolução

Figura 8 - Teste de canhão em São Paulo

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Figura 9 - Batalhão 7 de Setembro em Lorena

Figura 10 - Combatentes em Amparo

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Figura 11 - Batalhão Esportivo

Figura 12 - Desfile do Batalhão Esportivo

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Figura 13 - Batalhão Esportivo

Figura 14 - Combatentes na cidade de Lorena

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Figura 15 - Boca do Túnel da Mantiqueira

Figura 16 - Metralhadora pesada

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Figura 17 - Trincheira de combate

Figura 18 - Trincheira de combate

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Figura 20 - Chegada de munições em Eleutério

Figura 19 - Soldados em Eleutério

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Fontes das Imagens

Figura 1- Movimento “23 de Maio”- Rua XV de Novembro. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >

Figura 2 - Movimento “23 de Maio”- Praça da Sé. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 3 – Primeiros dias de alistamento voluntário – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 4 – Voluntários – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Fonte – Disponível em: < http://tudoporsaopaulo1932.blogspot.com.br >Figura 5 – Legião Negra desfilando em frente da Estação da Luz. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 6 – Batalhão de voluntários. Fonte – Disponível em: < http://tudoporsaopaulo1932.blogspot.com.br >Figura 7 – Euclides Figueiredo e combatentes da revolução. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 8 – Teste de canhão em São Paulo. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 9 – Combatentes em Lorena. Fonte – Disponível em: <http://tudoporsaopaulo1932.blogspot.com.br>Figura 10 – Combatentes em Amparo. Fonte – Disponível em: < http://tudoporsaopaulo1932.blogspot.com.br>Figura 11 – Batalhão Esportivo. Fonte – Disponível em: www.abrafite.com.br Figura 12 – Batalhão Esportivo desfilando. Fonte – Disponível em: <http://nucleommdcitapira.blogspot.com.br>Figura 13 – Batalhão Esportivo. Fonte – Disponível em: www.abrafite.com.br Figura 14 – Combatentes na cidade de Lorena. Fonte – Disponível em: < http://tudoporsaopaulo1932.blogspot.com.br >

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Figura 15 – Boca do Túnel da Mantiqueira. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 16 – Metralhadora pesada. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 17 – Trincheira de combate. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 18 – Trincheira de combate. Fonte – Disponível em: < http://blogdaneta.blogspot.com.br >Figura 19 – Soldados em Eleutério. Fonte - Disponível em: < http://s433.photobucket.com/user/RICKY_1972/media/BLOG/eleut01.jpg.html >

Figura 20 – Chegada de munições em EleutérioFonte – Disponível em: < http://s433.photobucket.com/user/RICKY_1972/media/BLOG/eleut02.jpg.html >

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PresidenteRogério Pinto Coelho Amato

(2011-2013)Alencar Burti

Guilherme Afif DomingosAlfredo Cotait Neto

Marco Aurélio BertaiolliGuilherme Campos Júnior

Walter Shindi Iioshi

(2013-2015)Alencar Burti

Guilherme Afif DomingosAlfredo Cotait Neto

Marco Aurélio BertaiolliGuilherme Campos Júnior

Lincoln da Cunha Pereira Filho

Comissão Fiscal(2011-2013)

Antonio Carlos PariseAry de Oliveira Russo

Ricardo Anderson Ribeiro

(2013-2015)Antonio Carlos PariseAry de Oliveira Russo

Ricardo Anderson Ribeiro

Equipe FACESPNatanael Miranda dos Anjos (Superintendente), José Olival Moreira de Almeida Júnior (Assessor de Relações Institucionais), Giovanni Guerra (Superintendente de Produtos e Operações), Nelson Andujar de Oliveira (Coordenador Estadual de Projetos e Desenvolvimento de Filiadas),

Marcelo Nunes da Silva (Coordenador Administrativo de Projetos e Desenvolvimento de Filiadas)

Vice-presidentes da FACESP

RA 01- São PauloGilberto Kassab

RA 02- Metropolitana ABCGerardo Pedro Sauter

RA 03 - Metropolitana do Alto TietêWilson José Lourenço

RA 04 - Metropolitana OestePaulo Contim

RA 05 - Litoral PaulistaRoberto Pereira da Silva

RA 06 - Vale do ParaíbaJorge Ricardo Baruki Samahá

RA 07 - CampinasAntonio Marcos Marcondes Ferraz

RA 08 - JundiaíElizeu Pereira da Silva

RA 09 - SorocabaBraz Cassiolato

RA 10 - Vale do ParanapanemaAry de Oliveira Russo

RA 11 - Ribeirão PretoJosé Carlos Carvalho

RA 12 - BauruAriovaldo Ari GabrielRA 13 - AraçatubaLuiz Eduardo Doná

RA 14 - São José do Rio PretoAntonio Carlos Parise

RA 15 - MaríliaSérgio Lopes Sobrinho

RA 16 - Baixa MogianaJosé Eduardo Rodrigues de Carvalho

RA 17 - Presidente PrudenteRicardo Anderson Ribeiro

RA 18 - São CarlosGino José TorrezanRA 19 - Franca

João Carlos CheadeRA 20 - Alta Noroeste

Rolando César C. Castilho Nogueira

Diretoria Executiva

(2011-2013) (2013-2015)

RA 01- São PauloGilberto Kassab

RA 02- Metropolitana ABCValter Moura

RA 03 - Metropolitana do Alto TietêWilson José Lourenço

RA 04 - Metropolitana OesteClemens de Souza Fein

RA 05 - Litoral PaulistaElizeu Braga Chagas

RA 06 - Vale do ParaíbaJorge Ricardo Baruki Samahá

RA 07 - CampinasJorge Aversa Júnior

RA 08 - JundiaíElizeu Pereira da Silva

RA 09 - SorocabaNilson da Silva César

RA 10 - Vale do ParanapanemaFábio Ravacci

RA 11 - Ribeirão PretoJosé Carlos Carvalho

RA 12 - BauruAriovaldo Ari GabrielRA 13 - AraçatubaLuiz Eduardo Doná

RA 14 - São José do Rio PretoAntonio Carlos Parise

RA 15 - MaríliaAlair Mendes Fragoso

RA 16 - Baixa MogianaAntonio Carlos Coelho PessanhaRA 17 - Presidente Prudente

Ricardo Anderson RibeiroRA 18 - São CarlosGino José TorrezanRA 19 - Franca

José Alexandre Carmo JorgeRA 20 - Alta Noroeste

Rolando César C. Castilho Nogueira

FACESP - Federação das Associações Comerciais do Estado de São PauloRua Boa Vista, 63 - 3º andar - CEP 01014-911 - Centro - São Paulo - SP

Fone: (11) 3180-3380 - www.facesp.com.br

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Page 234: 1932 - Um relato inédito

– Um

relato

inédi

to

Um jovem soldado nos conta

seus desafios durante a

Revolução de 32, enquanto

o “Batalhão Esportivo” se

deslocava pelo interior

de São Paulo, combatendo

as tropas federais, os

“ditatoriais”. Seus motivos

em participar da campanha

pela autonomia de São Paulo

e por uma Constituinte para

o país, as decepções íntimas

e o dia a dia em trincheiras

cavadas por suas próprias

mãos traçam um panorama de

como a população paulista

e a juventude de seu tempo

compreenderam os ideais de

liberdade e de democracia,

quando esses foram

ameaçados pela própria

esfera federal.

Diário de S. Paulo - 29/12/1933

Correio de S. Paulo - 29/12/1933

Um relato inédito

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