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Tiragem: 150000 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Interesse Geral Pág: 20 Cores: Cor Área: 20,27 x 26,00 cm² Corte: 1 de 10 ID: 65682719 14-08-2016 = 1993

1993 - Abreu Advogados · a si próprio mas que haveria de registar um prejuízo de 565 milhões de eu ros. E inaugu-rado o Centro Cultural de Belém, cuja fatu-ra ultrapassaria os

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Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 20

Cores: Cor

Área: 20,27 x 26,00 cm²

Corte: 1 de 10ID: 65682719 14-08-2016

=

1993

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 21

Cores: Cor

Área: 20,50 x 26,00 cm²

Corte: 2 de 10ID: 65682719 14-08-2016

José Barreiro, Joao Carvalho

Vítor Paulo Pereira e Filipe Lopes, os fundadores

do Festival de Paredes de Coura

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 22

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Área: 20,27 x 26,00 cm²

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EPORTAlEll

1993. EM LISBOA, COMEÇA A SER CONSTRUIDA A

EXPO'98, QUE DARIA UM PREJUÍZO DE MAIS DE 500

MILHÕES DE EUROS, E É INAUGURADO O CENTRO

CULTURAL DE BELÉM COM UMA FATURA DE 200

MILHÕES. NO MESMO ANO, EM PAREDES DE COURA,

UM GRUPO DE AMIGOS PÕE A VILA NO MAPA, COM

APENAS 900 EUROS. NASCIA A MECA DA MÚSICA

INDIE. NUMA SEMANA, DÁ EMPREGO A 1600 PES, E MOVIMENTA TRÊS MILHÕES DE EUROS.

Texto Helena Teixeira

da Silva Fotografia Leonel

de Castro/Global Imagens

José Eduardo Martins, advogado, ex-deputado do PSD e antigo secre-tário de Estado do Ambiente, é um indef ative( do festival e de Paredes de Doura. terra dos pais.

O MUNDO É UM LUGAR ESTRANHO, sabemos todos. Em 1993, Bil/ Clinton che-ga ao poder nos Estados Unidos pondo fim ao longo reinado republicano do pai Bush. Nelson Mandela, símbolo da luta contra o apartheid, ganha o Nobel da Paz, mas Xa-nana Gusmão, um dos principais ativistas pela independência de Timor, é condenado aprislio perpétua.

Em Portugal, Mário Soares percorre alegremente o pais com as suas presidên-cias abertas. E Cavaco Silva cavalga a se-gunda maioria absoluta enquanto atape-ta o pais com alcatrão à boleia do primei-ro Quadro ComunitáriodeApoio, quase 1.5 mil milhões de ouros vindos da Europa de uma assentada.

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 23

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Área: 20,22 x 25,95 cm²

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Mito ou realidade, háquem garanta que em 1993 é o ano em que, pela primei ra vez, são vendidos mais computadores do que auto-móveis. Na música, explode o movimento grunge. Os Nirvanalançam o álbum/n Ute-ro, cinco vezes platina, 15 milhões de dis-cos vendidos no mundo, quando o mundo ainda comprava discos. Ao mesmo tempo, popularizam-se as boy e as girl bands. Do Reino Unido, as Spice Girls, e da Florida, os Backstreet Boys, são exemplos de que não é preciso saber cantar, só dançar de forma sincronizada para ascender ao topo. Em Portugal, os Blind Zero e os Cosmic City Blues preenchem a quotagrunge.

Em Lisboa, arrancam as obras para a Expo'98, evento que prometeu pagar-se

a si próprio mas que haveria de registar um prejuízo de 565 milhões de eu ros. E inaugu-rado o Centro Cultural de Belém, cuja fatu-ra ultrapassaria os 200 milhões de euros, duzentas vezes mais do que o previsto. Nes-se ano, a capital é também palco da estreia nacional de Prince. No Porto, a música de estádio é outra. Ahonraé fornecidapelo Fu-tebol Clube de Porto, que volta ser campeão nacional. Pela 131' vez.

Enquanto a história dos homens mu-dava nas suas imensas gravidades, nu-ma tranquila vila minhota o mundo não se preparava para mudar. Mas a histó-ria de muitas vidas sim. E isso não sabía-mos todos. Onde era Paredes de Coura em 1993?

José Eduardo Martins, hoje sócio da Ritmos, organizadora do Festival de Paredes de

Coura, com António Costa e Manuel Pizarro, em 2014, antes das primárias do PS.

Paredes de Coura, no Alto Minho, parente pobre dos concelhos ricos de Viana do Cas-telo, não era em lado nenhum, porque nin-guém sabia onde era. Mas era lá que, nesse ano, nascia o festival que haveria de mudar

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

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Área: 20,39 x 26,00 cm²

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REPORTAr,f,M

a forma como se recebe e ouve música. E a forma como quem ouve músie,aguarda con-certos ao vivo: como se o mundo já pudesse acabar. Nascia um fenómeno de partilha, de cruzamento de pessoas, de crescimento de oportunidades, um medicamento natu-ral para a dor. Coura era periferia e fragili-dade, onde se nascia para sair ou sofrer. Ho-je, é trilho terapêutico, lugar mítico e mís-tico que salva, onde todos querem ir e onde se vai para se ser feliz. E para aprender que a generosidade e a gratidão são uma espé-cie de acrobacia temperamental revolucio-nária que pode durar e mudaro ano inteiro. Até ser Coura outra vez. Em 1993, era ain-da apenas o embrião da explosão criativa e económica - e sim, sentimentalmente sís-mica - em que depois se tornou.

Sem derrapagem orçamental, com 900 euros, em apenas nove dias, duas mãos cheias de rapazes, amigos com 20 anos, es-boçaram o que viria atornar-se, 23 anos de-pois do parto, e todos os anos ininterrupta-mente, a meca da música indie no país.

Numa semana, o festival dá emprego a 1600 pessoas e contrata 70 empresas. No multibanco, são levantados três milhões de euros. É impossível alugar casa ou quar-to em cima da hora. Na colina mágica do campismo há quem consagre a tenda ao Ta-boão quinze dias antes daqueles cinco dias de efervescência. Para assegurar os melho-res mergulhos na praia fluvial, a melhor sombra dojazz na relva, ou o melhor cená-rio para o romance, privilégio de quem ali sente que a música dá a oportunidade rara de sersempre a primeiravezoutravez, outra vez no lugar certo. Dos restaurantes aos ca-fés, passando pelas mercearias e pelas ruas da vila, tudo é fila, gente em hipérbole civi-lizada, simples e alegre. Todos ganham, já ninguém estranha. São mais de vinte mil a dormir na vila, transfusão de milagre que devolveu a esperança a quem nasceu na opacidade de um país centralizado.

Foi de Paredes de Coura, que o país apren-deu asituar no mapa, e do núcleo fundador--consumidor desse festival criado num an-fiteatro natural único, com relva ao pesco-ço do palco e rio ao fundo do corpo, criado «por brincadeira, por alternativa, para fa-zer mexer a terra, para entreter o tempo e porque sim», que saiu o atual presidente da Câmara Municipal da vila, Vítor Paulo Pe-reira, eleito pelo PS em 2013. E o ex-depu-tado do PSD e ex-secretário de Estado do Ambiente José Eduardo Martins. Que saiu o cientista reconhecido pela investigação desenvolvida na deteção precoce do cancro, hoje ministro da Educação, Tiago Brandão

João Carvalho, Filipe Lopes e José Barreiro (mais à direita)

organizam há 23 anos o Festival de Paredes de Coura. Vítor Paulo

Pereira deixou a organização do evento para se dedicar

aos destinos da vila.

Rodrigues. E o irmão, João Brandão Rodri-gues, o mais conhecido veterinário do país especializado em saúde oral de burros. Que saiu Carlos Loureiro, engenheiro com im-pério de empresas de construção civil em Angola. E Nuno Ferros, diretor do Canal 780, o primeiro canal português por cabo inteiramente dedicado à cultura. Que saiu Afonso Barbosa, diretor executivo da Seat-Wish, empresa de troca e venda de bilhetes de espetáculos e jogos de futebol sediada na Califórnia. Assim como os três mentores re-sistentes, os empresários e sócios-fundado-res da Ritmos, empresa responsável pelo Festival de Paredes de Coura: João Carva-lho, ex-locutor de rádio, José Barreiro, ex--sociólogo e Filipe Lopes, gestor.

Entraram nos 40 anos como entraram nos 20, amigos de infància a relativizar a vida adulta, unidos no abraço de fazer pe-la terra, por Coura, território onde voltam sempre. E nenhum deles, asseguram todos, voltaria se não fosse a catedral de orgulho em que se transformou o festival.

«Coura era a típica terra pobre de emigran-tes e sem oportunidades. Não tinha praia, nem casas solarengas, nem sarrabulho, co-mo os outros concelhos de Viana. Tinha pouco mais de cinco mil pessoas e era o con-celho mais gozado do Alto Minho. Coura

Tiragem: 150000

País: Portugal

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Âmbito: Interesse Geral

Pág: 25

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«TÍNHAMOS REUNIOES ATE DE MADRUGADA, PARA ESCOLHER AS BANDAS. a1 /4‘,:51www-"f irtz% 2; ,.çr.:4~,tim

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NA MESMA. PORQUE O IMPORTANTE ERA OFERECER NOITES BONITAS AS PESSOAS.»

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Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

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O MOMENTO DECISIVO Nos anos 1990, não havia repeat. A pul-são de ouvir a mesma canção impunha gravá-la sucessivas vezes numa cassete. João Carvalho estava apaixonado. Lado A: Purple Rain na ver-são de Prince. Lado B: Desejo, dos Ecos da Cave, hit cravado na cabeça: «Talvez até estejas no teu quarto e me desejes ai.» Em 1993, quando Coura era cartaz nacional hipster, a expetativa de um coração apaixonado era ouvir aquilo. «Es-tava à espera daque-la canção. Mas o vocalista mudou nesse ano e renegou o legado.» Facada no alinhamento e no momento. O cartaz do festival que foi inventado numa noite de fado abriu-se ao mundo na sexta edição, em 1998, ano dos Tindersticks e dos Divine Comedy. Mas o concerto da vida de muita gente é português, e aconte-ceria em 2012. Orna-tos Violeta ressusci-tam por uma noite, rendem a encosta e põem milhares a chorar naquele re-lâmpago que é o instante decisivo de uma vida. Manuel Cruz, o vocalista, foi sacerdote e salvação. Mas Paredes de Coura está cheio desses momentos em que a música é atirada à cara como lume direto ao cora-ção. Raras vezes o fim da tarde não é epifania. Lista ne-nhuma pode sinteti-zar os melhores concertos de 23 anos.

Paredes deCoura

••• mor

••••.•

1998

'OCAFONE PAREDES COURA

o LCD SOUNDSYSTEM

ES . THE TALLEST MAN O •

• Em 2015, Paredes de Coura

fechou com Fuzz.

PflIATAA[!+1

era uma seca!», diz José Eduardo Martins, melómano e sócio da Abreu Advogados, uma das maiores sociedades de advogados do país. Lisboeta de residência, alentejano por arrebatamento, mas courense de ge-ma, o ex-dirigente social-democrata pas-sava sempre ali o verão, no berço bucólico dos pais - e não gostava. O aparecimento do festival, de que hoje é sócio, mudou-lhe a perspetiva. «Adoro o Alentejo. Mas se ti-ver de definir-me, é a Coura que pertenço. É aquela paisagem que me tranquiliza a al-ma, é ali que me sinto em casa.» A casa é a vila inteira, mas é também a casa dos pais, que se «transforma num prolongamento do recinto, para o ritual de receber os netos e os amigos».

É ali que Carlos Loureiro, «o milionário do grupo que era forreta na juventude», so-nha construir casa para todos. «A ideia de vivermos a velhice na mesma casa parece brincadeira, mas não é. Gostava que aca-bássemos assim, todos juntos», confessa.

O tiro de partida será dado no próximo ano, quando arrancarem as obras do hotel de charme que o empresário vai construir no concelho, hoje com 16 freguesias e quase dez mil habitantes. «Vivo em Angola desde 2003. Acabei por construir a minha habita-ção em Espanha, mas não é lá a minha pá-tria. O meu sítio é Coura, é o sítio que que-ro ajudar a crescer.» E já ajuda. Tem quase quinhentos funcionários e dois critérios de seleção: a geografia e o caráter. «A minha

prioridade é recrutar em Coura, depois no Norte e só depois no resto do país. E o prin-cipal talento tem de ser a confiança.» É es-se o traço que define os courenses, diz. «São pessoas confiáveis, sérias, que agarram as oportunidades com capacidade de traba-lho. Tenho muito orgulho em todas as pes-soas que contratei.»

Orgulho é o substantivo mais usado por todos parase referirem a Paredes de Coura, ao lugar que a vila ganhou no mapa, ao per-curso profissional de cada um e à impressão digital que cada um deixou ali. «Fico em-bevecido de orgulho quando penso no que o meu grupo de amigos de criança conse-guiu fazer com o festival. Mais do que fazer, manter. Esempre de forma simples e genuí-na», diz Tiago Brandão Rodrigues, minis-tro da Educação, que é ministro porque há dois anos conheceu António Costa no recin-to do festival. «Não é mito, é verdade. Foi lá que falei com ele pela primeira vez», con-firma Brandão Rodrigues, ao telefone, do Brasil olímpico, na véspera de ser assaltado. «Fiquei surpreendido, porque ele já conhe-cia o meu trabalho científico. Tivemos uma conversa curta, que depois instigou conver-sas maiores.»

Em 2014, Costaganharia as primárias no PS, seria nomeado primeiro-ministro e ha-veria de convencer o cientista atroc,ar Cam-bridge, onde fazia investigação há seis anos, por Lisboa. Mas todos os anos, em agosto, o ministro troca Lisboa, ou onde quer que

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 27

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Área: 20,17 x 26,00 cm²

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«É UM ORGULHO

PENSAR NO QUE

O MEU GRUPO

DE AMIGOS

DE CRIANÇA

CONSEGUIU FAZER

COM O FESTIVAL.

MAIS DO QUE

FAZER, MANTER.»

Em 1993, um grupo de amigos resolveu fazer um festival de música independente. Talvez nenhum deles imaginasse que, 23 anos depois, seria um dos festivais veteranos do país.

Foi em Paredes de Coura que o ministro Tiago Brandão Rodrigues conheceu António

Costa.

esteja - oito cidades como residência, 16 anos de estrangeiro - por Coura. «Em 1998, estava a trabalhar na Expo, como voluntá-rio. Tinha 21 anos. Trabalhei semanas se-guidas, acumulando as folgas para poder ir ao festival. Fui e voltei de autocarro.»

Tiago foi «positivamente contaminado» por duas entidades na vida: o pai, «o maior melómano» que conheceu. E Coura. «Mais do que o festival, marcaram-me as pessoas, esse caldo de cultivo de fazer que são. Ain-da hoje.»

Arriscar está nos genes daquela geração que diz de si própria resultar de uma «for-nada dourada». «O que era mais bonito pa-ra nós era mais feio para o negócio, porque confundíamos emoção com dinheiro», re-conhece Vitor Paulo Pereira, o homem que abandonou a organização do evento para assumir a presidência da autarquia. «Tí-nhamos reuniões até de madrugada, para escolhermos as bandas. Às vezes, pensáva-mos: é muito caro, vamos enterrar-nos. Mas depois decidíamos fazer na mesma, porque

o importante era oferecer noites bonitas às pessoas.» O antigo professor de História re-corda a lógica e ri. E depois conta o que mu-dou. «Casámos.» E volta a rir. «Quando so-mos solteiros, somos imortais. Quando a fa-mília cresce, ganhamos sensatez.»

Não foi só a empresado festival que bene-ficiou com a maturidade, foi também a au-tarquia. «Aprendi mais no festival do que na Universidade de Coimbra. Aprendi age-rir orçamentos, a tratar as pessoas todas por igual, as mais simpáticas e as mais di-fíceis, a dar atenção a todos os pormenores e a ter a responsabilidade de que nada po-de falhar.»

Vitor Paulo fala como político, mas ga-rante que a política foi um acaso. «A vida é feita de incerteza, de acaso, de luta. Não vale a pena achar que houve sempre razão atrás de cada decisão. Nunca pensei numa carreira política, como nunca pensei se iria haverfestival no ano seguinte. Mas sempre pensei que a coisa mais maravilhosa que o festival deu às pessoas foi autoestima.»

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Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 28

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Área: 20,24 x 25,77 cm²

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«E mundo», acrescenta José Barreiro. Estudou Sociologiaem Évora, mas também trocou o emprego na autarquia de Valença pela dedicação integral ao festival. Nunca foigroupie nem teve heróis, garante. Naju-ventude, gostava até mais de literatura do que de música - ler o Guerra e Paz, de Tols-toi, aos 18 anos não é para todos -, mesmo se não prescindia dos discos que a tia lhe en-viava daAmérica embrulhados em papel de novidade. Responsável pela produção, sen-tiu o primeiro arrepio em 2005, na edição queteve um dos cartazes mais generosos de sempre. «Vi os Arcada Fire, pela primeira vez, em outubro de 2004, quando vivia em Londres. O concerto foi num clube manho-so em que não estavam mais de duzentas pessoas. Em janeiro do ano seguinte, ain-da em Londres, voltei a vê-los. Já havia três mil pessoas na sala. Vi-os ainda no Prima-vera Sound de Barcelona. E em agosto desse mesmo ano, os Arcada Fire tocaram na mi-nhaterra», enaltece. A multipremiadaban-da do Canadá custou vinte mil euros, hoje cobra perto de um milhão.

«Não sei se as pessoas perceberam, mas naquele ano ficou claro que o que acontece em Coura pode acontecer num clube de No-va Iorque», diz. A edição de 2005 foi aque-la que qualquer festivaleiro gravou no cora-ção, o ano de Nick Cave e dos Pixies, dos Na-tional e dos Queens of the Stone Age e dos Foo Fighters. O ano de Vincent Gano, de pa-pel na máo' aseduzir: «Estou no quarto 308, se alguém estiver interessado.»

O ator de The Brown Bunny não sabe, mas, nesse ano, estragou a noite ao rosto mais popular da organização do festival. «Estava a tirar uma fotografia com a Ju-liana Lewis, ex-namorada de Brad Pitt. Ele passa, dá-lhe uma palmada no rabo e per-gunta: "Queres dormir comigo hoje?" (per-gunta reproduzida em versão soft). A atriz respondeu: Talvez», lembraJoão Carvalho, perdido na gargalhada da memória.

João é único elemento que, desde o início, desde os tempos em que criaram a associa-ção ICC (Incentivo à Cultu ra Courense, nu-matradução polida), vive do festival apara o festival. Sabe os cartazes das 24 edições de cor, e é capaz de identificar trechos de notí-cias publicadas sem recurso a apontamen-tos. Como em 2004, quando o festival qua-se acabou depois da chuva torrencial que estragou o palco, aluiu o terreno e levou ao cancelamento de concertos. «Nessa noite, quase não dormi. Quando acordei, os jor-nais diziam que tinha sido a maior noite de

chuva em Coura dos últimos 99 anos.» Mas ele vê sempre o copo meio cheio. «Não tí-nhamos patrocinador, tivemos um prejuí-zobrutal. Só tínhamos duas soluções: desis-tir ou arriscar tudo.» Arriscaram, hipote-caram as casas, ganharam. «Ficámos mais fortes e o festival mais resistente. Acabar deixou de ser opção.»

Carvalho cresceu a ler Miguel Estavas Cardoso n'0 Independente e a passar mú-sica alternativa na rádio de Cerveira, até ao dia em que o patrão começou a descon-tar-lhe os períodos no salário. «Estava sem-pre ao telefone a contratar bandas», conta. Acabou por despedir-se. Mais tarde pas-saria ainda pela Assembleia Municipal,

deputado pelo PS. Era lá que encontrava José Eduardo Martins, deputado pelo PSD. «As pessoas ficavam muito zangadas por-que achavam que estávamos sempre a cons-pirar, mas estávamos só a falar de música.»

A política nunca os separou, o que sempre os moveu foi o altruísmo, diz João. «No pri-meiro ano em que tivemos lucro, partilhá-mos tudo com avila, demos dinheiro a asso-ciações e comprámos cabazes para as pes-soas.» E, com isso, aprenderam uma lição. «Um festival não é uma ciência. No ano se-guinte, tivemos prejuízo e tínhamos gasto todo o lucro do ano anterior.»

Há festivais que vão tomando conta dos territórios, mas Coura foi tomando conta dos corações. Há dez anos, Pedro Triguei-ro, agente de vários artistas, escreveu um texto no Diário Digital intitulado «Cou-ra é amor». O título acabaria por cunhar o festival, por ser unanimemente conside-rado a expressão que melhor define o espí-rito. Mas Coura também é partilha - «as pessoas da vila oferecem sopa e café em ca-sa às pessoas que visitam o festival», elo-gia João Carvalho. E é descoberta. Filipe Lopes, o homem que mantém as contas da empresa em ordem e faz as cobranças di-fíceis, confessa, com ironia, que não sabia nada de música até ter descoberto ali «que é possível inventar tantas bandas novas to-dos os anos».

Paredes de Coura parece um lugar inven-tado onde nunca nada pode correr mal, e de onde é impossível falar sem ser com exage-ro. Um lugar que nos devolve sempre os 16 anos, porque nos deixa sempre à flor da pe-le. Carlos Loureiro nunca há-de esquecer o concerto dos Coldplay. Associa os britâ-nicos a 2000, o ano em que nasceu a filha. Nunca faltou a uma edição. Nem ele, nem o pai, com 79 anos, nem a mãe, com 80. Tiago Brandão Rodrigues inclui sempre os Tin-desticks nasplaylists que lhe pedem, «por-que algo belo e especial aconteceu naque-le concerto - a maturidade do festival» e da sua relação com ele. Vitor Paulo ri quando lembra «a utopia maravilhosa de acreditar que os vips queriam ir para a relva e não es-tar confinados numa zona fechada». João Carvalho lembraquando não queriacobrar o preço dos bilhetes (mil escudos em 1993) com medo de que as pessoas não apareces-sem. José Barreiro destaca o ano em que PJ Harvey foi para o meio do recinto para ver a estreia dos Yeah yeah yeah s.

Qual é o contrário de despenhar? Coura é isso, um intervalo da vida. E é a banda so-nora das nossas vidas. Eles dizem que terão sempre Coura. Nós também.

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 1

Cores: Cor

Área: 20,49 x 25,17 cm²

Corte: 10 de 10ID: 65682719 14-08-2016

João Carvalho, José Barreiro, Filipe Lopes e Vítor Pereira foram os fundadores.

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41NOTICIASI GAME FORAM ELES QUE INVENTARAM

UM MINISTRO, UM NOI

PAREDE DE

AVEL DO PSD, UM EDIL, UM COURA

JORNALISTA E DOIS GESTORES.

UM GRUPO DE AMIGOS ESTEVE NA ORIGEM DO FikÉS/IV:AL MECA DA MUSICA INDIE.

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