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Escola de Verão para Juventudes Polícas Progressistas da América Lana 2 ª 1. Planejamento de longo prazo: necessidade e ausência na maior parte das experiências progres- sistas da América Latina No esquema seguinte, extraído de apresentações do ILPES-CEPAL, são resumidos brevemente os componentes de planejamento de curto, médio e longo prazos. Todos os países lano-americanos realizam planejamento de curto prazo, em virtude do consenso existente sobre a importância de sustentar os equilíbrios macroeconômicos, evitar a inflação e manter as contas fiscais em ordem. Vários países elaboram planos ou pelo menos linhas com diretrizes para a orientação do gasto orçamentário com caráter plurianual, definem programas prioritários e/ ou estabelecem alguns critérios para orientar o invesmento público. No entanto, poucos organizam sua proposta programáca para o período de governo em um plano nacional de desenvolvimento; e apenas de maneira parcial algum desses países situa o plano de governo no âmbito de uma visão de país mais a longo prazo (digamos, duas décadas ou duas décadas e meia). Esse horizonte fornece sustentação a polícas que somente amadurecem em tais prazos, como é o caso daquelas de grandes infra- estruturas, formação de recursos humanos, compevidade, ambiente e mudança estrutural favorecendo o conteúdo inovador da produção. PLANEJAMENTO DE LONGO PRAZO: um requisito para enfoques progressistas de desenvolvimento na América Latina. Texto escrito em abril de 2011 por Gustavo Biencourt, Universidad de la Republica - Uruguay

1.Planejamento de longo prazo: necessidade e ausência na ...fes.org.br/escola/pdf/gustavo bittencourt_port.pdf · Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América

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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina

1. Planejamento de longo prazo: necessidade e ausência na maior parte das experiências progres-sistas da América Latina

No esquema seguinte, extraído de apresentações do ILPES-CEPAL, são

resumidos brevemente os componentes de planejamento de curto, médio e longo

prazos. Todos os países latino-americanos realizam planejamento de curto prazo,

em virtude do consenso existente sobre a importância de sustentar os equilíbrios

macroeconômicos, evitar a inflação e manter as contas fiscais em ordem. Vários

países elaboram planos ou pelo menos linhas com diretrizes para a orientação

do gasto orçamentário com caráter plurianual, definem programas prioritários e/

ou estabelecem alguns critérios para orientar o investimento público. No entanto,

poucos organizam sua proposta programática para o período de governo em um plano

nacional de desenvolvimento; e apenas de maneira parcial algum desses países situa

o plano de governo no âmbito de uma visão de país mais a longo prazo (digamos,

duas décadas ou duas décadas e meia). Esse horizonte fornece sustentação a políticas

que somente amadurecem em tais prazos, como é o caso daquelas de grandes infra-

estruturas, formação de recursos humanos, competitividade, ambiente e mudança

estrutural favorecendo o conteúdo inovador da produção.

PLANEJAMENTO DE LONGO PRAZO:um requisito para enfoques progressistas de desenvolvimento na América Latina.Texto escrito em abril de 2011 por Gustavo Bittencourt, Universidad de la Republica - Uruguay

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Fonte: ILPES-CEPAL

Este documento sustenta, como ideia central, que explicitar a

estratégia de desenvolvimento – conceito que abrange objetivos de longo prazo,

principais instrumentos para alcançá-los e metas mensuráveis em indicadores

– é uma condição necessária para que as forças progressistas possam exercer

o governo sem perder sua orientação transformadora. A noção de longo prazo,

operativamente, refere-se a um horizonte de mais ou menos duas décadas. Não

implica, portanto, um modelo de sociedade final que cada pessoa ou grupo

pretenda, e sim uma posição intermediária que corresponda a certa etapa histórica

correspondente a vários períodos de governos democráticos. Por isso, esta visão

ou estratégia permite selecionar e tentar implementar os acordos sociais que

fundamentam políticas de estado.

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Isto parece, em primeiro lugar, uma necessidade para as forças

políticas progressistas ou de esquerda. Como será explicado a seguir, se se acredita

que o mercado por si só orientará de maneira adequada as forças produtivas e

sociais rumo ao desenvolvimento, tal como acreditam aqueles que podemos

agrupar, grosso modo, como o enfoque neoliberal (este aspecto será retomado

mais adiante), não é necessário definir para onde queremos ou devemos ir a fim

de nos desenvolvermos. Essa necessidade provem, claramente, de um diagnóstico

que desconfia do mercado como o principal designador de recursos para gerar

desenvolvimento econômico.

Além disso, em um contexto de muita complexidade, com alta

incerteza a respeito do futuro, quando já não dispomos de soluções que possam ser

apresentadas em disposições simples que todos compreendemos, a desesperança

tende a predominar. Parece necessário estabelecer, com clareza, agendas políticas

para o momento atual, mas que, para poderem gerar esperanças, comprometam-

se firme e nitidamente com o longo prazo. Já não somente a partir da desconfiança

sobre a “espontaneidade” do desenvolvimento, mas também porque é necessário

que as propostas sejam capazes de convencer acerca da relação entre o que

estamos fazendo ou discutindo hoje e a realização dos objetivos desejados no

desenvolvimento futuro. Sem esse componente, a agenda atual certamente terá

problemas de credibilidade.

Para além do fato de que deve existir uma engenharia social e política

que permita gerar esse tipo de debate, faz-se necessário, como etapa prévia, um

importante esforço de reflexão sobre os projetos nacionais e de integração latino-

americana, que sejam ao mesmo tempo atrativos e consistentes, capazes, portanto,

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de recuperar a esperança baseada nas ideias mais do que na figura dos líderes.

Um programa que seja capaz de convocar, estimulando o entusiasmo coletivo

(especialmente o dos jovens), conferindo forma viável e possível, e portanto crível,

às utopias de mais amplo fôlego.

Agendas construídas em procedimentos desse tipo podem

proporcionar o diálogo social a fim de gerar espaços amplos de convergência entre

organizações representativas de diversos setores da sociedade, entre as quais não

podem faltar as agrupações de trabalhadores, algumas câmaras empresariais,

ONGs, etc, com a maior amplitude possível. A projeção desses acordos ou alianças

estratégicas sobre o espaço político-partidário é a melhor garantia para o desenho

de políticas de estado que se estendam por vários períodos de governo.

A estratégia de longo prazo também é necessária porque melhora a

ação de governo, tornando-a mais eficaz, eficiente e passível de avaliação.

a. Planejamento de longo prazo é necessário para mobilizar

recursos sociais (não somente recursos financeiros) em destinos

antecipados e em áreas que dispõem de resultados apenas em

períodos longos, quase geracionais, como infra-estrutura e

educação.

b. Desenho prospectivo ou de visão de longo prazo com alto

sentido de antecipação e construção de futuro. A crescente

incerteza demanda a construção de cenários. Por exemplo, se

não somos capazes de formar pessoas antecipando a possível

futura dinâmica internacional do novo paradigma tecnológico

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(que surge da combinação entre biotecnologias, nanotecnologias

e ciências da informação), perdemos a possibilidade de acelerar

a redução da brecha com os países desenvolvidos.

c. Coordenação de políticas e esforços para gerar sinergias;

concertação para garantir a participação e a inclusão de

todos os envolvidos. A fixação de metas comuns a vários

setores e instituições permite elaborar programas ou projetos

de desenvolvimento estruturadores, que busquem resolver

problemas e levantar restrições que o desenvolvimento

necessita. Por exemplo, as políticas de desenvolvimento

tecnológico não podem ser objeto exclusivo de uma agência

que promova a inovação, e sim de projetos setoriais de

desenvolvimento que sejam impulsionados por todo o governo

e a sociedade. Projetos estruturadores cuja articulação forma

o plano nacional de desenvolvimento, que está, por sua vez,

alinhado com a estratégia de longo prazo.

d. Avaliação de políticas e programas para promover uma gestão

por resultados. Esses projetos devem ser desenhados de

maneira tal que seja possível seguir seus resultados através de

vários indicadores, avaliando quanto foi investido para poder

conseguir tais resultados.

e. O enfoque de curto prazo (dominante) deixa de lado problemas

de sustentabilidade do crescimento originados no tipo de

estrutura produtiva desses países, em geral com abundância

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relativa de recursos naturais. Por exemplo, se somente estamos

preocupados com o papel da taxa de câmbio real como

estabilizador antiinflacionário, então ela pode continuar caindo

e afetando negativamente a rentabilidade de setores com mais

intensidade tecnológica e valor agregado por mão-de-obra local.

Dólar baixo leva a economia a se concentrar no setor primário,

já que somente são rentáveis os setores que têm preços muito

altos no mercado internacional e que usam poucos insumos

locais (que são caros).

O planejamento de longo prazo, portanto, permite satisfazer

as seguintes funções que, por sua vez, contribuem para melhorar a capacidade

operativa do governo, segundo diagrama proposto por ILPES-CEPAL.

Fonte: ILPES

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Portanto, tecnicamente (isto é, independentemente de que sejam de

esquerda ou direita, progressistas ou conservadores), os sistemas de planejamento

avançados, a partir da realização de exercícios de prospectiva que permitem

fundamentar a estratégia ou visão de longo prazo, contam com instrumentos,

funções e produtos que são resumidos no diagrama seguinte:

Na experiência latino-americano, contudo, este modelo de

organização não tem sido adotado ou implementado com êxito. Apenas México e

Colômbia dispõem de visões de longo prazo, em ambos os casos com pouco grau

de operatividade, no sentido de que as visões não necessariamente determinam

planos de desenvolvimento qüinqüenais ou designações de recursos. Esses dois

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países, especialmente a Colômbia, são os que dispõem de uma institucionalidade

mais completa para levar adiante essas funções. Recentemente, o Equador investiu

recursos e capacidades para o desenvolvimento institucional, através da criação de

uma secretaria fortemente dotada de recursos, a Senplades.

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil adotou

um sistema bastante completo de planejamento, muito orientado à gestão desse

imenso país federativo, que foi melhorado durante as administrações do presidente

Luiz Inácio Lula da Silva. O sistema inclui a discussão e a aprovação parlamentar

das diretrizes para o período de governo, sobre as quais é organizado o orçamento

de cada ano. A seleção de um conjunto de objetivos prioritários permite organizar

programas transversais com recursos e gerenciamento próprios, que entram em

programas acompanhados e avaliados com os mais estritos critérios. Recentemente,

seguindo um esquema desse tipo, foi definida a política de desenvolvimento

produtivo.

Em termos de planos nacionais de desenvolvimento, o panorama

pode ser resumido da seguinte forma:

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Fonte: Elaboração própria sobre apresentacao de Schack 2010 e sites citados.

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O resumo elaborado mostra que, embora poucos países estabeleçam

visão de longo prazo, são vários os que utilizam planos nacionais de desenvolvimento

para expressar os principais objetivos, linhas de ação e metas correspondentes ao

período de governo posterior. Sete países seguem essa tradição ou similar: Bolívia,

Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, México e Venezuela. Mesmo que vários casos

não consigam completar todos os requisitos para construir verdadeiros planos –

por exemplo, não aclaram os instrumentos ou metas mensuráveis que permitam a

avaliação ou não mostram aproximações aos custos de tais metas –, essas funções

são cumpridas a grosso modo. Além disso, a breve lista acima mostra que existem

orientações políticas muito diversas utilizando mais ou menos ditos instrumentos.

Na Colômbia, por exemplo, esses mecanismos receberam especial atenção durante

os mandatos do ex-presidente Álvaro Uribe. No Equador, contudo, foi a mudança de

orientação associada ao governo de Rafael Correa que deu impulso a esses processos.

Outros dois casos com menos desenvolvimento institucional nesse sentido, mas que

buscam gerar concertações nacionais em torno de alguns objetivos, embora não

determinem muito os instrumentos e as metas, são os do Peru e do Panamá.

Os países do Cone Sul (Chile, Argentina e Uruguai) são os que

renunciam a este instrumento, talvez por herança de haverem sido a vanguarda

do neoliberalismo a partir dos anos 70. É talvez a preocupação com esses casos,

os três com governos que percebem a si mesmos como progressistas, que motiva

essas notas. Provavelmente não seja alheia a isso a recente mudança de orientação

do governo no caso chileno: sem uma visão clara sobre a sociedade que queremos

e as transformações necessárias para alcançá-la, podemos estar colocando em

risco a acumulação histórica realizada até o momento.

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2. Caracterização de estratégias de desen-volvimento segundo objetivos, instrumentos e resultados em áreas ou campos

Sobre o que estamos falando quando utilizamos os termos

“estratégia” e “visão de longo prazo”? Quais deveriam ser seus componentes?

Uma estratégia de longo prazo deve conter expressões explícitas que impliquem

definições pelo menos em três campos: a) objetivos; b) instrumentos (linhas de

ação); c) resultados esperados (com metas mensuráveis).

a. Deve conter um número limitado de objetivos gerais que

tornem compreensíveis as prioridades, bem como a designação

de recursos entre elas. Os objetivos devem abranger diferentes

espaços de problemas a serem resolvidos. Certamente a

ideologia do modelo entre por este lado, ou seja, pela definição

dos objetivos.

b. É imprescindível que os instrumentos sejam consistentes

com a realização dos objetivos planejados, de acordo com os

avanços recentes do conhecimento científico, em particular

das ciências sociais. Sabemos, por exemplo, que os equilíbrios

macroeconômicos são importantes para o crescimento; ou

que uma política de comércio exterior como a aplicada na

substituição de importações gera distorções que não levam

ao crescimento sustentável. Também sabemos que reduzir a

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idade de imputabilidade não provoca a diminuição do número

de delitos. Portanto, se nosso objetivo é baixar o número de

delitos, os instrumentos deveriam ser outros. Do mesmo jeito,

se nosso objetivo é o crescimento sustentável, os instrumentos

não deveriam ser o aumento do gasto público de maneira

insustentável, nem proteger setores que não tenham viabilidade

no longo prazo.

c. Os resultados deveriam poder ser medidos em poucos

indicadores que resumissem os impactos dos projetos ou

programas de desenvolvimento incluídos no plano ou na

estratégia. Deveriam ser relativamente simples para que seja

possível saber a quantidade de recursos designada para poder

alcançar esses resultados.

3. O que é neoliberal e o que não é? Por que os enfoques de desenvolvimento progressistas demandam mais visões de longo prazo que os neoliberais?

Neste ponto do raciocínio, é importante tentar caracterizar os

traços essenciais dos enfoques de desenvolvimento liberais e neoliberais que

predominaram nos anos 90. Isto permite realizar, pelo menos, alguns tipos de

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conclusões de interesse. Identificar seus próprios objetivos pode nos ajudar a

entender por que fracassaram, contrastando seus resultados com o que buscavam.

Separando esses objetivos em áreas de ação, podemos encontrar uma perspectiva

mais rica em matizes, isto é, conscientes de que nem tudo foi um fracasso e que

alguns problemas não têm muitas alternativas de solução tecnicamente. Não é

este o objeto do presente documento, e existe ampla bibliografia sobre o tema na

CEPAL e nas publicações da FES, entre outras fontes.

O que nos interessa aqui é identificar a alternativa à solução

neoliberal e que pode estar associada a diferentes objetivos e instrumentos. Mais do

que isso, no contexto de uma lógica geral progressista ou alternativa, poderiam ser

aplicadas soluções tecnicamente similares às do passado, se existir alguma âncora

que indique que a trajetória esperada coincida com os objetivos progressistas.

O quadro a seguir mostra quais foram as principais respostas do

neoliberalismo ao processo de globalização e, de forma mais ampla, à crise do

modelo de substituição de importações que marcou o estilo de crescimento latino-

americano até a crise do começo dos anos 80.

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O próximo quadro buscar caracterizar quais deveriam ser os objetivos

de um enfoque de desenvolvimento progressista, segundo cada área de ação. Tomam-

se as áreas de ação que são, no meu ponto de vista, fundamentais para entender o

neoliberalismo. O que quero dizer com isso? Em primeiro lugar, que as áreas de ação

não apenas são relevantes para o enfoque liberal, e sim que é preciso ter soluções

técnicas possíveis para contribuir para objetivos diferentes dos liberais, dentro dos

mesmos campos. Em alguns casos, os instrumentos talvez sejam bastante similares. Por

exemplo: para o enfoque liberal, as três dimensões da abertura econômica (financeira,

comercial e relativa ao capital produtivo estrangeiro) vão automaticamente contribuir

melhor para o crescimento, seja por captação de poupança externa, por aumento

das exportações ou pela entrada de tecnologia. No entanto, embora um enfoque

progressista também devesse buscar a abertura, diferentemente dos modelos do

passado que já foram superados, deve procurar que a abertura contribua para uma

estrutura produtiva que estimule o crescimento de longo prazo.

Outras respostas nitidamente diferentes nos objetivos progressistas

devem se referir, no meu ponto de vista, à defesa da propriedade pública e

social, garantindo sua compatibilidade com a lógica capitalista que continuará

predominando (aspecto difícil mas não impossível de conseguir, ao contrário do que

muitos de nós acreditávamos décadas atrás); à noção de que maior flexibilidade

não deveria ir contra os procedimentos de negociação coletiva e de organização

sindical, que são a garantia de que os ganhos de produtividade sejam apropriados

também pelos trabalhadores; ao papel fortemente redistributivo dos impostos, na

medida em que financiem um gasto social que garanta rendas mínimas e serviços

sociais de saúde e moradia universais. Por último, e este sem dúvida é um grande

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déficit da grande maioria dos enfoques progressistas em curso, a dimensão

ambiental não deveria ser um problema encapsulado em um escritório ou em

regras de autorização de projetos. Em vez disso, deveria fazer parte das políticas de

desenvolvimento, promoção produtiva, inovação e educação.

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4. Exemplo de visão de longo prazo frustrada no Uruguai

Em setembro de 2009, apresentamos em Montevidéu, quase

inaugurando o novo edifício da Presidência da República (Torre Executiva), um

folheto sobre esse tema, que chamamos de Estratégia Uruguai III Século – Aspectos

Produtivos. No documento, que pode ser encontrado no Escritório de Planejamento

e Orçamento (www.opp.gub.uy), resumimos um trabalho elaborado durante um

ano, para o qual contratamos várias consultorias, levamos adiante um convênio

com a Universidade da República (que, por sua vez, contratou dois universitários, da

Argentina e do Brasil, no contexto de seus trabalhos), coordenamos esforços com

os ministérios integrantes do Gabinete Produtivo (e discutimos conclusões com seu

pessoal técnico) e realizamos oficinas para debater aspectos relevantes do trabalho

– como os ambientais e a ampla participação relacionadas ao assunto. Tudo isso

fez com que cerca de 250 profissionais altamente capacitados participassem com

ideias para que chegássemos ao produto final.

Para iniciar o trabalho, consultamos uma centena de especialistas

sobre os futuros possíveis de cerca de 32 ramos de produção, com uma lógica

prospectiva, identificando quais poderiam ser os melhores e os piores cenários

do ponto de vista do crescimento de cada um, além dos fatores-chave que

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determinariam os melhores e os piores cenários para os setores. Indagou-se

sobre tendências robustas, tendências emergentes, fatos portadores de futuro,

enfim, uma série de dimensões prospectivas. Após essa etapa, procuramos dar

consistência ao trabalho levando em conta todos os estudos mais ou menos

recentes sobre os mesmos temas. Juntando os fatores-chave e os impactos

possíveis de cada ramo, chegamos a um mapa produtivo do país dividido em

oito macro-setores ou conglomerados, cada um deles englobando atividades

primárias, industriais e de serviços, que tivessem alguma ligação entre si, pelo

menos que apresentassem determinantes comuns de seus futuros. Dessa forma,

conseguimos selecionar alguns desses conglomerados ou macro-setores que, caso

ocorresse uma série de fenômenos, poderiam ser os motores de crescimento. Isso

implicava, portanto, identificar outros que, embora pudessem ter importância

por seu impacto sobre o emprego, ou sobre algumas comunidades regionais,

não impulsionariam o crescimento futuro. De acordo com os fatores-chave que

determinam a evolução dos setores motores, elaborou-se uma Agenda Nacional de

Desenvolvimento Econômico, que salienta as áreas onde seria necessário desenhar

projetos estruturadores ou transversais, a fim de orientar os recursos sociais aos

objetivos necessários para potencializar esses desenvolvimentos.

Além disso, para mostrar os impactos agregados, foram traduzidos

cenários de máxima e de mínima para os diferentes setores, através de uma matriz

de insumo do produto, à dinâmica total da economia uruguaia, perfilando três

cenários de crescimento total. Isso permite detectar outras condições necessárias

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para conduzir aos melhores cenários ou evitar os piores. Por outro lado, partindo-

se da realidade microeconômica ou dos ramos, chegaram-se a cenários agregados

que se apóiam em realidades possíveis de cada setor e, ao mesmo tempo, mostram

que o país pode alcançar um nível de ingressos e bem-estar similar aos do europeu

médio (inferior, mas próximo dos que possuem Espanha e Inglaterra e superior

aos de Portugal e Grécia antes da crise) até 2030. O desenvolvimento é possível

se ocorrerem algumas evoluções que são prováveis na economia mundial e certas

condições locais que podem ser antecipadas a groso modo. A prospectiva nos

permite imaginar os caminhos. A Agenda Nacional de Desenvolvimento mostra

quais são os campos prioritários de atuação e em que sentido deveriam ser

implementadas as ações, que precisam de posteriores estudos e elaborações para

poder se realizar em programas concretos de atividade que sejam incluídos nos

Planos Nacionais de Desenvolvimento.

Para o propósito deste documento, não tem muito sentido explicar

quais seriam tais setores, nem os conteúdos da agenda ou dos cenários agregados,

nem por que os cenários desejáveis são também possíveis, bem como outros

detalhes do trabalho realizado. O que me interessa deixar registrado, para encerrar

este documento com o presente exemplo, tem relação com a convicção de que

um instrumento desse tipo pode se mostrar extremamente útil para facilitar os

debates sobre o futuro, evitando visões que costumam ser deliberadamente

catastróficas para sustentar posições ideológicas ou ações do dia de hoje, e que

não têm fundamento ou relação alguma com qualquer futuro possível ou provável.

Os acordos sobre algumas trajetórias possíveis podem ser alcançados com mais

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facilidade, deixando-se os debates para aquelas questões em que, efetivamente,

as opções sobre a sociedade que se deseja marcam as prováveis ações atuais. Em

outras palavras, instrumentos desse tipo tornam mais factíveis os acordos sociais e

políticos sobre políticas permanentes no tempo ou políticas de estado.

Por último, conseguir imagens possíveis de nossos países, mas onde

estes se mostrem como sociedades plenas de oportunidades, com acesso a grande

quantidade de bens e serviços, mas com solidariedade, países enfim onde valha

a pena nascer e viver, constitui uma necessidade para as forças que pretendem

atacar a raiz dos problemas e transformar a realidade de maneira profunda.