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1 Eixo: 2 Política Educacional O FENÔMENO DO LULISMO E A EXPANSÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS NA REGIÃO NORDESTE Suely Ferreira - UFG 1 Resumo: Esse trabalho teve por objetivo discutir a criação de novas universidades federais e a expansão das universidades federais existentes na região Nordeste, nos governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014), a partir da discussão do fenômeno do lulismo nesse período. Entende-se que a ampliação do sistema universitário federal e a introdução das políticas afirmativas na educação superior em conjunto com as diversas políticas públicas e programas sociais implantados por esses governos vem colaborando para solidificar a aproximação do subproletariado com o lulismo, principalmente, na região nordeste. O trabalho utilizou- se da pesquisa bibliográfica referente ao tema e da pesquisa documental das instituições analisadas. A expansão, a interiorização e as alterações nos papéis sociais das universidades federais pela via da democratização do acesso ao ensino superior, da inclusão de setores sociais desfavorecidos e do atendimento das demandas regionais são expressões das potencialidades e dos limites do projeto de desenvolvimento proposto pelo lulismo. Palavras-chave: lulismo; universidades federais; novos papéis sociais. Introdução O fenômeno do lulismo surgiu mediante o encontro da liderança de Lula da Silva com a fração de classe do subproletariado 2 , a partir de 2003, ao implantar políticas e programas sociais que visaram combater a pobreza extrema pela via da ativação do 1 Suely Ferreira, Universidade Federal de Goiás, Goiás, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Para conceituar subproletariado, André Singer cita Paul Singer que conceitua esta fração de classe como aqueles que “oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri- la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais. Estão nessa categoria, ‘empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes’” (2012, p. 77).

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Eixo: 2 Política Educacional

O FENÔMENO DO LULISMO E A EXPANSÃO DAS

UNIVERSIDADES FEDERAIS NA REGIÃO NORDESTE Suely Ferreira - UFG1

Resumo: Esse trabalho teve por objetivo discutir a criação de novas universidades federais e a expansão das universidades federais existentes na região Nordeste, nos governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014), a partir da discussão do fenômeno do lulismo nesse período. Entende-se que a ampliação do sistema universitário federal e a introdução das políticas afirmativas na educação superior em conjunto com as diversas políticas públicas e programas sociais implantados por esses governos vem colaborando para solidificar a aproximação do subproletariado com o lulismo, principalmente, na região nordeste. O trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica referente ao tema e da pesquisa documental das instituições analisadas. A expansão, a interiorização e as alterações nos papéis sociais das universidades federais pela via da democratização do acesso ao ensino superior, da inclusão de setores sociais desfavorecidos e do atendimento das demandas regionais são expressões das potencialidades e dos limites do projeto de desenvolvimento proposto pelo lulismo. Palavras-chave: lulismo; universidades federais; novos papéis sociais. Introdução

O fenômeno do lulismo surgiu mediante o encontro da liderança de Lula da Silva com a fração de classe do subproletariado2, a partir de 2003, ao implantar políticas e programas sociais que visaram combater a pobreza extrema pela via da ativação do

1 Suely Ferreira, Universidade Federal de Goiás, Goiás, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Para conceituar subproletariado, André Singer cita Paul Singer que conceitua esta fração de classe como aqueles que “oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais. Estão nessa categoria, ‘empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes’” (2012, p. 77).

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mercado interno e da elevação do padrão de consumo, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste, sem o confronto com os interesses do capital. (SINGER, 2012).

Nesse contexto, o trabalho tem por objetivo discutir a criação/transformação de novas universidades federais e a expansão das universidades federais existentes na região do Nordeste, nos governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014), por ser essa região a que concentra parte significativa da fração de classe do subproletariado e por entender que a ampliação do sistema universitário federal e a introdução das políticas afirmativas na educação superior em conjunto com o programa Bolsa Família, a política de reajuste do salário mínimo acima da inflação, a retomada dos investimentos em infraestrutura via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ampliação do mercado de trabalho, o incremento o crédito popular, dentre outras políticas públicas, vêm colaborando para solidificar a aproximação dessa fração de classe com o lulismo. Vale dizer que os votos da região Nordeste, na reeleição de Lula da Silva (2006-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014) foram decisivos.

1. Lulismo: um reformismo conservador

O lulismo implantou o programa de combate da pobreza extrema sem confrontar

com os interesses do grande capital, utilizando-se do discurso da importância do estabelecimento de um novo pacto social no país. A conjuntura econômica mundial entre 2003 e 2008, apresentou um ciclo de expansão capitalista bastante favorável e contribuiu na produção desse fenômeno.

O primeiro mandato do governo de Lula da Silva (2003-2006) manteve a política macroeconômica do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) mediante o estabelecimento de metas de inflação, do câmbio flutuante e do superávit primário. De acordo com os defensores do governo Lula, a continuidade dessa política foi condição da “burguesia para não haver guerra de classes e consequentemente risco de Lula ser visto como o presidente que destruiu o real” (SINGER, 2012, p. 75). Já no segundo mandato de Lula da Silva (2007-2010), verificou-se a aceleração do crescimento econômico com diminuição das desigualdades sociais e a integração de parte

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significativa do subproletariado à condição proletária pela via do emprego formal, apesar da precarização do trabalho.

Para Singer, a categoria subproletariado é fundamental para compreender o lulismo, na medida em que se tornou a

representação de uma fração de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as próprias forma de organização. Por isso, só podia aparecer na política depois da chegada de Lula ao poder. A combinação de elementos que empolga o subproletariado é a expectativa de um Estado suficientemente forte para diminuir a desigualdade sem ameaça à ordem estabelecida. (2012, p. 52)

Ainda para o autor, o lulismo tira a centralidade ideológica do conflito entre direita e esquerda e a reconstrói por meio do conflito entre ricos e pobres, engendrando uma significativa repercussão regional na região mais pobre do país – o Nordeste que concentra o voto lulista (SINGER, 2012). Assim, o lulismo tem um pertencimento de classe específico3. Seu objetivo é a diminuir a pobreza e não desigualdade social.

De acordo com Singer (2012), o lulismo pode ser caracterizado por três fases: Primeira fase (2003-2005) - nesse período ocorreram dois tipos de políticas

econômico-sociais. A primeira, de cunho neoliberal com a contenção da despesa pública, a elevação dos juros, a manutenção do câmbio flutuante, o quase congelamento do salário mínimo e a reforma da previdência social que visaram à estabilização da economia e demonstrar ao capital que os compromissos seriam cumpridos. A segunda viabilizou ações como o programa Bolsa Família (2003), a expansão do financiamento popular (crédito consignado), a valorização do salário mínimo (2005). Tais medidas no seu conjunto permitiram certo alívio das camadas mais pobres e a ativação do mercado interno de massa.

Segunda fase (2006-2008) – inicia-se com a ascensão de Guido Mantega no Ministério da Fazenda e termina com irrupção da crise financeira internacional no Brasil. Nessa fase, as políticas indicaram menos neoliberalismo e mais 3 Para Bastos, o lulismo é um “ideário, personalizado pelo líder carismático (mas vinculado a tendências partidárias), que tem como meta reduzir a desigualdade e a exclusão, sem apontar para um horizonte além do capitalismo e sim, para ampliar direitos dentro do capitalismo – inclusive o direito de participar de um mercado de massas” ( 2012, p.797).

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desenvolvimentismo ao levar em consideração: maior valorização do salário mínimo, continuidade da expansão do crédito consignado, lançamento do PAC com alguma flexibilização dos gastos públicos e redução dos juros. Tais políticas no seu conjunto promoveram,

o maior poder aquisitivo das famílias de baixa renda - com a expansão do crédito, a valorização do mínimo e o poder de compra resultante da diminuição do preço relativo de artigos populares por meio de desonerações fiscais – direcionou parte da atividade econômica para os pobres. As empresas voltadas para dentro incrementaram o investimento para aproveitar as oportunidades, gerando postos de trabalho, os quais por sua vez realimentaram o consumo, num círculo virtuoso que conseguiu, finalmente, tocar na contradição fundamental: a massa miserável que o capitalismo brasileiro mantinha estagnada começava a ser absorvida no circuito econômico formal. (SINGER, 2012, p. 150-151). Terceira fase (2008-2010) – começa com a quebra do Lehman Brothers até 2010.

Porém, vale dizer que a eleição de Dilma Rousseff (2011-2014) representou a sobrevivência do lulismo, para além do mandato de Lula da Silva, ao defender também a ampliação da transferência de renda, a expansão do crédito popular, a valorização do salário mínimo e geração de emprego, o aumento dos postos de trabalho e da capacidade de consumo dos setores populares, sem confrontar também com o grande capital. Nessa fase, de forma ampla pode-se afirmar que

a desorganização das finanças mundiais deixou ao setor público de cada país o encargo de impedir que houvesse ciclo de longa depressão econômica. No Brasil, Lula optou por ampliar o consumo popular mediante aumentos do salário mínimo, das transferências de renda, das desonerações fiscais e do alongamento do crediário. [...] Em função do estímulo ao mercado interno e uso intensivo dos bancos públicos, o Estado obteve um comando sobre a economia. [...] O setor privado foi puxado pelas desonerações fiscais e financiamentos estatais como o do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que poderia ser tomado como símbolo da terceira fase, da mesma maneira que o Bolsa Família foi da primeira e o aumento do salário mínimo, da segunda. A importância do MCMV está em que o subsídio público e o crédito concedido à habitação popular levou à contratação de trabalhadores na construção civil, o que foi um dos carros-chefe da retomada do emprego. (SINGER, 2012, p. 152-153).

Autores como Oliveira (2010), Coutinho (2010), Braga (2012), Nobre (2013), dentre outros, analisaram o governo de Lula da Silva (2003-2010), chamando a atenção

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para outros elementos de análise. Para Oliveira (2010), o governo de Lula da Silva despolitizou a pobreza e a desigualdade, transformando-os em problemas de administração. Para esse autor, a ascensão no poder de um trabalhador na presidência da República, eis sindicalista, de partido de esquerda, revelou-se infelizmente no fenômeno da “Hegemonia às avessas”. Utilizando-se das categorias de Marx e Engels, “força e consentimento”, segundo Oliveira, o consentimento nesse governo

se transforma em seu avesso: não são mais os dominados que consentem em sua própria exploração; são os dominantes - os capitalistas e o capital, explicite-se – que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a “direção moral” não questione a forma da exploração capitalista. (OLIVEIRA, 2010, p. 27)

Assim, hegemonia alcançada nesse governo, continuou a ser a dos dominadores (do capital), apesar de ser operada pelos dominados (que detêm o comando do Estado). Segundo Coutinho (2010), a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal em 2003, possibilitou a consolidação da hegemonia neoliberal, ao entender que as relações de hegemonia construídas nesse governo constituem na ‘hegemonia da pequena política’ que

baseia-se precisamente no consenso passivo. Esse tipo de consenso não se expressa pela auto-organização, pela participação ativa das massas por meio de partidos e outros organismos da sociedade civil, mas simplesmente pela aceitação resignada do existente como algo “natural”. Mais precisamente, da transformação das ideias e dos valores das classes dominantes em senso comum de grandes massas, inclusive das classes subalternas. (COUTINHO, 2010, p. 32).

Para Braga, o lulismo representa uma “revolução passiva” e o lócus da hegemonia resultante dessa revolução é exatamente o Estado. Esse processo ocorre apoiado

na unidade entre duas formas de consentimento popular: por um lado, o consentimento passivo das classes subalternas que, atraídas pelas políticas públicas redistributivas e pelos modestos ganhos salariais advindos do crescimento econômico, aderiram momentaneamente ao programa governista; por outro, o consentimento ativo das direções sindicais, seduzidas por posições no aparato estatal, além das incontáveis vantagens materiais proporcionadas pelo controle dos fundos de pensão. (2012, p. 181)

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Em outra direção, Singer (2012) defende que o governo de Lula da Silva (2003-2010) necessitou neutralizar o capital por meio de concessões e não do confronto para propiciar as condições para a implantação do programa de combate à pobreza, fazendo-se necessário a adoção de políticas neoliberais (juros altos, superávits primários e câmbio flutuante) para acalmar o capital. Ao mesmo tempo, conquistou a simpatia passiva dos trabalhadores com a ativação do mercado interno, abertura de postos de trabalho, possibilitando a “paz necessária para não haver radicalização [...] e implantar a fórmula ‘ordem e mudança’” (SINGER, 2012, p.189).

Nessa perspectiva, Singer defende a ideia da arbitragem realizada pela figura do líder Lula da Silva, pois ao

não mobilizar a sociedade, as propostas divergentes têm mais chance de serem resolvidas por arbitragem, isto é, por um executivo que paira sobre as classes e funciona como juiz de seus conflitos. [...] O sucesso do lulismo envolve uma solução pelo alto, criando simultaneamente uma despolarização e uma repolarização da política. (SINGER, 2012, p. 157). Portanto, a arbitragem não propõe resolver as contradições, mas equilibrar as

classes sociais (proletariado e capitalistas). Nesse sentido, no lulismo, pagam-se altos juros aos donos do dinheiro e ao mesmo tempo aumenta-se a transferência de renda para os mais pobres. Remunera-se o capital especulativo internacional e se subsidiam as empresas industriais prejudicadas pelo câmbio sobrevalorizado. Aumenta-se o salário mínimo e se contém o aumento de preços com produtos importados. Financia-se, simultaneamente, o agronegócio e a agricultura familiar. [...] Por isso, o presidente pode pronunciar, para cada uma delas, um discurso aceitável, usando conteúdos diferentes em lugares distintos e, sobretudo, tomando cuidado para que os conflitos não impliquem radicalização e mobilização. (SINGER, 2012, p. 202).

Em relação ao aumento dos postos de trabalhos e da integração do subproletariado a condição de proletariado no governo Lula da Silva, Braga adverte para o

aumento dos acidentes e das mortes no trabalho, a resiliência do número absoluto de trabalhadores submetidos à informalidade, a concentração da massa dos empregos na base da pirâmide salarial ou a elevação da taxa global de rotatividade e de terceirização da força de trabalho dão ideia da desagregação social que a ortodoxia rentista afiançada pela “Carta ao Povo Brasileiro” assegurou ao país na década

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de 2000. Por outro lado, a teoria da formação da “nova classe” somada à tese da hegemonia às avessas ajudaram a esboçar uma resposta sociológica ao enigma da conversão do petismo ao rentismo globalizado: para pilotar o modelo de desenvolvimento pós-fordista no país sem romper com o ciclo da valorização financeira só mesmo pacificando as fontes do trabalho barato, daí uma modesta desconcentração de renda na base da pirâmide salarial a fim de garantir uma severa concentração de capital financeiro no cume do regime de acumulação. (2012, p. 225).

Já Nobre (2013) ao analisar o lulismo, trabalha com o fenômeno do pemedebismo. De acordo com o autor, o processo de redemocratização dos anos 1980 juntamente com a atuação dos movimentos políticos e sociais no combate as desigualdades sociais, instigou a elite no poder a criar um novo mecanismo para controlar os rumos da construção de um novo modelo de sociedade naquele momento histórico. Assim, surgiu nesse período, uma nova cultura política que mesmo se modificando ao longo dos anos, estruturou e blindou o sistema político contra as forças sociais de transformação4. O nome “pemedebismo” faz referência ao partido que conduziu a transição da ditadura civil-militar para a democracia, mas não se resume a esse partido. O autor adverte que os partidos que o compõe “são configurações precárias e instáveis de correlações de forças no interior do pemedebismo” (2013, p. 15) possibilitando, portanto, a formação das bancadas suprapartidárias. O pemedebismo ao 4 De acordo com Nobre (2013), o embrião do pemedebismo ocorreu a partir da unidade forçada contra a ditadura militar (1964-1985), que se desenvolveu no processo de redemocratização do país. No início dos anos 1980, essa unidade ocorreu sob a forma de uma união de todas as forças chamadas “progressistas” para derrotar o autoritarismo. A primeira figura da blindagem do sistema político contra a sociedade ocorreu durante a Constituinte (março de 1987 a outubro de 1988), quando essa unidade forçada necessitou enfrentar os movimentos sociais, sindicatos e manifestações populares que se manifestavam. Sob o comando do chamado Centrão, bloco suprapartidário que agregava a maioria dos parlamentares do PMDB, o sistema político conseguiu neutralizá-los, ao apostar na ausência de uma pauta unificada e de um partido que aglutinasse o desejo de mudança. A segunda figura do pemedebismo de blindagem ocorreu após o período pós-impeachment de Collor de Mello, deixando para trás a ideologia unificadora da união das forças progressistas. Difundiu-se como verdade indiscutível que Collor tinha caído porque não possuía apoio político suficiente no Congresso, faltando-lhe a “governabilidade”. Surgiu a partir desse momento, a exigência inquestionável, da necessidade das maiorias suprapartidárias tanto para bloquear os movimentos (impeachment) quanto para governar. Nasceu assim, o chamado “acordo da governabilidade”. Apesar de o PT ter se mantido durante mais de uma década como representante do antipemedebismo, após o escândalo do mensalão, em 2005, temendo um possível impeachment, o governo Lula da Silva, aderiu à ideia pemedebista de construção de supermaiorias parlamentares. Depois do mensalão, durante o restante do governo Lula da Silva, completou-se o desenvolvimento das ferramentas de blindagem pemedebistas e continuou de forma ainda mais ostensiva no governo de Dilma Rousseff (2011-2014).

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tornar-se uma cultura política peculiar e dominante, reúne cinco elementos fundamentais: 1. governismo (está sempre no governo, seja qual for o partido); 2. fabrica supermaiorias legislativas que formalmente assegura a “governabilidade”; 3. funciona de acordo um sistema de vetos e contornos de vetos; 4. impede a entrada de novos membros assegurando o espaço conquistado; 5.blinda os oponentes (NOBRE, 2013).

Segundo Nobre (2013), o governo Lula da Silva (2003-2010) administrou com sucesso o ambiente pemedebista, pois, as políticas como o aumento real do salário mínimo, o Programa Bolsa Família, a expansão do acesso ao crédito não foram vetados, possibilitando que camadas sociais historicamente marginalizados fossem “incluídas”, na perspectiva da cultura política pemedebista, ou seja, não se trata de cidadania plena, trata-se de

ser a favor de generalidades abstratas e sem consequências práticas efetivas (como “saúde, educação, emprego, segurança e moradia para todos”) e ser muito concretamente contra mudanças específicas em relação a padrões de distribuição – de poder, de renda, de reconhecimento social. (NOBRE, 2013, p. 19).

O autor também analisa o governo Lula da Silva por meio de duas fases: Primeira fase (2003-2005) – caracterizou-se por dois movimentos, em relação ao período FHC. O primeiro, de ruptura com o rearranjo do sistema político imposto a partir do plano real, em que a aliança com o PMDB era colocada como fundamental. Apesar de Lula da Silva ter vencido as eleições de 2002 com o apoio informal de parte do PMDB, na primeira fase do governo, não buscou apoio formal do partido. O segundo movimento foi de continuidade ao manter e aprofundar a política econômica neoliberal.

No período mais crítico do mensalão, em 2005, o governo Lula continuou com a diretriz de olhar para os dois extremos sociais. Manteve um olho na política econômica ultraortodoxa, capaz de satisfazer aos estratos mais ricos, e o outro na expansão de políticas compensatórias para os mais pobres, especialmente nos aumentos reais do salário mínimo, nos chamados Benefícios de Prestação Continuada e no Programa Bolsa Família. Trouxe para o centro do debate uma série de desigualdades a ser combatidas, não apenas as econômicas, mas também as de raça, gênero ou acesso à universidade,

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por exemplo [...]. Foi nesse momento que surgiram também acusações de que Lula seria “populista”, que teria estabelecido uma “relação direta com o povão”, não mediada por instituições políticas. [...] Pois, no caso de pobres e remediados, a “inclusão pemedebista” não significa representação plena no sistema político. Significa que “Lula” passa a ser o representante do “povão” em um sistema político que continua a marginalizá-lo. (NOBRE, 2013, p. 114).

Segunda fase (do mensalão ao final do segundo mandato - 2006-2010) - a partir do mensalão (2005), o governo Lula da Silva adere à ideologia da governabilidade e da necessidade de formação de uma supermaioria parlamentar. A aliança com o PMDB foi se consolidando até se tornar uma aliança formal de governo, levando-o a caminhar sempre por onde não encontrasse vetos. Nessa fase, o governo Lula da Silva introduziu um novo modelo de desenvolvimento ao fomentar o crescimento econômico em articulação com a diminuição da desigualdade social nos limites possíveis da governabilidade desenhada5. Nesse sentido, a aliança lulista acumulou força política para dar direção à política desenvolvimentista proposta. A aliança moldada com o empresariado nacional (grandes empreiteiras, grandes empresas industriais, mineradoras e de serviço, setores ruralistas) somente foi possível com a entrada definitiva do PMDB aliada ao boom de commodities ocorrido no período. Para Nobre,

a partir de 2005, o governo Lula opta por uma tática que será chamada aqui de ocupação pela esquerda do pemedebismo. Uma tática que teve resultados tão relevantes quanto ambivalentes. De um lado, significou nada menos do que a consolidação da primeira imagem do social-desenvolvimentismo, um modelo de sociedade internamente vinculado à democracia e marcado pelo combate às diferentes formas de desigualdade. Ao mesmo tempo, essa importante conquista foi realizada ao custo de uma normalização do pemedebismo. (NOBRE, 2013, p.103).

Os governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014) buscaram dirigir o pemedebismo e não reformar radicalmente o sistema político. Nessa 5 De acordo com Nobre, ocorreu também a cooptação aberta de organizações e sindicatos na articulação da aliança lulista. Porém, o próprio autor adverte que dizer que “tudo não passou de mera cooptação de movimentos sociais e sindicatos obscurece o fato de que a aliança lulista conseguiu convencer a parcela organizada de esquerda da sociedade brasileira de que o ritmo e a velocidade das transformações que estava imprimindo eram os limites máximos dentro das correlações de força vigentes. A barganha proposta pela aliança lulista era mais ou menos a seguinte: não sendo possível uma radical reforma do sistema político, troquemos um pacto com o pemedebismo por avanços na diminuição das desigualdades, de renda e reconhecimento social (e, em menor medida, de desigualdades ambientais)” (2013, p. 102).

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perspectiva, “para manter esse pacto (mas com ajustes incontornáveis) Dilma Rousseff foi eleita” (NOBRE, 2013, p.132). A tática da ocupação pela esquerda do pemedebismo

mostra aqui uma vez mais seus limites e suas ambiguidades; ao tomar “normal” o pemedebismo, colaborou decisivamente para o fechamento do sistema político em si mesmo, para a continuidade da exclusão da representação da enorme maioria da população; ao obter com isso expressivos avanços sociais, significou de fato representação para esses contingentes historicamente marginalizados, à maneira de uma representação (“Lula”) dentro do sistema político que os marginaliza (NOBRE, 2013, p. 115).

2. As políticas de educação superior nos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff e a expansão das universidades federais na região Nordeste

A ampliação do sistema universitário e as políticas afirmativas para educação superior nos governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014) visaram de acordo com as políticas, os planos e os programas, a democratização do acesso, a inclusão social e a diminuição das desigualdades regionais, bem como a promoção do desenvolvimento econômico e social.

No governo Lula da Silva pode-se destacar: o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE/2007) que objetivou a expansão de vagas tanto na rede federal como na rede privada. Em relação à rede federal6, esse Plano introduziu: o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais7 (REUNI) e o Programa Nacional de Assistência Estudantil8 (PNAES). Na rede privada incorporou alterações no programa Universidades para Todos9 (PROUNI) e no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior10 (FIES).

6 Em relação à Educação Profissional e Tecnológica no PDE, destaca-se a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 7 Decreto nº 6.096 de 24/04/2007. 8 Portaria Normativa do MEC nº 39 de 12/12/207 que aprova o Plano Nacional de Assistência Estudantil e Decreto nº 7.234 de 19/07/2010 que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil. 9 Lei nº 11.096/2005. O público alvo inclui critério de renda, com bolsa integral para estudantes com renda familiar per capita até 1,5 salário mínimo e bolsa parcial de 50% para estudantes com renda entre 1,5 até 3 salários mínimos, bem como ter cursado o ensino médio em escolas públicas, portadores deficiência e aos autodeclarados negros e indígenas. 10 Lei nº 10.260/2001. Em 2004, incluiu-se na legislação do Fundo, o critério de raça e de cor entre as variáveis do cálculo do índice de classificação para concessão do financiamento.

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Esse governo também propiciou novas formas de ingresso ao ensino superior, bem como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) passou a ser um mecanismo importante de acesso às instituições de ensino superior privado por meio do PROUNI. A nota obtida nessa avaliação tornou-se o principal critério de seleção para candidatar-se a bolsa do Programa e também para o acesso as instituições federais por meio do Sistema de Seleção Unificada11 (SiSu).

No governo de Dilma Rousseff (2011-2014), além da continuidade das políticas anteriores, pode-se citar a instituição da Lei de Cotas para rede federal12. As políticas de ação afirmativa nesse nível de ensino visaram ampliar o acesso de negros, indígenas e estudantes provenientes de escola pública13.

Nesse contexto, tais políticas para educação superior coadunam com o projeto de desenvolvimento defendido pelo lulismo ao buscar articular crescimento econômico com diminuição das desigualdades sociais, sem confrontar com os interesses do grande capital, na medida em que fomentou o crescimento de instituições e de vagas tanto no setor privado como no segmento público federal.

Em relação à expansão das universidades federais, sobretudo, na região Nordeste, pode-se assinalar dois movimentos. O primeiro, a expansão dos campi nas universidades já existentes e a criação/transformação de novas universidades. Durante o governo Lula da Silva, todas as universidades federais já existentes na região criaram novos campi e foram criadas/transformadas 3 novas universidades.

A expansão dos campi ocorreram com maior incidência nos anos 2005 e 2006, período de crescimento econômico significativo do país. Vale ressaltar que na década de 1990, ocorreu a criação de somente um novo campi na região. Em relação à quantidade 11 Normatizado pela Portaria Normativa nº 2 de janeiro de 2010. 12 Lei nº 12.711/2012. Essa Lei assegura a reserva de 50% das vagas para estudantes de famílias de baixa renda e que tenham cursado integralmente o ensino médio na escola pública. Sendo que destes, outros 50% serão reservados aos estudantes provenientes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salários mínimos. As vagas também são destinadas aos autodeclarados de pretos, pardos e indígenas, em proporção igual à população da unidade da Federação, onde está instalada a instituição e de acordo com último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 13 Cordeiro chama a atenção que no governo Lula da Silva, “a questão racial começa a se tornar programa, plano e política de governo. Merece destaque nesse período, a criação em 2003, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial que objetiva a ‘redução das desigualdades raciais’, por meio da ‘defesa de direitos’, a ‘ação afirmativa’ e da ‘articulação temática de raça e gênero’”(2014, p.160). Em 2010, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288 de 20/07/2010) e no que se refere à educação prevê a adoção de programas de ação afirmativa.

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de cursos de graduação oferecidos nos campi das universidades federais da região Nordeste que estão fora de sede, verifica-se uma diferenciação significativa, pois, 12,96% ofertam mais de 10 cursos e, no outro extremo, 11,11% oferecem menos de 2 cursos e 20,37% dos campi ofertam 5 cursos, conforme apresenta o Quadro I.

Quadro I A expansão das universidades federais já existentes e a criação/transformação de novas universidades na região Nordeste – governo Lula da Silva (2003-2006/2007-2010) Universidade/ano de criação/sede

Campi interiorizados/ano de criação

Quantidade de cursos de graduação ofertados nos campi interiorizados/ fora da sede

Universidade Federal de Alagoas - UFAL/1961/sede: Maceió

Arapiraca14 - 2006 Sertão – 2010

19 cursos 06 cursos

Universidade Federal da Bahia - UFBA/1946/sede: Salvador

Vitoria da Conquista -2005

05 cursos

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB/2005/ sede: Cruz das Almas15

Cachoeira – 2005 Santo Antônio de Jesus – 2005 Amargosa – 2005 Feira de Santana - 2013 Santo Amaro – 2013

08 cursos 05 cursos 08 cursos 03 cursos 01 curso

Universidade Federal do Ceará - UFC/1954/ sede: Fortaleza

Sobral – 2006 Quixadá - 2006 Cratéus -2014 Russas -2014

06 cursos 06 cursos 05 cursos 05 cursos

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - Unilab/2010/ sede: Redenção (CE)

Acarape (CE) – 2013 São Francisco do Conde (BA) – 2013

03 cursos 02 cursos

Universidade Federal do Maranhão - UFMA/1966/sede: São Luís

Bacabal (?) Chapadinha – 2005 Imperatriz – 2005 Pinheiro - 199116 Codó - 200717

06 cursos 03 cursos 08 cursos 03 cursos 04 cursos

14 O campus de Arapiraca possui unidades de ensino em outras três cidades com oferta de cursos de graduação (Viçosa – Medicina Veterinária; Palmeira dos índios – Serviço Social e Psicologia; Penedo - Turismo e Engenharia da Pesca) e o campus Sertão possui uma unidade de ensino em Santana do Ipanema em que são oferecidos os cursos de Ciências Contábeis e Administração. 15 Esse campus foi um desmembramento da Escola de Agronomia da UFBA. 16Em 1981 foi formalizado o campus ofertando nesse período somente cursos de extensão. Em 1991, ofertou o primeiro curso de graduação.

13

São Bernardo (?) Grajaú – 2015 Balsas - 2013

02 cursos 08 cursos 01 curso

Universidade Federal da Paraíba - UFPB/1960/ sede: João Pessoa

Areia - 197418 Bananeiras - 197619 Mamanguape e Rio Tinto 2006

05 cursos 05 cursos 13 cursos

Universidade Federal de Campina Grande - UFCG/2002/sede: Campina Grande.

Patos - pertencia anteriormente UFPB Sousa - pertencia anteriormente UFPB Cajazeira - pertencia anteriormente UFPB Cuité – 2006 Pombal – 2008 Sumé – 2009

04 cursos 04 cursos 09 cursos 07 cursos 04 cursos 07 cursos

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE/1946/ sede: Recife

Caruaru – 2006 Vitória de Santo Antão – 2006

11 cursos 06 cursos

Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE/1955/ sede: Recife

Garanhuns – 2005 Serra Telhada – 2006 Cabo de Santo Agostinho – 2014

07 cursos 09 cursos 05 cursos

Universidade Federal do Vale do São Francisco - UFVSF/2002/ sede: Petrolina

Juazeiro (BA) – 2002 São Raimundo Nonato (PI) – 2002 Senhor do Bonfim (BA)- 2009 Paulo Afonso (BA) – (?)

08 cursos 02 cursos 01 curso 01 curso

Universidade Federal do Piauí - UFPI/1968/ sede: Teresina

Parnaíba – 1971 Bom Jesus – 2006 Picos - 2006 Floriano – 2009

12 cursos 05 cursos 09 cursos 04 cursos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN/1960/ sede: Natal

Caicó -1977 Curais Novos – 1977 Macaíba – 2007 Santa Cruz - 200420

10 cursos 03 cursos 05 cursos 06 cursos

17 A história do campus remonta o ano de 1972, com a instalação do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária – CRUTAC. Somente em 2007, implantou a oferta do primeiro curso de graduação. 18 Em 1974, a Escola de Agronomia da Parahyba integrou-se a UFPB. 19 Em 1976, a Escola Agrícola Vidal de Negreiros vinculou-se UFPB e criou-se Centro de Formação de Tecnólogos. 20 Sua história remonta a criação do CRUTAC, em 1966, cujo objetivo era interiorizar a UFRN através de Treinamento e Extensão Universitária.

14

Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFRSA/ 2005/ sede: Mossoró

Angicos – (?) Carnaúbas – 2010 Pau dos Ferros - 2012

05 cursos 06 curso 07 cursos

Universidade Federal do Sergipe - UFS/1968/ sede: Aracaju

Itabaiana – 2006 Laranjeiras – 2007 Lagarto – 2011

10 cursos 05 cursos 09 cursos

Fonte: Sites Institucionais 2016 (?) Não foi possível obter a informação no site.

No governo de Dilma Rousseff (2011-2014), 6 universidades já existentes expandiram seus campi e foram criadas/transformadas 3 novas universidades na região. As novas universidades criadas nesse governo ofertam em seus campi fora de sede até dois cursos graduação, com exceção da UFSB que por sua vez, todos os cursos ofertados são de Licenciatura Interdisciplinar (LI) e Bacharelado Interdisciplinar (BI).

Quadro II A criação/transformação de novas universidades na região Nordeste – governo Dilma Rousseff (2011-2014) Universidade/ano de criação/sede

Campi interiorizados/ano de criação

Quantidade de cursos de graduação nos campi interiorizados

Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB/2013/ sede: Itabuna

Porto Seguro – 2013 Teixeira de Freitas – 2013

09 cursos21 09 cursos

Universidade Federal do Oeste da Bahia - UFOB/2013/sede: Barreiras22

Bom Jesus da Lapa – 2013 Luís Eduardo Magalhães - 2013 Barra - 2013 Santa Maria da Vitória - 2013

02 cursos 02 cursos 02 cursos 02 cursos

Universidade Federal do Cariri - UFCA23/2013/sede: Juazeiro do Norte

Barbalha – 2013 Crato - 2013 Icó - 2013 Brejo Santo – 2013

01 curso 01 curso 01 curso 01 curso

Fonte: Sites Institucionais 2016 21 A UFSB introduziu os núcleos acadêmicos extra-campi, chamados de Rede de colégios universitários Anísio Teixeira. O estudante que cursou todo o ensino médio em escolas públicas da região poderá candidatar ao ingresso na UFSB por meio dessa Rede. Poderá cursar a área básica de ingresso da UFSB e mediante seleção, optar por migrar para o primeiro ciclo da UFSB para cursar o bacharelado ou licenciatura interdisciplinar. Posteriormente, poderá continuar os estudos ao optar pelo segundo ciclo que propicia uma formação acadêmica profissional no nível de graduação. Concluído essa fase, poderá também optar por cursar o terceiro ciclo (pós-graduação). 22 Campus Barreiras (2006) constituiu em um desmembramento da Universidade Federal da Bahia. 23 A UFCA é resultado do desmembramento do Campus Cariri da Universidade Federal do Ceará.

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A política de expansão via interiorização dos campi pelas universidades federais defendidos nos governos (Lula/Dilma) visaram ampliar o acesso ao ensino superior de uma enorme parcela de estudantes pobres, com baixa ou nenhuma capacidade de deslocamento para os centros metropolitanos. Nessa ótica, o projeto de interiorização com a ampliação da oferta de vagas vem possibilitando a promoção da inclusão social dos segmentos excluídos da educação superior, bem como o papel estratégico da universidade para o desenvolvimento econômico e social das regiões que abrigam essas instituições. De acordo Silva Júnior; Anelli Júnior e Macebo (2014), nas últimas duas décadas, as universidades federais tornaram-se agências executivas de políticas públicas de competência do Estado e a mudança do papel da universidade fortalece a forma peculiar de hegemonia do lulismo. Para os autores, esse processo ocorre por meio de duas dimensões:

1)No empresariamento do conhecimento e 2) na certificação em massa. Na primeira dimensão repousa a objetivação de não atentar contra a ordem e, na segunda, introduzem-se mudanças para o atendimento dos invisíveis de Lula ou do precariado que o sustentam politicamente (SILVA JÚNIOR, ALELLI JÚNIOR, MANCEBO, 2014, p. 117).

Os campi interiorizados provenientes da expansão ofertam cursos diversificados (licenciaturas, bacharelados, LIs, BIs e tecnológicos). Do conjunto das 18 instituições, 8 ofertam cursos de BI24 e de LI25 e, somente uma instituição oferece cursos tecnológicos. Em relação à organização, das 18 universidades, 7 possuem campus com foco em área específica do conhecimento nos campi do interior.

24 São cursos com enfoque na formação generalista em quatro áreas: Humanidades, Artes, Tecnologia e Ciências. Os defensores dessa nova arquitetura curricular argumentam que sua implantação permitiria o aumento de vagas no ensino superior, o combate à evasão, a garantia de uma formação universitária geral para os que desistirem da formação superior (profissionalizante), o adiamento da escolha precoce de uma carreira profissional, o aumento da eficiência da gestão na universidade. Os BI’s também permitiriam ampliar a relação do número de professor por aluno e a utilização do ensino a distância 25 A partir da Resolução nº 2, de 30 de janeiro 2012 que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e do “Art. 8º O currículo é organizado em áreas de conhecimento, a saber: I - Linguagens; II - Matemática; III - Ciências da Natureza; IV - Ciências Humanas” (BRASIL. 2012), a discussão do currículo para o ensino médio e a formação de professores ganhou centralidade e vem sendo defendido, a ênfase das dimensões mais amplas do currículo por meio da articulação entre Ciência, Tecnologia, Cultura e Trabalho.

16

A introdução e a oferta significativa dos BIs e das LIs ocorreram a partir da expansão das universidades federais, no contexto do REUNI que instituiu mediante contrato de gestão novas metas, como: aumentar as vagas nos cursos de graduação, ampliar os cursos noturnos, propiciar inovações pedagógicas (revisar estrutura acadêmica, atualizar metodologias de ensino e aprendizagem, diversificar modalidades de graduação), combater a evasão, elevar a taxa de aprovação para 90%, atingir a proporção de 18 alunos por professor, ampliar a mobilidade estudantil entre as instituições, cursos e programas de educação superior. Nesse contexto, defendeu-se que as universidades deveriam combater os chamados itinerários rígidos, o desperdício de créditos, a imobilidade, a especialização precoce dos estudantes por meio da revisão da arquitetura acadêmica. Portanto, as instituições federais deveriam assumir a responsabilidade social em ampliar a democratização da educação superior com a oferta de itinerários acadêmicos alternativos e, inclusive, na lógica da racionalidade econômica.

Apesar da introdução dos BIs e das LIs, verifica-se que 14 universidades da região ofertam algum curso na área das engenharias e 9 cursos na área médica. Dentre os campi interiorizados, 11 oferecem o curso de medicina. A oferta dos cursos de engenharias pode sinalizar uma aproximação das universidades com as demandas e expectativas dos setores produtivos. Vale ressaltar que as universidades criadas/transformadas nesses governos, ressaltam em seus documentos a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Quadro III Universidades: campus temático, BIs, LIs, curso tecnológico e oferta de medicina nos campi fora de sede Universidade Campus

temático BIs LIs Tecnológico Medicina

UFBA Área médica - Vitória da Conquista

UFRBA Centro de Artes, Humanidades e Letras – Cachoeira Centro de Ciências da

Feira de Santana Santo Amaro

Feira de Santana

Santo Antônio de Jesus

17

Saúde – Santo Antônio de Jesus Centro de Formação de Professores – Amargosa Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade – Feira de Santana Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologia Aplicada – Santo Amaro

UFC Sobral Unilab Acarape

São Francisco do Conde

UFMA Centro de Ciências Agrárias - Chapadinha

Balsas Balsas Pinheiro Codó São Bernardo Grajaú

Pinheiro Imperatriz

UFCG Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido

Cajazeira Sumé Cajazeira

UFPE Caruaru UFRPE Santo

Agostinho -Engenharias

UFVSF São Raimundo Nonato Senhor do Bonfim

Paulo Afonso

UFPI Parnaíba UFRGN Ciências

Agrárias – Macaíba Ciências da Saúde – Santa Cruz

Santa Cruz

UFSA Angicos

18

Caraúbas Pau dos Ferros

UFSE Ciências da Saúde – Lagarto

Lagarto

UFSBA Itabuna Porto Seguro

Itabuna Porto Seguro

UFCA Brejo Santo Barbalha Fonte: Sites Institucionais 2016 A expansão mediante a interiorização dos campi vincula-se ao projeto de desenvolvimento econômico/social do lulismo na medida em que as universidades federais passam a ter um papel social importante na inclusão de grupos historicamente desfavorecidos, na formação de mão de obra considerada necessária ao crescimento e desenvolvimento regional, no atendimento dos setores empresariais e na fixação da população nas áreas de origem. Considerações finais

O lulismo implantou o programa de combate da pobreza sem confrontar com os interesses do grande capital, utilizando-se do discurso da importância do estabelecimento de um novo pacto social no país, ao mesmo tempo em que defendeu a aceleração do crescimento econômico com diminuição das desigualdades sociais. Várias políticas e programas visaram combater, nos limites do lulismo, as desigualdades regionais e sociais. As políticas para a educação superior constituem uma expressão desse projeto.

As universidades federais passam a assumir novos papéis sociais articulados com o projeto de desenvolvimento proposto pelos governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2014). As novas finalidades visaram nessa perspectiva, a democratização do acesso ao ensino superior e da inclusão social de setores excluídos historicamente, a formação de profissionais especializados capazes de dar suporte as áreas de expansão dos setores produtivos, a contribuição para o desenvolvimento econômico e social da região, atendendo, sobretudo, as chamadas vocações regionais.

19

A expansão quantitativa das instituições, campi, cursos e vagas vêm acompanhados de diversos problemas, como por exemplo: reduzida inclusão de jovens da região receptora em relação aos cursos de maior prestígio, a opção pela criação de determinados cursos nos campi pela via do contingenciamento de investimento, a infraestrutura precária da região para abrigar os novos campi, as instalações provisórias e recursos insuficientes para prover os novos campi, a dificuldade de contratação e de fixação de corpo docente qualificado, a presença significativa de evasão dos alunos em determinados cursos, dentre outros.

Compreender em que medida, a expansão quantitativa das universidades federais na região vem promovendo a democratização do acesso, a inclusão social, a diminuição das desigualdades regionais instiga ao aprofundamento da discussão das possibilidades, dos limites e do possível esgotamento do lulismo e das alternativas que poderão ser construídas para consolidar a expansão de caráter qualitativo, comprometida, sobretudo, com os interesses da população e pela efetiva democratização da educação superior pública como direito social.

Referências BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. 3 (46), p. 779-810, dez. 2012. BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012. BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação. Razões, princípios e programas, 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf. Acesso em: 20/12/2015. ______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Básica. Resolução Nº 2, de 30 de janeiro 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=9864-rceb002-12&Itemid=30192 CORDEIRO, Ana Luisa Alves. Políticas de ação afirmativa na educação superior: relevâncias do perfil socioeconômico de negros cotistas. In: SOUSA, Andreia da Silva Quintanilha; CAMARGO, Arlete Maria Monte (Orgs.). Interfaces da educação superior no Brasil. Curitiba: CRV, 2014. COUTINHO, Carlos Nelson. A hegemonia da pequena política. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 2010 NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. OLIVEIRA, Francisco de. Hegemonia às avessas. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 2010.

20

SILVA JÚNIOR, João dos Reis; ANELLI JÚNIOR, Luiz Carlos; MANCEBO, Deise. O lulismo e a mudança da natureza do trabalho docente, Revista Eletrônica de Educação, v. 8, n. 1, p. 106-118, 2014. SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Campanhia das Letras, 2012. Universidade Federal de Alagoas. Disponível em: http://www.ufal.edu.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Disponível em: https://ufrb.edu.br/portal/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Ceará. Disponível em: http://www.ufc.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Disponível em: http://www.unilab.edu.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Maranhão. Disponível em: http://portais.ufma.br/PortalUfma/index.jsf. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal da Paraíba. Disponível em: http://www.ufpb.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal de Campina Grande. Disponível em: http://www.ufcg.edu.br/index1.php. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal de Pernambuco. Disponível em: https://www.ufpe.br/ufpenova/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal Rural de Pernambuco. Disponível em: http://www.ufrpe.br/br. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Vale do São Francisco. Disponível em: http://www.univasf.edu.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Piauí. Disponível em: http://www.ufpi.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Disponível em: http://www.sistemas.ufrn.br/portal/PT/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Disponível em: https://ufersa.edu.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Sergipe. Disponível em: http://www.ufs.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Sul da Bahia. Disponível em: http://ufsb.edu.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Oeste da Bahia. Disponível em: http://www.ufob.edu.br/. Acesso em: 05/05/2016. Universidade Federal do Cariri. Disponível em: http://www.ufca.edu.br/portal/. Acesso em: 05/05/2016.