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 C APÍTULO 2  -  A  I NDÚSTRIA E O E SPAÇO GEOGRÁFICO  25 C APÍTULO 2 A  I NDÚSTRIA E O E SPAÇO G EOGRÁFICO :  A S ESTRATÉGIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA   Ao estudar a atividade industrial Pierre George (1978), faz uma distinção entre empresa e estabelecimento. A primeira seria a unidade financeira, ao que eu acrescento jurídica, enquanto o estabelecimento a "unidade concreta de fabricação". A empresa "é uma forma invisível de organização: sua única manifestação concreta é a domiciliação da sede social. (...) A concentração é um fenômeno especificamente geográfico quando se opera no campo dos estabelecimentos. É mais financeira do que geográfica quando se dá no campo das empresas, mas mesmo nesse caso tem conseqüências sobre o âmbito geográfico." (idem: 56-57).  A empresa é a unidade controladora e o estabelecime nto é a sua materializa ção territorial. Mas é um exagero afirmar que a única manifestação concreta da empresa é a sua sede, uma vez que ao estabelecer diretrizes e planos de atuação ao nível da empresa, isso se manifesta territorialmente e, além disso, as estruturas das empresas são diferenciadas, entre outros motivos, em função de sua escala de atuação.  A afirmação sobre as formas de concentra ção nos remete para a discussão a respeito do espaço geográfico: considero a espacialidade de um fenômeno como uma das características de sua existência, logo faz parte do próprio fenômeno e não pode ser considerada como algo anexo ou reflexivo. Dessa forma, não admito a expressão "reflexos" ou "conseqüências" espaciais de um fenômeno, pois as suas características são, entre outras, espaciais. O espaço, pois, compõe o fenômeno, é parte dele e não apenas um reflexo ou uma materialização espacial. O que ocorre em relação à sua visibilidade, muitas vezes, está relacionado com a escala em que se faz a análise ou a observação. Sabemos que, dependendo da escala, alguns aspectos mostram-se na sua plenitude e outros são mais difíceis de serem percebidos. O fato de só vermos alguns deles e termos dificuldade para perceber os demais, não significa que o objeto esteja ausente, mas apenas não visível na escala que escolhemos.  A concentraçã o financeira é, portanto, também geográfica , apenas necessitando da escala apropriada para ser visível. Por exemplo, o acordo entre as empresas Ford e Mazda (será objeto de detalhamento mais à frente) é financeiro, evidentemente, mas é também geográfico, não apenas porque tem "conseqüências sobre o âmbito geográfico", mas porque o é na sua essência. Afirmo isso porque, para começar, deveríamos averiguar o motivo da fusão ter sido com uma empresa japonesa e não com uma européia ou, mesmo, dos EUA. Se a questão era de penetração no mercado japonês e de implementar uma estratégia para a Ásia-Pacífico por parte da Ford e se essa aliança se materializa em estabelecimentos específicos ou simplesmente através modelos derivados fabricados em estabelecimentos já existentes (ou os dois, dependendo do lugar).

2 a Indústria e o Espaço Geográfico

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indústria e espaço geográfico

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  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 25

    CAPTULO 2

    A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO: AS ESTRATGIAS DE INTERNACIONALIZAO DA INDSTRIA AUTOMOBILSTICA

    Ao estudar a atividade industrial Pierre George (1978), faz uma distino entre empresa e

    estabelecimento. A primeira seria a unidade financeira, ao que eu acrescento jurdica, enquanto o

    estabelecimento a "unidade concreta de fabricao". A empresa " uma forma invisvel de

    organizao: sua nica manifestao concreta a domiciliao da sede social. (...) A concentrao

    um fenmeno especificamente geogrfico quando se opera no campo dos estabelecimentos. mais

    financeira do que geogrfica quando se d no campo das empresas, mas mesmo nesse caso tem

    conseqncias sobre o mbito geogrfico." (idem: 56-57).

    A empresa a unidade controladora e o estabelecimento a sua materializao territorial.

    Mas um exagero afirmar que a nica manifestao concreta da empresa a sua sede, uma vez que

    ao estabelecer diretrizes e planos de atuao ao nvel da empresa, isso se manifesta territorialmente

    e, alm disso, as estruturas das empresas so diferenciadas, entre outros motivos, em funo de sua

    escala de atuao.

    A afirmao sobre as formas de concentrao nos remete para a discusso a respeito do

    espao geogrfico: considero a espacialidade de um fenmeno como uma das caractersticas de sua

    existncia, logo faz parte do prprio fenmeno e no pode ser considerada como algo anexo ou

    reflexivo. Dessa forma, no admito a expresso "reflexos" ou "conseqncias" espaciais de um

    fenmeno, pois as suas caractersticas so, entre outras, espaciais. O espao, pois, compe o

    fenmeno, parte dele e no apenas um reflexo ou uma materializao espacial. O que ocorre em

    relao sua visibilidade, muitas vezes, est relacionado com a escala em que se faz a anlise ou a

    observao. Sabemos que, dependendo da escala, alguns aspectos mostram-se na sua plenitude e

    outros so mais difceis de serem percebidos. O fato de s vermos alguns deles e termos dificuldade

    para perceber os demais, no significa que o objeto esteja ausente, mas apenas no visvel na escala

    que escolhemos.

    A concentrao financeira , portanto, tambm geogrfica, apenas necessitando da escala

    apropriada para ser visvel. Por exemplo, o acordo entre as empresas Ford e Mazda (ser objeto de

    detalhamento mais frente) financeiro, evidentemente, mas tambm geogrfico, no apenas

    porque tem "conseqncias sobre o mbito geogrfico", mas porque o na sua essncia. Afirmo isso

    porque, para comear, deveramos averiguar o motivo da fuso ter sido com uma empresa japonesa

    e no com uma europia ou, mesmo, dos EUA. Se a questo era de penetrao no mercado japons

    e de implementar uma estratgia para a sia-Pacfico por parte da Ford e se essa aliana se

    materializa em estabelecimentos especficos ou simplesmente atravs modelos derivados fabricados

    em estabelecimentos j existentes (ou os dois, dependendo do lugar).

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 26

    O SISTEMA ESPACIAL DA EMPRESA

    Fischer (1994), analisando a relao entre a indstria e o espao geogrfico, parte das

    mesmas premissas de Pierre George apontadas acima. O autor utiliza a noo de espao como

    alegoria, ou seja, para ele aquilo que circula no mbito da economia, no necessariamente

    geogrfico. Quando se fala especificamente de lugar, a teramos a Geografia. Essa concepo

    problemtica pelo fato do espao no ser uma coisa ou outra, mas poder ser lido como o leitor

    estabelecer11. Nesse sentido, qualquer fenmeno pode ser lido geograficamente, inclusive a empresa industrial. O autor cai numa armadilha terica, mas ele mesmo no se apega s suas definies e desenha vrias estruturas geogrficas de empresas, apesar de no denomin-las dessa

    maneira.

    Figura 2.1 - Principais relaes funcionais da empresa

    A empresa, para materializar-se, relaciona-se, portanto, com seu meio, mesmo que essa

    interrelao s possa ser observada na escala planetria. Como diz Lipietz (1987), as catedrais do

    deserto s existem como miragem, pois suas relaes principais podem no se dar sua volta

    imediata.

    Porm, para existir, a empresa deve ter um conjunto de relaes como as que esto

    esquematizadas na figura 2.1, que demonstra o que seriam as "principais relaes funcionais da

    11 O espao no geogrfico a priori, assim como no possui nenhuma conotao derivada da diviso

    parcelar das cincias. Se o espao uma produo social e uma dimenso da realidade, em si ele no nada. Quando lemos a realidade, damos a ela um sentido e por isso que a nossa leitura no a realidade, mas apenas uma possibilidade de apreenso.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 27

    empresa", ou seja, um conjunto de relaes essenciais, cujo eixo de estruturao espacial tradicional

    materializa-se, de um lado, na relao com os fornecedores de matrias-primas e componentes e de

    outro, nos consumidores de seus produtos. A figura, porm, revela que existem ainda outras relaes

    com os fornecedores de servios, com as empresas subcontratadas, com os organismos

    institucionais, sem falar dos bancos e da fora de trabalho.

    Esse esquema s se estabelece em um processo de territorializao, mesmo que os laos

    sejam longos, e demonstra algumas das relaes espaciais da empresa, apesar de no identificar

    lugares.

    Como trata de lugares, o esquema da figura 2.2 mais comumente denominado como

    espacial ou geogrfico, mas o tanto quanto o esquema da figura 2.1. Mostra algumas possibilidades

    de territorializao, medida que identifica os possveis tipos de lugares que poderiam abrigar as

    diversas fases do processo produtivo e aponta para a existncia de locais onde pode se conseguir o

    acesso a fatores especficos, como lugares industrializados dotados de atividades produtivas

    especializados, tecnpoles em um meio de pesquisa e inovao, lugares perifricos com baixo custo

    de mo de obra, centros urbanos com economia de aglomerao etc. Tudo isso partindo das

    metrpoles onde estariam localizadas as sedes sociais e as estruturas de informao e poder. Esse

    exemplo o de uma possvel estratgia de implantao de uma grande empresa, mas poderia ser

    reproduzido em outras escalas, abrangendo empresas de todas as dimenses.

    Figura 2.2 - Estratgias de implantao da grande empresa

    A anlise terica referente estrutura espacial da empresa aqui apresentada, desmente as

    postulaes de que essa espacialidade seria invisvel. Essa questo ficar mais clara quando for

    tratada a realidade emprica da Ford Motor Company.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 28

    O SISTEMA ESPACIAL DO ESTABELECIMENTO

    Quando a temtica de estudo fica restrita ao estabelecimento, os gegrafos, em geral,

    consideram que esto no seu meio. Afinal "O estabelecimento objeto geogrfico por excelncia em

    oposio unidade econmica que constitui a empresa" (Fischer, 1994: 28). Ainda segundo o mesmo

    autor. ele pode ser analisado utilizando-se de dois enfoques: no 1, podemos consider-lo como

    centro de convergncia e divergncia de fluxos, o que permite entender a sua insero no espao

    geogrfico. De outra parte, podemos estud-lo como espao de processos de trabalho, o que nos

    enviar discusso de sua organizao interna.

    Aqui temos aquele caso estranho de sempre no meio dos gegrafos: como se no

    pudssemos fazer Geografia se os portes do estabelecimento so ultrapassados, pois a insero

    deste no espao geogrfico dar-se-ia atravs dos fluxos que se estabelecem fora dos seus muros.

    Embora essa perspectiva seja uma tradio nos estudos de Geografia que abordam

    predominantemente os ramos de atividade e regies industriais, ela pode ser questionada nos seus

    fundamentos, considerando um estabelecimento enquanto "espao de trabalho", conforme Fischer.

    Esse espao pode ser analisado do ponto de vista geogrfico, seguindo a estrutura terica aqui

    adotada.

    Figura 2.3 - O estabelecimento no espao geogrfico

    Como mostra a figura 2.3, a espacialidade do estabelecimento efetivamente observada a

    partir da geometria de seus fluxos, para a frente e para trs. Relaes com as fontes de matrias

    primas e de energia, com a fora de trabalho, prestadores de servios e informaes estratgicas e

    com a direo da empresa. Na parte central da figura, temos as relaes institucionais com os

    poderes pblicos e o meio econmico social (que tambm geogrfico), alm dos outros

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    estabelecimentos industriais (parceiros e subcontratados). Ao fim, temos os produtos consumidos

    pelos clientes, os salrios movimentando as relaes econmicas, o valor adicionado apropriado pela

    empresa e os impostos pagos aos diversos nveis de governo. Tudo isso faz parte do tecido espacial

    do estabelecimento.

    Porm, na medida em que entramos porto adentro do estabelecimento, os fluxos e as

    relaes continuam, mas agora em outra escala, e como tal, esse movimento possui espacialidade e

    pode, portanto, ser analisado geograficamente.

    Quando Henry Ford implementou a esteira e adotou as noes de posto de trabalho e linha

    de montagem, estava ocorrendo uma alterao de ordem tcnica que depois se espalhou por

    praticamente toda a indstria, atingindo o conjunto do processo produtivo e aprofundando a diviso

    do trabalho. "Tudo se move em nossas oficinas. (...) nenhum operrio necessita carregar ou levantar

    qualquer coisa. Isso faz parte de um servio distinto - o servio de transporte.. (...) economia de

    pensamento e a reduo ao mnimo dos movimentos do operrio, que, sendo possvel, deve fazer

    sempre uma s coisa com um s movimento. (Ford, 1926 apud Moraes Neto, 1989: 48)

    Com esses princpios mudam vrias coisas na fbrica e, entre elas, a prpria configurao e

    abrangncia territorial das diferentes funes que se desenvolveram para dar conta de atender a tais

    princpios de funcionamento.

    Figura 2.4 - Montagem da sub-carroceria do Escort Ford Taboo - 1986

    FONTE: Elizabeth Bortolaia Silva, "Refazendo a Fbrica Fordista", p.153

    O esquema da figura 2.4 ilustra perfeitamente o que estamos falando, na medida em que

    mostra uma pequena parte de um processo produtivo em sua territorialidade efetiva. Trata-se da

    montagem da sub-carroceria de um automvel na fbrica da Ford do Taboo no ano de 1986,

    envolvendo um total de 48 trabalhadores diretos. evidente que essa territorialidade depende, entre

    outros fatores, da diviso do trabalho e da produo (que inclui a terceirizao e relao com

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    fornecedores e distribuidores) 12 e do nvel tcnico dos equipamentos. Isso nos d uma escala de

    anlise do processo de trabalho to importante quanto aquela externa que falamos anteriormente,

    alm de realar a necessidade de anlise da territorialidade do fenmeno como um dos componentes

    efetivos de sua totalidade.

    A anlise no pode se esgotar na escala do estabelecimento (naturalmente, para aquelas

    empresas que possuem mais que um e onde a empresa no se confunde com ele), pois, se temos

    uma empresa com vrios estabelecimentos, geralmente, por maior autonomia que desfrute, a

    estratgia geral definida ao nvel da empresa. a isso que se refere Nohara (1997), quando afirma

    que existe a "necessidade da geografia das fbricas. Como resultado da globalizao, encontramos

    diversos tipos de diviso do trabalho em termos de funes das fbricas de uma mesma empresa.

    (...) sem a geografia do conjunto das fbricas de uma empresa, no podemos discutir sua trajetria ou

    estratgia." 13 (idem: 1).

    A empresa e o estabelecimento so elementos de uma totalidade e somente podem ser

    entendidos enquanto tais. Isso quer dizer que, de uma maneira geral, o estabelecimento no

    autnomo em relao empresa e nem esta pode ser entendida sem que se analisem os seus

    estabelecimentos. Trata-se, portanto, de definir a nossa escala de abordagem, uma vez que as

    diferentes escalas mostram ou escondem detalhes ou dinmicas, mas no indicam subordinaes a

    priori14.

    Uma empresa com vrios estabelecimentos, territorializa as suas estratgias atravs das

    aes desses estabelecimentos. Estes, por mais autnomos que possam parecer, raramente o so

    efetivamente, como mostram as estratgias de internacionalizao da indstria automobilstica.

    AS ESTRATGIAS DE INTERNACIONALIZAO DA INDSTRIA AUTOMOBILSTICA

    Desde o incio, a indstria automobilstica apresentou caractersticas que a destacaram entre

    os ramos industriais, na medida em que apresentou uma vigorosa passagem da fase artesanal para a

    da produo em massa, principalmente com as inovaes de Ford e, depois, de Sloan (Womack et

    alii, 1992). Desde cedo, com a Ford, apresentou tendncia para a busca de mercados internacionais,

    tanto no que diz respeito a implantaes industriais (a Ford no Canad, em 1905, e no Reino Unido,

    12 Todos os fluxos geram territorializaes. A produo para viabilizar-se necessita de fluxos a

    montante e a jusante para o fornecimento de matrias primas, componentes etc., e tambm para a viabilizao do consumo do bem produzido: isso cria uma rede que necessariamente territorializada e que deve merecer, portanto, nossa ateno.

    13 "The necessity of the geography of plants. As a result of globalisation we find the several types of

    division of labor in terms of function among plants of the same company. (,,,) without the geography of whole plants of one company we cannot discuss its trajectory or strategy."

    14 Falando sobre os diferentes nveis escalares de anlise, Lacoste (1988: 67-87) parte do

    estabelecimento de conjuntos espaciais definidos tematicamente, prope a interseo desses conjuntos em mltiplos planos. Isso remete aos diferentes nveis de anlise espacial e, como conseqncia, s diferentes escalas de representao e espaos de conceituao com densidades variveis.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 31

    em 1911), quanto na forma de fluxos comerciais.

    Com o advento da produo em massa, sobretudo a partir dos produtores dos EUA, as cifras

    de produo saltaram espetacularmente de centenas de unidades por empresa artesanal para

    imensas quantidades, como foi o caso da marca da Ford de mais de 2 milhes de veculos anuais

    (iguais) no incio da dcada de 1920.

    Figura 2.5

    A produo em massa dominou os EUA, arrasando os produtores artesanais de tal forma que

    em 1955, "trs grandes empresas - Ford, GM e Chrysler - eram responsveis por 95% de todas as

    vendas, e seis modelos representavam 80% de todos os carros vendidos." (Womack et alii, 1992: 31).

    Esse modelo produtivo dominou a Europa, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial,

    espalhou-se planetariamente e, hoje, seus nmeros so impressionantes, abarcando vrios pases ao

    redor do mundo.

    Como podemos observar no grfico da figura 2.5, a produo automobilstica no parou de

    crescer, mesmo em tempos mais recentes, espao de tempo em que notamos oscilaes (entre 1990

    e 1993), mas que retomou a curva ascendente e terminou o perodo de 16 anos com uma produo

    aumentada em, aproximadamente, 14 milhes de unidades.

    Entretanto, no grfico da figura 2.6, podemos perceber que esse crescimento do volume da produo automobilstica no se distribui de forma homognea pelo mundo, na medida em que notamos uma relativa estabilizao da produo nos plos da trade (os trs principais mercados

    automobilsticos: EUA e Canad, Unio Europia e Japo), enquanto o crescimento ocorrido no

    perodo localizou-se, sobretudo, em mercados de pases "emergentes".

    PRODUO AUTOMOBILSTICA MUNDIAL ( em mil unidades)

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    50.000

    60.000

    1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997

    Fonte: Anafavea, 1998.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 32

    Figura 2.6

    Esse comportamento do mercado aponta para dificuldades relativas concorrncia na trade,

    na medida em que a ampliao de vendas passa a se dar predominantemente atravs da ocupao

    das fatias de mercado dos demais fabricantes, o que acirra essa concorrncia e a torna

    extremamente cara.

    Figura 2.7

    D IS T R IB U I O D A P R O D U O A U T O M O B IL S T IC A M U N D IA L

    A M R IC A D O N O R T E

    E U R O P A

    J A P O

    P A S E S E M E R G E N T E S

    O U T R O S

    0

    2 0

    4 0

    6 0

    8 0

    1 0 0

    1 2 0

    1 9 8 7 1 9 9 0 1 9 9 2 1 9 9 5 1 9 9 7

    F o n te s : F re y ss e n e t & L u n g , 1 9 9 6 ; A n fa ve a , 1 9 9 8 .

    %

    -

    5 .0 0 0

    1 0 .0 0 0

    1 5 .0 0 0

    2 0 .0 0 0

    2 5 .0 0 0

    3 0 .0 0 0

    3 5 .0 0 0

    4 0 .0 0 0

    4 5 .0 0 0

    1 9 8 7 1 9 8 8 1 9 8 9 1 9 9 0 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3 1 9 9 4 1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7

    F o n te : A n fa v e a , 1 9 9 8 .

    P ro d u o M u n d ia l d e A u to v e c u lo s (x 1 0 0 0)

    T R A D E

    T

    O U T R O S

    O grfico da figura 2.7 confirma as afirmaes anteriores, na medida em que mostra a

    participao percentual no mercado automobilstico entre 1987 e 1997. Os "pases emergentes"

    formam o nico conjunto que ampliou a sua participao no mercado mundial, sobretudo s custas da

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 33

    queda do Japo e dos pases inseridos no grupo dos "outros". 15 Mais frente analisaremos o

    processo que levou a essa configurao, mas no momento ainda cabe um aprofundamento das

    informaes dessa distribuio mundial, agora, do ponto de vista das empresas.

    O grfico da figura 2.8 nos mostra a localizao da produo de automveis das principais

    empresas mundiais em 1994, todas elas sediadas em algum pas da trade. De incio, podemos logo

    perceber que os padres diferem substancialmente quando se toma como referncia o pas sede das

    empresas.

    Figura 2.8 16

    As duas principais dos EUA (GM e Ford) aparecem logo no incio do grfico, com o detalhe

    de sua associao com duas empresas japonesas (Izuzu e Mazda, respectivamente). A situao da

    GM pouco se altera quando sua performance computada juntamente com a Izuzu, por causa do seu

    pequeno peso no Japo e mercado externo, o que j no ocorre com o caso Mazda-Ford, quando a

    produo do grupo atinge, no Japo, quase 17% de sua produo mundial.

    Mais frente veremos que esse nmero no se repete quando estivermos analisando a

    distribuio das vendas. De qualquer forma, apenas a Ford possua um p mais firme no Japo, pois

    detm o controle acionrio da Mazda, com 33% das aes, mas a comercializao dos veculos se d

    sob a marca Mazda. A produo na Amrica do Norte representa por volta de 50% para a Ford e 60%

    para a GM, aparecendo a Europa como a segunda grande rea produtiva com aproximadamente

    0,0

    10,0

    20,0

    30,0

    40,0

    50,0

    60,0

    70,0

    80,0

    90,0

    100,0

    Ford Ford (&Mazda)

    GM GM (&Izuzu)

    Honda Nissan Toyota VAG Fiat Renault PSA BMW-Rover

    Mercedes

    Fonte: Blis-Bergouignan et alii, 1996.

    DISTRIBUIO GEOGRFICA DA PRODUO AUTOMOBILSTICA - 1994 (principais empresas)

    Amrica do Norte Europa Japo outros

    15 PASES EMERGENTES: MERCOSUL, ASEAN, China, ndia e Coria do Sul; AMRICA DO NORTE: NAFTA; EUROPA: Unio Europia. (Freyssenet & Lung, 1996).

    16 PRODUTORES: Ford: Ford, Jaguar, Aston-Martin, Autolatina (Ford), AutoAlliance (Ford); Ford &

    Mazda: Ford + Mazda (Ford 33%), AutoAlliance (Mazda); GM: General Motors, Saab, Lotus, NUMMI (Geo); GM & Izuzu: GM + Izuzu (GM 35%); Toyota: Toyota, NUMMI Toyota; VAG: Audi, Seat, Volkswagen, Skoda, Autolatina (VW); Fiat: Alfa, Ferrari, Fiat, Innocenti, Lancia, Maserati, Sevel (Fiat), Tofas; Renault: Renault, FASA, Oyak, Revoz, CIADEA; PSA: Peugeot, Citroen, Sevel; BMW-Rover: BMW, Rover. (Fonte: Blis-Bergouignan et alii, 1996).

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 34

    30%. Como vemos, as duas grandes empresas dos EUA centralizam o principal filo de sua produo

    (entre 80% e 90%) entre a Amrica do Norte e Europa.

    As trs empresas japonesas apresentam uma situao diferenciada: a produo interna no

    pas de origem (Japo) de mais de 70% para a Toyota, 64% para a Nissan e 54% para a Honda. Na

    Amrica do Norte a situao inverte-se, com a Honda apresentando o maior parque produtivo entre

    as montadoras japonesas, manufaturando ali aproximadamente 39% de sua produo mundial, vindo

    a seguir a Nissan e depois a Toyota. Na Europa, a Nissan possua a estrutura industrial mais

    portentosa entre as automobilsticas japonesas. Portanto, podemos concluir que as trs empresas

    japonesas conseguiram uma penetrao de importncia na Amrica do Norte, mas esse processo

    estava um pouco atrasado na Europa.

    No caso das empresas europias, a situao totalmente diferenciada, j que a maior parte

    da produo localiza-se sobretudo nas sedes e, quando ocorre algum nvel de internacionalizao,

    no se manifesta nos outros plos da trade (com a pequena exceo da produo do grupo VAG no

    Mxico). Destaca-se ainda a grande participao da produo da Fiat fora da Europa, mas tambm

    fora dos outros plos da trade.

    As estratgias so diferenciadas, mas o que se nota que a produo internacionaliza-se de

    forma crescente e a penetrao nos mercados da trade, muitas vezes consolidada com a

    implantao de unidades produtivas, torna-se um elemento importante das estratgias de

    internacionalizao dos grande grupos do setor17. Essas implantaes estrangeiras, trazem ainda a

    caracterstica de proporcionar uma maior interrelao do ponto de vista do conhecimento das formas

    de organizao do trabalho e da produo, assim como dos padres de qualidade e do consumo

    internacionalizado.

    O comportamento das vendas no o mesmo da produo em todos os casos. Isso

    demonstra as estratgias diferenciadas entre as montadoras, principalmente quando se avaliam as

    diferenas entre a produo e as vendas em cada um dos plos.

    O grfico da figura 2.9 permite-nos estabelecer essas comparaes. A Ford e a GM

    praticamente mantm a proporcionalidade com a localizao de sua produo, no nvel de agregao

    que utilizamos no grfico. Isso demonstra a presena mundial das empresas, responsvel pela

    produo no plo, daquilo que l se vende. Evidentemente, existe intercmbio entre os plos, mas ao

    nvel da estatstica, eles praticamente se compensam. Quando agregamos a Mazda Ford,

    anexamos tambm um ingrediente comum do comportamento das empresas japonesas: apesar da

    produo da Ford-Mazda no Japo representar 17% do total de produo da empresa, as vendas no

    Japo representam apenas 5,5% do total de vendas, o que nos leva a considerar que essa diferena

    deve ser compensada por exportaes e tambm nos mostra a presena restrita das montadoras dos

    EUA no mercado japons, ao que podemos acrescentar a participao da Izuzu-GM com menos de

    1% do total das vendas da empresa. Desse modo, para a Ford, mas principalmente para a GM, os

    mercados constitudos pelos outros pases fora da trade so mais importantes que o mercado

    17 Os dados do grfico da figura 2.8, com data de 1994, ainda no mostram a redistribuio

    provocada pelas duas grandes fuses que viriam a ocorrer entre a Mercedes e a Chrysler e entre a Renault e a Nissan. Com isso a Mercedes conseguir uma base de produo na Amrica do Norte e a Renault, simultaneamente na Amrica do Norte e no Japo.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 35

    japons, no por opo, mas sim pelas grandes dificuldades de penetrao.

    Figura 2.9

    D IS T R IB U I O G E O G R F IC A D A S V E N D A S D E V E C U L O S - 1 9 9 4 ( x 1 0 0 0 )

    0 ,0

    1 0 ,0

    2 0 ,0

    3 0 ,0

    4 0 ,0

    5 0 ,0

    6 0 ,0

    7 0 ,0

    8 0 ,0

    9 0 ,0

    F o rd F o rd (&M a zd a )

    G M G M (&Izu z u )

    H o n d a N is sa n T o y o ta V A G F ia t R e n a u lt P S A B M W -R o v e r M e rce d e s

    F O N T E : B lis -B e rg o u ig n a n e t a lii . A m r ica d o N o r te E u ro p a Ja p o o u tro s

    As trs empresas japonesas apresentam um comportamento comum, mas com algumas

    diferenas. A Toyota concentra mais de 70% de sua produo no Japo, porm este representa

    menos de 40% de suas vendas. A situao se repete com a Honda com a diferena entre 50% e

    20% e com a Nissan com 60% e menos de 40%. A Toyota se destaca, ainda, por apresentar uma

    grande participao de suas vendas em pases fora da trade, que so sobretudo abastecidos por

    exportaes, j que sua base produtiva nesses pases atinge somente 10%. De uma maneira geral,

    as vendas das empresas japonesas esto melhor distribudas entre os plos da trade.

    No caso das empresas europias, as vendas se concentram, sobretudo, no continente de

    origem, numa proporo um pouco acima de sua base produtiva, quando nos referimos s suas

    vendas nos pases fora da trade. Dessa maneira, da mesma forma como ocorreu em relao

    produo, a Fiat possui a menor participao na Europa em relao s suas vendas totais, vindo a

    seguir a VAG e Renault.

    Esses dados referentes territorialidade da produo e das vendas da indstria

    automobilstica mostram-nos, portanto, um quadro de internacionalizao. Entretanto, essa

    internacionalizao no se configura da mesma maneira para as principais empresas do setor,

    demonstrando diferentes estratgias empresariais, que levam a movimentos de internacionalizao,

    tambm diferenciados, onde os pases que compem a trade concentram grande parte de toda a

    estrutura produtiva e das vendas.

    GLOBALIZAO OU GLOCALIZAO?

    As estratgias de internacionalizao so formuladas ao nvel das empresas e afetam o

    conjunto dos seus estabelecimentos. Essa afirmao comporta a possibilidade de redefinio de

    estratgias especficas de atuao para as diferentes regies, ou como se do o controle e os

    mtodos desse processo. Diversos autores debruaram-se sobre esses aspectos, especificamente no

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 36

    setor automobilstico, como por exemplo, Ruigrok e van Tulder.

    Na anlise sobre os dezesseis maiores complexos automotivos do globo, que respondiam no

    incio dos anos 90 por aproximadamente 90% da produo automobilstica mundial (Volkswagen,

    PSA, Renault, Fiat, Mercedes-Benz, BMW, Volvo, Rover, Toyota, Nissan, Honda, Mazda, Mitsubishi,

    General Motors, Ford e Chrysler), os autores diferenciavam fundamentalmente as estratgias

    internacionais de globalizao daquelas que denominam como sendo de glocalizao.

    1. Globalizao: as empresas que adotam essa estratgia visam uma diviso mundial do trabalho e da produo intra-firma. A empresa global caracteriza-se por um alto nvel de integrao vertical

    e, tanto a produo de componentes, quanto de produtos finais distribui-se por todo o mundo. As

    localizaes so selecionadas com base nas vantagens comparativas dos pases.

    2. Glocalizao ou Global Localizao: visa uma diviso do trabalho e da produo inter-firmas geograficamente concentrada. As empresas que se empenham nessa estratgia possuem um

    nvel muito baixo de integrao vertical e utilizam muito os fornecedores de componentes

    (terceiros). Para essas empresas fundamental um alto grau de controle estrutural sobre a rede

    de fornecedores para assegurar o suprimento estvel de componentes. A Glocalizao implica

    em localizar prioritariamente a produo dentro da Trade ao invs de visar a explorao de mo

    de obra barata nos pases em desenvolvimento. (Ruigrok e van Tulder, 1991)

    Figura 2.10 Posio internacional dos 16 complexos automobilsticos no incio dos anos 90

    DISTRIBUIO E MARKETING

    PRODUO

    DOMSTICA

    REGIONAL

    "DIADIC"

    (em 2 plos da Trade)

    GLOBAL

    GLOCAL

    DOMSTICA

    ROVER CHRYSLER

    MERCEDES BMW FIAT PSA

    TOYOTA NISSAN

    REGIONAL RENAULT VW

    VOLVO MITSUBISHI

    "DIADIC" (em 2 plos da Trade)

    GM FORD

    MAZDA HONDA

    GLOBAL

    GLOCAL

    FONTE: adaptado de Ruigrok e van Tulder, 1993

    Os autores citados utilizam como critrios para essa classificao das empresas,

    principalmente a estruturao e localizao de suas atividades de produo e de distribuio.

    Como podemos perceber na tabela da figura 2.10, que combina as estratgias de produo

    com as de distribuio e marketing, nenhuma empresa teria cumprido os requisitos para ser

    caracterizada como global, mas as cinco montadoras japonesas seriam glocais do ponto de vista da

    distribuio e marketing. Em relao produo, o mximo que teramos seriam as empresas

    "didicas", ou seja, aquelas presentes em duas reas da trade (Ford, GM e Volvo)

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 37

    Essa classificao seria justificada pelo fato de que, at o comeo dos anos 90, nenhuma

    empresa automobilstica tinha obtido um grau de internacionalizao em sua estrutura produtiva para

    produzir volumes significativos em cada uma das 3 regies da Trade (Amrica do Norte, Europa

    Ocidental e Japo). Da mesma forma, os autores afirmam que nenhum dos grandes produtores tinha

    conseguido elevados nveis de produo em pases perifricos e, embora VW, Ford e Fiat tenham

    aparatos produtivos razoveis na Amrica Latina, isso no excedia 15% do total das vendas dessas

    empresas. Como vimos, essa afirmao no condiz com as estatsticas de 1994 que apresentavam a

    Fiat e a VAG com 40% e 25% das vendas justamente nesses pases.

    Quatro empresas haviam espalhado sua produo em duas regies da Trade: Mazda,

    Honda, GM e Ford. Nenhum deles conseguiu vender em todas as regies da Trade, exceto os que

    seguiram a estratgia da glocalizao. Na rea da distribuio, todos os produtores japoneses

    adotaram a estratgia da glocalizao. Quanto s vendas, nenhum produtor dos EUA ou UE

    conseguiu pelo menos 10% em cada uma das regies da Trade ao mesmo tempo. (van Tulder,

    1993).

    Na tabela da figura 2.11 temos uma projeo do enquadramento dos complexos automotivos

    para o ano 2000, elaborada no incio dos anos 90. Aqui podemos observar que o autor no utiliza a

    categoria "diadic", que viria a formular apenas no trabalho de 1993, do qual adaptamos a tabela da

    figura 2.10. A relao entre produo e distribuio a mesma, na medida em que combina essas

    duas caractersticas, deixando claro os seus critrios na prpria tabela.

    Portanto, os autores previam que no ano 2000 apenas a Ford e a Mitsubishi teriam uma

    estratgia global, tanto do ponto de vista da produo, quanto da distribuio, o que no entra em

    choque com suas afirmaes: "Globalizao no mximo uma estratgia e no uma realidade

    completa. Muitos autores chamam de globalizao aquilo que na verdade glocalizao. A afirmao

    da globalizao na indstria automobilstica atende a uma srie de interesses e, nesse sentido,

    expressa mais ideologia do que realidade." (Ruigrok e van Tulder, 1991).

    Figura 2.11 - Posio internacional dos 16 complexos automobilsticos no ano 2000 (extrapolando as estratgias adotadas no incio dos anos 90)

    Distribuio e Marketing

    Produo

    LOCAL

    (organizao

    predominante-mente nacional)

    REGIONAL I

    (presente prio-ritariamente em

    uma regio)

    REGIONAL II

    (presente em duas

    ou trs maiores regies)

    GLOBAL

    (grande proporo de distribuidores independentes e

    importadores)

    GLOCAL

    (distribuidores

    locais totalmente controlados)

    LOCAL (> 80%

    domstico)

    Chrysler PSA Rover VAG BMW

    REGIONAL (< 70% local;

    > 80% regional)

    Renault Fiat

    Volvo Daimler-Benz

    GLOBAL (< 70% regional)

    GM Ford Mitsubishi

    Mazda Honda

    GLOCAL (grande presena em cada regio

    da Trade)

    Toyota Nissan

    FONTE: adaptado de Ruigrok e van Tulder, 1991

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 38

    Os mapas da figura 2.12, elaborados com informaes de 1996, mostram que a realidade em

    termos de localizao de plantas industriais de montagem e fabricao de veculos ainda se

    encontrava nos moldes em que Ruigrok e van Tulder as tinham analisado no comeo dos anos 90.

    Figura 2.12 - Plantas de Montagem 1996 (por pas sede)

    0 3,000

    Kilometers

    LEGENDA Unio Europia Japo

    USA OUTROS

    JAPO E CORIA DO SUL

    FONTES: IDAS, 96; CCFA, 97; JAMA, 97 E ANFAVEA, 97. ELABORAO: Diamantino Pereira

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 39

    Podemos observar que as empresas europias no tinham penetrado significativamente no mercado

    dos EUA pois das quatro plantas duas eram de caminhes e as outras duas de automveis de luxo

    (Volvo e Jaguar), entretanto, tinham se internacionalizado sobretudo fora da trade na Amrica Latina,

    frica e sia.

    As montadoras dos EUA (quase exclusivamente Ford e GM) se espalham por todo o mundo

    mas no esto presentes no Japo, a no ser na participao acionria de 33% da Ford na Mazda e

    nos acordos da GM com a Izuzu. Apesar disso, o autor afirma que Ford e GM caminhariam no rumo

    da globalizao.

    No Japo ainda no observvamos a presena de nenhuma montadora dos EUA ou da UE

    (Unio Europia). Em contraste, tnhamos a presena de montadoras japonesas nos outros dois

    ncleos da trade, mas tambm podemos notar a sua presena em vrias outras partes do mundo. O autor afirma que as principais montadoras japonesas adotaram o modelo da glocalizao

    possivelmente no por estarem localizadas apenas nos ncleos da trade, mas pelo modelo de sua

    integrao industrial, ou seja, pelas suas prprias palavras: "uma diviso do trabalho inter-firmas

    geograficamente concentrada" e no uma diviso intra-firma como acontece sobretudo com GM e

    Ford, apesar de que o termo "geograficamente concentrada" seja difcil de ser reconhecido no arranjo

    territorial das montadoras japonesas que se espalham pelo mundo todo. Resta a possibilidade de

    explicar argumentando que as instalaes mais significativas estariam nos ncleos da trade, mas

    ainda assim a resposta limitada: quais no estariam?

    A classificao de Ruigrok e van Tulder sofre ainda a crtica, sobretudo de alguns membros

    do Gerpisa, no sentido de que esses autores estariam buscando um modelo de internacionalizao

    ideal. Essa idia descartada em vrios documentos publicados por esse grupo de pesquisadores

    que discordam da existncia de uma estratgia ideal. Para eles, observa-se uma configurao

    especfica que se adapta a situaes e projetos tambm especficos. Logo, no haveria que se

    buscar o modelo ideal pois, em tese, ele sequer existiria.

    ESTRATGIAS DE INTERNACIONALIZAO

    Blis-Bergouignan, Bordenave e Lung, vinculados ao Gerpisa, questionam a anlise de

    Ruigrok e van Tulder e oferecem uma outra estrutura a partir da qual poder-se-iam enquadrar as

    estratgias de internacionalizao das empresas automobilsticas.

    Figura 2.13 - Estrutura para interpretar a multinacionalizao das empresas Grau de Controle Hierrquico

    Princpios de Hierarquia FRACO FORTE

    INTERNACIONALIZAO Empresa Multi-domstica Empresa Mundial

    GLOBALIZAO Empresa Multi-regional Empresa Transregional

    FONTE: adaptado de Blis-Bergouignan et alii, 1996.

    Os autores definem essas categorias da seguinte forma:

    EMPRESA MUNDIAL: No implica na expanso da empresa por todo o mundo, mas a reproduo do seu modo domstico de funcionamento para o nvel internacional. Em outras palavras, os

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 40

    diferentes estabelecimentos da empresa, espalhados por vrios pases, funcionariam seguindo

    de perto o modelo e polticas da matriz, resultando em estabelecimentos relativamente parecidos

    nos lugares em que a empresa atua. As pequenas modificaes ocorrem devido s

    particularidades locais, tais como relaes de trabalho, nvel tcnico, concorrncia, etc. Como

    resultado do desenvolvimento e da competio, a empresa pode evoluir para formas mais

    complexas de organizao espacial.

    EMPRESA MULTI-DOMSTICA: Permite uma certa autonomia de deciso e adapta seus produtos e regras de funcionamento s condies locais, o que leva a uma grande diferenciao geogrfica

    dos bens oferecidos nos diferentes mercados. Porm, a companhia continua com um comando

    simples em que os investimentos estrangeiros so marginais e a sede vista como fonte de

    investimentos. As filiais no so vistas como possuidoras de competncias especficas,

    principalmente em termos de tecnologia e Know-How, que podem ser transferidos da sede.

    Consequentemente, temos uma relao de dominao unilateral.

    EMPRESA MULTI-REGIONAL: organizada em diferentes regies que se interrelacionam, sendo favorecida a descentralizao das funes econmicas principais da empresa ao nvel dos

    espaos regionais. Cada uma das principais regies de produo pode ser dirigida

    autonomamente, sem prejuzo de um grau de centralizao das decises mais importantes.

    EMPRESA TRANS-REGIONAL- O controle hierrquico grande e a organizao geogrfica da companhia tende para a homogeneidade. As diferentes regies so reconhecidas como espaos

    de competncias especficas que podem ser coordenadas dentro do contexto de uma

    aproximao global com as atividades da companhia e sua rede de alianas. Uma srie de

    produtos mundiais vendida em diferentes mercados. (Blis-Bergouignan et alii, 1996).

    At o perodo em que os autores estenderam a sua anlise, a maioria dos produtores

    automobilsticos europeus estava presente apenas em um dos plos da Trade (a prpria Europa),

    mas trilharam o caminho da internacionalizao distribuindo-se por alguns mercados emergentes da

    Amrica Latina, frica e sia. Os produtores franceses eram os mais hesitantes nesse processo,

    operando com uma estratgia altamente centralizada, onde so produzidos alguns dos modelos de

    seus mercados domsticos nesses mercados externos

    VW e Fiat apresentam uma viso mais ambiciosa, consolidando sua presena tambm no Sul

    e Centro Europeu. A Fiat apresenta-se como uma organizao centralizada e a VW apresenta uma

    trajetria mais complexa, desenvolvendo produtos especficos ou adaptando modelos para esses

    pases, partindo para um processo de racionalizao de plataformas envolvendo, tambm, as

    montadoras adquiridas Seat e Skoda.

    A Honda est bem situada em seu processo de internacionalizao da produo e vendas. A

    sua estrutura espacial est organizada na forma multi-divisional, similar configurao multi-regional

    em que cada diviso regional (EUA, UE e sia) totalmente responsvel por todas as atividades de

    pesquisa, design e vendas do produto final, criando estruturas regionais autnomas que respeitam as

    orientaes da sede mundial. Nessa estrutura, a direo geral toma as decises que afetam a

    empresa como um todo e as estruturas regionais coordenam as atividades relativas s suas prprias

    reas de atribuio. Sob a aparncia de uma coordenao inter-regional, temos uma estratgia

    espacial que mais trans-regional do que multi-regional, ao contrrio do que assumido pela prpria

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 41

    empresa.

    Figura 2.14

    Grau de Controle Hierrquico FRACO FORTE

    INTERNACIONALIZAO

    Empresa Multi-domstica (2)

    Empresa Mundial (1)

    GLOBALIZAO

    Empresa Multi-regional (3)

    Empresa Transregional

    (4)

    Fiat PSAVAG

    Nissan

    Toyota

    Honda

    FordGM

    FONTE: adaptado de Blis-Bergouignan et alii, 1996.

    A Nissan caminhou largos passos para integrar-se regionalmente nos EUA e na Europa,

    regio onde possui a maior base produtiva entre as empresas automobilsticas japonesas. No

    Sudeste Asitico, a empresa desenvolveu um veculo especfico para a regio (sia car) com base

    numa plataforma dividida com seus produtos japoneses. Para a Nissan, estava se configurando uma

    estrutura baseada em quatro regies mundiais: EUA, Europa, Japo e Sudeste Asitico.

    A Toyota continua o processo de internacionalizao que foi iniciado com sua estratgia de

    exportaes e com a estruturao de uma slida rede de vendas. Consolidou suas operaes na

    regio da sia-Pacfico, coordenando as atividades de vrias subsidirias e criou uma diviso

    regional do trabalho e da produo, ligando as fbricas da Austrlia e da Califrnia numa rede de

    fluxos de componentes.

    A GM desenvolveu uma estratgia multi-domstica, com a polarizao entre dois plos da

    trade: Amrica do Norte e Europa. Ao contrrio da Ford, no apresenta um projeto unificado na

    escala mundial: na UE, as operaes centralizaram-se em torno da GM alem e a associao com a

    Izuzu no contribuiu muito para a penetrao no mercado japons. Atualmente os plos dos EUA e

    da UE permanecem essencialmente autnomos, existindo entretanto prticas de diviso de produtos

    entre as duas reas geogrficas.

    A Ford concentrou suas atenes na reorganizao espacial em nvel mundial, redefinindo as

    especializaes regionais e intra-regionais e reforando a coordenao dentro dos espaos regionais.

    Com a Mazda, a empresa implementou uma poltica de "centros de responsabilidade" abrangendo os

    plos da trade, atribuindo a esses centros o desenvolvimento de modelos e sries. Assim, os carros

    pequenos ficaram com a Mazda; os compactos com a Ford Europa e os veculos grandes com a

    Ford Amrica. Essa prtica renovou a estratgia do "carro mundial" e pressupe um comrcio

    permanente entre as regies, em um contexto em que a Ford Amrica permanece como o centro de

    gravidade das operaes da empresa. Com o plano "Ford 2000", houve uma radicalizao da

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 42

    orientao transregional, envolvendo a integrao das atividades europias e norte-americanas numa

    s estrutura, abarcando todos os aspectos do processo produtivo.

    a tornar-se tambm transregional.

    Figura 2.15 - Plantas de Montagem 1999 (por pas sede)

    0 3,000

    Kilometers

    LEGENDA UNIO EUROPIA

    ESTADOS UNIDOS

    JAPO OUTROS

    JapanSouth Korea

    FONTES: IDAS, 96; CCFA, 97; JAMA, 97 E ANFAVEA, 99. ELABORAO: Diamantino Pereira

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 43

    Como vemos, para cada empresa, temos um processo muito diferenciado de estratgias de internacionalizao, o que resultaria na estruturao demonstrada pelos autores no quadro da figura 2.14, em que se notava apenas a Ford tendo atingido o estgio mais avanado em termos de

    uma estratgia de globalizao, a da empresa transregional, estando a Honda na transio entre

    multiregional e transregional e a GM sendo ainda considerada multiregional mas em movimento rumo

    As empresas europias apresentavam um quadro retardatrio em relao ao processo de

    internacionalizao, sendo as principais, consideradas multi-domsticas ou mundiais, porm com

    base forte apenas no prprio plo europeu da trade

    Essa era a situao do processo de internacionalizao das empresas automobilsticas at

    1999, quando duas importantes aquisies agitaram esse mercado: a compra da Chrysler pela

    Mercedes e da Nissan pela Renault. Ocorreu tambm a compra da Volvo automveis pela Ford, mas

    alm de ser um negcio de menores dimenses, apenas fortaleceu a linha de automveis de luxo em

    que a Ford j trilhava com a Aston-Martin e a Jaguar. Observe os mapas da figura 2.15.

    As aquisies Chrysler-Mercedes e NIssan-Renault derrubam muitas das consideraes que

    foram feitas anteriormente em relao ao processo de internacionalizao.

    A Mercedes, empresa europia, entrou com fora no mercado norte-americano, fato nico,

    pois at agora nenhuma outra empresa desse continente tinha conseguido estabelecer bases slidas

    nesse plo, excetuando-se a BMW, que um construtor de segmento especfico e no um dos

    grandes produtores generalsticos.

    A Renault, empresa que possua aproximadamente 80% de sua produo e vendas baseadas

    na Europa, adquiriu repentinamente um importante acesso ao mercado japons (aproximadamente

    18% da produo e vendas em 1996, correspondendo a 1.410.000 automveis) e ao norte-americano

    (469.000 em 1996) alm dos produzidos na Europa (339.000) que se somam produo da prpria

    Renault (1.600.000).

    No se pode mais afirmar, portanto, que as empresas europias no conseguiram penetrar

    no mercado norte-americano e nem no japons, pois essas aquisies proporcionaram justamente

    isso.

    A PRODUO AUTOMOBILSTICA NOS ANOS 90

    J falamos anteriormente a respeito da produo em massa e de sua introduo atravs de

    Ford e Sloan. Concentraremos agora nossa ateno nas caratersticas dominantes durante a dcada

    de 90 e as perspectivas que apontam para o futuro.

    Referir-se produo automobilstica na dcada de 90 implica em falar na produo enxuta.

    Mas, como esse conceito utilizado com os mais variados sentidos e significaes, ele acaba no

    dizendo muita coisa a menos que o especifiquemos. Alguns autores chegam a afirmar que o conceito

    utilizado para qualificar coisas muito diferentes: "um amlgama de estratgias de negcio e

    modelos industriais que so diferentes e incompatveis" e que, portanto, no poderia se constituir no

    modelo industrial do sculo XXI (Freyssenet, 1998: 45).

    Apesar de admitir essa heterogeneidade, Hirata (1995) admite que possa existir um certo

    nmero de traos comuns que configuram certos princpios de organizao do trabalho das grandes

    empresas industriais que se dedicam produo em massa, com caractersticas de flexibilidade e

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 44

    qualidade. (idem, 1995). Esses traos comuns seriam, por exemplo, o destaque para o trabalho em

    grupo, a produo just-in-time ou enxuta, as prticas de melhoria permanente (kaizen), envolvendo

    a implementao do trabalho em grupo e a mobilizao dos trabalhadores pela via de sistemas

    participativos.

    Se essas caractersticas comuns formam um modelo produtivo e se esse modelo revoluciona

    e/ou substitui o modelo hegemnico at a dcada de 80 (o fordismo), isso se transformou em uma

    grande polmica.

    Aquilo que alguns autores denominam como produo flexvel, tambm amplamente

    denominado como Toyotismo, pois teria sido justamente nessa empresa que teriam se desenvolvido

    as prticas que terminariam por formar esse modelo.

    Entretanto, para que no confundamos as coisas, Salerno (1997) adverte que h uma sutil

    diferena entre o lean e a Toyota: o lean um modelo , e a Toyota uma empresa

    com fora inclusive para modificar seu modelo, ainda que parcialmente, segundo o que considera

    mais conveniente. Em outras palavras, lean um produto, Toyota uma empresa dinmica que se

    confronta com as mutveis condies ambientais, buscando apresentar estratgias compatveis.

    (idem: 507).

    Figura 2.16 Plantas da Toyota no Japo

    Essa realidade perfeitamente comprovvel quando, por exemplo, analisamos a estruturao

    da fbrica da Toyota de Kyushu, inaugurada em 1992. Muda muita coisa: para comear, como

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 45

    podemos observar no mapa da figura 2.16, enquanto as plantas inauguradas at 1986 localizavam-se

    relativamente prximas umas das outras, a de Kyushu situa-se a mais de 1000 km de distncia desse

    complexo, assim como da maioria de seus fornecedores (Mileli: 1991: 43). evidente que isso coloca

    uma dificuldade maior do ponto de vista da logstica, no sentido de operar o sistema do just-in-time.

    Figura 2.17

    Shimizu (1994: 21-2) coloca que a estruturao da planta fazia parte de uma seqncia de

    aes que a companhia vinha tomando, no sentido de humanizar o seu sistema de organizao do

    trabalho e da produo, que j tinha implicado em diversas alteraes nas unidades mais antigas e,

    particularmente, na construo da quarta usina de Tahara em 1991. Muda o sistema salarial e, com

    ele o sistema de incentivo busca de melhorias de produtividade, mas talvez possamos dar grande

    destaque para a estruturao da linha de montagem, subdividida em mini linhas (figura 2.17) com um

    posto para possibilitar o controle de qualidade e os retoques. Do rgido just-in-time, passamos para

    um sistema em que temos a possibilidade de acumular as produes parciais e, assim, possibilitar

    uma maior flexibilidade em caso de interrupo de uma das mini linhas. A equipe de trabalho

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 46

    responsvel por cada uma delas tem a autonomia de parar ou acelerar o trabalho, desde que isso

    no interfira no ritmo geral da produo.

    Como vimos, realidades concretas so uma coisa e modelos, outra bem diferente, como j

    tinha advertido, Salerno. Modelos so cristalizaes e construes a posteriori. Zilbovicius (1997),

    seguindo a argumentao de Sugita (1989), afirma que a lean production , assim, produto de analistas (ocidentais) que constrem um modelo abstrato a partir da observao de determinadas tcnicas; um construto que aspira e nesse caso, bem sucedido condio de modelo. Sua autoridade ou legitimidade construda em boa parte a partir dos resultados da aplicao de tcnicas desenvolvidas por Ohno e Shingo, mas sua ascenso ao senso

    comum auxiliada no exatamente pela demonstrao cientfica das bases do modelo, mas pela

    legitimidade conferida pela instituio qual os autores do modelo se vinculam, o MIT. (idem: 309).

    Em outras palavras, a construo do modelo serviu para explicar as razes do sucesso das

    empresas japonesas em contraponto com as ocidentais. Com a finalidade de descobrir os segredos

    desse sucesso, inverteu-se at a rota da peregrinao dos executivos e engenheiros das empresas

    automobilsticas em direo ao Japo a partir dos anos 70, enquanto at os anos 50 isso se dava em

    direo Ford e sua linha de produo nos EUA (Womack et alii, 1992: 232).

    Mas, imputar a idia de que o modelo japons seria flexvel e que o fordismo seria rgido,

    implica em estabelecer critrios de anlise que apenas conseguem ver os modelos e no a realidade

    que, como afirma Wood (1991) multidimensional. Implica ainda a idia de que o caso do Japo

    seria excepcional. Entretanto, muitos aspectos desse pas, inclusive aqueles geralmente

    considerados como traos distintivos, diferem apenas em grau, e no em espcie, dos que se

    observam em outros pases desenvolvidos. (idem: 39).

    Vejamos, por exemplo, o aspecto da "automao flexvel". O termo flexvel no quer dizer

    grande coisa, mas quando se agrega a informao de que se trata de base microeletrnica, buscam-

    se, geralmente, os significados e as comparaes com a automao de base eletro-mecnica. O

    "flexvel" definir-se-ia pela sua oposio, ou seja, aquilo que seria "rgido": "Na automao

    eletromecnica, as instrues de comando esto incorporadas nos prprios componentes mecnicos

    e eltricos que compem a mquina. O curso das ferramentas est definido mecanicamente. Sua

    rigidez significa que qualquer alterao importante no comando implicaria um amplo rearranjo dos

    seus componentes, isto , implicaria a construo de uma outra mquina." (Carvalho, 1987: 79). O movimento mecnico e repetitivo e portanto, o tipo de processo que se justifica na fabricao

    de lotes imensos do mesmo tipo de produto. Para cada funo, uma mquina ou a troca do

    ferramental (setup) atravs de paradas da produo e atravs do trabalho vivo ou, ainda, a variao

    do movimento rotineiro da mquina atravs do movimento criativo da mo humana.

    Por outro lado, quando falamos em automao microeletrnica, o comando das mquinas

    "no se encontra desenhado` no corpo mecnico das mquinas, e sim editado` ou impresso` nos

    programas que alimentam os microprocessadores a elas acoplados". (Carvalho, 1987: 80). E o

    movimento tornou-se complexo, como antigamente s era possvel atravs da interveno da mo

    humana. E o saber do trabalhador mais qualificado passou a ficar armazenado justamente nos

    programas que agora comandam as mquinas.

    Entretanto, a diminuio do tempo de setup, por exemplo, na Toyota, que descrita como um

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 47

    dos primeiros passos para a caracterizao posterior do modelo, no tem ligao direta com a

    questo tecnolgica, uma vez que a descoberta de que poder-se-iam trocar os moldes das prensas

    em trs minutos, sem mo de obra especializada, contra o padro anterior de um dia, implica em uma

    maior flexibilidade de possibilidades de fabricao, sem a introduo de dispositivos significativos em

    relao tecnologia. Poderamos afirmar a mesma coisa em relao ao just-in-time, que , antes de

    tudo, uma prtica gerencial, mas que pode ser grandemente auxiliada e incrementada quando se

    dispe da tecnologia da informtica e comunicaes.

    Podemos concluir, portanto, que as mudanas esto longe de serem determinadas por uma

    simples modificao tecnolgica. Em outras palavras, evidente que as novas tecnologias tornaram

    possveis muitas novas prticas, mas a tecnologia no se governa por si s, no tem vida prpria,

    antes vive com o sopro do movimento da sociedade. Como a sociedade no isenta de contradies,

    no podemos imaginar que a tecnologia devesse ser uma coisa neutra, boa ou m: em si ela no

    nada, ela o que lhe permitirem ser. "A revoluo informacional suscitada pelo capitalismo em crise

    profunda e duradoura no superou o sistema social que a engordou. A informtica, pois, em si

    mesma, no oferece nenhuma garantia para o emprego, a qualificao e a responsabilizao dos

    assalariados do futuro". (Lojkine, 1990: 19).

    Pensar e fazer

    As prticas fordistas, na medida em que se baseiam na diviso do trabalho em ciclos curtos e

    a definio individualizada das funes, levam o treinamento da mo de obra a ser encarado como

    uma atividade especfica em funo da habilidade requerida. Existem muitos relatos, inclusive do

    prprio Henry Ford, que proclamavam cheios de orgulho que o treinamento de muitos trabalhadores

    no necessitaria mais do que alguns minutos, ao fim dos quais j estariam aptos para exercer sua

    funo na linha de montagem (Neto, 1989).

    Essa situao em relao ao treinamento reflete a concepo bsica sobre o

    encaminhamento do processo produtivo. O Taylorismo introduz na oficina a diviso entre a execuo

    e o projeto/planejamento e, alm disso, dita que o trabalho deve ser dividido em funes e

    movimentos mais simples possveis, para que o executor no perca tempo "pensando", seja gil em

    seus movimentos e possa, portanto, ser mais facilmente controlado atravs do cronmetro que

    registra o estudo dos tempos de execuo da tarefa. Como resultado, se tal diferena se manifesta,

    quem executa uma tarefa, no precisa saber de mais nada alm dela mesma e por isso que o

    trabalho mecnico e o treinamento facilitado.

    Nesse modelo, no necessrio um trabalhador que saiba como o seu trabalho se encaixa

    em relao ao conjunto. Dar sugestes sobre o processo produtivo, mesmo que seja o mais imediato,

    era considerado um antema.

    Logicamente, para que o funcionrio trabalhe com eficincia nesse esquema, necessrio o

    controle e uma forte estrutura hierrquica, sendo o trabalhador valorizado na medida pura e simples

    que executa a sua funo com rapidez (relativa ao tempo padro) e assduo ao trabalho.

    Verticalizao e horizontalizao

    A empresa fordista clssica extremamente verticalizada. A Ford, no seu estabelecimento de

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 48

    Highland Park, produzia absolutamente tudo o que era necessrio para a construo do automvel,

    desde o ao, vidro, tinta, etc.

    No entanto, a integrao vertical, que permite o controle de toda a cadeia produtiva constitui

    um fator de rigidez: " medida que se realiza a desintegrao vertical, os sistemas de produo se

    externalizam ainda mais e se tornam, por isso mesmo, mais flexveis em termos organizacionais. Ao

    contrrio, a integrao vertical gera inflexibilidade organizacional crescente que limita as

    possibilidades de combinao ou de recomposio dos diferentes processos de produo." (Scott,

    1988, apud Benko, 1999: 118).

    Figura 2.18

    Fonte: Panorama Setorial Gazeta Mercantil, 1998.

    As empresas que se formaram sob os parmetros fordistas/sloanistas, mesmo que j tenham

    iniciado seu processo de transformao ainda carregam a marca de origem. Isso pode ser observado

    nos grficos da figura 3.13 onde a estrutura da GM em 1995, quando a empresa j tinha iniciado sua

    reestruturao, ainda demonstrava o imenso peso da comparao entre o nmero de empregos

    diretos e o volume de vendas. A Toyota apresentava a melhor relao e a Ford aparecia no patamar

    intermedirio. Analisando outro aspecto desse mesmo fenmeno, podemos afirmar que "a Toyota faz

    fabricar no exterior da empresa principal perto de 70% dos veculos vendidos, enquanto que a GM

    subcontrata apenas 30% de sua produo." (Coriat, 1994: 120).

    verdade que aqui tambm temos a manifestao de realidades especficas do Japo, onde

    grande parte dos fornecimentos feito por empresas do mesmo grupo com participaes acionrias

    cruzadas, o que diminui o problema do desabastecimento e da qualidade. verdade, tambm, que as

    empresas ocidentais avanaram bastante no sentido de implementar estratgias de terceirizao,

    com vinculao mais estreita com os fornecedores que tem se colocado na tendncia crescente da

    implantao do "global sourcing", ou seja, na relao entre a empresa principal e os mesmos

    fornecedores se reproduzindo por grande parte dos pases onde a principal se instala, em funo da

    confiana que o fornecedor ser capaz de dar conta de seus compromissos e que ter escala de

    produo para poder racionalizar seus custos. (Freyssenet e Lung, 1998)

    020406080

    100120140160

    1

    VENDAS (US$ bilhes) - 1995

    GM Ford Toyota Ford Toyota

    0

    100

    200

    300

    400

    500

    600

    700

    1

    FUNCIONRIOS (milhares) - 1995

    GM

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 49

    Fluxos e movimentos

    Alm da horizontalizao, as empresas que aprenderam com o modelo japons, modificaram

    sua atitude perante os fluxos de fornecimentos, implantando o just-in-time, ou seja, o trabalho sem

    estoques. Na sua verso mais radical, a empresa fornecedora entrega seus produtos diretamente na

    linha, j seqenciados.

    Como resultado, reduz-se o inventrio de produtos e no se formam estoques. Logo, o custo

    de sua manuteno drasticamente reduzido.

    Mas a implantao desse sistema implica em fluxos muito bem resolvidos. Os fornecedores

    das peas devem saber o momento exato de entregar seus produtos e isso pode ser feito com o

    auxlio do Kanban (Benko, 1999: 241-2) e da transmisso de dados. Ao lado disso, a proximidade dos

    fornecedores to desejvel, quanto um fluxo virio sem problemas de interrupo tais como

    congestionamentos, enchentes e rodzios. Quando esses elementos no so favorveis, ao invs de

    nenhum estoque, a empresa necessita trabalhar com pouco estoque. Como exemplo, temos a fbrica

    Toyota de Kyushu, distante 1100 km de Toyota City, que por causa da distncia e da utilizao,

    sobretudo, dos fornecimentos por transporte martimo, precisa trabalhar com estoque para dois dias.

    No to eficiente, mas evita interrupes na produo causadas por alguma eventualidade. Por

    isso, a logstica uma funo que recebe cada vez mais ateno.

    Alm do fornecimento just-in-time, temos tambm a prtica cada vez mais freqente da

    "engenharia simultnea", uma espcie de just-in-time de projeto, no qual a empresa fornecedora

    participa do desenvolvimento do planejamento do novo produto, desde o incio. Envolvem-se nesse

    tipo de prtica, somente os fornecedores de primeira linha, ou seja, aqueles que so reconhecidos

    como capacitados pela empresa principal: os outros recebem apenas as encomendas aps o projeto

    j estar pronto. Esse tipo de prtica, alm de poder encurtar o tempo de desenvolvimento do produto,

    contribui tambm para barate-lo.

    Reduzir custos

    Todas as estratgias que citamos anteriormente possuem um fundamento bsico: aumentar a

    produtividade, sobretudo com a reduo de custos. Alm das que citamos, outras ainda povoam a

    indstria automobilstica mundial.

    Comecemos pelas estratgias de plataforma. Aps as vrias empresas terem usado de

    estratgias muito variadas em relao gama de produtos a ser lanada nos diversos mercados de

    que participam, parece que se consolida uma prtica que a utilizao de plataformas comuns.

    Supondo uma relativa convergncia dos mercados automobilsticos, a sua homogeneizao e

    o partilhamento dos principais componentes, as empresas passaram a adotar a estratgia de reduzir

    o nmero de plataformas, como uma forma de diminuir os custos de concepo de novos modelos,

    principalmente porque a sua vida til cada vez menor. Dessa maneira, os custos de

    desenvolvimento seriam rateados por um volume maior de produo, o que acabaria reduzindo os

    custos. Na tabela da figura 2.19 podemos observar o nmero de plataformas utilizado por algumas

    empresas e a sua previso para um futuro relativamente prximo.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 50

    Figura 2.19 - Estratgias de plataforma Grupo Automobilstico Nmero Atual Nmero Previsto

    VW 16 4 Ford 24 16 (2004) GM 14 7 PSA 11 6 Fonte: Freyssenet e Lung, 1998.

    A economia mundial e as empresas em movimento

    Os ciclos conjunturais da economia possuem, atualmente, uma dinmica muito mais intensa,

    principalmente entre os pases da Trade, mas abarcando a economia mundo de forma crescente, o

    que impossibilita a estratgia de compensar perdas em um lugar com os ganhos em outro.

    Nos mercados no consolidados (fora da trade), no se sabe que rumos o consumo pode

    tomar: variaes bruscas de conjuntura podem fazer aparecer capacidades ociosas da noite para o

    dia, como foi o caso do Mxico em 1994, em que as vendas diminuram aproximadamente 70% e

    tambm o caso do mercado brasileiro em 1998. Essas capacidades ociosas podem aparecer tambm

    em funo da concorrncia acirrada, como foi o caso da Turquia, Brasil e at o Vietn, em que os

    investimentos elevaro a capacidade produtiva muito alm das dimenses de mercado.

    A segmentao do mercado tem sido crescentemente trilhada, mas ela cada vez mais

    temporria, pois, assim que algum construtor vislumbra um filo lucrativo, as outras empresas

    introduzem produtos concorrentes. Como exemplo, temos o que aconteceu no setor de monoespaos

    na Europa, quando Ford, VW, Seat, Fiat, PSA, Mercedes e Opel lanaram produtos similares para

    concorrer com a Renault. Nesse caso, os construtores ficam na corda bamba, pois investir

    precipitadamente pode acarretar capacidades ociosas enormes e prejuzos. No investir, pode

    significar a ausncia em um filo promissor e dinmico do mercado. Quando todos vo, ento instala-

    se a concorrncia feroz de preos e reduo de custos. (Freyssenet e Lung, 1996)

    Um s ou vrios caminhos?

    Aps todo esse panorama da indstria automobilstica mundial, momento de caminharmos

    rumo a uma sistematizao. Novamente Freyssenet e Lung nos apontam os caminhos, ao

    identificarem trs possveis cenrios representados nos quadros da figura 2.20.

    O cenrio da "homogeneizao mundial" corresponderia ao caso onde a liberalizao das

    trocas mundiais prevaleceria sobre o processo de formao espaos econmicos restritos e supe

    que no haveria restries s importaes e nem obrigao de se implantar onde as empresas

    querem vender seus produtos.

    O cenrio "Diversificao regional / homogeneizao mundial" supe que, sem chegar a uma

    plena homogeneizao, os tipos de produtos aceitos pelo mercado e algumas caractersticas de

    gesto empresarial e relaes de trabalho, podero apresentar certos traos em comum em

    diferentes regies do globo. Haveria uma estratgia de partilhamento de componentes e de

    plataformas, que fariam com que o produto pudesse ser montado de acordo com as caractersticas

    locais, mas sobre uma base partilhada.

  • CAPTULO 2 - A INDSTRIA E O ESPAO GEOGRFICO 51

    Figura 2.20

    CENRIOS

    ESTRATGIA DA EMPRESA

    Homogeneizao Mundial

    Modelos nicos

    Convergncia dos nveis salariais

    Empresa Mundial

    Diferenciao Regional / estandardizao mundial

    Modelos adaptados (plataformas comuns)

    Heterogeneidade

    "secundria" dos nveis salariais

    Empresa Transregional

    Heterogeneizaes regionais

    Modelos regionais especficos

    Nveis salariais heterogneos

    Empresa multi-regional

    FONTE: adaptado de Freyssenet e Lung, 1996

    No cenrio "Heterogeneizao regional", a especializao ganha fora e as corporaes

    apenas fariam circular suas experincias de um lado para outro, ou seja, teramos a empresa "multi-

    regional".

    Freyssenet e Lung (1996), refutam a idia de uma estratgia nica onde se inspirariam todas

    as empresas. Apesar da existncia de muitos pontos em comum que poderiam levar convergncia

    e at a uma estratgia comum, as trajetrias e os processos de hibridizao estabelecidos nas

    implantaes externas, conduziram formao de diversas estratgias empresariais. A Ford e a GM

    apresentaram caractersticas muito parecidas durante longo tempo, mas a Ford com o seu plano Ford

    2000, adotou uma estratgia transregional que a GM, com suas estrutura bipartida entre EUA e UE

    hesita em seguir. A mesma variedade pode ser vista entre os japoneses, sendo discutvel afirmar uma

    convergncia entre eles da "glocalizao", assim como entre os coreanos. (Freyssenet e Lung, 1996).

    Em texto posterior, Freyssenet mais enftico: "No existe um melhor caminho. No existiu

    no passado, no existe no presente e no existir no futuro. Longe de uma convergncia entre as

    trajetrias das empresas automobilsticas, o que eu posso observar hoje sua divergncia."

    (Freyssenet, 1998)

    Se analisarmos as empresas em detalhe, sempre iremos encontrar elementos que apontam

    para alguma especificidade. Entretanto, isso no elimina a possibilidade de identificarmos elementos

    comuns entre as estratgias empresariais das empresas, que podem convergir para a configurao

    de um cenrio que aglutina as grandes tendncias, sem impedir que se manifestem as

    diferenciaes. Ao que indicam as tendncias provenientes das prticas das empresas, o cenrio da

    "diversificao regional / homogeneizao mundial" aquele que agrupa um nmero maior das

    empresas do setor automobilstico.