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<, " Ir&-- i3JAc,rJt'~~. ?~~ ~~, rJL' '~.'tJ.;h U~) J)3)-8. V A SocÍologÍà--comoFonna de Consciência CD 2 :, CASO TENHAMOS SIDO BASTANTE CLAROS NO CAPiTULO anterior, será possível aceitar a sociologia Como uma preo- cupªção inl~Iectual de interesse para certas pessoas. En- tretanto, parar aí seria realmente muito pouco sociológico. O simples fato de a sociologia ter surgido como disci- plina num certo estágio da história ocidental nos deve levar .também -aiiJdãgar como é possível a certos indiví- duos 'se ocuparem de sociologia e quaís são as pré.- \ . condições para essa ocupação. Em outras palavras, a so:- cioJQg!.? nªº._é urna atividiide. imemorial ou necessáriª. do \ espírito humano. Admitindo-se isto, Ocorre logicamente indagar a respeito dos fatores que a transformaram numa I necessidade para determinados homens. Na verdade, é possível que nenhuma atividade intelectual seja imemoriaI ou necessária. No entanto, a~ligi.~.~~. por exemplo, tem quase .. universalmente .gerado uma intensa preocupação durante toda a história humana, el!q!!.i!I1tQa elocubração dos problemas econômicos da existência tem constituído uma-necessldaêlena--mãi6riã---das·tülturas ' humanas, 'E' evidente que isto não quer dizer que a teo'íogia ou a economia, no sentido contemporâneo, sejam fenômenos espirituais universais, mas podemos COmplena segurança afirmar que os seres humanos sempre p-arec~..d.edl.car () n J tn. ~ at~~çã?ãõs-pmhlemas gl:le hoje constituem o tema d~sas \U...X.U '\/USn I fB-'\ r ' disciplinas. Contudo, nem mesmo isto se pode dizer da tr=', O-;~ .~ 1,., o h sociologia, que se afigura -~.2..n:!Q_l!!!!.,!.sQgitaçã.Q .. p.~f.uJjar- &wR.~ O ~V c-. f -_.2:S!- 3~--- -- 35 " \ ~!{IGINAL\ PASTA ~9 + FLS.J G - e<r , Ir -, f .' Ir· Lf-- '1

2 - BERGER, P. Perspectiva Sociológica - A sociologia como forma de consciência

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:,CASO TENHAMOS SIDO BASTANTE CLAROS NO CAPiTULOanterior, será possível aceitar a sociologia Como uma preo-cupªção inl~Iectual de interesse para certas pessoas. En-tretanto, parar aí seria realmente muito pouco sociológico.O simples fato de a sociologia ter surgido como disci-plina num certo estágio da história ocidental nos develevar .também -aiiJdãgar como é possível a certos indiví-duos 'se ocuparem de sociologia e quaís são as pré.- \ .condições para essa ocupação. Em outras palavras, a so:-cioJQg!.?nªº._é urna atividiide. imemorial ou necessáriª. do \espírito humano. Admitindo-se isto, Ocorre logicamenteindagar a respeito dos fatores que a transformaram numa Inecessidade para determinados homens. Na verdade, épossível que nenhuma atividade intelectual seja imemoriaIou necessária. No entanto, a~ligi.~.~~. por exemplo, temquase .. universalmente .gerado uma intensa preocupaçãodurante toda a história humana, el!q!!.i!I1tQa elocubraçãodos problemas econômicos da existência tem constituídouma-necessldaêlena--mãi6riã---das·tülturas ' humanas, 'E'evidente que isto não quer dizer que a teo'íogia ou aeconomia, no sentido contemporâneo, sejam fenômenosespirituais universais, mas podemos COmplena segurançaafirmar que os seres humanos sempre p-arec~..d.edl.car

() n J tn. ~ at~~çã?ãõs-pmhlemas gl:le hoje constituem o tema d~sas\U...X.U '\/USn I fB-'\ r ' disciplinas. Contudo, nem mesmo isto se pode dizer da

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;~ _!,yF .•. :~ I )2 I'1 ;/)'. Bente .~oderna .~.~.~.i.de!!Jal.Além disso, como tentaremos.;j\,lflj.' \ ~"-' / ~ostrar ?est~ capítu.lo, ela é constituída por uma forma

/ l'>-\ \~,~I'de ~~~~!a pecuharm~!1t~ moderna.\..'0 J:."~\ A peculiarídade (ia perspectiva sociológica se torna~ rf"' rF clara depois de algumas reflexões sobre o significado do

termo "sociedad~'~. que_de~na o objet9_par esssllsncer-, ~ç!?- disciplin~. Como quase todos u§a~C?~~Ios __sociólo~s,2fY este termo foi colhido na linguagem ...comum,.....nL.qWll

. __(\.1- seu significado é impreciso. Às vezes designa um de-'y terminado grupo de pessoas (como em "Sociedade Pro-

~ ",:' ,\.',. tetora dos Animais"), às vezes .somenteias .pessoasccer-!..I~''- ~," ( \ cadas de grande prestígio e privilégio (como em "as! './,>t/ ',"-.', senhoras da sociedade de Boston"), etc. Há tambémi outros sentidos, menos freqüentes. O ~~E!ólogo usa o~ termo num sentido mais preciso, embora, naturalmente,I haja diferenças de emprego dentro da própria disciplina..~ Para o sociólogo, "~oci.eEade" qesígna um .ml!de~i ' l « i, ' plex~..de relaçQ~s.Jwmanas ou, para usar.!lma.Jlngua~f -~ . (j , . m~is técnica, um sistema de interação, E' difícil especi-~ /3 ~./u.) ..Co---- ficar quantitativamente, neste contexto, a palavra "gran-fr,t de". O sociólogo pode referir-se a. uma "sociedade" que~ (..<» k: . cc: compreenda milhões de seres humanos (digamos, "a so-~. . ~t.(> /l ciedade norte-americana"), mas também pode utilizar op. ....l.<....c. l;..~..»" Y' .. .~ j termo para se referir a uma icoletividade muito menor~ r ("a sociedade de calouros desta universidade"). Duas~ ( pessoasconversando, __numa.J!S.quina-dificil~te._cQns.titui-~. (rãO uma sociedade, mas três pessoas abandonadas, .l1.!J.ITIa

iU.1.?.L.sim...Portanto, a aplicabilidade do conceito não podeL ser decidida apenas por critérios quantitativos. Tem-se

uma sociedade quando um complexo de relações é sufi-~renfe"j'nênre-éOrfiplexopaFa ser analisado em si mesmo,~ijJ~riaiaÓ ~omo uma entidade autôllQilla, comEaraaa- com~utros da mesma espége. --~esma forma, .Lwedso definir melhor o...adj.eíivo

'~ Na linguagem comum, pode referir-se a váriascoisas diferentes - a qualidade informal de um deter-minado encontro de pessoas ("isto é uma reunião social,não vamos falar de negócios"), uma atitude altruísta porparte de alguém ("ele demonstrava uma forte preocupa-

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ção social em seu trabalho") ou, mais genericamente, l-lv'lqualquer coisa deri~ada de con~acto com outras pessoas I' ~. ,~"" ..')'("uma doença soclaí"). O SOCiólogo emprega o termo \ . jJJ)J....om.d.~man.eir.a.-mais_Jimitada e cO.ill....JIl.aiop.r.ecisão,-.para ~I \ J-Yscr~terirJ_~I:1_aIi~.de de j~tera~o, inter.:relc~sj_Q,.J~ci_ { ,.\\ iJ'\J-~ .p,rQÇidade. ASSim, embora dOIS homens conversando numa J:L C)::>O;)esquina não componham uma "sociedade", o que ocorrer j'JY)

entre eles será decerto "social". A "sociedade "consiste ~ '"' /I!um ..rom~de jªJLfª-t<>.~_."sQJ;;.iais".E para darmos J.J.\j ...~uma definição exata do social, é difícil melhorar a de c.f-d!u~Max Weber, segundo a qual Uma sítuação "soc}al" éaquela e~ue as ,Ressoas orientamsuasaêõesunlas p-ara;1!~outras. AJ!~._ de significados, eXRectativa~on_dut~.-9ue resulta dessa oriellÍâç.ã..o.Jnútya constitui o ma-te:J!ll da anális.e....sQçlQlQgica.

Entretanto, esse refinamento da terminologia não bastapara demonstrar a peculiaridade do ângulo de visão so- ~ciológico. O ~ista,_ por exemplo, 9..f.Yllª-se de.anã- t v;:;v.fJ1ises.p_~_processos que ~~m na sOcie9~~!..9.!:!.~_odem " . VQ-/ser chamaâos.::ae:s'ociais. Esses processos relacionam-se í 'Com o problema básico da atividade econômica _ aalocação, ou distribuição, de bens e serviços escassosnUI!!.ª[email protected]:!._O economista atentará a esses proces-sos em termos da maneira como eles cumprem (ou deixam ;~de cumprir) essa função. Ao examinar os mesmos pro-cessos, é lógico que o sociólogo terá de levar em contaseus propósitos econômicos. No entanto, seu interesseprimordial não estará necessariamente relacionadO comesses propósitos em si. Ele estará interessado numagrande variedade de I~Ç~ e interações humana.s..J1ueoC,9rrem ~ui e que talve~ não tenlglm qualquer rele-vância para as metas eco~cas erJL.guestão. Assim, aativldade-ecohômica envolve relações de poder, prestí-gio, preconceito e até diversão' que podem. ser analisa-das com uma referência apenas marginal à função pro-priamente econômica da atividade.

O sociólogo encontra material de estudo em todas as () ,1\atividades humanas, mas nem todos os aspectos dessasatividades constituem material sociológico. A interação

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social não é um setor compartimentalizado daquilo que oshomens fazem uns aos outros. Constitui antes um deter-

i minado aspecto de todos esses atos . ..§m outras palavras,

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o ~clólo~J~ratica um tipo especial de abstração. Osocial, como objeto de investigação, não constitui um

" , c~,!11p<?,segregado-,de--ati-v-idalk.,humana. Ao invés disso,para empregarmos uma expressão tirada da llturgia lu-

I terana, o_social está presente "em. com e sobre" muitosI campça.diíerentes de tal .atiridade. O sociólogo não exa-

. \ mina fenômenos de que ninguém mais toma conheci-

[rnento. Entretanto,. ele olha esses ,mesmos .fenômencsideum modo diferente,

Como exemplo adicional, poderíamos tomar a, perspec-tiva do advogado, de âmbito muito mais amplo que aãi:re'cmíõíÚista. Quase toda atividade humana pode, nummomento ou em outro, cair na esfera do advogado. E'nisto, na verdade, que está o fascínio do Direito. En-contramos aqui outro tipo bastante especial de abstração.Dentre a imensa riqueza e variedade do comportamento

, humano, o advogado seleciona os aspectos que são per-. tinentes a seu particularíssimo guadro 'de::referenCia. -Cõmo

qualquer pessoa que já se tenha envolvido numa questãojudicial sabe muito bem, os critérios para deterru.im!,çãodo que é relevante ou irrelevante legalmente ..muitaª-,"y~zesdeixam ,ªs~_rnhr.ado_L.aLP-ª,r.!~S,_.dQ_P-I.9_ç~§'§"Q._~m--'lu§tão.E' desnecessário que isso nos detenha. Bastará observarque o q!!~<!!º..-º_L!,efeLê.ncia...-jllridicQ.._c.onsiste.,-em-vár-iosl11p'delos_g~_ª1ivigª-cte..hlJ!l)-ª!!~LS.l,!,i.<!.adosamen!.edefinid..2~.Temos,---assim, modelos nítidos de o_briêção, r~~p-oJ1§a-:bílidade ou delito. E' preciso que prevaleçam condiçõesdefihiâas-'ântesque qualquer ato empírico possa ser clas-sificado sob um desses títulos, e essas condições são esti-puladas .,!;m códigos ou em preçedentes. Quando taiscondições não são satisfeitas, o ato em questão é írre-levante do ponto de vista jurídico. A habilidade do advQ-gado c~n.~)ste em conh~ç,,~L~~ normas mediant~.9!laisesses modelos são construídos:-El'e-sá'i)e'; dentro de seuquadio---dereferênciã:- qüãíldo houve inadimplemento deum contrato comercial, quando o motorista de um veículo

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pode ser acusado de negligência ou quando se verificouuma sedução. I ••",1));)'

Diante desses mesmos fenômenos, o quadro de re-' ~J~ferência- do sociólogo será bastante diferente. Para come- . fi L ' (çar, s~a perspectiva não -..E0de ser produto de códigos ou ' "'1'tP ,-precedentes. Seu interesse nas relações humanas exis- ~JJ Sf:IJtentes numa transação comercial não tem qualquer relação ~ .\0com a validade legal de contratos assinados, da mesma yP 1\forma uma aberração sexual sociologicamente interessan- \jte pode não ser passível de' classificação numa dada'caiegotialegal. Do ,,'ponto de vista do advogado, a in-vestigação do sociólogo é estranha a seu quadro de re-ferência. Poder-se-ia dizer que, com referência ao edi-fício conceitual do Direito, a atividade do sociólogo sejade caráter subterrâneo. O aavogado só se ocupa dagmlo'qÜe se poaeria cha~ar de concepção oficial da situaç~o.Com muita freqüência, Q_s..o_çi.ºIºg~L.!Lq~ÇQ1!L~jl.Ç.õ.es"(m nada oficiais. Para o advogillio.,...íLfS~..J:!lOsisteem saber como a lei considera certo tiQo de_srimil!ill!O;para o sociciJogQ>--.-é..Jgualmente-impOriante_v.et-COlllO..ocrimmoso considera a lei. '~------- ._. ,'. ..."--'~"'-"'--'--"'-_.~"-'-'--''''

~ fato de faze.r pergunta~ s?ciológicas, portanto, pr:s- \\ [I v.J- «:supoe que o SOCIólogo esteja mteressado em olhar alem ')y...-'-" :.#0--'1d.as, metas de~OeSfiuman~~ Comumente aceita~fl- ~_.Q)::'~clalm..~~-.!.~Jgas. Pressupoe uma certa conscrencra de ~.Jj..J,;y?que os fatos humanos possuem di~ere~ÍYeÍL.d.e.. sig-' ~ ./nifica.dQ~~ns dos quais ocultos à consciência da vida L-r!}J- I

cQtidianª-. POde-aIe pressÜpor uma certa dose de suspeita W \~ {quanto à maneira como os fatos humanos são oficialmente ./J{te-, ~,~,l. .mterpretados pelas autoridades, sejam em fatos de ca- \.::f ~ \.A.À.. '{fU-..?ráter político, jurídico ou religioso. Se estivermos dis-postos a chegar a tanto, torna-se evidente que nem todasas circunstâncias históricas são igualmente favoráveis parao desenvolvimento da perspectiva sociológica.

Seria plausível, portanto, que o pensamento socíoló-g.ico tiv:ss~ mel.ho:e.s condições de desenvolvimento em _ l,N''vVkclrcunstanclas hlstórlcas marcadas'por severos choques 0'- ,r,na autoconcepção de uma cultura, sobretudo na auto- &Q... Ij\ C0U../

concepção oficial e cornumente aceita. Só em tais cir- , D-- r '('B'\..,\..cQ,(..ov~,

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cunstâncias é que homens argutos são suscetíveis deserem motivados para pensar além das assertivas dessaautoconcepção e, em decorrência disto, contestar as auto-ridades. Com muita propriedade, Albert Salomon argu-mentou que o conceito de "sociedade", em seu modernosentido sociológico, só pôde surgir com a derrocada dasestruturas norrnativas do cristianismo e, mais tarde, do

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ancien régime. Podemos, então, conceber a "sociedade"também como a estrutura oculta de um edifÍ..C1Q,cuja fa-

I: I ch'ãâaexteriór oculta--ªQ@ estrutura. Na cristandade~ '~ ,! I medievaC'a"sociedade" era tornada invis-ív-eCliennfuI?o-~ ((' ri~fãCAAdaTeH~poHtica·· qlli~__::clms.ti1:JJl<L:g ,.mundol comum do homem europ-eu. Como observou Salomon,~ depois que a Reforma destruiu a unidade do cristianis-~. I mo, a fachada política mais secular do Estado absolu-I ' tista desempenhou a mesma função. Foi com a desin-~ t~gração do Estado absolutista que ..J!.e._p.ôde enxergar! 9-.,a!:'~.!?.9.!!.Ç9 subjacente da "sociedad~." - isto é, um~ mundo de motivações e forças que não podia ser com-~ _,\... preendido em termos das interpretações oficiais da rea-I ~. lidade social. A perspectiva sociológica pode então ser"~.'.\ \,), c/J compreendida qemtermos de uma frase coloquial como

I):J: &Y~.',!J~ar por trás dos bastidore~- ~ ,,\:1'" Y}P/\/ ·oP Não estaremos muito distantes da verdade se virmos

j_1 . /Y- o pensamento socIOlógIco como parte· daquilo a que: \p)JI~fZSClie chamou de "a arte da desconfiança". Entre-:.' ~ tanto, seria um exagero simplista supor que essa arte; J>: C só tenha existido nos tempos modernos. E' provável queiô't,Q... jL2---:> /" "olhar por trás" seja uma função' bastante geral da in-~, / 9'\' L)~Oj.A~ telig~ncia, mes~o nas mais p~im!~ivas socieda~es. O an-

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:: - (S ~ I J\ tropologo amencano Paul Radm ja nosproporcronou uma:1 (j1."2.r I . vívid~ ~e.scriçã~ do cétic~ como tipo humano numa. c.u.ltu-

.,'! I. ra primitiva. DIspomos ainda de dados de outras civiliza-

I: ções, além das do Ocidente moderno, que revelam formasl: de consciência que bem poderiam ser chamadas de pro-i tosociológicas. Poderíamos mencionar, por exemplo, He-I ródoto ou Ibn-Khaldun. Existem inclusive textos do anti-t go Egito que mostram um profundo desencanto com umaI ordem política e social que adquiriu a reputação de ter

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sido uma' das mais coesas da história humana. Contudo,com a alvorada da era moderna no Ocidente,_essa formade consciênçiª_j)~...J.p...t~nsW.ca,_torna-se concentrada e._~is-te!!1atizada, ~aracteriza ...!LPw.amentLde_urn_Jl1Í.m~I.Q.. capáY~~:"ITIalQ.L9...Lb.Q.IJlWlL.arg.utos.Não cabe aqui analisarem detalhes a pré'- história do pensamento sociológico,assunto no qual muito devemos a Salornon. Nem mesmodaríamos aqui uma tabela intelectual dos ancestrais dasociologia, demonstrando suas ligações com Maquiavel,Erasrno, Bacon, com a filosofia do séc. XVII e com asbetles-lettres do séc. XVIII - istojá foi feito por outrosbemimais quállílcados que este autor. Bastará acentuarmais um~ vez que of pensamento sociológico marca, oarD...~urecimento de várias correntes intelectuais que po-cte.m.,.§~Lloçalizadas-com,-toda_pr.ecisão_na_moderna_,histó-ria ocidental.

Voltemos à afirmação de que a perspectiva socioló-gica ~volve um processo de ver alerncIas fachadas dasestruturas soci,ills. Poderíamos traçar um paralelo comuma experiência comum das pessoas que moram nasgrandes cidades. Uma das coisas que uma metrópole têmde mais fascinente é a imensa variedade de atividadeshumanas que têm lugar por trás das fileiras de edifíciosde uma anonírnldade e interminável semelhança. Umapessoa que' viva numa tal cidade muitas vezes se senti-rá surpreso ou até chocado ao descobrir as estranhasatividades de que alguns homens se ocupam sem alardee em casas que, vistas de fora, assemelham-se a todasas outras de determinada rua. Depois de passar poressa experiência uma ou duas vezes, muitas vezes umapessoa se verá caminhando por uma rua, talvez tarde danoite, e imaginando o que estará acontecendo sob asluzes brilhantes por trás de cortinas cerradas. Uma fa-mília comum conversando agradavelmente com convida-dos? Uma cena de desespero em meio a doença oumorte? Ou uma cena de prazeres' depravados? Talvezum culto estranho ou uma perigosa conspiração? As fa-chadas das casas nada nos podem dizer, nada revelandosenão uma conformidade arquítetõníca aos gostos de

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algum grupo ou classe que talvez nem mais habite na-quela rua. P.Qr trás das fachadas escondem-se os misté-rios sociais. O desejo de desvendar esses mistérios é

t..~.{ 11 anáIDgõ-à-:-cüii.9.~iªãaeSOciologica.-E.m certas cidades su-l -- V bitamente atingidas pela calamidade, esse desejo podelJ! ser bruscamente realizado. Quem já passou pela expe-: . riência de bombardeios em tempo de guerra conhece osli r~p:nti.nos enco.nt~os com ins~speita~o~ (e às vez.e~!~ima-:1 gma.vels) condoml~os no abrigo antiaéreo do ..edlfIclO.Ou::( se lembra de ter Visto com espanto, de manha, uma casa(:F, atingida por lima bomba duranta.a. noite, .cortada ..ao.,-t:l~ meio, com a fachada destruí da e o interiorimpiedosa-

. I:· mente revelado à luz do dia. Entretanto, na maioria das1'11 cidades em que normalmente se vive só se pode conhecerPJ esses interiores mediante um exercício de imaginação. Daf; mesma for~a, há s~tuaç.ões históricas em que as tacha-ri;, das da sociedade sao violentamente derrubadas e só osfj·. mais displicentes deixam de ver que nunca deixou deP,' : .,y \'0 ?aver _uma realidade por trás das fa~hadas. Geralmentef:1 :$ l~fl Isto nao acontece e as fachadas continuam a nos desa-! /l ~ t\cl fiar com uma permanência aparentemente "Inabalável.i· V \~- Nesse caso, para se perceber a realidade que as fachadasI? I( ocuItam é preciso um consider~vel ."?" intelectual. .I. Talvez convenha, em atenção a clareza, mencionar.~ alguns exemplos da maneira como a soc!ologia olha-ªlém .'I -\ das fachadas das estruturas sociais. Tomemos, comoÍ' . . ... 0"_\j exe~piõ~~rganização política de uma com~nidade. Se

lf.,~. I,,)-- ; alguem desejar saber como uma moderna cidade ame-i" l..J, . ,,\,iJY rica na é governada, nada mais fácil que obter as lnfor-I\,~~~J\)l~'-v.mações ofi~iais a respeito. ~ cidade terá um estatuto,II ~ \fo de conformidade com as leis do Estado .. Com alguma'j &'). \fv>-- aj.u?a de pessoas bem infor~adas,. pode-~e exa~!nar os~ varios documentos pelos quais a cidade e administrada.

I: Pode-se então descobrir que essa comunidade é admi-I; nistrada por um gerente municipal (e não por um pre-~,: feito), ou que filiações partidárias não figuram nas~ chapas. de eleições 'municipais ou que o governo rnunicí-" pai integra um distrito de águas regional. Da mesma

forma, lendo-se um jornal, pode-se ficar a par dos pro-

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blernas políticos, oficialmente reconhecidos, da comuni-dade. Pode-se ficar sabendo que a cidade planeja anexaruma determinada área suburbana, ou que ocorreu uma.alteração de posturas para facilitar o desenvolvimento in-dustrial de uma outra área, ou até mesmo que um dosvereadores foi acusado de tráfico de influência. Tudoisto ainda ocorre ao nível. por assim dizer. visível, ofi-cial ou público, da vida política. Entretanto, ~ umapessoa irremediavelmente ingênua acreditaria que esse . (~V\Ütipo de informaçã? lhe proporcione um quadro completo #t !..jdarealídãde política da comunidade. Q sociólogo deseja- r., ) s/r~ conhecer acima de tudo a "estrutura informal de ()JjJJ~ \i-l!0der" (como foi chamada por FloYd Hunter, sociólogo .9A ~\.v-f;americano interessado por esses estudos), gue constltuí ~\\ ,O' ~~jliP\'uma.confíguração de homens e p~.ue_JJj.o se encon- C'J ~ 'tra descÜta...nos-estatutos--~qJ.UL!'i!ra1!lenteaparece nos .

lQrrulis... Talvez o cientista político ou o especialista jurí- ,dico achassem muito interessante comparar as leis muni- ' {cipais com as de outras comunidades. O sociólogo e~j-ªrámuito mais interessado em. descobrir a ~!nL~QlnD po-derosos interesses influenciam ou mesmo controlam asaç'§~~~~!iiQ!id-~~§ ~~j~]~~__~~~ndo -;s leis. -E;~ in-teresses não serão encontrados ilâpi:-éteHura, e sim nosescritórios de dirigentes de empresas que talvez nem mes-mo se localizem nessa comunidade, nas mansões priva- ,ydas de um punhado de homens poderosos, talvez nos .esctitórios de certos sindicatos trabalhistas ou até mesmo, / &,»'7em certos casos, nas sedes de organizações criminosas. ~, /Qyando o sociólogo se interessa por poder, olhará atrás .. ,,\y'dos mecanismos oficiais que supostamentete-gé.n"fO'.poder ~'c..::,fe~~/naqüêlã comunlaaae. Isto não significa necessariamente 'v'vJY', \qUéerê--encare os mecanismos oficiais como totalmente rjAj-")ineficientes ou sua definição legal como totalmente ilu-sória. Entretanto, na pior das hipóteses ele insistirá emque existe outro nível de realidade a ser' investigadono sistema particular de poder. Em alguns casos elehaverá de concluir que procurar o poder real nos lugarespublicamente reconhecidos é inteiramente inútil.

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Vejamos outro exemplo. Nos Estados Unidos, as váriasdenominações protestantes diferem amplamente quantoà sua chamada "constituição", ou seja, a definição ofi-cial da maneira como a denominação é governada. Pode-se falar de uma "constituição" episcopal, presbiterianaou congregacional (referindo-se não às denominaçõesconhecidas por e~ses nomes, e sim às formas de admi-nistração eclesiástica compartilhada por várias denomi-nações - por' exemplo, a forma episcopal partilhadapelos metodistas, ou a forma congregacional, partilhadapelos congregacionais e pelos batistas) .. Emiquase .todosos casos, a "constituição" de uma denominação é o re-sultado de um longo desenvolvimento histórico e se baseianuma premissa teológica, a respeito da qual os peritosem doutrina continuam a discutir. No entanto, o sociólogoque ~sti~~~se interessad~_~.~~~dar .s,admin!stração dasdenominações am~ric.an~~..ag!~l~,.~~~.~J!Ã0 se detivessepor !1!l!!!~~~mpo ne~~efinições oficiais. Logo desco-brirá que as questões reais de poder e de organizaçãotêm pouco que ver com "constituição" no sentido teo-lógico. Perceberá que a forma de organização básica emtodas as denominações, de qualquer tamanho, é burocrá-tica. A lógica do comportamento administrativo é deter-minada por processos burocráticos, e só muito raramentepelas conseqüências de um ponto de vista episcopal oucóngregacional. Então, o investigador sociológico logoenxergará além da massa de confusa terminologia quedesigna os titulares de cargos na burocracia eclesiástica,e identificará corretamente oS.c.!~~en!2.resdo poder real, 'não importa que sejam chamados de "bispos", "funcio-nários delegados" ou "presidentes de sínodo". Ao per-ceber que a organização denominacional integra-se noquadro muito mais amplo da burocracia, o sociólogo serácapaz de apreender os processos que' ocorrem na organi-zação, observar as pressões internas e externas exerci dassobre aqueles que teoricamente governam a denominação.Em outras palavras, por trás da fachada de "constitui-ção episcopal", o sociólogo perceberá o funcionamentote uma máquina burocrática sempre muito parecida em

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toda parte, quer na Igreja Metodista, numa repartiçãodo governo federal, na General Motors ou no Sindicatodos Trabalhadores da Indústria de Veículos Automotores.

Examinamos outro exemplo, tirado da vida econômica.O gerente de pessoal de uma fábrica prepara com omáximo prazer organogramas multicores que supostamen-te representam a organização do processo de produção.~-pessoa tem seu lugar, sabe de quem recebe ordense a quem as transmite, cada equipe conhece seu papelno grande drama da produção. Na realidade, .porém, ascoisas rãràrnenfe correm assim - como sabe todo bomgerente de pessoal. Ao' esquema oficial de organizaçãoso~oõe-se uma redemuito mais sutil;munOfilê"nosvi-s}vel, de grupos humanos, com suas lealdades, precon- .c~itos, antipatias e, principalmente, cõchgos de comporta- ~.mentQ.. A sociologia industrial está entulhada de dados ~(1la respeito do funcionamento 9..~~il!,ede!~.formal, que~.' .sempre existe em vários graus de acomoâaçãõ é conflito if-1 plvJ):com o sistema oficial. De ceftó-mu-tlõ, a mesma coexis- ~ .v..xtêncía de organizaçã~ .!?r!l!al_e_~to!.~a.I,}-=·"~ji~qI.1fiª.':Iã .oride -'quer que grande número de homens trabalhem ou .vivam "j"u-ri'tõs-sób"üm-sistema"' ·êils"Cipiinar-=-"õrganizã:' Q9f~çÕes militares, prisõeS';"lfospHãJs,"escoiiS=- e que rernon- ~W \0ta às misteriosas ligas que as crianças formam entre \..0 ujj ~si e que só raramente são percebidas por seus pais. O "" ,nA '.s9ciólQgo t~!.á de mais uma vez tentar furar a cortina ~~'.v.~l~~~a.. d~sv,~~~~~_"~~!.c.i~!~_d~_rea~,id~:te (as do ca- -\G~",'16'-~pataz, oficial ou professor) U~!!ta;(~~p~~._<?~_.~}_I!.ª,!§,..gy_e. J\l...JY ,§.ª-Q,.~mitidos. ~o.,.".sllbE!~~~o.." (os do trabalhador, do L\}p)J"

'soldado, do aluno). . \ c.J..VMais um exemplo. 'Supõe-se geralmente nos países oci- ( \ I

dentais (e sobretudo nos Estados Unidos) que ~~~eEs \.AbÜ)J\!.-~. mU,lheres se casem porque estejam. apa"~.l(,?~~_~..9s.Se- 'r ~~gundo um arraigada mitologia pópülãr;'''ó amor é uma I~~. 'emoção de caráter violento e irresistível que ataca aoacaso, um mistério que constitui a meta da maioria dosjovens e muitas vezes de pessoas já não tão jovens.Entretanto, assim que se começa a investigar um númerorepresentativo de casamentos, percebe-se que a flecha do

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Cupido p~ce se_r.. t~!~g~ia9l!~~ITI_Q..a.s_~.1D~_.~~~~nçap~ra ...canaisJJ.fm. :rJ.gJin_~~osde classe, renda, educação' eantecedentes raciªl~. __e~.~ei@õ.§gs-~·---Inves fjgãÍÍa'~umpow.:õ-fuáis o comportamento dos casais antes do casa-mento, encontra-se canais de interação que com freqüên-cia são bastante rígidos para merecer o nome de ritual.O investigador começa a suspeitar que, na maioria doscasos, não é tanto a emoção do amor que cria certotipo de relação, mas justamente o contrário: relaçõeseu ls!.ª.dusarn.enk-.P..ré-definidas, e muitas vezes plâwjadas.,....põr. fim geram a emõçao desejada. Em outras palavras,

. q~dQ certascon{fiçQ§..sao satiili.itá.s,....:nati.tr-al-(}ü~·fif.i.ª-L~,-u!l1a-p.essaa. permlte-se.Lapaíxonar-se". O so-ciólogo que investigar nossos padrões de "corte" (eufe-mismo tendencioso) e casamento logo descobrirá umacomplexa trama de motimõe§::. ml.!ltifariamente re@go-nada a toda a estrufiua lnstitucionaLdentr.o--da-quaLJl.iveuf[i-'in-divíduo - classe, carreira, ambição econômica, as-piràçõesae poder e prestígio. O milagre do amor pa-

.. rece então um pouco sintético. De mesma forma, isto\ não significa necessariamente que o sociólogo afirme que. I a interpretação romântica seja uma ilusão. Entretanto,

,)também neste caso ele lancará os olhos além das inter-

I pretações imediatas e aprovadas. Ao contemplar um casalI que, por sua vez, contempla a lua, não há porque o

. sociólogo se sinta na obrigação de negar o impactoemocional da cena. Entretanto, levará em consideração amáquina que participou da construção da cena em seusaspectos não lunares: o símbolo de status que abrigaos namorados (o .autornóvel}, os cânones de gosto etática que determinam o costume, as muitas formas comoa linguagem e a conduta situam socialmente os preta-

" ~onistas, definindo assim a localização social e a intencio-~alidade de toda aquela atividade.

Talvez já esteja claro que os problemas que interes- .sarão ao sociólogo não são necessariamente aquilo que

. outras pessoas possam chamar de "problemas". A .ma-neira como as autoridades públicas' e os jornais (e, in-felizmente, também alguns livros didáticos de sociologia)

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falam de "problemas sociais" obscurece este fato. Geral-mente se diz que existe um "problema social" quandoalg~ma coisa na sociedade não fldnciona como d~.:~:~riafun~õi1ãr segundo asinterp..r.eill.ções oficjail>, Nesse casoas pessoas esperam que o sociólogo estude o "problema",como definido por elas, e que talvez até apresente uma"solução" que resolva o assunto à sua conveniência. Con-trariando esse tipo de expectativa, é importante' coE1-preender que um problema sociológico é uma coisa muitodiferente de um "problema social" nesse sentidQ. Porexemplo, é ingenutdadeconslderar O crime úrn "problema"porque as organizações policiais assim o definem, ouchamar o divórcio de "problema", como proclamam osmoralistas do casamento. Para usarmos palavras aindamais claras, o "problema" do capataz - fazer seusoperários trabalharem com mais eficiência - ou do ofi-cial de combate - levar as tropas a atacar o inimigocom mais entusiasmo - nem sempre' tem de ser pro- . r j

blemático para o sociólogo; (não levemos em considera- 0)2.· 0. D' 1

ção no momento o fato provável de que o sociólogo \1/.)) ffY-solicitado a estudar esses "problemas" seja contratado i.> _.Ij)pela empresa ou pelo Exército). O problema sociológico (f- \1é sempre a compreensão do gue acontece em termos de ~iIfterãÇãO social. Por isso, o problema sociológico con-siste menos em determinar porque algumas' coisas "saemerradas" do ponto de vista das autoridades qQ.._9.1,!.~~_o-nl:!.e..ç~~s~stema funciona, .quais s~~ ..~euspr~s..~ostos e como_.ele E~antefu coesõ':-Oproblemasociológico fundamental não é o crime, e sim a lei, nãoé o divórcio, e sim o casamento, não é a discriminaçãoacial, e sim a·esTrati1lCação__p..C>.!.-9:!térÍQ~_deraça, não

é a revolução~--esimogõvéfno.Um exemplo servirá para' aclarar este ponto. Supo-

nhamos um núcleo de assistência social num bairro pobreque tente afastar adolescentes das atividades, oficialmen-te desaprovadas, de uma quadrilha de delinqüentes ju-venis. O quadro de referência dentro do qual os assis-tentes sociais e as autoridades de polícia definem os"problemas" dessa situação é constituído pelo mundo de

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valores de classe média, respeitáveis, publicamente apro-vsdos, Haverá um "problema" se adolescentes dirigemcarros roubados, e uma "solução" se em lugar disso

{'praticarem esportes no núcleo de assistência social. Masse mudarmos o quadro de referência e olharmos a situa-ção do ponto de vista dos líderes da quadrilha juvenil,

(OS "problemas" estarão definidos ao inverso. Haverá um"problema", para a coesão da quadrilha, se seus membrosforem afastados das atividades que' conferem prestígioà quadrilha dentro de seu próprio mundo social, e uma'!solução"se os assistentes sociais, desistireme-voHarempara o lugar de onde vieram. A9..uilo que constitU(_,um"p-.fºblema" para um sistema social é a ordem _!J,ºI~!lld'!§,_fºi_s,~~~,e.~r.~o, e vice-ve~. Lealdade e desleal-dade e traição são definidos em termos contraditóriospelos representantes dos dois sistemas. Em termos de seuspróprjosy~19_n~SdL..5QÇjÓJºgQ_p.o.d.erá..~side.ra.r-o--mundoda respeitabilidade burgl:!~§~,ÇJW1Q,.!!1~!.s..conveniente, epor isso poderá desejar acorn~L..em "auxiIiQ_ dos assiS:-ten tes sociais, 'inissiolJáriQs·'~,º-~.çl~§_$,~,média entre õs

~c)/ infiéis. Isto, contudo, não justifica a identificação das;-/, dores de cabeça do diretor com aquilo que Constitui,/ / os "problemas" do ponto de vista sociológico. Os "prQ_-, li ble,mas."- g~.e,,_Q,.,sociólogo desejará ..!esolver referem~_ aq umãCõmpreensão da situação so.~ial_em _sel!...JQdo, ~s

valórés e métodos de ~ão em ambos os sistemas e à' 'maneirã·c6rnõ-OSdois-SistêiTiãscõeXlsfemnoteníflo-Trioi '/ espaço;N a verdadfÇcomõ-ve-remõs mais adiante, é exa-

tamente essa capacidade de olhar uma situação dos pontosde vista de sistemas interpretativos antagônicos que cons-titui uma das características da consciência sociológica.

Poderíamos dizer, portanto, que a consciência socíoló-, gica seja inerentemente desmistificadora. Com muita fre-qüência, o sociólogo será levado, pela própria lógica desua disciplina, a_ desmistificar os sistemas so~osque estuda. Essa tendência não se deve necessariamenteao temperamento ou às inclinações do sociólogo. Naverdade, poderá acontecer que o soció,logo, ainda quede temperamento acomodatício e nada propenso a pertur-

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bar os cômodos pressupostos em que baseia sua própriaexistência social, seja forçado, por sua atividade, a in-sultar aquilo que todos à sua volta tomam como pontopacífico. Em outras ,palavras, <!iriamos que as raizes dadesmistificação na sociologia não são p-sicológicas e simm~todológicas. O quadro de referência sociológico, comseu método inerente de procurar outros níveis de reali-dade além dos definidos pelas interpretações oficíais dasociedade, traz consigo um imperativo lógico de desrnas-.carar as simulações e ª p-ropaganda com que os homens.oql ltam suas ..ações recíQr.D.cas.Esse imperativo desmis-tifícactõré'uIT\il. 9-_ª~ ç:~gçJerí~ti.ças da socíología que me-filar' se--a:lüstam ao espírito da 'era moderna.

A tendência desmistificadora do pensamento socioló-gico pode ser ilustrada de várias maneiras. Por exemplo,um dos temas principais na sociologia de Max Weberé o das conseqüências involuntárias e imprevistas dasações humanas na sociedade. A obra mais famosa deWeber, "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalis-mo", na qual ele .demonstrcu a relação entre certas con-següências dos yalores protestantes e· o surgimento do

,~thos cap-italista, tem sido muitas vezes mal compreendid~,exatamente porque seus detratores não enténderam essetema. Observam eles que os pensadores protestantes ci-tados por Weber jamais pretenderam que seus ensina-mentos fossem aplicados de maneira a produzir os resul-tados econômicos específicos em questão. Especificamen-te, Weber argumentou que a doutrina calvinista da pre-destinação fêz Com que muita _g~!!,t.~,_.?~__çºmp.Q[Ías..SL.Õamaneira que ele chamou de "mundanamente as cética", 'is~~·é,:-deuma~I)!.@Illi:a=que=se-ooüpa-intensa,-sisíemãticae .abmig~cl.ª!Ti~~!.~_,f.2.'~~ coisas dQ~dQ..._ sobill!Jdo ,em.__qug§jº~~ Os críticos de Weber têm obser-vado que nada estava mais distante do espírito de Cal-:vino e de outros mentores da Reforma calvinista. Noentanto, Weber nunca declarou que o pensamento cal-vinista pretendesse gerar esses padrões econômicos. Pelocontrário, ele sabia que as intenções eram drasticamen-te diferentes. As conseqüências ocorrem apesar das in-

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tenções. Em outras palavras, a obra de Weber (e nãoapenas seu trecho famoso que acabamos de mencionar)proporciona uma imagem vívida de ironia das ações hu-man3rs. Por conseguinte, a sociologia-ôe-Weoer'-õferece-no suma antítese radical a quaisquer concepções quevejam a História como uma concretização de' idéias oucomo fruto dos esforços deliberados de indivíduos oucoletividades. Isto não significa, absolutamente, que as

'\', idéias não sejam importantes. Significa apenas que com\ (mUita freqüência o resultado das idéias é muito diverso.x."/ daquilo' que os forrnuladores das idéíasrplanejaram ou

,,~\ esperaram. Tal consciência do aspecto irônico da história~ leva à moderação, constitui forte antídoto a todos os

tipos de utopia revolucionária.

A~ndência desmístitícadora da _l?.Qç!ologia está implí-~~~él_~!.?d~~ as teorias sociológicas.._qu,~L.dãQ ênfase aocaráter autônomo. dcs. processos snclaís. Émile Durkhelrn,por exemplo, fundador da escola mais importante da so-ciologia francesa, frisava que a sociedade era uma rea-

, lidade sui generis, ou seja, uma realidade que não podiaser reauzida a fatorea.psícológícos ou de outra naturezaem diferentes níveis de análise. O efeito dessa insistên-cia tem sido uma desconsíderação total de motivos esignificados individuais de vários fenômenos. E' possívelque isto transpareça com mais nitidez no conhecido es-

, tudo de Durkheim sobre o suicídio, onde as intençõesindividuais das pessoas que cometem ou tentam cometersuicídio são inteiramente postas de lado na análise, emfavor de estatísticas referentes a várias, característicassociais dos indivíduos. Segundo a perspectiva durkhei-miana, yiy_er em sociedade significa existir sob a domi-nação da 'lógiea'-a,a-'s"õ'cieefade.-Comm-üffa--freqüência,as pes5Oas-'ageín segundo essa lógica sem o perceber.Portanto, para descobrir essa dinâmica interna da socíe-dade, o sociólogo terá muitas vezes de desprezar as res-postas que os próprios atores sociais dariam a suasperguntas, e procurar as explicações de que eles pró-prios não se dão conta. Esta atitude essencialmentedurkheimiana foi levada à abordagem teórica hoje cha-

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mada de funcionalismo. N~nal,-a-sociedadeé a~alisadª-_e.IIUermos de seus prQQrios mecanismos comosjsteJ!@, e que muitas vezes se apresentam obscuros ou

~acos àqueles que atuam dentro do sistema. O soció-logo americano contemporâneo Robert Merton expressoubem essa abordagem em seus conceitos d_~..!u!!çi?~~_'~.!!I~:;nif~~tA~~_ "latentes ••.z: As primeiras sao·ás funções cons-

, cientes e deliberadas dos processos sociais, as segundasas funções inconscientes e involuntárias. As'sim, a função"manifest~_legislação il!liijQgo pode ser suprimir oj~o,-~~~_,f,~,IJS~o"'.1M~!lte~_çr!ªL~I~L~®?§fj<:>_I-,-~gaq)áfá-as_§igangªçJ>'~_,clC:,_,P.I,QmºVe!em 0JQgQ..S1andesfhlõ:-Mis-sões -crIstãs em certas partes da África tentaram "ma-nifestamente" converter os africanos ao cristianismo, masajudaram "latentemente" a destruir as culturas tríbaís,proporcionando condições para rápida transformação so-cial. O controle do Partido Comunista sobre todos ossetores dãYiâa-soéiãlnaRússia, que viSãVa"tifariifestã':mente" a assegurar a manutenção do ethos reyÕ1ÜCWllá-tio, criou "latentemente" uma nova classe de acomodados

'fiurocratas sinistramente burgueses em-süãsáSplta-çõ'êse caaa vez mefiãSlneliiiãaos ao sacrJfklO::Qa cte-d.i:caç.ãobõlcnevÍsta. A função "manifesta" de muitas associaçõesvolí:iíi1áT~os Estados Unidos é sociabilidade e contri-buição para o bem público, e sua função "latente" con-ferir símbolos de status aos que delas participam.

O conceito de "ideologia", central em algumas teoriassociológicas, poderia servir como outro exemplo para atendência desmistificadora gue estamos discutindo. Oss9_êl6logos -falam de "ideologia" ao se referír a concep-ções que servempata-jusfificar.-os-ptivi1~gj9s a;t;, algllm~ Com muita freqüência, tais concepções destorcemsistematicamente a realidade social, da mesma forma comoum indivíduo neurótico pode negar, deformar ou rein-terpretar aspectos de sua vida que lhe sejam inconve-nientes. Essa perspectiva ocupa lugar central n.a impor-tante abordagem do sociólogo italíano Vilfredo Paretoe, como veremos num capítulo' posterior, o conceito de"ideologia" é essencial para a abordagem denominada

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, "sociologia do conhecimento". Em tais análises, as idéiassegundo as quais os homens explicam suas ações sãodesmascaradas como auto-ilusão, técnica de vendas, otipo de "insinceridade" a que Davíd Riesman se referiucomo o estado de espírito de um homem que acreditahabitualmente em sua própria propaganda. Destarte, po-demos falar de "ideologia" quando analisamos a crençade muitos médicos americanos de que os padrões desaúde declinarão se for abolido o método de pagamentodireto cliente-profissional, ou o ponto de vista de muitosagentes funerários de que funerais baratos demonstramfalta de afeto pelos entes que perderam, 'óü àindàuTãtode muitos animadores de televisão definirem os testesde conhecimento como "educativos''. A auto-imagem docorretor' de seguros como um afétuoso conselheiro decasais jovens, ou da strip-teaser de cabaré como artista,ou do publicitário como perito em comunicação, ou docarrasco como servidor público - todas essas idéiasconstituem não só abrandamentos individuais de culpaou expressão de anseio de status, como representamtambém as auto-interpretações oficiais de grupos sociais

, inteiros, a que seus mernbrosestão obrigados sob pena/ . de excomunhão. Ao levantar o véu que encobre a fun-I i cionalidade social das simulações ideológicas, os soció-

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Iogos deverão tentar não assemelhar-se àqueles história-.dores dos quais Marx disse serem menos capacitados doque qualquer comerciante de esquina para saber a di-ferença entre o que um homem é e aquilo que afirma

I ser. O motivo desmistificador da sociologia está nessa

\penetração de cortinas de fumaça verbais, e pelas quais

\ se atinge as fontes não admitidas e muitas vezes desa-~gradáveis da ação.'

Alvitrou-se acima que a ocasião mais proRícia ao sur-g~m~nto_da. consciência ~õé:lológica' é a.iü'ela--e'm--(ilÚ.~ -ásinterpretações comumente aceitas ou legalmente enünCiã-ª~~dã" sôCiedãêfesofrem'-um- abalõ:Co~~-Tâdisse'mos,há bons motivos parã' 'ê'nca'-iariil'õ's a origem da socio-logia 'na França (pátria da disciplina) em termos deU," esforço para explicar as conseqüências da Revolu-

ção Francesa, não só do grande cataclisma de 1798,como também daquilo a que De TocquevilIe chamou dea Revolução permanente do século XIX. No caso daFrança, não é difícil perceber a sociologia contra o panode fundo das rápidas transformações da sociedade mo-derna, do colapso das fachadas, do esvaziamento dosvelhos credos e da eclosão de forças novas e assustado-ras no cenário social. Na Alemanha, o outro país euro-peu em que um importante movimento sociológico surgiuno século XIX, a situação é um tanto diferen~,- Paracitarmos Marx mais uma vez, os alemães tinha "tendên-dapãi'a-ievatadià.htê;ém estudos' acadêmicos, as re-voluções que os franceses realizavam nas barricadas.Pelo menos uma dessas raizes acadêmicas de revolução,talvez .a mais importante, pode ser procurada no amplomovimento filosófico que veio a ser chamado de "h isto-rlcismo". Não cabe aqui narrar toda a história dessemovimento. Bastará dizer que ele representa uma tenta-

,tiva de tratar filosoficamente a sensação avassaladorada relatividade de todos os valores na história. Essa per-cepção de relatividade foi um resultado quase inelutáveldo imenso acúmulo de erudição histórica, pelos alemães,em quase todos os campos de conhecimento. Pelo menosem parte, o pensamento sociológico fundou-se na neces-sidade de dar ordem e inteligibilidade à impressão decaos que essa avalancha de informaçãohisíóricacausavaa alguns observadores. Contudo, é desnecessário dizerque a sociedade do sociólogo alemão mudava constante-mente à sua volta, bem como a de seu colega francês,enquanto a Alemanha se tornava rapidamente uma po-tência industrial e um Estado organizado, na segundametade do século XIX. Entretanto, não nos deteremosnessas questões. Se voltarmos a atenção para os EstadosUnidos, pais onde a sociologia viria a lançar raizes maisfundas, encontramos outro conjunto de circunstâncias di-ferentes, ainda que contra o mesmo pano de fundo derápidas e profundas mudanças sociais. Ao se examinar aevolução da disciplina nos Estados Unidos, percebemosoutro tema da sociologia, estreitamente ligado ao da

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;I desmistificação, mas que não lhe é idêntico - seu tas-lcínio com a concepção não respeitável da sociedade.J::1!l toda _._sodeda~~,_P_~~,!l1_en?s11.9.ºci~~n~~~~~~

distinguir setores respeitáveis e...não, respeitáveis, Nessesei-ttid6, a' sociedade americana não ocupa posição sin-gular. Entretanto, a respeitabilidade americana possuiuma qualidade particularmente onipresente. E' possívelque isto possa ser atribuído, pelo menos em parte, aosduradouros efeitos colaterais do estilo de vida puritano.E' mais provável que esteja relacionado com o papelpreeminente desempenhado.pela burguesia .ma. formaçãoda cultura americana. Quaisquer que tenham sido suascausas históricas, não é difícil classificar ~tamente osfénôm-enos sociais americanos em ,_~~m desses dois se-tores:--Po-ª'~ipos perceber a Am.érica 61icíãí, respeitável,rep~~~~ii!~_~_simbolicamente pela C;âm~ra ~~, Comé!.00,peJ~~Jgndlis, escolas e-º!!.k93 ceE_~!9.,~._:::9~=,ritual CÍvico.Entretanto, ao lado desse mundo de respeitabilidade exis-te 'Uma-"?Ü~!fl A~érica'2...,E.resent~, em-.!9,~~_cid~ormenor que sejª,_Qma ~,:!!.éric~q!!~_J~QLQ.!:!trossímbolose que fala outra Iíngua.J.=:~-,P!()_~~y~l.g~e_~~~ ling~age.mseja seumais"-ségúro'--rÓtulo de identificação. E' a lin-guagem' cio 'salão ·ae~·sTnüCã-é--dO-·jõgõ--cre- pôquer, aos6é!res, lupanares e quartéis. Mas é lamoeillalmguagemque irrompe, com um suspiro de alívio, entre doi~ven-dedoteçqürtreb-em-rU"htÕsilOCarró-restãurante enquanto'sêu" trêin passa por cidadezinhas do Meio Oeste numarnanhã""deaõmmgo, enqLiãiftõOs]5aCafos-fuorádõTes doJugãr'--aCb'ftêírt-a'bS-s·anlüâtTõscãiaa.os~EI-a-1ingüãgemreQrirriTdã-drãr1fê~deSenliõras e clérigos';" e que deve suaexistência sobretudo à transmissão oral entre ger!!.Çõesde Huckleberry Finns (muito embora nos últimos anosessa linguagem haja ganho lugar em livros destinadosa excitar senhoras e clérigos). A "outra América" que

J?-l~~sa linguagem pode ser encontrada em toda parteem flue certas pessoas são excluídas, ou se excruem;- daconve'ijiêndi da classe média. Encontramo-Ia naquelessetores da classe trabalhadora que ainda não se encon-tram muito adiantados no caminho do aburguesamento,

nos cortiços, favelas e naquelas áreas das cidades que ossoclólo os ur15";,[noschamam de "áreas de transi âo'-r:-ETase maru es a po erosamente, no mundo do negro ameri-cano. Também a encontramos nos submundos daqueles

'-quqor um motivo ou outro, se afastaram voluntaria-mente da burguesia - nos mundos dos hippies, homÇls-sexuais, vagabundos e outr~ "marginais", .ç"j~ml:!ndos~ão mantlaõ~_~~!!ffiêE.Q~aQWnt~JQ!lg~..5!-'!§.J"H~.L~~_9!:l!_...~~_pessoas decentes moram, trabalha~ ....~..•,~~91Y~.r.t~..IIL_.!.lJf9ftiI1Ii::Çãfnâa::que:-.:ern:.:ãlgiiiiíãsO.cas,iõ.e.&_.e.sselLmundos,~j~m bastante cQ.nY~niel!tes_p-ara o macho da espjcie·-',p~§§.Qi.l~_~~.~.C;.e.J!-te~:'...=.:jl;1.~.t.ª~~HJe.....!l~.~,_.()C::~~!~e.~~,~IE.._,':lueele .seh.j~nçQn.Jrª-. ,~xYl.taJ1!.~m~lltt:....$ªll$_ .fQmil1f!,}·

A sociologia americana, aceita desde cedo tanto noscírculos acadêmicos como pelas pessoas ligadas a ativi-dades de bem-estar social, foi logo associada à "Amé-rica oficial", ao mundo dos gue tomam as decisões, emnível comunal e nacional. Ainda hoje a sociologia conser-va essa filiação respeitável nas universidades, nos círcu-los econômicos e no governo. A designação raramente pro-voca 'desagrado, exceto por parte de racistas sulistas su-ficientemente letrados para terem lido as notas de pé-de-página da decisão dessegregacionista de 1954. Entretan-to, diríamos que tem existido uma corrente importante nasociologia americana, que a associa à "outra América" delinguagem desabrida de atitudes chocantes, aqueie estadode espírito que não se deixa impressionar, comover 0Uenganar pelas ideologias oficiais.

Essa perspectiva marginal no cenário americano podeser vista com toda clareza na figura de Thorstein Veblen,um dos mais importantes sociólogos dos Estados Unidos.Sua própria biografia constitui exercício de marginalis-mo: um temperamento difícil, polêmico; nasceu numa fa-zenda norueguesa na fronteira do Wisconsin: aprendeuinglês como uma língua estrangeira; envolveu-se durantetoda a vida com indivíduos moral e politicamente sus-peitos; um migrante de universidades; um inveterado se-dutor de mulheres alheias. A perspectiva da sociedadeamericana proporcionada por esse ângulo de visão pode

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ser encontrada na veia satírica presente conspicuamentena obra de Veblen, sobretudo em sua Teoria da Classedo Lazer, uma impiedosa visão de baixo para cima daspretensões da alta burguesia americana. A visão queVeblen tinha da sociedade pode ser compreendida maisfacilmente como uma série de percepções não-rotárias _sua tese de "consumo conspícuo", oposta ao entusiasmoburguês pelas "coisas boas", suas análises dos processoseconômicos em termos de manipulação e desperdício,opostos ao ethos de produtividade americano, sua percep-ção dos mecanismos. da especulação imobiliária, oposta.à ideologia comunitária americana, sua descrição da vidaacadêmica (em The Higher Learning in America) emtermos de fraude e vaidade, oposto ao culto americanoà educação. Não nos estamos associando a um certo neo-veblenísrno que vem fazendo carreira entre alguns soció-logos americanos mais jovens, nem afirmando que Veblentenha sido um gigante no desenvolvimento da disciplina.Estarnos apenas apontando sua curiosidade irreverentee sua lucidez Como marcas de uma perspectiva que surgenaqueles lugares da cultura em que uma pessoa aos do-mingos se levanta ao meio dia para fazer a barba. Tarn-pouco afirmamos que lucidez seja uma marca geral denão respeitabilidade. E' provável que a obtusidade e apreguiça mental estejam distribuídas com bastante regu-

.). i lari.dad~ em .todo o espe.ct.ro. SOCiaq~~.t.retanto,. o.,nde.~.~!~_'i. 11 te mtehgênCla.e _~9.~_.~~..~~~~[~~.J~':e:tê:~=~~_~.~ __~~pa../\.!olhos da -re.spei,t~b.i!i4.4g~'-~IE"~~ __.~P~!:é!!,_~!11.!!_.yi~~0. mais clara da sociedade do que nos casos em que a

ímagístlca retórica é toimida-'como'reãlidade:' -'-- ". Algumas correntes de ~~tudos-~~píri'c~s da sociologia

americana comprovam esse mesmo fascínio com a con-'cepção não respeitável da sociedade. Por exemplo, ré-vendo o vigoroso desenvolvimento de estudos urbanos rea-lizados pela Universidade de Cfireago na década de 20,espanta-nos a atração aparentemente irresistíveI peloslados mais desagradáveis da vida urbana demonstrado poresses pesquisadores. O conselho dado a seus alunos porRobert Park, a figura mais importante desse movimento,

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,10 sentido de que deviam' sujar as mãos na pesquisamuitas vezes significa literalmente um interesse intensopor tudo aquilo que os habitantes respeitáveis de Chicago \chamariam de "sujo". Percebemos em muitos desses es- t...,tudos a excitação de descobrir os avessos picarescos da ~.metrópole - estudos da vida nos cortiços, do mundo !t.melancólico das casas de cômodos, de Skid Row, dos ~imundos do crime e da prostituição. Um dos 'resultados r:dessa chamada "escola de Chicago" foi o estudo socío- ~;.:"."lógico das ocupações, que em grande parte se deve ao ;'-trabalhe -píoneire -de-Everett Hughes e seusiestudantes. .:~;::.;~:~"Também aqui encontramos fascinação por todos os /"<. .mundos possíveis em que seres humanos vivem, não só ) 'O"

co.m .os munodO.Sdas oc.uP.aç.ões ..res.p.e.itáveís, m.as .ta.mbé.m.1 'k ~:'~;;.;:':'~....os da bailar-ina-de,.dancing.s,_,d.p~".ze.ladQ.L.de._.e,<;I.ifí- //\ *~;~:,"

~if.:Ãn~;~~Xe~j~~{tâP~~~~~Si~~~~is~~rp~~ ~,~.:~-,..nos estudos comunitários americanos, que se seguiram ~;I;":'aos famosos estudos Middletown de Robert e Helen Lynd. It: ...Inevitavelmente, esses estudos tinham de desdenhar as ,i,;!;'::,:ver~ões ,?ficiais da vida c.omunitária, ~lhar a realidade :ç::....SOCIal nao só da perspectiva da prefeitura, como tam- ~~;t::.-·bérn da perspectiva da cadeia. Tal método sociológico ~\~;!~:,'constitui ipso facto uma refutação do pressuposto res- f:i,,;:F'peítável de que somente certas concepções do mundo iV{j~,-.devem ser levadas a sério. ;~ç

Não desejaríamos dar uma impressão exagerada do :!:m~e!eito dessas investigaçõ:s sobre a consciência dos. so- ffii:!(cc~ólogos. ~:tamos bem c~entes .dos elementos de partida- Ij..\~;~nsmo político e romantismo Inerentes em parte dessa W·atitude. Sabemos também que muitos sociólogos partící- . ,íC.,' fpam plen~m~n!e. do Weltans~hauung .:es~itáve.l. N.ãOll~\.JlU:"'~c.'-f~• : .obst~nt:, insistiriamos em que' a consciencia SOClOIÓgIC1~""

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\: " ••• )_,... f,.?:;predispõe uma pessoa par~ uI?~ percepção de o~tr.o; ~ d', ,\ l/'::/ ~!::Imundos, alé~ do =. respel'tablhd~de de classe me~la, \," ~;,i:: .

uma .per~:pçao ~ue la traz' em SI os germes da. nao- \.:\ 'li\l' I;'~:'respeitabilidade intelectual. lNo segundo estudo Mlddle- M Iv V X.t~u:n, os Lynds ofer:ceraml.uma análise c1ás~ica do ~s- ,. tíJJ(.Jl[~:"pírito da classe média ame~lcana em sua série de "afir- .Y~>,t t':'

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mações é claro" - isto é, afirmações que representamum consenso tão forte que a resposta a qualquer per-gunta a seu respeito será habitualmente precedida pelaexpressão "é claro". "Nossa economia é de livre iniciati-va?" "E' claro!" "Todas nossas decisões importantes sãotomadas através do processo democrático?" "E' claro!""A monogamía é a forma natural do casamento?" "E'claro I" Por mais conservador e conformista que, seja osociólogo em sua vida privada, ele sabe q~e há questõessérias a serem levantadas com relação a cada uma dessasafirmações. Basta essa tomada de.iconscíêncla.iparaicon-duzi-lo ao limiar da não-respeitabilidade.

Esse tema de não-respeitabilidade da consciência so-ciológica não implica necessariamente numa atitude re-volucionária. Estamos dispostos a ir ainda mais longe edizer que a percepção sociológica é refratária a ideologiasrevolucionárias, não porque traga consigo alguma espéciede preconceito conservador, e sim porque ela enxerga nãosó atray~s~~~~~~?!~c!~_~fa{us i~õ~âtu,ªL~<LI!!.()_I~p_~~_matravés das expectativas ilusórias concernentes a possí-veis futuros, seri(fõiãI~-exI!êétaHvas-o-costumeiro alifi'en-toespiriI~ãr]ios_revºl~ç!9J]ª.[iQ§:~-Ê~~~~~;a opinlã;,· ess~sobriedade não-revolucionária if=íIIÜaenruõTâ ~o-gta e"-altamente ~Ta;;entá~eí,' do -põilfó-êfevistade lÚilã=pêswa, é o fato de que a compreensão socio-lógica por si só não leva necessariamente a maior to-lerância em relação às fraquezas do gênero humano.Pode-se. ver a,~,!:~lli!~L<;L~.§.º,gill__g>.1]LǺmRê.~,~.~()_"",o.~comcinismo ~:::=~§p_as.._ª'tit.ud~§._~ª.Q._.çºmp.~!Yt!J§.J:QIl1JYfLdez.Entretanto, quer encare compassiva ou cinicamente os fe-nômenos que estude, em maior ou menor grau o soció-logo abandonará os pressupostos não analisados de suasociedade. Quaisquer que sejam suas ramificações nasemoções e na vontade, a não-respeitabilidade deve con-tinuar sempre como uma possibilidade constante namente do sociólogo. Ela poderá ser segregada do restode sua vida, obscurecida pejos estados mentais rotineirosda existência cotidiana ou até mesmo negada ideologi-

camente. Contudo, a respeitabilidade total de pensamentodeterminará invª~layelmente a morte da sociologia, Esseé' um dos motívos :pelos quais a verdadeira sociologia I ~í\ f-'desaparece imediatamente nos países totalitários, como ybem exemplifica o caso da Alemanha nazista. Por ex- ,tensão, a compreensão sociológica é sempre potencial- I'

mente perigosa aos olhos de policiais e outros guardiãesda ordem pública, uma vez que ela tenderá sempre arelativizar a pretensão de absoluta correção em que taispessoas gostam de repousar o espírito.

Antesde'concluirmos'estecapítul0, gostaríamos deexaminar mais uma vez este fenômeno de relativízaçãoa que já nos referimos algumas vezes. Diríamos. agoraexplicitamente que a sociologia está muitosintOriizadacom ocaráíet--da--eriCtiioderna justamente por repre-sentar a consdênda---de um mundo em que os val~stêrri "siQó-ràâicãlmente relativizados. Essa relativízação

:passou -'a integrú'de-lãlrorma nossa imaginação quese torna difícil para nós perceber plenamente até queponto foram (e em alguns lugares ainda são) fechadas'e absolutamente compulsórias as cosmovisões de outrasculturas. Em seu estudo do Oriente Médio conternporã-neo (The Passing of Traditional Societyy, o sociólogoamericano Daniel Lerner nos proporcionou uma imagembastante vívida do que significa "modernídade" como'um tipo de consciência inteiramente novo nesses países .:Para o espírito tradicional, um 'homem é o que é, ondeestá, e se torna impossível sequer imaginar que as coisaspoderiam ser diferentes. O espírito moderno, em contraste,é móvel, participa vicariamen..1e.das vidas de outras pes-soas, localizadas em outras partes, imagina com todafacilidade uma mudança de ocupação ou residência. Assim,Lerner constatou que alguns dos analfabetos que res-pondiam a seus questionários não tinham outra reaçãosenão o riso ao lhes ser perguntado o que fariam se es-tivessem na situação de seus governantes, e nem sequerconsideravam a pergunta sobre as circunstâncias em queestariam dispostos a deixar a aldeia natal. Em outraspalavras, as sociedades tradicionais conferem identida-

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des definidas e permanentes a seus membros. Na socie-dade moderna, a própria identidade é incerta e mercuriaLNa verdade, .não se sabe o que se espera de uma pessoacomo governante, como pai, como pessoa educada, ou

, o que significa ser sexualmente normal. Portanto, surge.', um aspecto típico da sociedade moderna - os peritos

que resolvem essas questões. O editor do clube do livrodiz o que é a cultura, o decorador determina qual ogosto que devemos ter, o psicanalista informa quemsomos. Viver na sociedade moderna significa viver nocentro de um caleidoscópio depªpéis em constantemutação.

Mais uma vez devemos resistir à tentação de discorrersobre este ponto, pois de outra forma abandonaríamosnosso raciocínio em favor de uma discussão geral da psi-cologia social da existência moderna. Preferimos, aoinvés disso, acentuar o aspecto intelectual dessa situa-ção, uma vez que nele constatamos uma dimensão im-portante da consciência sociológica. O .í!!<i1~Lsem-pre-cedentes de mobilidade geográfi_ca ~ sõeial da sOcied,?de-mõderna expoe uma pessoa i!-uma varied~~~pre-cedentes de manêiraK·de··olhar·,·o·munôo.-Ãs informaçõessobre outras culturas que poderiam-sêi- obtidas atravésde viagens são levadas à sala de estar pelos meios decomunicação. Alguém já definiu a sofisticação blasé como r"a capacjdade de aceitar com naturalid~de_Q.tlliule..vermosdiante de-nossa casa um homemde tanga e turbante,com-úma-c(j!ffa.~ii.!".9ra]I""~tiescoçotJiªfén·ao~u"in. tantã,enquanto conduz__.um__!iK!:~p...e§..~~?!~ E' lógico quetal sofisticação tem seus graus, mas até certo pontoé demonstrada por toda criança que assiste à televisão.E' lógico também que essa sofisticação é comumenteapenas superficial e não se estende a uma verdadeiraadoção de estilos alternativos de vida. Não obstante,as imensas possibilidades de viagens, pessoalmente ouatravés da imaginação, implica, pelo menos potencialmen-te, numa consciência de que a Rr6Qria cultura.-inclu~eseus valores bási~~º-..i~mp-o e no espaço.A mobiTidaae social, isto é, o movimento de uma cama-

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da social para outra, reforça esse efeito relativizador.Onde quer que ocorra um processo de industrialização,é injetado um novo dinamismo no sistema social. Grandesmassas de pessoas começam a modificar sua posiçãosocial, em grupos ou como indivíduos. E geralmente essamodificação se dá num sentido "ascensional". Com essemovimento, muitas vezes se verifica na biografia de umapessoa uma jornada considerável, não só através de vá-rios grupos sociais, como também através de universosintelectuais que estão, por assim dizer, ligados a essesgr.upos. .Assím,.. opostalista ..batista, que costumava lerSeleções, torna-se um subgerente episcopal que lê TheNew Yorker, ou a mulher do professor que passa a diri-gir um departamento da universidade talvez troque osbest-selters do momento pelos livros de Proust ou Kafka.

Em vista dessa fluidez geral de cosmovisões na moder-na sociedade, não espanta que nossa era se venha ca-racterizando como' uma era de conversão. Nem devesuipreenderque-soó-retilàõ-ósintelectuaIsse mostrem pro-pensos a ~~çi~r suas cosmoviSõesrãclicalmente e comassombrosa freqüência. A atração intelectual de sistemasteorJcamente--rech-ü:fõs e defendidos com vigor, como ocatolicismo e o comunismo, tem sido analisada com fre-qüência. A psicanálise, em todas as suas formas, podeser vista como um mecanismo instítucionalizado de con-versão, na qual o indivíduo modifica não s6 suas idéias arespeito de si próprio, como a respeito do mundo emgeral. A popularidade de uma legião de novos cultos ecredos, apresentados em diferentes graus de refinamen-to intelectual, dependendo do nível educacional de seupúblico, constitui outra manifestação da inclinação à con-versão de nossos contemporâneos. Quase se poderia dizerque o homem moderno, sobretudo o homem moderJ:).o-~- ~----educad9J..yarece num perpétuo estado de c!úv~c!aquantpà sua .. própria natureza e do universo em que vive. Emoutras palav-rã-s,a~ITC1a da reI!!.tIvi~ac!~.L_qiÜ~-.Somtoda probabilidade, em todas as épóéas_~wia,_foimonopólio de um~.peqYi.iiQ=l~~~__~~kCÍl@is, hoje

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se apresenta como um amplo fato cultural, que se esten-de até as camadas inferiores do sistema social.

Não queremos deixar a impressão de que este sensode relatividade e a resultante propensão a modificartodo um Weltanschauung, sejam manifestações de ima-turidade intelectual ou emocional. E' claro que não sedeve tomar com exagerada seriedade alguns represen-tantes dessa atitude. Contudo, diríamos que uma atitudeessencialmente semelhante torna-se quase inelutável atémesmo nos mais sérios empreendimentos 'intelectuais. E'impossível existir,compl~naconsctênçia,ll"o .mundo, .lIra,;;derno sem ...perceber qlle ()T'cúmprotnissos-inorais,-'polí-ticos e filosóficos. são relativól!,:-!:fij~;--com,o-Çirssep'ascal,o que é verdade de um lado dos Pireneus__Lmel)tira dooutro. O exame intensivo dos sistemas de significadosmais elaborados à nossa disposição proporciona uma per-cepção verdadeiramente assustadora da maneira comoesses sistemas podem oferecer uma interpretação totalda realidade, na qual estaria incluída uma interpretaçãodos sistemas alternativos e das maneiras de se passarde um sistema para outro. O catolicismo pode ter umateoria sobre o comunismo, mas este devolve o cumpri-mento e apresenta uma teoria sobre o catolicismo. Parao pensador católico, o comunista vive num mundosombrio de ilusão materialista com relação ao verdadeirosentido da vida. Para o comunista, seu adversário cató-lico está irremediavelmente preso na "falsa consciência"de uma mentalidade burguesa. Para o psicanalista, tantoo católico como o comunista podem estar simplesmen-te projetando, no nível intelectual, os impulsos incons-cientes que realmente os dominam. E a psicanálise podeser para o católico uma fuga da realidade do pecado,e para o comunista uma alienação das realidades dasociedade. Isto significa que a escolha de ponto de vistadeternÜ~~neira como o indivíduo .olhará-sua.prá-pria b.i.º~~ia. Os prisioneiros de guerra americanos sub-metidos a "Imagem cerebral" pelos comunistas chinesesmodificaram completamente seus pontos de vista sobrequestões políticas e sociais. Para a~ueles que voltaram

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aos Estados Unidos, essa mudança representou uma es-pécie de enfermidade provocada por pressão exterior,tal como um convalescente poderia lembrar-se de um de-lírio de febre. Para seus ex-captores, entretanto, essa

.nova consciência representa uma breve vislumbre de ver-dadeira compreensão encaixado entre longos períodos deignorância. W.1!fa os prisioneiros que resolveram nãovoltar, sua conversão ainda pode parecer uma passagemdecisiva das trevas para a luz.

Ao invés de falarmos em conversão (termo com co-, notações r~l~g!()~a~)jl1.Igaríamos mais conveniente usar° termo mais neutro "alternação" para descrever esse

fenômeno. A situação intelectual aqui descrita traz emseu bojo a possibilidade de que um indivíduo possa al-ternar entre sistemas de Significado logicamente contra-ditórios. A cada alternação, o sistema de significadosque ele adota proporciona-lhe uma explicação de suaprópria existência e de seu mundo, incluindo-se nessainterpretação uma explicação do sistema de significadosque ele abandonou. Além disso, o sistema de significadoslhe oferece instrumentos para combater suas próprias dú-vidas. A confissão católica, a "autocrítíca" comunista eas técnicas psicanalíticas para vencer a "resistência"atendem ao mesmo propósito de evitar a alternação paraalgum outro sistema de significados, permitindo ao indi-víduo interpretar suas próprias dúvidas em termos deri-vados do próprio sistema, o que contribui para que oindivíduo não ó abandone. Em níveis inferiores de so-fisticação, haverá também vários meios empregados paraeliminar perguntas que pudessem ameaçar a fidelidade doindivíduo ao sistema, meios que se pode ver em funcio-namento nos malabarismos dialéticos até mesmo de gruposrelativamente pouco sofisticados como as Testemunhasde Jeová ou os Muçulmanos Negros.

Contudo, se uma pessoa resiste à tentação de aceitartal dialética e estiver disposta a enfrentar a ,experiên-cia de relatividade acarretada pelo fenômeno na alter-nação, toma conhecimento de outra dimensão crucial daconsciência sociológica -_ a percepção de gue não ~-

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mente as identidades, mas também as idéias, são rei a--tiva~.L dependendo de localizaçõe~~~S-espe.QRcas. Ve-remos num capítülõ--tilfe-rior---ã- considerável importânciadessa percepção para a compreensão sociológica. Serásuficiente dizer aqui que este tema relativizante constituioutra das molas-mestras da atividade sociológica.

Tentamos, neste capítulo, delinear as dimensões daconsciência sociológica através da análise de três temas- o~e desmis-t-i-fica~ão~p-eitabi!idade e relaji-vizaçâº. A estes três acrescentaríamos, por fim, umquarto, rnuito.unenns profundo --em-suas -impJicações,--mas .._que ajuda a completar nossa imagem - ~'llLCos.-mopoJita. Recuando a épocas muito antigas, foi nas ci-

. dãdes que surgiu uma atitude de abertura em relaçãoao mundo, a outras maneiras de pensar e agir. Querpensemos em Atenas ou Alexandria, na Paris medievalou na Florença renascentísta, ou nos turbulentos centrosurbanos da História moderna, podemos identificar umacerta SQnS.ciência--Cosrn0polita_..q~caracterizayussenc.ial_mente a. cultura citadina. Nesse casõ~-p6r mais apaixo-nadamente que o indivfcluo esteja ligado à sua própriacidade, ele vagueia por todo o vasto mundo em suasviagens intelectuais. Seu espírito, senão seu corpo esuas emoções, sente-se à vontade onde quer que hajaoutros homens que pensem. Diríamos_qye a consciênciaso~i~lógica se~cteriza pelá- mesma espécie __c!~-politismo. E' por isso que uma estreiteza de interessecOnStitui sempre sinal de perigo para a atividade socio-lógica (sinal de perigo que, infelizmente, cremos que seaplica a um número bastante grande de estudos socio-lógicos nos Estados Unidos atualmente). A perspectivasociológica constitui um panorama amplo, aberto e eman-cip'~Slo da vida flum~a. O~ SOciÓIO~o é um homem

..J !0_t~~~~dD-em outras terras.L--aberto-interiormente à--ri:~J \ queza_~!.!.f.omensurável d~'§_J2Q~sibilidades. humanas~

_-J 'I quioso de _I1(~yqLhor~~~~~s mundos de significa--\ qo humano. E' provável que não seja necessário maior

argumentação para se afirmar que esse tipo de homem

I pode desempenhar um papel particularmente útil no rumoatual dos acontecimentos.

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