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    v.7 n20setembro > dezembro | 2012

    Sesc | Servio Social do ComrcioAdministrao Nacional

    ISSN 1809-9815

    xxxxxxxxxx/XXXX-XX/XX

    CARTO-RESPOSTA

    Questionrio de avaliaoda distribuio

    NO NECESSRIO SELAR

    O SELO SER PAGO PELO SESC-DN

    AC BARRASHOPPING

    22640-970 Rio de Janeiro - RJ

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    Nome _________________________________________________________________________________________

    Endereo ______________________________________________________________________________________

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    Avaliao da distribuio

    Prezado leitor ou bibliotecrio:

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    COORDENAO EDITORIALGerncia de Estudos e Pesquisas / Diviso de Planejamento e DesenvolvimentoMauro Lopez Rego

    CONSELHO EDITORIALlvaro de Melo SalmitoMauricio Blanco

    Nivaldo da Costa PereiraSECRETRIO EXECUTIVOMauro Lopez RegoASSESSORIA EDITORIAL

    Andra Reza

    EDIOAssessoria de Divulgao e Promoo / Direo-GeralChristiane CaetanoPROJETO GRFICO

    Vinicius BorgesSUPERVISO EDITORIAL

    Jane MunizPREPARAO E PRODUO EDITORIAL

    Duas guas| Ieda MagriREVISO

    Elaine BaymaREVISO DO INGLS

    Idiomas & ciaDIAGRAMAO

    Livros Livros | Susan JohnsonPRODUO GRFICA

    Celso Clapp

    Sesc| Servio Social do Comrcio | Administrao Nacional

    PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL

    Antonio Oliveira SantosDIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONALMaron Emile Abi-Abib

    Sinais Sociais / Sesc, Departamento Nacional - Vol. 1, n. 1 (maio/ago. 2006)- . Rio de Janeiro : Sesc,Departamento Nacional, 2006 - .v.; 30 cm.Quadrimestral.ISSN 1809-98151. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I.

    Servio Social do Comrcio. Departamento Nacional, 2006 - .

    As opinies expressas nesta revista so de inteira responsabilidade dos autores.As edies podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.

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    EDITORIALO entusiasmo no pode ser induzido de forma determinista; ser

    transmitido por meio de suas manifestaes? A hiptese afirmativa nutreas expectativas acerca do presente nmero da revista Sinais Sociais, quetraz fios vvidos de entusiasmo, na primeira, segunda e terceira pessoas.

    Os personagens presentes nos trabalhos desta publicao essaspessoas diferem em origens, temas e percursos, mas tm aqui res-saltadas suas conexes s realidades em que se inseriram, para comelas interagir, de forma a contribuir para sua compreenso e alterao,segundo suas particulares perspectivas.

    Nestes textos est presente tambm o elogio ao ensaio, como forma,como recurso, como reiterada possibilidade de acesso subjetivo e di-reto aos contextos fsicos e prticos, abstratos e tericos.

    So muitos os sujeitos referidos direta ou indiretamente pelos au-tores. Antonio Candido, Paulo Emilio e Mrio Pedrosa so os crticoscujas vises da arte e cultura do Brasil so cotejadas por Francisco

    Alambert. Gonalo M. Tavares o autor do Livro da dana, obra daqual Jlia Studart faz detida anlise. Caio Prado Jr. tomado comoexemplo por Marco Aurlio Nogueira para a discusso do papel dointelectual marxista no mundo contemporneo. Oliveira Vianna ohistoriador que tem obra evocada por Andr Botelho, que reafirma avalidade das interpretaes autorais para o entendimento do passadoe a percepo do presente.

    Compe ainda esta Sinais Sociaiso artigo de Fabio D. Waltenberge Mrcia de Carvalho. Da anlise sobre os resultados das aes afir-

    mativas no Brasil, um pormenor no deve escapar ateno: foi oprotagonismo das universidades que trouxe o tema para a esfera p-blica, lidando frontalmente com uma questo at ento relegada aoescaninho das imutveis perversidades nacionais.

    De diversos sujeitos, portanto, e de seus entusiasmos ao lidar comlinhas iluminadoras de nossos labirintos sociais, tratam os artigos aquiapresentados.

    Maron Emile Abi-AbibDiretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc

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    SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 1-180 | SETEMBRO > DEZEMBRO 20128

    SOBRE OS AUTORESAndr Botelho

    Professor do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia (PPGSA) daUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador do CNPq e da Faperj ecoordenador do Grupo de Trabalho Pensamento Social no Brasil, da Sociedade Brasileirade Sociologia (SBS). Autor de diversas publicaes, livros e artigos na rea de pensa-mento social brasileiro, destacando-se entre os mais recentes: Um enigma chamadoBrasil, organizado com Llia M. Schwarcz (Companhia das Letras, 2009), Reviso do

    pensamento conservador, organizado com Gabriela Nunes Ferreira (Hucitec, 2010) e

    Agenda brasileira: temas de uma sociedade em mudana, tambm organizado com LliaM. Schwarcz (Companhia das Letras, 2011).

    Fbio D. Waltenberg

    Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) emembro do Ncleo de Estudos em Educao (NEE) do Centro de Estudo sobre Desi-gualdade e Desenvolvimento (CEDE) da mesma universidade.

    Francisco Alambert

    Professor do Departamento de Histria da Universidade de So Paulo (USP), ondeleciona Histria Social da Arte e Histria Contempornea na graduao e na ps-gra-duao. Tambm crtico de arte, colabora em diversos jornais e revistas, no Brasil eno exterior. Publicou, entre outros livros, Bienais de So Paulo: da era do museu era doscuradores(Boitempo, 2004), escrito em parceria com Polyana Canhte, que recebeuo prmio Jabuti na categoria Artes. Na USP, participa da coordenao do grupo depesquisa Desformas Formao e Desmanche de Sistemas Simblicos.

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    9SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 1-180 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    Jlia Studart

    Poeta e doutora em Teoria Literria, Textualidades Contemporneas, pela Universidade

    Federal de Santa Catarina (UFSC) bolsista integral CNPq, Brasil / Universidade Novade Lisboa (UNL) bolsista CAPES, 2011. Trabalha com literatura contemporneabrasileira e portuguesa; artes visuais e teoria da dana. Publicou Wittgenstein & WillEisner se numa cidade suas formas de vida(Lumme Editor, 2006), Marcoaurlio!, com aartista visual Milena Travassos (Drago do Mar, 2006) e Livro segredo e infmia(Editorada Casa, 2007). autora de O impacto da impresso, caderno de apresentao dolivro Breves notas, de Gonalo M. Tavares (Editora da Casa/Edufsc, 2010). Organizouo livro Conversas, diferena n.1 ensaios de literatura etc.(Editora da Casa, 2009). colaboradora do jornalO Globocom resenhas sobre literatura contempornea.

    Mrcia de Carvalho

    Professora do Departamento de Estatstica e doutoranda do Programa de Ps-Gradua-o em Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Membro do Ncleo deEstudos em Educao (NEE) do Centro de Estudo sobre Desigualdade e Desenvolvimen-to (CEDE) da mesma universidade.

    Marco Aurlio Nogueira

    Professor titular de Teoria Poltica e coordenador do Instituto de Polticas Pblicas eRelaes Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Doutor em CinciaPoltica pela Universidade de So Paulo (USP), com ps-doutorado na Universidade de

    Roma (1984-1985), foi diretor da Editora Unesp (1987-1991) e da Escola de Gover-no e Administrao Pblica da Fundao do Desenvolvimento Administrativo (Fundap)(1991-1995). colunista do jornal O Estado de S. Pauloe autor, entre outros, dos livrosEm defesa da poltica (Senac, 2001), Um Estado para a sociedade civil. Temas ticos e

    polticos da gesto democrtica(Cortez, 2004), Potncia, limites e sedues do poder(Editora Unesp, 2008) e O encontro de Joaquim Nabuco com a poltica. As desventurasdo liberalismo(Paz e Terra, 2010).

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    INTERPRETAES DOBRASIL E CINCIASSOCIAIS, UM FIODE ARIADNEAndr Botelho

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    11SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 10-35 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    O artigo procura problematizar a viso cristalizada pelas Cincias Sociais sobreo ensasmo brasileiro dos anos de 1920-1940. Com base em um estudo decaso, a partir de resultados de pesquisa sobre Francisco Jos de Oliveira Viannae sua sociologia poltica, discute a atualidade das chamadas interpretaes doBrasil. Tal procedimento analtico entendido como condio para repensaro estatuto dos ensaios e sua capacidade de interpelao contempornea sCincias Sociais e sociedade brasileira.Palavras-chave: interpretaes do Brasil; Cincias Sociais; sociologia do conhe-cimento; Oliveira Vianna

    This article aims to problematize the views of Brazilian essayism crystallized bythe Social Sciences from the 1920s to the 1940s. Based on a case study fromresearch findings on Francisco Jos de Oliveira Vianna and his political socio-logy, it discusses the relevance of the so-called interpretations of Brazil. Thisanalytical procedure is understood as a prerequisite for rethinking the statusof the essay and its contemporary interpellation capacity towards the BrazilianSocial Sciences and society.Keywords: interpretations of Brazil; the Social Sciences; sociology of knowledge;

    Oliveira Vianna

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    INTRODUO

    Entre as dcadas de 1920 e 1940 foram publicados alguns dos maisinstigantes estudos sobre a formao da sociedade brasileira, comu-mente chamados ensaios de interpretao do Brasil. Publicado em1920, Populaes meridionais do Brasil, de Francisco Jos OliveiraVianna, abre a produo do perodo, seguido, na mesma dcada, porRetrato do Brasil,de Paulo Prado, em 1928. Em 1933 foram publica-dos Casa-grande & senzala,de Gilberto Freyre, e Evoluo poltica doBrasil,de Caio Prado Jnior, trs anos depois apareceram Sobrados emucambos, tambm de Freyre, e Razes do Brasil, de Srgio Buarque

    de Holanda. Na dcada seguinte, voltaram aos prelos Caio Prado eOliveira Vianna, o primeiro com Formao do Brasil contemporneo,em 1942, o segundo com Instituies polticas brasileiras, em 1949,para citar apenas alguns dos mais emblemticos ensaios do perodo.

    Essas interpretaes do Brasil continuam nos interpelando contem-poraneamente, a despeito da relao ambgua que as Cincias Sociaistm mantido com eles desde o incio da sua institucionalizao comocarreira universitria e profissional na dcada de 1930. Como se tra-tava ento de demarcar um campo cientfico, compreende-se que

    o desenvolvimento das Cincias Sociais tenha sido pensado a partir deuma polarizao mais disjuntiva entre o seu carter cientfico e opr-cientfico dos ensaios de interpretao do Brasil. Em que cien-tfico, naturalmente, foi quase sempre tomado estritamente comosinnimo de conhecimento vlido.

    Diferente da monografia cientfica que veio a se impor como formanarrativa prpria moderna cincia ocidental, tambm nas cinciassociais brasileiras, o ensaio no expe na sua narrativa fragmentadaum contedo pronto de antemo. Mas, em uma constante tenso en-tre a exposio e o exposto, repe uma ideia fundamental, como umfragmento que busca vislumbrar o todo de que parte. Nesse movi-mento, esboa-se o trao distintivo do ensaio como forma: a tentativade recomposio da relao sujeito/objeto do conhecimento fraturadapela tradio cartesiana. Por isso sua inteligibilidade parece, em parte,condicionada prpria relao de contraposio que mantm pere-nemente com o padro cientfico positivista.

    Da Theodor Adorno ter discutido o ensaio como forma de pro-

    testo contra as quatro regras que o Discours de la mthode de

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    Descartes erige no incio da moderna cincia ocidental (ADORNO,1986, p. 177); ainda que, se considerada da perspectiva do ensaio,

    por sua vez, a objetividade pretendida na monografia decorra neces-sariamente de um arranjo subjetivo:

    o que em Descartes era conscincia intelectual quanto necessidade deconhecimento, se transforma na arbitrariedade de um frame of referen-ce, de uma axiomtica que precisa ser colocada no incio para satisfazera necessidade metodolgica e a plausibilidade do todo [...] [que] apenasescamoteia as suas condies subjetivas (ADORNO, 1986, p. 179).

    Enfim, estamos diante de regimes distintos de subjetividade e ob-jetividade do conhecimento social que validam seus prprios instru-mentos lingusticos, narrativos e outros e que por isso no podem sersubsumidos uns nos outros. Ao mesmo tempo, porm, so tambmautorreferidos, no sentido que mobilizam frequentemente categoriasde contrastes, cujos significados so extrados tanto do que se nega,quanto do que se afirma.

    No caso brasileiro, aquele tipo de recomposio entre sujeito/objetodivisado no ensaio em geral parece ter sido, em grande medida, in-terpretado mais como um desvio em relao ao rigor cientfico doque propriamente como um contraponto possvel a ele. O que su-gere, entre outras coisas, o sentido hegemnico e duradouro assumidopelo positivismo entre ns. razovel, de todo modo, considerar queo ensaio parecia ameaar alguns dos seus princpios. Afinal, a adoodo padro cognitivo-narrativo cientfico positivista que regeu a institu-cionalizao das cincias sociais, e seus correspondentes princpios deiseno e neutralidade, parecia assegurar uma representao da relaoexterna do cientista com os fenmenos que investigava. Tambm nosensaios de interpretao do Brasil, o decifrar da realidade no est nasomatria de dados objetivos, mas muito mais na sua multiplicao comelementos da subjetividade dos seus autores (WEGNER, 2006, p. 339).

    Mais do que entre os pioneiros socilogos profissionais, porm, foiem um momento posterior, j nas dcadas de 1970 e 1980, que osensaios e suas interpretaes do Brasil acabaram por ser desqualifica-dos como meras ideologias. Procedimento especialmente marcantena anlise de determinadas tradies intelectuais, como o chamado

    pensamento conservador dos anos 1920-30 e o nacional-desen-

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    volvimentismo dos anos 1950-60, para lembrar dois casos emblem-ticos. Em vrios momentos da nossa histria intelectual o pensamento

    conservador, por exemplo, foi menosprezado levando, contudo, a quese negligenciasse a vigncia dessas formas de pensar no mbito dacultura poltica. Essa dimenso deveria interessar queles que estovoltados para o estudo dos efeitos sociais das ideias, porque ela decisiva para se compreender, entre outras coisas, como se constituino Brasil uma cultura poltica que menospreza a monumental desi-gualdade que marca a nossa sociedade. E, tambm, porque avessa democracia, no acredita na ao coletiva e favorece a que o homemcomum no leve a srio os seus iguais (FERREIRA; BOTELHO, 2010).

    Malgrado seu expressivo crescimento nas ltimas dcadas ou, talvezpor isso mesmo, persistem algumas vises simplificadoras, e mesmo in-gnuas sobre o pensamento social (BASTOS; BOTELHO, 2010). Comoaquelas que supem ser suficiente identificar a sua pesquisa como umtipo de conhecimento antiqurio sem maior significao para a socie-dade e para as cincias sociais contemporneas. E no so incomunsainda hoje vises segundo as quais as cincias sociais, quando conce-bidas em acepo positivista e orientadas para o mundo emprico epara o acmulo de conhecimento objetivo sobre ele, j deveriam ter

    solucionado as questes colocadas pelas interpretaes mais antigas.Por outro lado, e isso fundamental para manter a controvrsia viva,no faltam pesquisas, realizadas inclusive entre os prprios cientistassociais contemporneos, indicando a persistncia da importncia dasinterpretaes do Brasil no conjunto da produo das Cincias Sociaisbrasileiras (BRANDO, 2007, p. 24)1.

    Mas longe de constituir um trao idiossincrtico da sua prtica no Brasil,a controvrsia sobre a importncia do pensamento social, como aquelasobre a importncia dos clssicos, expressa uma caracterstica crucial das

    1 significativo, assim, que j no prprio mbito de sua institucionalizao noBrasil tenham surgido tantos trabalhos sobre a histria das Cincias Sociais, comoindica o fato de que 46 de 121 obras de sociologia publicadas, no Brasil, entre1945 e 1966 tratem da prpria disciplina (VILLAS BAS, 1992, p. 135). Issopara no falar dos balanos sobre a tradio intelectual brasileira anterior ins-titucionalizao, realizados, por exemplo, por Florestan Fernandes em Desen-volvimento histrico-social da sociologia no Brasil, originalmente publicado narevistaAnhembiem 1957 (FERNANDES, 1980) ou por Alberto Guerreiro Ramos

    em Cartilha brasileira do aprendiz de socilogo, de 1954 (RAMOS, 1995).

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    Cincias Sociais em geral que, como toda disciplina de natureza inte-lectual, traz em si uma histria construda (LEVINE, 1995; GIDDENS,

    1998; ALEXANDER, 1999). Assim, a reflexo contnua sobre as CinciasSociais remete a um aspecto crucial da prpria identidade cognitiva dasdisciplinas que a compem. Afinal, em contraste com o que ocorre nascincias naturais, a lgica das Cincias Sociais exige que, para que elaatinja seus fins, refaa o seu prprio caminho, se assemelhando, nesteaspecto, ao trabalho de Penlope (BRANDO, 2007, p. 24).

    Todavia, como no caso mais amplo das Cincias Sociais em relaoaos seus clssicos, o significado das interpretaes do Brasil, objeto porexcelncia da rea de pesquisa do pensamento social, para a busca

    contempornea de conhecimento continua em aberto. Isso expressa,igualmente, a ausncia de consensos cognitivos estveis no interior dasCincias Sociais praticadas no Brasil e, no limite, um campo de possibi-lidades e conflitos a respeito da sua prpria identidade. Minha hiptesequanto ao seu significado heurstico para as Cincias Sociais, que opensamento social pode representar uma espcie de repertrio inter-pretativo a que os pesquisadores podemos recorrer para buscar moti-vao e perspectiva nas diferentes reas que as compem. Isso porque,em meio ao labirinto da especializao acadmica contempornea, e

    do decorrente fracionamento do conhecimento, as interpretaes doBrasil no representam apenas uma modalidade de imaginao sociol-gica encerrada no passado. Elas tambm constituem um espao cogniti-vo de comunicao entre presente, passado e futuro que pode nos daruma viso mais integrada e consistente da dimenso de processo que onosso presente ainda oculta um fio de Ariadne, por assim dizer.

    esta hiptese que apresento para discusso, embora no me pare-am simples os desafios nela envolvidos. Para torn-la menos abstratarecorrerei a um dos exemplos mais emblemticos do pensamento socialbrasileiro, Oliveira Vianna e os possveis significados heursticos da suasociologia poltica, mobilizando, para isso, alguns resultados recentesde pesquisa (BOTELHO, 2007; 2008; 2010; BOTELHO; LAHUERTA,2010). Antes, contudo, alguns problemas mais gerais de ordem terico-metodolgica da sociologia do conhecimento devem ser enfrentados.Deter-me-ei em dois deles ligados especificamente pesquisa do pen-samento social. Em primeiro lugar, em um plano mais amplo, a questoda relao entre textos e contextos na pesquisa sociolgica contem-pornea; em segundo, as diferentes possibilidades de recuperao dostextos clssicos para as atividades cotidianas da disciplina atualmente.

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    1 TEXTOS OU CONTEXTOS: A CRISE DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO

    Comeo por observar que para que o significado heurstico dasinterpretaes do Brasil para as Cincias Sociais em suas diferentesespecialidades contemporneas possa ser avaliado preciso encontrar,antes de tudo, formas consistentes de aproximao entre questes dopresente e interpretaes do passado. O que, por sua vez, exige pesqui-sas que possam qualificar justamente o perfil propriamente cognitivodas interpretaes de que a sociedade brasileira vem sendo objeto aolongo do tempo. Assim, no ser toda perspectiva metodolgica em-pregada na reconstituio da histria das Cincias Sociais no Brasil que,

    por seus prprios objetivos, estar apta a levar a tarefa a cabo, emborasuas contribuies para o esclarecimento daquela histria sejam ine-gveis e no possam ser minimizados. Sem pretender ser exaustivo,observo que um passo crucial na direo da pesquisa do perfil propria-mente cognitivo da tradio intelectual brasileira foi dado pelo recentetrabalho de Gildo Maral Brando, Linhagens do pensamento polticobrasileiro (2007). Nele, Brando persegue o fio que nos tem ligado, naprtica das Cincias Sociais e nas suas formas correspondentes depensar o Brasil e nele atuar , ao nosso passado intelectual, para alm

    dos marcos institucionais. Trata-se de um programa de pesquisa con-sistente que, explorando a fundo as consequncias do fato de quenenhuma inovao intelectual se realiza em um vazio cognitivo, propenova inteligibilidade para o pensamento poltico-social brasileiro. Maisdo que mera testemunha do passado, este constituiria o ndice da exis-tncia de um corpo de problemas e solues intelectuais um esto-que terico e metodolgico. Autores de diferentes pocas so levadosa se referir a esse estoque, ainda que indiretamente e, guardadas asespecificidades cognitivas e polticas de cada um, no enfrentamento

    de velhas questes postas pelo desenvolvimento social. No se trata deminimizar o influxo cognitivo externo a que tambm as Cincias Sociaisbrasileiras esto sujeitas em sua prtica cotidiana; e sim de reconhecerque, ainda assim, o pensamento poltico-social brasileiro tem represen-tado um afiado instrumento de regulao de nosso mercado internodas ideias em suas trocas com o mercado mundial (BRANDO, 2007,p. 23-24).

    Todavia, uma questo metodolgica importante suscitada pelo livrode Brando saber se o pertencimento a uma famlia intelectual

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    constitui um ponto de partida estrutural da anlise, ou antes, um pro-blema mais contingente. Problema cujo sentido, sendo varivel em

    relao combinao com outros fatores internos e externos de com-posio das obras, somente a pesquisa comparativa poderia entoapontar caso a caso. Afinal, apesar de algumas linhagens terem se tor-nado mais cristalizadas, como em qualquer famlia, tambm no casoda tradio intelectual brasileira, como bem lembra o autor, por vezesos mais prximos so os mais distantes, e ningum pode impedir queum Montecchio se apaixone por uma Capuleto (p. 39). Nesse senti-do, penso que um dos aspectos mais produtivos derivados da propostaseria justamente o de, cruzando diferentes linhagens, surpreender afi-

    nidades eletivas e escolhas pragmticas onde elas no so evidentes,esperadas, intencionais seja em termos cognitivos ou normativos2.Pensando em termos tericos mais gerais, diria, com algum exagero,

    que a constituio do pensamento social como um repertrio ou espaode comunicao cognitivo implica, em certo sentido, completar o mo-vimento analtico caracterstico da sociologia do conhecimento. Esta,como se sabe, tem estado voltada, desde a sntese terica formulada por

    2 Foi justamente nessa direo que procurei reconstituir analiticamente a for-mao de uma agenda de pesquisas, de Populaes meridionais do BrasilatHomens livres na ordem escravocrata(1964), de Maria Sylvia de Carvalho Fran-co, passando por Coronelismo, enxada e voto(1949), de Victor Nunes Leal, ediferentes pesquisas de Maria Isaura Pereira de Queiroz desenvolvidas desde adcada de 1950, procurando destacar suas continuidades e descontinuidades(BOTELHO, 2007). No plano das continuidades, argumentei que estas pes-quisas mantm, em primeiro lugar, a tese central do ensaio de Vianna sobre aconfigurao histrica particular das relaes de dominao poltica no Brasilfundada no conflito entre as ordens privada e pblica e no diretamente assi-milvel ao conflito de classes enraizado no mundo da produo; bem como,em segundo lugar, sua tendncia terico-metodolgica a relacionar a aquisi-o, distribuio, organizao e exerccio de poder poltico estrutura socialcom o objetivo de identificar as bases e a dinmica da poltica na prpria vidasocial. Com relao, por sua vez, s descontinuidades cognitivas internas entreos diferentes trabalhos que compem a vertente da sociologia poltica brasileiradestacada, argumentei que so distintas, sobretudo, as concepes de socieda-de e, nelas, o relacionamento entre ao e estrutura social, que assume e queprocura conferir verossimilhana com os prprios resultados obtidos no estudo

    da constituio, organizao e reproduo das relaes de dominao poltica.

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    Mannheim (1976), para o esclarecimento da constituio social dasideias e das relaes mais ou menos condicionadas que mantm com

    os grupos sociais e as sociedades que as engendram (apesar de Man-nheim tambm levar em conta as geraes). Sua premissa paradigm-tica a de que

    existem modos de pensamento que no podem ser compreendidosadequadamente enquanto se mantiverem obscuras suas origens so-ciais. [...] A abordagem da Sociologia do Conhecimento no parte doindivduo isolado e de seu pensar a fim de, maneira do filsofo, pros-seguir ento diretamente at s alturas abstratas do pensamento em

    si. Ao contrrio, a Sociologia do Conhecimento busca compreendero pensamento no contexto concreto de uma situao histrico-social,de onde s muito gradativamente emerge o pensamento individual-mente diferenciado (MANNHEIM, 1976, p. 30-1).

    Certamente esse postulado da sociologia do conhecimento no per-maneceu inclume desde o seu surgimento como empreendimentoorganizado no incio do sculo XX; alm de ter sofrido progressivamente

    a concorrncia, de um lado, de perspectivas estruturalistas (Saussure)e ps-estruturalistas (Foucault) e, de outro, do chamado marxismoocidental (Adorno, Benjamin, Gramsci e outros), que convergia com anfase de Mannheim na questo dos condicionantes sociais da cultura,ainda que operasse uma realocao desta para a esfera da dominaoideolgica. Um dos principais estmulos para sua revitalizao veio dePierre Bourdieu que trouxe o conhecimento de volta para o mapa dasociologia em uma srie de estudos sobre prtica terica, capital culturale o poder de instituies como as universidades para definir o que conta e

    o que no conta como conhecimento legtimo (BURKE, 2003, p. 16).O caso da teoria sociolgica de Pierre Bourdieu (1974), que tem sido

    muito empregada, embora com sentidos distintos e resultados muitodiferentes, parece, com efeito, exemplar para discutir os limites da so-ciologia do conhecimento para a pesquisa da dimenso cognitiva dasinterpretaes do Brasil. Pois, por se concentrar no contexto em detri-mento do texto, essa perspectiva pouco favorece, em funo dos seusprprios objetivos, uma abordagem mais consistente da dimenso cog-

    nitiva das interpretaes do Brasil, no obstante possa trazer subsdios

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    19SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 10-35 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    decisivos para a discusso sobre a mediao social do conhecimento.Para Bourdieu, textos representam no mximo pretextos para a an-

    lise sociolgica da cultura, uma vez que a questo analtica valorizadapassa a ser a das posies ocupadas e das estruturas de legitimao mo-bilizadas pelos produtores na configurao de um dado campo. Nessesentido, questes como origens sociais e posies nas estruturas de po-der, sociabilidade e dinmica interna de classes ou grupos sociais, estra-tgias cotidianas de insero e de viabilizao das carreiras nos marcosinstitucionais dominantes ou, ao contrrio, por meio dos circuitos maisou menos informais e alternativos a eles, entre outras, ganham prepon-derncia nas anlises (BASTOS BOTELHO, 2010a).

    A importncia dos textos para a sociologia tambm tem sido, poroutro lado, afirmada. o caso da recente defesa de Jeffrey Alexanderde um programa forte para a sociologia, claramente influenciadopela sociologia da religio de mile Durkheim. EmAs formas elemen-tares da vida religiosa(1912), Durkheim procurou relacionar crenasreligiosas e cognitivas no interior de uma teoria geral das represen-taes coletivas, valorizando o simbolismo coletivo como princpioconstituinte da realidade social. Tirando consequncias desse postula-

    do em seu programa, Alexander argumenta que a sociologia no de-veria se ater apenas ao estudo de contextos, devendo compreendertambm o estudo de textos entendidos no apenas como textosformais ou escritos, mas tambm manuscritos no escritos, cdi-gos e narrativas (ALEXANDER, 2000, p. 32, traduo minha). Essareorientao constituiria a principal condio para que se pudesseidentificar a dimenso semntica das instituies e das aes sociais,ou a textualidade das instituies e a natureza discursiva da ao so-cial (p. 34). A premissa fundamental dessa sociologia cultural est

    na afirmao de que tanto a ao, independente do seu carter instru-mental, reflexivo ou coercitivo com relao ao seu contexto externo,se materializa em um horizonte emotivo e significativo quanto asinstituies, independentemente do seu carter impessoal e tecnocr-tico, possuem fundamentos ideais que conformam sua organizao,objetivos e legitimao (p. 38-39).

    Da perspectiva de Alexander, o programa forte para a sociologiaconsiste precisamente em afirmar que a cultura opera como uma

    varivel independente na conformao de aes e instituies (p. 39).

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    Assim, ao contrrio do que deve ocorrer na sociologia cultural,na sociologia da cultura a cultura uma varivel apenas branda

    submetida a diferentes variveis fortes e mais tangveis da estruturasocial. Nessa acepo, argumenta Alexander, o poder explicativo dacultura consiste apenas no melhor dos casos, em participar na repro-duo das relaes sociais (p. 39). Nessa sugesto radical de desaco-plamento entre cultura e estrutura social, ou por outra, de afirmaoda ideia de autonomia cultural, Alexander v a nica possibilidade dedefinir-se um programa forte para a sociologia da cultura capaz deidentificar e qualificar sociologicamente o poder da cultura na con-formao da vida social3. A esse respeito, penso que continua vlida

    3 Exemplo crucial da sua proposio analtica encontra-se em A preparaocultural para a guerra: cdigo, narrativa e ao social que fecha o volumeSociologia cultural. Formas de classificao nas sociedades complexas. Nele,

    Alexander aborda da perspectiva da sociologia cultural, isto , considerandoa cultura como varivel independente, problemas de simbolismo poltico (eno de motivos racionais) em naes democrticas, uma vez que as guerrasno se fariam sem a mobilizao dos sentimentos e crenas dos cidados.Substantivamente, analisa as dinmicas culturais internas presentes nos pre-

    parativos dos Estados Unidos para a Guerra do Golfo Prsico em 1991, descar-tando as ideias de manipulao exercidas pelos governos e de contestaodos movimentos contrrios guerra como suficientes para compreender osprocessos de legitimao da guerra (p. 256). Da que destaque literatura defico, filmes e informaes objetivas sobre a guerra como elementos mobi-lizados por diferentes grupos sociais de interesse na definio da estruturasemntica do conflito. O sentido cultural da guerra pode ser apreendido apartir da articulao de trs elementos fundamentais: cdigo, que separa dico-tomicamente mas no de modo contingente, e sim estrutural certas quali-dades simplificadas como bem e mal, puro e impuro, amigos e inimigose sagrado e profano (p. 256); narrativa, que permite que aqueles cdigosdicotmicos adquiram sentido em relao a uma experincia histrico-univer-sal, fazendo a guerra corresponder a um processo de imaginao coletiva (p.258); egnero, que confere a capacidade dessa narrativa histrico-universalsublimar os processos sociais aumentando a importncia simblica da guerraentre os cidados. Em suma, a complexidade da guerra s ganharia inteligi-bilidade sociolgica, recuando-se at a sua preparao cultural, a partir daqual tornar-se-ia possvel discriminar o carter semanticamente orientado dasaes e instituies desde a estrutura interna das formaes discursivas que

    lhe conferem sentido e legitimidade coletivas.

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    a advertncia de Max Weber (2004, p. 167), feita ao final de A ticaprotestante e o esprito do capitalismo, sobre a insensatez das tentati-

    vas de substituir uma concepo de primazia causal materialista poroutra idealista ou vice-versa na explicao das condutas humanasmantendo intacto, contudo, o verdadeiro problema de mtodo envol-vido que justamente o princpio de monocausalidade.

    A advertncia de Max Weber, alis, fundamental para o problemaespecfico que estamos tratando e se desdobra em duas consideraesprincipais. Em primeiro lugar, considero que a reorientao analticanecessria pesquisa da dimenso cognitiva do pensamento social bra-sileiro no possa se limitar ao estudo de contextos, devendo compre-ender tambm o estudo de textos. No se trata, preciso deixar claro,de supor a autonomia dos textos; porm, recusar essa tese no implicanecessariamente aceitar a oposta, do condicionamento da sociedadesobre as ideias como algo j dado de antemo no importando aquise os condicionantes so entendidos em termos econmicos, polticos,institucionais ou biogrficos. Por isso, tambm a viso disjuntiva entre asabordagens chamadas textualistas e contextualistas que se apresentam,em grande medida, como concorrentes no debate contemporneo do

    pensamento social brasileiro (PONTES, 1997), pode ser, em parte, pro-blematizada. Tomadas de modo disjuntivo, ambas as posturas podemacarretar ordenaes que, ao lado de inegveis mritos, no deixamtambm de apresentar certos limites simplistas. Assim, mesmo reconhe-cendo as diferenas entre aquelas perspectivas, possvel sugerir, nolugar da escolha exclusiva entre texto ou contexto, que se reconhea ese qualifique a tenso existente entre estes termos, na medida em queela constitutiva da prpria matria que cumpre anlise ordenar.

    Em segundo lugar, se no h consenso sobre a importncia dos cls-

    sicos nas Cincias Sociais em geral, o mesmo se pode dizer quantos vertentes sensveis orientao semntica da vida social, isto ,entre aquelas que reconhecem a importncia dos textos clssicos nasatividades cotidianas da disciplina. No que se refere s vertentes con-temporneas da sociologia voltadas para a pesquisa dos significadosdos textos clssicos da disciplina, pode-se demarcar o debate em duasposies contrastantes cujo ponto crucial de discordncia diz respeito questo da intencionalidade dos autores. Questo cuja polmica

    perene nas Cincias Sociais foi recolocada contemporaneamente, de

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    um lado, pelas provocaes crticas da chamada teoria da recepo(JAUSS, 1978) e, de outro, pelo chamado contextualismo lingusti-

    co de Quentin Skinner (TULLY, 1988; SKINNER, 1999). Assim, umavertente que se poderia denominar contextualista afirma, via con-textualismo lingustico, ser necessrio recuperar a intencionalidadedos autores clssicos a partir da reconstituio minuciosa do contextooriginal em que eles e seus textos estavam inscritos (GIDDENS, 1998).Outra que se poderia denominar analtica afirma, por sua vez, avalidade em retomar aqueles textos a partir das questes prprias donosso presente (ALEXANDER, 1999).

    Uma viso disjuntiva entre essas perspectivas analtica e contextua-lista, no entanto, no nem inevitvel, nem desejvel. Pois se suporque a inteno de um autor possa ser plenamente recupervel implicamesmo um tipo de confiana emprica de transparncia do mun-do social difcil de sustentar no contexto da sociologia ps-positivista(ALEXANDER, 1999, p. 77); de outro lado, no deixa de ser pertinen-te lembrar que a importncia de procurar entender as intenes deum autor em um contexto especfico est justamente no fato de issofornecer uma slida proteo contra as excentricidades do relativis-

    mo (GIDDENS, 1998, p. 18). Assim, penso ser justamente na tensoentre a intencionalidade do autor, isto , levando em conta o que ten-cionava fazer ao escrever no contexto das questes da sua poca, e ossignificados heursticos daquilo que realizou para a sociologia contem-pornea que se deve buscar um entendimento contemporneo dosclssicos. dessa perspectiva que retomo resultados de pesquisa maisampla sobre a recepo e o significado terico heurstico da sociologiapoltica de Oliveira Vianna (BOTELHO, 2007).

    2 A ATUALIDADE DE UMA INTERPRETAO DO BRASIL

    Na dcada de 1920, em contraste com o que viria a predominar naseguinte, a preocupao com a questo da formao da sociedadebrasileira partia da constatao da diversidade e das especificidades decada uma das suas regies e da impossibilidade de pensar a socieda-de em termos homogneos. No por outro motivo que o ensaio deestreia de Oliveira Vianna j traz em seu ttulo, como um dado, a he-

    terogeneidade brasileira. Populaes meridionais do Brasilera parte de

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    um projeto maior, e apenas parcialmente realizado, voltado justamentepara o esclarecimento das diferenas entre as instituies e a cultura

    poltica das populaes rurais do pas. O primeiro volume, de 1920, dedicado s populaes rurais do centro-sul paulistas, fluminenses emineiros que para o autor teriam sido as mais influentes na evoluopoltica nacional. A ele se seguiu o volume publicado apenas em 1952,um ano aps a morte do autor, dedicado ao extremo-sul do Brasil. Oterceiro volume, que no chegou a ser escrito, teria como objeto aspopulaes setentrionais do Brasil, o sertanejo e sua expanso pela hi-leia amaznica. Assim, Oliveira Vianna identifica ao menos trs histriasdistintas na formao brasileira, fazendo corresponder a cada uma delasdiferentes tipos de organizao social e poltica e de cultura poltica: a donorte, do centro-sul e do extremo-sul, que geram, respectivamente, trstipos sociais especficos, o sertanejo, o matuto e o gacho. Trs grupos quedemonstram, segundo o autor, diversidades considerveis na estruturantima dos brasileiros, por assim dizer (VIANNA, F. J. O., 1973, p. 15).

    Mais importante ainda, a diferenciao da sociedade em diversasregies inscreve-se no prprio plano metodolgico forjado nos seusensaios. Inspirado ao que tudo indica (CARVALHO, 1993, p. 160) pela

    leitura de Les Franais DAujourdHui(1898), de Edmond Demolins,Oliveira Vianna defende a ausncia de uma unidade fundamental sociedade brasileira, diretamente relacionada, em termos cognitivos, sua recusa de uma explicao unilateral da vida social. Assim, so osdiversos fatores de ordem racial, climtica, geogrfica e tambm socialpor ele mobilizados que concorreriam para a sua viso do Brasil comouma sociedade profundamente diferenciada entre regies e tipos so-ciopolticos. Em Evoluo do povo brasileiro, publicado originalmenteem 1923, por exemplo, explicita sua convico e afirma:

    qualquer grupo humano sempre consequncia da colaborao detodos eles [aqueles diferentes fatores]; nenhum h que no seja aresultante da ao de infinitos fatores, vindos, a um tempo, da Ter-ra, do Homem, da Sociedade e da Histria. Todas as teorias, quefaziam depender a evoluo das sociedades da ao de uma causanica, so hoje teorias abandonadas e peremptas: no h atualmentemonocausalistas em Cincias Sociais (VIANNA, F. J. O., 1956, p. 30,

    grifos do autor).

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    Em Populaes meridionais do Brasil, Oliveira Vianna evidenciou pro-blemas cruciais da vida poltica brasileira, decorrentes, segundo sua tese,

    do papel da estrutura fundiria na configurao da vida social forma-da desde a colonizao. Propriedades imensas, autossuficientes e aindapor cima centros de gravitao das decises polticas locais, ligando umamassa de homens livres pobres aos latifundirios, teriam dificultado odesenvolvimento do comrcio, da indstria, das cidades e de seus atoressociais caractersticos. Isso vlido, especialmente, para uma classe m-dia independente, base social crucial para o vigor associativo das socie-dades anglo-saxnicas tomadas como contraponto formao brasileira.

    No entanto, essa volta ao passado, no momento em que a moder-

    nizao/urbanizao comeava a se impor significava, sobretudo, bus-car perspectiva para pensar os dilemas do presente e as possibilidadesde futuro da sociedade. Que Brasil moderno seria possvel construir?

    A sociedade forjada no molde rural desapareceria?Para Oliveira Vianna, apesar das mudanas em curso em sua poca,

    algumas estruturas e atitudes sociais do nosso passado rural continua-vam desempenhando papis cruciais, em especial na vida poltica.Um exemplo seria a problemtica relao entre as esferas pblica e

    privada na sociedade brasileira. No apenas a fragilidade do pblicocontrastava com a pujana do privado, mas tais esferas tambm sebaralhavam, criando toda sorte de dilemas. Esse baralhamento tra-

    zia enormes dificuldades para a identificao e a associao, visandointeresses comuns, para alm dos crculos domsticos originalmenteligados aos latifndios. Tambm tornava as instituies pblicas ex-tremamente suscetveis a programas voltados para a promoo deinteresses particulares. Alm disso, distorcia a vida poltica em umatrama de relaes de fidelidades pessoais e contraprestao de favo-

    res envolvendo toda sorte de bens materiais, prestgio, controle decargos pblicos, votos etc. Em face dessa situao, para Vianna, seriaurgente reorganizar, fortalecer e centralizar o Estado, nico ator que,dotado dessas caractersticas, seria capaz de enfraquecer as oligarquiasagrrias e sua ao corruptora das liberdades pblicas e individuais e,desse modo, corrigir os defeitos da nossa formao nacional.

    Justamente essa dimenso normativa da interpretao de OliveiraVianna despertou maior interesse em seus analistas. Permanecemabertas, no entanto, as controvrsias quanto ao sentido de sua defesa

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    do princpio autoritrio de ordenamento poltico da vida coletiva autoritrio pelo privilgio que concede unidade e ordem em

    detrimento do conflito e da transformao da prpria estrutura social ,como a reforma agrria, por exemplo. Assim, discute-se se aqueladefesa substantiva (LAMOUNIER, 1977) ou apenas instrumental,ou seja, se o formato poltico proposto seria transitrio para a realiza-o de uma sociedade liberal fundada na noo de direitos universais(SANTOS, 1978). O mesmo debate foi reposto mais recentemente emrelao a sua viso iberista da modernidade como uma alternati-va ao liberalismo anglo-saxo: novamente a questo se esta seriainstrumental (VIANNA, L. W., 1993) ou no (CARVALHO, 1993).

    Contribuiu para essa polmica, sem dvida, a identificao pessoalde Oliveira Vianna ao Estado Novo (a ditadura instaurada por GetlioVargas entre 1937 e 1945), no qual atuou decisivamente, sobretudocomo consultor jurdico do Ministrio do Trabalho, Indstria e Comr-cio, tendo sido antes um dos responsveis pela elaborao do antepro-

    jeto para a Constituio de 1934 (considerada autoritria e centralista).Embora as relaes entre obra e trajetria de um autor no possam

    ser menosprezadas, preciso cuidado para no assimilar uma pela

    outra, como se existisse uma predeterminao ou continuidade linearentre elas. Tal cuidado aplica-se no caso de Oliveira Vianna, a come-ar pelo fato de que suas ideias no permaneceram as mesmas, nemforam sempre vencedoras nos embates intelectuais e institucionaisque travou. Mesmo sua convico autoritria da ao transformadorado Estado, presente no primeiro volume de Populaes meridionais doBrasil (1920), seu ensaio de estreia, foi contingente, tensa e descont-nua ao longo do desenvolvimento da sua obra e da sua trajetria.

    Por exemplo, a afirmao feita em Instituies polticas brasileiras

    (1949) de que os complexos culturais tenderiam estabilidade re-vela no apenas uma maturao de ideias, mas uma nova perceposobre os prprios limites da ao do Estado. Pois, ao mobilizar a cul-tura para enfatizar a inutilidade de reformas polticas e jurdicas feitasem desacordo com os valores assentados na sociedade pela tradio(o que chama de direito costumeiro), Oliveira Vianna problematizasua prpria posio inicial sobre a capacidade de o Estado recriar avelha sociedade corrompida por prticas privatistas. Essa questo aprofundada no livro pstumo Introduo histria social da econo-

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    mia capitalista no Brasil(1958), no qual prope justamente uma vol-ta aos valores patriarcais e pr-capitalistas presentes nas origens

    da formao social brasileira como possibilidade de reordenao noconflituosa da vida social.Quando passamos, porm, dos aspectos mais salientes e mais data-

    dos da obra e da trajetria de Oliveira Vianna e da recepo de suasideias, entrando nos aspectos tericos mais gerais, possvel identifi-car um conjunto de proposies que confere a sua sociologia polticaum interesse mais amplo que o sentido normativo ao qual geralmen-te associada. Tomo para tanto uma questo central da sociologiapoltica de Oliveira Vianna, questo que expressa de modo emble-mtico como uma interpretao fortemente interessada da realidadesocial pode produzir conhecimento sociolgico relevante. Como sesabe, era lugar-comum da crtica conservadora da Primeira Repblica(1889-1930), e no s dela, conferir s instituies republicanas umalegalidade sem correspondncia na sociedade como se existissem,desencontrados, um pas legal (o da Constituio liberal de 1891) eoutro real (o do dia a dia da sociedade). Esse lugar comum con-firmado por evidncias cotidianas de que os direitos, como princpios

    normativos universais associados tradio liberal, no se efetivavamnaquele contexto corrompido por toda sorte de prticas oligrquicas.Como a maioria dos seus contemporneos, embora com diferenas

    entre eles, Oliveira Vianna descartou qualquer encaminhamento tipi-camente liberal para a efetivao dos direitos e da cidadania. Formu-lou, antes, outra concepo de cidadania, que suprimia a noo de in-divduo como portador de direitos e subordinava-o, como membro deum grupo profissional, de modo vertical e tutelar ao Estado. E se a con-

    trovrsia quanto ao sentido do seu autoritarismo permanece aberta,como j assinalado, no se pode negligenciar que, naquele momento,o liberalismo conferia fora s presses pela democratizao polticae social. Em todo caso, a diferena de Oliveira Vianna em relaoaos seus contemporneos que importa assinalar aqui que ele soubetraduzir a crtica comum Primeira Repblica liberal-oligrquica emtermos terico-metodolgicos relativamente consistentes; alm de t-la formalizado na tese segundo a qual os fundamentos e a dinmicadas instituies polticas se encontrariam nas relaes sociais.

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    Exemplar a discusso de Populaes meridionais sobre a parciali-dade da Justia como um efeito contrrio ao pretendido pela adoo

    de instituies liberais no caso, as eleies para juzes em umasociedade oligrquica como a brasileira. Tal parcialidade ocorreria, deum lado, porque os caudilhos rurais, que dominavam as cmarasmunicipais e o aparelho eleitoral, s escolheriam para os juizados ho-mens da sua confiana, de outro, porque a necessidade do sufrgiolocal foraria o prprio juiz a se fazer criatura da faco que o elege.

    Assim, o juiz tornar-se-ia instrumento da impunidade ou da vingan-a conforme tivesse diante de si um amigo ou um adversrio estamos aqui diante da familiar mxima aos amigos tudo, aos inimigosa lei. Nesse, como em outros exemplos que poderiam ser tomadosquase ao acaso em sua obra, Oliveira Vianna expressa sua preocupa-o quanto aos impasses sociais produzidos pela desarticulao entreas instituies liberais transplantadas e a realidade singular brasileira.Mas o que o exemplo sugere, em termos tericos, tambm que asinstituies no so virtuosas em si mesmas, no so exatamente locaisde ao autnoma em relao aos valores e s prticas vigentes nasociedade como um todo. E por isso mesmo, no podem ser tomadas

    como variveis independentes de outras foras sociais. Ao contrrio,as instituies polticas seriam inevitavelmente foradas a interagircom estruturas, relaes e recursos scio-histricos e de poder legale extralegal mais amplos. Dessa interao resultaria a dinmica pos-svel que as instituies polticas assumiriam na sociedade.

    Essa proposio terico-metodolgica foi crucial na definio deuma agenda de pesquisas da sociologia poltica brasileira posterior(BOTELHO, 2007). Abrangendo continuidades e descontinuidades,

    integram essa agenda Coronelismo, enxada e voto(1949), do jurista ecientista poltico Victor Nunes Leal (1914-1985), diferentes pesquisassobre poltica, messianismo e cultura rural da sociloga Maria IsauraPereira de Queiroz e ainda Homens livres na ordem escravocrata(1964), da sociloga Maria Sylvia de Carvalho Franco, por exemplo.Muito resumidamente pode-se dizer que tais trabalhos levaram sltimas consequncias a tese dos fundamentos sociais das institui-es polticas de Oliveira Vianna, tomando para si justamente a tarefade investigar, com os recursos prprios da sociologia, os processos de

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    aquisio, distribuio, organizao e exerccio de poder poltico esuas complexas relaes com a estrutura social brasileira.

    Por isso eles voltaram ao passado da sociedade brasileira para tratar defenmenos j assinalados por Oliveira Vianna, como mandonismo,coronelismo, relaes de favor, parentela, voto de cabresto eexerccio personalizado do poder. As relaes de dominao pol-tica no se sustentam sem uma base social de legitimao, e por essarazo esses fenmenos foram vistos tal como por Oliveira Vianna integrando um sistema de reciprocidades assimtricas que envol-veria relaes diretas, pessoalizadas e violentas engendradas entre osdiferentes grupos sociais. Estas seriam as bases sociais da vida poltica

    brasileira. Como as inovaes institucionais no se realizariam em umvazio de relaes sociais, essas bases no poderiam ser menospreza-das, mesmo consumada a passagem da sociedade rural urbana.

    Ao problematizar a interao entre instituies polticas e vida so-cial, de um lado, e a capacidade de ao de indivduos e grupos e ocondicionamento dessas aes pelas estruturas sociais, de outro, tam-bm essa vertente da sociologia poltica apresenta ganhos cognitivosimportantes para a compreenso de certos desafios ainda abertos

    cidadania democrtica no Brasil como, por exemplo, o do associati-vismo, condio da democracia quando a consideramos tambm doponto de vista societrio (e no exclusivamente institucional). Fenmenosocial que, apesar do seu crescimento em nossa histria recente, con-tinua no apenas frgil como ainda muito marcado por princpios deidentidade e de conduta pouco universalistas, o que acaba por forta-lecer uma atitude ctica em relao s prprias instituies polticas.

    Esse reconhecimento mais importante quando observamos que areflexo feita no Brasil nos ltimos vinte anos levou, significativamen-

    te, a que se privilegiasse o funcionamento das instituies e seu papelna vida social de modo quase independente, como se os processospolticos existissem exclusivamente no mbito sistmico e no man-tivessem nenhuma espcie de vnculo com o mundo da vida. Essaabordagem que, em larga medida, tem um dbito com a economianeoclssica (Habermas chega a falar em colonizao das cinciassociais pela economia para explicar essa operao intelectual), tempor fundamento as escolhas e preferncias de eleitores e polticos,

    concebidos essencialmente como calculadores, maximizadores, utili-

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    taristas, em suma, rational choice. Esse ngulo de anlise, ainda quetenha contribudo para a elaborao de pesquisas preocupadas com a

    demonstrao emprica e com a descrio dos fenmenos analisados,teve tambm o inconveniente de abdicar excessivamente de outrasdimenses do fenmeno poltico que vo alm do homus economicuse da lgica estritamente institucional (BOTELHO; LAHUERTA, 2005).

    Afinal, ser mesmo que, apesar das mudanas sociais e institucio-nais dos ltimos tempos, aquilo que Oliveira Vianna identificou obaralhamento entre pblico e privado e suas consequncias no modocomo lidamos cotidianamente com as instituies e a vida poltica simplesmente desapareceu? Creio que no faltaro elementos no ho-

    rizonte pessoal do prprio leitor para que possa responder pergunta.

    CONSIDERAES FINAIS: INTRPRETES DOBRASIL, NOSSOS ANTEPASSADOS?

    No prefcio que escreveu para seu livro Os nossos antepassados,talo Calvino confessa seu desejo pessoal de liberdade ao escrever aolongo da dcada de 1950 as trs histrias inverossmeis reunidas no

    livro, com relao classificao de neorrealista a que seus escritosanteriores o haviam levado. Mas com sua trilogia procurou, sobretudo,sugerir trs nveis diferentes de aproximao da liberdade na experin-cia humana que pudessem ser vistas como uma rvore genealgicados antepassados do homem contemporneo, em que cada rosto ocul-ta algum trao das pessoas que esto a nossa volta, de vocs, de mimmesmo (CALVINO, 1999, p. 20)4. Mais do que o carter imaginrioda genealogia (certamente importante, mas no surpreendente, jque toda pretenso genealgica traz sempre boa dose de bovarismo),

    a confisso de Calvino esclarece, quando se leva em conta o contextodesses seus escritos Estvamos no auge da guerra fria, havia umatenso no ar, um dilaceramento surdo, que no se manifestavam emimagens visveis mas dominavam os nossos nimos (CALVINO, 1990,p. 9) o quanto, sobretudo em momentos particularmente dramticosem termos sociais, a busca de uma perspectiva que permita ligar a ex-

    4 A trilogia composta por O visconde partido ao meio, O baro nas rvores

    e O cavaleiro inexistente.

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    perincia presente ao passado pode representar um impulso para sairdele (do presente) e, ento, divisar melhor as possibilidades de futuro.

    Essa estranha reflexo de Calvino sobre a utopia, na qual a recons-truo do passado tem papel crucial na construo do futuro, boapara pensar o tipo de trabalho intelectual envolvido na rea de pes-quisa do pensamento social brasileiro. Isso no apenas porque os en-saios de interpretao do Brasil que formam a matria-prima da reainovaram nessa mesma direo ao ensinarem a pensar a dimenso deprocesso social inscrita no presente vivido, como Antonio Candido(2006, p. 235) se refere ao legado da gerao de ensastas da dcadade 1930 para a sua prpria gerao. Mas, sobretudo, porque, as inter-

    pretaes do Brasil so elementos importantes para a compreenso daarticulao das foras sociais que operam no desenho da sociedadee que contribuem para mov-la em determinadas direes. Ou seja,no se pode negligenciar a vigncia dessas formas de pensar o Brasilna esfera da cultura poltica, como foi comum ao nosso ambienteacadmico entre as dcadas de 1970 e 1990, porque muitas delas de-ram vida a projetos, foram assumidas por determinados grupos sociaise se institucionalizaram, informando ainda hoje valores, condutas e

    prticas sociais.Como espero ter sugerido com a discusso sobre Oliveira Vianna, aaproximao das interpretaes do passado s questes e perguntasdo presente suscitada porque os desafios atuais de qualquer socie-dade tambm esto associados sequncia do seu desenvolvimentohistrico.

    Assim, como ocorre em relao aos antepassados inverossmeis deCalvino, so as relaes sociais e polticas em curso na sociedade bra-sileira que nos interpelam constantemente a voltar s interpretaes

    de que foi objeto no passado, e no o contrrio. Porque, afinal, po-demos identificar nas interpretaes do Brasil proposies cognitivase ideolgicas que ainda nos dizem respeito, j que o processo socialpor elas narrado de modo realista ou no, mas em face das questese com os recursos intelectuais que o seu tempo tornou disponveis permanece, ele mesmo, em vrios sentidos em aberto. Se do ponto devista substantivo, esse processo encontra inteligibilidade sociolgica namodernizao conservadora em que, feitas as contas dos ltimos anos,

    prosseguimos, e a partir da qual a mudana social tem se efetivado

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    a despeito de deixar praticamente intactos ou redefinidos noutrospatamares problemas seculares; tambm do ponto de vista terico-

    metodolgico, embora sejam inegveis os ganhos epistemolgicos dasCincias Sociais institucionalizadas como disciplina acadmica, noexistem razes suficientes para superestim-los como se tivessem per-mitido resolver de modo permanente os problemas que os ensastasou os cientistas sociais das geraes anteriores levantaram.

    Considero, assim, que a conexo entre pensamento social e teoriasociolgica, aproximando questes do presente a interpretaes do pas-sado, permite fazer uma crtica consistente abstrao da constituiodiacrnica e dinmica da sociedade e, desse modo, questionar a ten-

    dncia de parte importante da sociologia contempornea a se refugiarno presente. essa, alis, uma das conquistas heursticas da sociolo-gia historicamente orientada em geral, ao permitir, na investigao dasinterrelaes de aes significativas e contextos estruturais, a compreen-so das consequncias inesperadas e tambm das pretendidas nas vidasindividuais e nas transformaes sociais (SKOCPOL, 1984).

    A abordagem analtica proposta justifica-se, ento, fundamental-mente, tendo em vista o prprio perfil cognitivo das Cincias Sociais,

    em geral, e da sociologia, em particular. Em primeiro lugar, sendo osentido da construo do conhecimento sociolgico cumulativo, ain-da que cronicamente no consensual (GIDDENS, 1998; ALEXANDER,1999), o reexame constante de suas realizaes passadas inclusivepela exegese de textos assume papel muito mais do que tangencial naprtica corrente da disciplina. Em segundo, porque, se verdade queh impasses reais no presente, tambm verdade que as controvrsiassobre o seu objeto e mtodo so mais ou menos permanentes emfuno da prpria singularidade da sociologia que sempre se pensa,

    ao mesmo tempo em que se realiza, desenvolve, enfrenta impasses,reorienta (IANNI, 1990, p. 92). Assim, confrontada s snteses so-ciolgicas do passado, a realizao de pesquisas concretas sobre asdiferentes dimenses da vida social no presente imediato talvez possanos dar uma viso mais integrada e consistente da dimenso de pro-cesso social que o nosso presente ainda oculta um fio de Ariadne,por assim dizer.

    Essa tarefa se torna mais necessria na medida em que percebe-

    mos que as interpretaes do Brasil operam no apenas em termos

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    cognitivos, mas tambm normativos. Elas so foras sociais que diretaou indiretamente contribuem para delimitar posies, conferindo-lhes

    inteligibilidade, em diferentes disputas de poder travadas na socieda-de. Os ensaios, como outras formas de conhecimento social, no someras descries externas da sociedade. Eles tambm operam reflexi-vamente, desde dentro, como um tipo de metalinguagem da prpriasociedade brasileira, como uma semntica histrica que participa daconfigurao de processos sociais mais amplos, como o da construodo Estado-nao (BOTELHO, 2005). Com efeito, resultados recentesdesurveyssobre cultura poltica, por exemplo, indicam que categoriascentrais daquelas interpretaes continuam informando a opinio dos

    brasileiros e parecem em parte dar coeso ao prprio senso comum(ALMEIDA, 2007, por exemplo).

    O legado intelectual e poltico que Oliveira Vianna, Gilberto Freyre,Srgio Buarque, Caio Prado e outros intrpretes nos deixaram aindanos diz respeito, quer seja para aceit-lo ou rejeit-lo, e tenhamos nsconscincia disso ou no. E quando lembramos que um trao marcan-te da dinmica social brasileira tem sido a impresso (quase sempreinteressada) de que a nossa vida intelectual est sempre recomeando

    do zero a cada nova gerao (SCHWARZ, 1987, p. 30), maior a im-portncia desse tipo de pesquisa. Enfim, porque as interpretaes doBrasil no so apenas descries externas, mas tambm operam comoum tipo de metalinguagem reflexiva da sociedade, elas representam,em meio ao labirinto da especializao acadmica contempornea,um espao social de comunicao entre presente, passado e futuroque, adaptando Calvino, poder nos dar uma viso mais integrada econsistente do processo histrico que o nosso presente ainda oculta e que est a nossa volta, de vocs, de mim mesmo.

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    36 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 36-77 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    COTAS AUMENTAM ADIVERSIDADE DOSESTUDANTES SEMCOMPROMETER ODESEMPENHO?1

    Fbio D. WaltenbergMrcia de Carvalho

    1 Os autores agradecem a um parecerista annimo e editoria da revistapelas sugestes, comentrios e crticas. Tambm foram importantes os comen-trios recebidos na apresentao deste estudo no XVII Encontro da Sociedadede Economia Poltica, bem como, previamente, em seminrios internos doNcleo de Estudos em Educao (NEE) do Centro de Estudo sobre Desigual-

    dade e Desenvolvimento (Cede).

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    37SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 36-77 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    Polticas de ao afirmativa (cotas ou bnus; raciais ou sociais) tm sidoimplementadas no Brasil nos ltimos dez anos com o objetivo de reduzir adesigualdade de oportunidades, por meio do aumento da probabilidade deacesso de grupos desfavorecidos ao ensino superior. Neste estudo, a partir dosdados mais recentes do Enade disponveis, traa-se um perfil dos concluintesdos cursos avaliados em 2008, comparando-se alunos beneficiados por aesafirmativas com os demais alunos, inclusive no que se refere ao desempenhona prova de conhecimentos especficos. Nossos resultados sugerem que as di-

    versas polticas de aes afirmativas foram bem-sucedidas no objetivo de pro-porcionar maior diversidade entendida como maior representao de gruposdesfavorecidos nas universidades. Nas Instituies de Ensino Superior (IES)

    privadas, no se registram fortes hiatos de desempenho entre alunos benefici-rios das aes afirmativas e no beneficirios, a no ser em cursos com alto

    prestgio social. Nas IES pblicas o desempenho dos beneficirios inferior aodos demais alunos, para todos os tipos de cursos. Interpreta-se esse hiato comoum preo pago pela sociedade em prol da diversidade e da equalizao dasoportunidades.Palavras-chave: aes afirmativas; ensino superior; desempenho; igualdade de

    oportunidades

    Different kinds of affirmative action policies have been implemented in Brazilalong the last decade, aiming at reducing the inequality of opportunities, throughan increase in the probability of access to higher education of disfavored

    groups. In this study, employing the most recent available Enade datasets, weportray the profile of the higher education graduates evaluated in 2008, com-paring beneficiaries of affirmative action policies and non-beneficiaries in termsof their performance in a (course-specific) standardized test administered toall graduates. Our results suggest that the diversified affirmative action policieshave achieved the goal of increasing socioeconomic diversity in Brazils campu-

    ses. In private institutions of higher education the performance of beneficiariesand non-beneficiaries is similar, except for high status courses, where beneficia-ries achieve a lower performance. In the public institutions, however, whateverthe social status of the course, the performance of beneficiaries is systematicallylower than that of non-beneficiaries. We interpret this finding as the price socie-ty pays in order to increase diversity and equalize opportunities.Keywords: affirmative action policies; higher education; performance; equality

    of opportunities

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    38 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 36-77 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    INTRODUO

    A educao afeta diversas dimenses da vida social e econmicade um pas. Quanto mais se investe em educao, alm dos efeitosdiretos positivos na economia do pas, maior o retorno sociedadeem termos de bem-estar, reduo das taxas de fecundidade e morta-lidade, e possivelmente reduo dos ndices de violncia. A educaosuperior, em particular, tem impacto no mercado de trabalho e nacapacidade de absoro de inovao tecnolgica e produtividade.

    Em termos de benefcios privadamente apropriados pelos indivduos,no Brasil, a concluso de um curso de graduao acompanhada por

    uma menor taxa de desemprego e por um retorno financeiro 2,6 ve-zes maior, em mdia, comparado com os que pararam os estudos noensino mdio (CARVALHO, 2011). Apesar deste prmio educaosuperior, que no Brasil ainda alto comparado com o observado empases desenvolvidos, dados da Pnad de 2009 indicam que apenas11% da populao adulta brasileira tinham curso de graduao e quehavia um estoque de 29 milhes de pessoas de 16 a 40 anos com en-sino mdio completo que poderiam estar cursando o ensino superior.

    Ainda mais preocupante do que a (baixa) proporo de diplomadosna populao seria constatar pouca diversidade socioeconmica entreos estudantes. E de fato, embora entre 2006 e 2008 85% dos con-cluintes do ensino mdio fossem oriundos do sistema pblico de ensi-no, dos indivduos que ingressaram nos cursos de graduao no Brasilnesse perodo, apenas 57% provinham do ensino mdio pblico. Namesma linha, em 2009, enquanto 45% das pessoas com ensino m-dio completo provinham de famlias relativamente pobres (com rendafamiliar de at 3 salrios mnimos), entre os ingressantes do ensino

    superior essa proporo caa para 39%. Considerando apenas as pes-soas com ensino mdio completo, 50,3% se declararam no brancasenquanto entre os ingressantes dos cursos de graduao a incidnciadesse grupo era de 36,4%.

    De acordo com a teoria de igualdade de oportunidades do econo-mista John Roemer (1998), muito em voga atualmente (FLEURBAEY,2008; FERREIRA; GIGNOUX, 2011), quando existe sub-representa-o por parte de um grupo socioeconmico, definido pela sociedade

    como relevante e legtimo, no acesso a um servio ou vantagem

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    como ocorre com o acesso de certos grupos ao ensino superior noBrasil estamos diante de um problema de desigualdade de oportuni-

    dades, uma vez que, em tal caso, a dificuldade de obter acesso ao ser-vio ou vantagem deve ter sido causada sobretudo por circunstnciasdesfavorveis.

    No caso do ensino superior, uma tentativa de mitigar o problemade acesso limitado de certos grupos consiste na aplicao de polticasde ao afirmativa. As aes afirmativas podem ser compreendidascomo programas que buscam prover oportunidades ou outros bene-fcios para pessoas pertencentes a grupos especficos, alvo de discri-minao ou com pouco acesso a recursos (IPEA, 2008) e tm sidoaplicadas em vrios pases e em diferentes etapas da educao, bemcomo no mercado de trabalho. No Brasil, as aes afirmativas tm seconcentrado no acesso aos cursos de graduao, por meio de diferen-tes instrumentos: cotas e bnus, ditos raciais ou sociais. As cotasraciais utilizam como critrio a cor da pele do aluno, de acordo comautodeclarao. Os critrios sociais baseiam-se numa baixa rendafamiliar ou no fato de o aluno ser oriundo do ensino mdio pblico(escolas municipais, estaduais ou federais ou de cursos supletivos pre-

    senciais de educao de jovens e adultos). H casos em que ambos oscritrios so considerados simultaneamente, quando vagas so reser-vadas, por exemplo, a alunos negros pobres.

    Em sociedades democrticas, polticas de ao afirmativa so (esempre sero) controvertidas, principalmente porque: a) envolvem re-distribuio de um bem escasso como so as vagas nas universidadesde melhor qualidade no Brasil , gerando ganhadores e perdedores;b) representam uma mudana das regras vigentes e, portanto, um de-safio aostatusquoprevalecente anteriormente, suscitando reao dos

    grupos que, sem tais polticas, tinham ou teriam acesso vantagem emquesto e veem-se agora ameaados; c) proporcionam oportunidadesa grupos desfavorecidos, usualmente com menos voz no debate p-blico do que grupos favorecidos. No por acaso, portanto, que h (esempre haver) disputa poltica em torno dos critrios definidores dospotenciais beneficirios das aes afirmativas, bem como em torno desua prpria legitimidade.

    Em razo dessa disputa poltica, variadas crticas so levantadas con-

    tra as aes afirmativas. Duas das mais comuns so: a) polticas de

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    40 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.7 n 20 | p. 36-77 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2012

    ao afirmativa beneficiariam somente os membros mais favorecidosdos grupos desfavorecidos, sendo, portanto, injustas2; b) por garantirem

    vagas a alunos que, em sua ausncia, no entrariam na universidade,tais polticas teriam como consequncia uma queda na qualidade dosingressantes e, provavelmente, dos concluintes.

    As polticas de ao afirmativa tm sido implementadas no Brasildesde 2001 j h mais de uma dcada, portanto iniciando-se comaes pioneiras nos estados do Rio de Janeiro e Bahia e no DistritoFederal. O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade)avalia o rendimento dos alunos ingressantes e concluintes dos cursosde graduao, em relao aos contedos programticos dos cursos emque esto matriculados, desde 2004. Contudo, perguntas sobre aesafirmativas apareceram no questionrio socioeconmico do Enade so-mente a partir de 2008 justamente os dados mais recentes disponi-bilizados pelo Inep.

    De posse desses dados, possvel traar um perfil socioeconmicodos concluintes dos cursos avaliados em 2008, comparando-se alunosbeneficiados por aes afirmativas com demais alunos, inclusive noque se refere a seu desempenho na prova de conhecimentos especfi-

    cos. Assim, buscamos contribuir com o debate sobre as aes afirmati-vas, trazendo elementos relacionados s duas crticas j mencionadas.Somos capazes de investigar, de um lado, o quo desfavorecidos so osbeneficirios das aes afirmativas, e, de outro lado, se o seu desempe-nho no Enade significativamente inferior ao dos demais concluintes.

    2 Com relao questo normativa que permeia a primeira crtica, ressalte-seque, segundo a definio de igualdade de oportunidades de Roemer, no hnenhuma injustia no fato de os beneficiados de uma poltica serem os maisfavorecidos dentro do seu grupo (ou tipo no jargo roemeriano). Contantoque tenham sido corretamente definidos os tipos (isto , devidamente con-sideradas as circunstncias limitantes do acesso vantagem em questo), osmais favorecidos dentro de cada tipo seriam justamente aqueles que, dadas assuas circunstncias, teriam se dedicado mais, feito mais esforos. Uma crticamais pertinente consistiria em se afirmar que critrios unidimensionais combase exclusivamente na cor da pele, por exemplo inescapavelmente cons-tituem definies incompletas de tipos. Para mais detalhes, veja-se Roemer(1998), ou Waltenberg (2007) para uma interpretao da teoria daquele autor

    aplicada ao caso das universidades brasileiras.

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    Entendendo-se como diversidade uma maior representao degrupos desfavorecidos, nossa anlise dos dados sugere que as diversas

    polticas de aes afirmativas foram de fato bem-sucedidas no objeti-vo de proporcionar maior diversidade nas universidades. Nas Institui-es de Ensino Superior (IES) privadas, no se registram fortes hiatosde desempenho entre alunos beneficirios das aes afirmativas e nobeneficirios, a no ser em cursos com alto prestgio social. Nas IESpblicas, contudo, o desempenho dos beneficirios inferior ao dosdemais alunos, para todos os tipos de cursos. Interpretamos esse hiatocomo um preo pago pela sociedade em prol da diversidade e daequalizao das oportunidades.

    Este trabalho est dividido em cinco sees, alm desta introduo.A seo 1 contm um breve histrico das aes afirmativas. A seo2 metodolgica e descreve a base de dados do Enade de 2008 eas variveis utilizadas no trabalho. A seo 3 traa o perfil dos alunosque ingressaram por aes afirmativas nas instituies pblicas e queconseguiram concluir o curso de graduao, bem como o dos demaisconcluintes. Na seo 4, apresentam-se resultados de uma tentativade se mensurar o efeito da forma de ingresso do aluno (por ao afir-

    mativa ou no) na nota do aluno no teste de conhecimentos especfi-cos aplicado no ano da concluso da graduao. A seo final traz asconcluses do trabalho.

    1 BREVE HISTRICO DAS POLTICASDE AO AFIRMATIVA NO BRASIL

    Aes afirmativas so um conjunto de polticas pblicas e privadascujo objetivo implantar certa diversidade e maior representatividade

    de grupos minoritrios nos diversos domnios de atividade pblica eprivada, alm de combater a discriminao (GOMES, 2001). Aesafirmativas surgiram em carter compulsrio, facultativo ou voluntriopara combater a discriminao racial, de gnero, de origem nacional epor deficincia fsica, visando a atingir o ideal de igualdade de acessoa bens fundamentais como a educao e o emprego.

    Os programas de aes afirmativas surgiram nos EUA aps a Se-gunda Guerra Mundial na contratao de empregados negros pelas

    empreiteiras, mas ganharam fora na dcada de 1960 com o movi-

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    mento dos direitos civis. Aos poucos as polticas foram estendidas smulheres, aos indgenas e aos deficientes fsicos e sua aplicao che-

    gou tambm a instituies de ensino. A Universidade da Califrniafoi pioneira no estabelecimento de programas em prol de minorias.Segundo Oliven (2007), em julho de 1995 o programa de ao afir-mativa com base na cor da pele foi suspenso, tendo como resultadouma reduo do percentual de alunos negros rumo aos nveis dos anos1960. Esse percentual voltou a aumentar nos campi e cursos menosseletivos a partir de 2001 com a admisso automtica dos melhoresalunos das escolas pblicas. Atualmente, vrias universidades pblicasem estados como Califrnia, Washington e Flrida, que proibiram aao afirmativa com base na cor da pele, usam a situao econmicacomo fator de deciso nas admisses.

    A implementao de polticas de ao afirmativa no mbito da edu-cao superior no Brasil se iniciou em 2000 no estado do Rio de Janeiro,com a Lei Estadual n 3.524 que reservava 50% das vagas da Univer-sidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da Univeridade Estadualdo Norte Fluminense (UENF) para alunos oriundos da rede pblicaestadual de ensino. Em 2001 foi promulgada a Lei Estadual n 3.708

    que reservava 40% das vagas da Uerj e UENF para negros e pardos.Com essas duas leis, 90% das vagas das universidades estaduais do Riode Janeiro estariam reservadas, o que gerou muita polmica e discus-so, segundo Matta (2010). Em 2003 as duas leis foram revogadas edeterminou-se que 45% das vagas deveriam ser reservadas: 20% paranegros, 20% para concluintes do ensino mdio pblico e 5% para de-ficientes fsicos e minorias tnicas.

    Alm das reservas de vagas (cotas), as aes afirmativas no ingressoao ensino superior tm utilizado o instrumento de bonificao. Nesse

    sistema, os alunos recebem uma quantidade de pontos que so soma-dos ao resultado de seu exame de seleo. A seguir, comentamos asexperincias pioneiras tanto de cotas como de bonificaes.

    1.1 A EXPERINCIA DAS COTAS NA UERJ,UENF, UNB, UFPR E UFBA

    As universidades pioneiras na adoo de polticas de ao afirma-

    tiva no ingresso de seus cursos foram, ento, a Uerj e a UENF por

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    meio de cotas em 2001. Estima-se que atualmente a Uerj tenhanove mil alunos cotistas e at agora no h estudo publicado sobre

    seu desempenho; entretanto, Matta (2010) fez um estudo do perfilsocioeconmico dos cotistas da UENF, aplicando um questionrioa uma amostra de 40% dos ingressantes de 2003 distribudos entrecotistas negros ou pardos, cotistas de rede pblica e no cotistas. Osresultados indicam perfis socioeconmicos semelhantes de cotistase no cotistas.

    Em 2004 a Universidade de Braslia (UNB) implementou o sistemade cotas, reservando 20% das vagas de cada curso para alunos que seautodeclararam negros e pardos. Com esse sistema, o percentual denegros e pardos na universidade subiu de 2,0% em 2004 para 12,5%em 2006. Diferentemente do observado por Matta (2010), o perfilsocioeconmico dos cotistas revelou-se muito diverso do de no cotis-tas: enquanto 15% dos cotistas negros tinham pais analfabetos ou comensino fundamental incompleto, entre os no cotistas esse percentualera de apenas 6% (IPEA, 2008). Com relao ao desempenho, noforam observadas diferenas significativas entre cotistas e no cotis-tas: 89% dos alunos cotistas negros foram aprovados nas disciplinas

    cursadas enquanto 93% dos no cotistas foram aprovados; na mdiageral do curso, que varia at 5, os cotistas ficaram com 3,75 e os nocotistas com 3,79 (IPEA, 2008).

    Tambm em 2004 a Universidade Federal do Paran (UFPR) adotouo sistema de cotas com o Programa de Incluso Social e Racial quereserva 20% das vagas dos cursos de graduao para alunos egressosdo ensino mdio pblico e 20% para alunos afrodescendentes. Comessa poltica, o percentual de afrodescendentes aprovados na univer-sidade aumentou de 7% em 2003 para 21% em 2005. Segundo Souza

    (2007), o problema encontrado pela universidade o preenchimentodas vagas reservadas aos afrodescendentes: em 2005 foram disponibi-lizadas 800 vagas nas cotas raciais mas apenas 489 fizeram matrculapor esse sistema (61%) e em 2006 apenas 278 alunos foram matricu-lados (35%).

    Em 2005 foi a vez da Universidade Federal da Bahia (UFBA), queimplementou o sistema de cotas raciais e sociais sobrepostas da se-guinte forma: 45% das vagas do vestibular so reservadas sendo que

    38% so para negros egressos do sistema pblico de ensino, 5% para

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