Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
1
TEMA 2: DESABAMENTOS
COLETÂNEA
Coletânea compilada por:
Carlos Eduardo Pizzolatto Cláudia de Jesus Abreu Feitoza
Eliana Maria Severino Donaio Ruiz Luzia Bueno
Milena Moretto
2012
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
2
SUMÁRIO
2. TEMA: DESABAMENTOS................................................................................................................................ 03 2.1 ARTIGO DE OPINIÃO “Não aprendemos nem com a dor” ............................................................................... 03 2.2 REPORTAGEM “O jeito é rezar para não cair” ................................................................................................. 05 2.3 VÍDEO‐NOTÍCIA “Desabamentos no Rio são destaque na imprensa internacional”........................................ 08 2.4 EDITORIAL “Segurança em queda”................................................................................................................... 09 2.5 CRÔNICA “Os dias escuros”.............................................................................................................................. 10 2.6 DEPOIMENTO E LETRA DE MÚSICA “Um desabamento e a notícia de jornal que virou música”.................... 11
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
3
TEMA 2: DESABAMENTOS
TEXTO 2.1 – ARTIGO DE OPINIÃO
Não aprendemos nem com a dor Roberto Henrique ‐ sexta‐feira, 10/02/2012 ‐ 10:40
Na noite de 25 de janeiro, mais de 20 vidas foram abruptamente encerradas em um desabamento que deixou não somente os cariocas, mas todo o país estarrecido, a cada dia que chegavam novas informações e imagens, dando uma maior dimensão da tragédia.
Se a tragédia em si, com a morte destas pessoas já não fosse o suficiente para afetar a vida de diversas famílias, há outra questão que obviamente não é levada ao conhecimento do público de imediato, porém com o passar do tempo e o baixar da poeira, continuará afetando as famílias que perderam seus entes queridos, como também outras pessoas que escaparam deste incidente.
Estou falando sobre as diversas empresas que literalmente em questão de segundos, deixaram de existir e tantas outras que tiveram suas atividades interrompidas totalmente ou parcialmente por tempo indeterminado, que é o caso, por exemplo, da TO (Tecnologia Organizacional), que paralisou suas atividades no prédio do Rio de Janeiro, mas continua operando na unidade em São Paulo, além de contar com diversos profissionais alocados em seus clientes.
O mesmo acontece com o banco Itaú, que encaminhou os clientes da agência localizada no térreo para outras unidades do banco. No entanto muitas outras empresas simplesmente desapareceram, com todos os seus ativos (computadores, arquivos impressos e eletrônicos, mesas, armários, etc...) e em alguns casos perderam também ativos de seus clientes.
Isso sem falar na vida de seus profissionais.
Para as empresas, as implicações deste desastre vão muito além do prejuízo material, que já é contabilizado pelos empresários entrevistados nos meios de comunicação.
Algumas destas empresas estimam em um primeiro momento, prejuízos entre R$ 70.000,00 a R$ 300.000,00, mas obviamente estes valores podem ser maiores, pois há empresas que não possuíam seguro de seus bens.
Há também questões como atraso na entrega de projetos aos clientes, problemas com os pagamentos dos funcionários, fornecedores e órgãos do governo e associações, podendo acarretar em juros e multas, caso o credor não crie condições favoráveis em solidariedade às vítimas.
Outra questão que pode não depender da solidariedade de terceiros são referentes aos impactos que os clientes destas empresas sofrerão, devido à paralização das atividades, assim como a perda de arquivos impressos e eletrônicas pertencentes aos clientes, pois muitas empresas eram prestadores de serviço e armazenavam informações de seus clientes no local, como é o caso do Grupo Primacy Translations, empresa de tradução que não possuía cópias externas dos documentos impressos e nem dos arquivos eletrônicos armazenados nos computadores.
Em entrevista, o empresário lamenta: "Teremos que entrar em contato com cada um dos clientes e contar com a gentileza deles para nos mandar os documentos novamente e recomeçar as traduções do zero".
Outra empresa que depende da solidariedade de seus parceiros, clientes e fornecedores é a agência de marketing Nuva, que funcionava no 12º andar do Edifício Liberdade com pouco mais de 5 meses de existência, pagando ainda os investimentos como móveis, computadores e documentação.
Com a ajuda de um amigo, surgiu uma campanha de doação em um site especializado para que os dois sócios e os cinco funcionários possam reerguer novamente a empresa.
Até o momento em que eu redigia este artigo, o site contabilizava para a Nuva cerca de R$ 11.500,00, com uma meta de atingir R$ 20.000,00.
Advogados que possuíam seus escritórios nos prédios atingidos tiveram o apoio da OAB/RJ para que os prazos dos processos destes escritórios fossem suspensos temporariamente pelo Tribunal de Justiça do Rio.
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
4
Outros escritórios na região, que sofreram intervenção da Defesa Civil também estarão com seus processos suspensos, até a liberação dos imóveis.
Há ainda relatos de pessoas que trabalhavam em escritórios ao lado, em prédios que foram parcialmente atingidos, como o caso do advogado Claudio de Taunay, que estava no 16º andar do edifício vizinho no momento do desabamento:
"Mas no 7º andar a escada já estava destruída pelos escombros do prédio ao lado. Então, eu subi até o terraço com outras 30 pessoas que estavam no prédio. Acenamos e fomos resgatados pelos bombeiros".
Além destes, há inúmeros outros relatos de empresas e profissionais que inesperadamente tiveram suas rotinas alteradas, de forma que algumas conseguiram manter suas operações em funcionamento, enquanto outras praticamente sumiram.
Essa triste ocorrência nos leva novamente a lembrar dos atentados de 11 de Setembro de 2001, que além de acabarem com milhares de vidas, dezenas de empresas perderam funcionários estratégicos, arquivos eletrônicos, sistemas computadorizados e documentos impressos que jamais puderam ser recuperados.
Houve casos em que empresas preocupadas com as suas informações, chegavam a manter uma cópia dos dados externos, só que armazenadas na outra torre.
Resumo da história: Perderam tudo!
E quem não conhece a história dos edifícios Andraus e Joelma, na cidade de São Paulo, que no início da década de 70 causaram a morte de centenas de pessoas que trabalhavam nos escritórios de empresas, sendo algumas multinacionais.
Inúmeros documentos e projetos foram perdidos em uma época em que se quer o conceito básico de segurança contra incêndios era adotado.
Hoje falar em proteção contra incêndio em ambientes comerciais e industriais é a coisa mais natural do mundo. Ninguém questiona, até por que a lei obriga a adoção de equipamentos de combate ao incêndio, além de treinamentos de brigada e inspeções rotineiras.
Pena que para chegar a este ponto, foram necessários anos de prejuízos materiais e infelizmente perda de vidas humanas para que empresas e organizações investissem recursos para prevenção e não somente para correção.
O brasileiro é “doutrinado” a dar um jeitinho em tudo, de ir “cozinhando o galo” até quando não tiver mais jeito pra fazer a coisa certa e muitas vezes a coisa certa só é feita quando afeta o bolso.
Ao que tudo indica a reforma realizada em dois andares do prédio, sem a presença de um engenheiro, sem o conhecimento necessário por parte dos operários e sem a devida documentação na prefeitura e no CREA podem ter contribuído para a tragédia.
Como não havia responsável e nem documentação, não houve fiscalização dos órgãos competentes.
Se não temos a cultura da prevenção nem para situações que envolvam risco de vida para as pessoas (exceto quando isso afeta o bolso), imagina quando falamos de algo difícil de mensurar como prejuízos com a perda de informações, onde não somente o prejuízo financeiro deve ser estimado, mas também prejuízos de imagem da marca e reputação do negócio.
As razões da grande resistência por parte de alguns empresários e gestores em aumentar os investimentos de segurança vão da falta de conhecimento dos riscos dos quais o negócio está exposto, até casos de prepotência por parte dos responsáveis, que alegam que tais incidentes não fazem parte da realidade da sua empresa.
Outro fato que contribui para a baixa adoção de políticas de segurança é a ausência de regulamentações para a maioria dos setores do mercado, com exceção das grandes instituições financeiras.
O que todos devem entender é que cada empresa, cada negócio deve ter um mapa dos riscos que a cercam.
Não há uma receita de bolo pronta que sirva para todos, pois cada um deve aplicar as medidas corretivas e preventivas de acordo com o impacto e a probabilidade que tal ameaça pode causar ao negócio.
Quais são as ameaças ambientais e humanas que podem interferir na continuidade do negócio? Mas antes disso você deve entender qual é o seu negócio.
Infelizmente nesta tragédia, o maior impacto foram as perdas humanas para os amigos e familiares das vítimas, que valor algum em dinheiro poderá recompensar.
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
5
Mas também devemos nos lembrar destas outras perdas que ainda afetarão a vida dos sobreviventes, familiares e demais pessoas que de forma direta ou indireta dependiam destas empresas para manter o seu sustento e os projetos de suas vidas.
Em tempos tão instáveis, com alterações climáticas, crises financeiras, distúrbios populares e negligência por parte de decisões e ações irresponsáveis, ter um Plano de Continuidade do Negócio deveria ser uma obrigação a toda empresa e organização como uma forma de reduzir ao máximo os impactos negativos de um desastre, inclusive para facilitar o apoio aos familiares e demais profissionais dependentes.
Aquele dito popular: “Quem não vem pelo amor, vem pela dor”, parece que não serve aqui no Brasil, pois não estamos aprendendo, nem mesmo com tanta dor em nossa volta.
*Roberto Henrique é Analista de Segurança da Informação na ABCTec.
Disponível em: http://www.baguete.com.br/artigos/1075/roberto‐henrique/10/02/2012/nao‐aprendemos‐nem‐com‐a‐dor. Acesso em: 17 fev.2012.
TEXTO 2.2 – REPORTAGEM
O jeito é rezar para não cair
Com o desabamento de três edifícios de mais de 70 anos, no centro do Rio, o Brasil depara com a falta de controle sobre a estrutura de prédios antigos
MARCELO MOURA E NELITO FERNANDES COM FELIPE PONTES, HUDSON CORRÊA E HUMBERTO MAIA JUNIOR
ESCOMBROS
Bombeiros buscam vítimas do desabamento de três prédios no Rio. Os edifícios, com mais de 70 anos, não passavam por vistoria da prefeitura (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
Os edifícios de número 38, 40 e 44 da Avenida 13 de Maio, no centro do Rio de Janeiro, viraram cinzas em menos de dois minutos. As causas que levaram esses três prédios a desmoronar, na noite da última quarta‐feira, deixando pelo menos 11 mortos, serão investigadas pela Polícia Civil nas próximas quatro semanas. Não é preciso, porém, esperar pelo relatório final para registrar o fato que paira acima de falhas e
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
6
fatalidades individuais: os edifícios que desabaram estavam em paz com a lei municipal. Isso diz muito sobre o fracasso das prefeituras de todo o país em zelar pela segurança de suas construções, especialmente as mais antigas.
O mais recente e mais alto dos três prédios a desabar na quarta‐feira, o edifício Liberdade, fora inaugurado em 1940. Tinha mais de 70 anos, mas era tratado pela prefeitura como um jovem sadio, sem nenhuma atenção especial à ação do tempo sobre a integridade de sua estrutura ou à acomodação do solo. A Constituição de 1988 delegou aos municípios o poder de elaborar e fiscalizar regras de construção e conservação de edifícios. O Rio de Janeiro, primeira metrópole nacional, não criou leis específicas de fiscalização para prédios antigos. Regula apenas as marquises – decisão tomada em 2007, depois que duas pessoas foram mortas pela queda de uma dessas estruturas. Desde então, elas precisam ser avaliadas por um engenheiro a cada três anos.
Conforme as cidades envelhecem, a negligência pode ganhar consequências trágicas. “O risco de desabamento aumenta muito com o passar dos anos”, afirma Joel Krüger, presidente do Conselho Regional de Engenharia (Crea) do Paraná. Isso tende a acontecer no Brasil, cujo processo de urbanização se acelerou na década de 1960. Luiz Alcides Capoani, presidente do Crea‐RS, defende a inspeção periódica obrigatória dos edifícios. É como ocorre na Europa, onde prédios com mais de 100 anos são moradia corriqueira. “O ideal seria fiscalizar os prédios a cada três anos, a partir dos 15 anos de idade, e tornar a vistoria anual a partir dos 30 anos”, diz Capoani. “É muito barato. É um trabalho que não deveria custar mais do que R$ 40 para cada morador.” Infelizmente, no Brasil tais iniciativas só costumam surgir depois de alguma tragédia. Capão da Canoa, uma cidade do litoral gaúcho, adotou a vistoria predial proposta pelo Crea‐RS em 2009, depois de um prédio cair. “A lei de Capão da Canoa já salvou vidas”, diz Capoani. “Um fiscal encontrou uma viga com ferragens expostas, disfarçadas com uma placa de madeira, e interditou o edifício.”
O Rio fiscaliza as marquises desde que uma desabou e matou pessoas. Quanto aos prédios, nada faz "
Ao fechar os olhos para as obras de reforma, o poder municipal desestimula os moradores a se preocupar com o assunto. O resultado é a realização de obras sem cuidados técnicos, em que proprietários fazem o que lhes dá na telha. Uma dessas obras é suspeita de ter causado o colapso da estrutura dos prédios no centro do Rio. Sua existência é conhecida graças ao depoimento de pessoas que trabalhavam no prédio. A administração municipal não sabia, nem fazia questão de saber. Segundo o Plano Diretor da cidade, obras de modificação interna não dependem de licença da prefeitura. “É uma irresponsabilidade”, afirma Cláudio Bernardes, presidente do Sindicato da Construção Civil (Secovi) de São Paulo. “Mudar uma parede pode desequilibrar um prédio inteiro.”A reforma no edifício carioca não tinha a licença emitida pelo Crea‐RJ e, portanto, estava irregular. Mas infringir uma norma do Crea é considerado infração leve. O órgão de en‐genharia apenas fiscaliza se há um engenheiro responsável. Se não houver, a multa do Crea‐RJ é de até R$ 4.500. Antes de ser multado, o infrator recebe uma advertência e tem dez dias para encontrar um engenheiro, regularizar a obra e escapar da punição. “É crime um leigo se passar por médico, mas um leigo fazer obras de engenharia é apenas contravenção”, afirma Jobson Andrade, presidente do Crea‐MG.
A rigor, a fiscalização das obras feitas dentro de um prédio e a avaliação de seu estado de conservação ficam a cargo do síndico. “Em geral, síndicos não têm especialização em construção civil”, diz Álvaro Sardinha Neto, engenheiro especialista em perícia. Além de leigo, o síndico não possui informações suficientes. “Ao comprar um carro, você recebe um manual com instruções de manutenção. Os
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
7
condomínios agem de forma reativa e podem não perceber problemas a tempo”, diz Mauricio Ehrlich, professor de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
País tão jovem quanto o Brasil, os Estados Unidos estão se adaptando ao envelhecimento de seus edifícios. Em novembro, o presidente Barack Obama pediu ao Congresso a liberação de mais US$ 60 bilhões para a conservação de construções públicas – dinheiro bem gasto, quando se pensa nos custos humanos e financeiros de uma tragédia como a do Rio. Se depender do empenho das autoridades brasileiras, a tragédia tende a se repetir.
Vários acidentes e poucas lições A queda de edifícios raramente é acompanhada pela mudança de normas e leis
PALACE 2 Rio de Janeiro, 1998 8 MORTOS Com pilares ocos e indícios do emprego de areia de praia na construção, o prédio de 22 andares desabou parcialmente e foi implodido. O construtor Sérgio Naya ficou 137 dias preso e morreu livre, em 2009. As famílias ainda lutam por indenização
SANTA FÉ Capão da Canoa, 2009 4 MORTOS E 1 FERIDO O prédio de três andares e 28 anos caiu durante uma reforma estrutural que não tinha o aval da prefeitura. A perícia mostrou que a maresia da cidade no litoral gaúcho corroeu o concreto. Uma lei municipal tornou obrigatória a vistoria periódica dos edifícios
REAL CLASS Belém, 2011 3 MORTOS E 6 FERIDOS Peritos da Universidade do Pará afirmam que a construção desmoronou por erro de cálculo. Filho do dono
da cpréd
FÁBSão1 MUmconestr
DispAce
TEX
Cliq Dispimp
Program
construtoradios vizinho
BRICA DE CU Paulo, 201
MORTO E 11 a laje do cestrução. O arutura, afirm
ponível em:sso em 17 f
XTO 2.3 –
que aqui par
ponível em:prensa‐inter
ma de L
, o responsos, desaloja
ULTURA 12 FERIDOS
entro de ativacidente esmam técnico
http://revifev. 2012.
– VÍDEO‐N
ra ver o víd
http://g1.grnacional/17
Leitura –
ável pelo pndo mais de
vidades da Sstá sob inveos do Crea‐
istaepoca.g
OTÍCIA
deo:
globo.com/786398/. Ac
– 1º Sem
rojeto de 32e 100 famíl
Secretaria Estigação. A SP
lobo.com/t
bom‐dia‐brcesso em: 1
mestre d
2 andares tias
Estadual de causa mais
tempo/notic
rasil/videos/18 fev. 2012
de 2012
inha se form
Cultura de s provável é
cia/2012/01
/v/desabam2.
2
mado havia
São Paulo d uma falha
1/o‐jeito‐e‐
mentos‐no‐r
um ano. A
desabou duno escoram
‐rezar‐para‐
rio‐sao‐dest
queda afet
urante a mento da
‐nao‐cair.ht
taque‐na‐
8
tou
tml.
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
9
TEXTO 2.4 – EDITORIAL
Folha de S. Paulo. Editorial. 06.fev.2012. Disponível em: http://acervo.folha.com.br/resultados?q=desabamento&site=fsp&periodo=mes. Acesso em 17 fev.2012.
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
10
TEXTO 2.5 – CRÔNICA
Os dias escuros Drummond
Amanheceu um dia sem luz – mais um – e há um grande silêncio na rua. Chego à janela e não vejo as figuras habituais dos primeiros trabalhadores. A cidade, ensopada de chuva, parece que desistiu de viver. Só a chuva mantém constante seu movimento entre monótono e nervoso. É hora de escrever, e não sinto a menor vontade de fazê‐lo. Não que falte assunto. O assunto aí está, molhando, ensopando os morros, as casas, as pistas, as pessoas, a alma de todos nós. Barracos que se desmancham como armações de baralho e, por baixo de seus restos, mortos, mortos, mortos. Sobreviventes mariscando na lama, à pesquisa de mortos e de pobres objetos amassados. Depósito de gente no chão das escolas, e toda essa gente precisando de colchão, roupa de corpo, comida, medicamento. O calhau solto que fez parar a adutora. Ruas que deixam de ser ruas, porque não dão mais passagem. Carros submersos, aviões e ônibus interestaduais paralisados, corrida a mercearias e supermercados como em dia de revolução. O desabamento que acaba de acontecer e os desabamentos programados para daqui a poucos instantes. Este, o Rio que tenho diante dos olhos, e, se não saio à rua, nem por isso a imagem é menos ostensiva, pois a televisão traz para dentro de casa a variada pungência de seus horrores. Sim, é admirável o esforço de todo mundo para enfrentar a calamidade e socorrer as vítimas, esforço que chega a ser perturbador pelo excesso de devotamento desprovido de técnica. Mas se não fosse essa mobilização espontânea do povo, determinada pelo sentimento humano, à revelia do governo incitando‐o à ação, que seria desta cidade, tão rica de galas e bens supérfluos, e tão miserável em sua infra‐estrutura de submoradia, de subalimentação e de condições primitivas de trabalho? Mobilização que de certo modo supre o eterno despreparo, a clássica desarrumação das agências oficiais, fazendo surgir de improviso, entre a dor, o espanto e a surpresa, uma corrente de afeto solidário, participante, que procura abarcar todos os flagelados. Chuva e remorso juntam‐se nestas horas de pesadelo, a chuva matando e destruindo por um lado, e, por outro, denunciando velhos erros sociais e omissões urbanísticas; e remorso, por que escondê‐lo? Pois deve existir um sentimento geral de culpa diante de cidade tão desprotegida de armadura assistencial, tão vazia de meios de defesa da existência humana, que temos o dever de implantar e entretanto não implantamos, enquanto a chuva cai e o bueiro entope e o rio enche e o barraco desaba e a morte se instala, abatendo‐se de preferência sobre a mão de obra que dorme nos morros sob a ameaça contínua da natureza; a mão de obra de hoje, esses trabalhadores entregues a si mesmos, e suas crianças que nem tiveram tempo de crescer para cumprimento de um destino anônimo. No dia escuro, de más notícias esvoaçando, com a esperança de milhões de seres posta num raio de sol que teima em não romper, não há alegria para a crônica, nem lhe resta outro sentido senão o triste registro da fragilidade imensa da rica, poderosa e martirizada cidade do Rio de Janeiro.
Carlos Drummond de Andrade , Correio da Manhã, 14/01/1966.
Disponível em: http://www.google.com.br/#sclient=psy‐ab&hl=pt‐BR&source=hp&q=Drummond+%2B+chuvas&pbx=1&oq=Drummond+%2B+chuvas&aq=f&aqi=&aql=&gs_sm=2&gs_upl=9976l14965l0l15034l25l20l0l0l0l5l480l3657l2‐7.1.3l11l0&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.,cf.osb&fp=15fad4ff8acf9e03&biw=1024&bih=767. Acesso em: 17 fev. 2012.
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
11
TEXTO 2.6 – DEPOIMENTO E LETRA DE MÚSICA
Um desabamento e a notícia de jornal que virou música
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta‐feira, 27 de janeiro de 2012
“Linda do Rosário”, obra da artista Adriana Varejão inspirada nas paredes azulejadas do hotel homônimo que
desabou em 2002
A vida tem dessas coisas. Você ouve uma música distraído, sem prestar atenção nos seus versos, e ela acaba
passando desapercebida em meio a tantas coisas cotidianas capturando a sua atenção. Mas ainda não era o
momento, nem o local era o mais apropriado, do mesmo modo que nem todo amor é à primeira vista.
Esse é só o começo do fim da nossa vida/ Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida/ Que
a gente vai passar”
Quando soube da tragédia recente no Rio de Janeiro, na qual três edifícios antigos do centro desabaram, não
pude deixar de lembrar de outro incidente parecido.
Era um prédio de cinco andares, localizado na Rua do Rosário, que caiu na tarde do dia 25 de setembro de
2002. Nesse caso, a tragédia só não foi maior porque foram ouvidos estalos na estrutura cerca de 20 minutos
antes do desabamento, possibilitando que os hóspedes e empregados do Hotel Linda do Rosário, que
funcionava no local, fugissem a tempo. Tudo isso aconteceu devido a uma reforma mal executada em um
restaurante no térreo, que abalou a estrutura do prédio, construído há quatro décadas.
No entanto, nem todos escaparam a tempo.
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
12
O porteiro do Linda Rosário, Raimundo Barbosa de Melo, de 37 anos, estava com a mulher
na recepção do hotel e, ao som do primeiro estampido, avisou aos demais funcionários que
saíssem do prédio imediatamente. No momento em que descia a escada, lembrou das duas
pessoas que ocupavam um quarto. ‘Interfonei e cheguei a bater na porta, mas não
responderam’, contou.
Dois dias depois, os bombeiros encontraram dois corpos em meio aos escombros. Ele, professor, tinha 71 anos.
Ela, bancária, tinha 47. Seus corpos foram reconhecidos por suas respectivas famílias no dia seguinte.
Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga/ Já não vejo motivos pra um amor de tantas
rugas/ Não ter o seu lugar”
O filho do professor não quis que o nome do seu pai fosse divulgado, segundo matéria do Terra, “em virtude
das circunstâncias que envolveram sua morte, que poderiam denegrir sua imagem”. Uma reportagem publicada
no jornal O Dia revelou o motivo desse pedido: a bancária e o professor estariam vivendo um romance secreto,
que acabou sendo revelado por causa do desabamento do hotel Linda do Rosário. Seus corpos foram
encontrados nus e abraçados sobre os restos de uma cama.
As circunstâncias dessa relação inspiraram Marcelo Camelo a compor “Conversa de Botas Batidas”, faixa 11 do
álbum Ventura, do Los Hermanos. Em declaração dada à revista Zero, Camelo descreveu a canção com estas
palavras:
Uma divagação sobre uma situação real. Um senhor e uma senhora morreram num desabamento aqui no Rio, e eles eram amantes. A música é como se fosse uma
conversa deles antes de o prédio desabar.
O único álbum do Los Hermanos que tenho é o primeiro, que tem “Anna Júlia” e “Primavera”. Meu interesse
pela banda diminuiu com os álbuns seguintes, e acabei não acompanhando suas gravações posteriores. Mas,
depois que soube do contexto que inspirou os versos dessa canção, passei a ouvi‐la de modo totalmente
diferente, compreendendo a sensibilidade com que Marcelo Camelo preencheu as lacunas deixadas pelas
reportagens da época. Ouça “Conversas de Botas Batidas” depois de conhecer a história do professor e da
bancária, e me responda: esta canção não soa mais bonita após entender o contexto de sua letra?
Além da canção do Los Hermanos, o casal do Hotel Linda do Rosário inspirou a obra da artista plástica Adriana
Varejão que ilustra este post. Encontrei no Google ainda um blog sobre um filme de Adolfo Lachtermacher,
intitulado “Linda do Rosário”, que seria produzido a partir dessa história. Mas o blog é de 2007, e o filme ainda
Programa de Leitura – 1º Semestre de 2012
13
não veio à tona. De qualquer modo, penso que “Conversas de Botas Batidas” é uma bela música
cinematográfica, daquelas que ficam na mente para não sair mais.
Diz quem é maior que o amor?/ Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora/ Vem, vamos além.
// 11. CONVERSA DE BOTAS BATIDAS (Marcelo Camelo) ‐ Veja você onde é que o barco foi desaguar ‐ a gente só queria o amor... ‐ Deus às vezes parece se esquecer ‐ ai, não fala isso, por favor Esse é só o começo do fim da nossa vida Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida que a gente vai passar
‐ Veja você, quando é que tudo foi desabar A gente corre pra se esconder... ‐ E se amar, se amar até o fim ‐ sem saber que o fim já vai chegar Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar
Abre a janela agora, deixa que o sol te veja É só lembrar que o amor é tão maior que estamos sós no céu Abre as cortinas pra mim que eu não me escondo de ninguém O amor já desvendou nosso lugar e agora esta de bem
Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar
Diz quem é maior que o amor? Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora Vem, vamos além. Vão dizer que a vida é passageira Sem notar que a nossa estrela vai cair
Disponível em: http://pensarenlouquece.com/um‐desabamento‐noticia‐jornal‐inspirou‐musica‐los‐hermanos/. Acesso em: 17 fev.2012.
Para ouvir a música clique abaixo: http://www.youtube.com/watch?v=N3ghu3N‐4nY