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UFPR – 1º semestre/2012 aulas 6, 7, 8, 9, 10 Fonética e Fonologia Maria Cristina Figueiredo Silva (UFPR/CNPq)

2 Fonetica e Fonologia 2012

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UFPR – 1º semestre/2012

aulas 6, 7, 8, 9, 10

Fonética e Fonologia

Maria Cristina Figueiredo Silva (UFPR/CNPq)

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1. Uma notação para os sons da fala

Um problema para resolvermos: como representar os sons da fala das línguas do mundo?

A fonética precisa de um sistema notacional para representar os sons da fala das várias línguas do mundo que não contenha ambiguidades. O sistema alfabético não pode dar conta dessa tarefa por conta da falta de correspondência biunívoca entre sons e grafemas (letras)

(a escrita é uma representação da fala!)

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1. Uma notação para os sons da fala

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1. Uma notação para os sons da fala

Como representar os sons da fala sem ambiguidade?Resposta: IPA (International Phonetic Alphabet = Alfabeto

Fonético internacional).Em 1886, os foneticistas fundaram a Associação

Internacional de Fonética; em 1888, surge a primeira versão do IPA, publicada por um dos membros da Associação, Paul Passy.

Características do IPA:(i) Correspondência biunívoca entre sons e letras;(ii) Mas como o número de grafemas usados nas línguas é

menor do que o número de sons da fala, foram utlizadas todas as letras minúsculas e também maiúsculas do alfabeto romano (e depois incorporaram também letras gregas).

(iii) Atualização regular: uma grande revisão em 1989; a mais recente é de 2003. Em 2005 uma atualização.

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1. Uma notação para os sons da fala

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1. Uma notação para os sons da fala

Notas sobre convenções do IPA: Quadro maior (consoantes): organizado em função dos parâmetros articulatórios que caracterizam os sons consonantais:

Ponto de articulação: nas colunas, seguindo a ordem que os articuladores ocupam no trato vocal;

Modo de articulação: nas linhas, indo do modo que oferece mais resistência à passagem do ar ao que oferece menos;

Sonoridade: consoantes sonoras à direita da célula, consoantes surdas à esquerda

Obs. sobre os “retroflexos: não existe um lugar no trato específico para eles, é mais um modo do que um ponto de articulação (característica deles: posição da língua – ponta curvada sobre o dorso)

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1. Uma notação para os sons da fala

Cruzando linhas, colunas e posição nas células, chegamos à caracterização de um e apenas um som; por exemplo: ponto alveolar, modo fricativo e posição esquerda na célula – fricativa alveolar surda:[s]

(Aliás, essa é a ordem para dar nome às consoantes: modo de articulação, ponto de articulação, sonoridade)

Células sombreadas no quadro: consideradas produções impossíveis fisiologicamente: *oclusiva glotal surda

Células em branco: possíveis mas ainda não atestadas

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1. Uma notação para os sons da fala

Quadro das vogais: - Nas colunas: movimento horizontal da língua

(vogais anteriores/centrais/posteriores)- Nas linhas: movimento vertical da mandíbula (vai

da posição + fechada para a + aberta)- Nos pares: a vogal da esquerda é não

arredondada e a da direita é arredondada

Consoantes não pulmônicas: não usam o ar egresso dos pulmões mas a corrente de ar que se forma na glote (implosivas e ejetivas) ou no véu (clicks, sempre oclusivos ou africados).

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1. Uma notação para os sons da fala

Outros símbolos do IPA: para contemplar outros sons em que há sobreposição de manobras articulatórias

EX: [w] aproximante lábio-velar sonora: movimento dos lábios se sobrepõe à articulação de aproximante velar

(exemplificada pelos ditongos do português, como em “me[w]” ou “a[w]godão”)

Diacríticos: empregados para registrar qualidade de voz (ex: sussurrada) ou nuances de algum articulador.

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1. Uma notação para os sons da fala

E como o IPA analisa a fala? Subjacentes aos quadros, há uma série de asserções teóricas sobre a análise da fala. São elas:

(a) Alguns aspectos da fala são linguisticamente relevantes enquanto outros não são; portanto, o IPA permite representar alguns fatos da fala mas não todos (como qualidade da voz ou velocidade da fala)

(b) A fala pode (em parte) ser representada como uma sequência de sons discretos (os “segmentos”). O IPA não tem como representar os fatos de co-articulação, dado que produzimos os sons encadeados.

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1. Uma notação para os sons da fala

(c) Os segmentos estão distribuídos em duas categorias maiores, as vogais e as consoantes. Assim, são atribuídos tratamentos distintos para cada um desses grupos, embora eles coloquem em jogo os mesmos mecanismos de produção e fundamentalmente os mesmos lugares de produção;

(d) Vários aspectos prosódicos, como acento ou tom, são representados independentemente dos segmentos.

PORTANTO: O IPA é uma ferramenta que representa os sons da fala e por isso não reproduz fielmente esses sons!

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1. Uma notação para os sons da fala

Possíveis empregos do IPA: na linguística:

(a) para registrar dados de uma língua durante um trabalho de campo (por exemplo, para identificar uma língua indígena: primeiro passo é identificar quais são os sons da língua e como elas organizam o seu sistema de sons e seu sistema prosódico);

(b) línguas ágrafas: o IPA pode formar a base de um sistema de escrita;

(c) em trabalhos de dialetologia: para descrever diferentes dialetos;

(d) em dicionários: para indicar a pronúncia das palavras para falantes não nativos ou de dialetos não padrão.

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1. Uma notação para os sons da fala

(e) para auxiliar nas primeiras anotações de estudo de fenômenos que depois serão explorados com técnicas experimentais;

(f) fonoaudiólogos usam o IPA para fechar diagnósticos;

(g) músicos usam o IPA para cantar em línguas estrangeiras.

E como se faz a transcrição fonética? 1. Gravar a fala dos sujeitos que queremos analisar

(com o consentimento deles e de preferência numa cabine com tratamento acústico);

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1. Uma notação para os sons da fala

2. Para a transcrição, é preciso ouvir muitas vezes os dados coletados, atentando para a articulação dos sons que se sucedem na cadeia da fala;

3. Uma vez identificadas as características articulatórias dos sons, procuramos na tabela do IPA o símbolo que corresponde àquela caracterização;

Obs1: Toda a transcrição fonética é anotada entre colchetes, [ ], que se abrem no começo da fala do informante e se fecham ao final.

Obs2: Texto complementar sobre róticos (nome genérico que abarca todos os sons de /r/)

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2. Prosódia: a melodia da fala

O que distingue a fala humana da fala de um robô? Em geral a fala do robô é monotônica e parece desprovida de emoções ou sentimentos

O que é prosódia? É a melodia dos sons da fala (estamos falando tanto de ritmo quanto de altura).

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2. Prosódia: a melodia da fala

Prosódia: o termo remonta aos gregos; faz referência aos traços da fala não representados pela ortografia, em particular tom, característico do grego clássico.

Mais tarde, o termo ganha um significado mais amplo: além dos tons, prosódia passa a designar também a duração e o acento.

Com o desaparecimento dos tons do grego clássico, substituídos pelos acentos, o termo prosódia volta a se estreitar e fazer referência às distinções de acento (relacionando-se com a versificação, originando os estudos em prosódia métrica).

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2. Prosódia: a melodia da fala

Por volta de 1940, quando a ênfase dos estudos fônicos reaía sobre o nível segmental: Firth, um linguista britânico, defende investigar também os traços que se sobrepõem à cadeia da fala.

Esse estudo abarca, além da intensidade (“força”), a duração e o tom, também velocidade da fala, pausa, entoação, acento e ritmo.

Na atualidade: a diferença é o arcabouço teórico que usamos: o modelo de estudos suprassegmentais – estruturalista – ou o modelos prosódico, de inspiração gerativista;

Aqui vamos falar de entoação e de ritmo.

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2. Prosódia: a melodia da fala

Entoação: percepção do pitch (relacionado à frequência da vibração das pregas vocais – F0 – durante o processo de fonação).

O estudo da entoação pode ser feito sob diferentes pontos de vista:

(a) acústico: verificar a sucessão das curvas de frequência de vibração das pregas vocais no tempo

(b) perceptual: verificar a sucessão das curvas de F0 que são percebidas pelos falantes de uma língua

(c) mudanças de F0: examinar as mudanças significativas na língua (no sentido de determinar quais movimentos de F0 podem carregar diferenças de sentido na língua).

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2. Prosódia: a melodia da fala

Como aqui nos interessa examinar mudanças de F0 que podem veicular diferenças gramaticais e de sentido, vamos de deter na análise acústica.

Função gramatical da entoação: o que significa dizer que as curvas entoacionais (=curvas da frequência de vibração das pregas vocais) podem acarretar diferenças gramaticais?

Qual é a diferenças entre as seguintes sentenças:1. A Maria levou a bala.2. A Maria levou a bala?3. A Maria levou a bala!

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2. Prosódia: a melodia da fala

Figura 1: Forma de onda e pulsos (1ª janela), curva entoacional e transcrição ortográfica da sentença “A Maria levou a bala” como declarativa neutra

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2. Prosódia: a melodia da fala

A curva descendente ao final do enunciado significa que o pitch (frequência de vibração das pregas vocais) decresce no final do enunciado, caracterizando o enunciado assertivo – isto é, uma declarativa neutra.

Por outro lado, a presença de um pico no início e no final do enunciado revela a curva entoacional de uma interrogativa sim/não. Embora em algumas línguas haja também uma diferença de ordem nas palavras distinguindo essas duas modalidades de frase, no português (brasileiro) a única diferença entre elas é a curva entoacional.

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Figura 2: Forma de onda e pulsos (1ª janela), curva entoacional e transcrição ortográfica da sentença “A Maria levou a bala?” como interrogativa sim/não

2. Prosódia: a melodia da fala

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2. Prosódia: a melodia da fala

Como deve ser a curva entoacional associada à sentença exclamativa “A Maria levou a bala!” ?

Há um pico de pitch no final do enunciado (menor do que nas interrogativas) que não existe nas sentenças declarativas neutras.

E como deve ser a curva entoacional associada à sentença que expressa uma lista de coisas que a Mara levou na festa, dentre as quais está a bala?

Neste caso, o final descendente traz uma suspensão, como se o enunciado aguardasse uma continuação.

Em todos esses casos, a prosódia mantém uma relação com o nível sintático, já que essas diferentes sentenças exibem estruturas diferentes.

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2. Prosódia: a melodia da fala

Foco: um ponto de proeminência dentro da mensagem (Halliday 1967b: 204)

Portanto: interação da prosódia com a semântica (em particular com a estrutura informacional da sentença).

Qual é a diferenças entre as seguintes sentenças:1. – O que (que) o Lauro lavou?

– O Lauro lavou a luva

2. – Quem (que) lavou a uva? – O Mauro lavou a uva.

3. – O MAURO lavou a uva (não o Luiz).

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2. Prosódia: a melodia da fala

Figura 3: Forma de onda e pulsos (1ª janela), curva entoacional e transcrição ortográfica da sentença “O Lauro lavou a luva” como resposta a “O que que o Lauro lavou?”

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2. Prosódia: a melodia da fala

Figura 4: Forma de onda e pulsos (1ª janela), curva entoacional e transcrição ortográfica da sentença “O Mauro lavou a uva” como resposta a “Quem que lavou a uva?”

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2. Prosódia: a melodia da fala

Figura 5: Forma de onda e pulsos (1ª janela), curva entoacional e transcrição ortográfica da sentença “O Mauro lavou a uva” como correção da sentença “O Luiz lavou a uva”

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2. Prosódia: a melodia da fala

O que se observa: (a) Os constituintes focalizados sempre recebem

um acento de pitch (isto é, uma alta de frequência das vibrações das pregas vocais)

(b) Dependendo do tipo de foco (informacional ou contrastivo) outros fenômenos entoacionais se associam ao acento de pitch. Em particular, a duração do constituinte com foco contrastivo tende a ser ligeiramente maior.

(c) Outros fenômenos se associam ao valor de pitch para marcar a focalização.

Portanto: a entoação tem papel fundamental para revelar ao ouvinte qual é a estrutura informacional do enunciado.