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Nosso Goethe (György Lukács) Discurso solene proferido em 31 de agosto de 1949 em Berlim na “Associação Cultural para a Renovação Democrática da Alemanha” Duzentos anos passaram desde o nascimento de Goethe, mais que um século desde a sua morte. A longa vida de Goethe abrange várias etapas do desenvolvimento da humanidade interrompidas por grandes transformações revolucionárias. Ele mesmo está completamente consciente da significação desta época de transformação para a sua vida e criação. Ele diz como idoso para Eckermann: “Eu tenho a grande vantagem de ter nascido numa época, em que os maiores acontecimentos do mundo vinham à ordem do dia e prosseguiam por minha longa vida, de modo que fui testemunha ocular da Guerra dos Sete Anos, em seguida da separação da América da Inglaterra, além disso, da Revolução Francesa e finalmente de toda a época napoleônica até a queda do herói e dos acontecimentos seguintes. Por este meio cheguei a resultados e conclusões bem diferentes do que será possível para todos aqueles que agora nascem e devem assimilar aqueles grandes acontecimentos através dos livros que eles não entendem”. Após essas explicações Goethe vivencia ainda a Revolução de Julho e com ela o começo do colapso do Período da Restauração. Ainda maiores transformações o século trouxe depois da sua morte. A preparação imediata da Revolução de 48 e esta mesma encerraram o período ao qual Goethe pertenceu. Tanto no sentido mais restrito do “período artístico”, para usar a expressão de Heine, como no sentido mais amplo daquela grande época de preparação da renovação democrática da Alemanha que começa com Lessing e termina com Heine. A derrota da Revolução de 48 leva à malograda fundação reacionária do Império Alemão, ao falso, porque reacionário restabelecimento da unidade nacional do povo alemão. 1918 1945 trazem os colapsos catastróficos desta nacionalização surgida erroneamente. Como na vida de Goethe o tornar-se nação continua a ser uma missão perante o povo alemão.

2 - Lukács - Nosso Goethe - 1949

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  • Nosso Goethe (Gyrgy Lukcs)

    Discurso solene proferido em 31 de agosto de 1949 em Berlim na Associao Cultural para a Renovao Democrtica da Alemanha

    Duzentos anos passaram desde o nascimento de Goethe, mais que um sculo desde a sua morte. A longa vida de Goethe abrange vrias etapas do desenvolvimento da humanidade interrompidas por grandes transformaes revolucionrias. Ele mesmo est completamente consciente da significao desta poca de transformao para a sua vida e criao. Ele diz como idoso para Eckermann: Eu tenho a grande vantagem de ter nascido numa poca, em que os maiores acontecimentos do mundo vinham ordem do dia e prosseguiam por minha longa vida, de modo que fui testemunha ocular da Guerra dos Sete Anos, em seguida da separao da Amrica da Inglaterra, alm disso, da Revoluo Francesa e finalmente de toda a poca napolenica at a queda do heri e dos acontecimentos seguintes. Por este meio cheguei a resultados e concluses bem diferentes do que ser possvel para todos aqueles que agora nascem e devem assimilar aqueles grandes acontecimentos atravs dos livros que eles no entendem. Aps essas explicaes Goethe vivencia ainda a Revoluo de Julho e com ela o comeo do colapso do Perodo da Restaurao.

    Ainda maiores transformaes o sculo trouxe depois da sua morte. A preparao imediata da Revoluo de 48 e esta mesma encerraram o perodo ao qual Goethe pertenceu. Tanto no sentido mais restrito do perodo artstico, para usar a expresso de Heine, como no sentido mais amplo daquela grande poca de preparao da renovao democrtica da Alemanha que comea com Lessing e termina com Heine. A derrota da Revoluo de 48 leva malograda fundao reacionria do Imprio Alemo, ao falso, porque reacionrio restabelecimento da unidade nacional do povo alemo. 1918 1945 trazem os colapsos catastrficos desta nacionalizao surgida erroneamente. Como na vida de Goethe o tornar-se nao continua a ser uma misso perante o povo alemo.

  • A isso chega ainda como de longe a mais decisiva revoluo o Grande Outubro do ano de 1917, o surgimento da Unio Sovitica socialista. Comea uma luta da humanidade pelas novas formas de vida perfeitas, uma luta pela dominao das sociedades de classes, da pr-histria da humanidade. Esse combate terminou com a realizao da sociedade socialista na Unio Sovitica, com a grandiosa construo de uma cultura socialista material, espiritual e moral. E a marcha triunfal da nova forma humana do Socialismo no fica nas fronteiras da Unio Sovitica. Ao oeste dela as novas repblicas populares comeam a construir o Socialismo, ao leste dela o Socialismo triunfa precisamente agora nas vitrias do exrcito revolucionrio chins.

    S daqui para frente principalmente do aspecto do ano de 1917 do Socialismo realizado na Unio Sovitica - tornou-se hoje examinvel e pondervel: o que Goethe hoje apresenta objetivamente e para ns.

    1.

    Este modo de ver no significa de modo algum um atualizar de Goethe. Ao contrrio: exatamente considerado deste ponto de vista pode-se expressar a seu ser real, o mais profundo da sua personalidade humana e potica. Pois somente daqui em diante visvel, como o seu efeito hoje se pode renovar; a chamada imoralidade de um grande poeta positivamente no nada mais que a renovada reproduo contnua de sua eficcia viva. Grandes poetas como Goethe cumprem sempre a exigncia do dia, mas eles expandem e aprofundam esta sempre, no fato de que eles desenterram e destacam o real problema humano que se encontra nela. Quem perde ou realiza incompletamente este ltimo, envelhece imediatamente, cai no esquecimento.

    Este modo de ver no nada novo. Todo perodo pratica-o ingnua ou conscientemente. A questo apenas: em que perodo se torna visvel alguma coisa de Goethe? A grandeza ou as fraquezas? E ambas: em qual proporo?

    Lancemos um olhar rpido nos perodos principais da crtica da obra da vida de Goethe. Friedrich Schlegel rene a Revoluo Francesa, a filosofia de Fichte e o Wilhelm Meiser como as tendncias principais do iniciante sculo XIX. E se ns concebermos aqui a filosofia de Fichte como representante do nascente pensar dialtico

  • na Alemanha, ento temos diante de ns a mais alta e a mais justa avaliao de Goethe que foi possvel durante a sua atividade.

    Aps a Revoluo de Julho, no tempo da preparao ideolgica imediata para a transformao democrtica da Alemanha, a imagem de Goethe oscila j mais fortemente. O democratismo de Brne muitas vezes fortemente limitado v s aquelas rigorosas contradies que separam a sua fase de desenvolvimento da de Goethe; para ele Goethe o servo rimado ao lado do servo no rimado Hegel. Seu contemporneo aliado e adversrio Heinrich Heine muito mais previdente considera de muito mais justas tanto a oposio quanto a comunho intelectual. Ele expressa com determinao inequvoca de um lado o fim do perodo artstico, a separao do desenvolvimento literrio da Alemanha de Goethe, mas por outro lado ele tambm no tem dvida sobre aquilo que, observado de um ponto de vista histrico superior, todo o desenvolvimento filosfico e potico da Alemanha desde Lessing apresenta um perodo histrico uniforme, cujo apogeu com toda crtica Goethe, o espelho do mundo, o Spinoza da poesia constitui.

    A derrota da Revoluo de 48, a traio da burguesia alem sua prpria revoluo e com isto unificao democrtica da nao alem, a sua capitulao diante dos Hohenzollern produzem pouco a pouco uma imagem de Goethe totalmente nova. S agora Goethe aparece como olmpico, como semideus terreno elevado acima de todas as fraquezas, como um imediatamente dado grande modelo da conduta da vida humana. Esta imagem de Goethe ns vamos falar mais tarde mais detalhadamente sobre estas questes no nada mais do que um estilizar de todas as fraquezas humanas e poticas de Goethe, do que um deixar desaparecer dos seus maiores atributos de todos, do que um misturar tudo dos traos significativos restantes com as suas fraquezas e comprometimentos. Esta imagem de Goethe frequentemente realizada com o tempo no nada mais que uma cortina que encobre, para dissimular os comprometimentos polticos da burguesia alem, o burgus decair moral atravs dela, a permanecida misria alem em um fantasioso brilho do novo reino, dito melhor, a tentativa de maquiar em torno esta decadncia ideolgica universal em uma nova virtude.

    No perodo imperialista acontece um crescer alm sempre mais forte dessa imagem de Goethe para a aberta reao aberta militante. Goethe j aparece em Nietsche

  • como o sustentculo da filosofia de vida imperialista, e esta tendncia intensifica-se sempre adiante em Gundolf, em Spengler, em Klages, etc. No h uma nica tendncia do Imperialismo reacionrio, irracionalista, inimigo da rao, anticientfico, cuja justificao terica no se buscaria agora na obra da vida de Goethe. E a sempre mais fortemente enfatizada oposio de Goethe atualidade significa tanto aqui, que esta no continuaria ser suficientemente retrgrada para as reivindicaes dos representantes da reao imperialista.

    Esta avaliao ns ouvimos tambm hoje entre os lderes das ideologias burguesas. Aps doze anos do domnio hitlerista, aps os anos terrveis da Segunda Guerra imperialista estes idelogos se comportam ainda sempre como os Bourbonen do tempo da restaurao, eles no aprenderam nada e nada esqueceram. Ortega y Gasset v a essncia do mundo na insegurana, no seu estar dominado pelo poder irracional do acaso. Ele v no ser humano uma essncia, que no consegue ser o que . (Citao de Mallarm). E no se pode observar sem ironia, como essas ordens de ideias conduzem Ortega y Gasset sempre adiante e adiante de Goethe, de modo que ele prprio no fim se v obrigado a esclarecer: Na situao geral do ser vivo dificilmente se deixaria pensar em uma diferena maior que aquela que separa Goethe de ns. Com que ns chegamos felizes com aquela teoria do sculo XIX como perodo de segurana, com qual servente do Fascismo do tipo de Alfred Bumler justificamos o necessrio aproximar-se do Nazismo. Tambm isso no por acaso. Uma relao viva com o passado s aquele pode ter, cuja perspectiva de futuro no obstruda. O Fascismo substitui ambas com mentiras. Ortega y Gasset - dobrando com isso para trs ao tempo de preparao do Fascismo, preparando uma nova variedade da reao militante - se v obrigado a ficar parado pelo desespero e pela falta de relao com o passado progressivo: Por isso deveramos nos perguntar: como parece o passado a um ser humano, cujo futuro o mais incerto, que jamais se confrontou com o gnero humano? O que significa - para ns - o passado? O assunto fica preso no ar... como um enorme ponto de interrogao...

    Evidentemente houve tambm nesta poca progressivas contratendncias. Ns salientamos aqui somente o maior vulto desta tendncia: Thomas Mann. Em seus ensaios, em sua criao da figura de Goethe salva e reestabelecida em um tempo sombrio de reao brbara, da consequente falsificao da essncia de Goethe a sua

  • progressiva e justamente nessa progressividade grandiosa tendncia de vida. Mas porque o olhar de Thomas Mann est dirigido concretamente s problemtica sombria da contemporaneidade burguesa, porque a perspectiva de futuro que hoje j atualidade viva quase na metade do mundo ou amadurece ao encontro de tal atualidade, para ele s aparece abstratamente no horizonte do pensamento, nele se torna de Goethe um vulto gigantesco em um pequeno definhado mundo filisteu. Este pessimismo histrico-filosfico no deixa amadurecer para a concreta perfeio os extraordinrios arranques para a sua imagem de Goethe. Nas confrontaes polmicas ele sempre tem razo, assim como ele refutou j no romance de Fausto a opinio de Ortega y Gasset com as palavras do diabo a Adrian Leverkhn, que Goethe em contraposio arte burguesa de hoje no necessitava de um estmulo demonaco.

    2.

    Ns vemos: toda imagem de Goethe brotou das correntes e necessidades sociais da respectiva atualidade. Esse conhecimento, todavia, no significa nenhum relativismo histrico, como se o acreditou na filosofia burguesa do perodo imperialista. Pois por toda parte surge como critrio da verdade objetiva: em que sentido de um ponto de vista de classe pode surgir um retrato de Goethe completo e possivelmente adequado. A concepo de Ortega y Gasset tambm at aqui notvel, porque ela contm a confisso no intencional de que o Goethe ainda que to desfigurado para a inteligncia burguesa da poca imperialista sempre se torna mais incompreensvel.

    Por outro lado j alumia o aproximar do Socialismo, o destacar do ponto de vista marxista na apreciao sempre mais clara da literatura os traos justamente essenciais e positivos de Goethe. Assim Franz Mehring j antes da Primeira Guerra Mundial imperialista salvou de apuros uma mudana decisiva de sua vida, a viagem italiana, do campo das lendas que falsificam e apresentou segundo a sua real essncia. Mehring demonstra que Goethe queria como ministro de Weimar reformar a sua pequena terra seguindo os princpios sociais do Iluminismo, isto , liquidar nela os restos feudais. O fracasso destes seus esforos e no uma eventual tragdia de amor com Charlotte Von Stein levou-o a deixar Weimar quase em debandada, a abdicar da atividade de ministro no sentido poltico e de agora em diante a se dedicar exclusivamente cincia e arte.

  • Mas mostra-se tambm que esta mudana era ainda mais pronunciada do que Mehring acreditava; certamente esse ponto alto surge inteiramente em seu esprito. Goethe queria mesmo como ministro de Weimar no somente uma poltica interior antifeudal, mas tambm praticar uma poltica exterior antiprussiana, empreender uma tentativa embora medrosa e acanhada na direo do estabelecimento da unidade alem. Ns pensamos com isso a tentativa de fundar a assim chamada aliana dos prncipes, que era imaginada originalmente como unificao dos pequenos estados alemes contra a Prssia e a monarquia dos Habsburg, mas que muito contra a vontade de Goethe, deslizou para o outro lado da linha prussiana. certamente mais do que um acaso que o fracassar de ambos os esforos de Goethe coincida em relao ao tempo com a fuga para a Itlia.

    J estes fatos do uma perspectiva completamente diferente sobre o olmpico apoltico, sobre a sua solido que os interpretes burgueses querem deduzir puramente da sua genialidade. Quando Goethe agora se retira completamente da poltica ativa, assim isso foi o reconhecimento de uma derrota, o reconhecimento de que da sua posio com os meios que estavam sua disposio no podia fazer nenhuma poltica progressiva. Por conseguinte uma profunda resignao. O amadurecido e o idoso Goethe em Weimar assim um combatente derrotado para a renovao da Alemanha, quase do mesmo modo que Lessing em Wolfenbttel, ainda que sob essencialmente outras condies externas como internas. O perodo artstico iniciado por Goethe baseia-se pois neste fundamento social.

    Um breve reanimar das tendncias anteriores da vida traz para Goethe o perodo napolenico. O que significa Napoleo para Goethe? De modo algum aquilo que a lenda da literatura burguesa defende desde Nietsche e Gundolf: o encontro de dois gnios que como gnios se atraram irresistivelmente um ao outro independente de tendncias polticas e sociais. Napoleo via em Goethe o poeta representativo de seu tempo que criou o grande conflito do perodo pr-revolucionrio em Werther, o nico que seria capaz de escrever a grande tragdia poltica da poca napolenica. Goethe por seu lado via em Napoleo o herdeiro das tendncias scias da Revoluo Francesa segundo a expresso de Hegel -, o grande professor de Direito Poltico em Paris, o condutor esperado da liquidao do Feudalismo na Alemanha que no precisa para isso

  • reivindicar as foras plebeias do Jacobinismo. Resumidamente: a simpatia de Goethe por Napoleo era a continuao da sua poltica ministerial de Weimar, um partidarismo s aspiraes da liga renana de Napoleo.

    Esta atitude de Goethe esclarece por que ele at o ltimo momento espera pela vitria de Napoleo, por que ele at o fim da sua vida permaneceu admirador e adepto do corso. Isto explica tambm o seu ceticismo, a sua desconfiana do movimento de libertao. Em uma conversa com o historiador Luden no ano de 1813 ele expressa muito claramente esta mais que justificada desconfiana:

    Afinal, o povo est realmente acordado? Ele sabe o que quer e o que ele pode? ... E cada movimento pois uma revolta? Revolta-se quem descoberto fora? ... E o que foi pois ganho ou conquistado? Eles dizem: a liberdade; mas talvez ns o chamaramos mais corretamente de libertao, pois a libertao no do jugo dos estrangeiros, mas de u m jugo estrangeiro (Destaque meu G. L.).

    Esta linha de desenvolvimento de Goethe no do mesmo modo episdica para a sua linha de desenvolvimento potica. No se esqueceria de que s dois dos muitos esboos dramticos da juventude de Goethe foram executados: Gtz e Fausto, ambos de modo algum por acaso ocorrem na grande poca das crises do Feudalismo alemo que se dissolve, na poca da Reforma e da guerra dos camponeses. Goethe j sentia instintivamente em sua juventude o que Alexander von Humboldt exprimiu claramente nos anos quarenta que a Guerra dos Camponeses era mesmo uma mudana do destino do desenvolvimento alemo, que a renovao da Alemanha teria de ser entabulada l, onde esta sofreu uma derrota. Certamente o drama da juventude est ainda profundamente repleto de uma glorificao romntica do salteador e reacionrio Gtz von Berlichingen. Mas no se esquea de que o trabalho de Goethe mais concentrado e mais difcil na segunda parte do Fausto estava justamente dirigido para o fato de representar esta poca de ora em diante com exatido, objetivamente, com base nas experincias da Revoluo Francesa e da poca napolenica. E s esta representao, s a invaso do Capitalismo moderno no mundo regente do sagrado reino romano torna possvel a viso final do Fausto agonizante: Estar em um solo livre com um povo livre.

  • J este esboo rpido da carreira de Goethe significa a destruio da imagem de olmpico. Esta concepo enalteceu todas as derrotas, todos os comprometimentos no modo de vida de Goethe e at mesmo como sabedoria, como perfeio humana. Agora nosso dever descobrir desconsideradamente todas essas derrotas e comprometimentos, tambm aquelas, onde Goethe prosseguiu interiormente na adaptao s ms tendncias de seu tempo, quando isto era necessrio para a proteo da essncia da sua personalidade humana e potica.

    Assim surge uma imagem de Goethe de todo outra. Ns vemos um Goethe acorrentado em circunstncias adversas, repelido reiteradamente em sues esforos principais, humilhado, um Goethe amargamente silente, que se resigna ironicamente. Isto no mais a rgida estatua de Zeus da burguesia retrgrada. ao contrrio o Prometeu vivo, o que traz a luz, aquele que certamente na misria alem foi forjado frequentemente na pedra, muitas vezes foi mordido pelos abutres da reao.

    Desta forma no verdade que Goethe jamais foi infiel s suas tendncias da juventude. Ele pode ter- se comportado ainda to diplomaticamente em relao ao seu poema Prometeu na velhice, fica nisso a tendncia bsica desta poesia, a qual no somente era dirigida contra o deus transcendente, mas tambm contra os semideuses terrenos do absolutismo feudal alemo. Quando ns descobrimos tambm no Goethe idoso, da mesma forma como no Hegel amadurecido uma reconciliao com a realidade, assim em ambos esta tem dois lados, ela , como Engels escreve sobre Goethe, ora colossal, ora mesquinha. Ela por um lado o crescente e crescentemente aprofundado reconhecimento da essncia da nova formao social do Capitalismo, a investigao ideal e potica, de como seria possvel sob as condies desta nova sociedade um desenvolvimento superior da humanidade, portanto uma rejeio ao mesmo tempo do sistema utopista e pessimista, uma tentativa para reconciliar o curso real da histria com o desenvolvimento progressivo da humanidade, por outro lado, entretanto, uma srie de comprometimentos com os maus e miserveis modos de apario desta realidade, com a lenta capitalizao da Alemanha sob a conservao das caractersticas principais da misria alem. Mostrar como sob estas condies exteriores e interiores o princpio do modo de viver de Goethe e a poesia de Goethe permaneceu, porm, progressiva, porm de acordo com Prometeu, o dever da atual pesquisa alem sobre Goethe.

  • 3.

    S desta base de vida as questes centrais da criao de Goethe tornam-se visveis. Onde est este ponto central? Significativamente nem imediato nem definitivo no puramente potico. Como todos os poetas da poca Goethe tambm mais que um mero poeta. Em tempos mais felizes para a arte este mais era, porm, como visvel em

    Shakespeare, completamente incorporvel a toda obra da vida, no saindo disso. No assim em Goethe. Goethe por um lado a ltima apario da poca desde a Renascena, a ltima, cuja universalidade pode reunir em si a ao prtica, a cincia e a arte, ainda que mais problemtica que esta. Por outro lado Goethe a primeira grande apario da literatura universal que est em permanente luta contra a sua prpria poca, que no mais carregada por ela como os gnios dos tempos artisticamente mais felizes.

    Esta luta est intimamente ligada com uma das maiores qualidades artsticas de Goethe. Ns no nos referimos aqui apenas sua mais forte conscincia sobre os fundamentos sociais e humanos da arte e das formas artsticas isoladas, sobre o que ns falaremos logo a seguir mais detalhadamente. Alm disso, ns descobrimos em Goethe um recente nascer de cada forma em cada uma de suas obras essenciais.

    Da mais variada e individualizada maneira que Shakespeare tambm pode ter criado, h porm uma forma tpica de Shakespeare do drama. Entretanto no h nenhuma de Goethe. De Gtz von Berlichingen at Fausto a forma dramtica recriada cada vez. (Se se observa a questo da forma de fato exatamente, assim, por exemplo, o Tasso algo formal totalmente novo em relao a Iphigenie, para nem

    se falar da Filha Natural).

    E da mais variada e universal maneira que Balzac tambm pode ter criado, h de novo uma forma tpica de Balzac do romance. Mas no h nenhuma de Goethe. Werther, ambos Wilhelm Meister, Wahlverwandschaften (Afinidades Eletivas), para nem mencionar Hermann e Dorohea, no tm nada em comum em sua construo pica, nos ltimos princpios da sua estrutura narrativa.

  • Da mesma forma h uma forma lrica tpica para somente citar poetas

    realmente importantes em Heine ou Baudelaire. Mas no h nenhuma em Goethe. As cantigas e as odes do perodo da juventude no tm nada em comum na essncia exatamente mais profunda da forma lrica com as Elegias Romanas, com a lrica tardia.

    Nas obras ocasionais passageiras Goethe no raramente convencional ou amaneirado. Mas no essencial tudo nele sem igual, tudo nascido da oportunidade nica do respectivo tema. O maneirismo nunca chega a entrar nos momentos essenciais das suas obras essenciais, como de modo algum raramente at mesmo em criadores to importantes da qualidade de Balzac ou de Heine.

    4.

    Nesta particularidade mais profunda da poesia de Goethe manifesta-se a sua luta contra a sua prpria poca. Esta luta dupla: ela se dirige por um lado, como ns j vimos, contra a misria alem, contra o mesquinho Absolutismo alemo impregnado dos despojos feudais. Por outro lado ela contm uma crtica do capitalismo que se aprofunda sempre, que est destinada a remover e destruir esta miserabilidade feudal-absolutista.

    A peculiaridade de Goethe consiste aqui no fato de que ele afirma despreocupadamente tudo de positivo e o avanado no Capitalismo. Conhecem-se as suas observaes sobre o Canal de Suez, o Canal do Panam, o Canal Danbio-Reno, sobre a Amrica e assim por diante; sabe-se que ele esperou a unificao da Alemanha pela amplificao da circulao. Porm ao mesmo tempo Goethe v da mesma forma claramente, como o triunfal capitalismo que se aproxima tem a tendncia de dissolver, de corromper a cultura e a arte, a personalidade humana.

    A luta de Goethe contra a capitalizao do mundo, sua crtica a ela, , portanto, muito complicada. Ele defende principalmente a arte contra as suas tendncias que nivelam e destroem. Ele defende ao mesmo tempo o artista, e at mesmo tanto contra as reivindicaes exteriores arte e antiartsticas da sociedade capitalista como contra aqueles esforos que surgem no prprio artista sob o efeito destas circunstncias

  • desfavorveis que o impelem a entrar para a sua interioridade em direo a uma arte pura, para um alheamento da vida.

    Ns podemos naturalmente indicar estes problemas aqui s por esboos. Eu remeto, pois, ao universalmente conhecido, ao mesmo tempo com a nfase, quo atuais so estas posies de Goethe precisamente em nossa poca do Capitalismo que degenera e das suas atuaes que intoxicam sobre a cultura que ressurge. Conhece-se o conceito de estilo de Goethe que se dirige tanto contra a simples imitao da natureza, portanto contra o que hoje ns chamamos de Naturalismo, como contra o estilo, com a expresso de hoje: Formalismo. E Goethe reconhece, especialmente em seu importante ensaio Der Sammler und die Seinigen(O Colecionador e os Seus) e seus comentrios, numa correspondncia com Schiller, nestes problemas as questes de estilo no somente do seu presente imediato, mas de todo o desenvolvimento moderno da arte desde a Renascena. Aqui se teria referido s s suas observaes sobre Raffael e Michelangelo e outras celebridades da Renascena na correspondncia com Schiller.

    O efeito imediatamente desfavorvel do meio capitalista sobre a arte manifesta-se principalmente na questo da confuso e mistura dos gneros. A assim chamada criao de Goethe segundo o estilo antigo tem como tendncia principal conservar a pureza artstica nesta questo decisiva. Ele escreve uma vez a Schiller: Para mim nisto deu bem na vista, como acontece, que ns modernos estamos to inclinados a mesclar os gneros, sim, que ns de modo algum nem sequer estamos em condies de distingui-los uns dos outros... A estas tendncias no fundo infantis, brbaras, inspidas o artista deveria resistir agora com todas as suas foras, distinguir obra de arte de obra de arte atravs dos impenetrveis crculos mgicos, manter cada um em sua qualidade e suas particularidades, assim como os antigos o fizeram e atravs disso tornaram-se e foram justamente tais artistas. Mas quem pode apartar o seu barco das ondas sobre as quais ele nada? Contra a corrente e o vento percorrem-se s pequenas distncias.

    Mas Goethe percebe ao mesmo tempo tambm alguns das essenciais causas sociais desta situao: o romper da relao direta entre o arista e o povo atravs da diviso do trabalho capitalista, atravs do tornar-se mercadoria capitalista tambm da arte. Nesse sentido ele escreve igualmente a Schiller: Lamentavelmente ns

  • inovadores, talvez, tambm nascemos acidentalmente como poetas e ns nos esfalfamos ao redor de toda a espcie, sem saber ao certo em que realmente estamos; pois as determinaes especficas, se eu no me engano, deveriam a dizer a verdade vir de fora e a oportunidade determinar o talento.

    O empenho potico e terico-artstico de Goethe estava dirigido para salvar tanto quanto possvel contra as tendncias objetivas da poca este determinado de fora, portanto socialmente definido nas obras de arte, na atividade artstica. Ns possumos para isso grandiosos documentos no s na essncia de sua informao artstica, cuja particularidade eu caracterizei anteriormente de maneira rpida, mas tambm em suas exteriorizaes artstico-tericas. Talvez o mais grandioso na separao do pico do dramtico na correspondncia com Schiller, onde Goethe consegue descobrir aquelas formas fundamentais do comportamento humano e da da subsequente orientao artstica, das quais nascem as diferenas da configurao pica e da dramtica.

    Esta clareza esttica s foi possvel para Goethe, porque ele viu claramente determinadas caractersticas importantes do Capitalismo na medida em que isto para ele era possvel histrica e moderadamente pelas classes sociais. Ele viu no s o desenvolvimento capitalista das foras produtivas, qual desenvolvimento ele afirmou incondicionalmente, completamente sem sentimentos como o episdio Philemon e Baucis mostra na segunda parte do Fausto -, mas tambm as contradies ligadas inseparavelmente com elas, novamente dentro das fronteiras histricas e sociais esticadas a ele. J no Werther criada esta problemtica; ambos os romances Wilhelm Meister do um quadro amplo e profundo sobre a dialtica da atividade social do indivduo na sociedade que se capitaliza; nos Wahlverwandschaften (Afinidades Eletivas) ns vemos a dialtica do amor e do casamento na nova sociedade burguesa, e assim vai isso adiante at o monumental final na segunda parte do Fausto.

    Marx j descobriu o carter capitalista da conhecida frase de Mefistfeles:

    Se eu posso pagar seis garanhes,

    As suas foras no so as minhas?

  • Eu corro demais e sou um homem direito,

    Como se eu tivesse vinte e quatro pernas.

    E m meus estudos sobre Fausto eu tratei deste problema pormenorizadamente.

    Aqui seria chamada a ateno s para um nico, porm, decisivamente importante problema para a dialtica da liberdade na sociedade capitalista. Principalmente temo-lo a ver com a concepo mefistoflica da liberdade no capitalismo. A forma de apario exterior na verdade a da acumulao primitiva, a essncia vale, entretanto, para toda a poca:

    O mar livre liberta o esprito...

    Eu no precisaria conhecer nenhuma viagem de navio:

    Guerra, negcio e pirataria,

    Eles trs so unidos, no se podem separar.

    Bastante diferente o problema da liberdade est colocado para o prprio Fausto. Ele se aproveitou at mesmo da ajuda de Mefistfeles, ele pode construir na verdade s atravs das foras dela o seu intermundium progressivamente capitalista no mundo feudal, que em si se dissolve, ele observa na verdade sem arrependimento a destruio das formas de vida primitivas atravs da marcha triunfal deste Capitalismo, mas ele sabe com clareza sempre crescente, como ele envolvido justamente assim na rede de magia demoniacamente capitalista.

    Por isso para Fausto a liberdade : a libertao da magia mefistoflica, das condies de vida e de ao anti-humanas do Capitalismo:

    Ainda eu no me debati em campo aberto:

  • Se eu pudesse afastar a magia da minha senda,

    Desaprender as frmulas mgicas completamente,

    Se eu ficasse, natureza, diante de voc um homem sozinho,

    A valeria a pena ser um ser humano.

    . . . . . .

    Agora o ar est to cheio de tal apario,

    Que ningum sabe como ele a deve evitar.

    Esta contradio insolvel no s para Fausto, mas tambm para Goethe. A sua clara compreenso e a sua genialidade potica manifestam-se justamente no aspecto de que ele cria a contradio insolvel como insolvel, de que ele mostra o profundo trgico no indivduo Fausto, ao mesmo tempo, porm, uma perspectiva para o gnero humano embora transcendente apresentada como um todo, de que, apesar do trgico do indivduo Fausto, Mefistfeles pois no permaneceu vitorioso. Assim efetua-se a soluo da contradio entre ambos os conceitos da liberdade s na viso de futuro de Fausto cego, agonizante: Estar em solo livre com um povo livre.

    Este contedo e esta forma de criao uma defesa enrgica da integridade do ser humano contra o Capitalismo se tornou possvel s na base de um genuno exame essncia do Capitalismo correspondente s relaes. Goethe est com este exame, ao lado de Hegel, isolado entre os seus contemporneos. Pois no se trata do fato de notar e criticar determinados lados ruins do desenvolvimento capitalista, determinados dos seus efeitos desfavorveis sobre a cultura. Isto tambm os romnticos fizeram. O mais claramente marcado o seu estilo diametralmente oposto ao de Goethe nos comentrios crticos de Novalis a Wilhelm Meister. Tal anticapitalismo romntico havia na Alemanha desde ento quase sempre, at que ele ento degenerado completamente em demagogia reacionria no desenvolvimento que se segue a Nietsche

  • at o Fascismo. A preservao da arte baseia-se, portanto, em Goethe em um verdadeiro reconhecimento da atualidade que se aproxima, que forma, porm, mesmo para ele s um momento no desenvolvimento progressivo de toda a histria da humanidade.

    A defesa do artista contra a poca capitalista significa um conflito com a diviso social do trabalho nesta formao. Esta defesa, como ns vimos, tem seus dois lados. O mais simples a luta contra o fato de que os artistas se submetem s exigncias falsas, prosaicas, comerciais da economia capitalista de mercadorias. A clara constatao da essncia, dos objetivos e meios de uma arte autntica era neste sentido o centro da obra educativa de Goethe para as geraes vindouras de escritores, e esta educao permaneceu ativa nos melhores at os nossos dias.

    Mais complicada a luta contra as reaes subjetivamente sinceras, mas objetivamente falsas dos artistas a esta situao social da arte, contra o ser introduzido dos escritores em uma subjetividade obstinadamente fechada, em um isolamento e desagregao do modo de viver, na execuo de uma arte por causa da arte. Ns j vimos que Goethe se esforava para compreender as mais abstratas leis formais do gnero como comportamento humano.

    Aqui tambm a sua luta se dirige contra aquela relao para a vida que surge em virtude de tal falsa reao ao presente. O prprio Goethe sentia que este perigo tambm o ameaava.

    A sua crtica deste comportamento que toca mais profundo positivamente a tragdia de Tasso, daquele Werther elevado. Tasso em Goethe aprisionado no prprio mundo artstico da imaginao; apesar de permanente e verdadeiro anseio para a vida surge nele uma estranheza perante a vida. Esta estranheza faz de Goethe a base da sua queda trgica. Mas tambm no demais Goethe se esfora para mostrar sempre como tal vida e a produo crescente de uma vida deve se tornar necessariamente problemtica, e ope sempre a este comportamento humano a ligao ntima com o presente, com a vida, o aprender da vida. S de uma vida ricamente vivida pode surgir uma arte autntica e rica nisso Goethe e Gorki esto de acordo.

  • Esta compreenso, esta obra educativa alastra-se para todos os detalhes da atividade artstica. A crtica que Goethe exerce aqui possui uma atualidade proftica para os nossos dias, nos quais este alheamento da vida entre os escritores burgueses avanou muito mais adiante que na poca de Goethe. Eu escolho da abundncia destas crticas que vo ao detalhe somente uma, na qual Goethe outra vez profeticamente - desmascara o mtodo de observao tornado comum desde o Naturalismo. Ele diz a Eckermann: Eu nunca observei a natureza com fins poticos. Mas porque o meu desenho anterior da paisagem e depois a minha posterior investigao da natureza me levaram a uma constante considerao precisa dos objetos naturais, ento eu decorei gradualmente a natureza at os seus mnimos detalhes de tal modo que, quando eu como poeta preciso de alguma coisa, isto est minha disposio e eu no peco facilmente contra a verdade. Assim tambm Balzac e Tolstoi observaram a sociedade. S de uma vida rica surge uma literatura mais profundamente verdadeira.

    5.

    A literatura burguesa de Goethe fala sempre da grande personalidade de Goethe. E a exemplaridade do olmpico serviu para o fato de servir arte da vida dos estetas e egostas burgueses, que sempre se torna mais vazia, mais superficial e mais frvola para o apoio intelectual moral. No imperialismo anterior guerra esta parte da vida ultrapassou gradualmente de Goethe a Oscar Wilde, entre ambas as guerras mundiais a Kierkegaard.

    O desenvolvimento do indivduo, a defesa da sua integridade pessoal, intelectual, artstica e moral contra os efeitos cotidianos do sistema capitalista criam na verdade um momento importante do modo de viver e da obra de Goethe. O que decide, porm, a concepo de personalidade, a concepo da relao entre o ser humano e o gnero.

    Em contraposio ao desenvolvimento burgus posterior, esta relao em Goethe a mais imaginavelmente estreita. Ele diz no ano da sua morte a Eckermann:

    No fundo, porm, todos ns somos seres coletivos, ns gostamos de nos colocar como ns queremos. Pois como temos e somos pouco, o que ns chamamos no

  • mais puro sentido a nossa propriedade! Ns devemos aceitar todos e aprender, tanto daqueles que estiveram antes de ns como daqueles que esto junto a ns. Mesmo o maior gnio no chegaria longe, se quisesse agradecer tudo ao seu prprio interior. Mas isso muitos muito bons seres humanos no entendem e s apalpadelas andam com seus sonhos de originalidade a metadeda vida na escurido...

    Eu talvez possa falar de mim mesmo e dizer modestamente como eu sinto. verdade, na minha longa vida eu fiz e realizei vrias coisas do que eu pudesse talvez me vangloriar. Mas o que tive, se ns desejamos ser sinceros, o realmente meu foi, como aptido e inclinao, ver e ouvir, diferenciar e escolher, com algum esprito vivificar o visto e o ouvido e com alguma habilidade interpretar. Eu devo a minha obra em caso algum s minha prpria sabedoria isoladamente, mas a milhares de coisas e pessoas alm de mim que me ofereceram o material para ela... Eu no tinha nada mais a fazer do que aproveitar a oportunidade e colher o que outros tinham semeado para mim.

    no fundo tambm uma tolice, se algum tem algo de si, ou se o tem de outros, se algum atua atravs de si, ou se atua atravs de outros: o principal que se tenha um grande querer e se possua a aptido e a perseverana para execut-lo; todo o resto indiferente.

    Assim olhando retrospectivamente para a prtica de sua vida Goethe coloca o problema da ao recproca ntima e ininterrupta do ser humano para o gnero, da certeza ininterrupta de cada exteriorizao vital da personalidade atravs do desenvolvimento da espcie humana.

    Isto naturalmente um problema da poca, uma questo, que ocupa fundo todos os grandes precursores e contemporneos de Goethe. J Lessing coloca esta questo muito energicamente em seus ltimos escritos; a filosofia da histria de Herder est determinada no lugar mais fundo por esta posio do problema. Mas com clareza decisiva s o maior pensador alemo e o maior poeta alemo deste perodo colocaram este problema em questo: Hegel e Goethe. Esta relao junta as duas maiores obras da poca clssica alem: o Fausto de Goethe e a Fenomenologia do Esprito de Hegel. Ambas as grandiosas obras tm no Iluminismo alemo os seus precursores importantes. Ma o que distingue Goethe e Hegel aqui para com os seus antecessores e

  • contemporneos que eles esto em condio de colocar a questo central, a relao e ao recproca entre o indivduo e a espcie humana mais sensatamente, mais prximo realidade e mais dramaticamente. J no fragmento do Fausto de 1790 aparece esta questo com todo o pattico lrico-dramtico de Goethe. Fausto diz:

    E o que concedido a toda humanidade,

    Eu quero desfrutar em meu eu interior,

    Com o meu esprito apanhar o mais alto e o mais profundo,

    Acumular em meu peito o seu bem e a sua dor,

    E assim expandir o meu prprio eu ao seu eu ...

    Esta mudana mais dramtica, mais dialtica do problema s aparece aps a Revoluo Francesa, um produto da nova situao mundial criada por ela, uma generalizao das suas experincias. Nos grandes iluministas vivia o ideal da possibilidade de realizao do reino da razo. Este reino eles esperavam da Revoluo Francesa. Seu triunfo, entretanto, criou uma situao bastante nova, mais dramtica e mais dialtica, enquanto ela, despreocupada com a sua formulao ideolgica, concretizou o contedo materialmente social deste ideal. Engels exprime brilhantemente esta virada, quando ele constata que o reino de razo realizado pela Revoluo Francesa mostra-se como o reino da burguesia.

    Com isso pela primeira vez as reais contradies entre indivduo e espcie podem distinguir-se claramente na vida e ser compreendidas de modo potico como ideal. O otimismo do desenvolvimento dos grandes iluministas em princpio no problemtico, no trgico (pensar-se-ia no fragmento de Fausto de Lessing) est com isso fracassado. Mas isso est longe de significar uma desistncia do otimismo do desenvolvimento em relao ao desenvolvimento da humanidade. A linha do desenvolvimento da espcie que sempre indica para cima consiste, portanto, agora de uma srie de tragdias individuais. Hegel formulou essa constelao como a astcia da razo e a exprimiu na poca da preparao da Fenomenologia do Esprito em relao

  • ao fim de Robespierre assim: A sua fora o abandonou, porque a necessidade o tinhaabandonado, e assim ele foi derrubado com violncia. O necessrio acontece, mas cada parte da necessidade costuma ser concedida s a indivduos isolados. Goethe escreve em uma carta a Zelter exatamente no mesmo sentido: O ser humano dever ser arruinado novamente! Todo ser humano especial tem uma determinada misso que ele est designado a executar. Se ele a cumpriu, ento ele no mais necessrio na terra nesta figura... E Hegel exprime assim em sua Filosofia da Histria a relao universal deste problema: O especial tem o seu prprio interesse na histria do mundo; ele algo finito e como tal deve perecer. o especial, que se debate com o outro at a exausto, e do qual uma parte arruinada. Mas na luta, na queda do especial resulta o universal.

    Tal filosofia tcita o fundamento da composio de Fausto: as tragdias no microcosmo das individualidades particularizadas formam o caminho para o se revelar do avano inexorvel no macrocosmo do gnero humano. Da o otimismo inabalvel de Goethe, que toca o todo do gnero humano, da a sua concepo e representao realisticamente no sentimental das tragdias individuais ainda to profundamente sentidas.

    Nesta base filosfica surge a poesia universal de Fausto. Ela abrange o desenvolvimento da humanidade em uma relao homognea que alcana e abrange poeticamente at o presente de Goethe. Goethe est inteiramente consciente sobre a particularidade desta composio. Por ocasio da publicao do fragmento da Helena ele escreve a Wilhelm von Humboldt: Eu tenho de vez em quando continuado a trabalhar nisso, mas a pea no pode ser acabada como na abundncia dos tempos, porque ela pois representa agora os seus 3000 anos completos, da queda de Troia at a ocupao de Missolunghi. Isto se pode assim tambm tomar por uma unidade do tempo, no sentido mais alto; mas a unidade do lugar e da ao tambm observada o mais precisamente no sentido habitual.

    Mas esta unidade ideal e potica tem a sua base real no desenvolvimento social, ainda que Goethe e Hegel no puderam reconhecer adequadamente as suas verdadeiras leis. Esta base que o ser humano cria para si prprio, desenvolve para si prprio est em seu trabalho, atravs de seu trabalho. Marx em sua crtica Fenomenologia de Hegel determinou o significado do trabalho at o ponto em que o

  • ser humano realmente tira dele todas as suas foras do gnero... Isto o teor ideal e potico do ato final da segunda parte do Fausto. Isto o que nem o Romantismo liberal de Vischer nem o Romantismo reacionrio de Gundolf puderam e quiseram entender. Ambos viram l uma prosa, onde Goethe criou a mais profunda poesia do desenvolvimento da humanidade, sua automovimentao atravs da prpria prtica, atravs do prprio trabalho.

    Esta concepo do destino da humanidade grandiosa, real, sobriamente no sentimental e ao mesmo tempo heroico-trgica determina a clara profundidade da poesia de Goethe. Eu tentei apresentar em outros contextos como a incomensurabilidade da forma do poema de Fausto , pois, completamente racional e orgnica no sentido potico, enquanto esta forma tambm aqui brota organicamente de um material nico e simultaneamente racional. Mas isto s por isso possvel, porque o material e sua

    organizao potica no contm somente o humano no sentido individual, mas est ligado inseparavelmente com o destino da espcie, com o destino da humanidade.

    O poeta na acepo de Goethe o portador e anunciador deste desenvolvimento superior do gnero humano sempre cercado de tragdias individuais. Goethe renova aqui a antiqussima misso da arte e literatura: de ser o veculo do desenvolvimento da conscincia da humanidade sobre si mesmo. Eis porque isso um credo do poeta Goethe que excede sobre a ocasio que provoca:

    E se o ser humano emudece em sua dor,

    Um deus deu-me a dizer o que eu sofro...

    A poesia de Goethe a poesia da expresso idealmente articulada que traz a realidade subjetiva como objetiva para a clareza, para a ideia. Isto, entretanto, no uma questo da potica no sentido mais restrito, mas a da viso do mundo. Pois o ato de se expressar de que se trata aqui, no a clareza gramatical das locues isoladas, mas a questo, se a poesia um exprimir da razo que se torna sempre mais clara nos acontecimentos mundiais ou um emudecer diante da sua falta de sentido e pretensa impossibilidade de expresso.

  • O ltimo a posio bsica humanamente potica da decadncia, se a sua literatura quiser se expressar claramente nos seus pormenores ou - de modo consequente - transcrever a confuso da imagem do mundo para a expresso do detalhe, para a escolha da palavra, para a gramtica, etc., como o fizeram o Dadasmo e o Surrealismo. Mas independentemente de tais diferenas artsticas a arte da decadncia significa a do irracionalismo, da impossibilidade de articulao interna, do emudecimento em vista de um caos subjetivamente percebido. E isto considerado deste contexto por causa de que o indivduo que faz poesia em sua conscincia, em sua imaginao presunosa desprendeu-se do destino da espcie, porque ele no mais conscientemente quem trabalha como cocriador do destino da espcie.

    Dever-se-ia revisar toda obra da vida de Goethe para se destacar devidamente esta oposio decadncia, que de decisiva importncia para o atual desenvolvimento superior da literatura no pases onde ainda a luta entre o velho e o novo no est decidida. Tambm aqui ns podemos salientar s alguns pontos de vista importantes.

    O caminho determinante do fazer poesia na decadncia a introspeco. Enquanto se mergulha nas profundezas da prpria alma, enquanto se sutilizaram mtodos pseudocientficos para este auto pesquisar (Freudismo), julga-se atingir de agora em diante as verdadeiras, as efetivas profundezas da vida. Goethe s vivenciou os primeiros de todos os comeos de tais tendncias, mas j os refeitou radicalmente. A sua rejeio, entretanto, vai, como em todas as questes, muito alm da potica e da teoria da arte no sentido mais restrito e se torna um problema generalizado do modo de viver. Em uma conversa com Eckermann sobre essa questo Goethe diz o seguinte: Disse-se e se repetiu em todos os tempos que se deveria pretender conhecer-se a si mesmo. Isto uma estranha pretenso a que at agora ningum bastou, e a que no fundo tambm ningum deve bastar. O ser humano com todo o seu sentido e ambies depende do exterior, do mundo em volta dele e ele o deve conhecer conquanto e conquanto se sujeitar, quando ele o necessita para os seus propsitos. De si mesmo ele s sabe quando ele desfruta ou sofre, e assim ele tambm s se instrui atravs dos sofrimentos e alegrias de si, o que ele deve buscar ou evitar. Para Goethe h, portanto, s um caminho para o autoconhecimento, o da ao prtica na sociedade. Toda a

  • introspeco ele rejeita como caminho errado que conduz aos pntanos da subjetividade vazia.

    Se ns ento mencionamos como um segundo exemplo o posicionamento de Goethe para com a burguesia, ns nos distanciamos aparentemente para muito longe da decadncia. Na realidade trata-se de da mesma questo, pois aos olhos de Goethe os seres humanos da subjetividade exaltada so somente uma variedade do burgus. A sua definio nas stiras mansas soa assim:

    O que um burgus?

    Uma tripa oca,

    Ocupada com medo e esperana,

    Valha-me Deus!

    Aqui o medo e a esperana so as determinaes decisivas. Elas so as formas do pensamento e do sentimento dos seres humanos que imaginam ter se desprendido subjetivamente da prtica do gnero humano, para os quais, portanto, a boa ou a m sada de seu destino individual o nico decisivo. A grande filosofia da ascendente classe burguesa nos limites das suas possibilidades combateu esta viso do mundo e tenta sob a renovao do Estoicismo ou do Epicurismo, libertar a moral destes vales e estreitezas egostico individualistas, sobretudo assim Spinoza. E Goethe aqui continuador de Spinoza, quando ele no Cordo Carnavalesco da segunda parte do Fausto apresenta encadeados o medo e a esperana como os dois dos maiores inimigos da humanidade. Tambm esta rejeio do medo e da esperana em Goethe vem da ligao ntima do destino individual com o gnero humano. Enquanto ele observa as tragdias individuais, tambm a sua prpria, serena e no sentimentalmente desde esta altura da viso do mundo, ele pode rejeitar o estar aprisionado subjetividade mera e abstrata da mesma forma serenamente como burguesia.

    Da tambm, para analisar esta questo uma vez do ponto de vista da abordagem literria, a opinio de Goethe sobre a poesia de seus contemporneos.

  • Clssico eu denomino o saudvel, romntico o doente. Saudvel e doente devem-se entender aqui neste sentido da ligao consciente com a sociedade, com a humanidade e seu desenvolvimento ou com a separao subjetivamente decadente dela. Por isso Goethe rejeita Kleist como doente. E quando os admiradores atuais de Kleist o acusam por isso com o fato de que ele no compreende o artisticamente novo em Kleist, de que ele julgou de um ponto de vista inadequado, antiquadamente classicista, ento deve-se perguntar, por que Goethe no era por demais antiquadamente classicista, para ser capaz de acolher com compreenso em seus ltimos anos de vida as primeira grandes obras de Balzac e Stendhal? O saudvel e o doente no so mesmo em Goethe categorias formalsticas de uma potica classicista, mas expresses para um comportamento correto ou distorcido para a vida social, do qual surge com necessidade uma literatura adaptada realidade ou que reflete distorcidamente.

    6.

    O ser direcionado do criar de Goethe sobre o saudvel possui, entretanto, um destaque especial, pelo qual impossivelmente pode passar despercebido mesmo o observar rpido da sua obra da vida. Ns nos referimos ao problema da beleza e com ela o da relao antiguidade.

    Trata-se aqui de uma questo que ao mesmo tempo mais profundamente condicionada histria e de grande importncia universalmente esttica. A renovao da beleza da antiguidade em modo diferente em conformidade com as pocas e as condies das classes a grande anunciao esteticamente poltica, programaticamente ideolgica da liquidao do Feudalismo na Europa. No perodo de preparao da Revoluo Francesa, nela mesma e em suas consequncias imediatas remove-se a nfase deste estilo clssico tambm sobre a luta contra a monarquia absoluta. Goethe a figura mais expressiva desta tendncia europeia que se estende de Winckelmann e Alfieri at Shelley e Hlderlin.

    O que importa aqui indicar resumidamente a posio especial de Goethe neste contexto. Sobretudo deve-se ver claramente que justo nele a questo da beleza est ligada mais intimamente com o problema agora mesmo tratado, com a unio ntima, dialtica dos seres humanos isolados e o gnero. A beleza s pode surgir para Goethe

  • onde o especial do ser humano isolado revela o gnero em todas as suas determinaes, onde o seu mais individual modo de apario uma expresso imediata do universal, da lei. Pela a lei, segundo a qual voc se apresentou, assim voc deve ser...

    Mas isso ainda uma determinao demais distante. Pois o impor-se da lei pode ser organicamente sem problema ou distorcidamente problemtico. E Goethe era excessivamente realista, assistia sua poca por demais sensatamente sem problema, para deixar passar por si despercebidamente as contradies que aqui surgiam. O ponto de vista da sade, da relao do ser humano e o gnero produziu neste caminho a perfeio artstica da forma de muitas de suas obras. Entretanto tambm a perfeio artstica algo muito mais amplo que a beleza. Goethe viu-se obrigado, quando ele comps o episdio da Helena e tinha nisto receios e escrpulos, de incluir esta no confuso mundo de Fausto, de recorrer s vantagens brbaras que seu contedo prescreveu necessariamente para a forma.

    Beleza um caso especial da perfeio artstica. Um especial, pois nisso ele deve levar um contedo que contenha em si j a harmonia para a sua prpria forma, para a beleza; um especial, pois a purificao do contedo demais obsequiosa, demais cuidadosa pode muito facilmente afastada a obra da vida, tornar o contedo abstrato e superficial, a forma classicista-acadmica.

    A aspirao beleza de Goethe esta ligada por um lado intimamente com a sua grande concepo da natureza e suas regularidades. O belo, diz ele, uma manifestao das leis ocultas da natureza, que sem esta apario teriam ficado eternamente encobertas. E ainda mais concretamente na Metamorphose der Tiere (Metamorfose dos Animais):

    Portanto, a forma determina o hbito do animal,

    E o modo, de viver, ele exerce reao poderosa sobre todas as formas...

    Estes limites nenhum Deus estende, a natureza os respeita

    Pois, somente assim limitado nunca o perfeito foi possvel.

  • Esta natureza to grande, mostrando-se compreendida cientificamente to ampla no futuro determina em Goethe tambm a beleza humana. O produto final da natureza que sempre se intensifica, diz Goethe em sua publicao Winckelmann, o belo ser humano. Mas a natureza pode produzi-lo s raramente e tambm ento sem durao. Poder-se-ia dizer, seria somente um momento, no qual o belo ser humano seria belo. Proporcionar durao s a arte pode, a obra de arte; pois no que ela se desenvolve espiritualmente do total das foras, assim ela absorve em si todo o maravilhoso, o digno de respeito e de amor e se ergue, em que ela anima a figura humana, o ser humano sobre si mesmo, fecha o seu crculo de vida e de atuao e o idolatra para o presente, no qual o passado e o futuro esto compreendidos,

    Onde as circunstncias internas e externas da vida o permitiram a Goethe conseguir exteriorizar de tais conhecimentos e convices, surge no somente a perfeio artstica, mas tambm a beleza. O ensaio Wilckelmann mostra a contento como aqui o modelo da antiguidade era orientador. Todavia meramente no ser dirigido ao saudvel e essencial humanamente, individualmente moderado pelo gnero, de modo nenhum no sentido de um Classicismo que estiliza. O Goethe idoso aconselha aos jovens artistas: O jovem artista juntar-se-ia s danas dos camponeses domingos e feriados, ele ficaria sabendo do movimento natural e daria moa do campo a roupagem de uma ninfa, ao rapaz do campo um par de orelhas, quando no at ps de bode. Se ele captura a natureza corretamente e sabe dar s personagens uma decncia nobre e livre, assim nenhum ser humano percebe de onde ele o tem e cada um jura, ele o teria tomado da antiguidade. De tal modo de pensar, de tal prtica nasceram os grandes personagens de Goethe da Iphigenie at a Gretchen, do Egmont at o Valentin.

    Entretanto a vida na misria alem tornou para ele impossvel um resistir consequente nesta conduta artstico-humanstica. Ele fala consideravelmente sobre si mesmo, quando ele salienta a natureza clssica de Winckelmann, que definitivamente no podia reprimir a baixeza, o desgosto: Assim que ele apenas chegou a uma liberdade conveniente para ele, ele aparece bastante completo, total+mente no sentido clssico.

  • No prprio Goethe mistura-se - em diferentes perodos, em diferentes crculos da vida diferentemente liberdade antiga e resignao antiga tardia, estoico-epicurista. Ns vimos como para Goethe a liberdade estava muito associada tambm como condio de vida da arte, com a libertao da misria alem, com a libertao da magia mefistoflica. H mais de uma dcada eu chamei a ateno com insistncia para o seu importante ensaio sobre o Literarischen Sansculottismus (Movimento Literrio dos Revolucionrios Proletrios) para o fato de que os pressupostos sociais e nacionais ali citados de uma arte clssica, a transformao democrtica, a unidade nacional criam a chave para a sua concepo da arte. Mas ao mesmo tempo tambm para o fato de que a concluso resignada: Ns no queremos desejar as transformaes que poderiam preparar as obras clssicas na Alemanha, d o esclarecimento a isto, por que Goethe nem sempre foi clssico-antigo no sentido caracterizado acima por ele mesmo, mas inclinou-se no raramente, mais ou menos, a um classicismo que estiliza. Tambm aqui, como em toda parte, devem em Goethe ser separados a vitria e a derrota, a resignao, o comprometimento, o colossal deve ser divorciado do mesquinho (Engels).

    7.

    Esse Goethe em sua verdadeira grandeza, com os seus limites histricos, sociais, da moderao de classes, com as suas derrotas e comprometimentos tornou-se para ns s perfeitamente visvel desde que a vitria do socialismo se tornou realidade.

    Isto no deve significar de modo algum como se Goethe tivesse sido um socialista em qualquer sentido, tambm nenhum precursor, nem mesmo por um momento um pressagiador do Socialismo. pueril, quando os intrpretes burgueses querem interpretar Os Anos de Aprendizagem mais ou menos socialistamente. Goethe o maior, o mais universal, o mais completo vulto de um estado anterior no qual est contido efetivamente muito que remete ao futuro, mas na verdade s pode ser compreendido, quando o estgio mais alto j foi realizado.

    Para tornar isto realmente claro ns deveramos recapitular tudo a partir daqui e colocar em um novo exame o que ns at agora expusemos sobre Goethe. Isto infelizmente impossvel no limite de uma conferncia. Eu s aponto para a concepo de Goethe sobre a problemtica da arte no Capitalismo, para as suas tentativas de

  • superar esta problemtica, e para o fato de que o Socialismo do ponto de vista social traz para a soluo exatamente isto, que segundo Goethe a arte de seu tempo tornou to problemtico, que, como se sabe, as determinaes especficas de fora, de fora da arte, so levantadas da parte da sociedade, que assim no Socialismo a arte perde justamente aquele isolamento social, sob o qual Goethe to profundamente sofreu e de cujas consequncias devastadoras para o desenvolvimento da arte ele tentou superar to heroicamente.

    Desta mesma forma isto est na questo da nao. Goethe, como os outros vultos importantes deste perodo , era um grande poeta nacional sem nao. Ento justamente o desenvolvimento do socialismo na Unio Sovitica resolveu exemplarmente o verdadeiro tornar-se nao. At mesmo os povos, que at o Grande Outubro no tinham histria ou que perderam a continuidade histrica de seu desenvolvimento nacional, desenvolveram-se aqui em verdadeiras naes. E este tornar-se nao no Socialismo, na Unio Sovitica est ligado inseparavelmente com a unificao fraternal das diferentes naes, pelo que igualmente um sonho de Goethe tornou realidade.

    Tambm a questo da beleza aparece aqui em uma nova luz. A sua natureza duvidosa, a sua raridade, a sua incapacidade para a permanncia provm sim igualmente das contradies antagnicas das sociedades de classes, sobretudo do Capitalismo. E justamente para Goethe, para quem a beleza nunca foi um problema formal esttico em sentido estrito, mas a expresso de uma harmonia real do indivduo com a espcie, do ser humano com a natureza, como os seus semelhantes, surge devido supresso das contradies antagnicas do desenvolvimento social a realizao do seu mais profundo anseio pela vida.

    Ns poderamos continuar esta enumerao quase em todos os problemas do modo de viver, da obra da vida de Goethe. Ns queremos nos concentrar, todavia, aqui naquele problema que tambm at agora esteve no centro de nossa apresentao, no problema da relao do indivduo e a espcie. O que Goethe e Hegel viram e previram o que eles nas circunstncias dadas de ento conseguiram para criar s em uma solidariedade tragicamente antagnica, respectivamente para levar ao conceito,

  • hoje na Unio Sovitica Socialista uma experincia quotidiana e grande, sensata e heroica de centenas de milhes de seres humanos.

    J quando Liebknecht e Dimitroff se defenderam como rus em um tribunal da classe burguesa, a sua defesa evoluiu para uma acusao: em nome da classe revolucionria, da nao progressiva, da humanidade, da espcie humana, cujos genunos interesses progressivos eram representados justamente pelo proletariado, a sua acusao desmascarou os degenerados indivduos e as classes que impediam o progresso.E quando Lenin e Stalin elevaram as experincias do movimento revolucionrio dos trabalhadores ao termo e prtica conscientemente conduzida do proletariado, deixou-se falar nisto, na voz da classe trabalhadora, a do gnero, a da libertao da humanidade e se uniu inseparavelmente com a voz, com a prtica da vida destas imponentemente grandes personalidades.

    E a prtica socialista da Unio Sovitica de mais de trinta anos mostra: cada ser humano est em solo livre com um povo livre; enquanto ele trabalha, enquanto ele absorve em si conscientemente as experincias do trabalho da humanidade, enquanto ele aproveita o seu desenvolvimento pessoal em seu trabalho para o enriquecimento das experincias do gnero humano, enquanto a sua atividade provoca nele mesmo e naqueles que com ele cooperam as verdadeiras foras da espcie, est realmente l, atua e desenvolve-se realmente l, aonde Fausto chega simplesmente nas suas vises do futuro depois de longos, graves, trgicos erros.

    Pois a libertao da magia, das correntes mgicas do Capitalismo um problema tragicamente insolvel para Fausto j est aqui executada. O Grande Outubro afugentou Mefistfeles juntamente com as suas foras mgicas do palco da Histria.

    Em segundo lugar a realizao de Fausto se tornou meramente terrena. Goethe pode criar s a salvao do mais interior cerne humano de Fausto diante de Mefistfeles. A prpria salvao, a realizao do anseio de Fausto devia permanecer transcendente vista idealmente, ser transferida artisticamente para o cu. Esta cena do cu um grande sinal da sobriedade e honestidade ideal de Goethe, assim como da sua fora de criao potica. Pois a inconsistncia vista espontaneamente abstrata, que

  • Fausto s pessoalmente, subjetivamente no derrotado, que impossvel uma vitria objetiva sobre Mefistfeles sob as circunstncias histrico-sociais de Goethe, mas que apesar disso Mefistfeles vencido e a espcie humana afinal de contas de um modo desconhecido para Goethe sempre triunfa e avana adiante: tudo isto s pode ser evidenciado artisticamente atravs da cena do cu.

    O cu da ltima cena assim a criao da continuidade da vida da espcie transcendente par Goethe, em concretizao terrena no realizvel, infinita, progressista e nela a da realizao do indivduo. Aqui a polmica de Goethe contra a esperana burguesa individual recebe uma verdadeira neutralizao no sentido positivo como no negativo: quando dada a perspectiva do desenvolvimento social cientificamente fundamentada para cada indivduo tambm como a sua prpria perspectiva de futuro, esta esperana deixa de existir, mas ao mesmo tempo cumpriu-se todo o direcionar-se ao futuro, legtimo pois ao mesmo tempo individual e coletivo.

    O contedo histrico da cena do cu tornou-se terreno no Socialismo: prosaico, quotidiano, prtico e heroico. Entretanto justamente enquanto o novo desenlace de Fausto moderado pelas classes e pelo contedo deve ir alm de Goethe, alm do seu mais amplo horizonte, ele confirma as suas tendncias mais profundas da viso do mundo e poticas. Pois estas precisamente so acima de tudo e o mais profundamente terreno universais, terrenamente populares, sensorialmente massivas. Goethe diz sobre si mesmo com razo que ele teria sido em substncia muito mais democrtico que Schiller. Nunca se esqueceria de quais esforos da sua sabedoria artstica isso necessitou, para que o final celestial transcendente do Fausto conseguisse ento uma imanncia patente do terreno ou ao menos se aproximasse dela. O criador da Gretchen e da Klrchen, da Dorothea e da Philine confirmado em sua mais genuna essncia potica, quando a realizao da atividade humana, individualmente moderadora do gnero, da vida individual se torna puramente terrena. O aluno e contemporneo de Lukrez e Spinoza reconhecido em suas mais profundas tendncias ideais, quando a encarnao da humanidade resulta puramente das prprias foras, da humanidade imanente dos seres humanos trabalhadores, da vitoriosa classe dos trabalhadores.

  • O Socialismo ultrapassa teoricamente para muito alm do horizonte de Goethe e com maior razo em sua concretizao prtica. Mas justamente a partir daqui os seus melhores, os seus mais altos atributos recebem uma nova luz. Justamente porque ele no parece reinar como olmpico acima das lutas humanas, justamente porque as suas fraquezas e as suas mculas, as suas derrotas e os comprometimentos, os seus limites tornam-se impiedosamente visveis nesta luz, ele aparece como amigo e companheiro de viagem dos atuais construtores de um novo mundo digno do ser humano, como guia artstico para a sade para fora da lama de uma patologia da arte, para fora da lama de uma simpatia com a doena e o apodrecimento, com a decomposio e com a morte, como Thomas Mann o formulou to corretamente para a arte moderna.

    Um sculo e meio oscilou a imagem de Goethe tambm nos mais honestos e melhores pesquisadores. Somente a realizao do Socialismo, a vida dos povos livres da Unio Sovitica d um foco para ver Goethe realmente de modo correto, um critrio para dignific-lo imparcialmente, com amor conveniente. Concretizar esta imagem de Goethe s agora tornada possvel a misso do nosso tempo.