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REFÉM DE CORPOS MARCELO PEREZ 1

2 - Refém de Corpos - Original

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REFM DE CORPOS

MARCELO PEREZ

2003

CENRIO:

(A sala de um apartamento transado no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro. vero. No canto esquerdo do palco tem uma mesa-prancheta, com projetos, lpis, enfim, material de escritrio em cima dela. Ao lado, tem um computador. No canto direito h um sof azul. As cores do apartamento de Fred so fortes, no h nada estampado. Ao lado do sof, tem uma mesinha com uma garrafa de usque pela metade, um cinzeiro com pontas de baseados apagadas e um porta incensos. No centro, um crculo formado por algumas almofadas coloridas, ao lado de um aparelho de som e um porta cds. O ambiente tem cheiro de incenso. Fred veste cala social creme, blusa branca e um tnis branco. Usa culos de armao preta. Jonas veste uma cala jeans, camisa de tecido com mangas curtas e uma sandlia).

PERSONAGENS:

Fred um arquiteto bem sucedido de 35 anos. Gay assumido, que encontra muitas dificuldades em manter seus relacionamentos afetivos. Ele um cara bem informado, culto, adora ouvir Jazz e blues, beber usque e de vez em quando, dar um tapinha. ateu. Trabalha bastante. O dinheiro fundamental para o seu conceito de felicidade. Tem vida social agitada, est sempre se relacionando com muitos homens, mesmo quando est namorando, ou seja, leva uma vida de risco, promscua, mas no fundo mesmo, est em busca de seu parceiro ideal.

Jonas irmo de Fred. Tem 30 anos e est desempregado. um cara descolado, cheio de armaes. Est sempre envolvido com negcios ilcitos. um verdadeiro aproveitador. Engana a vida como motorista de txi, mas fatura mesmo com a explorao de mulheres mais velhas que freqentam um bingo em Copacabana. Ao contrrio do irmo, ele um cara religioso, talvez por culpa. Vive preso ao material. Sua vida social tambm bastante agitada. Vive na noite. O que ele mais quer se aproximar do irmo, apesar de toda a sua malandragem, est percebendo o enorme vazio em que sua vida se encontra e talvez, esta aproximao poder ser o primeiro passo para o resgate de sua identidade.

CENA 1 O TELEFONEMA

(Foco no telefone. Fred est ao lado, na penumbra. Entra a voz dele em off. Jonas entra em cena e ouve a conversa de longe).

Voz de Fred em off - Al, Rui... sou eu.. t ligando pra te pedir desculpas... No desliga. Ns precisamos conversar... Vamos sair hoje, olha, tem um Festival do Almodvar... No, no desliga... Eu t falando... (grita) Voc no pode me tratar assim! No desliga essa merda... Eu te... amo...Fred (entra) Arrogante...

Jonas (com deboche) J vi esse filme antes...

Fred (irritado) Hoje eu no t nada bem...

Jonas Ser que d pra voc me emprestar mais uma grana?

Fred Sai fora!

Jonas - que logo mais, eu e a Ktia vamos ao teatro. Depois tem um jantar, um motelzinho, sabe como ... E cara, eu t liso. S mais essa, vai...Fred No!

Jonas (aponta para o telefone) T legal, pra esses a voc d logo um jeito. (fala para si em voz alta) O pior que s vive no abandono.

Fred Se eu dou alguma coisa, isso problema meu! No te devo satisfaes da minha vida. Quem coloca dinheiro aqui sou eu, viu? (pausa) T aqui de favor e ainda quer cantar de galo, s me faltava essa. E por falar nisso, j faz mais de um ms. Pediu pra dar um tempo, mas j t criando razes.

Jonas Tudo bem. No precisa agredir. Cad o esprito familiar? Eu s preciso de mais duas semanas. Eu t procurando, mas sabe como , o que eu mereo ganhar, eles no querem pagar. Daqui a pouco eu t indo pra outras bandas e voc vai se ver livre pra sempre. T pintando um negcio em So Paulo que vai me tirar dessa lama. Vou levar vida de Rei, voc vai ver.

Fred Vai traficar de novo em alguma Universidade por l? Dessa vez eu no livro a tua cara, vai apodrecer na cadeia com teus comprimidos!

Jonas - Que cadeia, cara, voc acha que eu vou agentar ficar longe das minhas coroas de Copacabana?

Fred Explorador de velhas!

Jonas fcil falar pra quem t do outro lado. Um arquiteto famoso, a vida t a teu favor. O que que te falta? Fique sabendo que as minhas coroas, elas que me entendem de verdade. Coitadinhas, passam o dia inteiro dentro daqueles bingos enfumaados, solitrias, perdendo os seus bens. Se no fosse o papai aqui pra consol-las, eu sou a carta da sorte delas, e o que elas me do apenas um gesto de gratido pelo conforto que eu ofereo s suas almas. E claro, aos seus corpos. Eu sou refm delas, meu irmo (gargalha). Alm do mais eu sou um motorista exemplar. Voc um cara muito pessimista, quer saber? Vou comprar cigarros.

(Jonas sai de cena).

CENA 2 O RELACIONAMENTO

(Fred vai buscar mais usque. Coloca uma dose no copo e bebe de uma s vez. Enche o copo e vai escolher um cd para ouvir. Ele coloca um Piazzola. Rui chega com um pacote de cigarros).

Jonas (Ri com deboche) A situao mais grave do que eu imaginava. Voc devia sair dessa, dar umas voltas, desligar o controle de qualidade e azarar todo mundo. Se voc quiser, te apresento uma amiga. Deixa essa viadagem de lado e agarra uma mulher!

Fred (grita) Homem, Jonas! Teu irmo gosta de homens! Voc no mudou nada. (pausa) T cansado de me apaixonar todas as semanas. Eu quero algum de verdade.

(Toca o telefone, ele corre para atender e a ligao cai).

Fred Al... (Pe o fone no gancho, espera ao lado para ver se toca novamente, mas desiste. Acende um cigarro). Quem me dera ser to simples assim. Realmente voc no mudou nada. O mesmo discurso repressor. difcil acreditar que ainda existam pessoas como voc. Ningum dono de seus prprios sentimentos, no d pra controlar. Ento, quer dizer que, eu devo andar pelos cantos mais escuros, pelos guetos fedidos desta cidade submersa em preconceitos, criar cdigos, uma linguagem especial, diferenciada, pra expressar minhas emoes sem agredir a populao? Foda-se! (pausa) Eu fico imaginando a inadequao do Rui. Ele nunca teve a coragem de assumir a gente. Os lugares pblicos, as festas, os vizinhos, a famlia. Sempre cheio de no me toques. Como ele pde me trair assim.

Jonas Fica por a com a sua melancolia, que eu vou at a cozinha buscar umas cervas. Vamos beber sua depresso.

Fred (pensativo) No tem cerveja... Pega usque.

Jonas A essa hora? No... Prefiro uma gelada. Nem que eu tenha que voltar no botequim, mas usque a esta hora... No mesmo! J volto.(Ele Sai).

(Toca o telefone. Fred fica na penumbra. Foco apenas no telefone. Fred se aproxima e em seguida entra sua voz mal-humorada em off. uma mulher procurando o Jonas).

Fred off Al... No, o irmo dele... Ele deu uma sada, quer deixar algum recado... Tudo bem Ktia?... Ah, fala mesmo... Deve falar mal... No, no devia, mas sabe como , irmo mais novo... Melhor de que?... Ah, sei... (Ri), sei... Olha Ktia, eu t muito ocupado agora, liga mais tarde que talvez ele j tenha voltado... No, no foi nada... Pra voc tambm. (Desliga).

Fred (Pega a garrafa de usque e coloca uma dose dupla no copo) No preciso fingir que estou sentindo. Eu sinto, porra!

(se dirige ao pblico. Pouca luz. Foco).

Fred Eu nunca namorei mulheres. Nem sei o gosto que elas tm. Na adolescncia eu j defendia os meus melhores amigos. Sempre escolhia um pra agradar, j era a atrao, mas eu no sabia. Era uma poca em que tudo era muito reprimido, muitas cobranas. Dois filhos homens - Dois garanhes puro sangue! Assim que papai dizia pro seus amigos. Eu j sentia o peso da imagem me torturando. Se eu apanha-se na rua, levava dobrado em casa. Era de cinto. (Pausa. Nostlgico) Eu gostava era do banho no vestirio da escola... Aquela adrenalina me consumia. Eu ficava louco de teso pra chegar logo em casa e me trancar dentro do banheiro. Por mais que eu tentasse pensar na vizinha, que costumava trocar de roupa com as janelas abertas pra me provocar, no adiantava. Os pensamentos que me davam prazer mesmo eram sempre os corpos nus de meus colegas no vestirio. O proibido. O desconhecido me excitava. (nervoso com a lembrana) No outro dia, eu no conseguia nem olhar no rosto deles, me sentia culpado, parecia que eles sabiam do meu segredo. Mais tarde conheci os guetos, me disfarcei por um tempo. Misturei o real fico. Eu andei no escuro da boemia experimentando vrios gostos. Me perdi entre corpos, nem quis saber seus nomes. Em cada esquina do Centro da Cidade, eu aluguei um par. Surubei muito...(ri) Eu deitei com o mundo, imundo... Alimentei minhas urgncias sexuais com muito lixo humano. Lixo... O que ns somos? No importa, mendiguei uns beijos... Eu vivi meus riscos! Mas... Cansei disso tudo. Hoje quero viver na transparncia.

CENA 3 O CRIME

(Jonas entra com algumas latas de cerveja nas mos e pergunta se algum telefonou. Conta do crime).

Jonas O dia t lindo. Voc devia abrir esse luto. (Fred no responde e Jonas o provoca). Quando que essa ressaca amorosa vai terminar?

Fred (silncio).

Jonas (joga as cervejas na mesa) Calma, cara, no precisa dar gelo!!

Fred Voc que entrou atropelando o meu sossego.

Jonas (Desconversa) Algum me telefonou?

Fred Uma mulher, uma tal de Ktia.

Jonas (Ele fica agitado) Deixou recado?

Fred Vai ligar depois.

Jonas S isso? Voc disse a ela que eu s fui comprar cerveja?

Fred Nem me lembrei disso.

Jonas Tem certeza que ela no disse mais nada?

Fred (Debochado) Ah, disse sim. Ela perguntou como que eu tava. Se eu j tinha melhorado. Ela disse que eu briguei com a minha namorada! (pausa) Por que no conta pra todo mundo que teu irmo t de luto porque foi abandonado pelo namorado?

Jonas (alterado) Voc acha que eu vou sair por a dizendo que o meu irmo uma bicha e que adora tomar no c?

Fred (grita) E por que no?

(Pausa).

Jonas (Acende um cigarro) Antnio morreu Domingo.

Fred Antnio?!

Jonas ... O Antnio fotgrafo.

Fred No acredito... O Toninho... Como que foi isso? Quem te contou?

Jonas Eu encontrei o lesado no botequim. Morreu domingo, por volta das oito. Em pleno horrio nobre. Eu gostava dele...

Fred Voc no gosta nem de voc, Jonas.

Jonas Dele eu gostava muito.

Fred Como foi que aconteceu?

Jonas Sei l, encontraram o corpo no apartamento. Foi esfaqueado nas costas. Boiava em cima da cama cheia de sangue. O quarto tava todo vermelho, paredes, cho, teto, at o corredor da sala. (Pausa). Ele foi visto, noite, subindo com um rapaz pro apartamento. No identificaram o cara. O Antnio tinha o hbito de fazer isso. Quantos parasitas no passaram por ali... como iriam lembrar logo do assassino? Voc t me ouvindo? Ele foi assassinado!

Fred Mas eu estive com ele na semana passada...

Jonas Domingo... Foi anteontem. o que acontece com quem leva o tipo de vida igual a tua.

Fred Que sensacionalismo! Voc leva uma vida promscua com aquelas velhas de Copacabana. E ainda quer falar do meu estilo de vida...

Jonas verdade, voc devia repensar a sua vida. Voc devia...

Fred Calar a tua boca! Isso que eu devia fazer. Eu no agento mais ouvir voc me dizer o que eu devo ou no fazer dentro da minha casa!

Jonas No sei porque voc faz questo de ser o diferente. E filhos? Nunca pensou em ter famlia, filhos?

Fred E adoo, voc nunca ouviu falar?

Jonas - Voltar pra casa e ter uma pessoa te esperando, com um copo quente de caf nas mos, o sexo piscando, pronta pra te aquecer. Seu tipo de vida nunca te dar isso. Vai ser sempre um solitrio, um esquisito no meio da multido. Sempre em busca do algo a mais. Sempre ter de dividir suas paixes, no assim como vocs so? A fidelidade no existe dentro da sua espcie. Vocs se desconfiam demais, se sujeitam a isso com medo de perderem aquilo que nem tem! muito triste. (Gargalha). Desculpa, maninho, vai ver j morreu e nem sabe. (Encara).

Fred Por que eu te incomodo tanto, hein? (pausa) J sei... imagina s, eu, filho adotivo, muito bem sucedido... tenho as minhas responsabilidades, me divirto, ando na rua com quem eu quero, passo despercebido no meio da multido, sem trejeitos e figurinos femininos, deve ser isso... Minha imagem contradiz minhas atitudes... Claro! Eu t fora dos padres da sociedade, dos esteretipos. Quer saber? Foda-se voc e a tua sociedade, essa corja de reprimidos que no tem a coragem de assumir seus desejos. Se sufocam com palavras que no valem nada. E voc? (Se aproxima do irmo e o provoca) Quais so os seus desejos? Nunca fantasiou t na cama com um homem?

Jonas (Agressivo) Cala a tua boca!

(Toca o telefone interrompendo a discusso. Os dois correm pra atender. Fred atende em voz off. Eles se encaram).

Fred Al... No, o Fred... Est, eu vou chamar... pra voc, a mesma voz escrota de antes.

Jonas Amor... No, eu j ia te ligar... Srio... Eu... tudo bem, escuta... Eu j t indo, calma... Calma Katinha, me espera... T legal, um beijo. J t chegando...

Fred Pelo visto a dependncia emocional uma coisa que pega. Parece at um cachorrinho atrs de sua dona. Acorda! No tem nada haver com a opo sexual. Olha o teu exemplo, macho convicto, at que provem o contrrio, s faltou lamber o telefone...

(Jonas comea a se arrumar e Fred continua falando com ele).

Fred - Todo mundo tem problemas de relacionamento, as pessoas so diferentes. Elas no entendem isso. (Pausa) s vezes, sinto muito medo, Jonas.

Jonas Medo de qu?

Fred - Sinto medo das pessoas l fora. No do cara que matou o Antnio. Esse um psicopata. Uma pessoa doente. Sinto medo das pessoas com a mente s, capazes de matar sem tirar a vida fsica. Idias moralistas, valores nazistas, tabus que s so aplicveis ao prximo... Eu s acredito na morte em vida. Aquele imenso vazio, a ausncia de sonhos. A agonizante solido.

Jonas (cai na real) Solido... (Pausa).

(Jonas sai).

CENA 4 A AVENTURA

(Fred vai at o computador e entra na internet em busca de aventuras. Jonas est fora de cena, no quarto. Eles ainda esto conversando).

Fred - Hoje em dia, Jonas, s fica sozinho quem quer. Eu j nem preciso mais sair de casa pra conseguir um corpo estranho pra me aquecer de noite. Clico por aqui, troco confidncias, s vezes, at trepo virtualmente. Jonas Esta praticidade toda afasta cada vez mais as pessoas. Eu sou contra este artifcio tecnolgico. Nesse ponto, eu sou um cara conservador, por incrvel que parea. A probabilidade de se encontrar algum legal mnima. Gosto mais de encarar e sentir a respirao da minha presa.

Fred Eu sei, mas no fundo mesmo, eu sempre vou a esses encontros com uma enorme esperana de encontrar a minha parte perdida. Eu acho que todos os que esto por aqui tem a mesma inteno.

(Jonas entra em cena, com uma tbua de passar roupas e um ferro).

Jonas Fuder! um verbo incansvel...

Fred essa puta solido persistente que nos obriga a viver esse intenso troca-troca. Essa busca desenfreada que me faz acreditar que s assim eu vou encontrar o meu prncipe encantado. Aquele homem que ir rasgar a minha vida e como uma doena incurvel vai bagunar de vez com as minhas emoes. Vai arrancar todos os meus medos e inseguranas. Vai me dar amor de verdade, no s por alguns instantes, mas pra sempre.

Jonas Voc um romntico... qual o seu nick? Romeu? (ri com deboche).Fred Refm de corpos. Em sua homenagem.

Jonas T legal...

(Penumbra em Jonas que est passando uma camisa. Foco em Fred).Fred - A vida sonho, como disse La Barca. E eu sonho mesmo... Deixe me ver... moreno bombado... No, nada de marombeiro, perigoso e completamente sem contedo... nego 25... Esse bastante sugestivo, desperta a curiosidade... Vamos ver...

(Penumbra em Fred. Acende a luz em Jonas. Enquanto seu irmo marca um encontro pela internet, Jonas passa roupa do outro lado. Ele revira as roupas do irmo. Cuida de um jeito muito carinhoso. Bem diferente do tratamento que d Fred. A cena o tempo de um blues).

Fred - Acabo de marcar um encontro. Nego 25, no excitante? Eu no dou tempo pra solido, Jonas.

Jonas Talvez seja esse o seu problema. Aposta tudo, no sabe ficar sozinho. Ainda acho que isso falta de amor prprio. Voc devia receber um batismo de adolescente, daqueles em que os amigos carregam a vtima virgem pra dentro de um puteiro qualquer. Quando que voc vai levar uma vida normal, hein?

Fred (Provoca) No dia em que voc assumir o seu desejo por homens!

Jonas Do que voc est falando?

Fred Dessa sua perseguio. S falta agora discursar contra os negros, pobres, ateus... Isso tpico de quem sente atrao, mas nega firmemente a sua natureza.

Jonas No nada disso...

Fred isso mesmo! No sei por que esse assunto te perturba tanto. Sentir atrao ou fantasiar, no necessariamente te classifica como gay. s vezes, eu ando pelas ruas e vejo muita mulher atraente, mas no significa que eu vou mudar minha opo sexual. Deus me perdoe.Jonas - Eu s acho impossvel esse tipo de relao. S consigo enxergar a promiscuidade e uma solido recalcada por no conseguir ter aquilo que tanto deseja.

Fred E isso no preconceito?

Jonas No. a razo falando mais alto.

Fred Sei...

Jonas Srio, eu pego voc como exemplo. Seus relacionamentos duram pouco tempo ou quase nenhum. Voc t sempre repetindo essa cena. Sempre ao lado do telefone aguardando que algum ligue pra voc e te faa declaraes de amor. Quando parece se recuperar de uma porrada, logo em seguida se envolve de novo e nas mesmas condies. Por que vocs no andam nas ruas de mos dadas, no se beijam em pblico, tudo bem, pelo menos no cinema, mas em filmes normais, nada de filmes pornogrficos? No meu irmo, o maior preconceito vem de vocs! Veja as mulheres. Eu at vejo lsbicas de mos dadas pelas ruas da cidade, trocando carcias... Vocs se deixam reprimir demais. Se escondem em seus clubinhos, se enfurnam cada vez mais e cultivam o preconceito entre vocs mesmos.

Fred (bate palmas) Que discurso libertrio! Poderia at dizer feminista. T a, voc daria um timo poltico, um verdadeiro representante gay!

Jonas Voc leva tudo na brincadeira. Por isso que sofre atrs desse computador. Fred Me deixa em paz! Voc tem inveja da minha liberdade, talvez voc seja mais um desses escravos que desejam tanto se libertar dessas regras impostas pela sociedade.

CENA 5 O DESABAFO

(Msica para transio de cena. Fred est na penumbra. Jonas tem o foco de luz. Ele est curioso com tudo. Depois, ele fica na penumbra, tenta sintonizar uma estao de rdio e o Fred recebe o foco de luz. Desabafo).

Jonas (Se dirige ao pblico) Eu prefiro me distrair com as minhas vagabundas... Eu no consigo compreender, o mesmo cheiro, o mesmo corpo, aquela barba por fazer a dias, que em contato com a pele deve ser como um fsforo, que incendeia no primeiro riscar. Ah! Deve ser assim, sei l se assim (Pausa). A dor. A dor da submisso, como ele submisso. Ainda tem a coragem de falar em liberdade. (Berra) Eu que sou livre porra! No vivo dando o c por a! Eu prefiro morrer...

Voz rdio OFF (O som bem baixo, no se identifica o contedo da reportagem, mas d para perceber que uma notcia policial). Foi encontrado morto em seu apartamento o jogador de futebol...

(Fred no ouve esta reportagem. Apenas desabafa, est se arrumando para sair).

Fred (Se dirige ao pblico) Eu no agento mais! Como eu sinto a falta desse homem, parecia ter encontrado a minha paz, mas... Tudo de novo. A mesma procura angustiada, os mesmos programas indefinidos, sem direo. As fugas entre camas enfarpadas e entorpecidas... Os olhares mais pedintes que eu possa criar em uma noite. O momento de me oferecer, eu no quero muito, s me basta um (Pausa). s vezes, quando me olho sozinho, questiono todo esse crculo vicioso. Por que toda essa busca incessante pra t com algum? Por que ir aos extremos, talvez vingana por estar s? Por que eu no consigo dar um tempo pra mim? Sempre mais uma boca e mais uma, so tantas que eu nem me preocupo com o que elas tem pra dizer. Essa confuso aumenta e eu me deixo levar pela ausncia, carncia, por essa minha imaturidade emocional, pelos meus impulsos animalescos: dormir, beber, comer, fuder, sobreviver. (pausa. Bebe uma cerveja no gargalo) Nego 25, me aguarde que hoje t louco pra te dar.

(Foco nos dois. O rdio silencia).

Jonas Encontraram outro...

Fred O qu?

Jonas Outro corpo...

Fred No me interessa falar de morte.

Jonas - Pelo que eu ouvi, o corpo tava em estado de decomposio. Morreu antes do Antnio. O mesmo ritual. Esse levou trinta facadas. Tinha a sua idade, isso no te assusta? (Pausa) O corpo foi mutilado e as partes foram espalhadas por toda a casa. Sabe o que tava escrito nas paredes da sala, com sangue? Extino!. Isso no te preocupa? Foi a mesma histria, morava sozinho e convidou algum pro seu apartamento. Convidou a morte.

Fred Voc no t nada bem.

Jonas A morte travestida de sexo. Os riscos por um carinho, por uma boca mais suja, por um beijo de um estranho qualquer, no importa. Um cego no escolhe o seu guia. Esses caras buscavam muito mais que prazer instantneo, eles queriam amar. Mas os infelizes amavam sozinhos.

Fred Eu j tive um amor de verdade!

Jonas Voc j teve equvocos! Vive em constante solido. Uma vida que te escraviza cada vez mais.

Fred Nunca imaginei que poderia concordar com voc. A ordem, o abuso, a violncia verbal, o prazer da submisso. Quem que no gosta de gritar de vez em quando? Soluar, apanhar, obedecer... Desde criana ns obedecemos, somos submissos e no sabemos. Ns sempre esperamos a prxima ordem. O recm-nascido e a 1 palmada. Aquele choro de prazer Jonas, o prazer da primeira porrada. Eu me excito com tudo isso, eu gosto do sexo acordando na minha boca e aquela mo firme segurando meu cabelo pra eu no fugir, como se eu quisesse fugir de verdade... Eu gosto daquela lgrima branquinha escorrendo por todo o meu rosto. No me importo de dar as costas pro mundo, que seja com todo mundo e que o mundo todo esteja dentro de mim. Eu vivo! Agora, escravos so esses que fazem de tudo para manter uma imagem mscula perante a sociedade, que se escondem dentro de boates, cinemas pornogrficos, que se dizem pais de famlia, mas passam a tarde toda como donzelas, virgens afoitas por um toque retal. Executivos de saias, os estudantes de calcinha, os velhos e suas mulheres com pau, batom e cinta-liga, esses e muitos outros, esses sim, so escravos de verdade. No assumem os seus desejos, vivem sempre em adrenalina constante e noite, durante o jornal nacional, se suicidam atravs das crticas que fazem aos seus iguais por natureza, tudo para manter a aparncia no meio de sua famlia. Covardes! Eles sofrem, querem dizer quem so, mas no podem, pois nem eles aceitam essa possibilidade em suas medocres vidas. Negam, fingem, mentem irmozinho. Essa uma morte em vida. Uma morte simblica.

Jonas Voc fala com dio no olhar. No vem voc falar de moral, real, essa merda toda... Isso pura merda!

Fred Merda sim! teso. O peso do corpo do outro por sob o meu corpo, arrancando minha carne, suja de merda sim, Jonas, os meus pedaos espalhados por todo meu quarto, um cheiro de vida no ar. Tem nojo?(Gargalha). Voc no faz idia do que seja invadir com toda fria uma bunda ansiosa pra te dar, arrancando gritos, gemidos histricos. Ver um corpo rendido, tremendo, falando no sei o qu. Uma execuo! No existe ningum melhor pra amar um homem do que o prprio homem e digo o mesmo pras mulheres. Eles sabem o que querem, como querem, no so egostas. Abraam o tempo e ficam... At as convulses. Eu no quero mais discutir com voc, eu vou pra noite. Hoje eu tenho um encontro e no vou sair de baixo-astral por sua causa. E trate de arrumar um lugar pra dormir esta noite, que eu t muito a fim de trazer o meu Nego 25 pra conhecer o meu quarto. Ele ainda nem sabe disso, mas tenho certeza que vir.

Jonas Voc nem sabe quem esse cara... No devia abrir a porta da sua casa pra qualquer um. (Pausa. Fred coloca mais usque em seu copo. Olha para o irmo, com desprezo).

Fred - Que fique bem claro, eu no tenho nada contra aqueles que se casam e tem filhos. Eu os aceito, mas no posso me trair. No quero agradar a ningum. Faz tempo, Jonas, que a sua opinio no tem mais peso nas minhas decises. Ns no somos mais adolescentes.

Jonas Saudade daquele tempo... (mais carinhoso). Lembra, maninho...

Fred - ...de nada! No me lembro nada de bom. (Pausa. Se olham. Jonas acende um cigarro).

Fred Voc se lembra, Jonas, daquela vez que tentaram me empurrar uma namorada? A nossa famlia sempre fez de tudo para seguir os padres da sociedade. Voc namorava uma negra, muito bonita...

Jonas Marina... Como que eu vou me esquecer desta raridade...

Fred Isso mesmo, Marina, que sempre andava com uma ruivinha, com pintas no rosto...

Jonas Essa era a Jssica, a muito tmida, que todo mundo dizia j ter sado com ela. Tinha fama de putinha, coitada... At quem no comeu dizia que tinha comido.

Fred Me lembro como se fosse hoje. Era uma noite de sbado, vocs apareceram l em casa, na maior festa. Estavam completamente bbados. Voc me chamou no canto e disse que iria ao cinema, lembra? Sesso da meia-noite. Me convidou pra ir com vocs. Lembra disso?

Jonas Mais ou menos...Fred - Disse que era a minha chance, engraado, voc sempre pensou que sabia quais eram as minhas chances. E eu sempre acreditei nisso. Tentei de tudo para no ir, mas a famlia se intrometeu na situao e eu no tive como resistir. Naquela poca eu no consegui peit-los. Fui com a maior raiva e imaginei logo: - Se essa ruiva tentar alguma coisa comigo dentro do cinema, eu a estrangulo e fujo para Jacarepagu. Qualquer um se perde por l. Na verdade, a ruiva parecia bem tmida, at comportada demais.

Jonas Agora t me lembrando... Ns compramos de tudo: Refrigerante, pipocas, doces, balas... Foi a maior baguna! No foi nesse dia que ns fumamos um baseado na parte de cima do cinema?

Fred Foi, verdade, j tinha at me esquecido disso. Eu acabei me empolgando com a situao toda, o filme, os doces, eu tava muito louco... Eu tava at curtindo. Na fila do cinema eu havia visto um rapaz lindo, forte, um Deus grego. Trocamos olhares, mas ficou s nisso. Escolhemos os lugares. Voc e a Marina, eu e a ruiva, bem nesta ordem. O cinema foi enchendo e quando me dei por conta, aquele Deus grego tava sentado ao meu lado. Nos olhamos timidamente. Minhas mos comearam a suar. Ele virou o rosto, talvez sem graa. Eu fiquei muito excitado com a situao. Precisava fazer alguma coisa. Depois de algum tempo de filme, eu completamente chapado... Eu tava me sentindo entediado, aquela ruiva tmida ao meu lado, encostando o seu ombro no meu, no pensei duas vezes e resolvi tirar alguma vantagem daquela noite.

Jonas Eu me lembro que foi a primeira vez que a Marina fumou maconha e por azar o meu, ela acabou dormindo no cinema. E comigo no foi diferente, morguei tambm.

Fred - Encostei minha perna na perna dele. Para minha surpresa, ele comeou a mexer bem de leve, aquilo foi uma trepada de pernas! Ah! Eu enlouqueci, Jonas, pela primeira vez eu tava agindo com coragem, deixando que os meus impulsos me guiassem. Os meus pensamentos eram os mais sacanas possveis. Me esqueci completamente de onde eu tava, eu s queria mais e mais. Levei minha mo sua perna, um impulso arrojado e... (com raiva da lembrana) Aquele maldito ombro ruivo comeou um roar irritante... No tive escolha e deixei. Um mnage a trois inesquecvel! Ele tentou tirar a perna, mas eu a segurei firme, como um peo que no larga seu touro por nada, senti seu corpo se render. Resolvi subir com as unhas at o seu pau. Imaginei que ele fosse sair correndo, mas ele tava de pau duro, apertei com tanto teso, que me esqueci completamente do filme, da ruiva, de todos. Minha loucura veio tona. Era apenas eu e o estranho grego. Isso me excitava muito. No saber seu nome. Fiquei cego, um louco sem remdio, eu senti aquela mo de sbito no meu pau, mas a mo dele estava na minha perna, ento, senti uma sensao estranha... Eu olhei para o lado e dei de cara com aqueles olhos arregalados, quem diria, a ruiva tmida com a mo na minha pica dentro do cinema, quanta timidez. Foi um balde de gua fria. Larguei imediatamente o rapaz e voltei para a realidade. O rapaz, coitado, deve ter se assustado, pois se levantou correndo e eu... Eu tava preso por aquelas mos inconvenientes. Ele foi direo do banheiro. Eu gritei por dentro, em silncio, com os olhos! A idia do estrangulamento me veio cabea, esse era o momento certo, justificvel. Deixei o crime pra depois e me concentrei no rapaz, tava to prximo... eu s precisava me levantar e ir at l.

Jonas E o que foi que voc fez?

Fred Eu arranquei mo da ruiva do me pau e corri pro banheiro.

(Jonas ri).

Jonas Voc maluco.

Fred - O rapaz tava de costas, mijando. Fiquei ao seu lado, encenei o mijar, mas no saa nenhuma gota. Eu queria era ver aquela piroca grega. Olhei pra ele, que logo retribuiu, saiu em direo ao vaso e me olhou de l. Eu no pensei duas vezes... Aquilo era um convite... E eu apenas sorri. No vou economizar palavras, Jonas, eu chupei aquele pau com uma vontade louca, talvez, por ter ido ao cinema forado, eu queria fazer valer a pena. Eu queria engolir aquela porra toda, mas ele arrancou minha cabea com violncia e puxou-a pra cima. Eu tentei resistir, mas ele era mais forte, eu no consegui. Pensei que ele fosse me beijar ou at mesmo me chupar, mas no, me olhou nos olhos com uma cara... Aquilo me excitava cada vez mais. Ele foi desabotoando a minha cala, eu ento fechei meus olhos e deixei. Meu corao disparava, as minhas pernas tremiam, perdi o meu controle... E eu novamente sorri. Quando terminou de arrancar minhas roupas, eu abri os olhos e bruscamente fui jogado contra a parede, de costas pra ele, me assustei, tentei virar, mas ele me imobilizou colocando seu brao em minha nuca, com violncia. Seu pau encostou na minha pele, eu nunca havia feito aquilo antes, Jonas Mas ele tava te estuprando...Fred Que nada, Jonas, eu tinha apenas 16 anos, tava me conhecendo. Ele colocou a sua cabea na minha nuca, pra ficar com as mos livres, segurou a minha bunda, sempre agressivo, na verdade era um estupro voluntrio. Eu fingia resistir, fazia parte do jogo, aumentava o teso. Ele comeou a colocar seu pau dentro do meu c, que sensao de prazer, o gosto da submisso. Que dor! Que dor suportvel, eu poderia passar o resto de minha vida sentindo essa dor nica. Um animal acuado, em prantos, sendo devorado sem nenhuma piedade. Eu me masturbava com a cara colada na parede, tudo me excitava. Aquele ladrilho quebrado, pichado, os jornais espalhados pelo cho, o cheiro de mijo por toda parte. Ah! Ele gozou muito e eu senti seu corpo se retorcendo dentro de mim, quente. Quando acabou, eu continuei me masturbando e gozei bastante. J ajoelhado no cho, sem foras. Eu olhei pra trs e ele no tava l... Fiquei um tempo no banheiro. Voltei pra minha poltrona e a ruiva tmida, mas que pegou no meu pau dentro do cinema, sorriu e me perguntou: - Voc t bem? Eu apenas respondi: - Claro, foi a minha primeira vez! Ela sorriu toda orgulhosa. Coitadinha...

CENA 6 O PASSADO

(Msica. Fred est pronto para sair. Jonas sai de cena e retorna com um par de sapatos mo e uma xcara de caf. Ele se senta na poltrona para engrax-los).

Jonas Voc tem previso das horas que o seu Nego vai zarpar daqui?

Fred Espera a... No vai agora querer controlar as minhas horas! Lembre-se que voc que est de passagem por aqui... Se algum deve satisfaes aqui, esse algum voc. Eu que preciso saber se voc vai dormir em casa ou no... Coisas assim. E por falar nisso, voc chegou bem tarde essa noite.

Jonas Madrugada... Cheguei s 4h.

Fred Deve ter sido boa...

Jonas O de sempre, bingo, motel e din-din na mo.

Fred Voc no toma jeito mesmo, traindo direto a tal da Ktia, ainda vai arrumar um problema com isso. Eu no te entendo, voc vive questionando o meu estilo de vida, tenta inutilmente me dar lies de moral, mas leva uma vida de garoto de programa...

Jonas Depende do ponto de vista...

Fred - T legal, quer dizer que pagar pra ficar contigo, agora tem outro nome?

Jonas Eu no peo nada a elas, j te disse que tudo por gratido. E alm do mais sou um motorista exemplar, j esqueceu?Fred Voc t parecendo o nosso padrasto...

(pausa)

Fred - Fazia o mesmo com mame...

Jonas (Descontrolado) No me fala o nome desse filho da puta!

Fred - Calma! Foi s um comentrio.

Jonas - , mas no comente mais nada. Esse safado no merece ser lembrado. A esta hora deve t queimando no quinto dos infernos!

Fred (Provoca) Eu pensei que voc gostasse dele... Afinal de contas estavam sempre juntos...

Jonas (Agressivo) O que voc quer dizer com isso?

Fred Nada... Apenas que vocs estavam sempre juntos.

Jonas Aquele velho era um safado! Teve o que merecia. Seu suicdio foi a melhor obra que ele conseguiu realizar aqui. Escritor de merda!

Fred , mas a histria ficou muito mal contada... Se suicidar na escada do prdio... At hoje fico me perguntando como que ele conseguiu se pendurar e amarrar a gravata para se enforcar? Isso tudo sem fazer barulho... (Pausa). Vou te dizer uma coisa que eu nunca disse pra ningum. Eu acho que ele foi assassinado.

Jonas (Nervoso) De onde que voc tirou esta idia? Voc t maluco? O safado se suicidou e ponto final. Aquele verme teve o que merecia. Essa histria j est enterrada.

Fred Voc t muito nervoso... O que foi? (Jonas derrama a xcara de caf. Est agitado).

Fred (Alfinetando) Cuidado pra no estragar o sof, ele me custou caro.

Jonas Eu vou at o botequim...

Fred O que foi? Agora que chegamos na melhor parte. Vamos l, maninho, me fala um pouco das suas experincias com nosso padrasto.

Jonas - Voc no sabe do que est falando!

Fred Sei sim, porra! Igual a voc eu conheo muitos. Essa sua perseguio no natural...

Jonas No fala assim do meu passado. Voc no sabe o que acontecia naquela casa. Voc no parava l! muito fcil falar quando se est de fora. Voc passou sua infncia na casa da vov, tomando mingau e brincando com as outras crianas. Voc no viu metade das barbaridades que eu vi. Esse filho da puta que voc insiste em chamar de padrasto, s vivia bbado por entre os cantos de nossa casa. Um vagabundo sustentado por mame.

Fred Agora j sei por que voc assim.

Jonas Cala a tua boca, seno eu... (Pausa) Passava o dia na rua jogando carta e bebendo, naturalmente, s entrava quando o dinheiro acabava ou ento quando bebia demais e era trazido pelos amigos de copo. Chegava completamente sujo, mame no queria que ele dormisse na cama sem tomar banho, mas no adiantava, alm dele espanc-la por reclamar da sua bebida, ele ainda fazia valer seus direitos de marido na cama. Depois de us-la bastante, ele a colocava para dormir no cho. Teve o que merecia.

Fred Mas isso no justifica o seu dio.

Jonas - No me esqueo do dia dos meus onze anos, ele bebeu todas e fez o maior vexame na minha festa. Quando todos foram dormir, mame veio at minha cama pra me dar um beijo de boa noite, ele apareceu na porta e com uma raiva inexplicvel invadiu o quarto e a esbofeteou. Eu queria arrancar a cabea dele fora, a imagem que no saa da minha cabea era a do seu corpo completamente esquartejado. Algum tempo depois, eu j estava pegando no sono, quando de repente comecei a sentir uma mo subindo as minhas pernas. Era uma mo pesada, o quarto tava escuro, a casa em total silncio. Aquele cheiro forte de cachaa invadiu meu quarto e quando tentei me mexer, ele me apertou com fora e disse pra eu ficar calado seno ele iria matar a mame. Bem devagar, ele foi abaixando o meu pijama e colocou a sua mo na minha bunda. Ficou alisando e dizendo que era s carinho... Eu tinha onze anos, era apenas uma criana. Porque que aquele filho da puta fez aquilo comigo? E se voc tivesse vivido mais tempo l dentro, tambm teria sido um escravo daquele verme. Por isso eu digo, ele teve o que merecia. Enforcado na escada do prdio... E morreu sem testemunhas...

Fred (Sem graa) Eu no sabia dessa histria... Mame dizia que voc adorava tomar banho com ele, adorava fazer espuma no corpo dele, at brigava por isso. Dizia que quando vocs tomavam banho juntos o tempo parecia congelar.

Jonas Mame era uma mulher doente e infeliz...

(Fred vai at o cinzeiro e acende uma ponta de um baseado. O cinzeiro tem outras pontas e ele oferece o cinzeiro para o Jonas, que logo pega uma ponta e acende tambm).

Fred Vai?... Agora eu comeo a te compreender melhor...

Jonas Como assim?

Fred T traumatizado com toda essa histria...Jonas - No tem nada a ver uma coisa com a outra...

Fred Lgico que tem! Se voc no tivesse passado por tudo isso, talvez, me aceitasse mais. (pausa)

Fred Voc s vezes me assusta...

Jonas Voc no me conhece, eu j te disse isso!

Fred No conheo mesmo... O que uma pena. Voc j se deu conta que ns nos afastamos muito durante esses ltimos anos? H seis anos que pouco nos falamos, no que eu no o tenha procurado, mas voc me evitou de todas as maneiras. Eu no sei nada sobre a sua vida, a no ser quando voc faz alguma merda e me pede ajuda pra safar a tua pele. verdade que temos estilos de vida diferentes, gostos diferentes, mas ser que isso um motivo forte o bastante para manter afastadas duas pessoas que se amam? Ser que pessoas com opes sexuais distintas no podem sair juntas? Afinal de contas, ns somos irmos. No verdade?

Jonas Lembra quando ramos crianas... Antes de o papai morrer, ns amos todos os domingos brincar na pracinha perto de casa, fazamos um pic-nic improvisado, era bem divertido e gostoso. Papai sempre foi um homem amoroso, mas nada atencioso. Nunca conseguia nos explicar qualquer assunto. Tudo que ns perguntssemos a ele, sempre tinha uma resposta bem humorada, uma fuga pra no falar a srio conosco, coitado... Deve ter tido uma pssima criao, talvez por isso nos tratava assim. verdade, maninho, ns nos amamos sim, mas a vida, com as suas surpresas cruis, que no avisam quando vo chegar, acabam por esfriar demais os nossos sentimentos. A urgncia da nossa existncia se eleva. Aquilo tudo que realmente tem valor, fica deixado pra trs, como uma fotografia perdida em um lbum de infncia, j amarelada. Voc deve achar que eu sou um mau carter, um vagabundo explorador de mulheres, mas eu tambm tenho os meus sonhos...

Fred Ento me fala deles... O que falta pra realiz-los?

Jonas Falta um passado melhor... Falta mais investimento emocional na infncia, apesar de todo amor que nos foi dado... E esse tempo, maninho, j se foi...

(Fred se aproxima de Jonas e bem devagar estende a mo at o seu rosto. Faz um carinho, enquanto Jonas fecha os olhos, completamente carente. Fred lhe d um beijo na sua testa).

Fred Eu preciso ir.

Jonas - Voc vai aonde? Fica mais um pouco...

Fred (acende um cigarro) Eu no posso. Tenho um encontro, lembra? Nego 25... (Ele ri) A vida continua, Maninho. Voc deu as caras no ms passado, depois de anos sumido... No me venha agora com este papo de correr atrs do tempo perdido. Aproveite o que a vida tem a te oferecer. Eu vou gozar um pouco essa noite... Estou sentindo que hoje a minha vida vai mudar.

Jonas - No acredito que voc vai se encontrar com um cara, cuja a nica referncia um nickname. Pode parecer estranho... Mas eu me preocupo com voc. (Tenta se aproximar do irmo, mas est completamente sem jeito) Eu queria que a gente...( cortado).

Fred Vou me encontrar sim, Jonas, vou me entregar por inteiro pra este homem. Eu quero que ele faa comigo o que bem entender, quero que me ame, que me possua de um jeito nico. Nem que seja somente por uma noite. Hoje eu quero morrer de prazer!

(Deixa o cigarro acesso no cinzeiro e sai de cena).

CENA 7 A DESPEDIDA

Jonas (Se dirige ao pblico) Eu estou me sentindo um verdadeiro padre da inquisio. O Fred sempre foi assim. Eu soube desde cedo da sua opo sexual e sempre tive muito preconceito disso, alis, l em casa somente mame, que realmente o apoiava e demonstrava aceitar a sua escolha. Por vrias vezes, eu evitei sair na rua com ele por sentir muita vergonha de estar ao seu lado. O que mais me incomoda que h muito tempo eu deixei de pensar assim, mas a merda toda que eu insisto em manter o discurso afiado na ponta da lngua. como se isso fizesse parte da dinmica do nosso relacionamento, e quando eu o encontro, ao invs de palavras mais amveis, dessas que eu estou com vontade dizer agora, eu vomito todo o meu arsenal de idias preconceituosas, bombardeio o coitado com todo o meu rancor, o amargo de uma vida recalcada, insatisfeita. Isso me mostra o previsvel medo que ainda sinto em ser feliz. J t aqui a mais de um ms com a desculpa de arrumar um trabalho, mas at agora fui incapaz de dizer o que realmente sinto. O que realmente vim fazer aqui? (Pausa) Amanh eu vou ter uma longa conversa com ele... (Fica excitado com a idia) Quem sabe at ele goste da idia de fazermos um pic-nic, verdade, igual queles que fazamos na pracinha perto de casa aos domingos, no tempo em que ramos apenas crianas, sem rtulos e sem tristes lembranas... S que desta vez, apenas ns dois e nada de perguntas e respostas medocres.(Jonas vai at o som e coloca um blues. Pega a xcara de caf, que j est gelado e sai. Luz abaixa at ficar na penumbra. Em seguida, acende-se um foco vermelho no cinzeiro com o cigarro aceso deixado por Fred. Entra uma voz em off de um reprter, que anuncia a morte de Fred. A voz do reprter e a luz vo abaixando gradativamente).

Voz OFF Reprter Foi encontrado morto esta tarde, o arquiteto Frederico DAlmeida. Ele foi morto com 19 facadas no peito. Seu irmo encontrou o corpo...

(Entra um blues)

FIM

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