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Universidade de Coimbra Faculdade de Medicina Imagiologia - Medicina Nuclear Texto de Apoio Prof. J M Pedroso de Lima Colaboração de Dra Paula Lapa, Dra Ana Sofia Semedo Aula nº 2 Objectivos: Conhecer sucintamente as principais técnicas e métodos com aplicação clínica na área das patologias do sistema osteo-articular (cintigrafia óssea, agentes para estudo de infecção). Conhecer sucintamente as principais técnicas e métodos com aplicação em oncologia: cintigrafia com 67Ga, 201Tl, 99mTc-Sestamibi (e Tetrafosmina), 123I-MIBG, 131I-Iodocolesterol, 111In-Pentatreótido, cintigrafia mamária, pesquiza de gânglio sentinela e PET. 2.2. Medicina nuclear no sistema osteoarticular Embora a aparência do osso sugira inactividade, na realidade este tecido encontra-se em remodelação constante, não só no esqueleto imaturo, no qual o crescimento e o desenvolvimento são de imediato aparentes, mas também no esqueleto maduro, através de processos contínuos e equilibrados de formação e reabsorção óssea. Quando estes processos são modificados, de forma a que um ou outro predominem, cria-se um estado patológico. Em alguns casos, o desequilíbrio entre formação e reabsorção óssea envolve um volume tal de alterações estruturais que é facilmente detectado pela radiografia. Em outros, o desequilíbrio pode ser ainda tão subtil que só é passível de ser identificado por estudos imagiológicos mais sensíveis como a cintigrafia óssea, a qual é capaz de dar uma informação do estado do metabolismo do osso mais do que da sua estrutura. 1

2€¦  · Web viewOs exames imagiológicos como a ecografia, a tomografia computorizada (TC) e a ressonância magnética (RM),

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Universidade de CoimbraFaculdade de Medicina

Imagiologia - Medicina Nuclear

Texto de ApoioProf. J M Pedroso de LimaColaboração de Dra Paula Lapa, Dra Ana Sofia Semedo

Aula nº 2

Objectivos:

Conhecer sucintamente as principais técnicas e métodos com aplicação clínica na área das patologias do sistema osteo-articular (cintigrafia óssea, agentes para estudo de infecção).

Conhecer sucintamente as principais técnicas e métodos com aplicação em oncologia: cintigrafia com 67Ga, 201Tl, 99mTc-Sestamibi (e Tetrafosmina), 123I-MIBG, 131I-Iodocolesterol, 111In-Pentatreótido, cintigrafia mamária, pesquiza de gânglio sentinela e PET.

2.2. Medicina nuclear no sistema osteoarticular

Embora a aparência do osso sugira inactividade, na realidade este tecido encontra-se em remodelação constante, não só no esqueleto imaturo, no qual o crescimento e o desenvolvimento são de imediato aparentes, mas também no esqueleto maduro, através de processos contínuos e equilibrados de formação e reabsorção óssea. Quando estes processos são modificados, de forma a que um ou outro predominem, cria-se um estado patológico. Em alguns casos, o desequilíbrio entre formação e reabsorção óssea envolve um volume tal de alterações estruturais que é facilmente detectado pela radiografia. Em outros, o desequilíbrio pode ser ainda tão subtil que só é passível de ser identificado por estudos imagiológicos mais sensíveis como a cintigrafia óssea, a qual é capaz de dar uma informação do estado do metabolismo do osso mais do que da sua estrutura.

A cintigrafia osteoarticular é, actualmente, uma das técnicas mais importantes no estudo de múltiplas afecções que directa ou indirectamente alteram o metabolismo e, consequentemente, a arquitectura óssea e/ou articular. É particularmente importante a facilidade com que explora todo o esqueleto de forma rápida e o facto de apresentar uma elevada sensibilidade na detecção de lesões ósseas, ao permitir a visualização precoce de distúrbios metabólicos que condicionam alterações da vascularização e da actividade osteoblástica. Assim, são muitas as situações em que a cintigrafia se antecipa à radiologia na detecção de afecções ósseas. Apresenta, contudo, uma baixa especificidade, pelo que o significado diagnóstico dos achados cintigráficos deverá ser integrado no contexto clínico, laboratorial e radiográfico, e não apenas interpretado como um achado isolado.

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A cintigrafia osteoarticular utiliza compostos afins dos difosfonatos que formam quelatos com o 99mTc, sendo das técnicas mais utilizadas no estudo das afecções osteoarticulares. Aqueles compostos distribuem-se rapidamente no fluido extracelular, são extraídos da circulação e dos tecidos moles e captados pelo osso, contribuindo assim para uma boa relação sinal/ ruído. O 99mTc-metilenodifosfonato (99mTc-MDP) e o 99mTc- hidroximetilenodifosfonato (99mTc-HMDP) são os derivados dos difosfonatos mais frequentemente usados por serem os mais rapidamente extraídos da circulação.

Apesar do seu mecanismo de captação não estar completamente esclarecido, pensa-se que a molécula dos difosfonatos seja adsorvida na camada de mineralização activa na superfície da lâmina osteóide, sendo mais abundante na fase não cristalina (composta por fosfato de cálcio amorfo). Tal facto ajuda a explicar a avidez do radiofármaco por áreas de actividade osteogénica aumentada, independentemente do processo fisiopatológico que determinou o seu aparecimento. Outro factor importante para a distribuição regional do radiofármaco é o fluxo sanguíneo.

As imagens patológicas mais frequentemente encontradas são as hiperfixantes, que resultam de uma maior actividade osteoblástica, seja esta reaccional ou primária. Também se podem encontrar imagens cintigráficas hipofixantes ou mesmo com captação óssea ausente, originando áreas fotopénicas. Estas podem corresponder a zonas de necrose óssea com perda de osteócitos por isquémia ou enfarte (necrose asséptica da cabeça do fémur, doença de Legg-Calvé-Perthes, anemia falciforme, necroses pós-traumáticas) ou a zonas em que o osso foi destruído com ausência de elementos da matriz óssea (metástases agressivas).

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Assim, a cintigrafia osteoarticular é dos estudos de medicina nuclear mais solicitados pelo contributo diagnóstico que presta. É uma técnica de despiste de doença óssea difusa ou localizada, revestindo-se de particular importância na pesquisa de lesões ósseas secundárias a uma neoplasia, contribuindo para o estadiamento de vários tumores malignos. Pode assumir também um papel importante no estudo de patologia tumoral primária do osso, benigna e maligna. Outras indicações incluem o estudo de patologia músculo-esquelética (poliartralgias, mialgias), de infecções (osteomielite/ celulite), de doença óssea metabólica (doença de Paget), de próteses ósseas (descolamento/infecção), de lesões traumáticas (fracturas/ osteonecroses), de algoneurodistrofias e de displasias ósseas, entre outras.

2.3. Medicina nuclear em oncologia

Os exames imagiológicos como a ecografia, a tomografia computorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), são um poderoso instrumento na identificação de uma região com uma arquitectura alterada, relativamente à área circunvizinha de anatomia conservada. No entanto, estão limitados na capacidade de definir o seu estado funcional. É neste ponto que a medicina nuclear se assume como um método imagiológico de valor singular para o estudo e caracterização de várias patologias oncológicas, nomeadamente no estadiamento, no prognóstico, na avaliação da resposta à terapêutica e ainda na identificação da doença residual ou recidivada.

São resumidas, de seguida, algumas das mais frequentes técnicas da medicina nuclear convencional com interesse em oncologia.

2.3.1 Cintigrafia com Gálio-67

Introduzido há aproximadamente 25 anos na prática clínica, o 67Ga detém uma importante capacidade de resposta a questões-chave na avaliação de vários tumores.

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Após administração e.v. o 67Ga comporta-se como um análogo do ião Fe3+, sendo transportado na corrente sanguínea ligado à transferrina. Pensa-se que a maior permeabilidade da vascularização tumoral contribua para a acumulação aumentada do complexo 67Ga-transferrina nas neoplasias, actuando estas como um reservatório de trocas entre a transferrina aí existente e a plasmática. Contudo, parece que o mecanismo major de captação é partilhado por uma sobre-regulação dos receptores da transferrina nas células em rápida proliferação e ainda pela lactoferrina tecidular secretada por células não tumorais vizinhas ou pelas próprias células do tumor. Após a sua captação intracelular, o 67Ga associa-se à ferritina.

Ao comportar-se como um marcador de viabilidade tumoral não específico, o 67Ga assume um papel importante no estadiamento, na avaliação da evolução, e na resposta à terapêutica da doença em vários tumores, tais como o melanoma metastizado, tumores da cabeça e pescoço, tumores do pulmão, hepatocarcinoma e tumores dos tecidos moles. Mas é no estudo dos linfomas, particularmente na doença de Hodgkin e no linfoma não-Hodgkin que reside a sua principal indicação clínica.

Embora o contributo mais importante para o estadiamento inicial seja prestado por outros meios imagiológicos, é unanimamente aceite o valor do seu desempenho após a terapêutica, na avaliação da sua eficácia, no reestadiamento da extensão e detecção de recaída ou progressão da doença, e ainda como indicador de prognóstico.

Após o tratamento, é de grande utilidade a avaliação da massa residual e a sua diferenciação entre tecido fibrótico ou necrose e doença residual ou progressão da mesma. O 67Ga assume aqui um importante papel como marcador de viabilidade, uma vez que não é captado por tecido fibrótico ou necrosado. Esta informação que o 67Ga presta não está ao alcance de outros meios imagiológicos, como a radiografia do tórax e a TC.

É ainda um importante indicador de prognóstico, na medida em que se verifica uma correlação significativa entre os resultados da cintigrafia (durante e após terapêutica) e a sobrevida, o que não se verifica com outros estudos imagiológicos.

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Pelos motivos citados, a cintigrafia com 67Ga presta um excelente contributo no acompanhamento da situação clínica de linfomas, ao influenciar a escolha da modalidade terapêutica mais adequada a cada caso.

O protocolo de estudo dos doentes com linfomas consta, habitualmente, de um primeiro exame pré-tratamento que avalia o grau de avidez basal da neoplasia pelo 67Ga, permitindo uma valorização mais correcta dos resultados da cintigrafia após tratamento. Caso o primeiro estudo seja negativo, impõe-se o recurso a outros radiofármacos tais como o 201Tl ou o 99mTc-SestaMIBI - ambos marcadores de viabilidade tumoral, não específicos - ou mesmo à PET com 18F-FDG. Um segundo exame deverá ser realizado, no mínimo, 3 semanas após a conclusão da quimioterapia. Atendendo a que esta terapêutica altera a captação do 67Ga, a realização mais precoce torna-se uma potencial causa de falsos negativos. Poder-se-á ainda efectuar um exame suplementar durante a realização da quimioterapia (entre o 2º e o 4º ciclos) tendo como finalidade avaliar, numa fase precoce, a resposta ao tratamento, de modo a permitir a opção, se necessário, por uma terapêutica mais agressiva. Um terceiro estudo, de seguimento, é efectuado entre os 3 e os 6 meses, dependendo de critérios clínicos, para detecção de eventual recidiva da doença.

A sensibilidade da cintigrafia com 67Ga na avaliação dos linfomas é bastante dependente do tipo celular, do tamanho e da localização da lesão. Perante a negatividade da cintigrafia com 67Ga, pode recorrer-se a outros estudos de medicina nuclear, designadamente à cintigrafia com 201Tl. Este radiofármaco é avidamente captado pelas células tumorais viáveis, correlacionando-se essa captação com o seu potencial proliferativo. O 201Tl também é captado, se bem que em muito menor grau, pelas células inflamatórias, não sendo detectada qualquer captação pelas células tumorais necrosadas. Tal é devido não só a uma redução do fluxo sanguíneo local mas também à perda de integridade da membrana celular e dos sistemas de transporte activo. A cintigrafia com 201Tl pode assumir um papel clínico relevante, quer no estadiamento de linfomas não tratados quer na avaliação da natureza de lesões detectadas no estudo com 67Ga.

Após tratamento pode haver discordância dos achados cintigráficos obtidos com 67Ga e com 201Tl. Uma vez que este último é captado em menor proporção pelas lesões benignas do que o 67Ga, pode auxiliar na diferenciação entre lesão mediastínica activa e hiperplasia tímica ou captação para-hilar benigna, situações que podem ocorrer após quimioterapia. Contrariamente ao 67Ga, o 201Tl não parece ter valor na previsão da resposta ao tratamento.

Outro exame a mencionar é a cintigrafia com 99mTc-sestaMIBI. Este radiofármaco é um agente tumoral não específico captado pelas células de vários tumores de que são exemplos os carcinomas da mama e do pulmão, os tumores ósseos e de tecidos moles. A cintigrafia com 99mTc-sestaMIBI parece auxiliar na previsão da resposta à terapêutica. Trabalhos publicados referem que um resultado positivo de um estudo de base com aquele radiofármaco sugere uma resposta completa ao tratamento, enquanto que um resultado negativo indica uma resposta parcial ou ausente. Não parece haver, no entanto, qualquer relação entre a captação de 99mTc-sestaMIBI e o tipo histológico do linfoma.

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2.3.2. Cintigrafia com 123I-MIBG

Os tumores neuroendócrinos abrangem um vasto grupo de neoplasias pouco frequentes, derivadas de diversos tecidos e células com origem embriológica comum na crista neural. Entre as características destas neoplasias destaca-se a capacidade que têm para sintetizar hormonas/ péptidos neurotransmissores, para descarboxilar e captar aminas precursoras biogénicas (APUD) e armazená-las em grânulos intracitoplasmáticos. Podem ainda expressar na membrana celular receptores de superfície para a somatostatina.

Ligação a Receptores Específicos

Receptores Adrenérgicos Pré-Sinápticos

A medicina nuclear tem explorado os mecanismos de captação das aminas biogénicas e de armazenamento dos grânulos a nível citoplasmático, através da utilização da metaiodobenzilguanidina (MIBG) marcada com 131I ou 123I. Tem-lhe sido atribuído o importante papel não só de auxiliar na localização e caracterização deste tipo de tumores como, por vezes, de estabelecer o próprio diagnóstico.

O 123I-MIBG apresenta uma dosimetria mais favorável (semi-vida física de 13,2 horas e ausência de emissão de radiação ), o que possibilita a administração de actividades mais elevadas. O maior fluxo de fotões com uma energia mais baixa (159 keV), mais apropriado às características das câmaras gama, permite aumentar a sensibilidade de detecção das lesões e, por conseguinte, avaliar melhor a extensão da doença. A metaiodobenzilguanidina é um análogo sintético da guanetidina com comportamento biológico semelhante à noradrenalina, o que permite a sua captação e acumulação nos grânulos cromafins citoplasmáticos do sistema adrenérgico, responsáveis pelo armazenamento das catecolaminas. É devido a estas características que o 123I-MIBG possibilita a visualização de tumores derivados da crista neural, alcançando, em alguns tipos, elevados valores de sensibilidade e de especificidade. Os tumores mais estudados são o feocromocitoma no adulto e o neuroblastoma na criança. É também útil nos paragangliomas, no carcinoma medular da tiróide e nos carcinóides, entre

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outros (ganglioneuromas, retinoblastomas). No neuroblastoma, responsável por 10% das neoplasias pediátricas, o 123I-MIBG é importante no diagnóstico e, muito particularmente, no estadiamento e na avaliação da resposta à terapêutica, ambos com implicações prognósticas.

O 131I-MIBG é utilizado particularmente com fins terapêuticos no neuroblastoma e no feocromocitoma maligno. A realização de uma cintigrafia de base é útil na previsão da resposta à terapêutica e uma captação elevada de 131I-MIBG é preditiva de uma boa resposta. Após a conclusão da terapêutica, a cintigrafia permite ainda o reestadiamento e o seguimento a longo prazo.

2.3.3. Cintigrafia com 131I-Iodocolesterol (NP-59)

O primeiro radiofármaco introduzido na prática clínica com afinidade para o córtex suprarrenal foi o 131I-19-Iodocolesterol. Actualmente, utiliza-se o NP-59 (6--iodometil-norcolesterol marcado com 131I) que apresenta uma afinidade significativamente superior à do primeiro radiofármaco. O NP-59 está indicado para a identificação de tecido adrenal com função anómala, designadamente no síndrome de Cushing ACTH-independente, bem como na avaliação do aldosteronismo (Síndrome de Conn) e hiperandrogenismo primários, para diferenciar adenomas da hiperplasia bilateral. É ainda utilizado para determinar a natureza funcional de lesões do córtex suprarrenal, encontradas incidentalmente pelas técnicas imagiológicas de elevada resolução espacial, com grande detalhe anatómico, como a TC e a RM.

2.3.4. Cintigrafia com 111In-Pentatreótido

O octreótido é um análogo sintético da somatostatina constituído por oito aminoácidos, que tem a capacidade de se ligar aos receptores da somatostatina dos tecidos. Devido à sua semi-vida relativamente longa, o 111In-DTPA-D-Phe 1 octreótido - 111In-Pentatreótido - é um radiofármaco que permite a visualização de tecidos que possuem receptores com afinidade para a somatostatina.

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Ligação a Receptores Específicos

Receptores da Somatostatina

A principal indicação deste radiofármaco é o estudo de tumores neuroendócrinos, embora possa avaliar inúmeras patologias que apresentem um elevado número destes receptores, nomeadamente tumores, como os carcinomas da mama e brônquico, linfomas e meningiomas, e doenças granulomatosas e auto-imunes.

Nos tumores neuroendócrinos é útil essencialmente na avaliação de tumores pancreáticos (gastrinoma, glucagonoma, insulinoma), de tumores carcinóides, do paraganglioma e de adenomas hipofisários. É indiscutível o contributo da cintigrafia com 111In-Pentatreótido que, de um modo pouco invasivo, com elevada sensibilidade e com um estudo de corpo inteiro, permite a detecção de tumores neuroendócrinos primários (de que os tumores dos ilhéus pancreáticos e os carcinóides são um bom exemplo) e de eventuais localizações secundárias que, pelas reduzidas dimensões, são dificilmente identificadas ou avaliadas por outros meios imagiológicos.

Esta técnica pode ainda prever a eficácia da resposta terapêutica ao octreótido não-radioactivo uma vez que a presença de lesões ávidas por 111In-Pentatreótido sugere uma boa resposta (designadamente a nível da hipersecreção de hormonas nos casos de tumores da adenohipófise, dos ilhéus pancreáticos e dos carcinóides).

2.3.5. Cintigrafia com 99mTc-sestaMIBI

O 2-methoxy-isobutyl-isonitrilo (sestaMIBI) marcado com 99mTc é um radiofármaco lipofílico catiónico que apresenta um mecanismo de captação muito complexo, o qual depende do fluxo sanguíneo regional, da integridade da membrana celular e do grau de actividade metabólica intracelular. Este factores são capazes de criar condições bioenergéticas de diferenças de potencial entre as membranas celulares e a matriz interna das mitocôndrias. Deste modo se possibilita a passagem daquela substância para o interior da mitocondria, comportando-se o radiofármaco como um verdadeiro marcador de viabilidade celular. Na sua captação e retenção participam a lipofilicidade, a difusão

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passiva, a atracção electrostática, o potencial negativo da membrana interna da mitocôndria e os sistemas Na+/ K+ e anti-porta Na+/ H+ e ainda a glicoproteína P.

Este radiofármaco foi introduzido em 1984 como alternativa ao 201Tl para o estudo de perfusão do miocárdio. Na sequência de uma descoberta acidental, em 1987, em que se visualizou a sua captação em metástases pulmonares de um carcinoma da tiróide, passou a desempenhar uma importante função no estudo de diversas neoplasias. Tem sido frequentemente usado na avaliação de vários tumores sólidos, nomeadamente tumores ósseos (osteossarcomas), cerebrais, da nasofaringe, carcinomas da mama e adenomas das paratiróides. Também tem sido útil em neoplasias hematológicas como marcador de malignidade da medula óssea, sendo exemplos os linfomas e muito especialmente o mieloma múltiplo.

A cintigrafia com 99mTc-sestaMIBI tem ainda a potencial vantagem de auxiliar na previsão da multirresistência às drogas (MDR), ao permitir a obtenção da imagem funcional deste fenótipo, causa major do comportamento refractário de várias neoplasias à quimioterapia. As linhas celulares tumorais resistentes a múltiplos fármacos apresentam a amplificação e, por conseguinte, a hiperexpressão de um gene que regula a entrada intracelular da maior parte dos agentes citotóxicos designado por MDR1, cuja proteína produto é a glicoproteína P (gpP). A gpP é um transportador membranar que se comporta como uma bomba de efluxo ATP-dependente, responsável pela protecção celular, capaz de remover os agentes citotóxicos naturais do espaço intracelular. A sua hiperprodução conduz ao aumento da taxa de efluxo de moléculas/ fármacos hidrofóbicos catiónicos de que os agentes quimioterápicos são exemplo, tornando as células tumorais resistentes à quimioterapia. O sestaMIBI é reconhecido pelo gene da MDR1 como substrato de transporte da gpP, sendo a acumulação intracelular/taxa de efluxo deste radiofármaco inversamente proporcional à expressão funcional da gpP. Suspeita-se da sua hiperprodução quando se assiste a um washout aumentado do radiofármaco. A reversibilidade da MDR por agentes não tóxicos que bloqueiem a actividade de transporte da gpPMDR tem sido um alvo importante para o desenvolvimento de moduladores MDR. O objectivo é que a sua co-associação a agentes citotóxicos aumente a sua acumulação no interior das células tumorais.

A cintigrafia do transporte mediado pela gpPMDR tem portanto duas aplicações clínicas distintas: a detecção e quantificação da gpP funcional nos tumores no momento do diagnóstico e a identificação do sucesso de inibição da sua função de transporte após quimioterapia associada a modelador.

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Difusão e Localização Mitocondrial

2.3.6. Cintigrafia mamária

O carcinoma da mama tem duas formas de apresentação inicial - o carcinoma in situ e o carcinoma invasivo - as quais se podem apresentar como lesão única ou como lesão multifocal ou multicêntrica.

A mamografia, apesar de ser a técnica de imagem de 1ª linha, nem sempre é diagnóstica, particularmente em mulheres com doença fibroquística ou com glândulas mamárias densas.

A cintigrafia mamária tem sido indicada como técnica de imagem complementar à mamografia em doentes com achados mamográficos indeterminados ou sugestivos de lesão mamária maligna e em doentes com glândulas mamárias densas. Esta técnica tem grande utilidade nos casos em que a mamografia é de difícil execução, nomeadamente no seguimento de doentes com cicatrizes resultantes de cirurgias anteriores ou com implantes mamários. Está também indicada em doentes sob terapêutica hormonal substitutiva, na suspeita de doença multifocal e/ou multicêntrica e em massas palpáveis e clinicamente suspeitas mas negativas ou equívocas após biópsia. É ainda útil quando a suspeita da extensão clínica da doença é discordante da dos achados mamográficos, na orientação do local a biopsar e ainda como método complementar de avaliação do envolvimento ganglionar.

O radiofármaco inicialmente utilizado foi o 201Tl (década de 70), seguindo-se o 99mTc-sestaMIBI que rapidamente se assumiu como o radiofármaco de eleição.

A cintigrafia mamária com 99mTc-Tetrofosmina tem revelado resultados similares aos do 99mTc-MIBI, apresentando elevados valores de sensibilidade (75 a 96%) e de especificidade (62% a 93%), para nódulos palpáveis com diâmetro igual ou superior a 1 cm. Para lesões infra-centimétricas, a sensibilidade é menor. Têm sido referidas uma sensibilidade de 50 a 84% e uma especificidade de 67 a 92% para a detecção de adenopatias axilares.

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2.3.7. Medicina nuclear na pesquisa de gânglio sentinela

O mapeamento linfático com pesquisa do gânglio sentinela é um exame que permite a visualização de canais linfáticos e de estruturas ganglionares e, consequentemente, a detecção e localização do gânglio sentinela.

Tum orSN

2nd

3rd

2nd

3rd

Fagocitose

A importância do mapeamento linfático e da biópsia do gânglio sentinela reside no princípio da disseminação sequencial que defende que o tumor primário drena inicialmente para um primeiro gânglio da via linfática - gânglio primário ou sentinela - e, numa fase mais tardia, deste para os gânglios seguintes - gânglios secundários ou satélites. Segundo este princípio, parece lógico pensar-se que, se existirem células tumorais no gânglio sentinela, maior será a probabilidade de se encontrarem também nos gânglios seguintes da cadeia ganglionar, havendo indicação nestes casos para realização de esvaziamento ganglionar regional. Quando o gânglio sentinela se encontra liberto de células neoplásicas, o mais provável é que os restantes gânglios da cadeia também o estejam, sendo evitável uma atitude tão agressiva como é o esvaziamento ganglionar regional.

Actualmente as aplicações mais frequentes desta técnica ocorrem no melanoma maligno e nos carcinomas da mama, da vulva e do pénis.

Para a identificação do gânglio sentinela, recorre-se a uma linfocintigrafia em que se visualiza a drenagem de um radiofármaco que é captado pelo sistema linfático. Os nanocolóides de albumina marcados com 99mTc são injectados intra ou peri-tumoralmente passando, através do espaço intersticial, para o lúmen do vasos linfáticos terminais, através das junções existentes entre as células endoteliais ou por pinocitose. Uma vez alcançado o sistema linfático, não é já possível o seu retorno, seguindo o trajecto da linfa através dos vasos aferentes em direcção ao gânglio sentinela. Os nanocolóides marcados são então fagocitados pelas células do sistema reticuloendotelial que existem no interior do gânglio, ficando aí aprisionados. Contudo, alguns destes

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nanocolóides conseguem escapar em direcção aos linfáticos eferentes e aos gânglios secundários, obtendo-se assim o mapeamento linfático. O primeiro gânglio a ser visualizado, e que habitualmente se encontra mais próximo do tumor, é considerado como sendo o sentinela. Este é o principal critério para a sua identificação sobretudo se for visualizado o vaso aferente.

No decurso da cirurgia, o cirurgião terá à sua disposição não só as imagens da linfocintigrafia mas também uma sonda intraoperatória para detecção de radiação gama, capaz de localizar, in situ, as zonas de maior concentração radioactiva. No período per-operatório pode também proceder-se, complementarmente, a um mapeamento linfático através da injecção peri ou intra-tumoral de um corante azul (blue dye).

No caso do carcinoma da mama esta metodologia permite visualizar e identificar o(s) gânglio(s) sentinela da região axilar em 75% a 98% dos casos e o(s) da cadeia paraesternal (mamária interna) em aproximadamente 20% dos casos. A visualização do grupo ganglionar paraesternal sugere que a administração intramamária do radiofármaco permite não só abordar a drenagem mais superficial da mama mas também o sistema mais profundo intraglandular (drenagem do parênquima).

O melanoma maligno cutâneo pode metastizar por via linfática e sanguínea e, quando metastizado, apresenta frequentemente invasão regional sob a forma de metástases cutâneas e/ou metastização ganglionar. A utilização integrada da 1) imagem funcional da linfocintigrafia cutânea (que permite a identificação e localização do gânglio sentinela e da via de drenagem linfática da lesão cutânea em 97% dos casos), 2) da localização intraoperatória do gânglio sentinela com sonda de detecção, bem como 3) do mapeamento linfático com corante azul, possibilitam uma ressecção ganglionar selectiva e, de forma quase imediata, o estudo anatomopatológico, permitindo obter um estadiamento mais rigoroso e precoce. Têm indicação para ser submetidos a este procedimento os doentes com o diagnóstico de melanoma maligno cutâneo, sem evidência de doença metastizada (Estadio I-II) e que não tenham sido submetidos a excisão alargada da lesão primitiva.

2.3.8. Tomografia por Emissão de Positrões (P.E.T.)

Para além do reconhecido valor e desenvolvimento das suas técnicas convencionais, o crescente recurso à tomografia por emissão de positrões (PET) com 18F-FDG, faz com que a medicina nuclear tenha já assegurada a sua mais-valia na caracterização de vários tipos de tumores. A detecção da acumulação de 18F-FDG nas lesões é uma forma extremamente sensível de diferenciar um processo benigno de uma lesão maligna (nódulo solitário do pulmão) e de estadiar a doença.

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Tomografia de Emissão de PositrõesTomografia de Emissão de Positrões

Nuclide Half-LifeO-15 2 min N-13 10 min C-11 20 min F-18 110 min

A tomografia de emissão de positrões (PET) com 18F-Fluorodesoxiglicose (FDG) vem assumindo um lugar cada vez mais sólido não somente no estadiamento inicial mas também no reestadiamento, na monitorização da resposta à terapêutica e no seguimento de vários tumores, nomeadamente nos linfomas. A PET-FDG presta uma singular informação acerca do comportamento biológico da doença. As células tumorais apresentam uma elevada taxa de glicólise em comparação com os tecidos normais, devendo-se tal facto a uma hiperexpressão de transportadores membranares de glicose e a um aumento da actividade das enzimas envolvidas na reacção glicolítica. A captação de FDG nas células tumorais é não só uma expressão do metabolismo mas também do grau de perfusão do tumor. No caso dos

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linfomas, contrariamente ao que sucede com o 67Ga, a captação de 18F-FDG não se correlaciona com o tamanho do tumor, permitindo a detecção de lesões infra-centimétricas. Valores elevados de captação de 18F-FDG encontrados nos linfomas não Hodgkin de alto grau associam-se a taxas de proliferação elevadas. Daí que a captação de 18F-FDG possa vir a considerar-se um índice não invasivo do grau de proliferação celular em linfomas.

Difusão Facilitada

Retenção Metabólica

Este método tem revelado uma sensibilidade superior à da cintigrafia com 67Ga e igual ou superior à da TC na detecção de doença. Permite uma avaliação da eficácia terapêutica numa fase precoce (logo após a primeira semana) mas também após a sua conclusão, revelando-se ainda um indicador de prognóstico, particularmente nos casos de linfoma não-Hodgkin de alto grau. Uma remissão completa após quimioterapia de primeira linha está associada a uma sobrevida livre de doença mais longa; uma captação anómala persistente em linfomas não-Hodgkin é altamente preditiva de doença residual ou recidivada. Nos casos de recidiva, o intervalo livre de doença é significativamente menor após um estudo positivo do que após um negativo.

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PET (18F-FDG) em OncologiaIndicações

Diferenciação entre lesões benignas e malignas

Estagiamento de doença malignaGraduação de lesões cerebrais malignasDiferenciação entre doença maligna

residual ou recorrente e alterações induzidas por terapêuticas.

Monitorização de resposta a terapêuticas.

Procedure Guidelines Manual – Society of Nuclear Medicine, 1999

Gambhir et al, JNM 2001

A TabulatedSummary of theFDG PET Literature

A TabulatedSummary of theFDG PET Literature

Sensibilidade 84 - 87%

Especificidade 88 - 93%

Acuidade 87 – 90%

Modif. Conduta 30%

Sensibilidade 84 - 87%

Especificidade 88 - 93%

Acuidade 87 – 90%

Modif. Conduta 30%

Referências:

1. Imagiologia Básica – Texto e Atlas. João Martins Pisco. LIDEL Setembro 2003

2. Medicina Nuclear (2 ed.) James H. Thrall e Harvey Ziessman. Guanabara Koogan. 2001

3. www.nucmedlinks.com

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