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  • A Singularidade da Interveno do

    Treinador como a sua

    Impresso Digital na

    Justificao da Periodizao Tctica como uma

    fenomenotcnica.

    Carlos Csar Arajo Campos

    Porto, 2007

  • .

  • A Singularidade da Interveno do

    Treinador como a sua

    Impresso Digital na

    Justificao da Periodizao Tctica como

    uma fenomenotcnica.

    Monografia de Licenciatura realizada no

    mbito da disciplina de Seminrio do 5

    ano da licenciatura em Desporto e

    Educao Fsica, na opo de Futebol,

    da Faculdade de Desporto da

    Universidade do Porto

    Orientador: Professor Vtor Frade

    Autor: Carlos Csar Arajo Campos

    Porto, Dezembro 2007

  • Provas de Licenciatura

    Campos, C. (2007). A Singularidade da Interveno do Treinador como a sua

    Impresso Digital na Justificao da Periodizao Tctica como uma

    fenomenotcnica. Porto: C. Campos. Dissertao de Licenciatura

    apresentada Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

    Palavras-chave: FUTEBOL, TREINO, PRINCPIOS DE JOGO,

    INTERVENO e INTER(ACO).

  • III _____________________________________________________________________________

    Dedicatria

    A todos aqueles que vieram antes de mim, planaram o terreno custa da

    escavao de densas pedreiras e da devastao de mato robusto, permitindo

    que agora eu apenas tenha que procurar contribuir para uma pavimentao

    cada vez mais bela e rica.

    havia a cincia Newtoniana. E, Ludwig von Bertalanffy disse: deixe o

    sistema todo ser maior do que a soma das suas partes. Norbert Wiener

    acrescentou: deixe o feedback positivo e negativo flurem por todo o sistema.

    Ross Ashby postulou: deixe o sistema ter a quantidade de variedade

    necessria para interagir com o seu ambiente. E nasceu a teoria geral dos

    sistemas.

    Ward (cit. por Tani e Corra, 2006, p. 15)

  • .:

  • V _____________________________________________________________________________

    Agradecimentos

    Ao Professor Vtor Frade pelo seu saber contagiante e estimulante,

    pela paixo que transborda na transmisso do seu conhecimento e das suas

    dvidas emergentes, pelas aulas e pela disponibilidade simultaneamente

    motivada e motivadora. Sinto-me verdadeiramente um privilegiado!

    Aos meus entrevistados: Professora Marisa Gomes, Mestre Jos

    Guilherme Oliveira e Professor Rui Faria pelo enorme contributo para o

    enriquecimento deste trabalho. A vossa humildade em atenderem o meu

    pedido jamais ser esquecida!

    Ao meu primo Joca e aos meus amigos Jos, Madalena e Sara pelo

    contributo efectivo para a realizao deste trabalho numa altura em que o

    tempo escasseava.

    Aos meus pais e irm pela simples razo de os quatro sermos um s!

    Nenhum de ns se reduz a si prprio!

    Gabi por estar sempre presente, por acreditar em mim, por partilhar

    comigo todo este caminho com um sorriso terno e encorajador! Sem ti nada

    seria igual

    Aos meus amigos e colegas que comigo viveram estes curtos e

    intensos anos de Faculdade, especialmente ao ngelo, ao Guisande, ao Daniel

    Pinho, ao Daniel Pinto e Andreia entre outros que comigo partilharam

    vivncias duradouras, marcantes e irrepetveis. Reencontrmo-nos na

    Premiership!

  • .

  • VII _____________________________________________________________________________

    ndice Geral

    Dedicatria III

    Agradecimentos V

    ndice Geral VII

    ndice de Figuras X

    ndice de Anexos XI

    Resumo XIII

    Abstract XV

    Rsum XVII

    1. Introduo 1

    2. Reviso da Literatura 7

    2.1. Existncia de um Modelo de Jogo como condio

    impretervel para dele se ter conscincia 7

    2.2. constituindo-se a prtica como princpio e fim da sua

    transmisso 10

    2.3. que vai condicionar a espontaneidade decisional do aqui

    e agora 13

    2.4. com permanente subordinao aos Princpios de Jogo

    como objectos mentais 20

    2.5. que passam a fazer parte da memria de modo a serem

    evocados sempre que necessrio 24

    2.6. para haver a manifestao de um padro de

    comportamento regular que se pretende eficaz 28

    2.7. graas evoluo individual de cada jogador sustentada

    em referenciais eminentemente colectivos 34

    2.8. que vai permitir a ecloso da desordem desequilibradora

    sustentada numa ordem implcita 37

    2.9. determinada previamente pelo treino 42

    3. Material e mtodos 49

    3.1. Caracterizao da Amostra 49

    3.2. Metodologia de Investigao 49

  • VIII _____________________________________________________________________________

    3.3. Recolha de Dados 50

    4. Anlise e discusso dos resultados 51

    4.1. A Especificidade da repetio sistemtica dos Princpios de

    Jogo 51

    4.1.1. necessita de um profundo conhecimento do

    Modelo de Jogo 51

    4.1.2. e est na interaco dos princpios da alternncia

    horizontal, da progresso complexa e das propenses

    devidamente contextualizados

    52

    4.2. A mesma abordagem com diferente grau de complexidade

    como fulcro do processo de assimilao dos Princpios de

    Jogo

    55

    4.2.1. que nunca esgotam a sua riqueza impedindo o

    uso do conceito de manuteno do princpio de jogo 56

    4.3. A focalizao no comportamento que se pretende treinar

    advm da configurao do exerccio 58

    4.3.1. e de uma interveno do treinador centrada

    precisamente nesses aspectos. 60

    4.4. A auto-hetero-superao est no limiar entre sucesso e

    insucesso 61

    4.4.1. e depende em grande medida da interveno

    adequada do Treinador 62

    4.5. A antecipao permitida pela existncia de uma lgica de

    resoluo dos problemas 64

    4.6. A desmontagem do jogo referenciada ao plano macro como

    chave do plano micro 66

    4.6.1. o que implica uma fractalidade no plano

    transversal 67

    4.6.2. e uma fractalidade em profundidade 68

    4.6.3. geridas por um tipo de interveno anti-

    determinista 70

    4.7. A qualidade individual apenas pode ser manifestada

    quando est subjugada a algo hierarquicamente superior 72

  • IX _____________________________________________________________________________

    4.7.1. havendo que actuar sobre o(s) jogador(es) em

    causa 75

    4.7.2. e simultaneamente sobre o Modelo de Jogo,

    reajustando-o sem perda do Padro Global 78

    4.8. A criatividade Especfica como um desvio treinado, previsto

    internamente e enriquecedor 80

    4.8.1. apenas possibilitada por uma interveno

    amplamente competente por parte do treinador 84

    4.9. A preponderncia da prtica na aquisio de hbitos

    enquanto capacidade organizante 85

    4.9.1. que deve estar associada a uma identificao

    terica consciente dos comportamentos a manifestar 87

    4.9.1.1. possibilitada por uma transmisso verbal e

    pelo uso de imagens 88

    4.10. A necessidade de uma SUPRA-ESPECIFICIDADE face

    escassez de tempo para treinar quando se est a top 90

    5. Concluses 93

    6. Referncias Bibliogrficas 97

    7. Anexos 103

  • X _____________________________________________________________________________

    ndice de Figuras

    Figura 1 - Sistema de roldanas representativo da Fractalidade

    Transversal 68

    Figura 2 - Puzzle representativo da Fractalidade em Profundidade 70

    Figura 3 Interaco imaginada pelo Treinador para um

    determinado momento do jogo 77

    Figura 4 Formato da interaco global segundo as limitaes do

    jogador (4) antes de qualquer reajuste 77

    Figura 5 Configurao do contributo idealizado pelo Treinador

    para o jogador (4) 78

    Figura 6 Configurao do contributo possibilitado pelas

    capacidades do jogador (4) 78

    Figura 7 Configurao das interaces resultante dos reajustes

    do Modelo e da interveno especfica sobre o jogador (4) 80

    Figura 8 Configurao da interaco do jogador (4) aps treino

    direccionado para a sua melhoria contextualizada 80

    Figura 9 Contemplao da criatividade no Modelo de Jogo 83

  • XI _____________________________________________________________________________

    ndice de Anexos

    Anexo 1 Entrevista Professora Marisa Gomes I

    Anexo 2 Entrevista ao Mestre Jos Guilherme Oliveira XXI

    Anexo 3 Entrevista ao Professor Rui Faria XXXIV

  • .

  • XIII _____________________________________________________________________________

    Resumo

    Considerando que o processo de treino nico e que deve ter em vista o

    jogo que se procura, este dever ento, ter por base o Modelo de Jogo

    consubstanciado num conjunto de princpios de aco que serviro de

    referncia conduo do processo e que permitiro alcanar o objectivo de

    organizao da equipa.

    As decises dos jogadores devem ter como base determinados princpios

    que constituiro, no seu conjunto, a lgica interna de funcionamento da equipa.

    Para que isto acontea tem que se treinar tendo como principal prioridade a

    aquisio de hbitos referentes a uma determinada forma de jogar futebol, que

    no nosso entender e de acordo com a pesquisa efectuada mormente

    facilitado e promovido pela Periodizao Tctica. consecuo deste objectivo

    no alheia uma interveno competente e adequada do treinador ao longo do

    processo pois permite um direccionamento mais concreto e eficaz.

    Para perceber melhor as entrelinhas destas questes definimos os

    seguintes objectivos: descrever os mecanismos inerentes ao processo de

    cumprimento dos princpios de jogo; indagar acerca das formas de perspectivar

    este processo por parte dos treinadores no que se refere sua interveno

    especfica; possibilitar uma maximizao da transferncia dos contedos

    essenciais do treino para o jogo.

    De forma a atingir estes objectivos entrevistamos trs treinadores de

    Futebol, a Professora Marisa Gomes, o Mestre Jos Guilherme Oliveira e o

    Professor Rui Faria.

    Na anlise e discusso dos resultados foram tidas em conta as

    entrevistas bem como a reviso bibliogrfica efectuada sendo possvel no final

    extrair algumas concluses das quais se destacam: a necessidade de uma

    perfeita congruncia entre aquilo que o treinador idealiza e o modo como

    sistematiza e operacionaliza isso; a relevncia de uma interveno competente

    do treinador que permita um permanente acrscimo de Especificidade no

    treino; a necessidade de construir uma lgica comum de resoluo dos

    problemas que permita a antecipao da deciso por parte dos colegas; a

    promoo da criatividade inscrita numa matriz comportamental Especfica; a

    imprescindibilidade de dominar bem os objectivos referentes ao plano macro

    para a partir da actuar sobre o plano micro; a premncia de condicionar a

    evoluo individual a referenciais colectivos e o auxlio que a identificao

    terica com o padro comportamental tem na prtica.

    Palavras-chave: FUTEBOL, TREINO, PRINCPIOS DE JOGO,

    INTERVENO e INTER(ACO).

  • ..

  • XV _____________________________________________________________________________

    Abstract

    Considering that the training process is unique and must keep in mind the

    pursuited game, it should have as base the Game Model consubstantiated in a

    group of principles of action that will serve as reference for the conduction of the

    process and will allow us to reach the objective of the team organization.

    The players decisions should have as base certain principles that will

    constitute, as a whole, the internal logic of the teams functioning. For this to

    happen the trainings principal aim has to be the acquisition of habits necessary

    to a certain way of playing football that, in our point of view, and according to

    the conducted research, is mainly facilitated and promoted by the Tactical

    Periodization. In the way of achieving this objective the coachs competence

    and proper intervention during the process is not lost in thought, because it

    allows a more concrete and effective conduction.

    To read between the lines of these questions we defined the following

    objectives: describe the mechanisms inherent to the following of the game

    principles; to enquire the coaches about their perspective of the process,

    referring to their specific intervention; optimise the transference of the essential

    content of the training to the game.

    In order to achieve these objectives three Football coaches were

    interviewed, the Professor Marisa Gomes, the Master Jos Guilherme Oliveira e

    the Professor Rui Faria.

    In the analysis and discussion of the results the interviews were taken into

    account as well as the bibliographic revision effectuated allowing us to extract,

    in the end, some conclusions among which we stand out: the necessity of a

    perfect congruence between the things that the coach idealizes and the way he

    systematises and operates it; the relevance of a competent intervention of the

    coach that allows a permanent raise of the training Specificity; the need to

    construct a common logic of problem resolution that allows an anticipated

    decision on the part of the colleagues; the creativity promotion inscribed in a

    Specific behavioural matrix; the necessity to well dominate the objectives

    referring the macro plan in order to act on the micro plan; the urgency to

    regulate the individual evolution regarding collective referentials and the

    assistance that the theorical identification with the behavioural padron has in

    practice.

    Key Words: FOOTBALL, TRAINING, GAME PRINCIPLES,

    INTERVENTION and INTER(ACCTIONS).

  • ..

  • XVII

    _____________________________________________________________________________

    Rsum

    Considrant que le processus d'entranement est unique et qu'il doit avoir en

    vue le jeu qui se cherche, celui-ci devra alors, avoir par base le Modle de Jeu

    consolid dans un ensemble de principes d'action qui serviront de rfrence la

    conduction du processus et permettront d'atteindre l'objectif de lorganisation de

    l'quipe.

    Les dcisions des joueurs doivent avoir comme base dtermins principes

    qui constitueront, dans leur ensemble, la logique interne de fonctionnement de

    l'quipe. Pour que ceci arrive a il faut s entraner ayant comme principale priorit

    l'acquisition d'habitudes affrentes une certaine forme de jouer football, qui

    ntre avis et conformment la recherche effectue ceci est facilit et promu par la

    Priodisation Tactique. Comme consequence de cet objectif une intervention

    comptente et ajuste de l'entraneur au long du processus n'est pas carter,

    permetant un direccionement plus concret et efficace.

    Pour percevoir mieux les entrelignes de ces questions nous avons dfini les

    suivants objectifs: dcrire les mcanismes inhrents au processus

    d'accomplissement des principes de jeu; enquter concernant les formes de mettre

    en perspective ce processus de la part des entraneurs en ce qui concerne son

    intervention spcifique; rendre possible une maximisation du transfert des contenus

    essentiels de l'entranement pour le jeu.

    De manire atteindre ces objectifs nous avons interview trois entraneurs

    de Football, la Professeur Marisa Gomes, le Matre Jos Guilherme Oliveira et le

    Professeur Rui Faria.

    Dans l'analyse et la discussion des rsultats ont t tenues en compte les

    entrevues ainsi que la rvision bibliographique effectue fin dtre possible

    xtraire quelques conclusions desquelles ils se dtachent: la ncessit d'une

    parfaite congruence entre ce qui l'entraneur idalise et la manire comme il

    systmatise et opre cela; l'importance d'une intervention comptente de

    l'entraneur qui permet une permanente addition de Spcificit dans l'entranement;

    la ncessit de construire une logique commune de rsolution des problmes qui

    permette l'anticipation de la dcision de la part des collgues; la promotion de la

    crativit inscrite dans une matrice comportemental spcifique; lextreme

    importance de dominer bien les objectifs affrents au champ macro pour partir de

    l agir sur le champ micron; l'urgence de conditionner l'volution individuelle des

    rfrentiels collectifs et l'aide que l'identification thorique avec la norme

    comportementale a dans la pratique.

    Mots-cls: FOOTBALL, ENTRANEMENT, PRINCIPES DE JEU,

    INTERVENTION et INTER (ACTION).

  • Introduo _____________________________________________________________________________

    1 _____________________________________________________________________________

    1. Introduo

    Williamas e Hodges (2004, p. 637) referem que nos ltimos anos tm

    sido levadas a cabo inmeras pesquisas com o objectivo de se identificar os

    factores mais importantes que levam a bons desempenhos no desporto.

    Lembram que a importncia das cincias do desporto apreciada por todos

    aqueles que esto envolvidos em equipas profissionais e que a grande maioria

    dos trabalhos nesta rea pertena dos fisiologistas do exerccio sendo que

    disciplinas como a psicologia desportiva ou a aprendizagem motora so

    relegadas para segundo plano no que produo cientfica diz respeito. Estes

    autores chegam mesmo a dizer que o futebol adoptou as cincias biolgicas

    com muito maior entusiasmo que o revelado no interesse da compreenso do

    comportamento ou das cincias sociais.

    Da mesma forma que fazem a constatao destes factos, Williams e

    Hodges (2004, p. 637) encontram explicaes para eles: muito mais fcil

    avaliar a efectividade de um programa de condio fsica do que monitorizar

    intervenes que visam alterar comportamentos. Mudanas nas capacidades

    aerbia e anaerbia ou nas caractersticas antropomtricas como a massa ou

    composio corporal, podem ser facilmente determinadas usando testes

    laboratoriais padronizados. Por outro lado, constructos como a ansiedade,

    auto-confiana, antecipao e tomada de deciso so difceis de medir

    directamente e podem apenas ser inferidos atravs de mudanas

    comportamentais ao longo do tempo. Estas explicaes servem-nos tambm a

    ns, pois a realizao deste trabalho visa compreender melhor a forma como o

    Treino conduz a uma determinada forma de jogar futebol, isto , tratamos o

    comportamento, as interaces, a vivenciao de decises dentro duma matriz

    especfica que caracteriza uma equipa e isso exige um profundo conhecimento

    daquilo que estamos a falar, no nosso caso do jogar que pretendemos, pois

    s assim poderemos direccionar o treino nesse sentido, promovendo as

    interaces adequadas ao surgimento efectivo da nossa ideia de jogo.

  • Introduo _____________________________________________________________________________

    2 _____________________________________________________________________________

    Ao abordarmos um assunto, seja ele de que ndole for, convir logo

    partida tornar claros alguns pressupostos que, de forma velada ou no,

    condicionaro vincadamente o modo como trataremos esse mesmo tema.

    Num mundo descentrado como o nosso, cada um torna-se responsvel

    pela experimentao de novas prticas sintonizadas com o pensamento

    sistmico. Todos os caminhos so vlidos pois tudo depende daquilo com que

    nos deparamos e daquilo que est no centro da nossa busca. Esta uma das

    ideias bsicas do pensamento complexo: tendo em conta a multiplicidade de

    caminhos que se abrem investigao, fundamental a existncia de um

    centro comum a todas as reas interligadas, assumindo a articulao um papel

    fulcral. Esta ideia sistmica deita por terra as receitas, descendentes directas

    da causalidade linear, e apela de uma forma racional, individualizao,

    necessidade de atentar e analisar cada caso como diferente de todos os outros.

    A este propsito Morin (1986) diz que paradoxalmente so as cincias

    humanas que, actualmente, oferecem a mais fraca contribuio ao estudo da

    condio humana, precisamente porque esto desligadas, fragmentadas e

    compartimentadas. Estabeleamos uma analogia com Morin (1986, p. 42)

    quando este diz: Imaginemos uma tapearia contempornea. Ela comporta

    fios de linho, seda, algodo, l, de cores variadas. Para conhec-la, seria

    interessante conhecer as leis e princpios relativos a cada uma dessas

    espcies de fio. Contudo, a soma dos conhecimentos sobre cada tipo de fio

    que compe a tapearia insuficiente para conhecer essa nova realidade que

    o tecido (ou seja, as suas qualidades e propriedades). tambm incapaz de

    nos auxiliar no conhecimento da sua forma e configurao. Ora o mesmo se

    aplica em relao ao Futebol, isto , at podemos tentar decomp-lo nas suas

    mais nfimas partes mas no menos verdade que isso manifestamente

    insuficiente no tratamento duma configurao em que as relaes situacionais

    estabelecidas variam de forma vertiginosa. Se acreditamos que o nosso jogar

    com tudo aquilo que o caracteriza aquilo que nos pode levar ao sucesso

    ento sobre ele que devemos actuar. Aquilo que alvo da preocupao

    central de um treinador tambm aquilo que o distingue enquadrando-o numa

    ou noutra concepo metodolgica.

  • Introduo _____________________________________________________________________________

    3 _____________________________________________________________________________

    A primeira etapa da complexidade indica que conhecimentos simples

    no ajudam a conhecer as propriedades do conjunto. Trata-se de uma

    constatao banal, que no entanto tem consequncias bem relevantes: a

    tapearia mais do que a soma dos fios que a constituem. O todo mais do

    que a soma de suas partes. Este postulado de Morin (1986, p. 43) desacredita

    aqueles que insistem em fragmentar, decompor e reduzir. A fragmentao

    reduz na medida em que so sonegadas as correlaes que se estabelecem

    com tudo aquilo que envolve determinada situao. Ao perspectivarmos

    determinada componente de forma isolada do seu contexto real estamos a

    adulter-la pois ela parte de um todo sem o qual deixa de fazer sentido.

    A segunda etapa da complexidade revela que o facto de existir uma

    tapearia faz com que as qualidades deste ou daquele fio no possam, todas

    elas, expressar-se na sua plenitude, pois esto inibidas ou virtualizadas. Assim,

    o todo menor do que a soma de suas partes (Morin, 1986, p. 43). Com isto o

    autor adverte que ao darmos o primado globalidade teremos de relativizar

    cada uma das suas partes. O relativizar aqui poder ser entendido como uma

    contextualizao, ou seja, um enquadramento na realidade a que pertence

    dentro do todo.

    A terceira etapa da complexidade a mais difcil de entender pela

    nossa estrutura mental. Ela diz que o todo ao mesmo tempo maior e menor

    do que a soma de suas partes. Esta aparente contradio de Morin encerra

    uma verdade que a chave do entendimento de todas as questes

    relacionadas com este assunto. O todo maior que a soma das partes quando

    o entendemos como uma estrutura extremamente complexa fruto de inmeras

    interaces das partes umas com as outras e com o meio envolvente. Nesta

    perspectiva o todo sempre tratado considerando a sua essncia global

    surgindo daqui a necessidade de se criarem processos que conduzam a esse

    mesmo tratamento holstico, isto , definir as prioridades e actuar sobre elas de

    modo a que se obtenham incrementos nos mecanismos gerais. Por outro lado

    o todo menor que a soma das partes se entendermos cada uma delas como

    relevante em si, ou seja, se atribuirmos significado contextual a algo

    descontextualizado. Por exemplo a periodizao convencional atomiza o j

    atomizado treino aerbio em treino de recuperao, treino aerbio de baixa

  • Introduo _____________________________________________________________________________

    4 _____________________________________________________________________________

    intensidade e treino aerbio de alta intensidade. Cada uma destas

    componentes , segundo esta concepo metodolgica do treino de futebol,

    tratada isoladamente esperando-se depois um transfer adequado para a

    realidade competitiva. Constatando esta realidade, Tani e Corra (2006, p. 16)

    certificam que a noo de que um sistema pode ser separado em

    componentes sem perder as suas caractersticas essenciais est ainda muito

    presente no campo dos desportos colectivos, por exemplo, quando se d muita

    nfase prtica de fundamentos tcnicos na aprendizagem ou no treino de

    certas modalidades desportivas colectivas.

    Changeux (2002) segue na mesma linha de pensamento afirmando que

    para compreender bem como se construam as catedrais, no chega a

    descrio minuciosa das pedras assumidas uma a uma: preciso ter tambm

    uma representao das suas relaes mtuas e do plano de organizao geral

    dos pilares, das abbadas, dos tmpanos. Para tentar reconstruir uma funo, e

    no final, um comportamento, a partir dos constituintes elementares do crebro

    recenseados no decurso das dcadas recentes, temos de compreender as

    regras de organizao que determinam uma arquitectura geral das redes de

    neurnios que caracterizam o crebro do Homem.

    Assim, assumir o pensamento sistmico como base para o entendimento

    do futebol implica um acrscimo de complexidade pois as redes de relaes

    que se estabelecem so incontveis o que nos conduz a um crescente esforo

    de compreenso que nunca ser finalizado. Isto poder ser tido como

    estimulante para uns mas fastidioso para outros, razo pela qual so mais os

    que perspectivam a fenomenologia do jogar de forma estanque. No nosso

    caso inserimo-nos no primeiro grupo e mesmo conscientes da impossibilidade

    de compreender tudo do todo, caminharemos no sentido se perceber cada vez

    melhor os princpios que regem a aplicao do jogar imaginado pelo

    treinador.

    Surgrue, Corrado e Newsome (2005, p. 363) dizem-nos que o interesse

    na tomada de deciso resultou da emergncia de novas reas interdisciplinares

    de pesquisa que expressam o objectivo de perceber as bases neuronais da

    escolha do comportamento. Ainda no mesmo artigo vemos que as decises -

    ltima expresso da vontade - podem ser dissociadas das aces sob as quais

  • Introduo _____________________________________________________________________________

    5 _____________________________________________________________________________

    so normalmente manifestadas, e devem a sua verdadeira existncia a

    processos escondidos dentro do crebro (Surgrue et al., 2005, p. 363).

    Estes factos tornam-se tanto mais importantes quando se conhece a

    constante modificao transitoriedade das situaes de jogo - onde o

    sucesso depende, fundamentalmente da capacidade de julgamento do meio

    envolvente bem como da deciso e ajustamento dos movimentos de acordo

    com as exigncias dos eventos ambientais (Tani, cit. por Barbosa, 2003).

    Embora aqui ainda no se perceba de forma clara a importncia do treino no

    condicionamento dessas decises, j se antecipa que ter que existir um fio

    condutor em direco a algo que buscamos.

    Gomes (2006) complementa dizendo que o jogar uma totalidade que

    resulta das interaces dos jogadores e por isso, no deve ser interpretado

    como um somatrio de acontecimentos aleatrios porque se inscreve num

    contexto colectivo. Atravs desta premissa, a tomada de deciso no

    abstracta porque tem repercusses no contexto onde se inscreve. A deciso do

    jogador no se reduz a si mesma, tem influncia na dinmica das relaes com

    os seus colegas, adversrios e portanto, no contexto da dinmica colectiva, ou

    seja, no jogo.

    Tendo por base a Periodizao Tctica e sua forma particular de

    operacionalizar o treino no sentido de transmitir a Ideia de Jogo do treinador,

    pareceu-nos vital abordar a problemtica das adaptaes que o treino induz no

    sentido de se evidenciar um determinado jogar, um determinado futebol em

    detrimento de outro jogar, de outro futebol tendo particular ateno na

    interveno do treinador que permanentemente reconfigura e reajusta

    pormenores(maiores) visando a maximizao disso mesmo.

    Posto isto, parece-nos pertinente colocar os seguintes objectivos ao

    nosso trabalho:

    Descrever os mecanismos inerentes ao processo de

    entendimento/cumprimento dos princpios de jogo pretendidos pelo treinador

    por parte do jogador de futebol;

    Indagar acerca das formas de perspectivar este processo por parte dos

    treinadores no que se refere sua interveno especfica;

  • Introduo _____________________________________________________________________________

    6 _____________________________________________________________________________

    Possibilitar uma maximizao da transferncia dos contedos essenciais

    do treino para o jogo atravs da compreenso do funcionamento dos

    mecanismos de aprendizagem do jogador.

    Buscando a concretizao destes objectivos entrevistamos trs

    treinadores de Futebol, a Professora Marisa Gomes, o Mestre Jos Guilherme

    Oliveira e o Professor Rui Faria, todos eles sintonizados com a Periodizao

    Tctica enquanto corrente metodolgica para o Treino no Futebol. A partir

    daqui fizemos a sistematizao das suas ideias relativamente a alguns pontos

    estruturantes relacionados com os objectivos traados.

    Tendo por base esta metodologia estruturamos o trabalho em sete

    pontos. Inicimos com a Introduo na qual expomos e delimitamos o tema e

    sua pertinncia bem como procedemos delimitao dos objectivos propostos.

    No segundo ponto fazemos a reviso bibliogrfica onde articulamos um

    conjunto de informao relevante sobre o tema em estudo procurando

    percorrer os aspectos mais relevantes que conduzem induo do

    cumprimento dos Princpios de Jogo no Futebol.

    No terceiro ponto fazemos a apresentao do material e mtodos a partir

    dos quais desenvolvemos o nosso trabalho.

    No quarto ponto fazemos a anlise e discusso dos dados sustentando

    e confrontando os conceitos desenvolvidos na reviso bibliogrfica com os

    dados provenientes das entrevistas.

    No quinto ponto apresentamos as concluses mais relevantes de uma

    forma directa e sinttica.

    O sexto ponto reporta-se s referncias bibliogrficas que nos serviram

    de base realizao deste estudo.

    No stimo e ltimo ponto esto as trs entrevistas realizadas na ntegra

    constituindo-se como anexos disponveis para consulta.

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    7 _____________________________________________________________________________

    2. Reviso da Literatura

    2.1. Existncia de um Modelo de Jogo como condio impretervel

    para dele se ter conscincia

    H uma necessidade permanente do modelo estar sempre presente em

    todo o instante de forma a que as coisas se direccionem sempre como eu

    pretendo que aconteam. (Guilherme Oliveira, 2006)

    Exercitamos o nosso Modelo de Jogo, exercitamos os nossos princpios

    e sub-princpios de jogo, adaptamos os jogadores a ideias comuns a todos, de

    forma a estabelecer a mesma linguagem comportamental. Trabalhamos

    exclusivamente as situaes de jogo que me interessam, fazemos a sua

    distribuio semanal de acordo com a nossa lgica de recuperao, treino e

    competio, progressividade e alternncia. Criamos hbitos com vista

    manuteno da forma desportiva da equipa, que se traduz por um frequente

    jogar bem (Mourinho, 2005)

    Guilherme Oliveira (2004), aponta o Modelo de Jogo como aspecto

    nuclear do processo de treino, assumindo-se mesmo como um aspecto

    fundamental do referido processo, ao ponto de deixar de ter sentido sem a sua

    existncia, j que ser a partir dele que tudo se ir gerir, organizar, desenvolver

    e criar. Assim pensa tambm Faria (1999, p. 49) para quem o Modelo de Jogo

    condiciona um modelo de treino, um modelo de exerccios e, necessariamente,

    um modelo de jogador. A sua existncia torna-se assim a base

    fundamentadora de tudo e a sua aprendizagem constitui-se como algo de

    relevncia inquestionvel. A presena do Modelo de Jogo no

    imaginrio/conscincia dos jogadores constitui-se portanto um processo que

    importa perceber.

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    8 _____________________________________________________________________________

    Frade (2004a) lembra que o Jogo pr-existe ideia que dele se tem.

    Este Jogo sempre subdeterminado ao jogo referente ideia de jogo de

    cada um, quilo que cada um quer que acontea que ser sempre diferente

    das demais ideias. Estes jogos todos juntos, com a sua variedade mandam

    no Jogo pois definem grosseiramente os seus traos gerais. O que nos

    interessa o jogo pois sobre este que vamos actuar e assim condicion-lo

    ideia que dele temos. Assim, quando falamos em modelo de jogo referimo-nos

    precisamente ao nosso jogo particular sendo por isso um conceito Especfico

    para cada treinador.

    A tomada de deciso no algo aleatrio ou seja, apesar das

    particularidades do contexto, o jogador sobrecondicionado a decidir em

    funo do projecto de jogo da equipa e portanto, dos seus princpios. Assim, o

    modelo de jogo permite condicionar as escolhas dos jogadores para um padro

    de possibilidades ou seja, orienta as decises dos jogadores (Gomes, 2006).

    Logicamente que no basta a mera existncia de um modelo de jogo para que

    os comportamentos sejam condicionados nesse sentido pois h que trein-lo

    de forma a enraza-lo no imaginrio dos jogadores e da equipa, torn-lo

    presente de forma consciente e seguidamente subconsciente.

    Edelman (cit. por Souza, Halfpap, Min & Lopes, 2007, p. 145) afirma que

    a conscincia corprea, isto , somente seres corporais podem experimentar

    a conscincia como indivduos pois ela o resultado de funes corporais e da

    organizao e funcionamento do crebro de cada indivduo, um processo que

    engloba de forma vincada a histria das interaces com o ambiente deste

    indivduo. Exprimimos em primeiro lugar uma emoo, antes de sentirmos

    eventualmente no fundo de ns mesmos um sentimento que lhe estaria

    associado como o rosto mais ntimo de uma manifestao essencialmente

    corporal (Revoy, s/d). Daqui inferimos que a conscincia de algo depende

    tambm da histria das interaces com o ambiente, ou seja, para

    promovermos e facilitarmos a possibilidade da consecuo de algo que

    pretendemos, devemos proporcionar uma histria de interaces nesse sentido

    concreto e isso no futebol s poder ser conseguido atravs do treino

    Especfico dos comportamentos tcticos que consubstanciam o modelo de jogo

    criado para que isso facilite a tomada de conscincia e execuo daquilo que

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    9 _____________________________________________________________________________

    temos como ideia de jogo e assim pensa tambm Faria (2002, p. VIII) quando

    opina da seguinte forma: se tu queres instalar uma linguagem comum com

    regras, princpios, uma cultura de jogo, um modelo de jogo () fundamental

    que isso seja feito atravs do jogo referindo que para isso necessrio no

    treino situaes que permitam os jogadores estarem identificados com aquilo

    que se quer que seja a competio (o jogar), ou seja, consegue-se atravs do

    treino especfico desse modelo de jogo. Acresa-se o que diz Damsio (2000)

    quando refere que padro neural ou mapa neural algo que acontece no

    crebro, um conjunto de actividades neurais que pode ser encontrada nos

    crtices sensoriais quando eles esto activos (por exemplo nos crtices visuais

    em correspondncia com uma percepo visual). S temos acesso aos

    padres neurais na perspectiva da terceira pessoa (no sinto padres

    neurais). Isto indica-nos que os comportamentos tcticos congruentes com o

    modelo de jogo podero aparecer apenas no devido contexto do jogo sem

    que deles haja uma apropriao permanente, ou seja, isso permite um uso

    ecolgico daquilo que pretendemos pois apenas aparece quando realmente

    necessrio.

    A conscincia nuclear um conceito fundamental no entendimento das

    decises em contextos como o Jogo de Futebol. Por que que numa

    determinada situao com todos os detalhes inerentes ao aqui e agora o

    jogador age num determinado sentido? A conscincia nuclear constitui ela

    prpria o conhecimento, directo e sem qualquer verniz inferencial, do nosso

    organismo individual no acto de conhecer e, por sua vez, esse conhecimento

    nasce da representao do proto-si no consciente no processo de ser

    modificado. Este imediatismo ainda no inferencial assiste transio de

    dados, de padres neurais a imagens, e, porque estas ltimas emergem em

    plena espontaneidade nesta que uma conscincia do pertinente

    instantneo no podem ainda considerar-se em pleno jogo semitico

    (Carmelo 2001 p. 4). O treino ter de alguma forma que ser o condicionador

    desse imediatismo que acontecer no jogo constituindo-se as imagens e os

    padres neurais como os princpios que queremos estabelecer na equipa

    devendo por isso emergir no jogo em plena espontaneidade.

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    10 _____________________________________________________________________________

    Relativamente conscincia alargada definida por Damsio (2000, pp.

    228-229) como a preciosa consequncia de duas contribuies que

    possibilitam: primeiro a capacidade de aprender e, consequentemente, de reter

    mirades de experincias previamente conhecidas atravs da conscincia

    nuclear. Segundo, a capacidade de reactivar esses registos de tal modo que,

    enquanto objectos, tambm eles possam gerar um sentido de si e

    consequentemente ser conhecidos. Digamos que a conscincia alargada

    engloba o passado, o futuro antecipado e o aqui e agora.

    Nash (1999) relata uma leso cerebral ocorrida especificamente ao nvel

    do hipocampo sendo essa a causa de extino da conscincia alargada que

    levou uma doente a deixar de formar novas memrias ou antever o futuro

    passando a flutuar livremente num presente descontextualizado. Ora a

    formao de novas memrias um dos objectivos primordiais do treino, local

    onde devem assentar as memrias do jogo.

    Analisemos o seguinte exemplo que nos trazido por Revoy (s/d):

    Suponhamos que Simone uma pianista profissional. Quando d um

    concerto, as suas aces so essencialmente automticas, no sendo nem

    precedidas nem acompanhadas de intenes conscientes especficas.

    Podemos pensar que ela no age livremente? a que negligenciamos todo o

    seu trabalho meticuloso de preparao, as horas infindveis que ela passou

    para ter estes automatismos. Era da sua parte um sacrifcio feito livremente e

    deliberadamente consentido." Por aqui vemos que o treino o fulcro de tudo,

    mesmo daquilo que fazemos de forma automtica a aparentemente

    inconsciente.

    2.2. constituindo-se a prtica, como princpio e fim da sua

    transmisso

    Escreveram-se tratados sobre estratgias e tcticas mas o jogador no

    um estudante universitrio, sobretudo um prtico e s passa a acreditar

    nesta estratgia ou naquela tctica se ela se lhe demonstra em campo.

    (Bella Gutman)

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    11 _____________________________________________________________________________

    A repetio sistemtica dos princpios , numa determinada concepo

    metodolgica assumida em todo este trabalho, o caminho para a devida

    consecuo do modelo de jogo criado, sendo este efectivamente um modelo

    abstracto na medida em que cada treinador deve elaborar o seu de acordo com

    aquilo que pretende ver implementado e com aquilo que tem em mos. Esta

    caracterizao abstracta sustenta-se numa causalidade no linear que confere

    grande dinmica a todo o processo, contudo, segundo Frade (2004a) existem

    trs princpios que devem ser cumpridos nesta repetio sistemtica: o

    principio da progresso complexa diz-nos que o modo como se passa de uns

    dias para os outros diverso sendo que isso tem consequncias evidentes.

    Isto resulta do facto de nos diferentes dias se trabalharem diferentes coisas, ou

    seja, h uma alternncia, mas uma alternncia horizontal em especificidade,

    isto , em cada dia trabalham-se coisas diferentes. Conforme se sabe as

    contraces musculares so fundamentalmente definidas por trs parmetros:

    velocidade de contraco, durao da contraco e tenso da contraco. Ora

    a alternncia horizontal tem isso em conta pois privilegia a dominncia de

    diferentes parmetros nos diferentes dias. O princpio das propenses refere-

    se ao facto de se contextualizar as coisas para que aquilo que se quer que

    acontea, acontea mais vezes, ou seja, este princpio de jogo ou a articulao

    de um princpio com outro, e isto est tudo balizado pela ideia de jogo que

    inicialmente uma configurao mental lata porque o prprio processo gerido por

    uma determinada interveno que vai possibilitar o concretizar da sua

    existncia.

    Algumas intenes resultam de uma inteno consciente anterior

    aco e outras h que nascem no calor da aco sem que sejam

    necessariamente premeditadas (Oliveira, Amieiro, Resende & Barreto 2006, p.

    201). Estas ltimas adquirem no contexto do Futebol uma relevncia tremenda

    pois se muitas vezes a conscincia chega j depois da inteno, ento h que

    criar hbitos de acordo com aquilo que queremos para que mesmo a deciso

    inconsciente v na maioria das vezes de encontro aos princpios estabelecidos.

    Nesta perspectiva vemos que a comunicao no substitui de forma alguma a

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    12 _____________________________________________________________________________

    aco pois nela que se criam os hbitos que queremos implementar. A

    identificao verbal com os princpios no portanto suficiente!

    A este respeito, Ferraz (2005) d-nos algumas ideias importantes para o

    tema que queremos desbravar:

    necessrio um espao onde os comportamentos pretendidos possam

    aparecer.

    Os sujeitos da aprendizagem tm que estar conscientes dos

    comportamentos em causa nas situaes de aprendizagem (exerccios)

    para poderem direccionar o foco do seu crebro e regular as possveis

    emoes conflituantes.

    Eles devem manter o foco do crebro nesse comportamento durante a

    exercitao e so necessrios lembretes para auxiliar a manuteno

    dessa focalizao.

    At que esses comportamentos sejam aprendidos, se tornem hbitos,

    tem que haver uma repetio sistemtica que exige bastante tempo.

    Quanto maior a sistematizao mais eficiente se tornar o processo.

    Os mecanismos inconscientes, entre os quais as emoes, quando

    modelados por essa repetio sistemtica tornam as decises mais

    eficazes e mais rpidas.

    As emoes tm um papel decisivo na concentrao e por consequncia

    na aprendizagem, devido aos marcadores somticos, mas tambm na

    formao das intenes inconscientes condicionando fortemente as

    tomadas de deciso.

    Depois de aprendidos os princpios, a exercitao deve ser mantida para

    evitar que esse hbito regrida e a nova modelao emocional (cultura)

    possa continuar a jogar a favor dos novos comportamentos.

    A forma como se deve treinar para poder maximizar essa transio de

    dados, de padres neurais a imagens outro dos objectivos deste trabalho e

    a parece-nos claro que a melhor forma de o fazer incidir tanto quanto

    possvel na exercitao dos princpios a estabelecer, ou seja, o discurso oral e

    a exercitao de outros factores que no os comportamentos tcticos

    pretendidos, no sortiro efeitos na evoluo qualitativa da organizao

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    13 _____________________________________________________________________________

    colectiva pretendida se no forem acompanhados por uma prtica devidamente

    configurada para isso. Com Williams e Hodges (2005, p. 645) pensamos: As

    novas abordagens prescritivas devem-se em grande parte ao desenvolvimento

    de teorias alternativas baseadas na psicologia ecolgica e na teoria dos

    sistemas dinmicos. Estas perspectivas vem o sujeito como um sistema

    dinmico e complexo com o padro de comportamento observado a constituir-

    se como o produto de constrangimentos impostos ao aprendiz. De acordo com

    esta viso, a coordenao do movimento atingida como resultado da

    adaptao do sujeito aos constrangimentos que lhe so impostos durante a

    prtica. A importncia da prtica deve por isso ser convenientemente

    sublinhada indo isto de encontro ao cumprimento do princpio da repetio

    sistemtica anteriormente referido. S a presena sistemtica e permanente do

    jogar que se pretende que pode conduzir sua consecuo. As articulaes

    entre partes (princpios) devem concorrer para a globalidade do processo na

    certeza que no uma disjuno absoluta que, somada no final, resulta em

    algo to articulado e complexo como o jogar bem.

    Guilherme Oliveira (1991) sintetiza a relevncia da prtica defendendo

    que os exerccios so o principal meio para provocar adaptaes nas vrias

    dimenses do rendimento. O mesmo autor, mais recentemente (2006), refere

    que para uma equipa jogar de determinada forma h interaces a promover

    mas que para jogar de forma diferente, essas interaces so distintas dando

    claramente a entender que a prtica deve ter em conta aquilo que se pretende,

    ou seja, no se trata de uma prtica universal e incua mas sim de uma prtica

    subjugada a algo hierarquicamente superior o Modelo de Jogo.

    2.3. que vai condicionar a espontaneidade decisional do aqui

    e agora

    H vrias formas de resolver os problemas e ns queremos que eles

    sejam resolvidos com uma determinada lgica (Guilherme Oliveira)

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    14 _____________________________________________________________________________

    Para ilustrar de uma forma algo genrica aquilo que pensamos sobre os

    condicionalismos da espontaneidade decisional vejamos o que diz Gomes

    (2007): No sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no

    extremo ou vai jogar no central porque isso que variabilidade, o aqui e

    agora, a deciso do jogador. Mas est sobre-condicionada quilo que

    desejamos, portanto, ns queremos ter a posse de bola e o pivot esta a ser

    marcado, ele no vai arriscar um passe para o pivot e ento vai jogar para o

    central. E est sobre-condicionado a qu? Ao querermos jogar em segurana

    para mantermos a posse de bola. No sei o que vai acontecer no aqui e agora

    mas sei que a minha equipa vai ter determinados comportamentos pelo que

    construo no processo de treino. Este exemplo revela a presena de uma lgica

    que sugere determinadas possibilidades de aco tendo em conta algo e o

    facto de isso ser edificado no processo de treino vem de encontro nossa

    crena, importando agora perceber alguns mecanismos que permitem isso.

    Durante um jogo de Futebol, os jogadores so constantemente

    chamados a tomar decises e quanto mais rapidamente o fizerem tanto melhor

    pois o jogo est crescentemente mais rpido sendo que a velocidade de

    execuo distingue os melhores dos medianos. Se nos fissemos no sentido

    comum e nas imagens tradicionais, o esprito deveria transmitir as ideias com

    uma rapidez que desafiava todas as leis da matria. Na verdade, fenmeno

    espantoso que segundo nos diz Changeux (2002) quase o contrrio que

    sucede pois o crebro lento, demasiado lento mesmo em relao a certos

    fenmenos fsicos de base. E acrescenta: Com efeito, o sistema nervoso de

    todos os organismos vivos, includo o homem, propaga os sinais elctricos a

    uma velocidade bem menor que a da luz. Isso significa que os sinais neuronais

    no exploram as ondas electromagnticas que provm das foras

    fundamentais do mundo fsico. Esta limitao fsica uma herana que nos foi

    legada atravs da evoluo das espcies, os organismos primitivos

    (Changeux, 2002, pp. 23-24).

    Num jogo de Futebol entre equipas de topo assistimos a movimentos

    velozes, execues em que parece que os jogadores adivinham as

    movimentaes dos companheiros e as decises tm de ser tomadas de forma

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    15 _____________________________________________________________________________

    espontnea e de acordo com o modelo de jogo estabelecido e treinado. Ora, a

    estas exigncias contrape-se a lentido dos processos cerebrais da que algo

    tenha que estar por trs desta rapidez que caracteriza o Jogo de Futebol.

    Treinar para criar pr-representaes e assim aumentar a velocidade dos

    acontecimentos fazendo-os depender de algo j previamente definido e no

    somente da soluo que o crebro teria que encontrar e realizar para cada

    momento do jogo uma resposta que, de acordo com alguns autores,

    explanaremos de seguida.

    Changeux (2002, p. 57) afirma que a capacidade de antecipar

    representa um recurso essencial de predisposio para adquirir

    conhecimentos. Tambm Gomes (2006) refere que a realizao regular dos

    princpios de aco faz com que os jogadores criem uma familiaridade com

    uma lgica de funcionamento que os leva a antecipar com maior eficcia e

    menor esforo os efeitos dos comportamentos.

    Segundo Changeux (2002) esta capacidade de antecipao da

    recompensa foi registada por mtodos electrofisiolgicos ao nvel dos

    neurnios de dopamina do tronco cerebral no macaco. Estes estudos

    revelaram que a activao dos neurnios dopaminrgicos no coincide com a

    recompensa, mas antecipa-se na sequncia da aprendizagem. Esta concluso

    vem de encontro s respostas que procuramos para explicar a rapidez de

    processos que as grandes equipas de futebol evidenciam no seu jogar

    contrariando a lentido dos mecanismos cerebrais pois perante determinadas

    situaes de jogo, o jogador age, activando os neurnios dopaminergticos, o

    que lhe permite uma antecipao na sequncia da aprendizagem garantida

    pelo treino exaustivo desse jogar almejado. Gomes (2006) refere que essa

    antecipao congruente com aquilo que se pretende s acontece quando j se

    experimentou a mesma situao e esta se gravou como um hbito - como um

    automatismo. Fica aqui bem explcita a importncia do treino para que este

    mecanismo que visa contrariar a lentido do crebro possa realmente

    acontecer. Jacob e Lafargue (2005) contribuem tambm para uma melhor

    compreenso da antecipao quando lembram que quando se produz um acto

    voluntrio, o crebro produz uma cpia eferente que prediz instantaneamente

    os efeitos da aco e pelo contrrio quando o acto realizado de forma

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    16 _____________________________________________________________________________

    involuntria, o crebro no antecipa e preciso algum tempo de latncia para o

    perceber. O treino adquire aqui relevncia capital pois apenas podemos

    predizer aquilo que j fizemos e conhecemos o resultado. Estas experincias

    devem ter sede no processo de treino se este for Especfico em relao aos

    comportamentos tcticos desejados, ou seja, se treinamos os comportamentos

    tcticos, conhecemos os seus efeitos e isso um aspecto a ter em conta na

    consecuo do jogar pretendido.

    Changeux (2002, p. 58) prossegue alargando esta explicao s

    decises espontneas (muito frequentes no Futebol) e s mais ponderadas

    afirmando que se a dopamina contribui para a antecipao de uma

    recompensa e para o tratamento do erro, ela pode tambm intervir na

    adaptao das estruturas corticais superiores em condies novas pois os

    neurnios dopaminergticos (entre outros) ajudam-nos no apenas a motivar-

    nos no caso de situaes j conhecidas, mas tambm a resolver os problemas

    e situaes novas e a elaborar novos conceitos que as levam em conta. Se

    concordarmos que o Modelo de Jogo engloba tudo - vejamos o jornalista

    Antnio Tadeia (cit. por Pacheco 2005, p. 26) sobre o treinador Jos Mourinho:

    o modelo de jogo a base de referncia de todo o trabalho a desenvolver

    desde o incio da poca at a data de entrada para frias - facilmente nos

    apercebemos que tudo se vai basear nele da que mesmo situaes

    absolutamente novas encontrem uma resposta que de alguma forma se vai

    basear nesse mesmo modelo de jogo, ou seja, existe uma diminuio da

    margem de variabilidade da actividade espontnea. A este propsito, Gomes

    (2006) lembra que adequabilidade da deciso fundamental para resolver as

    dificuldades impostas pelo adversrio e por isso, as exigncias colectivas e

    individuais que se colocam so tctico-tcnicas, isto , reportam-se ao modelo

    de jogo criado e treinado. Mais tarde, a mesma autora complementa aludindo

    natureza tctica do jogar que compreende uma organizao colectiva que

    por sua vez se repercute em cada inteno e deciso do jogador e portanto,

    nas interaces.

    Jacob e Lafargue (2005) mostraram que a conscincia da inteno

    imediata de executar um acto, precede sempre o acto cerca de 200 mseg.

    sendo que nestas condies a nica forma de salvaguardar o livre arbtrio a

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    17 _____________________________________________________________________________

    de admitir que, este pequeno intervalo de tempo deixa a possibilidade

    vontade consciente de opor a sua recusa a esta aco preparada e de proibir

    em ltima instncia a sua realizao material sendo que existem mesmo casos

    em que o potencial de aco motriz no seguido de aco, ou seja, se a

    deciso do crebro no estritamente conforme as intenes prvias do

    sujeito, resta-lhe a possibilidade de no agir. Isto leva-nos a crer que teremos

    que treinar o crebro a decidir de determinada forma, de acordo com os

    princpios estabelecidos, ou seja, condicionar as intenes prvias que surgem

    de forma inconsciente para que estas sejam congruentes com o modelo de

    jogo criado. Esta necessidade bem evidente quando sabemos que o tempo

    que medeia a conscincia da inteno e a aco propriamente dita se cifra

    nuns escassos 200 mseg., o que nos indica de forma bem clara a relevncia

    das intenes prvias dos jogadores serem concordantes com a ideia de jogo

    do treinador, caso contrrio a tarefa em conseguir tal desiderato estar

    condenada ao insucesso.

    O crebro comporta-se naturalmente como um sistema autnomo que

    projecta em permanncia informao em direco ao mundo exterior em vez

    de receber passivamente a sua marca. Changeux (2002) aponta que a

    actividade intrnseca espontnea do crebro um dos seus componentes

    principais, levando-nos a crer que ele no funciona como uma mquina que

    trata passivamente informaes vindas do exterior. O mesmo autor explicita,

    num outro captulo da mesma obra, que a actividade espontnea de conjuntos

    de neurnios leva o organismo a continuamente explorar e testar o meio

    ambiente fsico, social e cultural, a apoderar-se de respostas e a confronta-las

    com o que ele possui em memria e em consequncia disso desenvolve

    espantosas capacidades de auto-activao e logo de auto-organizao. Da

    mesma forma, dizemos ns que, tendo isto em conta, o jogador de futebol

    recebe a toda a hora informao do aqui e agora momentneo do jogo e

    responde-lhe mais ou menos espontaneamente de acordo com aquilo que

    treinou usando para tal as armas da actividade intrnseca e espontnea que o

    seu sistema nervoso permite, indo buscar o comportamento adequado para

    cada situao especfica s tais respostas e memrias que nos fala

    Changeux.

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    18 _____________________________________________________________________________

    Esta orgnica cerebral caracterizada pelo dinamismo leva Changeux

    (2002, p. 43) a dizer que as representaes internas do crebro, a sua

    externalizao e a sua vulgarizao entre crebros individuais no seio do grupo

    social e o seu eventual armazenamento nas memrias no cerebrais estariam

    na origem da evoluo cultural. Reportando-nos ao Futebol cremos que esta

    evoluo dir respeito a uma ideia de jogo que ser cada vez mais rica sendo

    que vai ser crescentemente apreendida e armazenada pelos jogadores da

    equipa pois tal como afirma Faria (2006, p. 17) a filosofia de treino e de jogo

    ser sempre um processo impar de identidade prpria. Munida de

    conhecimentos, cresce e desenvolve-se de acordo com as necessidades que a

    prpria imprevisibilidade do processo exige. Torna-se complexa e cada vez

    mais imagem dos seus mentores. A necessidade obriga a pensar, reflectir e

    divagar incansavelmente sobre uma esfera de novas ideias, problemas e

    possveis solues. Sabendo, contudo, que a situao provisria.

    Rapidamente o processo fica mais rico, mais exigente e mais complexo, mas

    sempre inacabado.

    Pensemos agora no paradigma de Thorndike que contrasta em absoluto

    com concepes empiristas e mecanicistas pois postula que existe uma

    relao causal entre o comportamento espontneo, a aco do organismo

    sobre o seu meio-ambiente e um dado acontecimento. Ora o comportamento

    espontneo que ocorre no jogo de Futebol deve provir realmente de um dado

    acontecimento que ter que ser o Treino. Changeux (2002, p. 74) d

    seguimento a este raciocnio dizendo que a organizao e o reforo da aco

    esto sob o controlo de uma recompensa recebida do mundo exterior e

    prossegue afirmando que uma tal aprendizagem por tentativa e erro, em favor

    de uma interaco activa com o ambiente, desenvolve-se a partir de um largo

    repertrio de impulsos instintivos ou de reflexos endgenos prprios da

    espcie. Desta forma temos que criar exerccios que compensem os

    comportamentos desejados. Na mesma linha de pensamento segue Guilherme

    Oliveira (2006) quando afirma que o jogador s consegue fazer determinado

    comportamento bem se primeiro o compreender e depois, se achar que

    realmente esse comportamento benfico, tanto para a equipa como para ele.

    Ser este o caminho para conseguirmos implementar a nosso ideia de jogo, ou

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    19 _____________________________________________________________________________

    seja, se criarmos exerccios com um grau de dificuldade tal que seja difcil,

    arriscado ou no seja evidentemente vantajoso cumprir o estipulado, isso ter

    um efeito contraproducente no enraizamento desse comportamento no crebro

    do jogador. Digamos que o jogador deve ver e sentir na prtica a validade e

    utilidade daquilo que lhe requisitado. Jacob e Lafargue (2005) explicam a

    importncia da obteno de sucesso na repetio dos comportamentos pois

    quando h a inteno de agir, o crtex frontal tem, antes de mais, uma inteno

    prvia e consciente da aco a cumprir, depois, o crtex parietal tem uma

    inteno em aco no consciente, a rea motriz suplementar cria uma cpia

    de inteno e em funo dos resultados do acto a esta cpia, a inteno acede

    mais ou menos depressa conscincia. Quando se toma conscincia do facto

    que a inteno no se adapta situao, isso conduz criao de uma

    estratgia melhor adaptada e esta adaptao de capital importncia no

    processo de treino pois proporciona uma adequao e aproximao crescente

    quilo que se pretende.

    Bechara, Damsio, Tranel e Anderson (1998) procuraram testar uma

    tese onde a memria e a tomada de deciso estariam dissociadas dentro do

    crtex pr-frontal do ser humano. O trabalho exaustivo destes investigadores

    induziria muitas interrogaes na cabea dos treinadores se a sua tese fosse

    absolutamente confirmada. Para que serviria o Treino se assim fosse? Na

    verdade se a funo cognitiva da memria estivesse completamente dissociada

    da funo cognitiva da tomada de deciso importaria questionar a relevncia

    do processo de treino na aquisio de um padro de jogo regular: Este

    mecanismo, contudo, no explica como que estas representaes so

    seleccionadas para a aco. Por isso foi proposto que um outro mecanismo

    marca as vrias opes e cenrios guardados temporariamente na memria

    atribuindo-lhes uma conotao positiva ou negativa, sendo que depois se d a

    ordenao e avaliao das vrias opes sendo a mais vantajosa escolhida

    para a aco. Este mecanismo que sublinha a seleco das boas e ms

    opes aquilo a que nos referimos como a tomada de deciso (Bechara et

    al., 1998, p. 429). Felizmente a tese proposta no foi confirmada chegando-se

    concluso que problemas na rea do crebro relacionada com a memria

    afectam directamente a tomada de deciso o que vem de encontro aquilo que

  • Reviso da Literatura _____________________________________________________________________________

    20 _____________________________________________________________________________

    pretendemos mostrar e explicar neste trabalho. A memria de trabalho no

    est dependente de eventuais falhas na tomada de deciso, ou seja, os

    sujeitos podem agir normalmente na presena ou ausncia de falhas na

    tomada de deciso. Por outro lado, a tomada de deciso parece ser

    influenciada pelo funcionamento da memria de trabalho, isto , a tomada de

    deciso afectada por uma memria de trabalho danificada (Bechara et al.,

    1998, p. 434).

    Gaiteiro (2006) diz-nos que a finalidade do modelo (referindo-se aos

    modelos mentais que nos ajudam a desenvolver a aco) a de produzir

    esquemas de aco substancialmente pertinentes sobre o futuro, no sentido de

    conduzir as aces presentes. precisamente sobre isto que falaremos no

    prximo ponto.

    2.4. com permanente subordinao aos Princpios de Jogo

    como objectos mentais

    A aco do meio ambiente sobre o crebro no se resume a dar ao

    crebro instrues de maneira passiva e directa atravs da actividade evocada,

    como se supunha no esquema emprico e associacionista clssico. Pelo

    contrrio, a hiptese proposta que a aquisio de conhecimentos indirecta

    e resulta da seleco de pr-representaes. (Jean-Pierre Changeux)

    Como ponto prvio afigurasse-nos importante lembrar que a aplicao

    prtica dos princpios de jogo feita por pessoas, ou seja, o treinador em

    conjunto com os jogadores levam a efeito a ideia de jogo do treinador que se

    consubstancia em determinados princpios, sub-princpios e sub-sub-princpios.

    Sem as pessoas isto no existe sendo por isso um conceito eminentemente

    prtico (Frade, 2005).

    Castelo (1994) faz um resumo daquilo que so princpios de jogo para

    alguns autores:

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    - os princpios tcticos de base, so durante o jogo as ligaes comuns

    a todos os espritos, estabelecendo os pontos de referncia sobre os quais a

    imaginao, o gnio, se devero apoiar para elevar o nvel de jogo (Poulain cit.

    por Castelo, 1994, p. 155).

    - os princpios so bases comuns para que os jogadores falem a

    mesma lngua, permitindo exprimirem-se num estilo diferente (Franz cit. por

    Castelo, 1994, p. 155).

    - os princpios so regras de aco representadas pelo pensamento e o

    meio de os jogadores explicarem racionalmente os seus comportamentos

    (Mialaret cit. por Castelo, 1994, p. 155).

    - os princpios so as condies a respeitar e os elementos a tomar em

    considerao para que o comportamento seja eficaz (Grehaigne cit. por

    Castelo, 1994, p. 155).

    Em todas estas definies encontramos um tronco comum referente a

    uma base de referncia que deve orientar de forma aberta o comportamento

    tctico dos jogadores, ou seja, os princpios de jogo so vistos por estes

    autores como guias de aco.

    A propsito da definio de princpios de jogo, Guilherme Oliveira (2006)

    opina que o princpio o incio de um comportamento que um treinador quer

    que a equipa assuma em termos colectivos e os jogadores em termos

    individuais. Importa assim dissecar que mecanismos estaro eventualmente

    por detrs deste potenciamento de determinados comportamentos.

    Damsio (2000) alerta para a importncia da codificao de sentimentos

    atravs das emoes pois estas seriam um conjunto de reaces corporais

    face a certos estmulos enquanto que os sentimentos nascem quando se tem

    conscincia dessas emoes corporais, quando estas so transferidas para

    certas zonas do crebro onde so codificadas sob a forma de uma actividade

    neuronal. Analogamente os princpios de jogo devem enraizar-se no imaginrio

    dos jogadores atravs da vivenciao dos comportamentos desejados no

    treino, criando-se assim as emoes ajustadas para que isso surja de uma

    forma natural.

    Changeux (2002, p. 58) traz-nos uma noo que se revela importante no

    mbito do nosso estudo, o conceito de objectos mentais: Estes referem-se s

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    representaes internas que indicam que um certo objecto do mundo exterior

    deve ser a causa do mesmo efeito comportamental - ou aco - sobre o

    mundo, em todo o indivduo que possua esta representao. Uma

    representao definir-se-ia assim pela sua aco causal sobre o

    comportamento e mesmo sobre os estados mentais internos. Daqui podemos

    inferir que a ideia de jogo que o treinador tem para a sua equipa pode

    equiparar-se a um objecto mental. Essa ideia consubstancia-se no modelo de

    jogo e transmitida atravs de exerccios que visam dotar todos os jogadores

    com os comportamentos concordantes com esse modelo estabelecido. Ora se

    todos os indivduos possurem essa representao tero os efeitos

    comportamentais congruentes com aquilo que o treinador pretende.

    O mesmo autor prossegue afirmando que a actividade espontnea

    desempenha um papel central, contribuindo para uma espcie de gerador de

    diversidade de tipo darwinista onde as pr-representaes corresponderiam

    aos estados de actividade dinmicas, espontneas e transitrias de populaes

    de neurnios capazes de formar combinaes mltiplas (Changeux, 2002, p.

    70). A importncia do treino na aquisio da ideia de jogo por parte dos

    jogadores est bem patente quando Changeux remata dizendo que a

    variabilidade intrnseca das redes neuronais resulta em parte das modalidades

    do seu desenvolvimento, ou seja, o resultado do tal gerador de diversidade

    fortemente condicionado pelo regulador externo que constitui o treino

    conjuntamente com o treinador seno vejamos: as pr-representaes

    mobilizariam, de maneira combinatria, estruturas inatas (com as diversas

    modalidades sensrias e/ou zonas motoras) bem como distribuies neuronais

    sadas de experincias anteriores (Changeux, 2002, p. 72). Importa sublinhar

    a noo de sistema regulado e para que o sistema seja realmente regulado

    por algo preciso regul-lo e isso no est ao alcance de todos. Uma equipa

    de futebol (entenda-se sistema) exteriormente regulada pelo treinador que,

    como regulador externo, deve fazer surgir uma identidade comportamental na

    equipa de modo a que esta se reja por princpios comuns sendo essa a sua

    principal funo. Barbosa (2003), vem ao encontro do que est at aqui

    descrito quando lembra que o conceito de Modelo arrasta consigo a existncia

    de um responsvel pela sua construo, a inteno de conjecturar possveis

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    realidades, a relevncia dada a determinados aspectos que o modelizador

    aspira e o estabelecimento de relaes entre os elementos de um conjunto.

    A definio de princpios de aco para os quatro momentos de jogo

    conduzir a um determinado padro de jogo mas para tal h que haver uma

    perfeita articulao e congruncia entre esses mesmos princpios. A este

    propsito, Kelso (1995, p. 5) refere algo que nos parece pertinente, quando diz

    que qualquer princpio relativo formao de um padro dinmico situa-se

    entre dois problemas bsicos. O primeiro refere-se forma como um padro

    construdo a partir de um enormssimo leque de opes. O segundo diz-nos

    que qualquer princpio para a formao de um padro deve ter em conta, no

    s o prprio princpio, mas sim como vrios princpios so produzidos para o

    padro final se acomodar s diferentes circunstncias. Ora o primeiro problema

    fulcral para o treinador de futebol pois a criao de um modelo de jogo deve

    ter em conta um sem nmero de factores como o conhecimento do clube, da

    equipa e do respectivo nvel de jogo, as caractersticas dos jogadores

    individualmente ou mesmo os objectivos a atingir da que a tomada de opes

    na definio do modelo de jogo seja logo partida problemtica e como tal

    deve ser muito bem ponderada. J no que respeita ao segundo problema,

    tambm ele se revela pertinente na medida em que os diversos princpios de

    jogo esto articulados entre si e como tal dependem-se mutuamente. Os sub e

    sub-sub-princpios que do corpo aos grandes princpios devem reger-se por

    regras de continuidade da que na definio de cada um deles devam estar

    presentes os demais.

    Tendo isto em conta surge-nos o conceito de Especificidade como algo

    nuclear para que o modelo de jogo criado pelo treinador seja espelhado em

    campo no jogar da sua equipa, ou seja, para isso acontecer h que trabalhar

    especificamente. Oliveira et al. (2006) abordam o conceito de Especificidade

    afirmando que tem a ver com a necessidade da melhoria de todos os princpios

    de jogo e isso s se consegue quando o processo acontece tendo como

    preocupaes as melhorias singulares relativas a cada princpio de jogo. O

    treino sobre os princpios de jogo respectivamente desintegrados (integrados)

    daquilo (naquilo) que o jogar que se pretende, que o cumprir

    operacional da especificidade. A especificidade a incidncia repetida no

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    treinar de todos os princpios que o jogar contm. De todos, cada um a seu

    tempo. Da a necessidade da vivenciao hierarquizada (Frade, 2004a). Esta

    definio de Especificidade mostra de forma bem clara o entendimento que se

    tem deste termo sob a perspectiva da Periodizao Tctica. Ressalve-se assim

    a confuso entre Especificidade e reproduo do jogo num exerccio de jogo

    formal 11x11 pois sendo esta a forma de jogo que temos em competio no

    implica que esse seja o caminho para fazer surgir aquilo que queremos nesse

    11x11 pois para isso e segundo vrios autores (Faria, 1999; Oliveira et al.,

    2006; Oliveira, 2004) temos que ver a Especificidade como o acima exposto, ou

    seja, tem que haver desintegrao dos princpios como partes do jogar

    pretendido. Digamos que as interaces do jogo resultam das relaes dos

    jogadores e que devem ser modeladas para fazer emergir a dinmica colectiva

    que pretende. Assim, as relaes e interaces dos jogadores inscrevem-se

    numa organizao colectiva ou seja, numa lgica que contextualiza esses

    comportamentos.

    2.5. que passam a fazer parte da memria de modo a serem

    evocados sempre que necessrio

    O processo de categorizao pode ser espontneo, resultando de uma

    experincia desorganizada do individuo, ou ser cultural e organizado de acordo

    com regras aprendidas formalmente, atravs do treino. (Alexandre Caldas)

    A memria a capacidade de reter, recuperar, armazenar e evocar

    informaes disponveis, seja internamente, no crebro (memria humana),

    seja externamente, em dispositivos artificiais (memria artificial). A memria

    humana focaliza coisas especficas, requer grande quantidade de energia

    mental e deteriora-se com a idade. um processo que conecta pedaos de

    memria e conhecimentos a fim de gerar novas ideias, ajudando a tomar

    decises dirias. Memria a base do conhecimento e como tal, deve ser

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    trabalhada e estimulada pois atravs dela que damos significado ao

    quotidiano e acumulamos experincias para utilizar durante a vida (Dicionrio

    Enciclopdico Larouse, 1990). Acreditamos que o mesmo se passa no treino

    em relao ao jogo, ou seja, aquilo que se vivencia no treino ser utilizado no

    jogo sendo que para tal a memria ter que exercer o seu poder de reteno

    para que as experincias vividas no se diluam.

    A aco adaptada ao contexto, apta a reagir segundo os imprevistos,

    necessita de apelar memria e planificao (Jacob, 2005). Vejamos o que

    nos diz Caldas (1999, p. 131) a este propsito: O que julgamos saber hoje

    que a aprendizagem parece ter por base biolgica, mecanismos de facilitao

    da transmisso sinptica. Este processo pode ser facilitado pelo uso repetido

    da transmisso, que criando hipersensibilidade dos receptores, que passam a

    responder a doses menores de mediador, quer pela prpria criao de novos

    receptores ou, ainda, atravs da maior produo de mediador. Fica assim

    evidente que o mecanismo da codificao de algo est directamente

    relacionado com a repetio sistemtica que j falamos anteriormente aquando

    do tratamento da importncia da prtica.

    O mesmo autor continua referindo que quando o crebro processa uma

    determinada informao, activa sequencialmente, e em paralelo, um complexo

    arranjo de clulas nervosas ligadas entre si. Existe pois um componente

    temporal de sequenciao de entrada em actividade de operadores, e um

    componente espacial de ocupao topogrfica que tem a ver com a localizao

    desses operadores no crebro. Podemos aceitar que quando um indivduo se

    confronta duas vezes com uma situao idntica, nas duas vezes activar as

    mesmas estruturas, j que a activao das clulas nervosas um processo

    desencadeado pelas ocorrncias do mundo exterior que podemos quase

    considerar um processo adaptativo automtico. precisamente esse percorrer

    do mesmo padro de activao que d ao indivduo o sentido da familiaridade,

    isto , o reconhecimento. Por outro lado o crebro humano tem capacidade

    para, por vontade prpria, pr em actividade as regies que correspondem ao

    evento anteriormente vivido e dar origem assim ao processo de evocao

    (Caldas, 1999, p. 132). Fica aqui evidenciada a relevncia primordial do Treino

    naquilo que ser o jogar de uma equipa pois ser ele o responsvel pelo

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    sentido da familiaridade e reconhecimento que conduzem aos mesmos

    padres de activao no que s decises diz respeito.

    Caldas (1999, p. 133) prossegue, reforando o interesse do treino na

    aquisio de memrias apontando a importncia do processo de categorizao

    e segmentao da informao processada para que esta possa ser arquivada

    da forma mais conveniente e salientando que o processo de categorizao

    pode ser espontneo, resultando de uma experincia desorganizada do

    individuo, ou ser cultural e organizado de acordo com regras aprendidas

    formalmente, atravs do treino. Reportando-nos ao Futebol estas regras diro

    respeito aos princpios de jogo sendo que esta lgica se demarca claramente

    de um funcionamento mecnico. Frade (2005) sustenta que os

    comportamentos que queremos que aconteam so condicionados existncia

    anterior de uma forma que vai dar origem a esses comportamentos. Esta

    definio quase elementar de treino, encerra em si muitas particularidades que

    uma modelao sistmica e atenta no pode sonegar. Uma dessas

    particularidades refere-se ao facto de a estrutura de aco no dever ser

    mecnica. Se a sujeio duma equipa a determinados princpios vai gerar uma

    dinmica especfica porque estamos perante um mecanismo. S que o

    mecanismo no pode ser mecnico, no deve ter uma estrutura absolutamente

    funcional, desconsiderando a variabilidade das circunstncias que a vai

    sustentar.

    Passando agora descrio dos vrios processos que tm sido

    relacionados com a memria, trataremos os trs mecanismos bsicos que a

    compem segundo Caldas (1999, p. 133): O primeiro designa-se por

    codificao e corresponde ao arranjo da informao medida que entra no

    sistema, de forma a adequar-se sua experincia prvia e com ela passar a

    interagir. Trata-se de um processo muito dependente da experincia prvia de

    cada indivduo. O hipocampo tem um papel determinante como porta de

    entrada e manuteno da informao em espera medida que se vo

    activando as regies do crebro que tm analogias com a informao recebida

    e que com ela vo emparceirar. A experincia individual torna-se assim o

    fulcro da codificao da informao e o exemplo que nos dado ajuda a

    ilustrar isso mesmo: Imaginemos que damos a dois indivduos um nmero de

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    27 _____________________________________________________________________________

    telefone para decorar. Imaginemos que esse nmero s difere no algarismo

    final do nmero de telefone do primeiro indivduo, mas que no tem nada de

    familiar para o segundo. O processo de codificao vai ser claramente diferente

    para cada um deles. O primeiro codificar a diferena, enquanto o segundo

    codificar todo o nmero. Logicamente que codificar apenas a alterao de

    algo que j conhecemos a matriz bem mais fcil que codificar algo que do

    nosso absoluto desconhecimento. Isto pode-nos ajudar a compreender o

    porqu de jogadores de topo por vezes chegarem a novos clubes e

    encontrarem dificuldades em se impor, sendo uma explicao possvel a

    dificuldade em codificar um modelo novo com poucas semelhanas

    relativamente ao anterior. As to propaladas dificuldades de adaptao podem

    ser causadas por diferenas culturais no que aos diferentes jogares diz

    respeito (o bom jogador em Itlia pode no o ser em Inglaterra porque pode

    demorar muito tempo a codificar um estilo de jogo e fazer desaparecer o antigo

    que j estava enraizado). Por outro lado compreendemos agora melhor, o facto

    de alguns treinadores terem a preocupao de ir buscar jogadores a pases

    culturalmente prximos (ou at ao mesmo pas) pois isso permitir uma

    codificao do modelo de jogo mais fcil e rpida.

    O mesmo autor que nos tem guiado neste captulo da memria faz

    referncia precocidade das aprendizagens como factor relevante na sua

    utilizao na idade adulta dizendo que o suporte biolgico da aprendizagem

    nos primeiros anos de vida provavelmente mais estvel e talvez estruturante

    para o que vier a ser apreendido depois. Por outro lado, variveis como a

    frequncia de utilizao tambm se tm revelado de importncia para o arquivo

    cerebral da informao. O que mais frequentemente utilizado tem mais

    suporte que aquilo que raramente se usa. Se fizermos uma reflexo sobre isto

    aplicado ao futebol percebemos a importncia da formao naquilo que deve

    ser o entendimento do Jogo na sua essncia. O sucesso de escolas de

    formao como a do Ajax encaixa nesta lgica de estimulao precoce duma

    ideia de jogo prpria treinada desde bem cedo pois isso facilitar a sua

    evocao na idade adulta.

    Quanto evocao corresponde ao processo que nos permite ir buscar

    a informao de que dispomos sendo que o contexto da situao que nos

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    permite fazer a evocao (Caldas, 1999, p. 134). Logicamente que o aqui e

    agora do jogo que vai indicar a evocao do comportamento congruente

    com o modelo de jogo.

    Finalmente, pode considerar-se o processo de reconhecimento que

    consiste em confrontar um evento com a experincia prvia e consider-lo

    familiar, ou no. Daqui inferimos que as situaes de treino (exerccios) devem

    ser to ricas quanto possvel para que ao longo do jogo, todos os

    comportamentos possam considerar a experincia prvia, isto , o modelo de

    jogo treinado.

    Ainda Caldas (1999, p. 139) refere sumariamente um conceito de

    memria j abordado por ns, o conceito de priming tratando-se da

    conservao da informao em memria inconsciente de forma a condicionar

    o comportamento seguinte. Por seu turno, Gomes (2006) fala nos mesmos

    termos mas de uma forma mais especfica relativamente ao nosso estudo

    lembrando que a prtica de determinados princpios de aco faz com que os

    jogadores e equipa adquiram uma memria que os direcciona nas escolhas,

    ainda que seja inconscientemente.

    2.6. para haver a manifestao de um padro de

    comportamento regular que se pretende eficaz

    Quando falamos sobre padres, recuamos das coisas em si mesmas e

    concentramo-nos nas relaes entre elas. (Scott Kelso)

    A dinmica comportamental de uma equipa deve assentar num padro

    de jogo consubstanciado pelos princpios e respectivas relaes pois segundo

    Pinto (1996, p. 53) a existncia de uma idntica cultura organizacional que

    distingue onze jogadores de uma equipa, e uma cultura organizacional

    especfica que distingue duas equipas diferentes. A organizao dos

    jogadores configura as interaces da equipa e por isso, leva a determinadas

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    29 _____________________________________________________________________________

    regularidades que a identificam. Deste modo, um sistema sem organizao

    resulta numa agregao aleatria de acontecimentos sobre os quais os

    jogadores e treinador tm maiores dificuldades em interagir (Garganta & Cunha

    e Silva, 2000).

    Vejamos o que nos diz Faria (2006, p. 17) sobre as diversas vertentes

    da operacionalizao: Operacionalizar uma filosofia dar corpo inteligncia,

    imaginao e criatividade. a responsabilidade de uma ligao umbilical

    entre o exerccio, a referncia ideolgica e o seu inventor. A evoluo d-se ao

    ritmo de cada exerccio, de cada treino, de cada jogo e de cada competio.

    Percorre-se medida que se constri. O objectivo ser sempre o mesmo:

    tornar cerebral a dinmica comportamental que a organizao, que a

    filosofia, que a emoo. Criar intenes e hbitos. Tornar consciente e depois

    subconsciente um conjunto de princpios de forma a exponenciar naturalmente

    uma determinada forma de jogar, ou seja, conforme recorda Guilherme

    Oliveira (2004) o comportamento do jogador tem que se inserir dentro de um

    determinado padro de jogo isto , dentro de uma organizao pr-definida.

    Stacey (2005) define fractal como a propriedade de fracturar e

    representar um modelo catico em sub-modelos, existentes em vrias escalas

    que sejam representativos desse modelo, isto , um fractal uma parte

    invariante ou regular de um sistema catico que pela sua estrutura e

    funcionalidade consegue representar o todo, independentemente da escala

    onde possa ser encontrado. Os fractais so sempre representativos do todo

    pois tm uma constituio gentica semelhante ao todo onde foi observado

    (Guilherme Oliveira, 2004). Apesar da variabilidade que podem mostrar,

    possuem uma grande regularidade estrutural e funcional ao longo das escalas,

    ou seja, detm uma invarincia de escala (Stacey, 1995). A invarincia de

    escala acontece porque nos sistemas caticos com organizao fractal, existe

    uma homotetia interna que faz com que as formas desse sistema ao longo

    das diferentes escalas, tenham morfologia igual, ou seja, uma caracterstica

    que permite reconhecer que os jogos de diferentes equipas assumem

    caractersticas tambm diferentes, isto porque cada equipa, atravs de

    processos de auto-organizao e da sua organizao fractal, vai criando

    invariantes, que lhes so prprias dentro do contexto de variabilidade e

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    aleatoriedade do jogo (Cunha e Silva, 1999; Guilherme Oliveira, 2004). A

    aluso importncia do processo de treino nisto que a manifestao regular

    de um padro de j