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Boletim Informativo CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA III Série | N.º 2 | Outubro 2009

2009 - CSM - Boletim Informativo nº 2

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Conselho Superior da Magistratura, Boletim Informativo nº 2

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Boletim InformativoCONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

III Série | N.º 2 | Outubro 2009

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2 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Ficha Técnica

F icha Técnica

Propriedade e Edição:Conselho Superior da MagistraturaRua Mouzinho da Silveira, n.º 101269 - 273 Lisboa

Telefone: 21 322 00 20Fax: 21 347 49 18E-mail: [email protected]: www.csm.org.pt

Coordenação do Boletim Informativo:Vice-Presidente Juiz Conselheiro Dr. António Nunes Ferreira GirãoChefe de Gabinete Juiz Desembargador Dr. Afonso Henrique Cabral Ferreira

Colaboração do Boletim Informativo:Presidente do CSM Juiz Conselheiro Dr. Luís António Noronha NascimentoVice-Presidente CSM Juiz Conselheiro Dr. António Nunes Ferreira GirãoVogal do CSM Juiz Desembargador Dr. José Manuel Duro Mateus CardosoVogal do CSM Juiz Desembargador Dr. Henrique Luís de Brito AraújoVogal do CSM Juiz de Direito Dr. Edgar Taborda LopesVogal do CSM Juiz de Direito Dr. Rui Manuel Correia MoreiraVogal do CSM Juiz de Direito Dr. José Eusébio dos Santos Soeiro de AlmeidaVogal do CSM Juíza de Direito Dra. Alexandra Maria Rolim MendesPonto de Contacto Juíza de Direito Dra. Florbela Moreira LançaAdjunto de Gabinete Juiz de Direito Dr. Joel Timóteo Ramos PereiraAdjunta de Gabinete Dra. Mafalda Chaveiro

Redacção e Artwork:Adjunto de Gabinete Juiz de Direito Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira

Referências editoriais:Número: III Série - N.º 2 Data: Outubro de 2009Tiragem: 700 exemplaresNatureza: Publicação PeriódicaDepósito Legal: 174 302/01

Edições Impressa e Digital:Impressão Gráfica: Gráfica AlmondinaEdição Digital: http://www.csm.org.pt/publicacoes/boletim

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Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Índice

Í ndice

Ficha Técnica .......................................................................................................... 2

Índice ..................................................................................................................... 3

1. Mensagens de abertura1.1. Responsabilização dos Juízes (Juiz Conselheiro Dr. Noronha Nascimento) ............... 51.2. Breve Apontamento (Juiz Conselheiro Dr. Ferreira Girão) ....................................... 13

2. Discursos2.1. Posse dos Juízes Presidentes das Novas Comarcas (Cons. Noronha Nascimento) ... 162.2. Posse dos Juízes de Direito do XXV Curso Nornal (Cons. Noronha Nascimento) ...... 192.3. Posse dos Juízes Estagiários do XXVI Curso Nornal Discurso do Presidente do CSM, Juiz Conselheiro Noronha Nascimento ................ 21 Discurso do Vice-Presidente do CSM, Juiz Conselheiro Ferreira Girão .................... 222.4. Sessão de Inauguração da nova sede do CSM (Cons. Ferreira Girão) ...................... 242.5. VI Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura Sessão de Abertura - Discurso do Presidente do CSM, Cons. Noronha Nascimento 32

3. Informações3.1. Novas Instalações do Conselho Superior da Magistratura ....................................... 393.2. Renúncia do Exmo. Vogal Dr. Luís Máximo dos Santos ............................................ 393.3. Novo Vogal Designado: Dr. Rui Serrão Patrício ......................................................... 423.4. VI Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura ........................................ 433.5. Sítio da Internet do Conselho Superior da Magistratura .......................................... 44

4. Cooperação Internacional4.1. O CSM - Relações Internacionais (Vogal. Juíza Dra. Alexandra Rolim Mendes) ........ 454.2. Declaração Final da Primeira Reunião da Comissão Conjunta de Poderes Judiciais Europeus e Latino-Americanos ................................................................................. 474.3. Visita de Delegações de Países Estrangeiros ........................................................... 494.4. Estágio para Inspectores Judiciais da Guiné-Bissau (Gabinete Comunicação) ......... 514.5. Cooperação Judiciária Europeia - Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (Juíza Dra. Florbela Moreira Lança - Ponto de Contacto da RJECC) .......... 52

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Índice

5. Deliberações5.1. Autorização de Frequência de Actividades de Formação Académica, Estágios, ou Actividades de Formação de cariz não académico .............................................. 59

6. Contencioso6.1. Acórdão Classificativo «Bom com Distinção» (Vogal Juiz Dr. Rui Moreira) ................ 676.2. Acórdão Classificativo «Bom com Distinção» - menos de dez anos de exercício efectivo (Vogal Juiz Dr. José Eusébio Almeida) ......................................................... 906.3. Acórdão Classificativo «Bom com Distinção» - menos de dez anos de exercício efectivo (Vogal Juiz Dr. Henrique Araújo) ................................................................. 1096.4. Acórdão Disciplinar - Processos em poder do Juiz (Vogal Juíza Dra. Alexandra Rolim Mendes) ............................................................ 1316.5. Acórdão Disciplinar - Faltas e atrasos nas diligências (Vogal Juiz Dr. José Eusébio Almeida) ....................................................................... 1366.6. Acórdão Disciplinar - Pena de Transferência (Vogal Juiz Dr. Henrique Araújo) .......... 1456.7. Acórdão Disciplinar - Violação dos deveres de zelo e de criação no público de confiança na administração da justiça (Vogal Juiz Dr. José Eusébio Almeida) .......... 1596.8. Acórdão Disciplinar - Oficial de Justiça. Violação do dever de correcção (Vogal Juiz Dr. Edgar Taborda Lopes) ........................................................................ 1756.9. Acórdão Disciplinar - Pena de Demissão de Juiz. Prática de actos incompatíveis com a dignidade do exercício de funções (Vogal Juiz Dr. Henrique Araújo) .............. 184

7. Pareceres7.1. Projecto de Alteração do Código de Processo de Trabalho (Vogais Juízes Dr. José Eusébio Almeida e Dr.Duro Mateus Cardoso) ....................... 1937.2. Alteração à Lei das Armas (Vogal Juiz Dr. Rui Moreira) ............................................. 2197.3. Emissão e execução de decisões de apreensão de bens ou elementos de prova em processo penal (Vogal Juiz Dr. Rui Moreira) ......................................................... 2257.4. Código de Execução de Penas Privativas da Liberdade (Vogal Juiz Dr. Rui Moreira) . 2277.5. Segunda Lei de Política Criminal (Vogal Juiz Dr. Rui Moreira) ................................... 2297.6. Tratamento de Dados no Sistema Judicial (Adjunto Dr. Joel Timóteo Pereira) .......... 2337.7. Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil (Adjunto Dr. Joel Timóteo Pereira) .......... 2427.8. Princípio da plenitude da assistência dos Juízes (artigo 654.º Código de Processo Civil) (Adjunto Dr. Joel Timóteo Pereira) ................................................................... 2467.9. Lei do Cibercrime (Adjunto Dr. Joel Timóteo Pereira) ............................................... 252

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Editorial

Responsabilização dos JuízesJuiz Conselheiro Dr. Noronha Nascimento

Nos últimos tempos, a responsabilização dos juízes por erro judiciário assumiu foro especial na comunicação social por razões de todos conhecidas.

Mas porque a memória das coisas facilmente se obnubila, talvez não seja mau relembrar o trajecto que levou à lei actual e às sequelas seguintes.

A lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado (onde se prevê a responsabilidade do juiz no

exercício da função jurisdicional) foi longamente preparada durante 2000 em conjunto com o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (o ETAF) de tal modo que tudo estava pronto para dar entrada na Assembleia da República (A.R) e aí ser aprovado em 2001.

O que nos dois projectos se continha era algo de inadmissível e catastrófico para os tribunais judiciais já que se conferia competência aos

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tribunais administrativos (TAF) para verdadeiramente controlar a actividade dos tribunais comuns.

Assim, entre outras, havia, nos projectos as seguintes soluções:

Os Tribunais administrativos a) eram competentes, em exclusivo, para julgar o erro judiciário dos juízes dos tribunais judiciais,

As acções de regresso b) contra os juízes, daí advenientes, eram julgadas pelos tribunais administrativos,

c) Todas as deliberações do C.S.M. eram recorríveis, não para o S.T.J. mas para o Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A),

Os actos administrativos d) praticados pelo presidente do S.T.J. eram impugnáveis somente no S.T.A..Estas eram as normas propostas no

E.T.A.F.; mas a lei de responsabilidade completava este quadro já que nela se consagrava que – uma vez condenado o Estado por erro judiciário com culpa grave – o direito de regresso sobre o juiz era obrigatório e não tinha limite algum.

O que resultava deste esquema eram consequências espantosas que levavam a que todas as decisões dos tribunais judiciais (mesmo as do S.T.J.) ficassem à mercê dos T.A.F.

Assim, tínhamos:1.º) O erro judiciário do juiz dos

tribunais comuns era sempre definido

por outra orgânica de tribunais que nunca havia julgado a matéria cujo erro ia definir.

Erro judiciário por prisão ilegal, por decisão errada sobre um fideicomisso, sobre uma anulação de deliberações sociais, sobre um despedimento, etc. ia ser decidido por juízes dos TAF que jamais podiam julgar (e não julgavam) direito penal, direito civil, direito comercial, direito laboral.

Ou seja, tínhamos o eventual erro judiciário ocorrido na orgânica comum julgado por quem “desconhecia” a matéria que ia julgar;

2.º) Pior do que isso: decisões proferidas em Primeira Instância e confirmadas sucessivamente nos Tribunais da Relação e no S.T.J. podiam dar azo a acções contra o Estado por erro judiciário e, no limite, à condenação dos juízes porque o entendimento jurisprudencial dos TAF podia ser outro e diferente; ou seja, quem definia a orientação “correcta” da jurisprudência dos tribunais comuns eram os TAF que, por acaso, não julgavam a matéria cuja orientação jurisprudencial definiam;

3.º) Todas as graduações de juízes no acesso ao S.T.J. e aos tribunais da Relação eram controladas pelo S.T.A. já que este era o tribunal que sindicava o C.S.M.

O S.T.A. é composto, quase na íntegra, por Desembargadores dos tribunais judiciais e por Procuradores-

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Gerais Adjuntos (P.G.A) que aí judicam em comissão de serviço e que, com muita frequência, concorrem à graduação de acesso ao S.T.J.

Daí que, com tal sistema, as graduações do C.S.M ficavam “prisioneiras” da jurisprudência do tribunal onde judicavam inúmeros magistrados que eram interessados directos no acesso com os danos colaterais que tudo isto poderia provocar;

4.º) O próprio presidente do S.T.J. ficava prisioneiro do sistema já que qualquer acto que praticasse no seu tribunal (punição de um funcionário, cessação de comissão de funcionário, critérios de distribuição interna dos Conselheiros por secções ou de processos por juízes, etc., etc.) ficava à mercê do S.T.A. com a manifesta intromissão de uma orgânica sobre a outra;

5.º) Mas pior do que isto, havia algo mais: o direito de regresso do Estado contra o juiz era sempre obrigatório, como é hoje em relação a qualquer funcionário (isto é, o juiz era equiparado totalmente ao funcionário) e não havia garantia estatutária nenhuma que o preservasse.

O que estava projectado levava directamente à perda da independência dos tribunais da orgânica comum; estes não julgavam em função de um sistema de recursos existente no interior

da própria orgânica, mas julgavam em função de decisões tomadas por tribunais exteriores de orgânica diferente, e que ao intrometerem-se na orgânica judicial violavam a independência desta.

*

Estas duas propostas de lei estavam prontas para discussão na A.R em 2001.

Entretanto, a 27 de Março desse ano tomou posse o novo Presidente do S.T.J., Conselheiro Aragão Seia, e a 29 de Março, tomaram posse os novos vogais-juízes do C.SM. de que eu era o Vice-Presidente.

Confrontados com os projectos, decidimos (Aragão Seia e eu próprio) iniciar uma negociação forte com o Ministro da Justiça centrada em todos os graves problemas que os diplomas originavam até porque o próprio presidente do S.T.A. discordava do modelo proposto e do excesso de competência que se conferia aos TAF.

Por proposta do Ministro da Justiça criou-se, então, uma comissão informal para alterar as referidas propostas de lei, comissão que reuniu diversas vezes no C.S.M. e que era composta pelo Presidente do S.T.J. (Aragão Seia), Secretário de Estado da Justiça, eu próprio, presidente do S.T.A. (Cons. Santos Serra), o Prof. Aroso de Almeida e o Cons. Pires Machado.

Na sequência disso, o projecto foi

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profundamente remodelado: o erro judiciário e o direito de regresso sobre juízes (dos tribunais comuns e do Tribunal Constitucional) são sempre julgados nos tribunais comuns (com excepção do erro judiciário dos TAF), todas as deliberações do C.S.M. e os actos do presidente do S.T.J. são recorríveis apenas para o S.T.J. e nunca para o S.T.A., e - por sugestão/proposta do Cons. Aragão Seia e de mim próprio – criou-se uma garantia estatutária para os juízes segundo a qual o direito de regresso só pode ser exercido depois da prévia revogação da decisão por tribunal superior e, ainda assim, depois de luz verde dada pelo C.S.M..

O que ficou aprovado na lei, anos depois, foi o produto desses tempos conturbados de 2000/2001.

*

Toda esta problemática foi agora exponenciada – tenhamos a coragem de pôr os pontos nos is – pelo caso da avaliação do juiz Rui Teixeira.

E foi exponenciada porque entretanto tínhamos à porta – tenhamos igual coragem de o dizer – três eleições quase seguidas: as eleições legislativas, a eleição para a presidência do S.T.J e a eleição para o C.S.M.; e, nessa medida, a direcção nacional da A.S.J.P. resolveu entrar em campanha em todas elas, sabendo-se como se sabe que tentar interferir em eleições político-partidárias traz

normalmente a prazo efeitos corrosivos que dificilmente se apagarão.

Aliás, e nessa sequência, as notícias jornalísticas do fim de Agosto – ou seja, a um mês das legislativas – sobre um estudo acerca das más condições em que funcionava um conjunto alargado de tribunais, estudo esse que, segundo as mesmas notícias, a direcção da A.S.J.P. tinha em seu poder havia dois anos, são significativas: com um estudo em seu poder há dois anos, a direcção da A.S.J.P. guardou-o e publicitou-o nas vésperas das legislativas, convencida ingenuamente de que tinha voz activa na matéria.

Depois, quando as coisas correm mal, mete-se a cabeça na areia e espera-se pelo dilúvio.

*

Mas o caso Rui Teixeira mereceu da direcção da A.S.J.P. um comunicado expedido “urbi et de orbi” que não pode passar sem reparos.

Nele, e em resumo, pede-se contas ao C.S.M. pela deliberação assumida invocando-se o compromisso ético dos juízes, pede-se aos juízes eleitos para o C.S.M que renunciem aos seus cargos, invoca-se a independência dos juízes como prova definitiva do erro na deliberação do Conselho e, por último, declara-se que os vogais-não juízes do C.S.M. não têm legitimidade para lá estar perante as suas fontes institucionais.

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Vejamos, sucintamente, estes quatro pontos:

A direcção da A.S.J.P. não a) tem que prestar quaisquer contas ao C.S.M.; mas o C.S.M. também não tem que prestar contas algumas à direcção da A.S.J.P.

Tratam-se de órgãos diferentes com matrizes e legitimidades diferentes; o C.S.M. é, aliás, um órgão superior da estrutura constitucional do Estado, com composição e competência vinculadas (no dizer de Gomes Canotilho) que tem que prestar contas, apenas, à Assembleia da República no seu relatório anual.

O compromisso ético dos juízes, esse não se vê a que título é para aqui chamado.

Os juízes dos países mais avançados da Europa (os países nórdicos, os que têm índices mais desenvolvidos de I.D.H (Índice de desenvolvimento humano): menor corrupção, maior eficácia, maior riqueza, maior coesão social) recusaram sempre qualquer compromisso ético, porque a ética – dizem eles – pratica-se e não se declara; razão mais que suficiente para se desconfiar daquilo que os nórdicos recusaram;

O pedido de renúncia dos b) vogais-juízes do C.S.M. formulado pela direcção da A.S.J.P. é manifestamente demagógico.

O Estatuto dos Magistrados Judiciais

(Lei n.º 21/85) é expresso no seu artigo 137.º n.º 2: os juízes eleitos para o C.S.M. não podem recusar o cargo.

Quem não pode recusar um cargo para o qual é eleito, também não pode renunciar a ele a seguir sob pena de fraude à lei; tanto assim que o Estatuto, no seu artigo 147.º, não prevê sequer a renúncia como instituto de cessação das funções de vogal.

O que a direcção da A.S.J.P. pede é que os juízes do C.S.M. pratiquem uma ilegalidade com a única finalidade de engodar juízes desprevenidos ou os cidadãos portugueses; ou seja a direcção da A.S.J.P. manda, aqui, às malvas o compromisso ético dizendo aos juízes para não cumprirem a lei e dizendo aos portugueses para não confiarem nos juízes porque estes não cumprem a lei.

O juiz decide em função da lei e da leitura interpretativa que faz dela; daí que o juiz seja – na expressão popular – o guardião da lei.

Por isso, a deliberação da direcção da A.S.J.P. é, neste ponto, assassina da credibilidade que os juízes terão no seu país: porque – mesmo que os juízes não renunciem – ficará sempre na memória da opinião pública a mensagem da direcção associativa segundo a qual os juízes lerão a lei em função dos seus interesses.

Com tudo isto junto, não terei dúvida alguma de que este passo do comunicado associativo será bem mais destrutivo da credibilidade pública do

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juiz do que a deliberação do C.S.M. que aquele criticou.

O calvário do juiz c) Rui Teixeira não começou agora; começou quando lhe saiu na rifa o processo Casa Pia.

E o juiz Rui Teixeira não teve dissabores apenas agora; teve também há anos, nomeadamente (entre outros) na sequência de uma entrevista a um periódico.

Um dos picos desse calvário situou-se, em 2004, num célebre plenário do C.S.M.; e seria bom que os juízes portugueses soubessem quem aí defendeu a posição de Rui Teixeira, qual foi o sentido de voto dos presidente e vice-presidente do C.S.M. e qual foi a posição aí tomada pelo actual secretário-geral da A.S.J.P. assumindo agora as dores que então recusou.

O que à época se discutiu, contendia também com a independência do juiz: saber quis os limites do dever de reserva e como se projectava este, em termos de informação pública, para além de uma decisão judicial já produzida.

Revista em câmara lenta a memória da discussão desse plenário, e comparado com o que agora subscreve quem então fez o que fez, Camões ganha a dimensão a que nos habituou: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades;

Mas negar a d) legitimidade dos vogais-não juízes do C.S.M, no início de uma legislatura com poderes constituintes, se não é um começo de hara-kiri é, pelo menos, uma cegueira estratégica evidente.

Com a incapacidade manifesta que a direcção da A.S.J.P. tem revelado para negociar ou influenciar decisões políticas, com aquilo que programas

eleitorais recentes de vários partidos referem quanto à composição do C.S.M. e à progressão dos juízes na carreira, questionar agora a legitimidade do C.S.M. é abrir a caixa de Pandora numa possível revisão.

Em Janeiro/03, no boletim do C.S.M, o actual secretário-geral da A.S.J.P., num artigo laudatório, saudava a composição actual do Conselho denominando-a como a “consolidação do pluri-institucionalismo” e a superação da “fase corporativa”; hoje, defende que, afinal, é tudo parte ilegítima e que só a A.S.J.P confere legitimidade.

Sabe-se que esse secretário-geral recusa o direito à greve dos juízes.

Com isso pretende-se castrar o corpo de juízes transformando-os em tigres de papel: afronta-se o poder político em legislatura constituinte que pode subverter a orgânica judiciária

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actual, fala-se grosso na convicção pueril de que se mete medo e, depois, nega-se o direito à greve (a última defesa dos nossos direitos) eliminando-se aquilo que poderíamos usar como derradeira barricada de nós próprios.

D. João II, o maior génio da nossa História, dizia da política que “ele há um tempo de coruja e ele há um tempo de falcão” ; o problema é quando não se compreende isso e se confunde a passarada.

*A independência do juiz alimenta-

se de várias componentes; e uma das mais importantes é a credibilidade do sistema.

Sem credibilidade pouco importa falar de independência porque esta é atingida na voragem da descredibilização.

Não é por acaso que o presidente do S.T.J. é a quarta figura do Estado; ele tem, no dizer do artigo 41.º da Lei Orgânica dos Tribunais, com dez anos de vigência, precedência entre todos os juízes, repito entre todos os juízes (e não apenas entre os magistrados judiciais).

O que significa, muito simplesmente, que tal norma configura o presidente do S.T.J. como o representante institucional dos tribunais portugueses.

No dia seguinte à última eleição, em 29/9/06, o presidente eleito do S.T.J. foi insultado e injuriado pelo director de um jornal em pré falência

que recentemente mostrou todo o seu perfil publicando notícias com quase ano e meio de atraso, pondo em xeque o Presidente da República e apontando para serviços secretos no seu delírio explicativo como forma de esconder a sua irrelevância.

Nesse editorial não se descredibilizava apenas o presidente do S.T.J. mas todo o S.T.J., o Tribunal Constitucional, enfim, os juízes e os tribunais no seu conjunto.

Que fez, à época, a direcção da A.S.J.P. em defesa da credibilidade e, por extensão, da independência dos Tribunais?

Nada; ou melhor, fez um comunicado tão débil e tão inaudível que melhor seria nada ter feito.

E por ironia do destino foi o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que assumiu o compromisso institucional da defesa dos tribunais e do presidente do S.T.J. revelando ter, neste ponto, a percepção exacta daquilo que estava em jogo e não cedendo à tentação de negociar migalhas jornalísticas.

Quando nós não nos sabemos defender, e é outrem que nos defende, algo está mal no reino da Dinamarca.

E não é preciso vir Shakespeare dizê-lo.

O Presidente do Conselho Superior da Magistratura

Luís António Noronha NascimentoJuiz Conselheiro

Editorial

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Conselho Superior da Magistratura

Pormenor do Gabinete do Vice-Presidente do CSM

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Do Vice-Presidente

Breve Apontamento (essencialmente remissivo)

Juiz Conselheiro Dr. António Ferreira Girão

Estas intervenções do Vice-Presidente no Boletim têm servido, primordialmente, para dar conta, à guisa de balanço, da actividade do Conselho Superior da Magistratura.

No passado dia 16 de Setembro último, dia da inauguração da nova sede do CSM, tive já ocasião de fazer o travelling dessa actividade durante o mandato em curso e para cujo termo faltam cerca de seis meses.

Essa minha intervenção vem também publicada neste Boletim, pelo que se justifica que me concedam a faculdade de para ela remeter, sob pena de dose dupla.

Cumpre-me, no entanto, esclarecer que dessa resenha da actividade do Conselho não consta a da recepção de delegações de congéneres Conselhos de outros países.

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Auditório do Conselho Superior da Magistratura

Breve Apontamento (essencialmente remissivo)

A relevância deste intercâmbio dispensa qualquer justificação.

De qualquer forma não posso deixar de expressar o meu regozijo pelo facto de a estrutura do nosso Conselho constituir um modelo para essas delegações, que, por isso, nos procuram, com frequência.

Basta dizer – e para referir só as mais recentes visitas - que, durante o mês de Setembro, fomos visitados por três delegações (Bósnia-Herzegovina, República Popular da China e Bulgária) e que no início do próximo mês de Novembro iremos receber uma delegação da Albânia.

Quanto ao mais... solidarizo-me na sua essência com o teor do Editorial subscrito pelo Excelentíssimo Presidente.

Por agora, é tudo quanto me oferece dizer.

Queiram aceitar os meus melhores cumprimentos, com sinceros votos dos maiores êxitos pessoais e profissionais.

Lisboa, 12 de Outubro de 2009O Vice-Presidente

António Nunes Ferreira GirãoJuiz Conselheiro

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15Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Discursos

Tomada de Posse dos Juízes Presi-dentes das novas Comarcas

Auditório do CSMLisboa, 14 de Abril de 2009

Tomada de Posse dos Juízes de Di-reito do XXV Curso Normal

Salão Nobre do STJLisboa, 03 de Setembro de 2009

Tomada de Posse dos Juízes Esta-giários do XXVI Curso Normal

Auditório do CSMLisboa, 08 de Setembro de 2009

Sessão Oficial de Inauguração da nova Sede do C.S.M.

Auditório do CSMLisboa, 16 de Setembro de 2009

Sessão de Abertura do VI Encontro Anual do CSM

Auditório da Biblioteca MunicipalTomar, 25 de Setembro de 2009

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Posse dos Juízes Presidentes das Novas Comarcas CSM, Lisboa, 14 de Abril de 2009

Senhor Desembargador Paulo BrandãoSenhora Juíza Ana Isabel Fernandes da

SilvaSenhora Juíza Maria João Barata

A posse de Vossas Excelências cor-responde a uma mudança estrutural no modo de configurar os tribunais e na visão que, deles, se tem como ele-mentos genéticos sobre os quais se ali-cerça o poder judicial.

Que o mapa judiciário de Portugal tinha que ser reestruturado de alto a baixo era o sentimento generalizado da comunidade jurídica; que o fosse segundo os parâmetros que a nova lei orgânica dos tribunais consagrou, era a aspiração que muitos juízes preten-

diam, e que a Assembleia da República definitivamente chancelou.

Vossas Excelências serão, por isso, depositários das aspirações, dos dese-jos, da solidariedade incondicional de todos nós porque todos nós estamos, afinal, numa aventura nova de cujo su-cesso depende a fluidez e o saneamen-to do nosso judiciário.

As últimas grandes reformas dos Tribunais datam de 1962 e 1978: a primeira revigorando de alto a baixo o mapa do país, ainda antes do 25 de Abril e seguindo uma filosofia coerente e com inovações inesperadas; a última - pouco após o 25 de Abril - com efeitos de saneamento importante em Lisboa e Porto mas sem grande impacto no resto do país, nomeadamente nas co-

Posse dos Juízes Presidentes das Novas Comarcas

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marcas limítrofes daquelas metrópoles e que continuaram a ser vistas como filhotes menores de cidades maiores.

De então para cá, muita coisa mu-dou.

Mudou, desde logo, a distância.A nova rede viária e a nova rede

de comunicações trouxeram um apport diferente na rapidez de contactos e de conhecimentos que transformou a face da terra.

O novo mapa judiciário é uma das consequências directas disso mesmo, porque a volta ao mundo já se não faz em 80 dias como sonhava Júlio Verne mas em menos de 48 horas como pro-saicamente fará qualquer cidadão dos dias de hoje.

A jovem lei orgânica dos tribunais comporta princípios inovadores, desco-nhecidos anteriormente.

Desde logo fixa como regra nucle-ar a de que o presidente das novas comarcas será um juiz nomeado pelo C.S.M. e que, por sua vez, escolherá o administrador que o irá coadjuvar.

A consagração do juiz como presi-dente a tempo inteiro da comarca (re-definida esta no seu âmbito espacial e na sua especialização de matérias) é um corolário da independência do poder judicial e do reconhecimento de que, nesta esfera, só o juiz é titular de órgão de soberania.

Impensável seria que alguém de fora viesse gerir a unidade orgânica onde o poder judicante se exprime já que os conceitos de independência e imparcialidade não se aplicam apenas

ao segmento exacto da função de jul-gar, mas a toda a infra-estrutura que prepara, acompanha, permite e torna exequível a decisão.

Em segundo lugar, a nova lei vem refazer definitivamente a relação hie-rárquica entre juiz e funcionários, que-brada há vinte anos e cuja lenta sutura provocou danos prolongados.

A gestão implica uma relação verti-cal entre juiz - presidente e funcionário que não pode ser dispensada, sob pena de a coesão do tribunal como unidade orgânica se fragmentar em feudos di-versos conflituantes entre si.

A memória do passado não trouxe, neste ponto, recordações agradáveis.

Consagrou o legislador, e bem, a regra de que o presidente das comar-cas será nomeado de entre desembar-gadores ou juízes de círculo; e a vossa escolha é a prova dessa ambivalência de critérios, mau grado as vozes que, por vezes e em surdina, sugeriam op-ções pré-determinadas.

A latitude que a lei confere as C.S.M. permitindo-lhe também nomear juízes de segunda instância é a mais acertada: aumenta os lugares de de-sembargadores quando a rácio juiz = população está mais que equilibrada, não interfere com a independência de quem julga nos mesmos termos em que também não interfere o desembar-gador-inspector e facilita o reequilíbrio institucional (quando isso se mostrar necessário) já que o coordenador do MºPº nas comarcas será sempre um procurador - geral - adjunto.

Discursos

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18 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Mas vantagem importante da op-ção legislativa centra-se em não deixar o C.S.M. refém de limites estreitos na sua escolha; percebemo-lo bem em Setembro/07.

Fomos dos primeiros (senão mes-mo o primeiro) a defender que o presi-dente das comarcas devia ser um juiz de 1ª instância; estava-se no início da discussão de toda esta problemática e o C.S.M. levava a efeito um grande co-lóquio sobre ela, em Leiria, em Janeiro de 2003.

Defendemos então que a designa-ção dos presidentes devia centrar-se numa lista de três juízes de 1ª instân-cia pré-eleitos pelos restantes colegas da comarca e sobre a qual o Conselho trabalharia.

Durante algum tempo manti-vemos o mesmo registo; mas em Setembro/2007 mudamos de opinião.

Tinha lugar em Coimbra nesse mês um grande colóquio sobre adminis-tração e gestão de tribunais levado a cabo por vários parceiros.

Nunca víramos antes uma organi-zação associativa convidar, nominati-vamente, para um colóquio alguns seus associados excluindo todos os demais, tornando demasiado visível aquilo que se pretendia: conferir aos convidados o qualificativo de especialistas braso-nados na matéria sobre a qual incidia o colóquio como forma de condicionar o Conselho na escolha dos presidentes das comarcas.

Uma organização não pode gra-duar os seus associados em primeira

e segunda classe para efeitos futuros; e esse foi o momento exacto em que percebemos que a opção do Conselho teria que incidir sobre um leque de es-colha mais variado como forma de evi-tar que, ele próprio, ficasse refém de decisões tomadas a montante e que lhe seriam vendidas depois.

Felizmente, a nova lei orgânica dos tribunais consagrou a final esta opção; o que significa que a lei consagrou, aqui, a solução mais adequada.

Senhores Presidentes das novas comarcas:

A partir de agora, o tempo é vos-so.

Vosso, tanto quanto sereis vós a geri-lo, a usá-lo, a administrá-lo em função dos benefícios que a nova orga-nização judiciária vier a permitir.

Tereis, à partida, reticências que al-guns vos porão, porque qualquer rup-tura provoca neste país a desconfiança que contende com a inércia.

Mas tereis também muitos mais a ajudar-vos, porque como dizia o físico Rómulo de Carvalho aliás, o poeta An-tónio Gedeão

“ o mundo pula e avançacomo bola coloridaentre as mãos de uma criança”.

Lisboa, 14 de Abril de 2009.Luís António Noronha NascimentoJuiz ConselheiroPresidente do Supremo Tribunal de Jus-tiça e do Conselho Superior da Magis-tratura.

Posse dos Juízes Presidentes das Novas Comarcas

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19Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Posse dos Juízes de Direito do XXV Curso Normal

STJ, Lisboa, 3 de Setembro 2009

Discurso de Sua Excelência,o Presidente do CSM e do STJDr. Luís António Noronha Nascimento

Juiz Conselheiro

Caros Colegas agora empossados,Começais hoje, verdadeiramente, a

vossa vida de juízes.Depois de uma formação aturada

destinada a preparar-vos para uma carreira exigente, depois de um está-gio onde a angústia que comporta, por vezes, o acto de decidir é amaciada pelo conforto que o formador pode dar, chegou a hora de partir, de julgar sozi-nho, de assumir o parto do julgamento numa descoberta que ireis fazendo, ora atónitos com a novidade que vos surge, ora confusos com o conflito que descobris, ora satisfeitos com o equilí-

brio de prestações que fixais, equilíbrio de prestações que é, em regra, a alma mater do direito e da equidade.

A partir de agora ireis julgar a vida concreta encarnada nos conflitos dos homens; ireis descobrir (como dizia o juiz com quem, há quarenta anos, eu aprendi profundamente) que os tribu-nais são hospitais sociais onde, com frequência, os cidadãos não procuram apenas uma sentença jurídica mas uma sentença humanizada.

Nem todo o direito é igual e, por isso, nem todos os tribunais são pare-cidos.

Há ramos do direito com uma tec-nicidade tal que o litígio concreto está oculto por debaixo de uma paz simula-da; há outros com uma violência à flor

da pele tal que o drama humano está presente, desde a primeira hora, na boca de cena do processo que tendes à vossa frente.

O crime violento que vandaliza os di-reitos das vítimas, as relações familiares em desagregação com as sequelas das regula-ções dos poderes pa-

Discursos

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20 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

rentais jogadas sobre filhos menores muitas vezes transformados em filhos de um deus menor, os direitos dos tra-balhadores que em tempo de crise são o elo mais fraco de uma sociedade em erosão, vão ser provavelmente os ca-sos de catálogo que marcarão em alto relevo a memória imperecível de quem vai vivendo o dia a dia desta profissão.

Julgar não é, assim, tão fácil quan-to, por vezes, se perspectiva.

Há que saber esquecer o que se julgou sob pena de se ficar bloqueado no processo intelectual que conduz à decisão, mas não se pode esquecer tudo porque algum lastro tem que ficar para se corrigir aquilo que, por vezes, vamos descobrindo que talvez não te-nha ficado bem julgado.

Essencial, sim, é saber ser o tercei-ro imparcial, acima das partes, que vai ditar o direito do caso.

E para isso o processo (seja ele o civil, o criminal, o comercial ou o la-boral) tem dois princípios inalienáveis que as convenções internacionais con-sagram porque radicam nos direitos do Homem: a igualdade formal e o contra-ditório.

O resto são regras mais ou menos técnicas; mas aquelas - igualdade e contraditório - ficam entregues nas mãos do juiz (nas vossas mãos) como garante e, simultaneamente, como pe-nhor de uma imparcialidade que a tor-na o verbo inicial da justiça.

E isso é, verdadeiramente, aquilo que define o juiz, o terceiro imparcial,

porque só pode julgar quem for impar-cial, a tal ponto que a teorização su-blimada sobre a independência do juiz que as democracias modernas elabo-raram desde o séc. XVII, mais não visa senão preservar, garantir e defender a imparcialidade de quem julga.

Colegas,Tomais posse, hoje, num dos sítios

mais emblemáticos da Justiça portu-guesa: o salão nobre do Supremo Tri-bunal de Justiça, instalado aqui logo à data da sua criação, faz agora, em Se-tembro, 176 anos.

O Supremo é um produto directo do liberalismo português: ainda a guerra civil entre o grande D. Pedro IV e seu irmão se desenrolava, mas com a vitó-ria liberal ganhando foros de previsível certeza, já o Supremo começava a fun-cionar neste edifício pombalino, logo após a libertação de Lisboa em 24 de Julho de 1833.

A história do Supremo está, por isso, directamente ligada à dos regi-mes liberais; e é com estes que se ini-cia a modernidade do mundo em que vivemos.

Quanto mais não fosse só por isso a vossa posse neste edifício é um im-perativo da nossa memória histórica.

Sois os juízes do futuro deste país; caberá a vós, por isso, garanti-lo e fru-tificá-lo.

Luís António Noronha NascimentoSupremo Tribunal de Justiça,

3 de Setembro de 2009

Posse dos Juízes de Direito do XXV Curso Normal

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21Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Posse dos Juízes Estagiários - XXVI Curso Normal

CSM, Lisboa, 8 de Setembro 2009

Discurso de Sua Excelência,o Presidente do CSM e do STJDr. Luís António Noronha Nascimento

Juiz Conselheiro

Caros Colegas hoje empossados como juízes,

Iniciais a partir de agora a vossa vida de juiz, a caminho da nomeação vitalícia que garante uma função que se quer independente e imparcial.

Ireis exercer a jurisdição nos casos concretos que à vossa frente surgirem com o anteparo que o formador repre-senta, e ireis lentamente perceber que o fio da navalha de um julgamento é, quantas vezes, não o conhecimento exacto das leis mas, sim, o julgamento correcto da matéria de facto.

Julgar pressupõe decidir segundo a equidade da vida expressa no equilíbrio

das prestações; e este - o equilíbrio das prestações - é o conteúdo polar de uma decisão humanizada e, por isso, com-preendida pela comunidade.

Ao juiz não se exige que conheça apenas o direito na nudez da norma jurídica descarnada a que lança mão; exige-se ainda que decida bem a ma-téria de facto porque, se esta for mal julgada, de pouco valerá o direito apli-cado a factos distorcidos.

O direito é um regulador dos com-portamentos humanos na vida comuni-tária; e para tanto a sociedade investe o juiz como o terceiro imparcial, aque-le que está para além dos interesses concretos das partes, conferindo-lhe o poder de ditar o direito como solução final dos diferendos dos homens.

Ireis iniciar o último ano da vossa formação vestibular ainda com a pre-sença de um juiz-formador.

Depois disso, começais sozinhos o percurso da vossa vida profissional em tribunais e terras diferentes, escreven-do lentamente, e à medida do vosso tempo, o futuro da judicatura do nosso país.

Luís António Noronha Nascimento

8 de Setembro de 2009

Discursos

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22 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Discurso de Sua Excelência,o Vice-Presidente do CSMDr. António Nunes Ferreira Girão

Juiz Conselheiro

Esta iniciativa de posse conjunta de juízes em regime de estágio, nas instalações do Conselho Superior da Magistratura (CSM), partiu de uma conversa com a Exma. Directora Adjunta do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), Desembargadora Fernanda Isabel.

Lembrando-me de que iria ter lugar uma cerimónia similar com os Juízes de 1.ª nomeação - como efectivamente veio a ter lugar no passado dia 3, no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça - logo anuí à ideia e transmiti-a ao Exmo. Presidente que a aceitou sem hesitação, como era de esperar.

E aqui estamos, nestas novas instalações do Conselho, a dar também um novo passo com este ritual, que pretende simbolizar, além do mais, a definição constitucional de que os Juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto - n.º 1 do artigo 215.º.

São importantes estes sinais de pertença.

Mesmo nas pessoas que, como os Juízes, em especial os Juízes, exercem uma actividade com independência, por terem que ser imparciais.

Naturalmente que uma coisa não interfere com a outra. Antes pelo contrário.

Precisamos de saber que não estamos isolados nesta actividade já de si tão solitária, tão incompreendida e tão criticada, as mais das vezes de uma forma fácil, para não dizer primária.

Não obstante, tenho que salientar a forma serena e digna, verdadeiramente exemplar e profissional com que a Judicatura portuguesa tem, na sua generalidade, sabido comportar-se perante essas atoardas.

E é esse caminho de serenidade e dignidade que me permito exortar-vos a trilhar.

Agora que ides contactar com a realidade do mundo judiciário, não esqueçais o vosso papel de charneira, de elo comunicacional privilegiado entre quem julga e quem é julgado.

Li, há tempos, penso que num caderno do jornal Expresso, um artigo muito interessante pela sua argúcia sociológica, do qual retive esta ideia expressa pelo articulista - de uma forma, claro, literariamente brilhante:

- há pessoas que se comportam de uma forma convencidamente dita de pós moderna e elegante e ignoram

Posse dos Juízes Estagiários - XXVI Curso

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23Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

que a expressão máxima da elegância continua a ser a cedência da passagem aos outros.

É isso mesmo.A vida precisa de ser vivida com

um toque de elegância, conceito que, para além da sua expressão estética, contém um princípio comportamental muito importante - o respeito pelos outros.

Vereis que, com elegância, tudo vos será mais fácil.

Dois exemplos comezinhos, se me permitis:

- chamar os Advogados ao vosso Gabinete para os cumprimentar e para lhes comunicar assuntos de serviço, designadamente os adiamentos;

- informar e explicar a todas as pessoas intervenientes na diligência atrasada ou adiada, as razões do atraso ou do adiamento.

Mas não quero abusar da vossa paciência, nem da indulgência do Senhor Presidente.

O que eu quero - e todos nós - é que sejais felizes, o que tão mais facilmente acontecerá quanto melhor vos correr a vida profissional.

O CSM tudo fará para, em estreita colaboração com o CEJ, vos ajudar nestes primeiros passos.

O CSM não se reduz às tarefas burocráticas, apesar de muito importantes, de gestão e de disciplina dos Juízes previstas na Constituição.

Tem vindo a ser preocupação crescente do CSM também a de, sem extravasar as suas legais competências, apoiar os Juízes em tudo o que for possível e se justificar.

E agora com a implementação em curso do tão almejado Gabinete de Comunicação e com a actualização do nosso site, esse apoio passará a ter mais qualidade e tenderá a ser cada vez mais oportuno.

Pelo menos é essa a nossa intenção e é para isso que estamos a trabalhar com todo o entusiasmo.

Boa sorte a todos!Grato pela vossa elegante

atenção!

António Nunes Ferreira GirãoLisboa, 08 de Setembro de 2009

Foto infra: Aspecto parcial da assistência

Discursos

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24 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Sessão de Inauguração da nova sede do C.S.M.

CSM, Lisboa, 16 de Setembro 2009

No dia 16 de Setembro de 2009, pelas 16:00 hr., decorreu a sessão oficial de inauguração do novo edifício sede do Conselho Superior da Magistra-tura, sito na Rua Mouzinho da Silveira, n.º 10, em Lisboa, a qual contou com a presença dos Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, do Ministro da Justiça, do Procurador-Ge-ral da República e do Bastonário da Ordem dos Advogados, entre outras entidades.

Discurso de Sua Excelência,o Vice-Presidente do CSMDr. António Nunes Ferreira Girão

Juiz Conselheiro

Exmº Senhor Presidente do STJ e do CSM Exmº Senhor Presidente do STA

Exmº Senhor Presidente do T. de Contas Exmº Senhor Ministro da Justiça

Exmº Senhor Procurador-Geral da República Exmº Senhor Bastonário da OA

Exmº Senhor Sec. de Estado Adj. e da Justiça Exmºs Senhores Vice-Presidentes do STJ

Exmº Senhor Ex-Presidente do STJ e do CSM Exmº Senhor Ex-Vice-Presidente do CSM

Exmºs Senhores Presidentes das Relações Exmºs Senhores Vogais do CSM

Exmºs Senhores Inspectores Judiciais Exmº Senhor Presidente da ASJP Exmª Senhora Directora do CEJ

Exmª Senhora Directora Geral da Adm.Justiça Exmª Juíza Sec. do CSM

Exmºs Directores Adjuntos do CEJMinhas Senhoras e meus Senhores:

Há um ano, na comunicação que escrevi, em termos de balanço sobre o decurso de meio mandato, para o primeiro número do Boletim do Conselho Superior da Magistratura (CSM) editado em suporte informático, tive ocasião de salientar que, dada a premência da implementação da nova estrutura, o êxito do processo de adaptação dos serviços existentes, no prazo de dois anos a contar de 1 de Janeiro de 2008, como determina o n.º 3 do artigo 24 da Lei 36/2007, de 14 de Agosto, dependia de duas condicionantes de execução imediata.

Uma dessas condicionantes consistia no preenchimento dos dois quadros directivos previstos na Lei e essenciais à elaboração do (primeiro) orçamento próprio do Conselho e à organização do mapa do pessoal.

A outra condicionante era a da mudança de instalações, pois que as que serviram de sede do Conselho, durante anos, no Largo do Corpo Santo e ultimamente partilhadas com serviços e gabinetes do Tribunal da Relação de Lisboa, eram manifestamente insuficientes e exigiam obras de adaptação incompatíveis com a nossa permanência enquanto perdurasse a execução dessas mesmas obras.

Sessão de Inauiguração da nova sede do CSM

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25Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Iniciados os procedimentos prospectivos exigidos por lei e obtida a resposta dos competentes serviços no sentido de que não dispunham de qualquer espaço que satisfizesse as nossas necessidades e numa destas circunstâncias que decorrem dos acasos da vida - acasos que, normalmente, exigem muita dedicação e trabalho - tivemos conhecimento da existência deste prédio, que logo nos seduziu pelas três qualidades que ostenta:

- localização;- funcionalidade;- modernidade.Depois..., bom... depois foi a saga,

conhecida de muitos, até conseguirmos a formalização do contrato de arrendamento, ocorrida no dia 21 do mês de Julho passado e sem o qual não poderíamos estar aqui hoje a festejar a inauguração da nova sede, ainda dentro do prazo de dois anos previstos na Lei Orgânica para a adaptação dos serviços.

É certo que as coisas boas da vida são tão mais apreciadas quanto mais custosa é a sua obtenção, como certo é ainda que as dificuldades por que passamos enriquecem-nos e fortalecem-nos.

É certo, mas nada de exageros!

Seja-me permitido o desabafo, acho que deveria e poderia ter sido evitado todo o enorme desgaste psicológico a que fomos submetidos, durante os mais de seis meses que durou o processo de consulta aos serviços do Ministério das Finanças para conseguirmos a autorização do montante da renda acordada com a empresa senhoria.

Apesar da renda estipulada - mesmo com a inclusão do preço das obras de adaptação - ser inferior à que era praticada no arrendamento das instalações do Largo do Corpo Santo, impuseram-nos reavaliações e justificações sucessivas, a que se seguiu um silêncio, não ensurdecedor, como é agora o modismo adjectivante, mas demolidor em termos de expectativas.

Seria que, já depois de efectuada a mudança, obviamente apoiada não só em inequívocas informações de que poderíamos avançar, como ainda no contrato-promessa entretanto

Discursos

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26 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

formalizado, nos iriam negar a autorização do arrendamento?

Era, naturalmente, esta a interpelação que nos fazíamos a nós próprios.

Eis senão quando, em Maio último, em surpreendente contradição com o já referido processo de exigência probatória sobre a justeza do montante da renda, recebemos a lacónica informação de que, afinal, não era necessária qualquer autorização, pois que o acto cabia no âmbito das competências específicas do Conselho Superior da Magistratura, como órgão administrativa e financeiramente autónomo que passou a ser com a publicação da Lei Orgânica !!!

Convenhamos que o Conselho Superior da Magistratura merecia outro tratamento!...

E tem de merecer, na verdade, mais atenção, designadamente a nível orçamental, se se quiser respeitar e preservar a dignidade institucional que os constituintes decidiram, com toda a legitimidade representativa do povo português, atribuir-lhe.

De nada vale, de facto, alardear um estatuto de autonomia administrativa e financeira se o Conselho não for dotado das verbas indispensáveis ao seu normal funcionamento, em toda a plenitude do seu novo arquétipo orgânico-estrutural.

Uma forma de colmatar a ausência de receitas próprias do CSM e de ao mesmo tempo justificar a autonomia financeira, que, pela Lei 36/2007 de 14 de Agosto, lhe foi concedida, será colocar o Conselho - já o tenho dito -- a compartilhar do bolo das receitas decorrentes da actividade dos tribunais (custas e demais encargos), a par das outras instituições que já beneficiam dessa partilha.

Tanto mais que algumas destas instituições pouca ou nenhuma conexão apresentam com a actividade judicial, o que ainda mais contribui para acentuar a iniquidade de o Conselho Superior da Magistratura - Órgão ao qual compete, nos termos do nº1 do artigo 217 da Constituição da República Portuguesa, a nomeação, a colocação, a transferência a promoção e ainda o exercício da acção disciplinar relativamente aos juízes que trabalham nesses mesmos tribunais -- ficar arredado desses proventos judiciários.

No entanto e em contrapartida manda a verdade que se diga que contámos sempre, em todo este difícil processo, com o eficaz empenho do Gabinete do Ministério da Justiça em desbloquear não só esta situação,

Sessão de Inauiguração da nova sede do CSM

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como também todas as demais, não menos preocupantes, em especial as atinentes ao indispensável reforço de verbas consideradas necessárias.

Como também é de toda a justiça salientar a paciente compreensão da senhoria, que, apesar destas demoras na concretização do contrato, cumpriu sempre escrupulosamente os compromissos que assumira perante o Conselho, designadamente os concernentes às obras.

Excelências!Não obstante estas consabidas

dificuldades e sem quaisquer intuitos panfletários ou auto-justificativos, é com o conforto de quem sempre se preocupou em tentar cumprir, o melhor possível e no tempo cominado, aquilo a que se comprometeu que tenho a honra de vos anunciar que a adaptação dos serviços ao novo quadro orgânico -- nas suas traves mestras, obviamente - fica ultimada dentro do prazo de dois anos a que se reporta o nº1 do artigo 24 da Lei 36/2007, ou seja até ao final do corrente ano.

Efectivamente e na sequência do deliberado na última sessão plenária que teve lugar em Julho passado, já começou a dar os primeiros passos funcionais o Gabinete de comunicação, relações institucionais, estudos e planeamento, com o preenchimento, há pouco mais de uma semana, de um dos dois lugares destinados, obrigatoriamente, a profissionais da comunicação social.

Com isso deu-se início à instalação da última das subestruturas que faltava impulsionar.

A última -- e aportuguesando o conhecido aforismo de raiz anglicana -- mas não a menos importante.

Nosso velho sonho, o Gabinete de comunicação pode ser o principio -- já não digo de uma longa amizade, como a que verbalizou um dos protagonistas na cena final do conhecido filme Casablanca, -- mas de uma honesta e competente colaboração entre os tribunais e os media, tendo sempre em vista uma cidadania cada vez mais informada.

A propósito, não posso deixar de realçar e de enaltecer a serenidade, verdadeiramente profissional, da generalidade da nossa Judicatura perante a forma primária e demagógica por que, frequentemente, é analisada a Justiça em geral e são comentadas as decisões dos juízes, em particular, numa confusa mistura - intencional, umas vezes, fruto de atrevida ignorância, outras -- das funções próprias de cada uma das magistraturas e das

Discursos

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correspondentes responsabilidades.Análises essas, por isso,

deslegitimadoras e descredibilizadoras da crítica que lhes subjaz, crítica que, quando séria e elevada, constitui um imprescindível e valioso elemento de melhoria das instituições e do seu funcionamento.

Daí que seja muito importante termos começado a instalação do Gabinete de Comunicação para tentarmos, finalmente, tornar o discurso judiciário entendível pela generalidade dos destinatários e assegurar ainda uma permanente e actualizada informação sobre o que mais de relevante vai acontecendo no meio judiciário, mormente sobre o processamento dos casos mediáticos.

Esta actividade informativa do CSM é muito importante e indispensável ao esclarecimento público de maneira a começar-se a inverter esta tendência obsessivamente negativista que grassa, na opinião publicada, sobre a Justiça em Portugal.

É certo que a inteligência comum dos portugueses não se deixa enganar

pelos excessos que ouve e que vê. Sabe que, por exemplo, os atrasos processuais - o principal estigma da Justiça - se ficam a dever a uma concorrência de causas e que, consequentemente, não são sérias as análises que, embora reconhecendo essa notória concausalidade, concluem, contraditoriamente, pela exclusiva responsabilização dos juízes.

Desde uma prolixa e pouco cuidada produção legislativa - como já foi recentemente frisado pelo Senhor Presidente da República - até uma generalizada e excessiva judicialização da conflitualidade social - em desadequada e desatempada substituição dos demais reguladores sociais --, tudo tem contribuído para uma deficiente resposta às solicitações de uma cidadania cada vez mais exigente, porque cada vez mais consciente dos seus direitos.

Já no século XVI, Thomas More escrevia na sua célebre obra Utopia que os utopianos, os habitantes desse imaginário país, possuíam apenas um número muito restrito de leis, pois para um povo tão instruído poucas leis eram necessárias e, por isso, desaprovavam principalmente nos outros povos o número interminável de leis e comentários sobre as mesmas e que esses povos consideravam, ainda assim, insuficientes.

E nem se diga que isto não passa de mera utopia. A utopia, o sonho, é intrinsecamente

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humano e, por isso, essencial à criação e à maturação dos valores que caracterizam e distinguem a humanidade.

Sejamos, portanto, utópicos. Ao menos hoje que é dia de festa.

Daniel Bensaid, professor da Universidade de Paris VIII, para escrever o seu interessante livro «Quem é o Juiz?» partiu de uma constatação e de uma inquietude: o frenesim de julgamento que assombra a nossa época.

Toda a gente, escreve Bensaid, quer julgar toda a gente, numa escalada penal pensada como paliativo do declínio do civismo.

Penso que não é com a culpabilização recíproca, neste modismo paranóico de encontrar um culpado para tudo o que corre mal -- nem que se trate de uma acidente da natureza, como argutamente observou o crítico João Lopes numa das suas recentes crónicas do Diário de Notícias, a propósito do trágico desabamento da falésia no Algarve - que encontraremos a solução dos problemas, designadamente os da Justiça.

É com a concorrência de esforços de todos. Incluindo os da própria cidadania: não faltando, por exemplo, aos actos jurisdicionais para que é convocada, não juntando justificações (designadamente de cariz médico) falsas, não testemunhando (também, muitas vezes, falsamente) a favor da parte por quem é arrolada, em vez de testemunhar pela verdade que

conhece, etc.A justiça é feita por todos e

não apenas pelo legislador e pelos intérpretes/aplicadores da lei.

Quanto a estes cada vez mais me convenço de que urge um, já não utópico, mas real sincronismo entre os respectivos órgãos de cúpula.

Só assim, com análise sérias e concertadas sobre o estado da justiça, as suas insuficiências e respectivas causas, é que poderá almejar-se soluções correctas e atempadas que anulem ou minimizem essas insuficiências.

Na medida das suas possibilidades o CSM tem-se esforçado nessa colaboração, designadamente quando é solicitado quer pela Assembleia da República, quer pelo Governo para emitir parecer, nos termos legais, sobre os projectos e propostas de diplomas, maxime sobre os que se destinam a regular a organização judiciária.

Colaboração essa normalmente reconhecida - com toda a honra o afirmo - pela sua seriedade e excelência técnica.

Discursos

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30 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Não temos também regateado esforços na execução das sucessivas alterações quer no âmbito estatutário, quer no âmbito da organização e da modernização judiciárias.

Concretamente no âmbito do programa de informatização Citius e do novo mapa judiciário, acompanhando e dando todo o apoio aos Juízes, nomeadamente aos Presidentes das três novas Comarcas-piloto.

Seja pessoalmente, seja pelos demais meios comunicacionais, o Conselho, através de qualquer dos seus membros, (Presidente, Vice-Presidente, Vogais distritais), tem mantido permanente contacto com os Presidentes das novas comarcas de forma a ajudá-los nas suas múltiplas e importantes funções.

Por exemplo, no que concerne à composição dos respectivos Gabinetes de Apoio de acordo com o quadro de elementos estabelecido em Portaria recentemente publicada, o CSM logo solicitou aos referidos Ex.mos Presidentes informação sobre os lugares que preferencialmente

consideravam ser de preencher nas respectivas comarcas, estando em curso este processo por forma a ser considerado em próxima sessão da Secção de Acompanhamento e Ligação aos Tribunais Judiciais (SALTJ).

Em simultâneo solicitou-se ao Ministério da Justiça a transferência e cativação da verba considerada necessária para a abertura dos subsequentes concursos.

Por falar em Secções, ambas as Secções organicamente previstas - a Secção de acompanhamento e ligação aos tribunais judiciais (SALTJ) e a Secção de acompanhamento das acções de formação e do recrutamento (SAAFR) - estão a funcionar com regularidade.

A primeira (a SALTJ) tem tido fundamental relevância para uma rápida e uniforme resposta aos frequentes problemas de funcionamento dos tribunais judiciais, em especial os conexionados com a gestão dos juízes.

A segunda (SAAFR) tem vindo a cumprir a sua importante tarefa, quer com a indispensável regulamentação do acesso dos juízes à frequência de actividades e de cursos de valorização profissional, quer com a realização de acções de formação, sendo que duas delas tiveram lugar antes das férias judiciais, estando a terceira prevista para o próximo mês de Outubro.

Tarefa delicada e difícil é, como se sabe, a da elaboração do mapa das férias dos juízes, elaboração esta que compreende vários patamares, sendo

Sessão de Inauiguração da nova sede do CSM

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31Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

o último o do Conselho, cabendo-lhe averiguar se a elaboração dos mapas se contém dentro dos respectivos parâmetros.

Não só dos previstos na lei, mas também dos complementarmente estabelecidos numa deliberação do Plenário de 2005, a qual, pelo que nos apercebemos do teor das reclamações, não foi suficientemente difundida pelos Juízes.

Ora, et pour cause, para além de constituir uma prioridade do Conselho a reanálise da questão das férias pessoais dos juízes por forma a encontrar critérios mais eficazes de aplicação da lei vigente, é também esta importante vertente - a da difusão, quer interna, quer externa, das actividades e das competências do Conselho- que estamos a tentar melhorar, agilizando os imprescindíveis meios informáticos, maxime o site privativo do CSM.

Enfim, Excelências, peço desculpa do abusivo massacre a que estou a submeter a vossa paciência, mas não podia deixar de aproveitar esta oportunidade - única -- de cumprir o dever a que qualquer organismo público está adstrito e que é o de prestar contas à comunidade daquilo que está a fazer (ou a não fazer) no âmbito do escopo que fundamenta a sua existência.

E mesmo para terminar, tentando ser o mais objectivo possível numa análise que, obviamente, não poderia nunca fugir à humana subjectividade de quem a faz, atrevo-me a dizer a Vossas Excelências que entendo estarem cimentados os alicerces logísticos e orgânicos em que há-de assentar a nova estrutura gizada pela Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura, por forma a poder dar-se resposta ágil e adequada a toda a plêiade de questões que, dentro das suas competências, o CSM tem de resolver, sem deixar de assumir, também e sempre que possível, a iniciativa de propor as medidas, designadamente as que exijam forma legal, indispensáveis a essa resposta.

Foi este, aliás, o anunciado e prometido leit motiv do vigente mandato.

Muito obrigado pela vossa atenta presença.

O Vice-Presidente, António Nunes Ferreira Girão

Discursos

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VI Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura

Tomar, 25 de Setembro de 2009

Discurso de Sua Excelência,o Presidente do CSM e do STJDr. Luís António Noronha Nascimento

Juiz Conselheiro

Iniciamos, hoje, nesta bela cidade de Tomar, mais um Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura, convocando os juízes do nosso país, debruçando-nos e debatendo durante dois dias um dos temas candentes dos últimos anos: a responsabilidade extra-contratual do Estado e demais entidades públicas, nas suas diversas vertentes, nas modalidades diferentes de nexo de imputação e nos seus diversos factos causadores adequados da responsabilidade.

Como de costume, não se trata de um Encontro qualquer: o cuidado sempre posto pelo C.S.M. na escolha dos conferencistas e moderadores que vamos ter o prazer de ouvir, é o garante da qualidade que o Encontro terá seguramente.

Desde logo, e antes de mais, o nosso agradecimento a todos os ilustres intervenientes que propiciarão o sucesso do Encontro (juízes-conselheiros, professores universitários, advogados), o nosso obrigado a todos os Colegas que vieram a Tomar (Colegas sem os quais o encontro perdia todo o sentido)

e ao pequeno-grande staff que pôs de pé a sua estrutura logística fazendo jus àquela certeza de que quantas vezes um número escasso é sinónimo de qualidade.

ColegasO regime de responsabilidade

civil extra-contratual que a Lei nº 67/2007 consagrou, insere-se num conjunto de preocupações similares dos países da União, centrem-se estas nos parâmetros da defesa dos direitos fundamentais do cidadão, centrem-se elas nos patamares da defesa dos direitos do consumidor.

Seja o cidadão que vê atingidos valores fundamentais da sua esfera jurídica que, por isso, devem ser ressarcidos, seja o consumidor a quem não é garantida a qualidade de um produto essencial à realização da sua personalidade (a morosidade processual é, muitas vezes, vista sob

Sessão de Abertura do VI Encontro Anual do CSM

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esta óptica), situa-se aqui o ponto nodal de partida do regime que aquela Lei corporizou.

Dos vários capítulos que ela encarna, um deles - precisamente o que confina e se conexiona com o Judiciário - abordaremos mais em pormenor: o da responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional.

Facilmente se visionam, nesta área, dois campos diferentes de responsabilização: o que decorre da má administração da justiça, principalmente o da decisão proferida em prazo inadmissível e o do erro judiciário com a conexa responsabilidade do magistrado em eventual acção de regresso.

Este regime legal não é inteiramente novo.

A nossa lei conhece, de há muito, normas diversas que estabelecem zonas específicas de responsabilidade do estado e/ou dos juízes: o art. 225º do C.P.Penal no tocante à prisão preventiva e que ainda hoje tem a autonomia sistemática que o art.º 13.º da Lei n.º 67/2007 lhe destina; o decreto-lei n.º 48051,de 21/11/67 e - antes de todos - os antigos códigos de processo civil que previam a responsabilidade civil do juiz por crimes no exercício de funções (peita, suborno, concussão, prevaricação), por denegação de justiça e por dolo, mas não por culpa grave hoje introduzida no novo regime e ainda o velho Código Civil de Seabra

onde já se regulava a responsabilidade por erro judiciário (art.º 2401.º).

De todo o modo, a Lei n.º 67/2007 representa um marco diferente na temática da responsabilização do Estado e entes públicos.

Se nos debruçarmos, porém, sobre o regime fixado sobre a responsabilidade do Estado por "delais" excessivo, por morosidade inadmissível na decisão do caso, concluiremos que o Estado é masoquista: regula a sua própria responsabilidade sem se preocupar pelo exercício do direito de regresso sobre alguns dos verdadeiros responsáveis pelo atraso e sem se preocupar, sequer, em eliminar as arestas de morosidade que o actual processo carrega consigo.

Exceptuando os casos específicos de violações disciplinares de juízes e funcionários que relevam da competência própria dos seus Conselhos, uma das causas estruturantes da morosidade radica na filosofia inscrita nos códigos de processo civil e penal com um garantismo que, por vezes, se alimenta em circuito fechado.

No processo civil, por exemplo, uma acção declarativa ordinária sem incidentes, despachada e cumprida sempre em prazo, demora mais, hoje, com o código de 1997 do que demorava com o código de 1961; para o confirmar basta fazer as contas.

Como é possível criar um novo paradigma processual com a finalidade, entre outras, de combater

Discursos

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a morosidade (a fixação consensual da base instrutória filia-se nisso mesmo) e termos, afinal, um resultado que desmente essas intenções?

Todo o código de processo tem que prever incidentes da instância.

O problema não é esse; o problema existe quando os incidentes são dilatoriamente instrumentalizados pela parte a quem aproveita o arrastamento indefinido e longínquo da acção.

Com a utilização de incidentes e de outros mecanismos processuais instrumentalizados dilatoriamente a parte que os gere está - distorcendo o fim útil em função do qual foram pensados - a abrir a porta ao "delais" excessivo e à possível responsabilização do Estado a pedido da contraparte.

O Estado responsabiliza-se, assim, no regime actual perante o lesado mas nada faz para pedir contas à parte que, distorcendo o processo, fez deste o uso anormal que levou ao ilícito.

Este é, sem dúvida, um dos apagões da lei, que o futuro terá que repensar alterando os parâmetros do art.º 12.º, sob pena de regressarmos a um tempo perdido.

Responsabilizar a parte que usou dilatoriamente o processo, conferindo ao Estado direito de regresso e responsabilizar, por extensão, o seu mandatário nos casos em que este é condenado por litigância de má-fé por factos causais dessa dilação, é o mínimo ético admissível nesta área.

*

Recentemente toda esta problemática se potenciou com a introdução, em programas eleitorais, de uma regra nova: sugeriu-se, seguindo o que se fez em França, Finlândia, Geórgia, Grécia e Letónia a fixação de um prazo indicativo para a decisão final de um processo.

Uma regra destas é, por si, inaplicável aos processos civil e penal que hoje nos regem; ela só é viável com a reforma completa do paradigma processual, ou seja, ela só é viável se o juiz for verdadeira e efectivamente o dono do processo.

Não tenhamos medo de assumir o que provoca ondas de choque: enquanto se permitir às partes a execução de toda a táctica processual, de um cattenaccio que coloca sempre o processo a meio campo, onde o timing processual fica substancialmente nas mãos da parte que o pode manipular, enquanto o juiz não for o dono do processo impondo as regras e a sua execução, falar em prazos de decisão pouco mais é do que um voto piedoso que acaba ao dobrar da esquina.

Sessão de Abertura do VI Encontro Anual do CSM

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Os exemplos que o confirmam vêm de tempos imemoriais desde, vai para quarenta anos, o célebre julgamento da herança Sommer até aos mais recentes, nomeadamente àquele que - ainda pendente - dará um dia para um estudo perfeito do mundo circular processual que nos envolve.

O juiz terá, necessariamente, que deter poderes processuais discricionários como os juízes saxónicos para parar ou evitar incidentes dilatórios, muitas deles em cascata (dos poucos que possuía no código de processo civil de 1961 quase todos desapareceram no novo código; veja-se o caso do art. 1041º do código de 1961 quanto aos embargos de terceiro, essencial para a tramitação rápida e que foi puramente eliminado); o juiz tem que deter, afinal, o conjunto racional de poderes de polícia processual que vemos constantemente atribuídos aos juízes dos tribunais arbitrais nas cláusulas compromissórias.

O processo tem dois princípios estruturantes: o da igualdade das partes e o do contraditório; o resto ou são desenvolvimentos deles ou regras técnicas.

O processo arbitral constituído para as grandes causas, e tão frequentemente celebrado, tem todos os ingredientes que deverão ser atribuídos ao juiz do processo estatal: o poder de fixar as regras que vão reger o processo, o de limitar o tempo da instância das partes, o de limitar o

número de testemunhas, o de recusar incidentes inúteis e dilatórios, o de fixar prazos procedimentais curtos, etc, etc,; ponto, sim, é que cumpra aqueles requisitos inalienáveis da igualdade e do contraditório.

É um modelo assim que o Estado terá que transpor rapidamente para o processo público sob pena de andar sistematicamente a pagar indemnizações por não pôr ordem naquilo que já há muito devia ter corrigido.

Temos, no nosso direito civil, uma forma processual flexível, célere, que é a matriz do processo arbitral mas à qual o legislador atribuiu um peso meramente periférico: o processo de jurisdição voluntária.

Diríamos que está aí um bom ponto de partida; porque talvez mais depressa do que pensamos, seremos provavelmente chamados ao repto lançado há dias pelo antigo Procurador-geral da República, Cunha Rodrigues: a modificação do processo que temos para um paradigma estruturalmente oral porque a versão escrita começa a ficar indelevelmente ultrapassada com a velocidade supersónica do século XXI.

Em 1997, em Viseu, no V Congresso dos Juízes portugueses, tivemos uma intervenção muito crítica àcerca das alterações do processo civil e que foi mal recebida por vários sectores jurídicos do país. Avaliem-se, doze anos depois, os efeitos dessas alterações,

Discursos

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compare-se com o que então dissemos e tirem-se conclusões para memória futura.

*Perante tudo isto é inócuo fixar um

sistema remuneratório diferenciado para os juízes com base na produtividade centrada no quantitativo processual despachado.

Sistema esse que somente três países adoptaram sem grandes resultados (França, Espanha e Bulgária) e que num deles, Espanha, já faliu e noutro, França, não parece estar a ser muito feliz.

Aliás, se a memória dos homens não for tão curta assim, ainda haverá quem se lembre de um sistema similar em Portugal que deu o que deu: os emolumentos por lauda no qual se pagava em função das linhas produzidas.

Actos que se fariam em três linhas alongavam-se por trinta, tal como agora o que se não consegue fazer em menos de trinta poderá ter o milagre de caber em três.

*Mas se a responsabilidade por

danos advenientes da morosidade justifica o que dissemos, o mesmo não diremos da responsabilidade por erro judiciário.

Aqui, o legislador teve mais cuidado: impôs a responsabilização directa do Estado - mandante como se faz em toda a Europa (apenas com a excepção espúria da Espanha),impôs

a obrigatoriedade da chancela jurisdicional da sentença revogatória por tribunal superior, e um direito de regresso sujeito à apreciação do C.S.M como condições de salvaguarda que constituem defesas para quem exerce uma função de soberania.

Criticável a nosso ver será, tão só, a falta de tipificação vinculada da infracção quando há erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que conduz à prisão preventiva; porque bem melhor é a solução italiana tipificando cuidadosamente o erro em caso tão melindroso num julgamento concreto da matéria de facto.

A versão portuguesa do art.º 13.º n.º 1 é, neste particular, fluida e redonda e, por isso, perigosa.

Casos recentes parecem vir a confirmar isso mesmo; mas aí, a culpa será não tanto do regime legal da responsabilidade civil extra-contratual do Estado mas sim do sistema antigo de nomeação de juízes em início de carreira para tribunais que deviam exigir uma experiência longa, de modo a que a apreciação da matéria de facto

Sessão de Abertura do VI Encontro Anual do CSM

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fizesse já parte do bornal de sabedoria do juiz, principalmente quando o que se decide contende com direitos fundamentais do cidadão.

Toda esta problemática assume acuidade especial nos casos de prisão preventiva, ou seja, naquilo a que Costa Andrade designa por decisões de risco porque jogam com factos fluidos que se projectam no futuro e que exigem do juiz uma previsão adivinhatória sustentada na previsibilidade que o futuro pode desmentir.

É aqui que recobra toda a importância a previsão da lei italiana sobre o erro grosseiro no julgamento dos pressupostos do facto; porque o carácter vinculado que a lei italiana confere às hipóteses que regula, reduz a limites correctos o perigo que a decisão de risco comporta.

Terá que ser este, a nosso ver, o sentido da alteração a introduzir, a curto prazo, na previsão do art.º 13.º.

Colegas:A responsabilidade civil dos

juízes por via da acção de regresso assenta estruturalmente no carácter burocrático da sua carreira de base (o modelo continental dominante na Europa), ou seja, assenta na ausência de nomeação política; a comprová-lo temos a visão diversa que nos é dada pelo modelo saxónico.

Com o tempo, porém, o alargamento dessa responsabilidade foi abrangendo, na Europa continental, aqueles outros juízes que fundam a sua legitimidade

na designação política, tudo ao abrigo da coerência igualitária do sistema, abrindo brechas crescentes no princípio nuclear da irresponsabilidade dos titulares de órgãos de soberania e criando situações difíceis de gerir como a que ocorreu em Espanha nos fins de 2003, princípios de 2004, na sequência de um recurso de amparo.

Simplesmente, a questão que se coloca cada vez mais é já outra: a que título aquele modelo de responsabilidade não se alarga a outros titulares de soberania, para além dos juízes, quando há casos de dano efectivo que atingem o cidadão e com similares patamares de intensidade na imputação da culpa?

Não é difícil visualizar exemplos concretos disso mesmo, nomeadamente no âmbito da manifesta inconstitucionalidade ou de opções políticas subsequentes a declarações preventivas de inconstitucionalidade.

Estamos no início do século XXI; e provavelmente este não vai ser apenas um século de grandes migrações e de recomposições geográficas de riqueza medeadas por crises económicas

Talvez, por isso, comece a aparecer quem, recorrentemente, e incomodando a bonomia das nossas certezas, pergunte afinal por quem é que os sinos dobram.

Tomar, 25 de Setembro de 2009Luís António Noronha Nascimento

Presidente do STJ e do CSMJuiz Conselheiro

Discursos

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Gabinete do Presidente do Conselho Superior da Magistratura

Conselho Superior da Magistratura

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39Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Informações

Novas Instalações do Conselho Superior Magistratura

O Conselho Superior da Magistratura mudou no dia 1 de Março de 2009, a sua sede e instalações para a Rua Mouzinho da Silveira n.º 10, 1269- 273 em Lisboa (próximo da Praça Marquês de Pombal).

Os números de telefone de contacto (213220020) e de fax (213474918 e 213430056) mantêm-se os mesmos, bem como o contacto electrónico ([email protected]).

Tal mudança inseriu-se no processo de implementação da Lei n.º 36/2007, de 14.8.2007 (que aprovou o regime de organização e funcionamento do Conselho Superior da Magistratura) que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 e permite, outrossim, dar efectiva expressão à nova orgânica gizada naquele diploma.

O Conselho Superior da Magistratura terá muito prazer em contar com a presença dos Senhores Juízes nas novas instalações.

Renúncia do Exmo. VogalDr. Luís Máximo dos Santos

O Exmo. Vogal Dr. Luís Augusto Má-ximo dos Santos renunciou às funções exercidas no Conselho Superior da Ma-gistratura, com efeitos a partir de 22 de Abril de 2009.

Na Sessão Plenária do CSM, de 14.04.2009, o Exmo. Vogal reiterou a sua decisão plasmada na carta que dirigiu a Sua Excelência o Presidente do Conselho Superior da Magistratura, tendo proferido a seguinte declaração:

“1. Em conformidade com a comunicação que ontem enviei, por e-mail, a todos os membros, entreguei esta manhã ao nosso Presidente, o Senhor Juiz Conselheiro Luís Noronha Nascimento, uma carta em que renuncio, com efeitos a partir de 22 do corrente mês de Abril, ao cargo de vogal deste Conselho. Dei também conhecimento do facto ao Senhor Presidente da Assembleia da República, aos presidentes dos diferentes grupos parlamentares, bem como ao Senhor Ministro da Justiça.

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40 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

todo este período fundamentalmente por acreditar plenamente na adequação e virtualidades da sua composição plural e heterogénea para levar a cabo a nobre e crucial missão que lhe está cometida.

Na hora da partida, importa deixar devidamente assinalado quão grande foi o enriquecimento que o desempenho destas funções me propiciou enquanto pessoa, cidadão e jurista. Talvez em poucas outras funções fosse tão óbvio que o único benefício susceptível de ser extraído do seu exercício – e já não é pequeno – seria o da enorme satisfação cívica de participar e dar um contributo a um órgão tão importante para o funcionamento do Estado de Direito.

Durante estes anos conheci quatro presidentes e quatro vice-presidentes, impondo-se a este respeito uma palavra para testemunhar a angústia com que todos os que então integravam o Conselho viveram a doença que viria a vitimar, em pleno exercício do mandato, e com tanto ainda para dar, o ex-presidente Juiz Conselheiro Aragão Seia. Quanto aos vogais, importa mencionar as recomposições decorrentes das várias eleições realizadas entre os magistrados judiciais e dos sucessivos actos eleitorais para a Assembleia da República e para a eleição do Presidente da República.

3. Como é natural num período tão longo, houve, claro está, momentos mais delicados e complexos, fruto, designadamente, da conflitualidade e das vicissitudes por que, na última década, tem passado o sistema de justiça em Portugal. Porém, sempre se evitou que o debate resvalasse para a fulanização, esse tão antigo e pernicioso hábito nacional.

Por outro lado, mesmo quando o

Como todos sabem, sou membro do Conselho Superior da Magistratura (CSM), eleito pela Assembleia da República, há mais de 9 anos. Com efeito, fui eleito, pela primeira vez, em 16 de Dezembro de 1999, e fui posteriormente reeleito em 10 de Abril de 2003 e em 5 de Maio de 2005, emanando desta última reeleição o mandato em curso.

Durante todos estes anos, procurei dar o melhor de mim mesmo no cumprimento das exigentes funções de membro deste órgão, que é de vital importância para o bom funcionamento do Estado de Direito.

Porém, neste momento, razões que se prendem com compromissos de ordem profissional não me permitem continuar a dar ao CSM a disponibilidade que para ele sempre tive e o empenho que nele sempre pus.

Estando fora de causa continuar no CSM sem poder assegurar os padrões de exigência por que sempre procurei pautar a minha participação no mesmo, entendi que devia renunciar ao cargo.

Para tal decisão concorreu também a circunstância de se ter vindo progressivamente a enraizar em mim a convicção de que, após tão longa presença, talvez se tivesse já esgotado a eventual relevância do meu contributo para o funcionamento do Conselho, sendo por isso conveniente contribuir para a sua renovação.

2. Não foi, evidentemente, uma decisão tomada de ânimo leve. Ao longo de todos estes anos, criei uma ligação profunda ao Conselho e à sua missão, bem como à generalidade dos seus sucessivos membros que não é fácil fazer cessar.

Permaneci no Conselho durante

Renúncia de Exmo. Vogal

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debate foi mais vivo, as relações pessoais entre os membros foram sempre, com total naturalidade, plenamente preservadas. E, felizmente, os debates ocorridos no CSM quase nunca passaram para o domínio público. De facto, se é verdade que o CSM deve ser um órgão escrutinado, cada vez mais transparente nas suas decisões, como tantas vezes sustentei, é também muito importante que tudo isso ocorra num quadro que salvaguarde a discrição do funcionamento do órgão, sob pena de, se assim não acontecer, os portugueses perderem a confiança na Instituição e o Conselho falhar o bom cumprimento da sua missão.

Quero igualmente sublinhar que, a meu ver, o CSM é um órgão que tem vindo a fazer um percurso ascendente, ao contrário do que temos visto em muitas outras instituições do sistema de justiça e fora dele.

Considero que o balanço global da acção do CSM nestes anos em que dele fiz parte é claramente positivo. Diria mesmo que estamos a ganhar na comparação com outras instituições do sistema de justiça. Não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que o CSM é hoje um órgão mais profissionalizado, com melhor estrutura, com mais instrumentos de acção e, sobretudo, com uma muito mais clara percepção da sua importância e das suas potencialidades.

A nova orgânica do CSM, aprovada pela Lei n.º 36/2007, de 14 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008, é um dos factores que deve ser relevado no quadro desse percurso ascendente. Mas, obviamente, não passa de um instrumento. O que importa verdadeiramente é aquilo que o CSM se venha a mostrar capaz de

extrair da lei orgânica, isto é, as reais melhorias que resultarem para a sua acção em virtude do aproveitamento das potencialidades que a nova lei orgânica lhe veio conferir.

Como é evidente, o CSM pode e deve melhorar. Se, em geral, a satisfação com o que existe é sempre o primeiro passo para o declínio, no caso do CSM tal atitude seria ainda mais incompreensível. Aliás, os que conhecem bem o CSM são os seus maiores críticos, pois têm plena consciência das suas deficiências. Mas estão também animados por uma grande vontade em superá-las.

Actualmente, a implantação do novo mapa judiciário é um dos mais importantes desafios que se coloca ao CSM. A sua concretização reforça a capacidade de intervenção do CSM mas, precisamente por isso, confere-lhe também responsabilidades acrescidas, de que estou certo saberá estar à altura.

Um exemplo recente do que pode e deve ser a cooperação entre Instituições verificou se no plano da informatização dos tribunais, onde o Ministério da Justiça e o CSM se articularam em ordem a procurar garantir que as coisas corressem o melhor possível no momento especialmente difícil que é sempre o do início da aplicação de qualquer grande inovação.

O CSM é hoje, a meus olhos, uma Instituição que atingiu a plena maturidade mas que tem ainda vastas potencialidades por explorar e desenvolver. Contudo, importa estar atento, pois na vida das instituições, como na dos indivíduos, nunca nada está definitivamente adquirido.

A regressão é sempre possível, embora não acredite que isso venha a acontecer.

Informações

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42 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Finalmente, quero exprimir quanto esta experiência me enriqueceu, a todos os níveis, e salientar também o meu profundo reconhecimento e gratidão por todas as atenções que recebi do Senhor Presidente, do Senhor Vice-Presidente e dos demais membros do Conselho.

Nesse reconhecimento é de inteira justiça incluir igualmente a Senhora Juíza Secretária, cuja qualidade de acção se inscreve numa linha de continuidade relativamente a outros óptimos juízes secretários que conheci.

Quero também exprimir todo o meu apreço pela acção dos funcionários do Conselho, de quem igualmente sempre recebi provas de grande dedicação, empenho e competência. O CSM será, em larga medida, aquilo de que forem capazes as pessoas que nele trabalham. Por detrás de um bom CSM terá de estar uma boa estrutura, até porque os membros passam mas a Instituição fica.

A todos o meu muito obrigado».

Pelo Exmº Vogal Prof. Doutor Vera-Cruz-Pinto foi proferida a seguinte declaração, subscrita por todos os membros presentes:

“Com pena, senão mesmo com desgosto, vê o C.S.M. cessar funções um dos mais empenhados, competentes, argutos e dedicados vogais que o integraram. Fugindo aos lugares comuns próprios destas ocasiões e aceitando as razões pessoais invocadas pelo Dr. Luis Máximo que o impedem de continuar um percurso brilhante iniciado quando abraçou a causa de prestar serviço público em prol do bem comum no

C.S.M., não podemos deixar de notar o necessário empobrecimento das discussões e das nossas decisões que resultará da sua ausência e a imensa saudade do Dr. Máximo num futuro que é já hoje.”

Pelo Excelentíssimo Presidente foi manifestado ao membro cessante o apreço e a muita estima, face à elevada estatura pessoal, intelectual e profissional que sempre demonstrou, bem como ao contributo empenhado e à participação interessada que sempre manifestou durante o exercício da respectiva função, enquanto membro do Conselho Superior da Magistratura, tendo ainda expressado ao Exmº Vogal Dr. Luís Augusto Máximo dos Santos um sentimento de pena por vê-lo partir, na sequência do pedido de renúncia ao mandato que lhe foi conferido pela Assembleia da República.

Novo Vogal designado:Dr. Rui Serrão Patrício

Na sequência da renúncia pelo Exmo. Vogal Dr. Luís Augusto Máximo dos Santos, a Assembleia da República designou para Vogal do Conselho Su-perior da Magistratura, o Exmo. Dr. Rui Filipe Serra Serrão Patrício, Advogado e Professor Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Declaração n.º 3/2009, da Assembleia da República, Diário da República n.º 85, I Série, de 04.05.2009).

Renúncia de Exmo. Vogal | Novo Vogal designado

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43Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

VI Encontro Anual doConselho Superior Magistratura

Nos dias 25 e 26 de Setembro de 2009, o Conselho Superior da Magistratura realizou, na cidade de Tomar (Auditório da Biblioteca Municipal), o seu VI Encontro Anual, subordinado ao tema “A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado na administração da Justiça e no exercício da função jurisdicional” e que contou com a participação de mais de 100 Juízes.

Os Encontros Anuais do Conselho Superior da Magistratura vêm constituindo, desde o seu início, espaços de discussão sobre temas relevantes para a Magistratura Judicial, nos quais as perspectivas de intervenientes convidados exteriores à judicatura completam aquelas dos Juízes, sobre os temas propostos.

O regime de responsabilidade civil extra-contratual do Estado e das demais entidades públicas que a Lei nº 67/2007 consagrou, tem várias vertentes e as intervenções deste Encontro centraram-se nas diferentes modalidades de nexo de imputação e nos seus diversos factos causadores adequados à responsabilidade, na perspectiva dos danos decorrentes do exercício das actividades jurisdicional, administrativa e legislativa.

A Sessão de Abertura foi presidida e contou com uma comunicação de

Sua Excelência o Senhor Presidente do STJ e do CSM, Juiz Conselheiro Dr. Noronha Nascimento, tendo incluído também uma intervenção do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Tomar, entidade anfitriã, que muito apoiou a realização do Encontro.

De seguida, o Exmo. Prof. Doutor João Calvão da Silva (Professor da Faculdade Direito da Universidade de Coimbra e Vogal do CSM), proferiu uma comunicação subordinada ao tema “Responsabilidade civil extracontratual do Estado: o olhar do civilista”, a qual foi seguida por um muito interessante e informal debate.

Após o almoço, foram proferidas três comunicações. A primeira teve por tema “Aspectos processuais da Lei 67/2007 e responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional”, pelo Exmo. Juiz Conselheiro (Jubilado do STJ) Dr. José M. Pires Machado. De seguida, a Exma. Prof. Doutora Maria José Rangel Mesquita e a Exma. Prof. Doutora Carla Amado Gomes (ambas da Faculdade Direito da Universidade de Lisboa) abordaram, respectivamente, «o erro judiciário à luz do Direito Interno e do Direito da União Europeia» e a «Responsabilidade civil extracontratual da Administração: novidades e problemas». Após estas comunicações, decorreu mais um período de debate, muito participado e enriquecedor.

Encerrados os trabalhos nesse dia, os convidados e participantes

Informações

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44 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

reuniram-se num jantar-convívio oferecido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Tomar, que decorreu no espaço privilegiado do Convento de Cristo e incluiu um excelente programa cultural.

No dia 26, o Exmo. Juiz Conselheiro Dr. Carlos Fernandes Cadilha (Tribunal Constitucional) apresentou uma comunicação referente à «Responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da função administrativa» e o Exmo. Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida (membro do CSTAF) sobre a «Responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da função legislativa». Depois destas profundas intervenções, foi o Encontro valorizado por mais um período de debate reflexivo, com apresentação de várias questões práticas pelos convidados e participantes.

O VI Encontro foi encerrado pelo Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, Dr. António Nunes Ferreira Girão, em discurso onde afirmou os resultados muito positivos deste evento, assinalando a riqueza das intervenções e discussões ocorridas e a importância das matérias para a actividade do Conselho Superior da Magistratura e de todos os Juízes.Algumas das comunicações do Encontro já se encontram disponíveis, em texto integral, para consulta, no sítio da Internet do Conselho Superior da Magistratura (www.csm.org.pt/actividade/

encontroanual/137-6encontro).

Sítio da Internet doConselho Superior Magistratura

Na mesma data da sessão de inau-guração da nova sede do CSM e no âmbito da mesma dinâmica de mo-dernização, transparência e qualidade, procedeu-se à disponibilização do sítio do CSM com um novo layout e grafis-mo, mediante a classificação e disposi-ção dos conteúdos de uma forma mais intuitiva e de fácil acesso e consulta.

O sítio foi configurado com obser-vância das regras da acessibilidade e de compatibilidade com os principais browsers (navegadores de Internet), maxime na versão instalada nos com-putadores dos Tribunais e dos Juízes.

Além das secções referentes à ac-tividade, comunicação e publicações do CSM, bem como recursos e funcio-nalidades destinados aos magistrados judiciais foi criado um novo directório destinado a comunicados e informa-ções à Imprensa. O sítio, que tem sido actualizado várias vezes por semana, tem ainda uma Visita Virtual multime-dia às novas instalações do Conselho Superior da Magistratura.

VI Encontro Anual do CSM | Sítio da Internet do CSM

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45Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Cooperação Internacional

O Conselho Superior Magistratura - Relações Internacionais

Conforme informei no anterior boletim, o Conselho Superior da Magistratura é membro de duas organizações internacionais que promovem a cooperação e concertação entre os poderes judiciais dos diversos países que as integram e que são a Rede Europeia de Conselhos de Justiça (RECJ) e a Cimeira Judicial Ibero Americana (CJIA).

Este texto pretende dar a conhecer os projectos que vêm sendo desenvolvidos no âmbito destas organizações e também aqueles em que o CSM está a participar.

*Na RECJ, na prossecução dos seus

objectivos e como foi anteriormente relatado, encontram-se a ser tratados vários temas, por diferentes grupos de trabalho. São estes: Confiança recíproca das instituições da justiça, incluindo avaliação dos sistemas judiciais; Qualidade e acesso à justiça; O estatuto

dos juízes (incluindo independência); Ética judicial; Confiança na Justiça; Justiça criminal e E-justiça.

Na impossibilidade de participar em todos, desde logo por carência de meios humanos e materiais, mas reconhecendo a importância dos temas e com o fim de promover o conhecimento da nossa cultura e também a troca de experiências e saber profissionais e a cooperação recíprocas, o CSM entendeu participar nos três grupos de trabalho referidos em primeiro lugar.

Ainda no âmbito da RECJ encontram-se a funcionar três Comissões Permanentes, comissões estas criadas ao abrigo do art.º 9.º do

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estatutos da Rede e que têm como objectivo desenvolver as orientações e actividades desta organização no que respeita aos Assuntos Internos, Políticas da EU e Comunicação.

A Comissão “Políticas da EU” está actualmente a preparar um parecer sobre o futuro Programa de Justiça da U.E. (programa de Estocolmo).

Nos próximos dias 9 e 10 de Novembro ocorrerá em Bruxelas uma reunião conjunta das três Comissões com o objectivo de traçar o Plano Estratégico multi-anual para as mesmas.

O CSM participa na Comissão “Comunicação” e, far-se-á representar na reunião acima mencionada.

*Na CJIA, os países que a constituem

encontram-se a preparar a XV Reunião, a ter lugar no Uruguai em Abril de 2010, que tem como tema “o papel do juiz na sociedade contemporânea, a imagem da Justiça e as relações com a sociedade”.

Com esse fim foram já realizadas três reuniões de trabalho, com os peritos nomeados por cada instituição-membro e duas reuniões preparatórias. Nestas foram, pelos coordenadores nacionais, membros das instituições participantes, discutidos os temas escolhidos na primeira reunião e analisados os resultados alcançados pelos grupos

de trabalho para que os textos finais sejam aprovados na Cimeira pelos Presidentes de cada instituição.

Portugal, através do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura, encontra-se a participar nos grupos de trabalho “Manual de boas práticas sobre relações entre os Poderes Judiciais e os Meios de Comunicação” e “Gestão judicial e oralidade”, respectivamente.

Neste último grupo participamos a convite da Costa Rica, coordenador do grupo, por os representantes das organizações deste país terem entendido que seria importante contribuirmos para o tratamento do tema tendo em conta a nossa experiência no que respeita à utilização da oralidade nos actos judiciais.

Os resultados obtidos com o tratamento de cada tema (regras básicas, manuais de boas práticas, etc.) deverão ser utilizados por cada organização-membro como instrumento de trabalho na melhoria das instituições, dos sistemas e imagem da justiça e no fortalecimento e defesa do Poder Judicial, quer nas áreas da sua competência, quer sensibilizando as

entidades competentes para a respectiva execução.

Considero importante mencionar que, com o desenrolar dos trabalhos relativos à organização das diversas Cimeiras

Relações Internacionais

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entretanto ocorridas, foram criados vários “produtos” dessas mesmas Cimeiras, todos eles visando melhorar os sistemas de justiça, deles destacando, por me parecerem mais relevantes, “O Estatuto do Juiz Ibero-americano”; a “Rede Ibero-americana de Informação e Documentação Judicial” (IberIUS); a “Rede de Escolas Judiciais” (RIAEJ); a “Rede Ibero-americana de Assistência Judicial” (IberREDE); o “Sistema Ibero-americano de Informação Judicial (SIJ); e as “Regras de Brasília sobre acesso à Justiça das pessoas em condições de vulnerabilidade”.

O acesso a mais informação sobre qualquer destes “produtos” pode ser obtido no site da CJIA (www.cumbrejudicial.org).

*Por último cabe-me mencionar

que, em 6 de Maio do ano em curso foi aprovada em Madrid a Declaração Final estabelecendo Normas de Criação de uma Comissão Conjunta de Trabalho entre a Cimeira Judicial Ibero-americana e a Rede Europeia de Conselhos de Justiça, formalizando a criação dessa Comissão Conjunta e visando incrementar os contactos, cooperação e troca de conhecimentos entre os poderes judicias europeus e ibero-americanos, declaração essa que se publica neste boletim.

Alexandra Rolim MendesJuiz de DIreito - Vogal do CSM

Declaração Final da Primeira Reunião da Comissão Conjunta de Poderes Ju-diciais Europeus e Latino-Americanos

Os Membros Titulares da Comissão Conjunta de Poderes Judiciais Europeus e Latino-americanos e o seu Secretário Executivo, reunidos na cidade de Madrid, nos dias 6, 7 e 8 de Maio de 2009, por motivo da sua primeira reunião:

CONVENCIDOS da necessidade de fortalecer o estado democrático de direito, e da existência de uma identidade cultural comum, bem como de laços de amizade profunda entre os nossos povos.

HONRADOS com a responsabilidade que nos foi conferida pelas Assembleias Gerais da Rede Europeia de Conselhos do Judiciário e da Cimeira Judicial Ibero-americana.

CONSCIENTES da importância que a Comissão Conjunta de Poderes Judiciais das regiões europeia e latino-americana tem para o fortalecimento das relações entre os sistemas de justiça de ambas as regiões, bem como para o intercâmbio de informação e de experiências e boas práticas entre os mesmos, com o objectivo último de contribuir para o enriquecimento recíproco e para a melhora dos serviços que a justiça presta à nossa cidadania.

Cooperação Internacional

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ESPERANÇADOS de que no futuro possam atingir-se as condições para que a Rede de Presidentes dos Tribunais Supremos da União Europeia possa decidir se incorpora esta Comissão.

ASSUMIMOS o repto de cumprir fielmente as obrigações que nos foram atribuídas, partindo das vantagens que nos outorgam as analogias existentes entre os objectivos e os métodos de trabalho das nossas respectivas redes.

FELICITÁMOS o Ministro Presidente do Tribunal Superior de Justiça da República Federativa do Brasil, D. Cessar Asfor Rocha, eleito como primeiro Presidente da Comissão, bem como D. Hussein Ali Kalout, eleito Secretário Executivo da mesma.

ASSUMIMOS e tomámos como ponto de partida os acervos desenvolvidos pelas nossas respectivas redes, e em particular sublinhámos a importância do princípio de independência da justiça, como instrumento para garantir a protecção dos direitos fundamentais, bem como a transparência e a eficácia do funcionamento da justiça, a fim de obter a confiança da cidadania.

COMPROMETEMO-NOS a colaborar activamente no desenvolvimento de iniciativas comuns ou partilhadas, que podem ser muito úteis para a consolidação de uma justiça independente e eficaz tanto na Europa como na América Latina, de forma a que os resultados obtidos possam ser aproveitados por cada um dos países que integram as nossas redes.

ENTENDEMOS que a consecução dos nossos objectivos requer gradualidade e concentração de esforços, bem como um seguimento periódico dos resultados com o fim de realizar as correcções que sejam necessárias.

DECIDIMOS impulsionar desde já o plano de acção aprovado neste primeiro encontro, baseado em cinco eixos (informação, trabalho partilhado, financiamento, relações institucionais, estrutura orgânica), e propomo-nos impulsionar os diferentes projectos que foram aprovados neste encontro.

CONGRATULAMO-NOS pela presença nesta primeira reunião de D. Orlando Viegas Martins Afonso em representação do Conselho Consultivo de Juízes do Conselho da Europa, e agradecemos assim mesmo a esta instituição todas as facilidades que deu para isso.

AGRADECEMOS ao Tribunal Supremo, ao Conselho Geral do Poder Judicial do Reino de Espanha e ao projecto EUROsociAL justiça, toda a colaboração prestada para que este primeiro encontro tenha podido realizar-se.

Comissão Conjunta de Poderes Judiciários Europeus e Latino-Americanos

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49Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Emitido na Cidade de Madrid, a 8 de Maio de 2009

Cessar Asfor RochaPresidente

Superior Tribunal Superior de Justiça Brasil

Hussein Ali KaloutSecretário Executivo

Mariano CandiotiConselho da Magistratura da Nação Argentina

David Gonzalo Cabezas FloresConselho Nacional do Judiciário El Salvador

Miguel Carmona RuanoConselho Geral do Poder Judicial Espanha

Gracieuse LacosteConselho Superior da Magistratura França

Mauro VolpiConselho Superior da Magistratura Itália

José Manuel Duro Mateus CardosoConselho Superior da Magistratura Portugal

Nota: A criação da Comissão Conjunta de Trabalho entre a Cúpula Judicial Ibero-Americana e a Rede Européia de Conselhos de Justiça é uma das decisões legitimadas pela XIV Cúpula Judicial Ibero-Americana, cuja assembleia plenária ocorreu, no Superior Tribunal de Justiça do Brasil, em Brasília, em Março de 2008.

A Comissão nasceu como uma experiência destinada a gerar comunicação e diálogo diretos entre as instituições jurisdicionais e governamentais máximas do Poder Judiciário das duas regiões e para promover, o fortalecimento dos vínculos institucionais.

O processo de integração baseia-se em laços históricos, culturais, políticos e económicos, o que permite à Comissão converter-se num instrumento de estímulo para o conhecimento e intercâmbio de experiências e boas práticas entre os poderes judiciários.

Da mesma forma, a Comissão Conjunta, deve converter-se num factor de promoção do diálogo com outras instituições e organizações da área de justiça.

Nesse sentido, a Comissão Conjunta representa um ponto de encontro entre as redes que operam em cada região e que interligam seus poderes judiciários, baseado em uma estratégia coerente com seus objectivos e em um plano de acção sustentável.

Por meio desse mecanismo, os Poderes Judiciários de ambas as regiões podem inter-relacionar-se, conhecer-se melhor, conceber e desenvolver projectos e acções e enriquecer-se mutuamente, gerando impactos positivos para a melhoria dos sistemas judiciais, o fortalecimento do Estado de Direito e a coesão social.

Cooperação Internacional

Visitas de Delegaçõesde Países Estrangeiros

BélgicaNo âmbito do programa de

intercâmbio entre instituições congéneres, o Conselho Superior da Magistratura recebeu, - em parceria com o Conselho Superior do Ministério Público - uma delegação do Conselho Superior de Justiça da Bélgica, composta pela sua Presidente, por dois dos Vice-Presidentes e outros quatro Membros juízes.

Durante os dias 2 e 5 de Maio, os Membros do Conselho Superior de Justiça Belga puderam aprofundar algumas matérias, nomedadamente no que diz respeito à organização, competências e funcionamento dos Conselhos e do sistema judicial português, através de sessões conjuntas no C.S.M. e na P.G.R.. O programa incluiu, igualmente, uma visita ao Supremo Tribunal de Justiça.

República Popular da ChinaNo dia 2 de Julho de 2009 visitou este

Conselho Superior da Magistratura, a pedido do Supremo Tribunal de Justiça, uma delegação da República Popular da China, composta por juízes e pessoal dirigente de Tribunais Superiores de várias províncias. Foram tocados vários temas do interesse dos visitantes, tais como o sistema de avaliação e disciplina dos juízes, questões de ética e profissionalismo.

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50 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Bósnia-HerzegovinaO Conselho Superior da Magistratura,

representado por Sua Excelência o Vice-Presidente, Juiz-Conselheiro Dr. Ferreira Girão, teve a honra de receber no dia 17 de Setembro, pelas 10,30 horas, a visita de uma delegação de oito magistrados da Bósnia-Herzegovina que se deslocou a Portugal no âmbito das actividades promovidas pelo Programa TAIEX da Direcção-Geral do Alargamento, da Comissão Europeia, com vista a conhecer a organização judiciária portuguesa.

S.T.J. da Rep.Popular ChinaUma delegação do Supremo Tribunal

de Justiça da República Popular da China foi recebida no dia 24 de Setembro de 2009, no Conselho Superior da Magistratura, pelo Vice-Presidente Juiz Conselheiro Dr. Ferreira Girão. A visita enquadrou-se no objectivo de conhecimento, por parte dos membros do STJ da República Popular da China, do sistema judicial português.

BulgáriaUma delegação de magistrados

e funcionários judiciais da Bulgária visitaram o Conselho Superior da Magistratura, no dia 29 de Setembro de 2009, pelas 10:30. A visita integra-se no Projecto Magistrados e Funcionários Judiciais Competentes e Motivados e tem como objectivo tomar contacto com a estrutura e funcionamento

do sistema judicial em Portugal e com os sistemas e metodologias aplicados para avaliação do volume de trabalho e da motivação dos juízes, procuradores e funcionários judiciais. No caso do Conselho Superior da Magistratura, em particular, o objectivo foi ouvir falar sobre o seu papel e funções.

Visitas em Agenda

República do BrasilO Conselho Superior da

Magistratura, representado por Sua Excelência o Vice-Presidente, Juiz-Conselheiro Dr. Ferreira Girão, terá a honra de receber no dia 21 de Outubro, pelas 10,30 horas, a visita de uma delegação da República do Brasil.

AlbâniaO Conselho Superior da Magistratura

terá a honra de receber nos próximos dias 04 e 05 de Novembro de 2009, a visita de uma delegação da Euralius Mission (European Assistance Mission to the Albanian Justice System), proveniente da República da Albânia. A Delegação será recebida por Sua Excelência, o Vice-Presidente do CSM, Juiz Conselheiro Dr. Ferreira Girão.

Visita de Delegações de Países Estrangeiros

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51Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Cooperação Internacional

Estágio para Inspectores Judiciaisda Guiné Bissau

O Conselho Superior da Magistratura- CSM, dá prioridade, ao nível das relações internacionais, ao relacionamento com os países de expressão portuguesa.

Há neste momento juízes a cooperarem na República Democrática de Timor Leste, integrados no próprio sistema judiciário, e dando formação.

Nos restantes países de expressão portuguesa tem havido acções de formação, quer nos países que a solicitam, quer em Portugal, em colaboração com o Centro de Estudos Judiciários-CEJ. Inclusive, e ao abrigo do protocolo existente ente Portugal e a Republica Popular da China, há juízes a desempenhar funções em Macau.

No âmbito da cooperação entre Portugal e a Guiné Bissau, vai ter lugar, de 19 de Outubro a 11 de Novembro 2009, um Curso de Formação para futuros inspectores judiciais guineenses.

O curso desenvolve-se em duas áreas: sessões de trabalho, teóricas, e três semanas de estágio. Nas sessões teóricas, a decorrer no Conselho Superior da Magistratura, serão analisados temas que vão do funcionamento do “serviço de inspecção”, às técnicas de inspecção e critérios de atribuição de classificações. Os futuros inspectores judiciais guineenses que participam nesta formação ficarão a conhecer

como se processam as Inspecções Judiciais, em Portugal.

Assim, no dia 19, às 14:30, as boas vindas estarão a cargo do Vice presidente do CSM, Juiz Conselheiro Dr. António Nunes Ferreira Girão, nas novas instalações do CSM, rua Mouzinho da Silveira, 10. Dia 20 de Outubro, às 10.00, tem lugar a 1ª sessão de trabalho,” O C.S.M. e as Inspecções judiciais (inspecções judiciais vs independência dos juízes)”, e “Constituição, funcionamento e actividade do Serviço de Inspecção”. Às 11:30, a 2.ª sessão de trabalho aborda a planificação, a periodicidade e os objectivos das Inspecções Judiciais.Às 15:00 será objecto de análise e debate, como se processa a avaliação do desempenho dos juízes, desde a avaliação das capacidades humanas, a adaptação ao serviço, sem esquecer a preparação técnica dos mesmos. São igualmente analisadas as técnicas de inspecção, e os critérios de notação. Na 4.ª sessão de trabalho, às 16:30, será abordada a forma de elaboração dum relatório incluindo as conclusões e notação final.

Seguem-se três semanas de estágio. O estágio implica a integração dos juízes guineenses em equipas de inspectores judiciais portugueses. Deste modo, e durante dezoito dias, os futuros inspectores judiciais guineenses podem acompanhar, no terreno, como se processa a análise do desempenho e avaliação dos juízes portugueses.

Gabinete de Comunicação do CSM

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52 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Cooperação Judiciária EuropeiaRede Judiciária Europeia

em Matéria Civil e Comercial

Já em 1996, em data anterior à entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, que atribuiu de forma expressa competência à Comissão Europeia para adoptar medidas no âmbito da cooperação judicial em matéria civil (artºs. 61º e 65º), o Conselho, consciente da imperiosa necessidade daquela cooperação, adoptou a Acção Comum do Conselho 96/277/JAI, de 22 de Abril de 1996. Posteriormente, o “Plano de Acção de Viena do Conselho e da Comissão, de 3 de Dezembro de 1998 sobre a melhor maneira de aplicar as disposições do Tratado de Amsterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça” manifestou já a possibilidade de ser criada uma Rede judiciária europeia em matéria civil e comercial

Partindo do quadro de referência do programa de Tampere (o Conselho Europeu reuniu, extraordinariamente, em Tampere, Finlândia, nos dias 15

e 16 de Outubro de 1999, reunião consagrada à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União Europeia), foi criada a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (RJECC) pela Decisão do Conselho 2001/470/CE, de 28 de Maio de 2001.

A Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial tem, assim, na génese da sua criação a premente necessidade então sentida de uma cooperação judicial entre os Estados- -Membros, face ao aumento constante de transacções transfronteiriças e das relações entre cidadãos comunitários, que se deslocam para outros Estados-Membros cada vez com maior frequência.

A integração europeia esteve sempre fortemente arreigada num ideal comum de liberdade baseado nos direitos humanos, em instituições democráticas e no primado do direito. A partir do Conselho de Tampere foi dado início a um processo de harmonização e criação de instrumentos jurídicos que permitem assegurar que a liberdade, que inclui o direito de livre circulação em toda a União, possa ser vivida dentro das fronteiras da UE em condições de segurança e de justiça acessíveis a todos os cidadãos

Com efeito, é missão da Rede facilitar a vida dos cidadãos confrontados com qualquer tipo de litígio transfronteiriço, tanto mais que a União Europeia engloba actualmente uma grande variedade de sistemas

Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

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53Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

judiciais nacionais e esta diversidade coloca frequentemente problemas quando os litígios ultrapassam as fronteiras, dando a conhecer, através do sítio da rede, os diferentes sistemas jurídicos nacionais em matéria civil e comercial, bem como os instrumentos comunitários e convenções internacionais.

Pretende a RJECC, em suma, melhorar, simplificar e acelerar a cooperação judiciária entre os Estados-Membros, tendo a sua actividade os seguintes:

- facilitar a cooperação judiciária entre os Estados-Membros, em matéria civil e comercial;

- melhorar a aplicação efectiva e prática dos instrumentos comunitários e das convenções em vigor entre dois ou mais Estados-Membros;

- estabelecer um sistema de informação acessível ao público.

Assim, para facilitar a cooperação entre os Estados-Membros, a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial procura a boa tramitação dos processos, com incidência transfronteiriça, e a agilização dos pedidos de cooperação judicial entre os Estados-Membros.

No que concerne à aplicação efectiva e prática dos instrumentos comunitários e das convenções internacionais em vigor entre dois ou mais Estados-Membros, cabe à Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial potenciar a correcta aplicação

dos instrumentos normativos.Claro que para melhorar a aplicação

dos instrumentos comunitários é fundamental que a informação sobre os problemas encontrados na sua aplicação, encontrados por quem os aplica, seja devidamente canalizada para o Ponto de Contacto para que este os transmita à Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial e possam ser discutidos a nível europeu. E, por isso, formulo, desde já, o pedido para que me façam saber os problemas encontrados na aplicação dos instrumentos comunitários.

Por fim e no que tange à criação de um sistema de informação acessível ao público, a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial dispõe de um sitio Internet – http://ec.europa.eu/ civiljustice/ , permitindo aos cidadãos e aos profissionais do direito aceder à informação relativa a 19 temas jurídicos, a saber:

-Ordem jurídica;-Organização da Justiça;-Profissões jurídicas;-Assistência judiciária;-Competência dos tribunais;-Recursos aos tribunais;-Prazos processuais;-Direito aplicável;-Citação e Notificação dos Actos;-Obtenção e apresentação de

provas;-Medidas provisórias e medidas

cautelares;-Execução das decisões judiciais;

Cooperação Internacional

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54 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

-Procedimentos simplificados e acelerados;

-Divórcio;-Responsabilidade parental;-Alimentos;-Falência-Meios Alternativos de resolução de

litígios -Indemnização das vitimas de

crimes.

De mencionar, ainda, a criação do Atlas Judiciário Europeu em Matéria Civil (http://ec.europa.eu/justice_home/ judicialatlascivil), através do qual poderão ser identificados os tribunais e outras autoridades competentes, sendo, ainda, possível preencher directamente os formulários aprovados, modificar o idioma em que estão redigidos, antes de imprimi-los, e enviá-los de forma segura, no que tange a assistência judiciária, citação e notificação de actos, injunção de pagamento, acção de pequenos montantes, obtenção de provas, reconhecimento e execução das decisões judiciais e indemnização das vitimas de criminalidade.

A Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial apresenta-se, pois, como um mecanismo idóneo para a coesão e reforço da cooperação entre os orgãos judiciais dos Estados-Membros da União Europeia, quer através da resolução de problemas práticos quer pelo auxílio na interpretação e aplicação uniforme dos instrumentos comunitários.

A Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial é composta por:

a) pontos de contacto, designados pelos Estados-Membros;

b) autoridades centrais previstas para os instrumentos comunitários e convenções internacionais;

c) magistrados de ligação;d) qualquer outra autoridade

judiciária ou administrativa que exerça responsabilidades no âmbito da cooperação judicial.

São funções dos Pontos de Contacto:

a) proporcionar a informação necessária para a boa cooperação judiciária entre os Estados-Membros;

b) facilitar a tramitação dos pedidos de cooperação judiciária;

c) procurar soluções para os problemas que possam apresentar-se em virtude um pedido de cooperação judiciária;

d) colaborar na preparação e actualização do sistema de informação destinado ao público;

e) participar e colaborar na organização das reuniões dos pontos de contacto.

Aos Pontos de Contacto foi-lhes atribuído um papel chave na rede: fornecem todas informações necessárias, facilitam o tratamento dos pedidos de cooperação judiciária, procuram soluções para eventuais dificuldades e contribuem para a preparação e actualização do sistema

Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

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55Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

de informação destinado ao público. Além disso, mantêm contactos estreitos com as autoridades responsáveis pela cooperação judiciária em matéria civil e comercial, em virtude dos actos comunitários ou instrumentos internacionais em vigor.

Os Pontos de Contacto reúnem-se, pelo menos, uma vez por semestre para trocar informações e experiências, identificar os problemas e as práticas mais adequadas e para definir parâmetros para o sistema de informação.

Reitero, aqui, a importância da comunicação entre os Pontos de Contactos e os tribunais, de forma a que aqueles estejam devidamente informados das dificuldades com que, nomeadamente, os juízes nacionais se confrontam nos processos de natureza transfronteiriça e que requeiram a cooperação judiciária.

Para além da Decisão 2001/470/CE, de 28 de Maio de 2001 (alterada pela Decisão nº 568/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de Junho, aplicável a partir de 01.01.2011, e sobre a qual, em próxima oportunidade, apresentarei algumas notas) que criou a RJECC, outros instrumentos comunitários têm vindo a fazer com que a cooperação judiciária entre as autoridades judiciais e administrativas dos Estados-Membros seja mais estreita e eficaz.

Neste sentido, com carácter geral, o Conselho Europeu, reunido

em Tampere, declarou o princípio de reconhecimento mútuo das decisões judiciais estrangeiras como pedra angular do sistema de cooperação judicial internacional em matéria civil e comercial da União Europeia. Por conseguinte, no referido Conselho Europeu ficou bem expressa a necessidade de conseguir a supressão das medidas intermédias para instaurar efectivamente o princípio do reconhecimento mútuo. Assim, o Conselho solicitou ao Conselho e à Comissão que adoptassem até Dezembro de 2000 um programa de medidas para pôr em prática o princípio do reconhecimento mútuo.

O princípio do reconhecimento mútuo começou a projectar-se sobre certos instrumentos comunitários, como por exemplo, no Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e execução das decisões judiciais em matéria civil e comercial; no Regulamento (CE)1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, sobre processos de insolvência, no Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria matrimonial e responsabilidade parental, que substituiu o Regulamento (CE) 1347/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, no Regulamento (CE)

Cooperação Internacional

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56 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

4/2009 do Conselho de 18 de Dezembro de 2008 (que não entrou, ainda, em vigor), relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução de decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, criando um regime único e completo para cobrança de créditos alimentares, sendo inovador no sentido em que vem permitir a execução de determinadas decisões, sem processo de reconhecimento e declaração de força executória, oferecendo apoio judiciário a pedidos de alimentos para filhos e concedendo aos cidadãos a possibilidade de recorrerem a um sistema ágil e eficaz de cooperação entre autoridades centrais para a cobrança de pensões de alimentos , no Regulamento (CE) 805/ 2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados, o Regulamento (CE) 1896/2006 do Conselho e do Parlamento Europeu, de 12 de Dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, o Regulamento (CE) nº 861/2007 do Palamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, que estabelece um processo europeu para acções de pequeno montante

De destacar, ainda, no âmbito da cooperação judiciária internacional, o Regulamento (CE) 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e notificação dos actos judiciais

e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, que revogou o Regulamento (CE) 1348/2000 do Conselho, o Regulamento 1206/2001 do Conselho de 28 de Maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados Membros no âmbito da obtenção de provas em matéria civil e comercial, o Regulamento (CE) nº 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) e o Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II).

Merecem também destaque a Directiva nº 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, destinada a melhorar o acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, mediante regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios, a Directiva 2004/80/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à indemnização das vítimas da criminalidade e a Directiva 2008/52/CE, de 21 de Maio de 2008, relativa à mediação civil e comercial, tendo como objectivo facilitar o acesso à resolução alternativa de litígios, promovendo a resolução consensual destes e incentivando um maior recurso à mediação e assegurando um relação equilibrada entre a mediação e os procedimentos judiciais, entretanto já transpostas para o direito interno.

Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial

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57Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

O denominador comum que inspira os instrumentos comunitários referidos reside não só na utilização de mecanismos que aceleram o procedimento de cooperação judiciária internacional, mas também na utilização de uma série de formulários normalizados cuja finalidade consiste em agilizar e simplificar tais procedimentos, cabendo, apenas, às autoridades competentes completarem os referidos formulários numa das línguas que, em cada caso, cada Estado-Membro tenha declarado aceitar, transpostas, entretanto, para o direito interno.

Para um efectivo espaço de liberdade, segurança e justiça é necessária uma cooperação entre as autoridades judiciais e administrativas dos Estados-Membros, cada vez mais próxima e estreita, no sentido de facilitar e agilizar o acesso dos cidadãos à justiça, alcançando-se a tramitação dos processos judiciais de forma mais célere e eficaz, com respeito pelas garantias processuais.

Florbela Moreira LançaJuiz de Direito

Ponto de Contacto da RJECC

Cooperação Internacional

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58 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Conselho Superior da Magistratura

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59Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Deliberações

Autorização de Frequência deActividades de Formação Acadé-mica, Estágios ou Actividades de Formação de cariz não académico

Por deliberação do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura, de 07 de Julho de 2009, foram aprovados os critérios para a autorização de frequência de actividades de formação académica, estágios ou actividades de formação de cariz não académico.

O Conselho Superior da Magistratura vem sendo sucessivamente interpelado pelos Srs. Juízes a propósito das suas legítimas pretensões de acesso a programas de formação, sejam elas de cariz académico – v.g. mestrados e doutoramentos – sejam de cariz mais prático, correspondendo a estágios ou experiências de contacto com outras realidades judiciárias, de países membros da EU ou de instituições comunitárias.

Dá-se ainda por adquirido que a formação permanente dos Juízes passou a ter uma relevância distinta daquela que anteriormente assumia,

atentas as alterações introduzidas no EMJ, quer em razão das exigências de formação específica para o exercício de funções em tribunais de competência especializada e específica, quer em razão da utilidade da aquisição de elementos a fazer valer em ulteriores concursos curriculares, para ascensão na carreira.

Porém, deve ter-se presente que não é sem custos para a prestação funcional do Juiz que este poderá ingressar em tais actividades de formação. O seu desempenho, pelo menos no imediato, sofrerá sempre os efeitos da dispersão da sua atenção e do seu esforço por uma actividade diferente da que corresponde ao exercício funcional, mesmo que essa actividade não contenda com os horários de expediente das secretarias dos Tribunais. E será ainda mais afectado quando esse conflito existir, sendo redutor fazer coincidir o conceito de “ausência de prejuízo para o serviço” com o da inexistência de adiamentos de diligências previamente agendadas.

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60 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

O Conselho Superior da Magistratura, no exercício das suas competências de gestão, tem de conjugar os diversos termos deste problema e encontrar critérios que orientem a sua actuação do nesta matéria, afastando-se de um casuísmo que a frequência das situações deixou de admitir.

Assim, tendo a questão da autorização de frequência de mestrados e doutoramentos sido remetida para tratamento na Secção de Acompanhamento e Ligação aos Tribunais Judiciais (SALTJ) após discussão e deliberação em Plenário, encontra-se em aplicação o seguinte regime:

-Os juízes que pretendam frequentar as actividades curriculares em apreço (doutoramentos, mestrados, pós-graduações) deverão – sempre previamente às correspondentes inscrições – comunicar ao CSM o respectivo horário, solicitando a necessária dispensa de serviço, quando for caso disso, nos termos do artigo 10º-A do EMJ, designadamente quando a carga horária do curso coincidir com o horário normal das secretarias judiciais, ou quando o serviço específico do tribunal se mostre, prima facie, incompatível com a pretensão da frequência.

-O CSM, através do seu Vice-Presidente decidirá sobre a dispensa de serviço, caso a caso, ouvindo, previamente a S.A.L.T.J.;

-A Secção, por sua vez, entendeu condicionar o seu parecer aos seguintes pressupostos:

a) Deverão ser autorizadas as formações já em curso (2008-2009), uma vez que se está praticamente no final do ano lectivo;

b) No futuro (próximo ano lectivo) os pedidos de frequência de Cursos de Formação a frequentar pelos Senhores Juízes terão de ser formulados até 30 de Setembro de cada ano;

c) Deverão ser alertados os Senhores Juízes que o Conselho Superior da Magistratura não pode deixar de ter uma interpretação restritiva quanto ao período disponível para frequentar tais formações, ou seja, deverão ocorrer fora do horário normal de funcionamento dos Tribunais.

Questão distinta será a da autorização para a frequência de estágios ou de outras acções formativas de diferente cariz, tais como a permanência junto de Tribunais ou outras entidades nacionais de outros países, ou internacionais.

O Conselho Superior da Magistratura tem já alguma experiência nesta matéria: no âmbito da Rede Europeia de Formação Judiciária e do seu Exchange Program For Judicial Authorities, o Conselho Superior da Magistratura e o CEJ têm actuado conjuntamente, permitindo que juízes portugueses tenham realizado estágios de contacto junto de Tribunais de outros países membros da EU.

Frequência de actividades de formação académica e não académica

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61Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Tal programa decorreu entre 2006 e 2008, abrangeu um número entre 4 e 8 magistrados por ano, das diversas instâncias, e foi consubstanciado, genericamente, pela realização de estágios de uma ou duas semanas, junto de Tribunais indicados pelos candidatos, com conteúdos fixados pelos países de acolhimento e com obrigação de apresentação de relatórios finais, pelos participantes.

A tais programas candidataram-se muitos juízes, tendo o Conselho Superior da Magistratura, sem qualquer reserva quanto à utilidade dos estágios, operado a sua selecção por critérios de antiguidade e mérito e autorizado a sua frequência.

Não houve, então, qualquer preocupação de enquadramento administrativo ou económico destes estágios, que se bastaram com essa simples autorização, tendo os participantes recebido os custos de deslocação e ajudas de custo previstas no próprio programa.

Procuramos, agora, a fixação de critérios para casos congéneres ou de conteúdo diferente, nomeadamente quando a duração dos estágios possa ter dimensão superior.

Estudadas soluções europeias, verificámos que em quase todos os Estados, variando entre a obrigatoriedade ou a faculdade da formação permanente, com avaliação ou não, condição ou não para a progressão na carreira, esta se traduz

maioritariamente na frequência de acções lectivas de duração variável entre uma ou duas semanas. A Itália é, nesta matéria, o país mais avançado, fazendo depender a permanência e a progressão nas carreiras de efectivo sucesso da formação permanente.

De apontar, também, o caso da Noruega onde, ao fim de 10 anos de serviço, existe a possibilidade de os Magistrados requererem uma licença pelo período de seis meses, para realizarem acções de formação próprias. As propostas são apreciadas e concedidas até ao limite de dez por ano. Nesse período, os Juízes não perdem antiguidade nem salário.

Com relevância para a situação em apreço, dispõe o Artigo 10º-A (Dispensa de Serviço), do EMJ:

«1. Não existindo inconveniente para o serviço, aos magistrados judiciais podem ser concedidas pelo Conselho Superior da Magistratura dispensas de serviço para participação em congressos, simpósios, cursos, seminários ou outras realizações, que tenham lugar no País ou no estrangeiro, conexas com a sua actividade profissional.

2. (…) É ainda aplicável aos magistrados

judiciais, com as devidas adaptações, o disposto na lei geral sobre o regime de bolseiro, dentro e fora do País, quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo, bem como frequentar cursos ou estágios de reconhecido interesse público.

3. O referido no número anterior será objecto de despacho do Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho

Deliberações

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62 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Superior da Magistratura, no qual se fixará a respectiva duração, condições e termos».

Nos termos do n.º 1, do art.º 1-.º do DL nº 272/88, a equiparação a bolseiro no País poderá ser concedida aos funcionários e agentes do Estado e outras pessoas colectivas públicas, para frequentar cursos ou estágios de reconhecido interesse público, estando dependente da verificação de duas condições:

a) Que a hierarquia a considere viável, de acordo com critérios próprios e discricionários;

b) Que seja reconhecido interesse público à frequência do estágio pretendido;

Regulamentando este diploma, o Despacho Normativo nº 18/2001, de 19/4, dispõe:

Artigo .2º São requisitos da concessão da

equiparação a bolseiro: a) Que os programas de trabalho

e estudo, cursos ou estágios sejam de duração superior a três meses;

b) A nomeação do funcionário ou agente em lugar do quadro, a título definitivo;

c) O exercício de serviço efectivo durante, pelo menos, cinco anos com classificação de serviço mínima de Bom.

Artigo 3.º Condição de atribuição

Podem requerer a equiparação a

bolseiro os funcionários e agentes dos órgãos, serviços e organismos que integram a estrutura do Ministério da Justiça que se proponham realizar:

a) Um projecto, um estudo ou uma investigação

b) Doutoramento;c) Mestrado; d) Curso de pós-graduação; e) Curso de formação especializada.

Artigo 4.º Pedido e duração

1 -O pedido de equiparação a bolseiro deve ser objecto de uma proposta do candidato, devidamente fundamentada.

2 - A equiparação a bolseiro nos casos das alíneas a) e b) do artigo anterior não pode ser concedida por prazo superior a três anos civis.

3-Em casos excepcionais, devidamente fundamentados, o prazo da equiparação inicialmente concedido, nos termos do número anterior, pode ser prorrogado por períodos de um ano, desde que o prazo máximo total da equiparação não exceda, em caso algum, quatro anos civis.

4-A equiparação a bolseiro nos casos das alíneas c) a e) do artigo anterior não pode, em caso algum, ser concedida por prazo superior a dois anos civis.

5-Quando o funcionário ou agente equiparado a bolseiro, por motivos supervenientes que não lhe sejam imputáveis, não puder concretizar o projecto para o qual foi concedida a equiparação a bolseiro, poderá requerer a cessação dessa equiparação antes do termo do prazo previsto no presente artigo.

Frequência de actividades de formação académica e não académica

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63Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

6 - Para efeitos do disposto no número anterior, é aplicável o n.º 3 do artigo 6.º do presente Regulamento.

Por sua vez, a este propósito, o Conselho Superior da Magistratura mantém em vigor deliberação do Plenário de 30/6/2005, com o seguinte conteúdo:

(…) critérios que devem presidir às nomeações dos candidatos ao Regime de Equiparação a Bolseiro, sendo eles os seguintes:

1. Na apresentação da candidatura ao regime de equiparação a bolseiro, os candidatos devem identificar, tão pormenorizadamente quanto possível, a natureza ou área do projecto, curso ou actividade que pretendem desenvolver, a metodologia a adoptar e o prazo previsível para a sua concretização. Sendo esse o caso, devem indicar ainda o organismo no âmbito do qual se insere a equiparação a bolseiro, o plano curricular e o plano de dissertação ou de investigação.

2. Sem prejuízo da análise de situações excepcionais, as candidaturas devem ser apresentadas até 31 de Maio de cada ano.

3. Nos termos do art. 10º-A, nº 3, do EMJ, o CSM apreciará cada uma das candidaturas, procedendo à elaboração da proposta a remeter ao Ministro da Justiça.

4. A inclusão na proposta de equiparação a bolseiro depende da verificação da existência de interesse público, revelado através da susceptibilidade de a equiparação habilitar o candidato com conhecimentos

úteis e relevantes para o desempenho da actividade profissional e/ou da susceptibilidade de contribuir, com resultados relevantes, para o exercício, em geral, da função judicial.

Depende ainda da constatação da ausência de grave inconveniente para o serviço.

5. Sem prejuízo da explicitação, pelos candidatos, dos motivos que justificam a afirmação do interesse público e a ausência de grave inconveniente para o serviço, a aferição destes requisitos ficará a cargo do CSM, colhendo, para o efeito, os elementos pertinentes.

6. A equiparação a bolseiro está limitada a dois magistrados judiciais em cada ano, com classificação de serviço de Muito Bom e com, pelo menos, dez anos de efectivo serviço na magistratura judicial.

7. Caso entenda que, em concreto, não se mostram preenchidos os requisitos necessários para a sua aprovação, o CSM poderá rejeitar, no todo ou em parte, as candidaturas apresentadas, mesmo que não se atinja, no ano em causa, o limite mencionado no número anterior.

8. Os prazos máximos a considerar para as situações de equiparação a bolseiro que a partir de agora sejam autorizadas, incluindo eventuais prorrogações, são de um ano para mestrado e de três anos para doutoramento.

9. Sem embargo do cumprimento dos deveres gerais que decorrem, designadamente, do art.º 6.º do Regulamento aprovado pelo Despacho Normativo n.º 18/01, de 19 de Abril, os candidatos a quem seja atribuído o regime de equiparação a bolseiro devem apresentar ao CSM um relatório anual

Deliberações

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64 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

das actividades desenvolvidas. 10.Da análise do relatório de

actividade depende, além do mais, a eventual autorização de prorrogações.

11.Findo o período de equiparação a bolseiro, o juiz deve apresentar ao CSM, no prazo máximo de 60 dias, relatório da sua actividade, o qual será integrado no respectivo processo individual.

12.Os aspectos não especificamente assinalados seguem as regras constantes do Dec. Lei n.º 272/88, de 3-8, e do Regulamento aprovado pelo Desp. Normativo n.º 18/01.

Parece, assim, que a pretensão de fixação de um leque de critérios para a autorização de frequência de estágios ou actividades de formação de cariz académico ou não académico deverá estar condicionada nos termos expostos, que infra se reproduzem sob a forma de uma proposta de regulamento, no qual se introduzem hipóteses de alteração em relação a algumas das soluções em vigor, quer quanto à eventual coincidência do horário de formações académicas com o período de funcionamento das secretarias judiciais, quer quanto aos pressupostos definidos por anterior deliberação do Conselho Superior da Magistratura para o regime de equiparação a bolseiro, quer, ainda quanto a uma terceira hipótese de formação não académica, de duração inferior à deste último regime e, por isso, por ele insusceptíveis de serem abrangidos.

REGULAMENTO DE AUTORIZAÇÃO DE FREQUÊNCIADE ACTIVIDADES DE FORMAÇÃO ACADÉMICA, ESTÁGIOS OU ACTIVIDADES DE

FORMAÇÃO DE CARIZ NÃO ACADÉMICO

Artigo 1.º (Equiparação a bolseiro)

1. Quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo, bem como frequentar cursos ou estágios de reconhecido interesse público é aplicável aos magistrados judiciais, com as devidas adaptações, o disposto na lei geral sobre o regime de bolseiro, dentro e fora do País.

2. Na apresentação da candidatura ao regime de equiparação a bolseiro, os candidatos devem identificar, tão pormenorizadamente quanto possível, a natureza ou área do projecto, curso ou actividade que pretendem desenvolver, a metodologia a adoptar, o prazo previsível para a sua concretização e declaração de aceitação do orientador.

Sendo esse o caso, devem indicar ainda o organismo no âmbito do qual se insere a equiparação a bolseiro, o plano

Frequência de actividades de formação académica e não académica

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65Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

curricular e o plano de dissertação ou de investigação.

3. Sem prejuízo da análise de situações excepcionais, as candidaturas devem ser apresentadas até 31 de Maio de cada ano.

4. Nos termos do art.º 10.º-A, n.º 3, do EMJ, o CSM apreciará cada uma das candidaturas, procedendo à elaboração da proposta a remeter ao Ministro da Justiça.

5. A equiparação a bolseiro está limitada a seis magistrados judiciais em cada ano, com classificação de serviço de, pelo menos, Bom com distinção e com, pelo menos, oito anos de efectivo serviço na magistratura judicial.

6. Caso entenda que, em concreto, não se mostram preenchidos os requisitos necessários para a sua aprovação, o CSM poderá rejeitar, no todo ou em parte, as candidaturas apresentadas, mesmo que não se atinja, no ano em causa, o limite mencionado no número anterior.

7. O prazo a considerar para as situações de equiparação a bolseiro é de um ano para doutoramento e de seis meses para outras actividades, prazos estes prorrogáveis por idêntico período até um máximo de três anos, no caso de doutoramento e, excepcionalmente, de um ano, nos restantes casos.

8. Sem embargo do cumprimento dos deveres gerais que decorrem, designadamente, do art.º 6.º do Regulamento aprovado pelo Despacho Normativo nº 18/01, de 19 de Abril, os candidatos a quem seja concedido o

regime de equiparação a bolseiro devem apresentar ao CSM um relatório das actividades desenvolvidas, no termo do respectivo prazo ou período de prorrogação.

9. A eventual autorização de prorrogação depende, além do mais, da análise do relatório de actividade e de parecer do respectivo orientador.

10. Findo o período de equiparação a bolseiro, o juiz deve apresentar ao CSM, no prazo máximo de 60 dias, relatório da sua actividade, o qual será integrado no respectivo processo individual.

11. Os aspectos não especificamente assinalados seguem as regras constantes do Dec. Lei n.º 272/88, de 3-8, e do Regulamento aprovado pelo Desp. Normativo n.º 18/01.

Artigo 2.º

(Formação académica)1. Os juízes que pretendam ingressar

em actividades de formação académica, designadamente doutoramentos, mestrados, pós-graduações, deverão – sempre previamente às correspondentes inscrições – comunicar ao CSM o respectivo horário, solicitando a necessária dispensa de serviço, quando for caso disso, nos termos do artigo 10º-A do EMJ, designadamente quando a carga horária do curso coincidir com o horário normal das secretarias judiciais, ou quando o serviço específico do tribunal se mostre, prima facie, incompatível com a pretensão da frequência.

2. O CSM, através do seu Vice-

Deliberações

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66 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Presidente decidirá sobre a dispensa de serviço, caso a caso, ouvindo, previamente a S.A.L.T.J..

3. A S.A.L.T.J. dará o seu parecer favorável em função de se verificarem, designadamente, os seguintes pressupostos:

a) Os pedidos de frequência de Cursos de Formação a frequentar pelos Senhores Juízes terão de ser formulados até 30 de Setembro de cada ano;

b) As actividades formativas deverão ocorrer fora do horário normal de funcionamento dos Tribunais ou ocupá-lo em medida insignificante.

Artigo 3.º (Formação não académica)

1. Caberá ao CSM autorizar dispensas de serviço para participação de juízes em actividades de formação de cariz não académico, que tenham lugar no País ou no estrangeiro, conexas com a sua actividade profissional, desde que não comportem inconveniente para o serviço e tenham duração não superior a três meses.

2. Às dispensas de serviço referidas neste artigo poder-se-ão candidatar juízes com classificação de serviço não inferior a Bom com distinção e com, pelo menos, cinco anos de efectivo serviço na magistratura judicial.

3. Findo o período de dispensa de serviço, o juiz deve apresentar ao CSM, no prazo máximo de 60 dias, relatório da sua actividade, o qual será integrado no respectivo processo individual.

Artigo 4.º (Interesse público e inexistência de grave inconveniente para o serviço)

1. Nas propostas, autorizações e dispensas de serviço referidas nos artigos anteriores ter-se-á sempre em conta a afirmação do interesse público, a ausência de grave inconveniente para o serviço e o interesse pessoal dos requerentes.

2. O interesse público resultará da susceptibilidade de a formação habilitar o candidato com conhecimentos úteis e relevantes para o desempenho da actividade profissional e/ou da susceptibilidade de contribuir, com resultados relevantes, para o exercício, em geral, da função judicial.

3. A inexistência de inconveniente para o serviço deverá ser objecto de parecer da SALTJ, em função dos seguintes factores:

a) Inexistência de serviço atrasado, na titularidade do candidato;

b) Possibilidade de substituição atempada do candidato, pelo CSM, no lugar em que está colocado, de forma a prevenir adiamentos de actos judiciais ou atraso no funcionamento do Tribunal.

4. Sem prejuízo da explicitação, pelos candidatos, dos motivos que justificam a afirmação do interesse público e a ausência de grave inconveniente para o serviço, a aferição destes requisitos ficará a cargo do Conselho Superior da Magistratura, que colherá, para o efeito, os elementos pertinentes»

In Sessão do Plenário, de 07.07.2009

Frequência de actividades de formação académica e não académica

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67Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Contencioso

1.Acórdão Classificativo«Bom com Distinção»

INSPECÇÃO ORDINÁRIA N. º 186/2008Dr. ….

Acordam no Plenário do Conselho Superior da Magistratura:

A. – RELATÓRIO:

Realizou-se inspecção ordinária ao serviço prestado pela Exma. Juíza….., no período de 21/05/2003 a 27/02/2008, no Tribunal Judicial de……...

O Exmo. Inspector Judicial elaborou Relatório propondo a classificação de “Bom com Distinção” .

A Exma. Juíza inspeccionada, discordando da notação atribuída, apresentou oportuna resposta, entendendo ser merecedora da classificação de “Muito Bom”, explicitando as razões relativas à sua discordância, nomeadamente no que concerne à relevância dada aos factos correspondentes a ter acabado de completar os 10 anos de serviço e à pouca quantidade de serviço na jurisdição cível em matéria de julgamentos em acções contestadas e prolação de saneadores.

O Exmo. Inspector apresentou a competente Informação Final, mantendo a notação inicialmente proposta.

O Permanente, por deliberação de 10/3/2008, acolheu a proposta do Sr. Inspector, atribuindo a nota de Bom com distinção à prestação funcional da Sra. Juiz sob avaliação.

É desta deliberação que a Sra. Juiz actualmente reclama, sem contudo aduzir novos argumentos ou impugnar qualquer dos factos em que o permanente assentou o seu Juízo, pretendendo, tão só, o reexame da questão pelo Plenário.

Cumpre decidir. Para o efeito, desde já se expressa que, na apresentação da matéria de facto que se tem por provada, se seguirá de perto a descrição factual constante do relatório de inspecção, nos mesmos termos já considerados pelo Conselho Permanente.

B. OS FACTOS

1 - O Exmo. Inspector reflectiu no seu Relatório a seguinte factualidade e as seguintes considerações :

“Perfil Biográfico:A Drª ….. nasceu em ….., em …., e

licenciou-se em Direito, na Universidade de Coimbra, com a classificação final de 12 valores, no dia…...

Foi nomeada Juíza de Direito, em regime de estágio, por deliberação do CSM de…, publicada no DR de…...

Concluído o estágio que efectuou na comarca de …, por deliberação de …, publicada no DR de …, foi nomeada Juíza

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68 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

de Direito e colocada no 1º Juízo do Tribunal da comarca de … até ao movimento judicial seguinte.

Por deliberação de …, publicada no DR de …, foi colocada no Tribunal da comarca de ...

E por deliberação de … publicada no DR de …, foi transferida para o 3.º Juízo do Tribunal da comarca de …., onde se mantém.

Do seu certificado do registo individual constam as seguintes classificações de serviço:

“BOM”, como Juíza da comarca de …. ; e "BOM COM DISTINÇÃO" como Juíza do Tribunal da comarca de ….

III. Apreciação e Fundamentação:1. Capacidades Humanas:A Drª …..é uma Magistrada inteligente,

dotada de uma boa capacidade de trabalho e de compreensão das concretas situações colocadas sob sua apreciação, sendo muito dedicada à função que exerce.

Serena e ponderada, mantém um excelente relacionamento com os seus Colegas, com Magistrados do Ministério Público, Advogados e Funcionários, sendo por todos considerada e respeitada. Para tanto contribui de forma decisiva a simpatia e gentileza que dispensa a quem se lhe dirige, sempre sem quebra do distanciamento necessário ao desempenho da sua profissão.

Senhora de uma inatacável dignidade de conduta, exerce as suas funções com total sentido de isenção e independência.

Da leitura das suas decisões (particularmente das proferidas no decurso de diligências a que preside) extrai-se a imagem de uma Magistrada competente e segura, atenta e dialogante, sempre sem qualquer quebra da indispensável firmeza.

2. Adaptação ao Tribunal:2.1.

No período abrangido por esta inspecção, a Mª Juíza exerceu funções apenas no Tribunal da comarca de …. Trata-se de um tribunal de competência genérica (o que, no caso, significa apenas que tem competência em matéria cível e criminal, porquanto os processos de natureza laboral e os relativos às jurisdições de família e menores correm seus termos nos Tribunais do Trabalho e de Família e Menores de …., respectivamente).

O Tribunal da comarca de … tem competência na área do concelho de …. (5 freguesias), servindo uma população residente de pouco mais de 42.000 pessoas, espalhadas por cerca de 127 km2 (embora cerca de 3/4 da população resida na própria cidade de … ou arredores). (…)

Parte significativa dos processos de natureza cível relaciona-se com o incumprimento (ou cumprimento defeituoso) de contratos (particularmente de compra e venda e de empreitada), com a resolução de contratos de arrendamento e com acidentes de viação; os de natureza criminal não diferem dos encontrados na generalidade dos tribunais ……: crimes contra a integridade física (alguns deles, negligentes, conexionados com acidentes de viação), contra a honra, contra a propriedade, por tráfico ou consumo de estupefacientes mas, essencialmente (o que vale por dizer: na sua imensa maioria) por crimes de natureza rodoviária (condução de veículo sob o efeito do álcool, condução sem habilitação legal, desobediência).

O Tribunal da comarca de … tem uma carga de distribuição processual perfeitamente aceitável, no limite inferior da normalidade: 515 processos entre 15/9/2004 e 14/9/2005 (268 de natureza cível - entre os quais 140 acções executivas - e 247 de natureza penal), 539 processos entre 15/9/2005 e 31/8/2006 (285 de natureza cível - entre os quais 173 acções

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação»

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69Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

executivas) e 637 processos entre 1/9/2006 e 31/8/2007 (420 de natureza cível - entre os quais 262 acções executivas - e 217 de natureza penal).

O Tribunal está instalado num edifício construído de raiz para o efeito em 1963, em razoável estado de conservação, mas a acusar o peso da idade...

Existe uma única sala de audiências; quando necessário, a biblioteca é igualmente usada como sala de audiências. Os dois espaços estão dotados de equipamento de videoconferência. Os Exmºs Juízes de círculo reservam a utilização da sala de audiências 4 dias mensais por cada Juízo, num total de 12 dias (3 a 8, 20 a 25 de cada mês).

No piso superior do edifício existem 8 gabinetes: 3 são ocupados por magistrados do MºPº, um está afecto aos Exmºs Juízes de Círculo, outro aos Serviços de Inspecção e os restantes 3 aos Exmºs Juízes da comarca. Ainda no piso superior funcionam as secções de processos.

No piso térreo funciona a secretaria do Ministério Público e existe um gabinete ocupado por magistrado do MºPº. Bem assim, aqui funciona a secção central do Tribunal. Libertadas as instalações da Conservatória do Registo Civil, nesta data decorrem obras nas mesmas, designadamente a construção de uma nova sala de audiência e de três novos gabinetes para Magistrados.

O quadro legal de funcionários do Tribunal da comarca de … é constituído por 1 escrivão, 3 adjuntos e 2 auxiliares, está completo e mostra-se suficiente para o serviço existente, não tendo estes serviços de inspecção detectados atrasos significativos na movimentação dos processos e no cumprimento de despachos.

2.2. No que à Mª Juíza diz respeito:A Mª Juíza tinha, à data em que foi

instalada esta inspecção, acabado de

completar 10 anos de exercício efectivo da judicatura (naturalmente, excluído o período de estágio).

É assídua e pontual. Inicia as diligências à hora previamente designada ou com atrasos insignificantes; quando assim não sucede, tem o cuidado de fazer constar em acta as razões do atraso. Em caso de adiamento ou reagendamento de diligências tem a salutar (infelizmente pouco usual) preocupação de explicar as razões do facto aos intervenientes presentes.

Desde Setembro de 2001 (isto é, com pouco mais de 3 anos de efectivo exercício da judicatura) tem tido a seu cargo a função de formadora de auditores de justiça e de juízes estagiários, função que desempenha com manifesto empenho e dedicação. Como refere no seu "memorandum", "porque não existe um grande número de acções cíveis (...) são geralmente os senhores juízes estagiários que presidem aos julgamentos e realizam a maior parte das audiências preliminares, por forma a adquirirem experiência na jurisdição cível, que é aquela em que, por norma, apresentam maiores dificuldades". Esse facto tem tradução necessária na sua "produtividade", analisada ao nível da prolação de sentenças e de despachos saneadores, como adiante melhor veremos.

Preocupada com a sua valorização profissional e com a necessária actualização de conhecimentos frequentou, no período abrangido por esta inspecção, um curso de Pós-graduação em…, um curso especializado de adopção…, um seminário sobre cooperação judiciária internacional …, um curso de administração e gestão dos Tribunais organizado pela ASJP, um curso de boas práticas forenses organizado pelo CEJ e outras acções de formação organizadas por aquele Centro no ano de 2007, designadamente Jornadas de Processo Penal e de Direito Penal.

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2.3. Índices de produtividade a) Movimento processual

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Em suma: no período de cerca de 5 (cinco) anos abrangidos por esta inspecção, entraram (com exclusão das deprecadas) 2775 processos (1634 de natureza cível e 1141 de natureza penal) e findaram 2402 processos (1204 de natureza cível, 1198 de natureza penal).

Consequentemente, verificou-se uma redução na pendência processual penal (164 em 22/5/2003, 107 em 2/6/2008) na ordem dos 53% e um aumento da pendência processual cível (415 em 22/5/2003, 845 em 2/6/2008) na ordem dos 103%. Este aumento da pendência cível (430 processos) é devido - como claramente resulta da leitura do quadro anterior - de um aumento na distribuição dos processos de natureza executiva, não compensado pelo número de processos dessa natureza entretanto findos (entraram 969, findaram 530, com um saldo negativo de 439 processos); e, como é sabido e dispensa grandes considerações,

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a ineficácia da reforma da acção executiva é devida a múltiplos factores, nos quais se não enquadra (pelo menos com peso significativo) a actividade do Juiz.

Os dados supra referidos reflectem, como é bom de ver, a pendência oficial. A pendência estatística ou de secretaria (englobando, portanto, os processos já julgados mas que, por variadas razões, continuam a correr termos em tribunal) é substancialmente superior, como não podia deixar de ser (ver tabelas na próxima página).

A “produtividade” da Mª Juíza no período abrangido por esta inspecção foi, naturalmente, a suficiente em ordem a manter em ordem e em dia o serviço de um Juízo de competência genérica que tem vindo a registar cargas de distribuição anual relativamente reduzidas, situadas no limite inferior da normalidade.

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b) Prolação de sentenças/ decisões finais:Jurisdição Cível

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De assinalar que, por força das suas funções de Juíza formadora (e na sequência de instruções do CEJ nesse sentido), vem atribuindo aos Mºs Juízes estagiários a presidência de vários julgamentos em processos de natureza cível e, bem assim, a presidência de audiências preliminares e prolação de saneadores com fixação de matéria assente e controvertida, matéria em que, aparentemente, terão sido detectadas maiores dificuldades nos formandos. Certo é que 450 sentenças em processos de natureza cível, 416 das quais em acções não contestadas (e, destas, 283 sentenças homologatórias de transacção, desistência ou confissão, extintivas de execução e outras de análoga simplicidade) e 470 sentenças em processos de natureza criminal (isto é, uma média anual de 94 sentenças em processos desta natureza) não constituem, seguramente, produtividade elevada. De notar, aliás, que no que concerne às sentenças proferidas em acções declarativas contestadas, após prévio julgamento, a actividade da Mª Juíza se resumiu a 19 peças, numa média anual inferior a 4 sentenças. Como é evidente, esta referência nada tem de negativo no que à prestação da Mª Juíza diz respeito. De um lado, o número de acções declarativas cíveis anualmente distribuídas ao .. Juízo do Tribunal da comarca de … é pouco significativo, como supra referi; de outro, por indicações do CEJ e no exercício das suas funções de Juíza formadora, parte significativa de julgamentos e audiências preliminares são presididos pelos Juízes estagiários; por fim, é significativo o número de transacções alcançadas pela Mª Juíza nos processos de natureza cível (em significativo número de situações, quando a Mª Juíza designa tentativa de conciliação é porque, por uma ou outra razão, se considera apta a conhecer de fundo no saneador; os Senhores Advogados, conhecedores desta "prática forense", quando convocados para essa diligência têm uma natural tendência

para procurar a resolução extra-judicial do conflito).

Também ao nível de saneadores com fixação de matéria assente e controvertida a produtividade da Mª Juíza (apta a manter o seu Juízo rigorosamente em ordem e em dia) não atinge números significativos: 20 saneadores em 5 anos, numa média anual de 4 peças. Mais uma vez, contudo, me permito acentuar (para evitar interpretações perversas e não pretendidas dos dados fornecidos) que se trata da consequência necessária de uma distribuição pouco significativa de acções declarativas cíveis no Juízo, da necessidade de atribuir a elaboração de peças processuais desta natureza aos Juízes estagiários, da dispensa - com alguma frequência - da fixação de matéria assente e controvertida nas acções sumárias e, também, do número significativo de transacções obtidas nestes processos e a que acabei de fazer referência.

2.4. Prazos de marcação/ Tempo de prolação:

A Drª …despacha dentro dos prazos legalmente previstos, muitas vezes no próprio dia em que os autos lhe são feitos conclusos. Uma ou outra decisão proferida com atraso (ligeiro), no período compreendido entre Maio e Dezembro de 2004, altura em que, como melhor resulta da leitura do seu memorandum, teve necessidade de prestar auxílio a …, o que a obrigou a sucessivas deslocações a essa cidade, em vários fins de semana , constitui a excepção; fora daquele período, as decisões proferidas com (ligeiro) atraso são, ainda, mais esporádicas .

Marcou os julgamentos em processos-crime a uma distância em regra não superior a 2 ou 3 meses , algumas vezes a um mês ou mês e meio , excepcionalmente a 5 ou 6 meses (particularmente em 2005) ; as sentenças são lidas em prazo adequado, em regra não superior a 10 dias ; uma ou

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outra vez o prazo previsto no artº 373º, nº 1 do CPP foi (ligeiramente) ultrapassado ; muito excepcionalmente, a sentença em processo comum singular foi ditada para a acta .

Do mesmo modo, os julgamentos e as audiências preliminares em processos de natureza cível são marcados a uma distância curta, em regra não superior a 2 meses ; e os despachos em que respondeu à base instrutória (ou à matéria de facto dos articulados) nos poucos julgamentos a que presidiu foram proferidos a distâncias compreendidas entre os 4 e os 14 dias .

De salientar, positivamente, que a Mª Juíza marca as diligências para várias horas do dia, por forma a evitar esperas inúteis, minimizando os transtornos causados a advogados e intervenientes acidentais.

IV.Preparação técnica (apreciação qualitativa):

1. Jurisdição cível:Nesta concreta jurisdição, a Drª ….

evidencia bons conhecimentos de direito, substantivo ou adjectivo.

Analisa com cuidado os articulados, não hesitando em indeferir liminarmente as pretensões formuladas pelas partes, quando para tanto existe fundamento legal; como, aliás, as convida ao aperfeiçoamento dos seus articulados, sendo caso disso .

Decide bem os incidentes da instância, sempre de forma adequadamente fundamentada.

Na sum. 437/02 admitiu a reconvenção com convincente argumentação, evidenciando conhecimento seguro dos pressupostos da respectiva admissibilidade.

Nas acções ordinárias, justifica adequadamente a dispensa da audiência preliminar, quando tal sucede. Mas quando designa a diligência, no despacho respectivo enuncia, com clareza, as finalidades da mesma.

A Mª Juíza prepara, com cuidado, as

audiências preliminares a que preside. Essa preparação justifica que as excepções entretanto suscitadas nos autos sejam objecto de conhecimento e que, por outro lado, a fixação da matéria assente e base instrutória seja feita em despacho imediatamente ditado para a acta, mesmo quando é mais complexa a matéria a seleccionar. Excepcionalmente, usa da faculdade previsto no artº 510º, nº 2 do CPC, elaborando o saneador por escrito. Vem a propósito salientar que a Mª Juíza conhece, no saneador, de todas as excepções entretanto suscitadas, relegando para final apenas aquelas em que, efectivamente, os autos não possuem, então, os elementos indispensáveis à decisão.

Conhece de fundo no despacho saneador, sempre que os autos fornecem os elementos de facto suficientes para tal, evitando o inútil “arrastar” dos autos.

Na sum. 945/06.4TB julgou inepta a petição inicial quanto a uma das rés, no despacho saneador, com adequada e convincente fundamentação.

Na ord. 335/05.6TB proferiu um bom saneador com conhecimento parcial dos pedidos e consequente absolvição de alguns dos réus analisando, com qualidade, o estatuto de praticante desportivo, o regime jurídico da alta competição, a responsabilidade civil decorrente da prática desportiva e o regime de seguros obrigatórios para o praticante desportivo, revelando bom estudo e leitura atenta da doutrina e jurisprudência existente. Outro bom saneador foi proferido pela Mª Juíza nos emb. ex. 134/03.0TB-A, onde decidiu correctamente a não suspensão da instância requerida nos termos dos artºs 97º e 279º do CPC e foi convincente na decisão de inadmissibilidade, in casu, da compensação. Mais uma boa decisão se mostra proferida na ord. 322/02, onde conheceu de parte dos pedidos (reconhecimento e restituição de propriedade), seleccionando a matéria de facto assente e controvertida

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necessária à decisão do terceiro pedido (de indemnização), evidenciando a Mª Juíza conhecimento adequado dos pressupostos da acção de reivindicação de propriedade. Na sum. 603/04.4TB decidiu no saneador, com qualidade, a excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário e colocou termo à acção, julgando procedente uma excepção peremptória, previamente alinhando os factos necessários à decisão.

A fixação da matéria assente e controvertida é feita de forma correcta: não “especifica” documentos, antes os factos por eles provados; a cada facto corresponde um “quesito” e não pergunta matéria conclusiva ou de direito.

Não quesita - e faz bem - factos apenas susceptíveis de prova documental, limitando-se a alertar as partes para a necessidade de junção do documento correspondente (e se for junto o documento em causa até ao encerramento da discussão, então o facto será tomado em consideração na sentença, nos termos estatuídos no artº 659º, nº 3 do CPC) . Porém, na ord. 646/03.5TB quesitou (artº 5º da BI): "O local referido em A) beneficia de licença de utilização?"; e na sum. 181/04.4TB perguntou (artº 8º da BI): "A autora tem actualmente com 82 anos de idade?" (sic). Ambos os factos apenas admitem, salvo melhor opinião, prova documental; e, por isso, não deviam ter sido "quesitados".

Nas acções sumárias abstém-se, por vezes, de seleccionar a matéria de facto assente e controvertida, fazendo uso da faculdade prevista no artº 787º, nº 1, in fine, do CPC.

Decide bem - de forma adequadamente fundamentada - as reclamações à selecção da matéria de facto .

Aprecia cuidadosamente os requerimentos de prova .

Admitindo alteração ao rol de testemunhas, não olvida a notificação da parte contrária para, querendo, usar de

idêntica faculdade, dando cumprimento ao estatuído no artº 512º-A, nº 1 do CPC .

Em julgamento, ouvindo testemunha enquadrável na previsão legal do artº 618º, nº 1 do CPC, não olvida o cumprimento do estatuído no nº 2 do mesmo preceito .

Tomando depoimento de parte, reduz a escrito o seu conteúdo, na parte em que se regista confissão, dando assim cumprimento ao determinado no artº 563º, nº 1 do CPC .

Admitindo documentos em audiência não olvida, salvo justificação bastante, a condenação em multa do apresentante. E procedendo a inspecção judicial, procede a medições, sendo caso disso, e reduz a escrito aquilo que de relevante observou .

A Mª Juíza faz bom uso dos poderes/deveres previstos no artº 265º, nº 3 do CPC, ordenando as diligências que tem por relevantes para a conscienciosa decisão da causa. Assim sucedeu, por exemplo, na sum.ma 377/04.9TB onde, apercebendo-se (do depoimento de 2 testemunhas entretanto ouvidas) que determinada pessoa, não indicada como testemunha, tinha conhecimento de factos importantes para a descoberta da verdade, determinou a sua inquirição, fazendo uso do estatuído no nº 1 do artº 645º do CPC; ou na sum. 1030/06.4TB onde, detectando contradições entre os depoimentos de duas testemunhas, não hesitou em proceder à respectiva acareação; ou, ainda, na ord. 755/05.6TB onde, em audiência preliminar, procedeu a inspecção judicial.

Quando, em julgamento, as partes requerem a suspensão da instância a fim de tentarem a resolução extra-judicial do conflito, a Mª Juíza naturalmente defere a pretensão mas, bem, designa logo novo dia para a continuação da diligência em caso de insucesso das negociações, dessa forma evitando futuras diligências de notificação.

A Drª …responde à matéria da base instrutória (ou dos articulados, na inexistência daquela peça), de forma

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cuidada e esclarecedora, com manifesta preocupação de transparência, no que ao seu processo de formação de convicção diz respeito. As provas são alinhadas e discutidas, os depoimentos são confrontados entre si e com a restante prova produzida, de um modo que permite aos destinatários das suas decisões alcançar as razões que levaram a que determinado depoimento fosse merecedor de crédito acrescido, em detrimento doutros. Na op. ex. 990/03.1TB-A (cuja sentença constitui, aliás, trabalho apresentado à inspecção), a fundamentação da convicção recebeu, mesmo, o seguinte comentário da Relação de (...) a clareza das respostas aos quesitos e o notável esforço da respectiva fundamentação, que se estende por nada menos do que doze páginas em que se escalpeliza e aprecia cada depoimento e a medida em que foi relevante para a convicção do tribunal, não merece qualquer censura (...)".

As sentenças proferidas pela Exmª Magistrada são estruturalmente correctas e obedecem ao modelo traçado pelo artº 659º do CPC: identifica as partes e as respectivas pretensões, mostrando particular facilidade na sua apreensão, delimita as questões a decidir (evidenciando facilidade na sua apreensão), alinha os factos apurados e procede a uma abordagem jurídica que, em regra, é de muito boa qualidade, evidenciando conhecimentos profundos da lei aplicável e das várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre cada assunto em discussão.

A Mª Juíza exprime-se numa linguagem acessível, porém tecnicamente rigorosa.

As decisões finais cujas cópias se encontram no anexo A e constituem trabalhos oferecidos pela Drª …nspecção são, natural e previsivelmente, bons exemplos do acabado de afirmar. Assim:

Na sum. 617/03.1TB abordou - com qualidade e conhecimento das diversas correntes doutrinárias - a resolução do contrato de arrendamento e,

particularmente, a excepção prevista na al. c) do nº 2 do artº 64º do RAU, em sentença confirmada na Relação de …

Na ord. 1065/07.0TB mostra conhecimento da tramitação própria do inquérito judicial previsto nos artºs 1479º a 1483º do CPC e fundamenta, de forma particularmente convincente, a impossibilidade de determinadas medidas cautelares aí requeridas serem decretadas sem prévia citação dos requeridos.

Na ord. 193/05.0TB aborda, com qualidade e conhecimento da doutrina relevante e de jurisprudência actualizada, os efeitos decorrentes da inobservância dos requisitos formais do contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano, a este propósito tecendo boas considerações sobre o abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium); muito interessante - mas não pacífica - a caracterização, in casu, de uma quantia entregue como indemnização pela imobilização (a sentença foi confirmada na Relação, por maioria).

Mas não só.Também na sum. 1130/03.2TB proferiu

uma boa sentença, com correcta enunciação da questão a decidir, rigorosa abordagem da mesma (o saber se determinado terraço era parte comum do prédio ou propriedade exclusiva de um condómino) e demonstração inequívoca de conhecimento da doutrina e jurisprudência atinentes. Na sum.ma 377/04.9TB produziu uma sentença interessante, tratando bem o regime da compra e venda de coisa defeituosa, mais uma vez com conhecimento da doutrina relevante. Na ord. 645/04.0TB (não contestada) analisou, com qualidade, os pressupostos do direito de preferência previsto no artº 1380º do CC. Na sum. 773/03.9TB proferiu um bom saneador/sentença (aliás confirmado na Relação), com exaustiva e convincente apreciação da excepção peremptória da caducidade do direito de acção para pagamento de indemnização por venda

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de coisa defeituosa, mais uma vez com conhecimento das correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes nesta matéria. Na sum. 368/06.5TB aborda bem a compensação prevista no artº 847º do CC .

São completas as sentenças proferidas na interd. 988/05.5TB e na interd. 104/02, nomeando tutor e protutor e designando data a curto prazo (1 mês) para o respectivo juramento.

Na ord. 313/01 decidiu de forma esclarecida (e esclarecedora) a inadmissibilidade de transacção no caso em apreço, porquanto admiti-la se traduziria num afastamento da vontade do de cujus, expressa no testamento, pelos seus herdeiros .

A Mª Juíza identifica (bem) as partes nas sentenças homologatórias de transacção.

Salvo o devido respeito por melhor opinião, a Mª Juíza não faz devido uso da faculdade prevista no artº 784º do CPC, simplificando a decisão e aderindo aos fundamentos de facto e de direito alegados na petição inicial e condenando o réu no pedido (refiro-me, como é evidente, às acções sumárias e sumaríssimas não contestadas). Com efeito, na sum.ma 828/05.5TB, não contestada, "gastou" 23 páginas, repletas de citações doutrinárias e jurisprudenciais, reflectindo sobre uma interpretação legal que o STJ já uniformizou (idem na sum.ma 884/05.6TB ). Na sum.ma 238/05.4TB (não contestada), 13 páginas com citações jurisprudenciais sobre a noção de empreitada, citações doutrinárias sobre o direito de retenção e sobre a licitude do recurso à acção directa, bem como sobre os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, apenas para concluir pela procedência do pedido e pela condenação do réu nos exactos termos pretendidos pelo autor na sua petição inicial. Também na sum. 851/04.7TB (não contestada) proferiu uma longa sentença, considerando confessados os factos alegados na petição inicial (que reproduziu), tecendo extensas considerações de direito, para concluir

pela procedência da acção nos termos pretendidos pelo autor.

São correctas as suas decisões sobre custas, matéria em que se move com à-vontade. E é criteriosa na fixação das remunerações aos peritos.

Admite bem os recursos e fixa-lhes o adequado efeito e modo de subida .

Move-se bem no âmbito da acção executiva, que processa com segurança. Após a venda e pago o preço, ordena o cancelamento dos registos que incidem sobre o bem vendido e que caducam, nos termos do artº 824º do CC. Nos emb. ex. 132-A/01 proferiu um bom saneador/sentença, evidenciando conhecimentos adequados de direito cartular. Os mesmos que mostrou na op. ex. 990/03.1TB-A (que constitui trabalho oferecido à inspecção), onde se pronunciou - correctamente - sobre as características, efeitos (e, no caso, a regularidade) do endosso de um cheque; analisou bem a excepção prevista na parte final do artº 2º da LUCH, com recurso à melhor doutrina; e a Relação de …o acórdão proferido no recuso entretanto interposto, entendeu que "a douta e aliás brilhante sentença aplicou correctamente o direito, inteiramente se subscrevendo os respectivos fundamentos"; ao signatário apenas resta subscrever a adjectivação, porque merecida.

É completa a sentença de verificação e graduação de créditos na recl. cred. 680/03.5TB-A (que constitui trabalho oferecido à inspecção e foi confirmada na Relação de …

Mostra segurança na tramitação e decisão do processo de falência, imprimindo-lhe a necessária celeridade. É completa a sentença em que decreta a falência, como o é a decisão em que declara encerrado o processo. Na insolv. 209/06.3TB absteve-se de nomear a comissão de credores atenta a exígua dimensão da massa insolvente (artº 66º, nº 2 do CIRE) e foi criteriosa na fixação da remuneração do administrador,

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evidenciando conhecimento dos critérios legais para a sua determinação. Na insolv. 794/05.7TB indeferiu liminarmente o requerimento inicial, em despacho dotado de muito boa fundamentação que, aliás, a Relação de … irmou. Na apr. bens 442/04.2TB-C proferiu uma interessante decisão, pronunciando-se sobre a necessidade de a notificação das alegações de recurso deverem ser feitas pelo mandatário do recorrente ao mandatário do recorrido e não pela secção de processos, com convincente fundamentação; de igual modo, é bem fundamentada a decisão proferida neste processo de indeferimento da pretensão de restituição dos documentos de determinadas viaturas apreendidas, formulada por quem tinha inscrita a seu favor reserva de propriedade sobre as mesmas, mas que não havia deduzido reclamação de créditos.

Em matéria de inventários, a Mª Juíza não evidencia qualquer dificuldade. Tramita-os com celeridade e mostra bons conhecimentos de direito sucessório, no despacho determinativo da forma à partilha. Nos inv. 486/02 e 298/02 colocou termo ao processo na conferência de interessados (nos termos prescritos no artº 1353º, nº 6 do CPC), dando despacho determinativo da forma à partilha e, após inexistência de reclamações, ditando para a acta a sentença homologatória da partilha, adjudicando aos interessados - como faz habitualmente (e bem) - não os quinhões, antes os bens que os integram.

É completa a sentença de adjudicação do bem expropriado na expropr. 54/05.3TB e são correctas as considerações tecidas na sentença do recurso, sobre o conceito de "justa indemnização" (trata-se da única sentença proferida em processo de expropriação no período abrangido pela inspecção).

Em matéria de procedimentos cautelares, é evidente que a Mª Juíza tem conhecimento dos pressupostos da respectiva procedência

e está atenta à especial celeridade que lhes deve imprimir (e imprime). Porém, terminada a produção de prova, a Mª Juíza não fixa imediatamente - como o deveria fazer, por força do estatuído no artº 304º, nº 5, ex vi do artº 384º, nº 3, ambos do CPC - os factos indiciariamente apurados, sujeitando-os às devidas reclamações; antes os integra - como a respectiva motivação - na decisão final, subtraídos, pois, à faculdade de reclamação . No PC 55/04.9TB proferiu uma boa decisão, decidindo de forma convincente a excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e analisando, com qualidade, o conceito de "concorrência desleal", com pertinentes citações doutrinárias e jurisprudenciais.

2. Jurisdição criminal:A Drª …mita e decide bem os processos

de natureza criminal, evidenciando bons conhecimentos jurídicos, nesta concreta jurisdição.

É completo o despacho em que recebe a acusação e designa as datas para julgamento, onde tem o cuidado de fixar ou reapreciar as medidas de coacção anteriormente fixadas e de ordenar todas as diligências que entende por necessárias. É particularmente criteriosa na reapreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sujeição do arguido ao regime de prisão preventiva.

No CS 616/05.9JA rejeitou a acusação pública relativamente a dois crimes de natureza particular, com ampla e convincente justificação.

Ordena a apensação de processos em situação de conexão prevista no artº 25º do CPP; e se dessa apensação resulta que o somatório das penas abstractamente aplicáveis ultrapassa os 5 anos de prisão, determina - bem - que se abra vista ao MºPº para, querendo, fazer uso da faculdade prevista no artº 16º, nº 3 daquele diploma.

De igual modo, é completo o despacho

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em que declara o arguido contumaz, ou cessada a contumácia.

Em regra, inicia as audiências na primeira data para o efeito fixada, mesmo em caso de ausência do arguido, devidamente notificado, tudo nos termos prescritos no artº 333º, nºs 1 e 2 do CPP.

Em audiência, dá cumprimento ao estatuído no nº 2 do artº 134º do CPP, verificando-se o circunstancialismo enunciado no nº 1 do mesmo preceito.

Suspendendo a audiência e recomeçando-a decorridos mais de 8 dias, em regra não se pronuncia (e devia fazê-lo) sobre a (des) necessidade de repetição de diligências probatórias, nos termos estatuídos no artº 328º, nº 5, 2º período, do CPP .

Ouvindo os arguidos em separado, regressados à sala dá integral cumprimento ao estatuído no artº 332º, nº 7 do CPP ; e do mesmo modo procede quando alguma testemunha é ouvida após prévio afastamento do arguido, nos termos previstos no artº 352º do mesmo diploma legal.

Apercebendo-se de contradições entre depoimentos de testemunhas, arguidos e demandantes, toma a iniciativa de proceder à respectiva acareação, consignando em acta o respectivo resultado. Igualmente exibindo iniciativa, nos CS 154/06.2GA e 825/06.3TA, dando-se conta de que determinadas pessoas não arroladas como testemunhas tinham conhecimento de factos relevantes para a descoberta da verdade material, determinou a sua inquirição, nos termos do artº 340º do CPP; e no CS 357/05.7PA, suscitando-lhe dúvidas a sanidade mental do arguido, ordenou a realização de perícia psiquiátrica do mesmo, formulando logo os respectivos quesitos.

Quando procede a alteração não substancial dos factos ou da qualificação jurídica, a Mª Juíza dá integral cumprimento ao estatuído no artº 358º, nºs 1 e 3 do CPP

. De igual modo, procedendo a alteração substancial de factos, obtém a prévia concordância do MºPº, arguido e assistente para a continuação do julgamento pelos novos factos.

As sentenças proferidas pela Drª …são, à semelhança do já constatado na jurisdição cível, estruturalmente correctas e evidenciam bons conhecimentos de direito substantivo.

Alinha de forma precisa os factos provados e não provados e fundamenta a sua convicção de forma clara e aprofundada, enunciando as provas produzidas e procedendo à sua análise crítica, manifestando preocupação em tornar transparente o processo de formação da sua convicção.

A abordagem jurídica dos factos apurados é feita, regra geral, com boa qualidade, evidenciando a Mª Juíza estar a par da melhor doutrina e da mais recente jurisprudência.

Em caso de crime punível alternativamente com prisão ou multa, opta naturalmente por esta última quando conclui que a mesma se mostra apta a alcançar as finalidades da punição; em caso contrário, não hesita em aplicar pena de prisão, justificando adequadamente essa opção.

Procede com correcção na determinação da medida concreta da pena a aplicar, enunciando as circunstâncias descritas no artº 71º do Cod. Penal e concretizando-as com os elementos fácticos apurados nos autos.

E as penas que aplica, é de inteira justiça referi-lo, primam pela justiça, equilíbrio e equidade.

A Mª Juíza faz correcto uso da suspensão da execução da pena, não a aplicando de forma automática, verificado que esteja o requisito formal, antes o reservando às situações em que encontra razões para concluir pela verificação do requisito substantivo previsto no nº 1 do artº 50º do Cod. Penal, demonstrando um conhecimento adequado das finalidades desse instituto.

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E justifica bem, de forma convincente e com recurso à matéria de facto apurada, a decisão de suspender ou não suspender a execução da pena de prisão.

De igual modo, no que à aplicação da faculdade prevista no artº 4º do DL 401/82, de 23/9 diz respeito, reserva-a para as situações em que, face ao factualismo apurado, conclui que da atenuação especial resultam efectivas vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

A Exmª Magistrada decide bem os pedidos cíveis formulados nos autos, evidenciando bons conhecimentos em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos e fazendo cuidada e equitativa determinação da indemnização por danos morais. Porém, a Mª Juíza tem por hábito condenar o demandado no pagamento de juros sobre o montante indemnizatório por danos morais, desde a data da notificação do pedido cível e até integral pagamento (assim, v.g., nos CS 511/06.4PA, 902/04.5PA e 9/06.0PA). Tal montante terá sido necessariamente actualizado à data da decisão (presumo que o foi, em obediência ao estatuído no artº 566º, nº 2 do CC). Mas, sendo assim, haveria que levar em conta a doutrina fixada no Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 4/02, de 27/6: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

No CS 1254/04.9PA esteve atenta e não lhe escapou a extemporaneidade do pedido cível, que não admitiu.

Procede ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em obediência ao estatuído no artº 77º do Cod. Penal e a pena única encontrada reflecte os mesmos parâmetros de justiça e equidade acima

referidos. Em caso de conhecimento superveniente de concurso, alinha os factos relativos à condição pessoal, social e económica do arguido, bem como as circunstâncias em que os factos delituosos foram praticados e procede, depois, a uma efectiva apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido.

Usa de adequado critério na fixação da remuneração aos intérpretes.

Exemplos de boas sentenças proferidas nesta concreta jurisdição encontram-se, como não podia deixar de ser, nos trabalhos oferecidos pela Mª Juíza à inspecção. Assim:

No abrev. 1086/07.2GT condenou o arguido pela prática dos crimes de condução sem habilitação legal e desobediência. Optou por penas parcelares de prisão, com justificação convincente; como convincente foi na justificação da não suspensão da pena ou da não aplicação das restantes penas de substituição, mostrando correcta compreensão dos fins das penas (a sentença está sob recurso).

No CS 1102/06.5GT procede a uma exaustiva "discussão da prova", alinhando os depoimentos prestados em audiência, confrontando-os entre si e com as regras de experiência comum, expondo uma linha de raciocínio coerente e convincente (a sentença está sob recurso).

No CS 290/03.7TA (sentença confirmada na Relação) mostra conhecimento "teórico" dos contornos do crime continuado, citando jurisprudência elucidativa no que aos pressupostos dessa figura diz respeito. Contudo, não me parece que os tenha apreendido, na sua plenitude. Diz (justificando a verificação de um único crime continuado e não de 23 crimes, como o arguido vinha acusado): "Com efeito, reiteradamente o arguido praticou os factos e os elementos objectivos do tipo, ou seja, deixou de efectuar a entrega das aludidas contribuições em virtude da situação económica, e acabou

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por afectar os recursos disponíveis ao cumprimento de outros compromissos, designadamente, ao pagamento de salários e de despesas necessárias e dentro de um quadro que lhe diminui a culpa. Donde, sendo assim, como é, verifica-se que se mantém a homogeneidade na execução, a proximidade temporal da conduta e a situação exterior que a determina, bem como a unidade do dolo". Mas onde está aqui o circunstancialismo exterior (ao agente e à empresa em cujo nome e proveito agiu) facilitador da repetição da conduta, por forma a diminuir consideravelmente a culpa do agente? Escrevia Eduardo Correia, “Direito Criminal”, II (ed. 1971), 209: “(...) certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime - ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às que presidiu uma pluralidade de resoluções (...) todavia devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente. E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”. Este aproveitamento de uma situação exterior que propicia a repetição e que, por isso, a torna menos censurável, é a pedra de toque do crime continuado (neste sentido, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., 159, Teresa Beleza, “Direito Penal”, 2º vol. tomo II, AAFDL 1980, 1014/1015 ou Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, Parte Geral II, 323). Ora, é essa

situação exterior que, de alguma forma, “empurra” o arguido para a prática do crime que, no caso, se não mostra referida. Estavam em causa, na situação em apreço, factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes de abuso de confiança contra a segurança social, traduzidos na omissão de contribuições para a segurança social. Eventualmente, o circunstancialismo exterior poderia passar, v.g., pela ineficácia da máquina fiscal na detecção de cada uma das omissões, criando uma sensação de impunidade facilitadora da repetição. E a Mª Juíza parece, aliás, ter presente isso mesmo quando na sua sentença e logo após o excerto transcrito, acrescenta: "Por outro lado, o arguido agiu assim, porquanto existiu uma deficiente actuação da administração fiscal que cria com a sua inactividade uma sensação de impunidade". Mas de onde retira a Mª Juíza esse facto, relativo à intenção ou motivo subjacente à conduta?. Isto é: de que factos - dados como provados - conclui a Mª Juíza que o arguido agiu como agiu em função ("porquanto") dessa alegada ineficiência da máquina fiscal? É que a matéria de facto provada é, de todo em todo, omissa a este respeito.

Correctamente, a Mª Juíza ouve o arguido antes de se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena; como o ouve antes de se pronunciar sobre a conversão em prisão subsidiária da multa não paga, voluntária ou coercivamente .

Mostra-se criteriosa na autorização do pagamento da multa em prestações, sopesando o montante da mesma e a condição económica do arguido.

Dá destino aos objectos apreendidos.No âmbito do proc. sumaríssimo, são

completos os despachos a que aludem os artºs 396º e 397º do CPP .

Nos escassos recursos de contra-ordenação em que decide por simples despacho (artº 64º, nº 1, in fine do DL 433/82, de 27/10), não olvida a prévia obtenção

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de concordância do MºPº e do arguido. No RCO 655/05.0TB colheu tal anuência; porém, após melhor estudo, entendeu ser necessária a realização de uma audiência de julgamento, que designou.

São correctas as suas decisões em matéria de custas, não sendo as mesmas merecedoras de qualquer reparo. Uma nota, apenas: apesar de, por regra, condenar o assistente em custas quando formula desistência de queixa relativamente a crime particular (e faz bem, atento o estatuído nos artºs 515º, nº 1, al. d) e 518º do CPP), não o fez no CS 348/04.5TA (aqui, o assistente que desistiu da queixa por crime de injúria foi, apenas, condenado no pagamento de taxa de justiça).

V. Conclusões:a) A Drª …tinha, à data em que foi

instalada esta inspecção, acabado de completar 10 anos de exercício efectivo de judicatura (excluído, naturalmente, o período de estágio).

b) Do seu registo individual constam as seguintes classificações de serviço:

“BOM”, como Juíza da comarca de …(18/9/98 a 14/9/99); e

"BOM COM DISTINÇÃO" como Juíza do .. Juízo do Tribunal da comarca de …(15/9/99 a 21/5/2003).

c) É uma Magistrada dedicada à função, com uma boa capacidade de trabalho, adequadamente adaptada ao serviço, com uma produção suficiente para as necessidades do serviço. Inteligente, estudiosa, organizada e sensata, preocupa-se com a gestão da agenda.

d) Assídua e pontual, relaciona-se de forma fácil, simpática e agradável com demais Magistrados, Advogados e Funcionários, sendo merecedora do inegável prestígio profissional de que goza.

e) Não tinha, à data em que foi instalada a inspecção, qualquer processo concluso com prazo de decisão esgotado. De outro lado, são excepcionais - e de insignificante

relevância - os poucos atrasos na prolação de decisões (aliás, no essencial justificados por um período de maior turbulência na sua vida pessoal, motivada pela necessidade de prestação de assistência a familiares doentes).

f) Demonstra bons conhecimentos de direito substantivo e adjectivo, os quais lhe permitem abordar, com toda a segurança, todas as questões jurídicas submetidas à sua apreciação, que apreende com facilidade.

g) Desempenha as suas funções de juíza formadora com manifesto empenho e dedicação.

(…)A Drª …foi, até ao momento, classificada

por apenas duas vezes (a primeira com Bom, a segunda com Bom com distinção). E não estranha que assim seja: a Mª Juíza tomou posse como juíza estagiária no final de Maio de 1998. Assim, no momento em que foi instalada esta inspecção, havia acabado de completar 10 anos exactos de exercício efectivo da judicatura.

(…)Estará a Drª …em condições de ser notada

com essa classificação de excelência?Daquilo que me foi permitido ver, a

prestação da Mª Juíza é de muito bom nível, demonstrativa de boa preparação técnica e de elevadas qualidades humanas.

Contudo, a sua actividade tem vindo a ser prestada num Juízo de pouco movimento processual, com moderado (escasso, no que à jurisdição cível diz respeito) volume de trabalho. E isso reflecte-se na própria produtividade da Mª Juíza: uma média anual de 4 (quatro) sentenças em acções declarativas contestadas, após realização de julgamento é, indiscutivelmente, muito pouco, inferior à média registada na generalidade das comarcas de 1º acesso; e o mesmo se diga relativamente aos despachos saneadores (em média, 4 - quatro - por ano). Como já tive oportunidade de referir, este facto não é

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sinónimo de menor empenho ou dedicação da Mª Juíza. O que sucede é que o Juízo não recebe muitos mais processos cíveis e ao número elevado de transacções aí obtidas (a que não é, naturalmente, alheia a actividade da própria Magistrada) soma-se a necessidade de atribuir aos juízes estagiários a presidência de audiências de julgamentos e de audiências preliminares, por indicações do próprio CEJ.

Certo é que a prestação da Mª Juíza não tem sido levada a cabo em condições de especial dificuldade, bem pelo contrário. Talvez seja por isso, aliás, que a Mª Juíza não sinta necessidade de simplificar alguns actos processuais (factor a atender, nos termos do artº 34º, nº 1 do EMJ), como sucede nas acções sumárias e sumaríssimas não contestadas”.

2 - Na sequência da resposta da Exma. Juíza importa acrescentar que: a Exma. Juíza aplica nas suas funções de formadora o mesmo empenho, brio e dedicação profissional que utiliza enquanto julgadora.

Inexistem outros factos relevantes para a decisão a proferir

C. - APRECIAÇÃO

Cabe a este Plenário decidir da reclamação apresentada pela Sra. Juiz…, sobre o Acórdão do Conselho Permanente, que determinou lhe fosse atribuída a classificação de “Bom com distinção”, pela prestação que desenvolveu nos Tribunais supra indicados.

O art. 167º-A do E.M.J. dispõe que uma tal reclamação devolve a este Plenário a competência para a decisão sobre essa notação.

Importa, então, considerar os factos supra declarados provados, na sequência do papel instrutório do relatório inspectivo, mas o que não pode já deixar de ser feito à luz dos actos entretanto ocorridos:

a resposta apresentada; o Acórdão do Conselho Permanente que sobre eles foi construído; a reclamação que sobre este incidiu.

E é aqui que se torna pertinente afirmar que a matéria provada é, na totalidade, a que consta do relatório inspectivo. Com efeito, quanto aos factos ali constantes, não resulta da análise do expendido pela ora reclamante, em ambos os momentos da sua intervenção, qualquer discordância sobre matéria que se deva considerar relevante, constatando-se, pelo contrário, que nos correspondentes dois articulados desenvolveu diversos comentários à avaliação que lhe foi feita, manifestando discordância quanto a esta, mas sem colocar em causa os factos descritos e que são pertinentes para a decisão a proferir. Neste âmbito se insere, aliás, a nota de importância expressamente conferida à sua prestação como formadora de Auditores de Justiça e de Colegas mais novos, em estágio, que entendeu ter sido subvalorizada, mas que, como claramente já se deixou dito neste processo, não foi esquecido.

Nesta tarefa, deve ter-se presente o regime aplicável: nos termos do artigo 33º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, os Juízes de Direito são classificados, de acordo com o seu mérito, de Muito Bom, Bom com Distinção, Bom, Suficiente e Medíocre.

A classificação deve atender ao modo como os Juízes desempenham a função, ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, condições do trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica (artigo 34º, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais).

É neste âmbito que se incluem importantes caracteres apontados à Sra. Juiz...: “…inteligente, dotada de uma boa capacidade de trabalho e de compreensão

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das concretas situações colocadas sob sua apreciação, sendo muito dedicada à função que exerce (…) Serena e ponderada, mantém um excelente relacionamento com os seus Colegas, com Magistrados do Ministério Público, Advogados e Funcionários, sendo por todos considerada e respeitada. Para tanto contribui de forma decisiva a simpatia e gentileza que dispensa a quem se lhe dirige, sempre sem quebra do distanciamento necessário ao desempenho da sua profissão. (…) Senhora de uma inatacável dignidade de conduta, exerce as suas funções com total sentido de isenção e independência. (…) Da leitura das suas decisões (particularmente das proferidas no decurso de diligências a que preside) extrai-se a imagem de uma Magistrada competente e segura, atenta e dialogante, sempre sem qualquer quebra da indispensável firmeza.”

Desenvolvendo os critérios e elenco de elementos a ponderar neste processo classificativo, o artigo 37º, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais prescreve ainda que “nas classificações são sempre considerados o tempo de serviço, o resultado das inspecções anteriores, os processos disciplinares e quaisquer elementos complementares que constem do respectivo processo individual”.

A este respeito, deve ter-se presente que a Sra. Juiz tem já duas notações, sendo a última de bom com distinção, contando 10 anos de efectivo serviço, ao tempo do início da inspecção. Não tem qualquer antecedente disciplinar.

Por outro lado, nesta matéria rege ainda o Regulamento das Inspecções Judiciais, nomeadamente o disposto nos seus artigos 13º, 15º, 16º e 17º – aprovado pela deliberação nº 55/2003 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, publicado no DR – II nº 12 de 15 de Janeiro de 2003 o qual, no que aqui interessa, em nada alterou o regulamento anteriormente em vigor.

Devemos ter concretamente em atenção o estatuído no artigo 16 n.º 1 als. a) e b) do Regulamento das Inspecções Judiciais, que dispõe:

a) “A atribuição de Muito bom equivale ao reconhecimento de que o juiz de direito teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira;

b) A atribuição de Bom com distinção equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira;

Da conjugação dos conteúdos destes dois níveis de valoração do desempenho funcional de um juiz sobressai a conexão entre a evolução (temporal) na carreira e a qualificação, como meritório, desse desempenho.

Assim, o nível de mérito subjacente à atribuição das notas de Muito bom e de Bom com distinção supõe a existência, na prestação funcional do juiz, de caracteres que permitam identificar um valor qualitativo elevado do seu trabalho; mas também uma carreira com uma dimensão temporal apta a revelar, com segurança, a sedimentação, i. é a permanência desse nível qualitativo.

Este nível qualitativamente elevado, i. é, o mérito do desempenho funcional do juiz há-de identificar-se sobre duas dimensões do seu trabalho, ou melhor, sobre a forma como se conjugam essas duas dimensões: a qualidade intrínseca do trabalho realizado e a eficiência do desempenho funcional.

Na primeira dimensão compreende-se a qualidade técnica das decisões e actos judiciais, o rigor e acerto das fundamentações das decisões de facto e de direito, a boa técnica de condução dos processos até ao seu termo. Na segunda, inserem-se os valores inerentes aos resultados quantitativos, à eficiência e produtividade da prestação funcional.

Neste contexto, a classificação de Muito Bom deve ser atribuída ao juiz cujo desempenho seja de qualificar como

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“elevadamente meritório” ao longo da respectiva carreira, o que necessariamente o torna qualitativamente superior ao de outro juiz cujo desempenho ao longo de tal carreira tenha sido apenas “meritório”, de modo a justificar a classificação correspondente ao escalão imediatamente inferior: Bom com Distinção.

Em ambos os casos estamos num nível de prestações funcionais de mérito, sendo apenas diferente o grau em que se manifestam os caracteres desse mérito.

Nestes termos, a classificação de Bom com Distinção supõe a constatação do mérito revelado no modo como se exerce a função, tendo em consideração a carreira, com ponderação, designadamente, das anteriores prestações e correspondentes classificações. Esta nota tem significado para efeitos de designação para lugares de juiz de círculo ou equiparados, ou para promoção à Relação. A classificação de Muito Bom não é condição para tais evoluções na carreira e a sua atribuição pressupõe a verificação de qualidades estruturais de elevado nível, em termos de excelência, que se tenham repercutido positivamente no trabalho desenvolvido.

Por consequência, sob pena de desvalorização da notação e, reflexamente, de esgotamento do modelo de classificação em vigor, a nota de Muito Bom deve ser reservada a juízes que revelem, ou confirmem, um grau de mérito que deva ser objecto de elevado destaque, tendo em conta a avaliação global de todos os critérios e a ponderação do tempo de serviço. Com tal notação se assinalará um desempenho funcional destacado daquele que um bom Juiz já conseguiria, em termos quantitativos e qualitativos, naquelas circunstâncias, mas também que está já sedimentada a convicção sobre ser esse mérito uma característica estrutural do trabalho do magistrado, prevalecente sobre as condições conjunturais em que ele se desenvolve.

É, pois, por referência aos factores enunciados que temos de avaliar o desempenho funcional da Sra. Juiz ….

No que respeita à graduação do nível de mérito do desempenho funcional da Sra. Juiz, sob a perspectiva da eficiência e produtividade – a segunda das dimensões enunciadas, que por facilidade se pondera desde já - só pode concluir-se que ele atinge um elevado grau. Com efeito, a Sra. Juiz, ao longo do tempo, mantém o Juízo de que é titular em pleno e regular funcionamento, sem atrasos, com uma capacidade de resposta às solicitações da comunidade:

“É assídua e pontual. Inicia as diligências à hora previamente designada (…) Em caso de adiamento ou reagendamento de diligências tem a salutar (…) preocupação de explicar as razões do facto aos intervenientes presentes. (…)A "produtividade" da Mª Juíza no período abrangido por esta inspecção foi, naturalmente, a suficiente em ordem a manter em ordem e em dia o serviço de um Juízo de competência genérica que tem vindo a registar cargas de distribuição anual relativamente reduzidas, situadas no limite inferior da normalidade.

(…)Marcou os julgamentos em processos-crime a uma distância em regra não superior a 2 ou 3 meses , algumas vezes a um mês ou mês e meio , excepcionalmente a 5 ou 6 meses (particularmente em 2005) ; as sentenças são lidas em prazo adequado, em regra não superior a 10 dias ; uma ou outra vez o prazo previsto no artº 373º, nº 1 do CPP foi (ligeiramente) ultrapassado ; muito excepcionalmente, a sentença em processo comum singular foi ditada para a acta . Do mesmo modo, os julgamentos e as audiências preliminares em processos de natureza cível são marcados a uma distância curta, em regra não superior a 2 meses ; e os despachos em que respondeu à base instrutória (ou à matéria de facto dos articulados) nos poucos julgamentos a que presidiu foram proferidos a distâncias compreendidas entre os 4 e os 14 dias .

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De salientar, positivamente, que a Mª Juíza marca as diligências para várias horas do dia, por forma a evitar esperas inúteis, minimizando os transtornos causados a advogados e intervenientes acidentais.”

Constata-se, pois, que pendência, no que respeita aos processos-crime, baixou significativamente, ao longo do período sob inspecção, e uma elevação de pendência total só ocorreu por via do aumento do número de execuções, sem que nisso se possa apontar qualquer responsabilidade à Sra. Juiz.

Aliás, a par do volume de serviço produzido, outro elemento fundamental para analisar a eficiência do funcionamento é o da dilação das marcações, ou seja, numa afirmação que não deixa de ser ligeira mas é suficientemente expressiva, o do tempo de resposta do Tribunal. Também neste aspecto, a Sra. Dra. …apresentou resultados bem positivos, como assinala o Sr. Inspector, tal como são exemplares as metodologias de trabalho por si utilizadas, na atenção, controle e disciplina que dispensa à tramitação dos processos, na célere execução do serviço diário, na forma racionalizada como planifica as actividades e calendariza as audiências e diligências processuais, na eficiente gestão do tempo, tudo redundando numa satisfação dos interesses que lhes estão confiados, não fazendo os intervenientes esperar ou deslocarem-se ao Tribunal inutilmente, não lhes dando azo a que partam sem terem a noção da utilidade dos actos em que intervieram.

Ou seja, estamos perante um desempenho funcional claramente eficiente, impregnado pela organização, pela prontidão da resposta, pelo cumprimento dos prazos, pela aquisição de bons resultados quantitativos.

Porém, não pode deixar de se atentar em que a Sra. Juiz aproveita condições de trabalho muito favoráveis (que, em parte, a si própria e ao seu trabalho se devem):

tem entradas e pendências processuais no limiar inferior da normalidade e, como refere o Sr. inspector, “por força das suas funções de Juíza formadora (e na sequência de instruções do CEJ nesse sentido), vem atribuindo aos Mºs Juízes estagiários a presidência de vários julgamentos em processos de natureza cível e, bem assim, a presidência de audiências preliminares e prolação de saneadores com fixação de matéria assente e controvertida, matéria em que, aparentemente, terão sido detectadas maiores dificuldades nos formandos. Certo é que 450 sentenças em processos de natureza cível, 416 das quais em acções não contestadas (e, destas, 283 sentenças homologatórias de transacção, desistência ou confissão, extintivas de execução e outras de análoga simplicidade) e 470 sentenças em processos de natureza criminal (isto é, uma média anual de 94 sentenças em processos desta natureza) não constituem, seguramente, produtividade elevada. De notar, aliás, que no que concerne às sentenças proferidas em acções declarativas contestadas, após prévio julgamento, a actividade da Mª Juíza se resumiu a 19 peças, numa média anual inferior a 4 sentenças. Como é evidente, esta referência nada tem de negativo no que à prestação da Mª Juíza diz respeito. De um lado, o número de acções declarativas cíveis anualmente distribuídas ao º Juízo do Tribunal da comarca de …é pouco significativo, como supra referi; de outro, por indicações do CEJ e no exercício das suas funções de Juíza formadora, parte significativa de julgamentos e audiências preliminares são presididos pelos Juízes estagiários; por fim, é significativo o número de transacções alcançadas pela Mª Juíza nos processos de natureza cível (em significativo número de situações, quando a Mª Juíza designa tentativa de conciliação é porque, por uma ou outra razão, se considera apta a conhecer de fundo no saneador; os Senhores Advogados, conhecedores desta

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"prática forense", quando convocados para essa diligência têm uma natural tendência para procurar a resolução extra-judicial do conflito).”

Não temos dúvidas em afirmar que, mesmo nestas condições e considerando-as em todas as suas vertentes – se é certo que o trabalho de formadora, em certas fases adiantadas dos estágios podem redundar numa diminuição do serviço quantificável, não o é menos a aplicação e o tempo que a actividade formativa exigem ao formados – a produtividade, eficiência e métodos de trabalho aplicados justificam o destaque da prestação funcional avaliada, o seu enaltecimento face a outras prestações que se poderiam considerar satisfatórias, o merecimento de um elogio. Em suma, o reconhecimento do seu mérito.

Nesta dimensão é, pois, de inequívoco mérito o desempenho funcional da Sra. Juiz….

Importa, então, a analisar o desempenho funcional em causa numa perspectiva qualitativa, indagando da qualidade intrínseca do trabalho, onde se compreende a qualidade técnica das decisões e actos judiciais, o rigor e acerto das fundamentações das decisões de facto e de direito e a boa técnica de condução dos processos até ao seu termo.

Nesta tarefa, rapidamente nos apercebemos estarmos perante uma Juiz tecnicamente evoluída, actuando em níveis superiores ao que se pode considerar ser o medianamente exigível aos magistrados judiciais. Aliás, o pressuposto altamente positivo da valia quantitativa desse trabalho logo o anunciava.

Assim, ao longo do relatório transcrito supra, o Sr. Inspector enuncia diversos exemplos que considera impressivos da preparação técnica da Sra. Juiz, a qual resulta, desde logo, numa boa condução dos processos, i.é, no adequado condicionamento da sua evolução para o

seu termo, sem os arrastar ou permitir que demorem mais que o necessário – cfr. fls. 10 a 12.

Noutros momentos, também se reconhece o bom nível qualitativo desta prestação, salientando-se até o reconhecimento que disso já fez a Relação de…, ao conhecer de recurso de decisões suas. As suas decisões aparecem como bem estruturadas e dotadas de uma fundamentação onde sobressai a capacidade argumentativa e de convencimento da Sra. Juiz. Isso mesmo resulta, aliás, da análise dos trabalhos que apresentou à Inspecção.

Numa comarca de competência genérica, como aquela em que exerce funções, é de reconhecer a valia de um trabalho informado por um conhecimento adequado das mais variadas espécies processuais, cíveis e criminais, sobre as quais aplica as suas decisões: insolvências, execuções, reclamações de créditos, inventários, expropriações, custas, etc.

São reduzidos – e de cariz essencialmente pedagógico – os reparos que as suas intervenções processuais e substantivas merecem, não se justificando sequer dar-lhes relevo, de tal modo se diluem na qualidade generalizada do seu trabalho, neste registo se inscrevendo mesmo o reparo a uma menos feliz aplicação do instituto da continuação criminosa em determinado processo.

Em face do exposto, cumpre afirmar que, tal como reconheceu o Sr. Inspector, é de assinalar a valia desta prestação funcional, também na sua dimensão qualitativa.

A conjugação destes caracteres do trabalho inspeccionado com o valor de produtividade/eficiência que alcançou, mais do que digno de realce, conduz a que se deva considerar como meritório o desempenho funcional em análise. Estamos, manifestamente, perante uma Sra. Juiz cuja actuação profissional supera o que seria meramente satisfatório ou mesmo passível

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de algum realce. Transcendendo estas qualificações, pode afirmar-se ser meritória a sua prestação.

Cabe, porém, decidir se esse mérito alcança um nível de topo, i. é, o nível máximo, bem como se isso se revela já sedimentado na actuação profissional da Sra. Juiz Dra. …em termos que justifiquem concluir pela adequação da sua notação com a nota mais elevada das previstas.

E é aqui que entendemos, tal como o Sr. Inspector Judicial e o Permanente que a Sra. Juiz Dra. …ainda não se encontra num estado da sua carreira que, de forma consolidada e em relação a matérias de diversa natureza e complexidade, justifique que já – quando tem apenas 10 anos de serviço, para além do estágio - se lhe deva atribuir a mais alta classificação prevista.

Isto não acontece em razão da identificação de momentos em que o seu trabalho tenha redundado em actos menos conseguidos, ou em resultados inferiores aos possíveis. Resulta sobretudo do facto de não se encontrarem caracteres que, com segurança, revelem desde já a consolidação do nível qualitativo mais elevado na prestação funcional avaliada, o que bem pode ter sido consequência de a Sra. Juiz não ter tido um elenco de casos que, pela sua complexidade e/ou quantidade, fossem aptos a fazer sobressair um brilho que, associado à expressão temporal da sua carreira, ainda que menos significativa, facultaria a identificação desse nível superior do mérito que a nota de Muito bom pressupõe.

Se temos que admitir que a Sra. Juiz não pode ser responsabilizada pelo facto de ter vindo a exercer funções num Tribunal com entradas processuais pouco mais que modestas e onde, por via da sua actividade de formadora, a expressão quantitativa dos resultados do seu trabalho ainda é diminuída pela adjudicação de casos aos Srs. Juízes Estagiários – e é claro que não o é, pois a sua prestação não deixa de ser

considerada meritória – também ela deve reconhecer que, ao longo do período sob inspecção, os desafios que foi chamada a enfrentar e a vencer – e venceu-os claramente – foram limitados, não lhe propiciando a demonstração de um valor máximo que anuncia mas que, de facto, não surge ainda demonstrado em termos que permitam entendê-lo como um elemento estrutural do desempenho funcional da Sra. Juiz. Isto, obviamente, sem se esquecer a aplicação exigida pela própria actividade formativa, dificilmente mensurável num processo deste tipo, mas da qual é indício a manutenção da qualidade de formadora ao longo do tempo.

E, afirma-se-lhe pois que o questiona, que tais elementos não podem deixar de ser aferidos por referência aos desempenhos funcionais de outros Magistrados também avaliados pelo CSM, em função dos quadros de circunstâncias em que uns e outros se desenvolvem. A notação tem um significado e efeitos relativos, pelo que seria impensável que não utilizasse valores referidos a experiências profissionais diversas e comparáveis.

Por outro lado, se a ausência de desafios mais profundos impediu a demonstração desde já do nível superior de mérito, associada esta à pouco expressiva dimensão da carreira funcional da Sra. Juiz, não se tenha dúvida que a persistência da qualidade já revelada, por um período de tempo superior, não deixará de habilitar o CSM a reconhecer, em momento mais avançado da sua carreira, o superior grau de mérito, agora pretendido, mesmo que o nível quantitativo e qualitativo dos desafios a enfrentar pela Sra. Juiz não aumente naquelas ou noutras funções. Se, então, não for maior a eficiência e qualidade reveladas perante maiores e mais difíceis exercícios funcionais, será pelo menos maior o tempo de demonstração dos graus de eficiência e qualidade existentes, permitindo fundar tal juízo.

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90 Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Essa, aliás, vem sendo a prática constante do CSM na aplicação dos critérios de classificação vigentes com o actual RIJ, desde 2003, pelo que carece de fundamento a tese de sinal contrário desenhada pela Sra. Juiz, em favor da sua argumentação.

Em qualquer caso, não queremos deixar de assinalar à Sra. Juiz que o presente processo inspectivo se traduz num reconhecimento inequívoco do mérito do seu trabalho, sendo injustificada a sua conclusão sobre estar a ser prejudicada pelas favoráveis condições em que ele se desenvolveu. De facto, não ocorre tal prejuízo, mesmo que se admita que essas condições não lhe tenham permitido, isso sim, revelar um nível de eficiência e qualidades superiores de que poderia ter sido capaz. Se tal parece indiciado, há que reconhecer não estar demonstrado pelos elementos verificados.

Por isso, e com fundamento em tudo o que vem de expor-se entendemos, em consonância com o relatório inspectivo e com o Acórdão do Permanente, que a prestação funcional da Sra. Juiz Dra…, no período em análise, não é ainda de ordem a que se lhe possa reconhecer elevado mérito, conceito este com o conteúdo que é pressuposto da sua referência na nota de “Muito bom”.

Trata-se, porém, repete-se, de um desempenho meritório, que justifica amplamente a atribuição da nota de mérito de “Bom com distinção” à Sra. Juiz. Mas esse mérito, que é perfeitamente identificável na sua prestação funcional, tal como já o era em anterior momento em que foi classificado dessa forma, não surge ainda demonstrado em tal nível e em tais condições de permanência dessa elevação, que possam sustentar a atribuição de uma classificação superior, que seria a mais elevada das possíveis.

D. – DECISÃOEm conclusão e nos termos dos preceitos

citados, deliberam os Membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura atribuir à Exma. Sra. Juiz de Direito…, pelo seu desempenho funcional no período de 21/05/2003 a 27/02/2008, no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de…, a classificação de “Bom com distinção”.

[Relator: Vogal Dr. Rui Moreira]

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação»

2.Acórdão Classificativo«Bom com Distinção»

(menos de 10 anos de exercício efectivo)

Acordam os membros do Permanente do Conselho Superior da Magistratura:

RelatórioFoi realizada inspecção ordinária ao

serviço prestado (…), abrangendo o período compreendido entre 16.09.2002 e 18.07.2006 e entre 01.09.2006 e 26.01.2009.

O Exmo. Inspector Judicial, concluindo o Relatório, propôs a atribuição da classificação de “Muito Bom”.

Na sessão do Conselho Permanente que teve lugar em 10.03.2009 foi deliberada a distribuição dos autos inspectivos e notificada o Exmo. Juiz nos termos dos artigos 100.º, n.º 1 e 101.º do CPA.

O Exmo. Juiz, respondendo àquela notificação, veio defender a homologação da nota proposta e apresentou os fundamentos que, ora em síntese, referimos:

- Só prescindiu do prazo previsto para o direito de resposta por concordar com a proposta, não obstante alguns reparos feitos pelo Exmo. Inspector.

- Considerando a possibilidade da aludida proposta não ser homologada, chama a atenção para o elevado número de processos existentes, aquando da sua

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posse e para a recuperação que foi feita, tanto mais que a produção obtida o foi sem descurar a qualidade do trabalho, com o inerente sacrifício pessoal e familiar, nomeadamente na privação de fins de semana.

- Também no Juízo de…, aquando da sua posse, encontrou o gabinete recheado com 1083 processos e o Exmo. Inspector não deixa de salientar que o inspeccionado conseguiu “dar conta do recado, com muito sacrifício pessoal, de forma que a secção se encontra hoje perfeitamente controlada.

- A qualidade das suas decisões foi destacada no relatório inspectivo e as decisões de mérito vieram, todas elas, a ser confirmadas pela Relação.

- Aceitam-se alguns reparos, seja na quesitação seja na não anotação da hora de início das diligências, mas não pode esquecer-se que se trata de pormenores na circunstância de se ter de responder a um elevado número de solicitação e, como se sabe, a quesitação está muito dependente dos próprios articulados apresentados pelas partes.

- Não ignorando que a notação máxima deve corresponder a um desempenho elevadamente meritório ao longo da carreira, entende que não devem ser ignoradas duas questões: em todas as inspecções a que foi sujeito sempre lhe foi reconhecido um desempenho de natureza excepcional; a carreira do respondente, por outro lado, está próxima do seu termo.

(…).

FUNDAMENTAÇÃO1. Matéria de factoSão os seguintes os factos e as conclusões

que se retiram do relatório inspectivo:(…)Do seu registo biográfico constam duas

classificações:- uma, de “BOM”, pelo serviço prestado

no período compreendido entre 17.09.99 e 06.09.2000;

- outra, de “BOM COM DISTINÇÃO”, pelo serviço prestado no período compreendido entre 15.12.2000 e 16.09 2002.

Do seu registo disciplinar nada consta.No período sob inspecção deu três

faltas.À data do início do período temporal

agora sob inspecção (16 de Setembro de 2002) contava com cerca 4 anos de serviço, incluindo o período de estágio.

E, à data do início desta inspecção contava com cerca de 10 anos e seis meses de serviço, incluindo o período de estágio.

Dos contactos que fui tendo ao longo e por virtude desta inspecção, fiquei com a impressão de que se está perante pessoa de trato fino, muito educado, afável, simpático e discreto.

No que toca à capacidade humana para o exercício da função, tal como é imposto pelo artigo 13.º-2, do RIJ – devo referir que é pessoa civicamente idónea, revelando na postura profissional uma total independência, isenção e dignidade de conduta, acima de qualquer suspeita. Quanto ao relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral, podemos dizer com segurança, pelo que nos foi possível recolher nos diversos contactos e diligências que para o efeito fizemos, que o mesmo se pautou sempre por muito grande correcção, sendo excelentes as referências que neste segmento inspectivo lhe são feitas por aqueles que com ele lidaram – e lidam - de perto, designadamente funcionários e advogados. Quanto ao tratamento que deu às inúmeras questões que foi chamado a decidir, podemos dizer, sem grandes dúvidas, que a capacidade de compreensão das situações concretas em apreço, por banda do Dr… – muitas delas de dificuldade evidente – é elevada, sendo sempre norteado na sua conduta e

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decisões por enorme sentido de justiça, de resto bem entendido não só no meio sócio-cultural onde tem exercido, mas também pelos tribunais superiores que, chamados em muitas situações a pronunciar-se, em recurso, sobre decisões suas, na grande maioria das vezes as confirmaram.

Relativamente à sua adaptação ao serviço, sem dúvida para nós que o nível geral do seu trabalho é francamente positivo, quer do ponto de vista da produtividade – deixou o serviço em dia e sem atrasos e no… igualmente mantém o serviço em dia e em ordem, não lhe tendo encontrado quaisquer atrasos, impondo-se, desde já, salientar que quando iniciou funções neste tribunal, o encontrou com enormes atrasos, pois tinha cerca de mil processos para despacho, embora apenas uma pequena percentagem fosse de processos de alçada superior (oposições) - quer do ponto de vista da qualidade (em especial no âmbito do processo executivo em que, de facto, navega com grande à vontade e segurança, diria, mesmo, como “peixe na água”, denotando muito bons e actualizados conhecimentos da legislação, e de doutrina e jurisprudência que, por vezes, cita a propósito e com sentido das proporções.

Por isso e tanto quanto pude aperceber-me, o Dr… adaptou-se ao serviço com relativa facilidade, nenhum reparo lhe tendo a fazer quanto a esse aspecto, agindo com muita sensatez na generalidade das decisões que profere, o mesmo se podendo dizer da gestão que faz do andamento dos processos (como elemento indiciário – embora não decisivo - é a significativa percentagem de decisões que proferiu e foram confirmadas em sede recursória).

No que respeita à assiduidade, a mesma é patente, pois que, como visto supra, no período sob inspecção – cerca de 6 anos e seis meses – apenas deu três faltas ao serviço. O seu sentido de grande zelo e dedicação resultará melhor caracterizado

das pormenorizações que farei a seguir.

A – PERSPECTIVA QUANTITATIVA:I .1. - NO CÍVELDesde a tomada de posse naquele

tribunal e até ao início da presente inspecção (26 de Janeiro de 2009) proferiu 344 sentenças (número que abrange as decisões proferidas em acções contestadas e não contestadas, homologatórias de transacções, desistências, execuções e outros processos), sendo que 321 foram em execuções e apenas 5 daquelas sentenças foram em acções contestadas de mérito. Tais sentenças foram proferidas: 92 em 2002, 167 em 2003, 19 em 2004, 35 em 2005 e 32 em 2006.

Deve referir-se que o Sr. Juiz, durante o período de tempo sob inspecção no Tribunal…, não conseguiu reduzir a pendência de processos cíveis: dos 368 processos (quase todos execuções) que recebera quando tomou posse, passou para 378 pendentes quando ali cessou funções - terminando, assim, menos processos do que os distribuídos. Diferença, porém, muito pequena e que de forma alguma põe em causa a produtividade ali havida que é, a nosso ver, sem dúvida, elevada, como melhor à frente se concluirá.

I.2. NO CRIME:Reportando-me apenas às decisões

criminais, desde a data do início do período agora a inspeccionar – 17 de Setembro de 2002 -até à data da cessação de funções neste tribunal – 18 de Julho de 2006 (cerca de 4 anos) –, o Dr…. proferiu um total de 1895 sentenças, das quais 159 em 2002 (desde 16 de Setembro), 519 em 2003, 497 em 2004, 431 em 2005 e 289 em 2006 (até 18 de Julho), sendo 1180 em processo comum e tribunal singular, 230 em processo sumário, 120 em processo sumaríssimo, 19 em processo abreviado e outros, 106 em instruções (sendo 26 em 2002, 46 em 2003 e 34 em 2004), 74 em

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transgressões, 142 em recursos de contra-ordenações e 24 em outros processos.

Ainda no mesmo período temporal, em processos tutelares educativos, proferiu 10 decisões, sendo 1 em 2002, 1 em 2003, 4 em 2004, 3 em 2005 e 1 em 2006.

Por outro lado, neste tribunal – criminal – conseguiu obter um bom equilíbrio entre o número dos processos crimes distribuídos e o número dos findos. Na verdade, durante todo o período temporal sob inspecção neste Juízo – cerca de 6 anos e meio –, apesar da significativa distribuição, o Dr….conseguiu findar um número de processos substancialmente superior ao dos distribuídos, dessa forma conseguindo fazer baixar significativamente a pendência processual.

Efectivamente, findou 2329 processos e foram-lhe distribuídos 1962.

Além disso, não pode esquecer-se que muitos daqueles processos se revestiam de certa complexidade e dificuldade. E a distribuição manteve-se mais ou menos constante ao longo deste longo período - numa média de cerca de 450 processos/ano.

Por isso, a respectiva pendência estatística desceu substancialmente, situando-se em 1106 processos quando cessou funções (contra os 1351 que recebera quando ali iniciou funções, em 2002). E o mesmo pode dizer-se quanto aos processos tutelares educativos (crime). Relativamente aos tutelares de promoção e protecção, a pendência estatística também desceu - era de 17 processos em Setembro de 2002, cifrando-se em 9 em 18 de Julho de 2006 - , tendo o Sr. Juiz proferido, no período sob inspecção em Santo Tirso, 12 sentenças.

Penso, portanto, que, quanto ao aspecto da produtividade, se pode dizer que teve uma prestação muito positiva no Juízo. E tal produtividade foi obtida sem descurar a qualidade do trabalho produzido, como adiante se verá, pois sobretudo nas

decisões de fundo, e em vários despachos de mero expediente, teve a preocupação de fazer bem e de forma a “convencer” os respectivos destinatários da “bondade” e “acerto” de tais decisões - as quais, em geral, estão bem fundamentadas, quer de facto, quer de direito e, muitas vezes apoiadas em pertinente doutrina e jurisprudência, que cita.

Parece claro que a boa “qualidade” do trabalho do Dr…. – e produtividade - só foi possível mercê de uma actuação metódica, disciplinada e à custa de acentuado sacrifício pessoal e (cremos que, também) … familiar.

II - A produtividade fornecida pelos mapas

estatísticos é, sem duvida alguma, elevada, expressando uma grande capacidade de esforço e dedicação ao serviço que merece aqui ser realçada.

Basta salientar que, quando chegou ao Juízo, recebeu uma herança muito pesada de processos para despacho: como a secção certificou na certidão de fls.143 - e me foi, mais em pormenor, explicitado pelo próprio -, tinha à sua espera, no gabinete, para despacho, cerca de 1000 processos. Tal situação, refere, foi oportunamente dada a conhecer ao Venerando Conselho Superior da Magistratura. A explicação para este amontoar de processos parados parece resultar do facto do Juízo, apesar de declarado instalado em Setembro de 2005, apenas ter tido juízes titulares em Setembro de 2006. Portanto, embora sendo certo que apenas uma pequena percentagem desses cerca de mil processos pertencesse aos designados processos de “alçada superior”, isto é, com oposição (… à execução, embargos, …), a verdade é que se viu confrontado com uma grande quantidade de processos que não conhecia de todo e que, portanto, teve de ler e analisar com vista às prolação do despacho (ou decisão de mérito…) adequado, tendo, com muito

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sacrifício, dado conta do recado, de forma que hoje a secção que titula se encontra perfeitamente controlada, como pudemos constatar na observação dos processos, cujo despacho de expediente é proferido na “data supra”. Além de que à data do início desta inspecção apenas tinha 27 serviços agendados, sendo o último dia de agenda 31.03.2009 (igualmente bem ilustrativo, sem dúvida, da entrega ao serviço).

É certo que os mapas estatísticos revelam que a pendência actual (12.773) até subiu um pouco relativamente à pendência aquando do início de funções (11.448). Porém, não pode esquecer-se que a distribuição foi muito elevada ao longo do período a que se reporta esta inspecção, tendo sido distribuídos, no total, 5.255 processos - veja-se, por exemplo, que só no ano de 2007 foram distribuídos 2160 e no ano de 2008 a distribuição importou em 2079, tendo neste mesmo ano logrado findar … 2.206 processos. E se “apenas” findaram um total de 3.970 processos, tal de forma alguma significa que pudesse ter feito muito mais neste segmento. É que, como melhor à frente se verá aquando da análise qualitativa do seu trabalho, trabalhou com elevado afinco e se mais processos não terminaram, tal se deve fundamentalmente à sua própria natureza deste, propensos a se prolongarem no tempo pelo tipo de despachos e diligências que neles necessariamente são proferidos e executadas. Ao que não pode ser alheia alguma avalanche legislativa que se tem produzido neste domínio e a transferência do essencial das diligências para os Srs. Solicitadores de Execução que, como é sabido, por vezes arrastam indefinidamente os processos, como pudemos constar.

Sem dúvida que, no que tange ao trabalho de fundo a cargo do Sr. Juiz, podemos afirmar, com toda a segurança, que o Dr…., de facto, como é comum dizer-se, agarrava “o touro pelos cornos”, procurando sempre

ter um controlo completo do processo, decidindo os incidentes e as questões que lhe eram suscitadas (em despachos, sentenças, etc…) de forma firme, célere e cuidada, decidindo de mérito com imensa frequência logo no saneador - e com propriedade como corrobora o facto de os seus saneadores/sentenças serem por regra confirmados em via de recurso -, não atrasando a quesitação bem assim a prolação das sentenças, as quais elaborava quase sempre logo que houvesse resposta à matéria de facto.

Percute-se: os dados estatísticos, a mera comparação entre processos distribuídos e os findos, pouco reflecte sobre o efectivo trabalho do Sr. Juiz, quer quantitativamente, quer em termos qualitativos. É que só conhecendo o tipo de processado inerente aos processos de execução, o “terreno” legislativo em que se labora, bem assim fazendo-se uma análise factual no terreno, se pode emitir um juízo seguro e justo da produtividade. É na senda dessa mesma justiça que vi “claramente visto” o (bom) trabalho do Dr…, de cujos pormenores procuramos dar conta neste relatório.

Uma verdade não pode deixar de ser percutida - e corroborada, aliás, por todos quantos neste Juízo trabalham e por outros ligados aos tribunais com quem tive o cuidado de falar -: quando o Dr…. aqui iniciou funções tinha “montanhas” de processos no seu gabinete para despachar. E mesmo sendo, na generalidade, para despacho corrente, foi necessário grande espírito de sacrifício por banda do Sr. Juiz para que actualmente se possa certificar que “não tem em seu poder, para cumprimento, quaisquer processos com prazos excedidos”.

A apontada ilustração numérica da sua actuação dá, portanto, uma ideia do esforço despendido e do resultado dessa actuação, revelando, a meu ver, uma grande eficácia, cremos, mesmo, que para além do normal.

No total do período sob inspecção - cerca

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de 2 anos e meio - produziu 213 saneadores, com especificação e questionário e/ou base instrutória. Proferiu, ainda, no mesmo período, 484 sentenças, aqui se incluindo, porém, as proferidas em acções contestadas e não contestadas, homologatórias de transacções, desistências, extinção de execuções e outros processos, sendo 76 em 2006 (desde 18.07), 152 em 2007, 251 em 2008 e 5 em 2009 (até início da inspecção). Destas, 197 foram sentenças contestadas de mérito.

Perante o exposto, atento o elevado nível da distribuição, a não menos elevada quantidade de processos findos e o facto de não ter para despachar qualquer processo com prazo de cumprimento excedido, creio que se deve considerar como muito positiva a sua produtividade.

B. PERSPECTIVA QUALITATIVA

B. 1. Analisemos, então, mais detalhadamente

o desempenho.Recebeu as acusações em despachos

que, embora proferidos de forma tabelar, se mostram bem estruturados e nos quais observou integralmente o estatuído nos arts. 311° a 313° do C. P. P., pronunciando-se sobre o estatuto pessoal do(s) arguido(s). As medidas de coacção foram escolhidas de forma criteriosa e adequada a cada caso concreto, com total respeito pelos princípios da necessidade e da adequação. Quase sempre aplicava o termo de identidade e residência. Mas num ou noutro caso assim não acontecia, como por ex., no cs nº 42/03 em que um dos arguidos ficou sujeito a apresentações periódicas semanais. Reexaminava os pressupostos das medidas aplicadas aos arguidos e estava atenta às situações que importavam a revisão dessas medidas.

Mostrou-se exigente e rigoroso na apreciação das justificações das faltas às audiências de julgamento e demais

diligências, sancionando com a multa legalmente prevista as faltas consideradas injustificadas e determinando, sempre que necessário, a comparência dos faltosos sob detenção.

Como se pode constatar das respectivas actas, dirigiu as audiências e demais diligências a que presidiu por forma eficiente, decidindo com ponderação, bom senso e sentido de Justiça, todas as questões com que no decurso das mesmas se viu confrontada. E, sempre que tal se justificava e impunha, observava o estatuído nos arts. 358º-1 e 3 e/ou 359-3, do CPP (quando o tribunal alterava a qualificação jurídica dos factos feita na pronúncia/ou acusação ou quando se provavam factos que constituíam uma alteração não substancial ou substancial dos factos constantes da acusação/pronúncia).

A dilação das audiências de julgamento variou ao longo dos diferentes anos em que prestou serviço, tendo-se reduzido substancialmente ao longo desse período de tempo.

Com efeito, se em 2002/2003 as audiências estavam a ser marcadas com dilação média de 1 ano, já em 2006 (quando cessou funções) as mesmas estavam a marcar-se com dilação média de 3 a 4 meses, apesar da acentuada distribuição, com consequente sobrecarga da agenda. O que, sem dúvida, traduz uma melhoria muito significativa, naturalmente só possível devido ao espírito de sacrifício e brio profissional do Sr. Juiz, o que não pode deixar de ser aqui salientado. E os adiamentos – contra os quais lutou, usando de forma adequada e prudente, dos mandados de detenção dos arguidos, como já salientei – tinham, em regra, uma dilação idêntica. As continuações de audiências tinham uma dilação média de 6 a 8 dias.

As sentenças elaboradas mostram-se formalmente bem estruturadas, com relatórios simples mas cuidados, nos quais, e como convém, apenas é referido

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o essencial. Respeitaram aos mais diversos tipos

legais de crimes: homicídio por negligência grosseira e detenção, uso e porte de arma de defesa não manifestada nem registada; homicídio negligente - e omissão de auxílio (acidentes de viação); ameaça; difamação; ofensa à integridade física simples; injúrias; desobediência; furto; receptação; dano; burla qualificada; cheque sem provisão; exploração ilícita de jogo; abuso de confiança fiscal; fraude fiscal; abuso de confiança em relação à Segurança Social; usurpação e usurpação de coisa imóvel; reprodução ilegítima de programa protegido; falsidade de testemunho ou declaração; falsificação de documento; detenção de arma proibida e detenção de arma não manifestada nem registada; apropriação ilegítima de coisa achada, falsificação de documento e burla; tráfico de menor gravidade; maus-tratos a cônjuge; violação e proibições; contrafacção, imitação e uso ilegal de marca; fraude sobre mercadorias; concorrência desleal e fraude sobre mercadorias; passagem de moeda falsa; descaminho de objecto colocado sob o poder público; lançamento de projéctil contra veículo, ut artº 393º do CPP; propaganda eleitoral em véspera de eleição; detenção de substâncias explosivas; evasão; coacção grave; sequestro; insolvência dolosa, ut artº 227º CP; especulação; introdução em lugar vedado ao público; jogo fraudulento; subtracção de menor, ut artº 249º-a) CP; auxílio à imigração ilegal; crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares; denúncia caluniosa; violação de obrigação de alimentos.

As sentenças eram proferidas com uma dilação que oscilava, em média, os 9 dias. Porém, algumas outras vezes, sobretudo nos casos mais simples, foram proferidas no dia seguinte ou imediatamente ditadas para a acta, atitude que não pode deixar de ser realçada.

A matéria de facto mereceu cuidadoso

tratamento, com integral descrição dos factos provados e dos não provados. A motivação sobre a matéria de facto é por norma completa, com clara e precisa identificação dos meios probatórios que fundamentaram a convicção do Tribunal e, por vezes, com pormenorizada explicitação dos motivos que determinaram a opção, ou rejeição, dos diversos elementos de prova. Sempre, porém, numa análise cuidada e crítica dos vários meios que serviram para a formação da convicção do julgador.

No que tange à fundamentação jurídica - embora elaborada com boa redacção e em linguagem clara e nelas fazendo os correctos enquadramentos jurídico-penais dos factos provados, após caracterizar teoricamente os elementos típicos das infracções sob análise e da sua integração, ou não, pela factualidade apurada - , vimos que, sem, portanto, deixar de plasmar o essencial, por regra, se limitava à descrição dos elementos do tipo legal de crime em causa ou, mesmo só, à transcrição do normativo do CP, para concluir logo que perante os facto provados o arguido incorreu, ou não, na prática do crime. Ou seja, em regra não se estendia em grandes explanações ou considerações doutrinais e jurisprudenciais e quando o fazia – o que vimos, v.g., nos homicídios negligentes, em acidentes de viação - acabava por repetir, na análise do mesmo tipo legal, a mesma jurisprudência e/ou doutrina, num quase redutor processo de “colagem”. Porém, o essencial estava lá, pelo que se não se estendia em mais longas considerações doutrinais e jurisprudenciais era, seguramente, na preocupação de ter o trabalho rigorosamente controlado e em dia, procurando, porém, citar o essencial, mostrando estar atento às correntes jurisprudenciais dominantes.

Por outro lado, na suspensão da execução da pena de prisão igualmente se não estendia, ficando-se por parca fundamentação. A escolha da medida sancionatória e o processo determinativo da medida concreta

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da pena foram sempre bem explicitados e com rigorosa observação dos pertinentes critérios legais. As penas aplicadas mostraram-se criteriosamente fixadas e a opção entre medidas detentivas ou não detentivas, a substituição da pena de prisão por multa e a suspensão da execução da pena surgiram sempre devidamente fundamentadas.

Não olvidou as penas acessórias e as legais cominações pela falta de entrega da licença de condução, sobretudo nos crimes de condução em estado de embriaguez. Mostrou-se cuidado na apreciação das promoções do MºPº. Fez uso moderado e prudente do instituto de suspensão da execução da pena, que, como atrás já referi, justificava devidamente. Homologou as desistências de queixa, declarando extinto o procedimento criminal e determinando o arquivamento dos autos. Elaborou vários cúmulos jurídicos, não lhe tendo encontrado erros na sua formulação. Apreciou bem os pedidos cíveis enxertados, cujas decisões revelam bons conhecimentos e domínio do respectivo direito substantivo, tendo a preocupação de, em matéria de juros, especificar a taxa dos mesmos e desde quando são devidos.

Autorizava o pagamento das penas de multa em prestações, desde que verificados os respectivos pressupostos, com cuidada fundamentação, fixando o respectivo montante em conformidade com as disponibilidades económicas do condenado. Substituía a multa por dias de trabalho, após boa fundamentação. Julgava extinta a pena pelo cumprimento ou… pagamento (multa).

Acompanhou, com cuidado, a fase de execução das penas. Neste aspecto, porém, vimos que se limitava a concordar, sem mais, com a liquidação efectuada pelo Mº Pº - o que não parece ser a melhor posição, antes deveria expressar no seu despacho uma posição mais activa, até porque se está num domínio muito sensível como é o

cumprimento da pena de prisão. Na verdade, quem lê o despacho, fica sem saber se essa liquidação que vem promovida, foi ou não devidamente controlada em conta feita autonomamente pelo juiz, que a isso não pode de forma alguma esquivar-se, sobretudo nesta área, em que, como dito, está em causa o valor supremo da liberdade. Mandava fosse notificado o arguido e o seu defensor da liquidação efectuada e fosse remetida cópia da liquidação ao Estab. Prisional e ao Tribunal de Execução de Penas.

Nos processos sumários teve actuação cuidadosa e correcta. O mesmo ocorrendo nos processos sumaríssimos, os quais tramitou com correcção. E ainda nos processos abreviados. O mesmo se diga nas instruções que teve a seu cargo, limitando-se aos actos necessários à comprovação de decisão do MºPº, de deduzir acusação ou de arquivar o processo (inquérito), ou seja, ao indispensável para proferir o despacho de pronúncia e/ou de não pronúncia, devidamente fundamentado(s) alicerçados não só nos factos que considerava suficientemente indiciados e/ou não indiciados, mas também em boa argumentação jurídica.

Assim:- Autuava como processo de instrução,

admitindo os requerimentos de instrução paga que estivesse a taxa de justiça devida.

- Realizava as diligências instrutórias, presidia ao debate instrutório (elaborando-se a competente acta) – o qual por vezes adiava - e proferia as respectivas decisões instrutórias, assegurando em pleno o exercício do contraditório, com boa estruturação e argumentação.

Deve dizer-se que nas decisões instrutórias regra geral não era prolixo nas explanações doutrinais e jurisprudenciais: após transcrever o artº 308º, nº1 do CPP, seguia-se a definição de “indícios suficientes” e passava-se, sem mais, à

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análise dos factos provados para ver se os mesmos preenchiam os aludidos indícios, na previsão do citado artº 308º. Se verificados, pronunciava; se não verificados, não pronunciava e ordenava o arquivamento dos autos.

- Por vezes convidada à apresentação de novo requerimento instrutório, por a mesma não conter todos os elementos da acusação.

- Outras vezes rejeitava o requerimento de abertura de instrução.

- E noutras indeferia a requerida inquirição de testemunhas e queixosos, ou a sua “reinquirição”, bem assim a requerida acareação.

- E a decisão instrutória era proferida com dilação em regra curta, sendo, por vezes, proferida no próprio dia do debate instrutório.

Actuação igualmente cuidadosa e correcta teve também em sede de apoio judiciário (é claro, no domínio da lei anterior, então vigente) - cujas decisões eram bem fundamentadas, sem se limitar a remeter para os documentos juntos ao processo. No processo cs nº 306/01 indeferiu o pedido de apoio judiciário - e bem, pois quando foi requerido já o procedimento criminal se encontrava extinto por decisão insusceptível de recurso, já que o arguido tinha dado a sua anuência à desistência da queixa. Era, por isso, o pedido extemporâneo. Condenou o requerente nas custas do incidente.

Esteve bem em matéria de custas, aplicando com correcção as pertinentes disposições legais e, nomeadamente, tendo sempre em consideração o disposto no 344°, n.° 2 alínea c) do CPP. De uma maneira geral, tramitou e controlou bem os processos, nomeadamente se mostrando sempre seguro e à vontade na condução das audiências de julgamento, como as actas bem documentam. Admitiu a constituição de assistente em despacho com suficiente fundamentação legal. Declarava a contumácia - consignando no

despacho as consequências legais dessa decisão - e a cessação da mesma, embora com fundamentação “quase” tabelar. Recebeu os recursos, fixando-lhes o regime e efeito correctos, não os admitindo, nomeadamente, quando entendia que o recorrente para tal não tinha legitimidade. E viu confirmadas muitas das suas decisões em recursos delas interpostos para o Tribunal da Relação, sendo que outras eram revogadas.

Em geral teve actuação correcta quer nos processos tutelares, quer nos processos de promoção e protecção, quer nos tutelares educativos – , sempre procurando defender os superiores interesses dos menores.

O mesmo aconteceu nos internamentos compulsivos, igualmente bem andou nos recursos de contra-ordenação e nos processos de transgressão. Não lhe vi erros nas execuções que tramitou.

Esteve igualmente bem na condução dos muito poucos embargos de executado/oposições às execuções/penhora que teve a seu cargo, (também muito raros) embargos de terceiro e habilitações de herdeiros que lhe vi. E mesmo se diga das poucas reclamações de créditos que lhe encontrei. Dava o destino legal aos objectos apreendidos nos processos.

Para além do explanado:- Admitia contestações e róis;- indeferia pedido de escusa, com cuidada

fundamentação;- determinava a acareação quando

necessário; - revogava o perdão concedido ao arguido,

por verificada a condição resolutiva;- informava o E.P. quando interessava

a detenção à ordem dos autos daquele tribunal;

- mandava pagar às pessoas que se dirigiam a tribunal e tinham direito ao ressarcimento das despesas de deslocação;

- admitiu a ampliação do pedido;

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- admitia a substituição de defensor; - mandava publicar a sentença proferida

em processo relativo a crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares;

- determinava a apensação de processos;

- não admitia a contestação quando extemporânea; e

- mandava notificar o titular da conta bancária para informar se autoriza o acesso à conta, a fim de evitar o recurso ao incidente de dispensa de sigilo bancário.

B. 2. Analisemos, também, a qualidade do

trabalho aqui produzido.É metódico e eficiente na sua actuação,

assegurando o funcionamento regular e normal dos serviços, sem prejuízo de um fácil e bom relacionamento com os funcionários.

Entrando no capítulo da preparação técnica, deve dizer-se que revela ser possuidor de boa categoria intelectual, tendo revelado uma boa apreensão das situações jurídicas a que era chamado a pronunciar-se, sendo elemento indiciário disso mesmo - embora não decisivo - o elevado número de decisões que viu serem confirmadas pelos tribunais superiores em sede de recurso.

E as suas decisões procuravam ser convincentes, em muitas delas – não tanto quanto seria desejável - citando jurisprudência e doutrina pertinentes e actualizadas. Em geral, a linguagem é clara e a mostrar domínio bastante dos conceitos legais e institutos jurídicos adequados.

Apreciemos, então, de forma mais pormenorizada e sequencial a qualidade técnica do trabalho produzido.

Logo em sede de despacho liminar:- Convidava as partes a suprir

irregularidades ou deficiências.- Indeferia parcialmente o requerimento

executivo.

- E indeferia liminarmente, e com muita frequência, a oposição à execução, não deixando quer o processo prosseguisse quando entendia não ter condições para tal, maxime por falta manifesta de fundamentação legal para a pretensão deduzida. Além de fazer um controle e/ou rastreio cerrado dos requisitos dos títulos exequendos.

Em matéria de apoio judiciário, apenas vimos o proc. 36554/05 respeitante a impugnação da decisão da Segurança Social, tendo sido indeferido o pedido de apoio judiciário. Boa fundamentação.

Quanto a incidentes da instância, apreciou e decidiu vários, sempre com boa fundamentação jurídica e observando os trâmites legais. Em matéria de custas mostrou-se à vontade, agindo com firmeza e ponderação, não se lhe tendo observado erros relevantes.

Não gostámos da sua actuação no que tange às suspensões das instâncias. Com efeito, vimos que não apenas suspendia a instância com muita facilidade e frequência, designadamente nas oposições à execução, como também por regra a suspensão tinha lugar sem ser marcada logo data para a audiência, caso o acordo anunciado se não verificasse. No silêncio das partes, declarava cessada a suspensão e designava dia para a audiência de julgamento. E também suspendia a instância no caso de falecimento do exequente, a fim de se proceder à habilitação de herdeiros (20937/05).

Também vimos suspender a instância executiva durante o decurso do período acordado no plano de pagamento da quantia exequenda.

Deve dizer-se, porém, em boa verdade que na generalidade das suspensões as partes anunciavam uma intenção mais ou menos convincente de chegarem a acordo, referindo que apenas precisavam de algum tempo para o concretizar. Por isso, atentas as alegadas razões - que, porém, os autos

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não patenteiam - e a premente situação financeira em que o país vive e que muito dificulta a satisfação das obrigações financeiras que se vão assumindo, ia condescendendo no fito de lograr que as partes conseguissem obter meios financeiros capazes de se entenderem nos autos, situação que ocorreu na maior parte das situações em que a instância se suspendeu, tendo o anunciado acordo sido, de facto, se concretizado. Ou seja, de forma alguma podemos ver nesta conduta uma atitude puramente dilatória. Longe disso: apenas uma preocupação em resolver consensualmente os (por vezes muito, muito difíceis) problemas revelados nos autos pelas partes. A verdade, porém, é que apesar dessa boa intenção, o que os autos mostram - como se pode ver das situações apontadas na nota supra - é que muitas das suspensões da instância mais não eram do que meras diligências dilatórias que a nada levavam, como não levaram.

Quanto aos saneadores/especificação/base instrutória, começamos por referir que a sua dilação era bastante variável, embora dificilmente ultrapassasse os dois meses. Passando à sua análise qualitativa, algumas notas se impõem.

Assim:- Nas alíneas da matéria assente

respeitantes a documentos juntos aos autos não se limitava a dá-los por reproduzidos, antes descrevia o que desses mesmos documentos entendia ser relevante em termos de matéria assente.

- Advertia as partes que a factualidade constante de determinados quesitos, ou alegada em determinados artigos dos articulados, deveria ser provada por documentos, a juntar aos autos.

- E chamava a atenção das partes de que determinado ou determinados quesitos apenas respeitavam à litigância de má fé.

- Os quesitos eram em geral bem elaborados, tendo em vista as diversas soluções plausíveis da questão ou questões

de direito subjacentes, sem expressões de direito ou conclusões e apenas contendo factos e um facto para cada quesito.

- Embora assim fosse na esmagadora maioria da quesitação, o certo é que casos houve em que assim não aconteceu.

Efectivamente:- No processo (…) quesitou se o

documento referido em G dos factos assentes “não correspondia a qualquer pagamento, compensação ou dação em cumprimento por parte dos executados/opoentes?” – o que se nos afigura conter, não apenas um conteúdo conclusivo, como expressões de direito.

- E no processo (…) se “a letra …., hà muito que se encontra paga?” – cremos que o “há muito” está a mais, por nada significar de útil).

- Conclusivo é o quesito 13º formulado na oposição (…) (“As deficiências apontadas são por demais reveladoras da falta de capacidade e de preparação a nível técnico, científico e literário, para levar a efeito a tradução da obra,…..?”.

- E por vezes fazia quesitos plurifactuais.- Assim como quesitava, por vezes,

o facto negativo do “não pagamento”!, quando – atentas as regras do ónus da prova -, deveria, sim, quesitar a matéria da excepção, o pagamento. Isso mesmo vimos no processo (…) – “os executados/opoentes não liquidaram nenhuma das 49 prestações?”

-Mas já quesitava – e bem – pela positiva se a assinatura aposta nos documentos eram do punho do opoente/executado, atentas a regras do respectivo ónus probatório (…).

Apreciava logo no saneador as questões prévias e/ou excepções suscitadas e, em geral, com boa fundamentação jurídica.

Emitia pronúncia sobre as reclamações às respostas aos quesitos com serenidade, sem azedume e boa fundamentação.

As audiências de julgamento eram efectuadas com todo o ritualismo legal, nelas enfrentando com segurança, os

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incidentes suscitados, os quais apreciava e decidia com boa argumentação fáctico/jurídica. Vimos, porém, que não fazia constar das actas que foi feita - se é que o foi - a tentativa de conciliação das partes, como emerge do artº 652º, nº2, estando a causa dentro do poder de disposição das partes.

A dilação das audiências rondava os 2 a 3 meses. As continuações das mesmas rondavam as três semanas. E os seus adiamentos tinham idêntica dilação. As respostas aos quesitos, em regra, ou eram dadas no próprio dia ou no dia seguinte. Actuação que se nos afigura de louvar, não apenas porque as respostas surgem quando a prova ainda está muito “fresca”, como também porque assim fica a salvo de eventuais suspeições - em regra injustas e injustificadas - que possam vir a existir no caso de alongamento do período das mesmas respostas - de pretender ter tempo para responder afeiçoando as respostas designadamente em vista de uma mais fácil solução de direito. Assim, portanto, a conduta de dar as respostas no próprio dia é, a meu ver, não só mais útil para os intervenientes processuais, como bem mais transparente.

A fundamentação das respostas aos quesitos era desenvolvida - quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados -, fazendo-se uma análise cuidada e crítica da prova produzida, indicando de forma precisa as razões que levaram a decidir neste ou naquele sentido.

Em regra dispensava as audiências preliminares - e com justificação, pois ou a causa era simples ou as questões suscitadas estavam já suficientemente debatidas nos articulados. Porém, quando as designava, conduzia-as correctamente e de forma dinâmica.

Quanto às sentenças de mérito - que, sendo no total, em número significativo, não pode, porém, dizer-se ser muito elevado, atento falar-se de 197 sentenças

- , trata-se, como é normal nestes tribunais de execução, na quase totalidade - como à frente melhor veremos - de situações que se repetem de forma por vezes um tanto “massificada”, como é o caso das situações referentes ao crédito ao consumo , em que pouco mais muda do que os actores, pois a argumentação jurídica e as citações de doutrina e jurisprudência repetem-se quase invariavelmente.

O certo é que as sentenças e saneadores-sentenças eram, em regra, bem elaborados, fazendo uma cuidada subsunção jurídica dos factos provados, decidindo-se em conformidade com o direito substantivo, o qual mostrou dominar, e com apoio de doutrina e jurisprudência que citava sem exageros.

Vimos que conhecia imenso no saneador, quando entendia que os autos já continham elementos seguros para tal. E fazia-o com segurança e saber, como mostra o facto de a grande maioria das suas decisões serem confirmadas em via de recurso.

- Muitas vezes enunciava as questões a tratar e com a devida clareza, assim fazendo uma melhor e lógica exposição e evitando correr o risco de incorrer em possível nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

- Uma nota, em consciência, não podemos deixar de consignar:

Na apreciações jurídicas feitas nas sentenças das diversas questões suscitadas nos processos, em regra, repetia para cada questão as mesmas citações doutrinais e jurisprudenciais. Poderíamos citar inúmeros exemplo, como é paradigmático o caso das situações de crédito ao consumo, extremamente frequentes nos juízos de execução (compra e venda e contrato de crédito…) em que, estando em causa, por exemplo, a resolução do contrato, invariavelmente citava a mesma passagem da obras do Professor Fernando Gravato Morais, Contratos de Crédito ao Consumo , tal como fazia a(s) mesma(s) citação(ões)

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jurisprudenciais. Diga-se, no entanto, que as citações que

fazia eram perfeitamente pertinentes e ajustadas ao caso concreto e inserem-se nas correntes dominantes, em especial as jurisprudenciais.

Foram muito raros os procedimentos cautelares que teve para decidir, embora lhe encontrássemos alguns, os quais decidiu com boa fundamentação jurídica e no próprio dia da inquirição.

Andou bem nas execuções para entrega de coisa certa. E o mesmo se diga nas muitas oposições à execução que teve para decidir: recebia as oposições, mandava notificar o exequente para, querendo, contestar e processava a restante tramitação processual com correcção e muita atenção. Assim, também, nos embargos de terceiro: admitia-os (artº 354º CPC) e suspendia a execução no que respeita aos bens a que os embargos se referiam. E rejeitava liminarmente os embargos de terceiro quando se impunha, com boa fundamentação. Mostrou-se à vontade nas reclamações de créditos, que apreciou e decidiu com saber e boa fundamentação. E quanto aos incidentes de caução, tramitou-os correctamente, apreciando devidamente e com ponderação a idoneidade da caução apresentada.

Esteve igualmente bem nos recursos, admitindo-os com o efeito e regime de subida adequados e emitindo pronúncia sobre o demais que à volta deles era suscitado (desistência, deserção por falta de alegações, etc., etc,. tributando pronta e correctamente), vendo confirmadas a grande (para não dizer esmagadora) maioria das suas decisões.

Processou correctamente a reclamação no processo (…) – tendo, porém, sido revogado o despacho proferido pelo Sr. Juiz.

Quanto ao demais processado:-Convidava a suprir irregularidades, - Mostrava-se atento aos articulados

supervenientes apresentados (processo (…) – admitiu e ordenou a notificação da executada e do reclamante para, querendo, responderem)

- Ordenava se contactassem via telefone os Srs Advogados acerca da disponibilidade de agenda ( proc…)

- Apercebendo-se de que certos actos executivos foram praticados por solicitador de execução diferente do nomeado, mandava fossem prestados os necessários esclarecimentos ou justificações (proc….)

- No processo (…) mandou se telefonasse ao “Centro Paroquial…” para informar porque a testemunha faltara ao julgamento.

No mais:- Autorizava a consulta, pelo solicitador,

das bases de dados, em conformidade com o artº 244º CPC, na redacção do DL nº 38/2003, de 8.3.

Assim como autorizava o mesmo solicitador a solicitar a penhora de depósitos bancários ou outros valores registados ou depositados em instituições bancárias.

Porém, indeferia a consulta de elementos protegidos por sigilo bancário, com boa fundamentação.

- Mandava desentranhar articulados quando não admitidos por lei. E/ou considerava não escrito o que se escreveu para além da impugnação do teor dos documentos apresentados (…);

- Indeferia pedidos de nomeação de bens à penhora ( …)

- Suspendia a audiência por virtude de impedimento superveniente imprevisível, mas não sem ter o cuidado de logo designar nova data para a mesma (…)

- Admitia os róis de testemunhas e depoimento de parte (…)

- Por vezes não admita o depoimento de parte (ou parte dele) por a matéria não ser passível de prova por confissão (…)

- Indeferiu pedido de gravação (por circuito fechado de televisão) como meio de prova, atento o facto de não estar a recolha

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de imagens autorizada pela Comissão de Protecção de Dados (…)

- Admitia a junção de documentos, mas condenava pela junção tardia não justificada (…)

- Solicitava o depoimento de testemunhas por vídeo conferências, fazendo as necessárias diligências (…) - - Julgada procedente a oposição à execução, determinava o levantamento da penhora efectuada e a restituição pelo solicitador ao executado dos montantes penhorados nos autos (…)

- Notificava o solicitador de execução para reformular a sua nota de honorários e de despesas, quando tal se justificava (…)

- Mandava pagar os honorários ao patrono conforme a tabela legal (…).

A, perante a discordância do embargante quanto ao montante dos honorários devidos ao mandatário da parte contrária, solicitava ao CSOA a emissão do respectivo laudo de honorários (….).

- Indeferia requerimentos do solicitador de execução (…)

- Indeferia pedidos para realização de diligências, quando entendia não terem interesse para a decisão a proferir nos autos (…)

- Chamava a atenção do solicitador de execução de que actualmente a conversão do arresto em penhora não carece de decisão judicial, a fim de que o mesmo efectuasse as necessárias diligências, maxime junto da Conservatória do Registo Predial – requerer o registo da respectiva inscrição de penhora, etc. (….)

- Emitia pronúncia bem fundamentada sobre pedido de destituição do solicitador, procurando mostrar que a sua conduta não foi – ou foi… - negligente (….)

- Determinava o prosseguimento da execução apenas para pagamento do crédito reclamado, ut artº 920º CPC (…)

- Homologava, por sentença, a desistência do pedido exequendo, declarando extinta a execução relativamente ao respectivo

executado – prosseguindo a execução relativamente ao outro executado (caso o houvesse) -, tributando o desistente em custas (….).

- E extinta a instância executiva por desistência do pedido ou da instância, declarava igualmente extinta a instância dos autos de oposição a tal execução por inutilidade superveniente da lide, ut artº 287º, al. E) CPC, tributando o… exequente (….). Idem, no caso de ter ocorrido o pagamento, com remessa dos autos à conta, declarava extinta a instância da oposição à execução, por inutilidade superveniente da lide (…)

- Homologava a desistência da instância na oposição à execução, com custas pelo desistente (…).

- O mesmo acontecia quanto à desistência do pedido, com custas pelo desistente (…)

- Solicitava exame pericial ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, recolhendo previamente os necessários autógrafos com elaboração do respectivo auto (…)

- Rejeitava exames periciais quando não eram requeridos com base em documentos autênticos (…)

- Quando era pedida um exame pericial, não marcava logo data para a audiência de julgamento, “uma vez que nesta altura se desconhece o tempo necessário para a realização da respectiva prova pericial” (…). O que entendo ser uma forma muito sensata de conduzir os autos, pois doutra forma ir-se-ia fazer notificações inúteis, com os inerentes custos.

- Ordenava a apensação de processos (…)

- Admitia a cumulação de execuções (…). E indeferia liminarmente a cumulação de execuções quando entendia dever fazê-lo (….).

- Adiou audiências de julgamento por se encontrar impedido em julgamentos a realizar em processo criminais por designação do CSM (….)

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- Estava atento à abertura de propostas, destinadas à venda dos bens penhorados, a que presidia, designando o respectivo dia, chamando a atenção do solicitador de execução para que informasse nos autos as diligências que efectuou com vista à determinação do valor de mercado do imóvel, emitindo pronúncia expressa sobre o valor base a atribuir ao bem a vender (…)

- Suspendia a instância executiva, atento o acordo e plano de pagamentos apresentado (…)

- Suspensa a execução, ordenava a imediata suspensão dos descontos na pensão do executado e a notificação do solicitador de execução para restituir ao executado todos os descontos feitos posteriormente à data da suspensão (…)

- Suspendia a execução nos termos do artº 818º, nº 1 CPC (…)

- Condenava os executados em multa por violação do dever de cooperação com o tribunal, ut artº 519º CPC (…)

- Ordenava ao solicitador de execução a junção da documentação relacionada com a citação dos executados, a fim de aferir da tempestividade da oposição apresentada por estes (…)

- Sustava a execução por os bens móveis penhorados já se encontrarem penhorados à ordem de outros autos. Da mesma forma, incidindo outras penhoras sobre os bens penhorados nos autos, registadas anteriormente, sustava a execução relativamente à aludida penhora. Tudo para efeitos do estatuído no artº 871º CPC (…)

- Requisitava o auxílio da força pública quando necessário, v.g., para arrombamento da residência do executado, se necessário (…)

- Prorrogava o prazo de apresentação da oposição à execução (…)

- Ampliava a base instrutória, ut artº 650, nº2, al. F) CPC, aditando quesito (….)

- Tinha a preocupação de assegurar sempre o contraditório (…)

- Deprecava a recolha de autógrafo, explicitando devidamente o objecto da perícia (34389/05) e, por esse facto, não designava logo audiência de julgamento, por se desconhecer “o tempo necessário para a realização da requerida perícia” (….)

- Diligenciava pela citação edital da executada, não sem antes providenciar pela obtenção do seu paradeiro, cumprindo, ainda, o artº 15º do CPC (…)

- Apercebendo-se que as partes não tinham debatido nos articulados uma circunstância susceptível de determinar a nulidade do aval – no caso a aposição de simples assinatura no verso da livrança, sem qualquer referência -, convidava as partes a pronunciarem-se, querendo, sobre a questão, no prazo que fixava (…)

- Estava especialmente atento às propostas apresentadas e adjudicação dos bens (…) dispensava o depósito do preço, mas assegurava o depósito das custas prováveis e dos honorários e despesas do solicitador de execução, não emitindo o título de transmissão sem que estivesse efectuado o depósito e cumpridas as obrigações fiscais.)

- Remetia os interessados para os meios comuns, para efeitos do artº 119º, nº4 do CRP, expedindo a competente certidão á Conservatória do Registo predial (…)

- Notificava para junção do original de documento cuja cópia era de leitura “difícil” (…).

- Por entender ser relevante o depoimento de parte do executado, bem assim a sua acareação com testemunha, convocava-os para comparecer no tribunal para esse efeito ( …)

- Estava atento à inversão do ónus da prova emergente do estatuído no artº344º, nº2 do CPC (…)

- No proc. (…) reduziu a penhora no vencimento do executado.

- No proc. (…) indeferiu o pedido de aplicação nos autos da invocada sanção

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Contencioso

pecuniária compulsória. - No proc. (…) considerou verificado o

“justo impedimento”.- No proc. (…) apreciou a questão atinente

à possibilidade de ser celebrada transacção no âmbito do processo executivo – sustentando que tal não é possível.

- Dispensava, por vezes, a citação prévia da executada, após inquirição e boa fundamentação, ut artº 812º-B, nºs 2 e 3 do CPC – considerou justificado o justo receio da exequente da perda da sua garantia patrimonial (…)

- No proc. (…) reformou a decisão recorrida, ut artsº 668º e 670º CPC

- Vimos, porém, que nas sentenças homologatórias das transacções efectuadas se limitava a dizer “… condenando e absolver nos seus precisos termos”.

Juntou o Exame Juiz certidão de 10 trabalhos seus por cuja leitura se confirmam as apreciações que, em geral, acima fizemos.

Temos, portanto, que, no seu todo, o Sr. Juiz, ao longo destes cerca de seis anos e quatro meses, teve uma produtividade bastante boa, revelando, ainda, um grande espírito de sacrifício e brio profissional, aliados a uma boa qualidade de trabalho.

Daqui que - e apesar dos reparos pontualmente feitos - , não pode deixar de concluir-se por uma imagem muito positiva e meritória da actuação do Dr…, a qual, como dito supra, contribui, não apenas para a (necessária e sempre desejável) boa imagem da Magistratura Judicial, como, também, para a dignificação da própria Justiça.

É agora altura de lhe propor classificação.

Como decorre do exposto, se o desempenho ainda apresenta, a meu ver, algumas “imperfeições”, devidamente documentadas ao longo deste relatório, o certo é que, não apenas se trata de “imperfeições” de pequena monta - as quais, aliás, humildemente e com sentido

de responsabilidade (sempre de louvar), reconheceu, na longa conversa pedagógica que com ele tivemos no fim da inspecção (como sempre fazemos com todos os inspeccionados) -, como de forma alguma tal afecta o juízo que dele firmámos: que a sua actuação, numa apreciação global, é muito positiva.

Por isso, tendo em conta:- Os critérios de avaliação consignados

no artº 13º do RIJ e os critérios limitativos das classificações constantes do artº 16º do mesmo diploma legal, maxime que:

- “A melhoria de classificação deve ser gradual” (nº 3);

- “A atribuição de Bom com Distinção equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira” (nº1, al. b);

-“ A atribuição de Muito Bom equivale ao reconhecimento de que o juiz teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira” (nº1, al. b);

- que à data do início desta inspecção já contava com 10 anos e seis meses de serviço (incluindo o período de estágio);

-- que se é certo que tem apenas 2 classificações anteriores, sendo uma de “Bom” e outra de mérito (“Bom com Distinção”), não menos certo é que a presente inspecção respeita a um período temporal de cerca de seis anos e quatro meses, pelo que em condições “normais” já bem poderia (deveria) ter sido já alvo de outra inspecção, a qual provavelmente o beneficiaria. E obviamente que a tal situação é, de todo, alheio o Sr. Juiz que, por isso mesmo, não poderá (deverá) ser prejudicado;

- Que logrou, ao longo dos cerca de 4 anos em que ali esteve, reduzir a dilação média das audiências de julgamento (crime) de 1 ano para 3 meses, apesar da acentuada distribuição, com consequente sobrecarga da agenda, conseguindo, ainda, findar um número de processos substancialmente superior ao dos distribuídos - o que, sem

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dúvida, traduziu uma melhoria muito significativa, naturalmente só possível devido ao espírito de sacrifício e brio profissional do Sr. Juiz, que deixou o serviço em dia e sem atrasos;

- que também (…), apesar de ter encontrado cerca de 1.000 processos parados quando ali iniciou funções, conseguiu dar resposta pronta e eficaz à situação, com elevado sacrifício pessoal e familiar, tendo actualmente a secção perfeitamente controlada, sem qualquer processo em seu poder, para cumprimento, com prazo excedido, com uma boa agenda e prolação de despachos correntes - muitos de razoável dificuldade - quase sempre no dia da conclusão, bem assim com boa dilação nos saneadores e decisões de mérito - ,

- o que, para além da boa qualidade do trabalho produzido, igualmente revelou grande devoção, espírito de sacrifício e brio profissional;

- que o trabalho produzido ao longo destes últimos seis anos e meio, o nível jurídico e a qualidade do tratamento das questões a decidir, se não pode considerar-se excelente, é, no entanto, muito significativo, a distingui-lo claramente da média; e

- que nos dois tribunais a que se reporta o serviço sob inspecção deixou uma ima-gem muito positiva, assim, também, contri-buindo para a transmissão de uma imagem igualmente muito positiva da magistratura judicial, considero inteiramente justa e me-recida a subida da notação que ostenta (o que, estou certo, também constituirá forte estímulo para que continue a trabalhar da forma muito metódica, responsável, briosa e sacrificada como o vem fazendo).

Proponho, assim, a esse Venerando Con-selho Superior da Magistratura a atribuição da notação de “MUITO BOM”

2 - O Direito(…) usando do direito de pronúncia para

que foi notificado, veio, realçando a quali-dade e profundidade da inspecção a que foi sujeito e, bem assim, a justeza e perfeição da nota proposta pelo Exmo. Inspector, evi-denciar o mérito do seu trabalho e preten-der que a nota proposta lhe seja homolo-gada.

É justo começar por realçar que a pronúncia não deixa de confirmar as qualidades, técnicas e pessoais, que lhe foram detectadas e postas em destaque no relatório inspectivo. Por outro lado, igualmente se acrescenta, desde já, que os escassos reparos que foram feitos ao seu serviço têm essencialmente um sentido pedagógico (como a dado passo refere o Exmo. Inspector), destinam-se a uma reflexão futura e não são de molde a atenuar significativamente o mérito que foi reconhecido.

A questão que é colocada nos presentes autos, para sermos claros, prende-se com a percepção da notação adequada (entre a máxima proposta e Bom com distinção possível), mas igualmente com o tempo de exercício, que não sendo exactamente o apontado pelo Exmo. Inspector (ao nele considerar o período de estágio), nem tendo sido objecto da resposta, não deixa de adquirir aqui uma particular relevância.

Importa, antes do mais, considerar a seguinte realidade: trata-se da terceira inspecção; o seu tempo de exercício efectivo da judicatura é inferior a dez (10) anos e prestou o seu serviço num Juízo Criminal e num Juízo de Execução.

Com a nota anterior pretendemos realçar que a questão que estes autos de inspecção colocam é esta: sendo inequivocamente meritório o serviço inspeccionado, justifica-se (no sentido em que se justificará em todos os casos semelhantes) que seja atribuída a notação de Muito Bom, logo à terceira inspecção e sem que tenha ainda exercido efectivamente a sua actividade ao longo de dez anos?

Como é sabido, os juízes de direito são

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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107Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Contencioso

classificados, de acordo com o mérito que demonstram, com as notações de Muito Bom, Bom com Distinção, Bom, Suficiente e Medíocre – artigo 33.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

A concretização destes conceitos classificativos vem expressa no artigo 16.º do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ), que significativamente se titula “Critérios limitativos e efeitos das classificações” e, de acordo com os dizeres deste preceito, a atribuição de “Bom com Distinção” equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira e a de “Muito Bom” equivale ao reconhecimento de que o juiz de direito teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira. Diga-se, ainda, por outro lado e para melhor entendimento da notação mais elevada, que a própria atribuição de “Suficiente” é ainda a atribuição de uma classificação positiva e equivale ao reconhecimento de que o juiz possui as condições indispensáveis para o exercício do seu cargo.

Na classificação de determinado desempenho tem que atender-se ao modo como os juízes de direito exerceram a função, ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, às condições de trabalho prestado, à preparação técnica, categoria intelectual, aos trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica – artigo 34.º, n.º 1, do EMJ. Por outro lado, nas classificações são sempre considerados os (outros) seguintes aspectos: tempo de serviço, resultados das inspecções anteriores, processos disciplinares e, em geral, quaisquer elementos complementares que constem do respectivo processo individual – artigos 37.º, n.º 1, do EMJ e 15.º do RIJ.

Nos números 1 a 3 do artigo 13.º do RIJ objectivam-se os parâmetros de avaliação, distribuídos em três vertentes: capacidade humana para o exercício da

função, adaptação ao serviço e preparação técnica.

Nos diversos aspectos que resultam do preceito regulamentar antes citado, as conclusões (e os factos que as suportam) são claramente favoráveis, no sentido de, por elas, se constatar um exercício do cargo, nas circunstâncias em que o foi, que merece um justo reconhecimento de mérito.

No entanto, o mérito elevado, a notação de Muito Bom, encontra-se ligado, por vontade regulamentadora do CSM, a um determinado tempo de exercício. Em conformidade a essa imposição externamente vinculante do CSM diz-se no n.º 4 do já aludido artigo 16.º do RIJ que “Só excepcionalmente se deve atribuir a nota de Muito bom a juízes de direito que ainda não tenham exercido efectivamente a judicatura durante 10 anos, tal só podendo ocorrer se o elevado mérito se evidenciar manifestamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais reveladas no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo”.

Resulta deste preceito que, em princípio, nenhum juiz com menos de 10 anos de efectivo exercício da judicatura deve ser classificado com Muito bom.

Entende-se que assim seja e não pode considerar-se como excessivamente longo o período em questão; com efeito, o tempo de primeira instância é de 23 anos – sensivelmente, mas em concreto no momento presente –, depois de findo o estágio (de 25 anos desde a entrada no CEJ) e 10 anos é bem menos que metade desse período. Igualmente se entende uma exigência como a presente, quando da própria definição da notação máxima se pressupõe um mérito elevado ao longo da carreira. Ora, se a carreira é de 23 anos, exigir 10 para que se possa alcançar a classificação máxima será tudo menos injusto ou incompreensível.

Mas o preceito admite excepções. Excepções que, no entanto, e passando a

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108 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

repetição, têm que ser muito excepcionais. Com feito, analisado aquele n.º 4, só é justificável que alguém seja classificado com Muito Bom antes de 10 anos se tiver (1) elevado mérito ao longo da sua carreira; (2) esse elevado mérito for manifesto; (3) manifesto quer em razão das qualidades pessoais quer das profissionais, (4) e que estas se revelem num desempenho de serviço particularmente complexo.

Seria ocioso e eventualmente despropositado, já que apenas repetitivo, renovar aqui as considerações de facto que resultam do relatório inspectivo e que demonstram as inequívocas qualidades pessoais e profissionais d (…). Em nada, ressalvando a conclusão que traduz a notação proposta, pretendemos contrariar o significado justamente elogioso do relatório: prestou um meritório serviço, quer na vertente da quantidade quer da qualidade e pessoalmente honra significativamente a sua profissão; a sua dedicação pessoal e o resultado dela não podem ser nunca apagados, antes se elogiam e, repete-se, os escassos reparos (não fixação da hora do início das diligências; alguma repetição excessiva na fundamentação das decisões; modo de proceder nas suspensões da instância e uma ou outra maneira – menos conseguida - de quesitar) são essencialmente pedagógicos e não desvalorizam o seu mérito, como supra já se referiu.

Não nos custa dizer mais, ou seja, que o seu desempenho, noutras circunstâncias de tempo (carreira) e lugar (excepcionalidade dos tribunal de afectação) se podia considerar elevadamente meritório. No entanto, o mérito verificado foi-o num exercício de judicatura com menos de dez anos e, em nosso entender mas claramente, não se revelou num serviço particularmente complexo, capaz de justificar a excepção regulamentar. Com efeito, exige-se que o serviço seja particularmente complexo e essa exigência tem que ter um relevante

significado, pelo risco que acarreta - como excepção que é – em termos de justiça relativa.

Em suma, (…) exerce efectivamente a judicatura desde que, por publicação no DR de 31.05.1999 foi destacado como auxiliar n(…), tendo o último seu serviço inspeccionado ocorrido quando tinha, de serviço efectivo, menos de 9 anos e 8 meses; essa antiguidade não deve levar à atribuição da classificação de Muito Bom, salvo se fosse um caso perfeitamente excepcional que, com todo o respeito, aqui não ocorre. E se (…) demonstrou tudo quanto se deve elogiar num juiz; se os factos constantes do relatório, para os quais expressamente remetemos, vincam que foi competente, dedicado e alcançou mérito nos diversos parâmetros classificativos ponderáveis, ainda assim, não resulta que o serviço inspeccionado fosse particularmente complexo e o dever de justiça relativa impõe ao CSM a conclusão que a notação adequada (ainda) não é a de Muito Bom.

Refere (…) que a sua proximidade de uma eventual jubilação seria um factor acrescido para que o CSM reconhecesse o seu inequívoco e elevado mérito.

Ocioso será dizer que a notação de Bom com distinção, como o nome indica, é e deve ser considerada pelos Srs. Juízes, uma classificação de “distinção pelo mérito”. Por outro lado, entendemos que o CSM não pode fugir aos seus deveres de tentar uma justiça classificativa mais geral, em razão das (embora justas) particularidades de determinado Juiz.

Por tudo e terminando, consideramos como mais adequada, ponderando as circunstâncias concretas de exercício, o mérito evidenciado e a antiguidade (…) lhe seja atribuída a classificação de Bom com distinção.

DECISÃOPelo exposto, acordam os membros

do Permanente do Conselho Superior da Magistratura em atribuir (…) a classificação de “Bom com distinção”.

[Relator: Vogal Dr. José Eusébio Almeida]

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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Contencioso

3.Acórdão Classificativo«Bom com Distinção»

(menos de 10 anos de exercício efectivo)

Inspecção OrdináriaAcordam no Conselho Superior da

Magistratura

I. RELATÓRIOFoi realizada inspecção ordinária ao

serviço prestado pelo Ex.º Juiz de Direito Dr. ... …. no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Trib1 e no 2º Juízo Cível de Trib2, abrangendo o período compreendido entre 19.09.2002 e 05.06.2008, tendo sido também inspeccionado o serviço que prestou, em acumulação, no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Trib3, e no 4º Juízo Cível de Trib2

Finda a inspecção, o Ex.º Inspector Judicial elaborou o relatório que consta de fls. 76 a 116, propondo a classificação de “Bom com Distinção”.

O Ex.º Juiz ..., notificado do teor desse relatório, usou do direito de resposta, reclamando notação superior à proposta (fls. 121 a 165).

O Ex.º Inspector fez a informação final, na qual manteve a proposta classificativa que avançara no relatório.

Na mesma informação, concretizou ainda alguns factos referidos no relatório, o que motivou nova resposta do Ex.º Juiz, confina-da aos novos elementos relatados.

I. FUNDAMENTAÇÃOOS FACTOSDo relatório inspectivo consta o seguin-

te:(…)

II. NOTA BIOGRÁFICA E CURRICULARÉ natural de …., , onde nasceu a … de

Dezembro de 1972.

Concluiu a sua licenciatura em Direito, na Universidade Católica do Porto, no dia 31 de Julho de 1995, tendo obtido a classifica-ção final universitária de 14 valores.

Após frequência do Centro de Estudos Judiciários, como Auditor de Justiça, por deliberação do Conselho Superior da Ma-gistratura de 14/7/1998, publicada no D.R. n.º 212, de 14/9/1998, foi nomeado Juiz de Direito em regime de estágio e colocado no Tribunal Judicial da Comarca de ....

Concluído o estágio, por deliberação de 10/5/1999, publicada no Diário da Repú-blica n.º 126, de 31 de Maio de 1999, foi nomeado Juiz de Direito e destacado como auxiliar no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judi-cial da Comarca de …..

Por deliberação de 14/7/99, publicada no D.R. n.º 215, de 14/9/99, foi colocado no Tri-bunal Judicial da Comarca de ….

Por deliberação de 11/7/2000, publicada no D.R. n.º 213, de 14/9/2000, foi transfe-rido para o 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do …..

Por deliberação de 9/7/2002, publicada no D.R. n.º 213, de 14/9/2002, foi transfe-rido, a pedido, para o 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Trib1, onde tomou posse a 19/9/2002.

E, por deliberação de 14/7/2005, pu-blicada no D.R. n.º 177, de 14/9/2005, foi transferido, como requereu, para o 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2, onde tomou posse a 19/9/2005 e onde permane-ce em funções.

Entretanto, enquanto titular do 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib1, exerceu funções, em regime de acumulação, no 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib3, entre 20 de Outubro de 2003 e 17 de Fevereiro de 2004 (cfr. despachos do Ex.mo Juiz Con-selheiro Vice-Presidente, de 10/10/2003 e 25/2/2004) e no 4.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2 no período compreen-dido entre 24 de Maio de 2004 e 10 de Ja-neiro de 2005 (cfr. despachos de 5/5/2004 e 14/1/2005).

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110 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

É Juiz de direito desde 31 de Maio de 1999, contando, por isso, de exercício efec-tivo da judicatura (com exclusão das fases de auditor de justiça e de juiz em regime de estágio), aquando do início da presente inspecção, oito anos, onze meses e vinte e seis dias.

E, quando iniciou funções no 3.º Juízo de Trib1 e no 2.º Juízo Cível de Trib2, conta-va, respectivamente, três anos, três meses e dezanove dias e seis anos, três meses e dezanove dias.

No seu certificado do registo individual constam as seguintes classificações:

- “Bom” pelo trabalho prestado no Tribu-nal da Comarca de ….., no período com-preendido entre 17/9/99 e 3/7/2000 (cfr. deliberação de 12/6/2001); e

- “Bom com distinção” pelo desempenho no 1.º Juízo do Tribunal da Comarca do …. entre 3/11/2000 e 15/9/2002 (cfr. delibera-ção de 28/1/2003).

III.APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

1. CAPACIDADES HUMANASOs elementos recolhidos ao longo da pre-

sente inspecção, nomeadamente a análise do serviço prestado, as informações obti-das e os contactos que mantivemos com o Ex.mo Juiz, permitem afirmar que esta-mos perante um magistrado com grande idoneidade cívica, íntegro, independente, isento e de muito bom comportamento no relacionamento com todos os operadores judiciários.

Muito educado e de bom trato, relaciona-se facilmente com os outros magistrados, advogados e oficiais de justiça, a todos respeitando e fazendo-se respeitar, sendo também respeitador e correcto para com o público em geral.

Tem vindo a exercer as suas funções com total isenção e independência, de forma se-rena e conscienciosa, adoptando uma con-duta de grande aprumo e dignidade.

Em parte alguma se detectou falta de ob-jectividade, isenção e imparcialidade.

Embora um Sr. Advogado e interessado

no processo de inventário n.º 282/2000, de Trib2, tenha pretendido demonstrar o contrário ou, pelo menos, suspeitar da sua imparcialidade nos dois incidentes de sus-peição que suscitou, a verdade é que não existe qualquer motivo gerador da des-confiança de perda de imparcialidade do Ex.mo Juiz, o que levou o Ex.mo Presidente do Tribunal da Relação do Porto a rejeitar, por duas vezes, tal pedido. Todavia, para melhor garantir a sua imparcialidade, aca-bou por ser-lhe deferido o pedido de escu-sa, em 19/10/2007, no âmbito do mesmo processo e na sequência de participações de natureza criminal e da instauração de acções cíveis.

Integrou-se perfeitamente no meio onde exerceu e vem exercendo a judicatura, re-velando as suas decisões boa compreensão das situações concretas que foi chamado a decidir, as quais procurou solucionar com elevado sentido de justiça.

Por isso, é altamente conceituado e res-peitado, gozando de elevado prestígio pes-soal e profissional.

2. ADAPTAÇÃO AO SERVIÇO

2.1. Como já se referiu, para efeitos da presente inspecção, o tempo de exercício sob apreciação é de cinco anos, oito meses e dezasseis dias, férias judiciais incluídas, compreendido entre 19/9/2002 e 5/6/2008, tendo o serviço sido prestado no 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib1, no 2.º Juí-zo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2 e, em regime de acumulação, no 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib3 e no 4.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2.

2.2. Nesse período, o Ex.mo Juiz faltou justificadamente ao serviço nos dias 6 de Dezembro de 2002, 17 a 22 de Junho de 2003, 9 de Dezembro de 2004, na manhã do dia 1 de Março de 2005, nos dias 10 de Outubro, 25 de Novembro, 6 e 8 a 23 de Dezembro de 2005, 10 a 18 e 26 de Abril, na manhã de 23 de Outubro, 16, 17, 20, 21 e 22 de Novembro de 2006, 5 de Feverei-ro (manhã), 15 de Maio, 27 de Setembro, 24 de Outubro, 20 de Novembro e 14 de

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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Contencioso

Dezembro de 2007, 26 de Fevereiro, 3 de Março e nas tardes de 18 de Abril e 30 de Maio de 2008, num total de 41 dias úteis completos, três manhãs e duas tardes de ausência.

2.3. Do serviço

2.3.1. Condições específicas do exercício

A) O Tribunal Judicial da Comarca de Trib1 é um tribunal de competência genéri-ca, está integrado no círculo judicial com o mesmo nome e pertence ao distrito judicial do Porto. A área da sua jurisdição coincide com a do respectivo município, constituído por 38 freguesias. É composto por quatro juízos, sendo o quadro de um juiz por juí-zo, acrescido de três juízes de círculo (cfr. mapas I, II, III e VI, anexos ao DL n.º 186-A/99, de 31 de Maio). Tal como os restan-tes Juízos, o 3.º Juízo apresenta um volume processual normal e adequado ao ritmo de trabalho de qualquer magistrado.

É variada a gama de assuntos que nele é tratada. Todavia, no cível, pontificam acções de dívida, acções emergentes de acidentes de viação, algumas acções de di-reitos reais e execuções. Na área criminal, abundam os crimes contra a integridade física, contra o património e os crimes de condução de veículos sem habilitação e em estado de embriaguez.

Além dos processos que eram distribuí-dos a cada um dos quatro juízos, os Juízes titulares estavam de serviço, semanal e ro-tativamente, aos julgamentos sumários de todos, não estando aos primeiros interroga-tórios judiciais, nem ao serviço de instrução criminal, por passarem a dispor de um juiz de instrução a partir de Setembro de 2002.

O Ex.mo Juiz interveio, ainda, como vogal nos julgamentos colectivos do seu Juízo, num total de dezoito.

Quando tomou posse em Trib1, o Dr. ... encontrou o serviço em dia e, na data em que ali cessou funções, também não deixou qualquer processo por despachar ou sen-tenciar.

B) Enquanto Juiz titular do 3.º Juízo do

Tribunal da Comarca de Trib1, exerceu fun-ções, em regime de acumulação, no 3.º Ju-ízo do Tribunal da Comarca de Trib3 e no 4.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2.

A primeira acumulação foi determinada por despacho do Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 10/10/2003, com efeitos a partir do dia 20 seguinte, deveu-se à ausência da respec-tiva titular que se encontrava na situação de licença de maternidade e prolongou-se até ao dia 17/2/2004 (cfr. despacho de 25/2/2004), competindo-lhe dar prioridade aos processos de natureza criminal, nos moldes a combinar com o Juiz de nomeação temporária que aí se encontrava colocado.

Em cumprimento do assim determinado e acordado, o Dr. ... assegurou a realização de todos os julgamentos marcados pela Ex.ma Juíza titular nos processos de nature-za criminal, bem como os julgamentos, nos processos de igual natureza, que ele pró-prio agendou; despachou todos os proces-sos de natureza criminal que lhe foram sen-do conclusos e, esporadicamente, proferiu despachos nas execuções apensas àqueles processos. De tal forma que, em 16/2/2004, inexistiam, no 3.º Juízo de Trib3, quaisquer processos de natureza criminal com conclu-são anterior àquela data, por despachar.

A segunda acumulação foi determinada em virtude da elevada pendência acumula-da no referido 4.º Juízo Cível e foi exercida no período compreendido entre 24 de Maio de 2004 e 10 de Janeiro de 2005, tendo o Ex.mo Juiz sido incumbido de despachar os processos atrasados, com preferência para os despachos saneadores e sentenças (cfr. despachos do Ex.mo Vice-Presidente de 5/5/2004 e 14/1/2005). O Dr. ... despachou todos os processos que para esse efeito lhe foram apresentados, tendo exarado neles despachos de mero expediente, saneado-res e sentenças, conforme adiante melhor se explicitará.

C) O Tribunal da Comarca de Trib2 está integrado no círculo judicial com o mesmo nome e pertence ao distrito judicial do Por-to. Tem jurisdição no respectivo município,

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112 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

constituído por vinte e quatro freguesias e oito freguesias do município da .... Des-dobra-se em quatro juízos de competência especializada cível e dois juízos de compe-tência especializada criminal, com o qua-dro de juízes de um por juízo e dispondo de três juízes de círculo (cfr. mapas I, II, III e VI, anexos ao citado DL n.º 186-A/99).

No que ao 2.º Juízo Cível respeita, ape-sar de os dados estatísticos indiciarem uma carga processual algo elevada, a verdade é que se verificou uma grande parte de au-tocomposição dos litígios, quer através de transacções quer de desistências, sendo também muitos os casos de extinção da instância por inutilidade e impossibilidade superveniente da lide. Têm também muito peso, constituindo mais de um terço dos processos distribuídos, as execuções co-muns, em que é nula ou diminuta a inter-venção do juiz.

Acresce que muitas das acções nem se-quer foram contestadas.

Tudo, sem prejuízo de alguns processos exigirem melhor estudo, pela sua comple-xidade e matérias em causa.

O Dr. ... reserva para julgamentos as ma-nhãs de segunda, terça e quarta-feira e as tardes de sexta-feira, períodos em que lhe está atribuída uma das três salas existen-tes, de acordo com o mapa aprovado, des-

tinando as quintas-feiras a diligências em processos tutelares.

Durante o período da inspecção, exerce-ram funções dois juízes auxiliares, a quem foram distribuídos, entre outros dos restan-tes Juízos que não interessa aqui conside-rar, os processos da jurisdição de família e menores do 2.º Juízo cível, desde 6/11/2006 até Fevereiro de 2007 e de 30 de Março a 17 de Julho de 2007.

Quando tomou posse neste Juízo, o Dr. ... encontrou o serviço rigorosamente em dia e nesse estado o vem mantendo, sem prejuízo de incorrer num ou outro atraso, pouco significativos.

Todos os aludidos tribunais estão classi-ficados como tribunais de acesso final (cfr. art.º 2.º da Portaria n.º 950/2001, de 3 de Agosto).

Dispôs sempre de boas condições de tra-balho.

2.3.2. Índices de produtividade

Movimento processual

1. No 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Co-marca de Trib1, no período compreendido entre 19 de Setembro de 2002 e 15 de Se-tembro de 2005, segundo os mapas de fls. 31 a 36, verificou-se o seguinte movimento processual:

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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113Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

2. No 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Trib3, no período compreendido entre 20 de Outubro de 2003 e 17 de Fevereiro de 2004, segundo os mapas de fls. 71 e 73, verificou-se o seguinte movimento de processos de natureza criminal:

3. No 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2, de acordo com os mapas de fls. 68 a 70, entre 19 de Setembro de 2005 e 5 de Junho de 2008, ocorreu o seguinte movimento de processos:

B. Prolação de decisões

1. 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Trib11.1. Ao longo da sua prestação neste Juízo (desde 19 de Setembro de 2002 até 15 de Se-tembro de 2005), na área cível, o Dr. ... proferiu as seguintes decisões:

Contencioso

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114 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Inclui vinte e sete homogatórias de acordos, três de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, uma decisão a declarar a nulidade por ineptidão da petição inicial, outra a homologar a desistência da instância, três decisões em incidentes de incumprimento, sete sentenças de regulação do exercício do poder paternal, três de alteração dessa regulação, duas de adopção, três de tutela, quatro em processos de promoção e protecção.

1.2. Na área criminal, proferiu as seguintes decisões que se mostram registadas

Proferiu, ainda, outras decisões que não se mostram depositadas, nomea-damente 39 homologações de desis-tências de queixa, 48 em que procedeu à aplicação da sanção em processo su-maríssimo e 4 onde rejeitou esse pro-cedimento. Apreciou 262 acusações, das quais rejeitou uma, lavrando os correspondentes despachos de sane-amento e designando datas para as

respectivas audiências de discussão e julgamento.

2. 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Co-marca de Trib3

No decurso da sua prestação nes-te Juízo, em regime de acumulação e nos moldes referidos (de 20/10/2003 a 17/2/2004), o Ex.mo Juiz proferiu as seguintes decisões:

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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115Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Apreciou 69 acusações e lavrou os correspondentes despachos de sanea-mento, designando datas para as audi-ências de discussão e julgamento; bem como os despachos de mero expedien-te em várias dezenas de processos que lhe foram apresentados.

3. 4.º Juízo Cível do Tribunal da Co-marca de Trib2

Durante a sua prestação neste Juízo, ainda em regime de acumulação nos termos supracitados (de 24/5/2004 a 10/1/2005), o Ex.mo Juiz proferiu as se-guintes decisões:

Elaborou 25 despachos saneadores e la-vrou 115 despachos simples e de mero ex-pediente.

4. 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2

Durante o seu desempenho neste Juízo, entre 19/9/2005 e 5/6/2008, o Dr. ... profe-riu as seguintes decisões:

Contencioso

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116 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

(**) Inclui vinte e sete homogatórias de acordos, três de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, uma decisão a declarar a nulidade por ineptidão da petição inicial, outra a homologar a desistência da instância, três decisões em incidentes de incumprimento, sete sentenças de regulação do exercício do poder paternal, três de alteração dessa regulação, duas de adopção, três de tutela, quatro em processos de promoção e protecção.

Lavrou, ainda, cerca de oitenta despachos de indeferimento liminar.

C) Elaboração de saneadores/condensação

Além dos 25 que elaborou no 4.º Juízo, em regime de acumulação, contabilizaram-se 162 despachos saneadores em processos do 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib1 e 335 do 2.º Juízo Cível de Trib2, num total de 522.

Em três declarou a incompetência territorial do Tribunal, em setenta e sete julgou procedentes excepções que puseram termo aos processos, em quatrocentos e trinta e um procedeu à selecção da matéria de facto e em onze dispensou a condensação.

2.3.3. Prazos de marcação/Tempo de prolação

A) 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Trib1:

a) Na área cível:Nas audiências preliminares que

designou, utilizou prazos variáveis entre 15 e 45 dias e, naquelas que concluiu, ditou para a acta o correspondente despacho

(v.g. ...) ou mandou concluir para proferir decisão (v.g. ...).

Marcou as audiências de julgamento sempre com dilação inferior a três meses, em regra, com prazos entre um e dois meses.

Utilizou idênticos prazos nos legais adiamentos a que procedeu (v.g. acções sumárias ..., com fundamento na falta de mandatário), bem como nas transferências de julgamentos por motivos do próprio tribunal (v.g. acções sumárias n.ºs .... – com fundamento na continuação de outros julgamentos – e embargos de executado n.º ... – aparelhos de gravação avariados).

Procedeu à leitura das decisões respeitantes à matéria de facto, por norma, no sétimo ou oitavo dias subsequentes ao encerramento da discussão, tendo utilizando, no entanto, prazos superiores de 13 (v.g. AS n.º 1368/03.2TB...), 17 (v.g. AS n.º 918/04.1TB...), 24 (v.g. AS n.º 258/99) e 28 dias (v.g. AS n.º 517/02), nestes dois últimos casos devido à necessidade, entretanto surgida, de pedidos de informação e esclarecimentos.

Nas acções com processo sumaríssimo, normalmente, em vez de ditar para a acta

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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117Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

a sentença, julgando a matéria de facto e de direito, designava dia para a sua leitura, a qual tinha lugar em prazos variáveis, tendo utilizado, por exemplo, sete dias nos processos n.ºs 383/02, 1945/04.4TB... e 599/05.5TB..., dez dias no processo n.º 1819/04.9TB... e dezasseis dias no processo n.º 66/03.1TB....

Nos procedimentos cautelares, designou dia para a produção de prova utilizando prazos inferiores a trinta dias e apreciou-os elaborando a decisão no prazo máximo de cinco dias (cfr. processos n.ºs 257/02, 1514/04.9TB...-A e 1771/04.0TB...-A).

No agendamento das demais diligências, utilizou dilação média de 45 dias (v.g. tentativas de conciliação nos divórcios litigiosos n.ºs .....; conferências nos processos tutelares n.ºs.. e nos inventários n.ºs ...).

O despacho de mero expediente foi lavrado, em regra, no mesmo dia da “conclusão” ou em datas próximas dela.

Os despachos saneadores e as sentenças foram exarados, por norma, nos prazos legais, não se detectando atrasos dignos de menção.

b) Na área criminal:Os despachos a que alude o art.º

311.º do CPP foram proferidos, em regra, prontamente, verificando-se alguns atrasos, pouco significativos (v.g. PCS n.º 7..., despachados em 27/9/2004 e 10/1/2005, após conclusões de 15/9/2004 e 14/12/2004, respectivamente).

As audiências de julgamento foram designadas, na sua grande parte, com dilação entre um e dois meses, sempre inferior a três meses.

As segundas marcações, nos termos do art.º 312.º, n.º 2 do CPP, recaíram dentro dos 15 dias subsequentes à primeira marcação, normalmente no 7.º ou 8.º dias.

As mesmas foram realizadas, em regra, no primeiro dia designado.

E, quando não foram, nos legais

adiamentos a que procedeu, utilizou a segunda data.

Publicitou as sentenças, por norma, dentro do prazo a que alude o art.º 373.º, n.º 1 do CPP.

Porém, houve casos em que excedeu aquele prazo, o que aconteceu, nomeadamente, nos seguintes processos:

- PCS n.º 156/96.5TB..., onde utilizou 14 dias;

- PCS n.º 560/03.4GB..., em que utilizou 15 dias; e

- PCS n.º 128/03.5TA..., onde gastou 17 dias, porque, entretanto, entendeu ser necessário ouvir, novamente, a assistente.

O despacho de mero expediente foi lavrado no mesmo dia da “conclusão” ou em datas muito próximas.

B) 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib3:

Neste Juízo, as audiências foram marcadas com dilação inferior a três meses.

As segundas marcações recaíram, em regra, no 7.º dia subsequente à primeira marcação.

As mesmas foram realizadas, em regra, no primeiro dia designado. E, quando não foram, nos legais adiamentos e transferências a que procedeu, utilizou a 2.ª data.

Publicitou as sentenças, por norma, den-tro do respectivo prazo legal, em regra, no sétimo dia após o encerramento da discus-são. Houve, porém, casos em que utilizou 14 e 15 dias, o que é compreensível face às circunstâncias em que exerceu a acumula-ção (cfr. processos ....).

As restantes decisões foram proferidas nos prazos legais.

C) 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2:

Nas poucas audiências preliminares que vimos designadas em processos deste Ju-ízo, utilizou prazos de 14, 21, 22 e 37 dias

Contencioso

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118 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

- cfr. acções n.ºs... -, não tendo chegado a realizá-las nas duas primeiras por as par-tes terem requerido a suspensão da ins-tância nos termos do art.º 279.º, n.º 4 do CPC e celebrado transacção. As restantes duas foram concluídas, tendo o Ex.mo Juiz mandado abrir conclusão para decidir por escrito, o que fez, lavrando despacho sa-neador na AO n.º 1238/05.0TB... onde jul-gou procedente nulidade processual com a consequente absolvição da instância e exarando saneador sentença na AS n.º 5441/05.4TB..., o qual acabou por ser re-vogado pelo Tribunal da Relação do Porto que mandou prosseguir com a elaboração da base instrutória.

Tanto quanto foi possível apurar, marcou as audiências de julgamento usando dila-ção entre dois e cinco meses, situando-se a média nos três meses e meio.

Nos legais adiamentos, utilizou prazos até três meses.

Procedeu a transferências antecipadas de audiências, justificadas com impedimentos noutras diligências ou impossibilidade de comparência em Tribunal, usando prazos variáveis até três meses (v.g. acções sumá-rias n.ºs ...).

Procedeu à leitura das decisões respei-tantes à matéria de facto em prazos muito variáveis, tendo, por várias vezes, ultrapas-sado dez dias, nomeadamente nos seguin-tes processos em que gastou:

- 13 dias, nas acções sumárias n.ºs 53/03.0TB... e 2101/05.0TB...;

- 14 dias, nas acções sumárias n.ºs 1971/04.3TB..., 327/05.5TB... e na oposição à execução n.º 2640/04.0TB...-A;

- 15 dias, na AS n.º 3299/05.2TB...; - 16 dias, nas acções sumárias n.ºs

2317/04.6TB... e 2967/05.3TB...; - 19 dias, na AS n.º 725/05.4TB...; e- 22 dias, na AS n.º 1693/06.0TB....

Nas acções com processo sumaríssimo também utilizou prazos variáveis para a

publicação das sentenças, tendo designa-do datas para a sua leitura posteriores ao encerramento da discussão, fazendo uso de prazos, por vezes, de 16 (v.g. processos n.ºs...) e 17 dias (v.g. processos n.ºs ...).

Nos procedimentos cautelares, designou dia para a produção de prova, utilizando prazos inferiores a um mês, muitas vezes, a menos de quinze dias, tendo as respecti-vas decisões sido proferidas no dia do en-cerramento da discussão ou nos três dias seguintes (cfr. processos n.ºs ...,)

Nas demais diligências, utilizou dilação média de trinta dias (v.g. tentativas de con-ciliação nas acções de divórcio litigiosos n.ºs 4... e conferências nos processos tute-lares n.ºs...).

Neste Juízo, verificaram-se alguns atra-sos (poucos) na elaboração de despachos saneadores e na prolação de sentenças, mas que nunca ultrapassaram os trinta dias (v.g. quanto a saneadores as acções n.ºs .... e, relativamente a sentenças, os processos n.ºs ...).

O despacho de mero expediente, por nor-ma, foi exarado no mesmo dia da “conclu-são” ou em data muito próxima.

3. PREPARAÇÃO TÉCNICA

3.1. JURISDIÇÃO CÍVELO Ex.mo Juiz mostrou-se atento na pro-

lação do despacho liminar - nos casos em que a lei o determina -, analisando os re-querimentos e petições iniciais, rejeitando-os liminarmente quando entendia que ha-via fundamento para tanto.

Assim, foram muitos os indeferimentos liminares das petições e requerimentos iniciais que decretou, com diversos funda-mentos, nomeadamente:

- incompetência em razão da matéria – nas execuções n.ºs ....;

- falta de título executivo – execuções n.ºs 19...;

- falta de personalidade judiciária da exe-cutada – execução n.º 612/03.0TB...;

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- ilegitimidade passiva – execução n.º 4887/06.5TB...;

- manifesta improcedência – procedimen-tos cautelares n.ºs ....; insolvências n.ºs..., incidente de qualificação da insolvência n.º ...;

- extemporaneidade – reclamação de créditos n.º 488-A/01 e oposição n.º 5086/06.1TB...-A.

Não descurou a citação do MP nos casos do art.º 15º do CPC (v.g. Ao n.º 2494/03.3TB... e AS n.º 250/02).

Nas acções para efectivação da respon-sabilidade civil, não olvidou a citação dos organismos prestadores de assistência nem das instituições de previdência social (v.g. acções n.ºs ...).

Quando encontrou faltas ou irregularida-des do mandato, observou o preceituado no art.º 40.º do CPC (v.g. acções n.ºs...).

Tributou com ponderação e bom senso os incidentes anómalos suscitados, assim como fez cominar as multas legais, ade-quadamente fixadas, designadamente nos casos de junção injustificadamente tardia ou indevida de documentos, de violação do dever de cooperação e litigância de má fé, (v.g. acções n.ºs 1... – desentranhamento de articulados; ... – junção tardia de do-cumentos; AS n.º ... – junção indevida de documentos; insolvência n.º... – falta de colaboração; acções sumárias n.ºs... e em-bargos de executado n.ºs ... – má fé), muito embora também tivessem sido revogadas algumas decisões quanto à litigância de má fé (v.g. processos n.ºs ...).

Decidiu os incidentes da instância em despachos muito bem fundamentados, quer quando os admitiu (v.g. acções ordiná-rias n.ºs... e acções sumárias n.ºs... – inter-venção principal provocada –, .. e AS n.º... – intervenção principal espontânea - e AS n.º 5155/07.0TB... – intervenção acessória provocada), quer quando os rejeitou (v.g. ...) e embargos de terceiro n.º ... – inter-venção principal provocada).

Entendendo que o acordo sobre o valor

da causa estava em flagrante oposição com a realidade, algumas vezes, mandou proceder a arbitramento e fixou o valor que considerou adequado (v.g. acções n.ºs ...).

Prestou atenção às formas de proces-so, mandando seguir a forma adequada sempre que a escolhida não era a legal ou quando a alteração resultou da dedução da reconvenção, sem olvidar a rectificação da distribuição (v.g. acções n.ºs.. e... que passaram de sumárias a ordinárias, acções n.ºs... que passaram de sumárias a suma-ríssimas e acção n.º... que passou de suma-ríssima a sumária).

Apreciou, com algum cuidado, os pedidos reconvencionais, admitindo-os ou rejeitan-do-os, conforme se verificavam ou não os pressupostos da sua admissibilidade, pro-ferindo, por norma, despachos bem funda-mentados em caso de rejeição (v.g. ..) ou invocando só o fundamento legal em caso de admissão (v.g. acções ordinárias n.ºs..., ..., acções sumárias n.º..).

Ordenou a suspensão da instância nos casos em que a lei o determina, nomeada-mente para efeitos de registo da acção (v.g. Acções sumárias n.ºs ...).

Analisou, com muito cuidado, os articulados apresentados pelas partes e, por várias vezes, convidou, quer os autores, quer os réus, a procederem à respectiva correcção a fim de serem supridas deficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, explicando sempre de forma clara e precisa, ainda que concisa, qual a factualidade que interessava à decisão da causa e que não havia sido alegada ou o fora deficientemente, bem como providenciou pelo suprimento de excepções dilatórias (v.g. AS n.º 2706/03.3TB..., AO n.º 1238/05.8TB... e AO n.º 4871/06.9TB... – suprimento da ilegitimidade através do incidente processual adequado; e, quanto a factos, além desta última, ainda as acções sumárias n.ºs... e acções ordinárias n.ºs ...).

Convidou, ainda, por várias vezes, as

Contencioso

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120 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

partes a juntarem documentos essenciais ao prosseguimento e decisão da causa (v.g. acções n.ºs..).

Num louvável intuito de imprimir maior celeridade à tramitação processual, sempre que a simplicidade da causa o justificava, dispensou a realização da audiência preliminar, o que fez na esmagadora maioria das acções ordinárias que lhe foram conclusas para saneamento, assim como se absteve de fixar a base instrutória quando a selecção da matéria de facto se apresentava simplificada, desse modo fazendo bom uso do disposto nos art.ºs 508.º-B e 787.º, ambos do C.P.C..

Nos despachos em que designou audiências preliminares, indicou o seu objecto, em conformidade com o preceituado nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 508.º-A do CPC.

Na fase do saneamento apreciou, em regra com acerto, as excepções deduzidas ou de apreciação oficiosa, assim como conheceu do mérito, sempre que para tal o processo já fornecia os necessários elementos (v.g. acções ordinárias n.ºs .... e AS n.º... – incompetência em razão da matéria; acções ordinárias n.ºs... – ilegitimidade activa; acções n.ºs..., – ilegitimidade passiva; ... e AS n.º 1167/07.2TB... – nulidade por erro na forma de processo escolhida, inaproveitável; acções n.ºs... – nulidade por ineptidão da petição inicial; acções n.ºs... – caso julgado; AO n.º... – litispendência; acções n.ºs .... – caducidade; AO n.º..., AO n.º... e AO n.º... – prescrição; AO n.º..., AO n.º..., AO n.º... e AS n.º... – mérito).

Demonstrou boa técnica na condensação.

Na organização da base instrutória, usou sempre a chamada quesitação directa e evidenciou algum cuidado em expurgar os quesitos formulados de asserções conclusivas e de conceitos de direito, assim como de factualidade irrelevante para a decisão da causa, vertendo, em regra, um facto para cada quesito e em consonância com as regras do ónus da prova, sendo

que, algumas vezes, quesitava ambas as versões apresentadas, justificando-as com a necessidade de apuramento da litigância de má fé.

Todavia, apesar desse cuidado, não deixou de formular, algumas vezes, quesitos complexos, de que são exemplo os seguintes:

- 2.º da AO n.º 410/02, relativo a oito facturas, respectivos valores e datas de emissão;

- 2.º da AO n.º 2251/03.7TB... que inclui todos os elementos do contrato de empreitada em causa elencados em sete alíneas;

- 2.º da AS n.º 1971/04.3TB..., 2.º da AO n.º 3201/04, 4.º, 5.º e 8.º da AO n.º 2966/05.5TB..., referentes a trabalhos objecto de contratos de empreitada em causa naqueles autos;

- 1.º da AO n.º 1218/06.8TB..., respeitante a todo o teor do contrato promessa de compra e venda que transcreveu, com onze cláusulas, ocupando quatro páginas;

- 2.º da AO n.º 2729/06.0TB..., relativo a 51 peças de joalharia, com valores e datas de entrega;

- 3.º da AO n.º 3224/07.2TB..., referente a vários defeitos da obra, dispostos por três páginas.

Haveria, antes, que elaborar os quesitos de forma simples, de modo a conterem um único facto cada um.

Também formulou muitos quesitos sobre matéria que só podia ser provada por documento. Disso mesmo tinha noção o Ex.mo Juiz, já que, no fim da base instrutória, com louvável espírito de cooperação, advertiu as partes da necessidade de junção de documentos para prova dos respectivos factos.

Tal sucedeu, nomeadamente, nos quesitos relativos às seguintes matérias:

- nascimento, filiação e idade (quesitos 31.º da AO n.º 152/02, 17.º da AO n.º 274/02, 28.º da AO n.º 485/02, 11.º da AS n.º 545/02, 18.º da AO n.º 128/03.5TB..., 26.º

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da AO n.º 218/03.4TB..., 1.º e 13.º da AO n.º 804/03.2TB..., 69.º da AO n.º 1087/03.0TB..., 27.º da AO n.º 1214/03.7TB... e 31.º da AO n.º 1557/03.0TB...);

- _ óbito e estado civil (30.º da AO n.º 591/04.7TB... e 1.º da AS n.º 731/04.6TB...);

- registo de aquisição de veículos e ciclomotores (quesitos n.ºs 1.º e 3.º da AO n.º 441/01, 1.º da AO n.º 3/02, 1.º da AO n.º 20/02, 2.º da AO n.º 222/02, 1.º da AO n.º 2148/03.0TB..., 2.º e 3.º da AO n.º 369/04.8TB..., 18.º da AO n.º 1600/04.5TB..., 14.º, 15.º e 16.º da AS n.º 3231/04.0TB..., 15.º da AS n.º 3243/04.4TB..., 1.º e 2.º da AS n.º 2842/05.1TB..., 1.º da AS n.º 3980/07.1TB...);

- registo de aquisição de prédios na competente conservatória (1.º da AO n.º 2414/03.5TB... e 1.º da AS n.º 9/04.5TB...);

- deliberações tomadas em assembleia de condomínio (4.º da AO n.º 342/02);

- negócios celebrados por escritura pública (2.º da AO n.º 2414/03.5TB... e 11.º e 12.º da AO n.º 4871/06.9TB...);

- contratos de seguro (20.º da AS n.º 361/02, 23.º da AS n.º 499/02, 32.º da AO n.º 1557/03.0TB... e 19.º da AO n.º 2150/04.5TB...);

- plano de urbanização, licença de construção, licença para gestão de resíduos e acórdão do STA (quesitos 5.º, 6.º 11.º, 12.º e 23.º da AO n.º 1233/04.6TB...).

Estes quesitos são inúteis já que, por força do disposto no n.º 4 do art.º 646.º do CPC, têm-se por não escritas as respostas do tribunal sobre factos que só possam ser provados por documentos.

Por isso, a nosso ver, seria melhor ter-se abstido de elaborar tais quesitos, embora advertindo as partes para a necessidade de juntar os documentos necessários à prova dos respectivos factos.

Ainda mais um reparo referente ao ónus da prova.

Nos embargos de executado n.º 2016/03.6TB...-A, formulou dois quesitos:

o 1.º pela negativa e o 2.º pela positiva, justificando este com a necessidade de averiguar a eventual litigância de má fé e respeitando ambos às assinaturas no lugar destinado ao aceite.

Igual procedimento adoptou na oposição à execução comum n.º 2085/07.0TB...-A.

Nestes casos, em que o embargante/oponente impugnou a veracidade da sua assinatura, incumbe ao embargado/exequente a prova da sua veracidade, nos termos do art.º 374.º, n.º 2 do Código Civil.

Assim, para a decisão dos embargos e da oposição releva o quesito 2.º e não o quesito 1.º, sendo que o Sr. Juiz justifica a elaboração daquele apenas para apurar a eventual litigância de má fé, o que não nos parece correcto.

Decidiu as poucas reclamações, deferindo-as ou indeferindo-as consoante entendia que o reclamante tinha ou não razão, com convincente argumentação (v.g. AS n.º 1525/03.1TB..., AS n.º 499/02, AS n.º 909/03.0TB..., AO n.º 1768/04.0TB... e AO n.º 1002/07.1TB...).

Mostrou-se atento aos requerimentos de apresentação de provas, admitindo ou indeferindo os meios de prova devida ou indevidamente requeridos (v.g. depoimentos de parte – acções n.ºs...; perícias – acções n.ºs...).

Tanto quanto se pôde constatar através da leitura de várias actas, dirigiu com ponderação, bom senso e eficiência as audiências de julgamento, bem como as demais diligências, a que presidiu.

Preocupado com a descoberta da verdade material e a justa composição do litígio, por várias vezes, deslocou-se ao local da contenda e pediu informações, mesmo oficiosamente e após o encerramento da discussão.

No entanto, na acção especial destinada a prestação de contas com o n.º 85-A/98, de Trib1, apesar de ter ordenado uma série de diligências na sequência de um primeiro acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de

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122 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

5/6/2001, não teve em atenção tudo o que ali havia sido escrito em ordem a poder ajudá-lo a responder aos quesitos cujas respostas haviam sido anuladas, o que determinou nova anulação, por acórdão de 9/3/2004, a fim de se dar continuação às diligências indispensáveis até que fosse possível, nos termos do art.º 1017.º, n.º 5 do CPC, obter em sede de audiência de julgamento as respostas concretas a respeito de receitas e despesas da administração só assim havendo possibilidade de determinar o saldo final das contas prestadas. Feitas mais diligências, repetido o julgamento, elaborada nova sentença e interposto novo recurso, foi decretada nova anulação para repetição do julgamento quanto a parte das mesmas questões de facto, julgamento esse que ainda não terminou.

As respostas aos quesitos mereceram, por norma, fundamentação adequada, indicando o Ex.mo Juiz os meios de prova que fundamentaram a sua convicção e especificando a razão de ciência das testemunhas inquiridas e cujos depoimentos considerou relevantes para a decisão proferida sobre a matéria de facto, fazendo uma análise crítica das provas produzidas e referindo os fundamentos que haviam sido decisivos para a formação da sua convicção.

As sentenças proferidas pelo Dr. ..., inicialmente, umas foram manuscritas e outras processadas por meios informáticos, sendo que, ultimamente, foram todas elaboradas por esta via, fazendo já uso da aplicação “Citius”. Surgem todas com boa apresentação, mostram-se formalmente bem estruturadas e são reveladoras da sua boa capacidade de argumentação, assim como da sua sólida cultura geral e jurídica.

Na sua estrutura, obedecem, normalmente, aos seguintes itens: “I. Relatório”, “II. Fundamentação” “II.I. Factos provados”, “II.II. O direito e subsunção jurídica” e “III. Dispositivo”.

Apresentam-se redigidas de forma

clara e precisa, seguindo um raciocínio lógico conducente à decisão, o que as torna facilmente compreensíveis pelos respectivos destinatários.

Sob o ponto de vista substancial, todas as questões suscitadas foram objecto de profundo estudo e adequado desenvolvimento e solucionadas com convincente argumentação, algumas vezes apoiada em pertinentes citações doutrinárias e jurisprudenciais.

Mostrou possuir bons conhecimentos em matéria de custas, qualificando e tributando pertinentemente os incidentes que, como tal, se lhe configuravam.

Processou correctamente as acções executivas, decidindo bem e com boa fundamentação os incidentes suscitados no decurso da respectiva tramitação.

Verificou e graduou os créditos reclamados em conformidade com a lei, fundamentando adequadamente as respectivas decisões (v.g. processos n.ºs ...).

Tramitou correctamente os processos de inventário, decidindo com acerto e adequada fundamentação os incidentes neles suscitados e elaborando, por norma, correctas formas à partilha, embora omitindo sempre a prévia descrição fáctica dos elementos necessários para o efeito (v.g. processos n.ºs ... – falta de relacionamento de bens; 5... – oposição; ... - formas à partilha, no último mediante adesão à forma indicada pelos interessados).

Porém, houve casos em que proferiu despachos determinativos da partilha cujas formas não se nos afiguram correctas.

Assim:- No inventário n.º 501/01, de Trib1, que

correu termos por óbito de um inventariado falecido no dia 22 de Maio de 1998, no estado de casado segundo o regime da comunhão geral de bens com a inventariante e sobrevivendo-lhe três filhos, um dos quais veio a falecer em 21 de Novembro de 2001, no estado de solteiro, sem descendentes e sem ter feito doação nem testamento,

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atribuiu à cabeça de casal apenas a meação e mandou dividir a outra metade (a herança propriamente dita) por três ficando uma parte para “cada um dos herdeiros”. Ora, herdeiros do inventariado eram quatro e não três, já que deixou cônjuge e três filhos (cfr. art.ºs 2131.º, 2133.º, n.º 1, al. a) e 2139.º, n.º 1, todos do Código Civil). Tendo falecido, posteriormente, o filho José, a parte que lhe coube na herança do seu pai deveria ter sido atribuída à sua mãe, visto ser solteiro, não ter descendentes e não ter disposto validamente dela (cfr. art.º 2142.º, n.º 2 do Código Civil). Segundo a forma dada à partilha, a cabeça de casal ficou duplamente prejudicada, já que se viu privada do quinhão hereditário na herança do seu marido e da parte que, na mesma herança, cabia ao seu filho, entretanto falecido.

- No inventário n.º 309/01, de Trib1, não atribuiu nada à esposa de um filho do inventariado, falecido depois deste e de um seu irmão, também falecido depois daquele no estado de solteiro, sem descendentes e intestado, mandando dividir a parte que àquele caberia pelos seus dois filhos, sendo que, neste caso, não se tratava de direito de representação, mas de direito de transmissão, sendo, por isso, chamada à sucessão, além dos filhos também o cônjuge, por ser seu herdeiro legítimo.

Tramitou e decidiu bem os demais processos especiais, nomeadamente de falência/insolvência (v.g. processos n.ºs... e ), interdições (v.g. processo n.º 1538/07.4TB...) e expropriações (v.g. processos n.ºs 62/05.4TB...-A e 900/06.4TB...). Viu, todavia, anuladas as sentenças proferidas nos processos de expropriação por utilidade pública n.ºs 451/02 e 6326/05.0TB... para ampliação da matéria de facto.

Nas matérias respeitantes a menores, agiu com ponderação e sentido prático, proferindo decisões equilibradas e adequadas aos interesses das crianças

(v.g. processos de regulação do exercício do poder paternal n.ºs..., processos de adopção n.ºs.., .. e processos de promoção e protecção n.ºs ...).

Recebeu os recursos na espécie adequada, fixou correctamente o respectivo regime de subida e atribuiu-lhes o efeito devido.

Embora tivessem sido revogadas algumas das suas decisões proferidas em processos de Trib1 (v.g. acções sumárias n.ºs ...), viu confirmada a maioria delas (v. g. AO n.º..., acções sumárias n.ºs..., embargos de executado n.º ... e alterações à regulação do exercício do poder paternal n.ºs ...).

Relativamente a recursos interpostos de decisões proferidas em processos de Trib2 e decididos até à presente data, verificou-se que, quanto a apelações, foram confirmadas 16, alteradas 3 e revogadas 7 e, no que respeita a agravos, obtiveram provimento total 20, parcial 3 e foi negado provimento a 18.

2. JURISDIÇÃO CRIMINALRecebeu as acusações em despachos

bem estruturados e nos quais observou integralmente o estatuído nos art.º s 311.º a 313.º do C. P. P..

As medidas de coacção foram escolhidas de forma criteriosa e adequada a cada caso concreto.

Mostrou-se exigente e rigoroso na apreciação das justificações das faltas às audiências de julgamento e demais diligências, sancionando com a multa legalmente prevista as faltas consideradas injustificadas e determinando, sempre que necessário, a comparência dos faltosos sob detenção.

Tal como no âmbito da jurisdição cível, também na área criminal e como se pôde constatar através da leitura de algumas actas, dirigiu as audiências e demais diligências a que presidiu por forma eficiente, decidindo com ponderação, bom senso e sentido de Justiça, todas as questões com que no decurso das mesmas

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se viu confrontado.Revelou particular atenção aos factos

descritos nas acusações e à qualificação jurídica nelas efectuada, comunicando ao arguido as alterações verificadas no decurso da audiência nos termos do art.º 358º, n.ºs 1 e 3 e 359º, ambos do CPP (v.g. processos n.ºs...).

As sentenças elaboradas pelo Dr. ... mostram-se formalmente bem estruturadas, com relatórios simples mas cuidados, nos quais, e como convém, apenas é referido o essencial. Normalmente, obedecem à seguinte sistematização: “I. Relatório”, “II. Fundamentação”, “II.I. Factos provados”, “II.II. Factos não provados”, “II.III. Motivação da decisão de facto”, “II.IV. Do direito e subsunção jurídica”, “II.V. Consequências jurídicas dos factos” e “III. Dispositivo”.

A matéria de facto mereceu cuidadoso tratamento, com integral descrição dos factos provados e dos não provados.

A motivação da matéria de facto é por norma completa, com clara e precisa identificação dos meios probatórios que fundamentaram a convicção do Tribunal e, por vezes, com pormenorizada explicitação dos motivos que determinaram a opção, ou rejeição, dos diversos elementos de prova (v.g. processos n.ºs...).

Nelas procedeu o Ex.mo Juiz a correctos enquadramentos jurídico - penais dos factos provados, após caracterização teórica dos elementos típicos das infracções sob análise e da sua integração, ou não, pela factualidade apurada, por vezes, com citações pertinentes de doutrina e jurisprudência.

A escolha da medida sancionatória e o processo determinativo da medida concreta da pena foram sempre bem explicitados e com rigorosa observância dos pertinentes critérios legais.

As penas aplicadas mostram-se criteriosamente fixadas e a opção entre medidas detentivas ou não detentivas, a substituição da pena de prisão por multa e

a suspensão da execução da pena surgiram, por norma, devidamente fundamentadas, subordinando esta, por vezes, ao cumprimento de deveres por parte do condenado, nomeadamente o pagamento de indemnização ao ofendido, ou impondo-lhe regras de conduta (v.g. processos n.ºs... – multa; processos n.ºs ..., – prisão suspensa na sua execução; processos n.ºs... e... - suspensão com obrigações; e n.ºs... – suspensão com regime de prova).

Porém, nos processos n.ºs... condenou em prisão efectiva sem ponderar a aplicabilidade do instituto da suspensão da execução da pena, como devia, a nosso ver, já que, segundo a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal terá de dizer algo, ainda que sinteticamente, sobre a opção de não suspensão, constituindo tal omissão uma nulidade da sentença nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPP (dizemo-lo com todo o respeito pela opinião contrária e não obstante a sentença proferida no referido primeiro processo, junta como trabalho, ter sido confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, ainda que com um voto de vencido).

Sensível à problemática dos fins das penas, notámos positivamente que, algumas vezes, substituiu a pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade (v.g. PCS n.º...) e pela pena de admoestação (v.g. PA n.º...).

Não olvidou as penas acessórias e as legais cominações pela falta de entrega da licença de condução, sobretudo nos crimes de condução em estado de embriaguez.

Efectuou os cúmulos jurídicos com observância dos critérios legais, tendo em consideração as molduras penais, o conjunto dos factos e a personalidade do arguido.

Decidiu acertadamente os pedidos de indemnização civil, partindo da análise dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

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Apreciou e aplicou de forma correcta e fundamentada o princípio “in dubio pro reo” .

Teve em atenção a aplicação do regime mais favorável aos arguidos, nos casos de sucessão de leis no tempo.

Quando se verificavam os respectivos pressupostos, autorizou o pagamento das penas de multa em prestações, assim como indeferiu ou deferiu parcialmente o res-pectivo pedido de acordo com a situação económica do condenado, proferindo des-pachos bem estruturados e fundamentados (v.g. processos n.ºs ...).

Declarou a contumácia nos termos legais e, para desmotivar tal situação, decretou a proibição de o contumaz obter determina-das certidões (v.g. processos n.ºs...).

Em matéria de custas aplicou com cor-recção as pertinentes disposições legais e, nomeadamente, teve sempre em conside-ração o disposto no art.º 13.º, n.º 3 do Dec. - Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, assim como o preceituado no art.º 344.º, n.º 2 alí-nea c) do C. P. P..

Controlou, cuidadosamente, a liquidação da pena e o respectivo cumprimento.

Tramitou e decidiu correctamente os re-cursos de contra-ordenação.

Nesta sede, viu mantida a maioria das suas decisões em recursos delas interpos-tos para os Tribunais superiores (v. g. pro-cessos n.ºs...), embora, como também é natural, tivesse visto alterada ou revogada uma ou outra (v.g. PCS n.º..., na parte refe-rente à pena de multa aplicada que o Tri-bunal da Relação alterou para prisão, PCS n.º..., em que aquele Tribunal absolveu com base na dúvida razoável).

* Não obstante os reparos supra referi-

dos, feitos numa perspectiva pedagógica da inspecção, foi muito positiva a presta-ção do Dr. ..., quer no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Trib1, quer no 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Trib2, sendo também relevante o trabalho pres-

tado, em regime de acumulação, no 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib3, na área criminal, e no 2.º Juízo Cível de Trib2, despachando, em regra e ressalvados os pequenos atrasos e reparos supra referen-ciados, com muita celeridade e bom nível, fundamentando muito bem, de uma manei-ra geral, as suas decisões e mantendo um perfeito controlo processual.

Chegou a hora de proceder a uma apre-ciação global, tendo em vista a proposta de classificação.

É sabido que o verdadeiro cerne da acti-vidade jurisdicional radica no equilíbrio en-tre a produtividade e a celeridade, por um lado, e a qualidade técnica, por outro.

Por isso mesmo, a produtividade, a ce-leridade e o aspecto técnico são factores fundamentais a considerar no processo ins-pectivo.

Ao Ex.mo Juiz já foi reconhecido mérito, tendo-lhe sido atribuída a classificação de bom com distinção por deliberação do Con-selho Permanente do CSM, de 28/01/2003.

Considerando as qualidades técnicas evidenciadas e a produtividade alcançada, está fora de causa a diminuição da nota classificativa já atribuída, a qual “equiva-le ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira” (cfr. art.º 16.º, n.º 1, al. b) do RIJ).

A questão que se nos coloca consiste em saber se esse desempenho já atingiu o grau do “elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira”, como exige a alínea a) do artigo acabado de citar, sendo certo que o seu n.º 4 prevê que só excepcionalmente se pode atribuir a nota máxima a juízes de direito com menos de dez anos de exercí-cio efectivo da judicatura e apenas quando “o elevado mérito se evidenciar manifes-tamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais reveladas no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo”.

A antiguidade na carreira da magistra-tura ainda não é muito longa contando o

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Ex.mo Juiz de exercício efectivo na judica-tura (com exclusão das fases de auditor de justiça e de juiz em regime de estágio):

- três anos, três meses e dezanove dias, aquando do início de funções no 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib1;

- seis anos, três meses e dezanove dias, quando iniciou funções no 2.º Juízo Cível de Trib2;

- e oito anos, onze meses e vinte e seis dias, no início da inspecção a que respeita este relatório, contando, nesta data, com nove anos e dezanove dias.

O serviço que tem vindo a desenvolver não se mostra particularmente complexo.

Relembra-se que grande parte das acções que lhe foram distribuídas nem sequer foram contestadas, que a esmagadora maioria delas terminou mediante transacções, desistências e por inutilidades ou impossibilidades supervenientes da lide e que os assuntos tratados não revelam especial complexidade em nenhuma das áreas em que teve intervenção.

Por outro lado, os supramencionados reparos e a menor qualidade de algum serviço prestado não permitem reconhecer o elevado mérito, o qual pressupõe uma prestação que se pretende imaculada.

O Ex.mo Juiz, embora tenha vindo a desempenhar as suas funções de forma muito positiva, não logrou atingir ainda o patamar do “desempenho elevadamente meritório”.

É esta a conclusão que se nos afigura extrair da análise que fizemos de todo o trabalho desenvolvido, tendo presente o necessário grau de exigência e tendo feito constar no presente relatório os elementos objectivos mais relevantes por forma a permitir ao douto Conselho Superior da Magistratura uma melhor apreciação do desempenho do Ex.mo Juiz.

*O Dr. ... apresentou à inspecção os

“trabalhos” que vão por apenso, os quais são representativos do nível global do seu

desempenho e ilustram alguns aspectos que aqui se deixaram realçados.

*Conheci pessoalmente o Dr. ... em

deslocações anteriormente efectuadas ao Tribunal de Trib1 e conversei com ele no decurso da inspecção a que respeita este relatório.

Desse conhecimento, dos contactos mantidos, do que averiguei junto de alguns operadores judiciários e sobretudo da análise ao serviço prestado, afigura-se-nos possível formular as seguintes:

V. CONCLUSÕES1.ª- O Dr. ... revela um elevado grau de

isenção e independência e tem mantido, no exercício das suas funções e fora delas, uma postura muito digna e de grande ido-neidade cívica;

2.ª- Muito educado e de bom trato, man-teve ao longo da sua prestação, no 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib1, 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib3, 2.º e 4.º Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca de Trib2, um bom relacionamento com todos quantos com ele lidaram por motivos pro-fissionais, nomeadamente outros magistra-dos, advogados, oficiais de justiça, colabo-radores e público em geral;

3.ª- Pela sua postura pessoal, competên-cia profissional, serenidade e reserva com que vem exercendo a função, goza de ele-vado prestígio pessoal e profissional;

4.ª- Integrou-se e compreendeu bem o meio sociocultural onde exerceu e exerce funções, revelando boa capacidade de com-preensão de todas as situações concretas com que se viu confrontado e que procurou solucionar com bom sentido de justiça;

5.ª- Sensato, expedito, zeloso, metódico e dedicado à função, logrou alcançar um bom índice de produtividade, não obstante os referenciados atrasos, aliás pouco signi-ficativos;

6.ª- Dirigiu as audiências e demais dili-gências a que presidiu por forma eficiente

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e na respectiva calendarização actuou com a diligência devida, apesar das aludidas di-lações utilizadas na leitura de algumas sen-tenças, que nos parecem excessivas;

7.ª- Dotado de boa craveira intelectual, de muito boa capacidade de argumenta-ção e possuidor de sólidos conhecimentos jurídicos, conferiu ao seu labor um acentu-ado nível jurídico, sem prejuízo dos reparos efectuados, feitos numa perspectiva peda-gógica da inspecção que deve estar sem-pre presente.

O DIREITOOs juízes de direito são classificados, de

acordo com o seu mérito, de Muito Bom, Bom com Distinção, Bom, Suficiente e Medíocre – art. 33º do EMJ.

A concretização destes conceitos classificativos vem expressa no art. 16º do RIJ.

O Ex.º Inspector propôs a notação de “Bom com Distinção”, mas o Ex.º Juiz inspeccionado pugna pela atribuição da classificação máxima, ou seja, “Muito Bom”.

A atribuição de “Bom com Distinção” equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira – art. 16º, n.º 1, al. b), do RIJ.

A classificação de “Muito Bom” equivale ao reconhecimento de que o juiz de direito teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira – al. a) do mesmo artigo.

Na classificação deve atender-se ao modo como os juízes de direito desempenham a função, ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, às condições de trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica – art. 34º, n.º 1, do EMJ.

Nas classificações são sempre considerados os seguintes aspectos: tempo de serviço, resultados das inspecções anteriores, processos disciplinares e quaisquer elementos complementares que constem do respectivo processo individual – arts. 37º, n.º 1, do EMJ e 15º do RIJ.

Nos nºs 1 a 3 do art. 13º do RIJ objectivam-se os parâmetros de avaliação, distribuídos em três vertentes: capacidade humana para o exercício da função, adaptação ao serviço e preparação técnica.

Cada uma destas vertentes é integrada por diversos factores avaliativos.

Assim, no que toca à capacidade humana, são tidos em conta:

a) Idoneidade cívica;b) Independência, isenção e dignidade da

conduta;c) Relacionamento com sujeitos e

intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral;

d) Prestígio profissional e pessoal de que goza;

e) Serenidade e reserva com que exerce a função;

f) Capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sócio-cultural onde a função é exercida;

g) Capacidade e dedicação na formação de magistrados.

Na vertente da adaptação ao serviço são ponderados, entre outros, os seguintes factores;

a) Bom senso;b) Assiduidade, zelo e dedicação;c) Produtividade;d) Método;e) Celeridade na decisão;f) Capacidade de simplificação

processual;

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g)Direcção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas.

Na análise da vertente da preparação técnica, são atendíveis os seguintes factores:

a) Categoria intelectual;b) Capacidade de apreensão das situações

jurídicas em apreço;c) Capacidade de convencimento

decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original;

d) Nível jurídico do trabalho inspeccionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões.

A melhoria da classificação deve ser gradual, não se subindo mais de um escalão de cada vez – art. 16º, n.º 3, do RIJ.

Contudo, o facto de, ao fim de determinado período de tempo, se ter atribuído a um juiz uma notação superior à que tinha antes, não pode legitimar a confiança de que, em termos de normalidade, ao fim de idêntico período de tempo, volte a ascender na escala classificatória. Há sempre que conferir, em concreto, o conjunto dos critérios exigidos para atribuição da nota mais elevada.

Apreciando em concreto:Sob apreciação esteve o serviço prestado

pelo Dr. ... ao longo de cinco anos, oito meses e dezasseis dias, férias judiciais incluídas.

Os vários itens de aferição da capacidade humana para o exercício do cargo de juiz mereceram, no caso vertente, apreciação altamente positiva, conforme decorre do vertido na parte III. Capítulo 1, do relatório inspectivo.

No que toca à adaptação ao serviço, nada de negativo há a apontar em termos de assiduidade.

Os índices de produtividade são, também, francamente positivos, embora se tenha notado uma menor realização na jurisdição cível (designadamente, acções ordinárias e sumárias) durante a sua estadia de cerca de três anos no 3º Juízo Cível de Trib1 (cfr. mapa supra).

O Ex.º Juiz, nos tribunais por onde passou durante o período objecto de inspecção, não deixou qualquer processo atrasado, o que é bem revelador do seu zelo e dedicação.

Adoptou um método de trabalho apropriado ao volume de serviço com que se deparou em cada um desses tribunais, o que lhe permitiu o cumprimento, sem o mínimo reparo, de duas acumulações de serviço, uma no 3º Juízo do Tribunal da Comarca de Trib3 (20.10.2003 a 17.02.2004) e outra 4º Juízo Cível de Trib2 (24.05.2004 a 10.01.2005).

Agendou os julgamentos em tempo razoável, exarou as sentenças cíveis e criminais, em regra, dentro dos prazos legais, o mesmo acontecendo com os despachos saneadores e de condensação da matéria de facto.

Dirigiu com bom senso, ponderação e eficiência as audiências de julgamento, bem como as demais diligências a que presidiu.

Porém, finda a produção de prova nas acções cíveis sumaríssimas, por norma, não ditou a sentença para a acta, designando antes dia para a sua leitura. Este modo de proceder contraria claramente o disposto no n.º 7 do art. 796º do CPC.

É no capítulo da preparação técnica que surgem algumas críticas do Ex.º Inspector, das quais o Ex.º Juiz afoitamente se defende.

Vejamos as críticas:

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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- Na fase da condensação, não deixou de formular, algumas vezes, quesitos complexos.

- Formulou também muitos quesitos sobre matéria que só podia ser provada por documento.

- Não respeitou o ónus de prova em dois processos de embargos de executado em que havia sido impugnada pelo embargante a veracidade da sua assinatura, formulando um quesito pela negativa e outro pela positiva.

- Não teve em conta tudo o que havia sido escrito no acórdão do Tribunal da Relação do Porto numa acção especial de prestação de contas (n.º 85-A/98, de Trib1), em ordem a poder responder aos quesitos cujas respostas haviam sido anuladas, o que motivou novo recurso e nova anulação em 09.03.2004.

- Proferiu duas formas à partilha incorrectas (inventários 501/01 e 309/01, ambos do Tribunal Judicial de Trib1).

- Em dois processos criminais (1080/03, de Trib1, e 85/99, de Trib3), condenou em prisão efectiva sem ponderar a aplicabilidade do instituto da suspensão da execução da pena.

Como o Ex.º Inspector fez questão de frisar, estes reparos de natureza técnico-jurídica foram feitos numa perspectiva meramente pedagógica da inspecção, e não deslustram a inegável categoria intelectual, o bom nível de conhecimentos jurídicos e a preparação técnica do Ex.º Juiz.

Na resposta, o Ex.º Juiz rebate as críticas feitas, aceitando, no entanto, as relativas à preterição de um herdeiro na partilha do inventário n.º 501/01 e à não ponderação, nos dois casos criminais assinalados, da possibilidade de suspensão da pena de prisão decretada.

Já se sabe que os serviços de inspecção não podem interferir com a independência

dos juízes, nomeadamente pronunciando-se quanto ao mérito substancial das decisões judiciais, mas devem averiguar da necessidade de implementação de medidas que conduzam a uma melhoria dos serviços e facultar aos juízes todos os elementos para uma reflexão dos próprios quanto à correcção dos procedimentos anteriormente adoptados, tendo em vista o aperfeiçoamento e uniformização dos serviços judiciais, pondo-os ao corrente das práticas processuais e administrativas mais correctas, actualizadas ou convenientes à obtenção de uma mais célere administração da justiça – cfr. art. 1º, n.º 2, do Regulamento das Inspecções Judiciais.

É nesta lógica estritamente pedagógica – e apenas nesta – que se justificam e compreendem as críticas feitas pelo Ex.º Inspector.

De resto, aceitam-se como boas as razões invocadas pelo Ex.º Juiz para rejeitar as críticas não assumidas. Essas razões fundam-se, legitimamente, em diferentes interpretações das normas jurídicas aplicáveis ou na adopção de diferentes, mas defensáveis, modelos de actuação processual.

Do que não temos dúvidas é de que, no contexto geral, ainda não é chegado o momento de atribuir ao Ex.º Juiz ... a nota de “Muito Bom”.

A nota de “Muito Bom”, correspondendo à classificação de excelência, está reservada aos juízes que revelem, ou confirmem, um grau de mérito que deva ser objecto de elevado destaque, tendo em conta a avaliação global de todos os critérios e a ponderação do tempo de serviço.

De acordo com o que vem disposto no art. 16º, n.º 4. do RIJ, “só excepcionalmente se deve atribuir a nota de Muito bom a juízes de direito que ainda não tenham exercido efectivamente a judicatura durante 10

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anos, tal só podendo ocorrer se o elevado mérito se evidenciar manifestamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais reveladas no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo”.

A razão do limite de tempo na carreira fixado neste artigo do RIJ tem como finalidade obstar à banalização da nota máxima de serviço, recusando-se, em princípio, a notação máxima a quem não tenha ainda percorrido um trajecto com uma expressão temporal que se presume suficiente para a consolidação de um nível qualitativo mais elevado na prestação funcional.

Ora, o Ex.º Juiz contava, aquando do início da inspecção, com oito anos, onze meses e vinte e seis dias de exercício efectivo na magistratura judicial – cfr. fls. 79.

Não tem, ao contrário do que sustenta (cfr. fls. 157), 10 anos de exercício efectivo, uma vez que, como é mais do que óbvio, o tempo das acumulações não é somado ao tempo de antiguidade na judicatura.

Assim, a notação superior só podia ser-lhe atribuída, excepcionalmente, se o elevado mérito se evidenciasse de forma manifesta pelas suas qualidades pessoais e profissionais reveladas no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo.

Sendo inquestionável que o Ex.º Juiz está apetrechado de importantes qualidades pessoas e profissionais, não cremos que o seu desempenho, nas circunstâncias concretas em que o foi, possa ser reputado de elevadamente meritório.

Com efeito, o serviço nos tribunais onde exerceu no período abrangido pela inspecção não revelou particular complexidade, quer em termos de volume, quer em termos da natureza e dificuldade das matérias.

Na jurisdição cível, mais de metade dos processos são execuções. Só no 2º

Juízo Cível de Trib2, dos 1581 processos pendentes em 05.06.2008, 1042 são execuções.

Na jurisdição criminal, julgou, sobretudo, processos comuns com tribunal singular.

No Tribunal de Trib1, ao longo dos três anos em que aí exerceu, apenas proferiu uma sentença em acção ordinária contestada e 27 sentenças em acções sumárias contestadas; no Tribunal de Trib2 (2º Juízo) proferiu, também em cerca de três anos, 2 sentenças em acções ordinárias contestadas e 48 em acções sumárias contestadas. Neste último tribunal, dum total de 1613 decisões finais, mais de 100 foram em acções não contestadas, 111 em AECOP não contestadas, 154 homologatórias de transacção, 137 homologatórias de desistência da instância e do pedido, 97 de extinção de acções executivas e 390 de extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.

Tudo isto – sem desmerecer o empenho, o zelo, a categoria intelectual e o bom nível de conhecimentos jurídicos do Ex.º Juiz – reflecte um grau de complexidade que reputamos de normal.

Deste modo, a nota proposta pelo Ex.º Inspector é a que melhor se adapta ao serviço prestado pelo Ex.º Juiz ... no período sujeito a inspecção.

*DECISÃO

Em conclusão, acordam os membros do Permanente do Conselho Superior da Magistratura em atribuir ao Ex.º Juiz de Direito, Dr. ..., pelo seu desempenho funcional no período compreendido entre 19.09.2002 e 05.06.2008, a classificação de “Bom com Distinção”.

[Relator: Vogal Dr. Henrique Araújo]

Acórdão Classificativo «Bom com Classificação» (menos de 10 anos de exercício efectivo)

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4.Acórdão Disciplinar

Processos em poder de Juiz

Processo disciplinar nº 9/2009Juiz de Direito:

*Acordam no Permanente do Conselho

Superior da Magistratura:*

I - RELATÓRIO:Na sessão do Permanente do Conselho

Superior da Magistratura de 16/12/2008, deliberou instaurar processo disciplinar ao Exmo Juiz Dr……, actualmente colocado no Tribunal….., relativamente aos processos que manteve na sua posse enquanto Juiz do Tribunal …..

Realizada a instrução do processo disciplinar, foi deduzida acusação contra o Exm. Juiz, nos termos constantes de fls. 70 a 79, tendo-lhe sido imputada a prática de uma infracção disciplinar, p. e p. artºs 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e artº 3º, nº 4, b) e nº 6 do EDFAACRL, por violação dos deveres de zelo e de criar no público confiança na administração da justiça, propondo-se a aplicação de uma pena de multa.

O arguido deduziu defesa, nos termos constantes de fls. 83 a 95, não tendo arrolado testemunhas, junto documentos ou requerido diligências na qual. Alegou que ter tido excesso de trabalho enquanto exerceu funções no tribunal de ….e que o seu filho, com poucos meses de idade, teve vários problemas de saúde o que implicou desgaste físico e psicológico. Alegou ainda que o facto de ter entregue os processos mais tarde não causou prejuízo a quem quer que fosse e que manteve os processos em seu poder depois de cessar funções no tribunal de …para não sobrecarregar o colega que o ia substituir. Pede que, concluindo-se pela aplicação de uma sanção, se opte pela de

advertência ou, optando-se pela de multa, se fixe a mesma no mínimo ou próximo do mínimo, sob pena de a subsistência da família ser posta em causa.

O Exm.º Inspector Judicial, apresentou relatório final, no qual concluiu pela imputação ao Exm.º Juiz das infracções disciplinares de que este havia sido acusado e propondo a aplicação da pena de vinte dias de multa.

II – Fundamentação

A – Dos factos provados1. No dia 01.09.2006, tomou posse como

Juiz de Direito do Tribunal …… o Exm.º Juiz Dr…..

2. E aí se manteve no exercício das respectivas funções até que, tendo sido publicado, no Diário da República, II Série, de …., o movimento judicial aprovado por Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 15.07..., o mesmo foi transferido, nos termos de tal movimento, como requereu, para o Tribunal…., onde presentemente exerce funções, cargo de que tomou posse no dia 01.09.200...

3. Após cessar o exercício das suas funções, no Tribunal Judicial…, no referido dia 29.08.2008, o Exm.º Juiz Dr. …manteve e levou consigo todos os processos deste Tribunal que, então, se encontravam conclusos a aguardar que proferisse despacho ou sentença, que constam da referida lista de fls. 10 a 14, no total de 200 (duzentos), sendo 20 (vinte) processos de recurso de contra-ordenação e 180 (cento e oitenta) processos de natureza cível (consignando-se que nesta bem como nas posteriores referências àquela lista tem-se sempre em conta a ressalva dos lapsos constantes da mesma, atrás especificados).

4. Esses processos tinham, para os referidos efeitos, conclusões dos anos de 2006 (7), 2007 (86) e 2008 (107).

Contencioso

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

5. Na mesma ocasião, para além destes, o Exm.º Juiz levou ainda consigo outros processos do Tribunal de…, que não constam daquela lista e que se encontravam na mesma situação, a aguardar despacho, em número que não foi possível apurar, com rigor, mas inferior a três dezenas, os quais o mesmo veio a remeter, já por si despachados, para este Tribunal, no decurso dos meses de Setembro e Outubro de 2008.

6. Em meados de Novembro de 2008, o Exm.º Inspector Judicial da área, procedeu a uma “visita inspectiva sumária” a este Tribunal, tendo, então, chegado ao seu conhecimento a situação que se verificava, relativamente aos processos deste Tribunal que continuavam ainda em poder do Exm.º Juiz Dr. …e que eram, então, os constantes da citada lista, elaborada pelo Sr. Escrivão de Direito do mesmo Tribunal, com data de 17.11.2008.

7. Nessa mesma data – 17.11.2008 – o Exm.º Juiz Dr. …procedeu à entrega, no Tribunal de …, de 122 (cento e vinte e dois) desses processos que tinha em seu poder e nos quais já havia proferido despachos ou sentenças, apondo em todas essas peças processuais a data de 31.08.08 (na esmagadora maioria do casos, com as justificações de “a.s.” ou “g.a.s.” - abreviaturas de “(grande) acumulação de serviço”), pese embora as tenha elaborado, em datas posteriores à da sua tomada de posse como Juiz de Direito do …, continuando, então, a manter em seu poder os restantes 78 (setenta e oito) processos, na perspectiva de que, a curto prazo, ainda conseguiria despachá-los e remetê-los ao referido Tribunal, já despachados.

8. No dia 28.11.08, o Exm.º Juiz entregou, no Tribunal de…, mais 27 (vinte e sete) processos e, no dia 04.12.08, mais 49 (quarenta e nove) processos, dos que mantivera em seu poder, nas circunstâncias referidas em 7., 22 (vinte e dois) dos quais sem qualquer despacho ou sentença, mas

os restantes 54 (cinquenta e quatro) com despachos ou sentenças, por si proferidas e em que apôs a data de 31.08.08 (com as referidas justificações de “a.s.” ou “g.a.s.”), pese embora tais peças processuais tenham sido por si elaboradas já depois de 17.11.2008.

9. Após a data de 04.12.08, aludida em 8., o Exm.º Juiz manteve apenas em seu poder 2 (dois) processos do Tribunal de …, nomeadamente, o processo de recurso de contra-ordenação n.º 421/07.8, que se encontrava concluso, desde 07.04.08, a aguardar sentença, após audiência a que o mesmo presidira e o processo de inventário n.º 522-A/2002, que se encontrava concluso, desde 29.05.07, a aguardar decisão de um incidente, após produção de prova a que o mesma presidira.

10. O Exm.º Juiz veio a remeter os 2 (dois) processos aludidos em 9. ao Tribunal de …, em 17.12.2008, ambos com decisões por si proferidas e nas quais apôs também a data de 31.08.08 (com a referida justificação de “g.a.s.”), pese embora também as tenha elaborado já depois da sua tomada de posse como Juiz do Tribunal de….

11. Nos processos remetidos, pelo Exm.º Juiz, ao Tribunal Judicial de…, nas circunstâncias aludidas de 07. a 10., contamos 35 (trinta e cinco) sentenças - sendo 4 (quatro) em processos de recurso de contra-ordenação e 31 (trinta e uma) em processos cíveis - e 13 (treze) despachos saneadores, com selecção da matéria de facto, feita directamente, ou seja, sem remissão para os respectivos articulados.

12. As 35 (trinta e cinco) sentenças referidas em 11. foram proferidas, pelo Exm.º Juiz, nos seguintes processos:

-recursos de contra-ordenação n.ºs 361/06.8, 412/06.6, 421/07.8 e 602/07.4;

- acções ordinárias n.ºs 311/06.1, 102/07.2, 185/07.5 e 404/07.8;

-acções sumárias n.ºs 160-A/1997, 172/1997, 774/2001, 309/2002, 204/03.4, 387/03.3, 388/03.1, 481/03.0, 594/03.9,

Acórdão Disciplinar - Processos em poder do Juiz

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133Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

320/04.5, 360/04.4, 362/04.0, 1295/04.6, 49/05.7, 251/05.1, 439/05.5, 622/05.3, 103/06.8, 134/06.8, 319/06.7, 276/07.2, 407/07.2 e 107/08.6;

- acção de divisão de coisa comum n.º 193/05.0;

-expropriação n.º 165/05.5;-liquidação n.º 157-A/1999;-oposição à execução n.º 273/05.2-A.13. E os 22 (vinte e dois) processos

entregues, pelo Exm.º Juiz, no Tribunal de …, sem qualquer despacho ou sentença, nas circunstâncias referidas em 8., foram os seguintes:

- acções ordinárias n.ºs 289/1999, 190/04.3, 167/06.4, 463/06.0, 81/07.6, 190/06.9, 425/07.0 e 152/08.1;

- acções sumárias n.ºs 611/2001, 640/2002, 180/04.6, 420/06.7, 577/06.7, 589/06.0, 82/07.4, 136/07.7 e 373/07.4;

- convocação de assembleia de sócios n.º 113/08.0;

- embargos de executado n.º 300-B/2002;

- embargos de terceiro n.º 379/06.0-B;- expropriações n.ºs 292/04.6 e

293/04.4.14. Em alguns dos processos entregues,

pelo Exm.º Juiz, no Tribunal de …, no dia 17.11.08, nas circunstâncias referidas em 7., os respectivos despachos respeitavam à marcação de audiência de julgamento, tendo aquele proferido esses despachos, deixando, porém, em branco os espaços relativos ao respectivo agendamento (dia e hora), como sucedeu nos seguintes processos:

- recursos de contra-ordenação n.ºs 124/07.3, 195/07.2 e 562/07.1;

- oposição à execução n.º 52/96.6-B; - acção especial n.º 521/06.1; - acções sumaríssimas n.ºs 202/08.1 e

614/07.8.15. Nos processos aludidos em 14., a

Exm. Juiz Dr.ª …, que sucedeu ao Dr. …, no Tribunal de…, tendo tomado posse desse cargo no dia 05.09.2008, veio a designar

as datas para as respectivas audiências de julgamento, em novas conclusões abertas nos autos, após os respectivos termos de recebimento, datados de 17.11.08.

16. E, em alguns dos outros processos entregues, pelo Exm.º Juiz, no Tribunal de …, no mesmo dia 17.11.08, nas circunstâncias referidas em 7., os respectivos despachos respeitavam à marcação de audiência preliminar, tendo aquele proferido esses despachos, deixando, porém, em branco os espaços relativos ao respectivo agendamento (dia e hora), como sucedeu nas acções ordinárias n.ºs 347/07.5, 23/07.9, 606/06.4, 478/06.9 e 377/06.4 e sumárias n.ºs 381/06.2, 576/06.9, 18/07.2 e 49/07.2.

17. O referido em 16. sucedeu também com alguns dos processos despachados e entregues, pelo Exm.º Juiz, no Tribunal de …., no dia 04.12.08, nas circunstâncias referidas em 8., nomeadamente, nas acções ordinárias n.ºs 355/06.3, 127/05.2 e 323/07.8 e sumárias n.ºs 291/07.6 e 421/06.5.

18. Em todos os despachos proferidos, pelo Exm.º Juiz, no sentido da marcação de audiências preliminares, nos processos citados em 16. e 17., o mesmo consignou que essa diligência visava o disposto no art.º 508º-A, n.º 1, als. a) e c), do C. Proc. Civil (ou seja, “realizar tentativa de conciliação” e “discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate”).

19. No dia 01.02.2006, foi publicada a Circular n.º 16/2006, do Conselho Superior da Magistratura, que relembrava aos Exm.ºs Juízes o teor da Deliberação do Conselho Permanente de 21.12.1999, segundo a qual “ao deixarem de exercer funções num Tribunal onde estão colocados, e após a tomada de posse no novo lugar, não deverão manter em seu poder qualquer

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processo desse Tribunal”.20. O Exm.º Juiz Dr. ….tinha conhecimento

da instrução do C.S.M. transmitida, pela Circular referida em 19., mas não teve a mesma em atenção, nas circunstâncias descritas, com a intenção que tinha de não deixar qualquer processo por despachar, no Tribunal de …, que lhe tivesse sido concluso, no período de cerca de dois anos em que ali exerceu funções.

21. Ao proferir despachos e sentenças, nos citados processos do Tribunal de…, após ter tomado posse como Juiz de Direito do Tribunal de …, o Exm.º Juiz sabia que o não podia fazer, por ter já cessado as suas funções, naquele Tribunal (com excepção dos dois processos aludidos em 9. e 10., que veio a entregar apenas em 17.12.2008) e, por isso, quando elaborou tais peças processuais, apôs, nas mesmas, a data de 31.08.2008, estando, então, convencido que havia sido, nesta data, que fora publicado, no Diário da República, o movimento judicial em que fora transferido para o Tribunal de …, publicação essa que, porém, ocorreu, no dia 29.08.2008 (Sexta-feira).

22. Já no Relatório respeitante à inspecção efectuada ao serviço prestado, pelo Exm.º Juiz, no Tribunal Judicial da Comarca de…, no período de 15.09.2004 a 15.09.2005, vem referido que “é notória a preocupação do Sr. Juiz em despachar todos os processos que lhe haviam sido conclusos, por forma a não deixar qualquer processo em atraso para quem lhe sucedeu, tendo várias decisões sido proferidas nas férias judiciais de Verão ...” e que, “quando ali cessou funções, ... não deixou qualquer processo por despachar ou sentenciar”.

23. Foi mais uma vez esta preocupação que motivou a conduta em causa assumida, pelo Exm.º Juiz, querendo, deste modo, evitar que a Exm.ª Colega que lhe sucedeu, no Tribunal da Comarca de …, viesse a receber serviço acumulado e a ficar, assim, com uma sobrecarga de serviço resultante

dos processos que lhe deixasse com atraso.

24. No Verão de 2008, o período de férias pessoais do Exm.º Juiz ocorreu de 22/07 a 12/08 e de 21 a 29/08 (e esteve de turno, como suplente, de 13 a 16/08 e, como efectivo, de 18 a 20/08), tendo aproveitado grande parte daquele período para despachar algumas dezenas de outros processos que, então, além dos ora em causa, também se encontravam conclusos, a aguardar despacho do Exm.º Juiz.

25. Após a realização do respectivo estágio, na Comarca de …, foi nomeado Juiz de Direito e colocado como Auxiliar, na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial…., com efeitos a partir de 01.04.2004 (D.R. II Série de …), tendo iniciado, naquela data, o exercício efectivo da judicatura.

26. Na primeira e única inspecção realizada ao respectivo serviço, já aludida em 22., obteve a classificação de “Bom”.

27. O Exm.º Juiz, na situação em causa, actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não devia manter em seu poder, como manteve, cerca de 200 (duzentos) processos do Tribunal Judicial da Comarca de …, já depois de ter cessado as suas funções, nesse Tribunal, e de ter tomado posse como Juiz de Direito do Tribunal Judicial de…, vindo a proceder à sua entrega, posteriormente, naquele Tribunal (122, em 17.11.08, 27, em 28.11.08, 49, em 04.12.08 e 2, em 17.12.08, sendo que, quanto a estes últimos dois processos, era ao Exm.º Juiz que competia elaborar as respectivas decisões), todos com despachos ou sentenças, que datou de 31.08.2008, mas que proferiu, após essa data, com excepção de 22 (vinte e dois) desses processos, que devolveu, sem qualquer despacho.

28. O Exm.º Juiz atribui os referidos atrasos processuais com que se deparou, ao cessar funções, no Tribunal de …, em parte ao volume de serviço que tinha a seu cargo, naquele Tribunal e em parte também

Acórdão Disciplinar - Processos em poder do Juiz

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às dificuldades pessoais que sentiu na adaptação às exigências desse mesmo serviço, relacionadas com problemas de saúde de seu filho, nascido em …06.2006, ou seja, cerca de dois meses antes da posse daquele no referido Tribunal.

B – MotivaçãoOs factos provados resultam dos depoi-

mentos do arguido e das testemunhas in-quiridas e do teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente de fls. 9 a 14 (com as correcções constantes do relatório final), 48 e 49, 50 a 59 e 69.

*

APRECIANDO:O Sr. Juiz ….vem acusado de ter violado o

dever geral de zelo, o dever de lealdade e o de criar no público confiança na adminis-tração da justiça

Vejamos:Diz-nos o art. 82 do Estatuto dos Ma-

gistrados Judiciais (E.M.J.) que constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos ma-gistrados judiciais, com violação dos deve-res profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensá-vel ao exercício das suas funções.

Encontram-se entre tais deveres profissionais, quer os deveres “especiais” decorrentes da função de juiz, quer os deveres gerais que recaiam sobre todo e qualquer servidor público (v. art. 32º do E.M.J.).

Ora, o Sr. Juiz manteve em seu poder, após cessar funções no tribunal de …, mais de 200 processos deste tribunal, vindo a devolve-los durante os meses de Setembro, Outubro e Novembro e ainda dois em 17 de Dezembro, 22 dos quais sem qualquer despacho e alguns para designar dia para julgamento ou audiência preliminar que o Sr. Juiz despachou mas deixando em branco

a data para a diligência /julgamento, tendo sido a colega que o substituiu que procedeu e essa marcação posteriormente a 17/11/08 (data em que o Sr. Juiz entregou esses processos no Tribunal de ….). Em todos os processos que entregou despachados apôs a data de 31/8/08.

Os deveres de zelo e de criar no público confiança na administração da justiça impunham ao Sr. Juiz que não mantivesse em seu poder processos que já não estavam a seu cargo, em virtude de ter cessado funções no tribunal a que pertenciam. Tal comportamento implicou que vários desses processos tenham sofrido o atraso correspondente à dilação na entrega dos mesmos após cessação de funções. Na verdade, em vários só foi marcada diligência/julgamento em 17/11/08 quando tal marcação poderia ter ocorrido, pelo menos, no início de Setembro (data em que iniciou funções a colega que substituiu o arguido) e 22 só receberam despacho/decisão a partir de 28/11 (altura em que o Sr. Juiz os entregou no tribunal de … sem despacho). Por outro lado, os restantes processos sofreram atrasos de, pelo menos, dois meses na prolação dos despachos/decisões.

Acresce que, ao manter em seu poder os referidos processos, o Sr. Juiz não respeitou a deliberação deste Conselho de 21/12/99, deliberação essa que a circular nº 16/06 relembrou, segundo a qual, “ao deixarem de exercer funções num tribunal onde estão colocados e após a tomada de posse no novo lugar, não deverão manter em seu poder qualquer processo desse tribunal” violando, assim, o dever de lealdade previsto no art. 3º, nº 2 – g) do E.D.F.A.A.C.R.L (actualmente Estatuto dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas).

O Sr. Juiz invoca excesso de trabalho e problemas familiares para justificar o seu comportamento mas, no caso não se está a analisar a sua prestação no Tribunal de … mas sim o facto de ele ter

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levado consigo processos deste tribunal após a sua cessação de funções, algo que não é justificável com os factos alegados e que apenas poderia ajudar a entender eventuais atrasos ou outros problemas ocorridos durante a prestação de funções naquele tribunal.

Ao caso cabe pena de multa, nos termos do art. 92º do E.M.J., por o comportamento consubstanciar negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

Conforme resulta do que acima foi dito, não foram provadas circunstâncias que diminuam o grau de censurabilidade da conduta e, assim, a culpa do Sr. Dr…., de forma a atenuar-se-lhe especialmente a reacção disciplinar e de, nos termos do art. 97º do E.M.J., se lhe aplicar pena de escalão inferior.

A pena deverá ser fixada entre cinco e noventa dias (art. 87º do E.M.J.)

Há que ter em conta para efeitos de medida da pena (artº 96º do E.M.J.), nomeadamente, que o Sr. Juiz teve em vista evitar que a Exm.ª Colega que lhe sucedeu, no Tribunal da Comarca de …, viesse a receber serviço acumulado e a ficar, assim, com uma sobrecarga de serviço resultante dos processos que lhe deixasse com atraso e que está classificado de Bom, entendendo-se pois, adequado aplicar-lhe a pena de 10 (dez) dias de multa, próxima do limite mínimo da respectiva moldura.

III - DECISÃO:Em conclusão, acordam os membros

que constituem o Permanente deste Conselho Superior da Magistratura aplicar ao Exm. Juiz Dr…..– por violação dos deveres de zelo, de lealdade e do dever de criar no público confiança na administração da justiça - a pena de 10 (dez) dias de multa.

[Relatora: Vogal Dra. Alexandra Rolim Mendes]

5.Acórdão Disciplinar

Faltas e atrasos nas diligências

Acordam os membros do Permanente do Conselho Superior da Magistratura:

Relatório Por deliberação do Conselho Permanente

do CSM, foi determinada a instauração de “processo disciplinar (…), por se indiciar a prática de infracções disciplinares, constituindo o processo de inquérito a parte instrutória do mesmo, nos termos do artigo 135.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais”. De tal deliberação bem como do teor do relatório elaborado no termo do inquérito foi (…) devidamente notificada.

Não se tendo afigurado a necessidade de outras diligências, além das levadas a cabo no inquérito o qual, como determinado na referida deliberação, constitui “… a parte instrutória [do processo disciplinar], nos termos do artigo 135.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais…” (…) foi deduzida acusação (…) incorrendo, pela sua gravidade e reiteração das condutas, na situação prevista nos artigos 81.º, 82.º, 85.º, n.º 1 al. b), 87.º, 92.º, 96.º, 99.º e 102.º, todos daquela Lei (Estatuto dos Magistrados Judiciais).

Notificada da acusação contra si deduzida, não apresentou a sua defesa, não juntou documentos, não arrolou testemunhas, nem requereu a realização de quaisquer diligências. Por assim ser, o Exmo. Inspector Judicial, não havendo diligências a realizar, elaborou o relatório a que alude o artigo 122.º da Lei 21/85 de 30 de Julho. O Exmo. Inspector Judicial, no aludido Relatório Final, considerou que “revela um claro desinteresse e grave negligência pelo cumprimento dos deveres do seu cargo, constituindo os factos descritos infracções disciplinares

Acórdão Disciplinar - Processos em poder do Juiz

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(nos termos do artigo 82.º da referida Lei 21/85), incorrendo, pela sua gravidade e reiteração, na situação prevista nos artigos. 81.º, 82.º, 85.º, n.º 1 al. b), 87.º, 92.º, 96.º, 99.º e 102.º, todos daquela Lei (Estatuto dos Magistrados Judiciais) (…) e que, “tudo ponderado, afigura-se como adequada e justa a pena de 10 dias de multa, para além, obviamente, da perda de remuneração e ajudas de custos relativas aos períodos de ausência”. Em conformidade, propôs “que, nos termos dos artigos. 81.º, 82.º, 85.º, n.º 1 al. b), 87.º, 92.º, 96.º, 99.º e 102.º do EMJ, seja sancionada com a pena de 10 dias de multa””.

Uma vez recebidos e distribuídos os autos neste CSM foi proferido o despacho de fls. 147 no qual, ora em resumos se disse: “por se considerar que o CSM não está vinculado à proposta, e porque pode vir a ser aplicada pena disciplinar concretamente diferente e eventualmente mais grave, nos termos dos artigos 100.º e 1001.º do Código do Procedimento Administrativo, ordeno a sua notificação para, no prazo de 10 dias, querendo, dizer o que se lhe oferecer”.

FundamentaçãoAtendendo à prova recolhida e a todos

os elementos constantes dos autos e, designadamente os documentais e as declarações, concordando com a apreciação fundamentada do Exmo. Inspector Judicial instrutor, fixa-se o seguinte:

1. Factos Provados1 - (…) concluiu a licenciatura em Direito

em 28 de Julho de 1998, com a média final de 12 valores.

2 - Iniciou funções na magistratura judi-cial, quando, por deliberação do CSM (…) Juíza de Direito, em regime de estágio, no Tribunal Judicial da comarca d (…).

3 - Por deliberação do CSM (…).4 - Por deliberação do CSM (…).5 - Por deliberação do CSM (…)6 - Por deliberação do CSM (…)

7 - Como Juíza de Direito foi classificada uma vez pelo serviço prestado (…)

8 - Do seu registo disciplinar nada cons-ta.

9 - No período de (…) comunicou ao Tri-bunal da Relação as seguintes faltas ao ser-viço que justificou ao abrigo dos preceitos e diplomas legais que se indicam:

– 2 faltas (art. 10º da Lei 21/85 de 30/7);– 1 falta (art. 10º da Lei 21/85 de 30/7)– 7 faltas (art. 29º do DL 100/99 de

31/3);– 1 falta (art. 10º da Lei 21/85 de 30/7).10 - A prestação (…) pautou-se por

diversos incidentes ao nível da assiduidade, atraso no início das diligências, faltas não justificadas ao serviço, em dias inteiros ou apenas em parte do dia, mas para cujo período tinha diversas diligências agendadas e que levaram ao adiamento dessas mesmas diligências. Assim:

11 - No dia (…) estava agendado o julgamento no (…) para as 10H00, constando de fls. 42 do mesmo uma cota do seguinte teor: “Em 22/04/2008 pelas 10:00 informou o Tribunal via telefone que não poderia estar presente para a realização da audiência de julgamento. Informou de seguida que o mesmo se realizaria na 2ª data já designada”.

12 - No mesmo (…) estava agendada para as 14H00 a conferência de pais no incidente de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal (…), mas que apenas se iniciou às 16H30, constando da acta ter sido a esta hora que declarou aberta a conferência.

13 - Consta ainda da mesma acta: “Consigno que este Tribunal foi informado que só chegaria hoje por volta das 16:00 horas, uma vez que tinha tido uma avaria no seu carro, deixando ao critério dos senhores advogados se pretendiam nova data para a presente diligência ou se aguardavam até às 16:00 horas. Informadas as partes, pelo ilustre mandatário da requerente foi dito aguardar até às 16:00 horas. Pelo ilustre

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138 Boletim Informativo do CSM

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mandatário do requerido foi dito não poder aguardar até às 16:00 horas, em virtude de já ter outros compromissos agendados”.

14 - Todavia, não consta das faltas comunicadas qualquer referência ao dia (…), ou sequer ao período até às 16 horas (hora aproximada da sua chegada ao tribunal), apesar do adiamento que a sua ausência motivou no julgamento do processo (…).

15 - Para o dia (…) pelas 14 horas estava agendado o julgamento no (…).

16 - No dia (…), em conclusão por ordem verbal datada desse mesmo dia, consignou o seguinte despacho: “na data agendada para a realização da audiência de julgamento tem uma consulta médica. Pelo exposto, dou sem efeito a diligência agendada e, para a sua realização, determino a segunda data já designada. Notifique pela forma mais rápida”.

17- Porém, apesar de no dia (…) ter faltado ao serviço, como claramente resulta deste despacho, não comunicou como devia tal falta ao Tribunal da Relação ou ao Conselho Superior da Magistratura.

18 - Para o dia (…) estavam agendados os seguintes julgamentos:

(…) – para as 9:30 horas;(…) – para as 9:30 horas;(…) – para as 9:45 horas;(…) – para as 11:30 horas;(…) – para as 14:00 horas;(…) - para as 15:00 horas;(…) – para as 15:00 horas (leitura da

sentença).19 - Bem como a conferência de pais no

processo de (…).20 - Contudo, tais julgamentos e

diligência não foram realizados, pelo facto de ter faltado ao serviço.

21 - Mas apesar disso, não comunicou, tal falta ao Tribunal da Relação ou ao Conselho Superior da Magistratura.

22 - Aliás, nos processos referidos no artigo 18.º, apenas consta uma cota mencionando as pessoas que se encontravam presentes,

nada se referindo sobre os motivos da não realização dos julgamentos.

23 - Somente no processo (…) foi aposta uma cota do seguinte teor: “ deixo consignado que feita a chamada, pelas 14 horas, verifiquei encontrarem-se todas as pessoas convocadas, presentes, (requerente, requerido e os respectivos mandatários), não tendo todavia até ao presente momento comparecido (…), nem prestado qualquer esclarecimento”.

24 - E apenas com data de (…), em todos os processos referenciados nos artigos 18.º e 19.º e em conclusões datadas de (…) exarou despachos do seguinte teor (que pela sua redacção quer fazer parecer, erradamente, que foram proferidos no dia (…) já que o verbo «encontra-se» está no presente do indicativo e dá sem efeito uma diligência cujo agendamento estava, ‘ipso facto’ prejudicado porque no dia agendado não comparecera): “ encontra-se doente, o que não lhe possibilita levar a cabo a diligência agendada. Pelo exposto dou sem efeito a diligência agendada. Para a realização da… designo…”.

25 - Para o dia (…) estava agendado o julgamento no (…) para as 9H30.

26 - Neste dia, porém, apenas compareceu no tribunal cerca das 14 horas (tendo realizado o julgamento (…) marcado para essa hora e a audiência encerrada pelas 14,45H) e, sem que tivesse comunicado ao Tribunal da Relação ou ao Conselho Superior da Magistratura tal falta parcial, apesar de ter implicado o adiamento daquela audiência de julgamento agendada para a parte da manhã.

27 - No referido (…), cujo julgamento estava marcado para as 9H30, foi aposta uma cota datada de (…) do seguinte teor: ”via telefone informou que se encontrava impossibilitada de comparecer neste tribunal para a realização da audiência de discussão de julgamento atento o facto de a sua viatura não possuir combustível (greve das transportadoras). Pelo foi ordenado

Acórdão Disciplinar - Faltas e Atrasos nas Diligências

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139Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

que comunicasse a todos os intervenientes processuais que a audiência de discussão e julgamento se realizará na 2ª data já agendada”.

28 - Para o dia (…) estava marcada para as 14 horas a leitura da sentença no (…) e que já anteriormente havia agendado (…), mas não realizou.

29 - Porém, a sentença também não foi lida neste dia, constando dos autos uma cota do seguinte teor: “deixo consignado que avisei telefonicamente os ilustres advogados que por ordem d (…) a leitura da sentença passou para…”. Apesar deste adiamento, neste dia, esteve no tribunal.

30 - Para o dia (…) estavam agendados os julgamentos, leituras de sentenças e diligências nos seguintes processos:

(…) – julgamento para as 9:30 horas;(…) – leitura da sentença para as 13:45

horas;(…) - julgamento para as 14:00 horas;(…) - leitura da sentença para as 14:00

horas (…) – tentativa de conciliação para as

14:00 horas(…) – conferência para as 15:00 horas.31 - Estas diligências, todavia, não se

realizaram, constando dos processos as seguintes cotas:

– julgamento para as 9:30 horas - consta uma cota do seguinte teor: “deixo consignado que foi esta secção informada, via telefone que por motivos de saúde não é possível o comparecimento neste Tribunal, no dia de hoje da parte da manhã. Deste facto dei conhecimento a todos os intervenientes, a saber: Sra. Procuradora, arguido, defensora oficiosa e testemunha de acusação”;

– leitura da sentença para as 13:45 horas - consta uma cota do seguinte teor: “ deixo consignado que após feita a chamada verifiquei encontrar-se presentes todas as pessoas convocadas para este acto, a saber: a arguida, o seu ilustre mandatário e a ilustre mandatária da assistente, que

ficaram avisados do adiamento da leitura da sentença para o dia…”;

– julgamento para as 14:00 horas - consta uma cota do seguinte teor: “ deixo consignado que após feita a chamada verifiquei encontrar-se presentes todas as pessoas convocadas para este acto, às quais dei conhecimento do não comparecimento d(…)”;

- leitura da sentença para as 14 horas – consta uma cota do seguinte teor: “ deixo consignado que após feita a chamada verifiquei encontrar-se presentes a ilustre mandatária da Segurança Social, com substabelecimento, e o ilustre defensor oficioso,, que ficaram avisados do adiamento da leitura da sentença para o dia…”;

– tentativa de conciliação para as 14:00 horas - consta uma cota do seguinte teor: “deixo consignado que após feita a chamada verifiquei encontrar-se presentes a autora, bem como a sua patrona, , as quais foram informadas do não comparecimento d(…)”;

– conferência para as 15 horas - consta uma cota do seguinte teor: “deixo consignado que feita a chamada verifiquei encontrar-se presentes: a progenitora da menor, a avó materna bem como a técnica de serviço social, às quais dei conhecimento do não comparecimento d(…)”.

Neste processo em “conclusão por ordem verbal” datada de (…) exarou o seguinte despacho datado de (…): “Por motivos de saúde não me foi possível comparecer à diligência designada. Para a sua realização designo o próximo dia(…) 14:00 horas neste tribunal”.

32 - Apesar de não ter comparecido ao serviço neste dia, não comunicou a respectiva falta ao Tribunal da Relação ou ao Conselho Superior da Magistratura, apesar de a mesma ter implicado o adiamento de 6 diligências.

33 - Para o dia (…) estava agendado para as 10H00 o julgamento no (…), mas que não se realizou, constando do processo

Contencioso

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

uma cota do seguinte teor: “Pelas 09:45 avisou que devido a problemas no seu veículo não poderia estar presente neste Tribunal para a realização da audiência de discussão e julgamento, mais informou que a ilustre mandatária da recorrente deveria sugerir datas. Após chamada e verificando estarem presentes todas as pessoas para este acto convocadas, comuniquei o teor da informação que antecede. Pela mandatária da recorrente foi dito não ter disponibilidade de agenda para a próxima semana e que de (…)”.

34 - Neste dia apenas compareceu no tribunal cerca das 14 horas, hora para que estava marcado o julgamento no (…) e cuja audiência declarou aberta a esta mesma hora, como consta da acta respectiva.

35 - Apesar de ter faltado ao serviço na parte da manhã e dessa ausência ter implicado o adiamento de um julgamento para o qual estavam presentes todas as pessoas convocadas, não comunicou essa falta parcial ao Tribunal da Relação nem ao Conselho Superior da Magistratura.

36 - Para o dia (…), pelas 9:30 horas estava agendado o julgamento no (…).

37 - Porém, não só o julgamento não se realizou como não foi elaborada qualquer acta nem constam do processo os motivos da sua não realização, tendo despachado em (…)

38 - Também para o mesmo dia no processo (…) estavam agendadas declarações aos progenitores dos menores.

39 - Todavia a diligência não foi realizada e em “conclusão por ordem verbal” com data de (…) exarou o seguinte despacho proferido nesse mesmo dia: “A ora signatária tem uma consulta de pós operatório agendada para as 15:00 horas. Por tal motivo, dou sem efeito a diligência agendada. Em substituição designo o próximo dia (…), neste Tribunal. Notifique pela forma mais rápida”.

40 - Contudo, apesar de ter faltado ao serviço pelo menos na parte da tarde deste

dia e da mesma ter implicado o adiamento de uma diligência, não comunicou essa falta parcial ao Tribunal da Relação nem ao Conselho Superior da Magistratura.

41 - Para o dia (…) estavam agendados julgamentos e diligências nos seguintes processos:

(…) – para as 9:30 horas, continuação da audiência;

(…) – julgamento marcado para as 15:00 horas (cfr. arts. 15º e 16º);

(…) – julgamento marcado para as 10:00 H;

(…) – conferência de interessados marcada para as 11:30 horas;

42 - Porém, a continuação do julgamento no (…), agendada para as 9:30 horas não se realizou, constando nos autos uma cota do seguinte teor: “ deixo consignado que foi esta secção informada que (…) não irá comparecer, na parte da manhã neste tribunal e que o julgamento nos presentes autos será adiado sine die. Feita a chamada, nos presentes autos, na hora indicada, dei conhecimento do facto a todos os presentes”.

43 - Também o julgamento marcado no (…) para as 10:00 horas não se realizou constando nos autos uma cota do seguinte teor: “deixo consignado que foi esta secção informada que (…) não irá comparecer, na parte da manhã neste tribunal e que o julgamento nos presentes autos será adiado sine die. Feita a chamada, nos presentes autos, na hora indicada, dei conhecimento do facto a todos os presentes”.

44 - Igualmente a conferência de interessados designada na (…) para as 11:30 horas não se realizou, constando do processo uma cota do seguinte teor: “foi este Tribunal telefonicamente informado da parte (…) que não viria a este Tribunal, na parte da manhã do dia de hoje, pelo que adiaria a presente diligência, sendo oportunamente marcada nova data para a sua realização. De seguida comuniquei telefonicamente aos ilustres mandatários

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das partes o que me foi transmitido”.45 - No dia (…) o mandatário do autor

atravessa o seguinte requerimento: “ vem por este meio requerer que seja informado do motivo pelo qual a Conferência de Interessados remarcada para segunda data foi novamente adiada e qual a data da próxima marcação da Conferência de Interessados”.

46 - Também o julgamento marcado no (…) para as 15:00 horas não se realizou, mas foi elaborada acta, constando da mesma que, feita a chamada pelas 15 horas, estavam “presentes todas as pessoas convocadas” e que “quando eram 17 horas, foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento” e “seguidamente foi proferido o seguinte despacho: «atendendo o adiantado da hora, porque não é possível terminar a audiência no dia de hoje e conciliada a agenda com as Sras Advogadas determino o adiamento da presente audiência de discussão e julgamento e designo o dia (…) pelas 10:30 horas»”.

47 - Daqui se infere que, neste dia terá comparecido no tribunal apenas cerca das 17 horas.

48 - Contudo, apesar de ter faltado ao serviço praticamente todo o dia (apenas compareceu ao fecho da secretaria) e com essa falta ter dado causa ao adiamento das quatro diligências que estavam agendadas para esse dia, não comunicou essa falta ao Tribunal da Relação nem ao Conselho Superior da Magistratura.

49 - Para o dia (…) estavam agendadas as seguintes diligências e julgamentos:

(…) – Diligência marcada para as 14:00 horas;

(…) – Julgamento marcado para as 10:00 horas.

50 - Porém, nenhuma destas diligências se realizou constando em ambos os processos cotas do seguinte teor: “ deixo consignado que foi esta secção informada que (…) não

pode comparecer no dia de hoje a este Tribunal em virtude de se encontrar doente. Feita a chamada, nos presentes autos, na hora indicada, dei conhecimento do facto a todos os presentes”.

51 - Contudo, apesar de ter faltado ao serviço neste dia e com essa falta ter dado causa ao adiamento das diligências que estavam agendadas, não comunicou essa falta ao Tribunal da Relação nem ao Conselho Superior da Magistratura.

52 - Mas para além das faltas e atrasos no início das diligências referidos, foram muitos os casos em que não iniciou as diligências à hora marcada e sem que das respectivas actas fizesse constar a razão do atraso sendo de presumir que alguns se ficaram a dever a atraso na hora da sua chegada ao tribunal. Assim:

53 - Para o dia (…) estava agendado o julgamento no (…) para as 9:30 horas e no (…) para as 14:00 horas.

54 - Neste dia porém, apenas compareceu no tribunal cerca das 14 horas (tendo realizado o julgamento no (…) marcado para essa hora tendo a audiência sido encerrada pelas 14,45H) e, por isso, o (…) foi adiado para a 2ª data.

55 – No (…) consta da acta respectiva que pelas 14:00 horas foi efectuada a chamada verificando-se estarem presentes “todas as pessoas para este acto convocadas” e que “quando eram 17 horas, foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento. Seguidamente pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte despacho ‘atendendo o adiantado da hora e conciliada a agenda com as Srªs Advogadas determino o adiamento da presente audiência de discussão e julgamento e designo o dia (…) pelas 15:00 horas para a sua realização”.

56 - E verificaram-se ainda atrasos no início das diligências, nos seguintes processos, dias e horas e sem que da acta conste qualquer justificação:

Contencioso

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142 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

57 - No dia (…) foi, por telefone, comunicado que, no dia (…) os serviços de inspecção se deslocariam à comarca para tomada de declarações no âmbito do processo de averiguações que antecedeu este processo.

58 - No dia (…) foram recebidos pela secção 256 processos despachados, a esmagadora maioria dos quais despachados com data de (…) mas que se encontravam conclusos no seu gabinete, alguns há mais de 2 meses e muitos há cerca de 1 mês, mas quase todos com prazo de despacho excedido.

59 – 60 - No (…) realizou o julgamento na

(…).61 - Nesse mesmo dia, terminada a

produção da prova e encerrados os debates, proferiu a decisão sobre a matéria de facto, tendo-a consignado na própria acta e determinado que fosse aberta “conclusão a fim de ser proferida decisão por escrito”.

62 - No dia (…) foi aberta conclusão para sentença e o processo colocado no gabinete.

63 - No dia (…) cessou funções e foi colocada na comarca d (…).

64 - E porque ainda não tinha proferido a sentença no sobredito processo, levou-o consigo e apesar das diversas insistências do titular e da Exma. Vogal do Conselho Superior da Magistratura, em (…) ainda não o havia devolvido, só o tendo feito em data posterior.

2. MotivaçãoOs factos constantes da acusação

foram considerados provados com base nas declarações – devidamente ponderadas entre si e na conjugação da matéria documentada nos processos (…) e nos depoimentos (…) Igualmente foi relevante a prova documental seguinte: certidões extraídas dos processos em que se verificaram adiamentos ou atrasos no início das diligências não devidamente justificados na acta (…) registo biográfico e disciplinar (…) ofício do Tribunal da Relação relativa às faltas ao serviço comunicadas (…).

3. Qualificação dos factos provadosNos termos do artigo 82.º da Lei

n.º 21/85 de 30.07 (EMJ) “constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.

Por força da definição legal, pode com facilidade concluir-se que as infracções disciplinares são apenas tendencialmente tipificadas (por contraponto ao direito penal comum onde a tipicidade é uma exigência constitucional, decorrente do principio

Acórdão Disciplinar - Faltas e Atrasos nas Diligências

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da legalidade) devendo, por isso, a sua verificação ser encontrada por referência aos deveres gerais e especiais subjacentes à função exercida pelo juiz. Infringir disciplinarmente não é mais, por isso, que desrespeitar deveres gerais e especiais decorrentes da função que o juiz exerce.

Os elementos essenciais da infracção disciplinar são (1) uma conduta do funcionário (em sentido amplo e disciplinar); (2) o carácter ilícito dessa conduta e (3) o nexo de imputação – traduzido na censurabilidade – a título doloso ou negligente.

Importa, em consideração do que ficou dito, verificar se se cometeu infracção disciplinar.

Nos termos das disposições estatutárias (…) estava obrigada a comparecer ao serviço regular e continuamente, apenas se podendo ausentar nas situações expressamente previstas no EMJ e demais legislação aplicável, considerando-se ilegítimas quaisquer ausências fora dos casos e dos limites legalmente consignados (10.º, n.º 1 e 5 do EMJ), pois, de acordo com o artigo 10.º, n.º 2 “à contrario” do

EMJ são contadas como faltas as ausências que impliquem falta a qualquer acto de serviço ou perturbação deste, mesmo que ocorridas em dias úteis fora das horas de funcionamento normal da secretaria.

Assim, tendo faltado ao serviço, no todo ou em parte do dia e tendo essa ausência ou atraso dado azo a adiamento do serviço agendado e não tendo comunicado e justificado essas faltas, está-se perante faltas injustificadas, integrando, enquanto tal, infracção disciplinar. Acresce que foram diversas as diligências que se iniciaram muito depois da hora marcada e sem que fossem consignadas na acta as razões do atraso, sendo certo que diversos deles se ficaram a dever ao atraso na chegada ao tribunal, violando, assim, o dever de pontualidade, a que, naturalmente bem o sabendo, estava obrigada.

De acordo com os factos que ficaram provados, faltou nos dias ou partes do dia constantes do quadro infra (que melhor permite traduzir o sucedido) e essas ausências determinaram o adiamento de diversas diligências:

Resulta assim que as ausências que se devem ter como injustificadas e não comunicadas deram causa ao adiamento de, inequivocamente, vinte e sete diligências. Em 14 delas nada se comunicou e em 10 fê-lo apenas no próprio dia, o que não permitiu o prévio aviso às pessoas convocadas e que, por isso, com

prejuízo para as suas vidas pessoais e profissionais, se deslocaram ao tribunal para coisa nenhuma e, em alguns casos, aí aguardaram várias horas, até porque (…) não comunicou que não iria comparecer e podia (devia) tê-lo feito. Faltou 4 dias inteiros ao serviço, em 2 faltou da parte da manhã tendo chegado ao tribunal apenas

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL 24/84 de 16/1, aplicável "ex vi" do art. 131.º da Lei 21/85 de 30/7 (EMJ), depois de igualmente haver violado deveres de assiduidade e pontualidade e, igualmente não cumpriu os deveres de administrar a justiça, despachando dentro dos prazos determinados (artigos 20.º n.º 1, 4 da CRP; 156.º e 160.º do CPC).

Importa dizer que as faltas não comunicadas e justificadas e mesmo sem avisar as pessoas que estavam convocadas e compareceram, os adiamentos e atraso no início das diligências, para mais sem razão expressa, para além de demonstrativos de uma grande falta de respeito pelos cidadãos, põem em causa a imagem da justiça e a confiança nos tribunais como órgãos da sua administração e a prossecução do interesse público, consubstanciando violação do dever profissional e estatutário de administrar a justiça e de a dignificar, bem como os deveres gerais de "...actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública...", de zelo, de lealdade, de assiduidade e de pontualidade consagrados nos n.º s 3 e 4, alíneas b), d), g) e h) e n.º s 6, 8, 11 e 12 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL 24/84 de 16/1, aplicável "ex vi" do artigo 131.º da Lei 21/85 (EMJ) e de respeito pelos interesses das pessoas que estão dependentes do exercício da sua função.

Aos factos apontados passou a ser aplicável, após 1.01.2009, o chamado “Novo Estatuto Disciplinar da Função Pública”, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro. A sua aplicabilidade concreta só tem sentido operativo, porém, se resultasse um tratamento mais favorável, seja na definição de deveres – e consequente violação – seja na escolha ou medida da pena. Não é o caso, porém. E,

cerca das 14 horas, noutro faltou, pelo menos da parte da tarde e em 2 chegou ao tribunal cerca das 16 e das 17 horas respectivamente, pese embora tivesse diligências agendadas para os períodos da manhã e/ou de tarde.

Além do antes referido, muitas foram as diligências que se iniciaram bem depois da hora designada e sem que fizesse constar da acta as razões do atraso.

Por outro lado, importa ainda ter presente os 250 processos despachados entre os dias (…), muitos dos quais conclusos para despacho há mais de 1 e 2 meses, só tendo sido despachados nesse fim de semana depois ter sido avisada de que os serviços de inspecção se deslocariam à comarca no âmbito do processo de averiguações que deu origem ao presente processo disciplinar.

Por último, não pode esquecer-se a demora em elaborar a sentença e devolver o processo (…) (mais de 2 meses) o que apenas ocorreu depois de diversas insistências do titular deste tribunal e da intervenção da Exma. Vogal do Conselho Superior da Magistratura.

Em suma, como se vê das certidões juntas, bem como do facto de ter levado consigo um processo que só devolveu mais de 2 meses depois, para além de indiciar uma grave falta de método e de zelo, mostra-se a ocorrência de atrasos no despacho. Ocorreu igualmente uma clara falta de colaboração com os funcionários, pois que, tendo no seu gabinete aquele conjunto numeroso de processos para despacho, na generalidade com prazos excedidos e alguns há mais de 1 e mesmo 2 meses, como era do seu perfeito conhecimento, apenas os despachou (…), sem se preocupar com a grave acumulação que tal procedimento acarretaria para a secção de processos.

(…) violou, assim os deveres gerais de zelo e de lealdade consagrados no n.º 4, als. b) e d) e n.º s 6 e 8 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da

Acórdão Disciplinar - Faltas e Atrasos nas Diligências

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por isso, apenas fazemos esta referência. Em suma, a conduta globalmente

considerada, revela um claro desinteresse e grave negligência pelo cumprimento dos deveres do seu cargo, constituindo os factos descritos infracções disciplinares (nos termos do artigo 82.º da referida Lei 21/85) e incorrendo, pela sua gravidade e reiteração, na situação prevista nos artigos 81.º, 82.º, 85.º, n.º 1 alínea b), 87.º, 92.º, 96.º, 99.º e 102.º, todos daquela Lei (Estatuto dos Magistrados Judiciais).

A conduta deve ser sancionada com pena de multa. Nos termos do artigo 87.º do EMJ, a pena de multa é fixada em dias, no mínimo de 5 e no máximo de 90.

Tudo ponderado, não podendo esquecer-se o agravamento resultante da acumulação de infracções, a reiteração das condutas e os prejuízos concretos para a administração da justiça, temos por adequada a pena de quarenta (40) dias de multa. A referida pena é distinta, naturalmente da perda de remuneração relativas aos períodos de ausência.

DecisãoEm conformidade com o que se deixa dito,

os membros do Permanente do Conselho Superior da Magistratura deliberam:

Aplicar (…), em razão dos factos apurados e porque deles resulta a violação dos dever de assiduidade, pontualidade e zelo, além do dever geral de criação e preservação de uma boa imagem da administração da justiça, nos termos dos artigos 81.º, 82.º, 85.º, n.º 1 alínea b), 87.º, 92.º, 96.º, 99.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e com os efeitos previstos no artigo 102.º do mesmo EMJ, a pena de 40 (quarenta) dias de multa, mais se declarado que a referida pena não prejudica nem dispensa o dever de restituição – por perda – das remunerações eventualmente auferidas nos períodos de ausência.

[Relator: Dr. José Eusébio Almeida]

6.Acórdão Disciplinar

Pena de Transferência

Acordam no Conselho Superior da Magistratura:

I. RELATÓRIOPor deliberação do Plenário Extraordinário

do Conselho Superior da Magistratura de 15.05.2007 foi determinado proceder a uma averiguação discreta e sumária, na sequência da carta subscrita por M..., esposa do Ex.º Juiz de Direito Dr. J..., dirigida ao Conselho Superior da Magistratura em 19.04.2007, (fls. 4 e 5).

Em cumprimento do deliberado em 04.06.2007 procedeu-se à mencionada averiguação, tendo sido elaborado o relatório junto a fls. 13/14.

Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 16.07.2007 foi determinado “proceder a averiguações mais aprofundadas e fundamentadas”, com vista a apurar-se se “existe alguma situação de ‘alarme social’, que possa justificar a intervenção disciplinar do Conselho Superior da Magistratura”.

A Ex.ª Inspectora Judicial procedeu às ne-cessárias averiguações, tendo o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, reunido extraordinariamente em 27 de Novembro de 2007, tomado a deliberação de conver-ter em processo disciplinar o inquérito le-vado a efeito no processo de averiguações levantado à actuação do Ex.º Dr. J..., Juiz de Direito do 1ª Juízo Cível d....

Iniciou-se a instrução do processo disci-plinar em 10.03.2007 e, finda a mesma, foi deduzida acusação, tendo a Ex.ª Inspectora proposto a aplicação da pena disciplinar de transferência, por infracção ao disposto no art. 82º do EMJ (fls. 100 a 116).

Mmº Juiz Dr. J... apresentou a sua defesa, nos termos constantes de fls. 122 a 171,

Contencioso

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146 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

que aqui se dá por integralmente reprodu-zida, e arrolou dez testemunhas.

Na sua defesa, para além de impugnar parcialmente os factos da acusação, sus-citou, nomeadamente, as seguintes ques-tões prévias:

- Irrelevância disciplinar das imputações acusatórias;

- Nulidade da deliberação do Plenário do CSM de 17JUL07

- Nulidade da deliberação do Plenário do CSM de 15MAI07

- Nulidade da AcusaçãoProcedeu-se à inquirição das

testemunhas arroladas pelo arguido, tendo o arguido prescindido do depoimento das testemunhas Dr. …, (fl. 175), Dr. .. e Dr. .. (fls. 210).

No relatório final, a Ex.ª Inspectora debruçou-se sobre o teor da defesa do arguido, dirimindo algumas das questões prévias e mantendo a pena disciplinar proposta na acusação.

II.FUNDAMENTAÇÃOA.OS FACTOS1. O Dr. J..., nascido a … de … de 1946,

em …, concluiu a sua licenciatura em … de Outubro de 1976.

2.Iniciou funções na Magistratura Judicial em 26 de Fevereiro de 1982, quando foi nomeado, por deliberação publicada no DR de 26.02.1982, Juiz de Direito no Tribunal Judicial de …, em regime de estágio, após o que foi sucessivamente nomeado e colocado nos seguintes Tribunais:

Tribunal Judicial de …, nomeado Juiz de Direito, por deliberação do CSM de 14.12.1982, publicada no DR de 31.01.1983

Tribunal Judicial do …, 1º Juízo, por transferência, por deliberação do CSM de 19.07.1984, publicada no DR de 19.09.1984.

Tribunal Judicial do …, 1º Juízo Cível, por deliberação do CSM de 14.12.1993, publicada no DR de 30.12.1993, onde se

mantém.3. O Dr. J..., quando foi colocado em ….,

foi acompanhado da sua esposa M... e dos seus dois filhos …, então menores, tendo ido residir para uma casa de função sita na ….

4.Os seus dois filhos residiram com os pais até à data em que foram para Lisboa estudar para a Universidade, regressando a sua filha …. ao … após ter cursado Direito, sendo actualmente advogada estagiária nesta comarca. O seu filho … é advogado e reside em Lisboa, desde 1997.

5.O Carnaval na …. constitui um evento importante de grande relevância turística …, tendo o apoio da …. Tem dois cortejos: o alegórico e o trapalhão. O primeiro normalmente desfila na noite de sábado para domingo de Carnaval, é mais sofisticado e necessita de um projecto criativo da parte de todos os grupos e figurantes. O segundo, normalmente desfila na terça-feira de Carnaval e conta com a participação espontânea de todo o público interessado.

6. Em 1987 o Dr. J... foi convidado por M…, então Director dos …, organizador do desfile de jovens, para participar no cortejo alegórico de Carnaval, onde participavam crianças e familiares ligadas à Direcção …, tendo o Dr. J... aceite o convite para integrar o aludido grupo e desfilar no cortejo alegórico do Carnaval …..

7.Esse grupo de pessoas era formado pelos pais, familiares e amigos dessas crianças e jovens, e do qual faziam parte, para além de …., Presidente …., que desfilava na qualidade de pai, o Dr. R…., S…., o Dr. …., advogado, o Sr. …, Chefe de Finanças, dois médicos, e outras pessoas que desfilavam com os filhos.

8. O aludido grupo carnavalesco, vulgarmente designado como “escola de samba” ou “trupe”, inicialmente era denominado…, e desde há uns anos veio a denominar-se … que pertence a …

9. O Dr. J... tem vindo a desfilar no cortejo

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alegórico do Carnaval …. até ao Carnaval de 2007, integrado na aludida “escola de samba” – … com os mencionados elementos, vestido com o respectivo traje, tocando um instrumento musical.

10. O Carnaval …e como evento turístico é noticiado, quer na imprensa escrita …, quer na RTP.

11. O cortejo alegórico é transmitido em directo na RTP …, no sábado de Carnaval, com repetição no domingo, e os jornais …, designadamente, …. e no …, noticiam e publicam fotografias do cortejo alegórico.

12. Foram publicadas fotografias do Dr. J... no aludido cortejo alegórico com o Dr. …, Presidente …., nos jornais …, designadamente quando era habitual o Presidente … desfilar no cortejo alegórico.

13. Nas transmissões do Carnaval … realizadas pela RTP …, foram emitidas imagens, em directo, do Dr. J... a desfilar no cortejo alegórico do Carnaval …, integrado no mencionado grupo.

14. A participação do Dr. J... no Carnaval … é do conhecimento público, apesar de ser Juiz na comarca …. é encarada com naturalidade pela sociedade ….

15. Alguns elementos do grupo da …. de que faz parte o Dr. J... juntam-se para o almoço, e depois descem para se vestir por volta das 18 horas, havendo em seguida uns “comes e bebes” antes do desfile.

16. O cortejo termina sempre na Câmara Municipal …., e quando o Presidente …, Dr. … desfilava [o que já não faz há cerca de três anos] a Câmara Municipal … oferecia um beberete ao grupo em que desfilavam os membros … e a alguns convidados entre eles, a esposa do Dr. J... e a Drª …., esposa do Dr. …, advogado, e que chegou a fazer parte do grupo e a desfilar no cortejo alegórico.

17. Desde que o Dr. … deixou de desfilar no cortejo alegórico a Câmara Municipal … deixou de oferecer os beberetes mantendo as portas fechadas no sábado de Carnaval.

18. O Dr. J... manteve durante cerca de

seis anos um relacionamento extraconjugal com uma senhora de …que teve início no ano de 2000 e manteve-se, pelo menos, até Maio de 2007, sendo tal facto do conhecimento público, designadamente de alguns colegas, quer da Magistratura Judicial, quer do Ministério Público, quer de alguns advogados, quer de alguns funcionários.

19. No dia 25 de Fevereiro de 2006, sábado de Carnaval, como aliás era habitual nos anos anteriores, a esposa do Dr. J... foi ver o cortejo para as bancadas na Av. …., com a sua amiga Dr. ….

20. Nesse dia 25 de Fevereiro de 2006, cerca da meia-noite, a esposa do Dr. J..., acompanhada pela Drª …, foi esperar pelo seu marido, e aquela pelo Dr. …, na esquina da Câmara Municipal …l voltada para o edifício do Palácio da Justiça …..

21. Quando terminou o cortejo Dr. J..., dirigiu-se para a Câmara Municipal …, que nessa noite não abriu as portas para o beberete.

22. Entretanto, quando a esposa do Dr. J... ia ao encontro do seu marido, viu que este estava a conversar com uma mulher, e quando o Dr. J... estava a cumprimentar com um beijo na cara a senhora de …, com quem mantinha um relacionamento extraconjugal, a esposa do Dr. J..., que estava acompanhada pela Drª …, apareceu junto do seu marido e levantou a carteira para bater com ela no seu marido.

23. Em seguida, como já andava desconfiada que o seu marido andava com uma outra mulher disse-lhe “então é com esta ordinária que tu andas” e de imediato deu-lhe duas bofetadas, primeiro nela e depois nele.

24. Quando ia a dar a terceira estalada no seu marido, foi impedida por um agente da PSP que se encontrava por perto e lhe agarrou o braço, tendo a esposa do Dr. J... dito ao referido agente que lhe largasse imediatamente o braço, porque sabia o que estava a fazer, já que aquele homem

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era o seu marido, tendo o agente da PSP largado o braço da esposa do Dr. J..., pois não conhecia esta, mas sabia quem era o Dr. J..., por ser juiz da comarca.

25. O Dr. J... afastou-se imediatamente do local, e dirigiu-se com parte do grupo para a discoteca … e chegou mais tarde a casa, não tendo havido, então, qualquer incidente entre o casal.

26 Por seu turno, a referida mulher foi atrás da esposa do Dr. J... e disse-lhe que só queria saber porque é que lhe tinha batido, ao que aquela respondeu que só o fez porque ela “andava metida com seu marido que era um velho com dois filhos”. A referida mulher disse à esposa do Dr. J... que pensava que a mesma não estava …., dizendo-lhe que já andava com seu marido Dr. J... há já bastante tempo.

27. A situação acima descrita foi presenciada por várias pessoas que se encontravam na rua por ser noite de sábado de Carnaval.

28. Em consequência do ocorrido naquela noite de sábado de Carnaval a esposa do Dr. J..., falou com os filhos, contando-lhes o sucedido, e, cerca de um mês depois, foi para ….

29. Em Junho de 2006 a filha do Dr. J..., Drª …., advogada estagiária na Comarca …., e residente nesta cidade, após o jantar dirigiu-se, com o seu namorado …., e com um grupo de amigos do continente, para o local onde se situam a discoteca …, o Bar … e o Bar …, os quais se situam todos em seguida uns os outros no mesmo edifício, ao fundo da marginal … por baixo do parque …

30. Quando ia para entrar na discoteca …. como o porteiro não queria deixar entrar a Drª … e as pessoas que a acompanhavam, porque a discoteca se encontrava cheia e com imensas pessoas à porta à espera para entrar, a Drª … pediu ao porteiro que a deixasse entrar, arranjando a desculpa que era para ver se o pai se encontrava dentro da discoteca …, não dizendo ao porteiro

quem era o seu pai. 31. O porteiro deixou a Drª … entrar

sozinha, tendo a mesma entrado dentro da referida discoteca, saindo passados alguns minutos.

32. Quando vinha a sair da discoteca em direcção ao local onde se encontrava o seu namorado e o resto do grupo, estando de costas para a estrada e de frente para o Bar …, viu o seu pai, o Dr. J..., aproximar-se pelo lado esquerdo relativamente à Drª …, acompanhado da senhora com quem mantinha um relacionamento extraconjugal, vindo o pai com as mãos nos bolsos e a referida senhora com o braço metido no braço do pai.

33. A Drª …. ficou bastante incomodada, e dirigiu-se ao seu pai, e questionou-o se ele não tinha vergonha, que era uma falta de respeito, que toda a gente o conhecia, que sabia quem ele era.

34. Em seguida o Dr. J... afastou-se de imediato do local e a Drª … dirigiu-se para a referida mulher com a intenção de lhe bater, pois estava muito nervosa, incomodada e envergonhada com a situação, mas o seu namorado … impediu-a, tendo a referida senhora abandonado o local acompanhada do Dr. …, médico …., que se encontrava por perto e conhece o Dr. J..., costumando encontrar-se com ele à noite nos bares.

35. Depois desse episódio a Drª …., evita sair à noite, receando encontrar o pai, por ter vergonha, já que tal situação foi presenciada por várias pessoas, que estavam no local, à porta dos referidos bares e discoteca, incluindo o seu namorado e os amigos do continente.

36. Posteriormente à situação que ocorreu em Junho de 2006, a Drª … só voltou ao Bar …, passados uns meses, uma noite com um grupo de amigas suas de …

37. Nessa noite a Drª ... foi com as amigas ao Bar … e quando ia para entrar o porteiro, que era o mesmo que estava à porta da discoteca … em Junho de 2006, perguntou à Drª ...: “vai voltar a fazer o que fez no

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outro dia?” ao que esta respondeu: “se você visse a sua mulher com uma amante, que não é o caso, como é que reagiria?”, dizendo que não era o caso, porque a Drª ... é filha do Dr. J..., ao que o referido porteiro respondeu: “realmente tem razão”; e em seguida disse à Drª ...: “o seu pai não está aqui.”

38. A Drª ... concluiu que o referido porteiro conhece bem o seu pai há um tempo, e não obstante terem passados alguns meses, não se esqueceu do que se tinha passado em Junho 2006.

39. A partir de então a Drª ... evita sair à noite na cidade …, e quando sai à noite, fá-lo com o seu namorado e amigos de ambos, para fora d..., porque tem vergonha de encontrar o pai acompanhado da referida senhora de …..

40. O Dr. J... gosta de sair à noite ao sábado e ir a um bar onde exista conjunto musical, costumando frequentar o Bar …, que anteriormente se denominava …, e actualmente é o Bar …, que tinham conjunto musical, o Bar … e mais recentemente o Bar …, o que costuma fazer normalmente sozinho, muito embora nos referidos bares se encontre com outras pessoas suas conhecidas, designadamente o Dr. ….

41. No edifício …, onde reside o Dr. J..., reside igualmente o Ex.º Procurador da República Dr. …, numa casa de função no andar por baixo do andar onde reside o Dr. J..., bem como residem no mencionado edifício outras pessoas que não são Magistrados.

42. A partir do final do ano de 2004, princípios de 2005 o Dr. J... às sextas-feiras e sábados chegava a casa já de madrugada, pelas 5h (cinco), 6h (seis) da madrugada, e quase sempre vinha já com uns whiskys a mais, um pouco “bebido”, fazendo bastante barulho, falando alto, com a música do carro muito alta, acordando a vizinhança, batia à porta muitas vezes a pontapé e dizendo para a esposa, “abre a porta sua puta que a casa é minha”, bem como buzinava o

carro insistentemente, de tal modo que a vizinhança vinha à janela e dizia: “cala essa merda”, “olha é o Juiz” “isto é que é um juiz”.

43. De início a sua esposa chamava-lhe à atenção para tais comportamentos, sendo que o Dr. J... reagia mal e começava a atirar objectos da casa para o chão perturbando a vizinhança, designadamente o seu vizinho do 2º andar, o Exmº Procurador da República Dr. …. e a esposa, que ouviam o barulho, bem como perturbava os restantes vizinhos.

44. Daí que as pessoas que residiam no edifício se queixaram do barulho que se fazia sentir de noite ao administrador do edifício, designadamente porque o Dr. J... buzinava insistentemente, nomeadamente porque não encontrava o seu lugar de estacionamento no prédio disponível.

45. Numa dessas madrugadas, o Dr. J... tocou à campainha e começou a pontapear a porta dizendo em voz alta “abre a porta sua puta que a casa é minha”.

46. O Exmº Procurador Dr. …, seu vizinho do andar de baixo, do 2º…, sentiu-se incomodado, quer pelo barulho, quer porque a vizinhança acordou e veio à porta, quer para tentar acalmá-lo, foi ter com ele aconselhando-o a tomar outro comportamento.

47. Em seguida o Dr. J... saiu e o Dr. …. foi-se deitar e adormeceu. Passado algum tempo, nessa mesma madrugada, o Exmº Procurador Dr. …. voltou a acordar de novo com os pontapés e barulho, acabando a esposa do Dr. J... por abrir a porta ao seu marido, continuando a discussão dentro de casa do Dr. J..., em voz alta de tal modo que àquela hora – 5 (cinco) horas da manhã – estando tudo em sossego, quem quer que passasse na rua ouvia, assim como, tais pontapés e berros eram ouvidos pela vizinhança do prédio.

48. Estes comportamentos repetiam-se com frequência, sendo que uma delas ocorreu no início do ano de 2007, numa

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ocasião em que a esposa do Dr. J... veio a …. e ficou em sua casa.

49. Tais comportamentos acalmaram em Setembro de 2007.

50. Após a esposa do Dr. J... ter ido viver para o continente, o Dr. J... ficou a viver, na casa de função sita no Edifício …., em ..., com a sua filha, a Drª ... até esta ir viver com o seu namorado.

51. Em consequência do episódio que ocorreu em Junho de 2006 a sua filha Drª ... foi viver com o seu namorado … para casa dos pais deste, porque não se sentia bem a residir em casa do pai, só lá se deslocando esporadicamente.

52. A Drª …, na altura em que ocorreu o episódio de Junho de 2006, desligou-se do pai por causa da referida senhora de …, e porque considera que o seu pai tem uma má imagem em ..., sentindo muita vergonha e muita mágoa.

53. É do conhecimento público, designadamente de alguns colegas, quer da Magistratura Judicial, quer do Ministério Público, quer de alguns advogados, quer de alguns funcionários, que o Dr. J... tinha um relacionamento sentimental com uma senhora de ..., referindo-se à mesma senhora como sendo uma mulher com muito mau aspecto e muito desmazelada.

54. Quando o Exmº Procurador Dr. ... já se encontrava a exercer funções no Tribunal de Família e Menores d..., numa diligência que decorreu num Processo de Promoção e Protecção de Menores em Perigo, presidida pelo Dr. …., Juiz de Direito daquele Tribunal, este escreveu uma anotação num pequeno papel, ao Dr. ..., que participava na referida diligência, dizendo “sabes quem é? É a amante do Dr. J...”.

55. Há cerca de 2 ou três anos, quando estava a ocorrer um interrogatório de um arguido de ..., no Tribunal Judicial d..., encontrando-se a referida senhora com quem o Dr. J... mantinha um relacionamento extraconjugal, junto à entrada dos serviços do Ministério Público, uma pessoa de

identidade não apurada indicou à Mmª Juíza Drª …, que exerce funções no 3º Juízo Criminal d..., quem era a mulher com quem o Dr. J... mantinha o relacionamento extraconjugal, dizendo-lhe “esta é aquela do Dr. J...”, apontando à Drª … a referida senhora e dizendo-lhe que se tratava de uma mulher de “mau porte”, de ... e que era uma “prostituta”.

56. ….. é um meio pequeno onde toda a gente se conhece e designadamente os Magistrados são muito conhecidos, mesmo por pessoas que os próprios não conhecem.

57. Os Juízes e os Magistrados do Ministério Público estão muito expostos e não há lugar nenhum em que entrem, nomeadamente num restaurante, num café, num estabelecimento comercial, que não sejam identificados como Juízes ou Magistrados do Ministério Público.

58. O Dr. J... é uma pessoa conhecida em ..., sendo conhecido como Juiz da Comarca d....

59. A esposa do Dr. J... não voltou a viver em …. porque tinha vergonha das pessoas suas conhecidas, tendo voltado em Janeiro de 2008, data em que se reconciliou com o seu marido e voltou a viver com ele em ....

60. A quadra de Natal em ... é vivida de uma forma muito intensa.

61. O mês de Dezembro é o mês em que se festeja praticamente durante todo o mês, o Natal, sendo que o Natal é denominado em ... como ….

62. Neste espírito, celebram-se as missas …. sendo prolongado até ao dia de Reis

63. É um costume … todas as famílias organizarem festas de Natal … em casa umas das outras, para as quais convidam quer familiares, quer amigos, quer amigos dos amigos, colegas de escola, e outros grupos, festas estas que são organizadas não só por classes elevadas, mas também por classes mais desfavorecidas, tudo à sua respectiva dimensão.

64. As festas particulares da época

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natalícia, em ..., são espaços de convívio, onde por vezes há entrega de presentes, quando por qualquer motivo não há oportunidade de isso ser feito na Noite de Natal, principalmente em …. que são de descanso, quase como feriados, essas festas são um costume arreigado.

65. O Senhor …, pessoa que … chegou à situação pública de um dos maiores empresários da Região, homem hoje muito rico e com boa aceitação no meio, proprietário do denominado … vive desde há bastantes anos numa Quinta, ao cimo da Rua …, que comprou e recuperou, fazendo dela a sua mansão familiar.

66. O Senhor … costuma organizar anualmente uma festa de Natal, oito dias antes do Natal, em que convida cerca de quinhentas pessoas, organizada na sua Quinta.

67 Para essa festa são convidadas e nelas participam muitas pessoas das relações daquela família, designadamente, …., os Chefes das Repartições de Finanças d..., empresários, arquitectos, médicos, advogados, sendo também convidados alguns Juízes e Magistrados do Ministério Público, entre os quais o Dr. J... e esposa e filhos.

68. O Dr. J... participou nas mencionadas festas de Natal, acompanhado da esposa até ao ano de 2005, inclusive, deixando de se fazer acompanhar da esposa no ano de 2006, porque, entretanto, esta foi viver para o continente.

69.O Dr. J... é considerado pelos seus colegas, como uma pessoa com bom fundo, amigo do seu amigo, incapaz de fazer mal, bom colega, sempre prestável para ajudar os colegas, nomeadamente para intervir nos colectivos na Vara Mista, nos impedimentos dos colegas.

70. O Dr. J... é considerado pelas pessoas que com ele privam como uma pessoa muito educada, de bom trato, estimado, respeitador e respeitado.

A.1. MOTIVAÇÃO DE FACTOOs factos considerados provados resul-

tam da análise conjunta da seguinte pro-va:

- Declarações do DR. J... (fls. 55 a 58 e 85).

- Depoimentos de:M..., esposa do Dr. J... (fls. 11 a 15 e 86)…, filho do D. J……, filha do Dr.J……, Secretário de Justiça do Tribunal

Judicial da Comarca d... …. Juiz de Direito … …. Procurador da República …(…)…., gestor de créditos, administrador do

condomínio do Edifício ……., porteira do Edifico …(…)- Certificado de Registo Individual e Nota

biográfica (fls. 58-B a 58-F)

B. O DIREITOO Ex.º Juiz, na sua defesa, suscitou a

inconstitucionalidade do art. 82º do EMJ, no segmento atinente à incriminação feita na acusação, e arguiu várias nulidades, a par de outras inconstitucionalidades.

É sobre essas questões que nos debruçaremos inicialmente.

b.1. A inconstitucionalidade do art. 82º do EMJ

Dispõe o art. 82º do Estatuto dos Ma-gistrados Judiciais (EMJ) que “constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos ma-gistrados judiciais com violação dos deve-res profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensá-vel ao exercício das suas funções”.

A segunda parte da norma faz relevar no plano disciplinar os actos ou omissões da vida pública do magistrado, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignida-de indispensável ao exercício das suas fun-ções.

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Será que a fórmula aberta utilizada, dado o seu conteúdo impreciso, numa sociedade complexa onde coexistem vários códigos de moralidade positiva ou estética, permi-te uma inaceitável discricionariedade para sancionar condutas inespecíficas com a consequente impossibilidade de defesa dos visados?

Será que os factos relatados na acusa-ção, na medida em que dizem respeito à vida privada do magistrado, não podem ser integráveis na norma incriminatória do art. 82º do EMJ, sob pena de esta ser julgada inconstitucional?

Quanto à primeira questão, começare-mos por dizer que, de uma maneira geral, os conceitos disciplinares são indetermina-dos, reconduzindo-se o respectivo direito a esteriótipos que, exactamente por o serem, comportam uma vasta subsunção factual1.

É que a regra da tipicidade das infrac-ções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no nº 1 do artigo 29º da Consti-tuição, só vale, enquanto tal, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime, no domínio do direito disciplinar), as exi-gências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas2.

Assim, a doutrina e a jurisprudência con-vergem no sentido de considerar que pode normalmente ser qualificada como infrac-ção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica. É, pois, disciplinarmente ilícita qualquer con-duta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as cir-cunstâncias concretas da sua posição de actuação3.

1 Orlando Afonso, “Poder Judicial – Independên-cia in Dependência”, pág. 151.2 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 664/94, DR II Série, de 24.02.1995. 3 Marcello Caetano, “Manual de Direito Adminis-trativo”, II Vol., 9ª edição, págs. 810 e seguintes.

A circunstância de o preceito do art. 82º do EMJ apelar a conceitos indeterminados não significa ausência de critérios de de-cisão (até porque os elementos objectivos do tipo estão suficientemente previstos), ou insindicabilidade judicial desses crité-rios. Significa apenas que a lei confere ao aplicador do direito uma certa margem de manobra no preenchimento desses crité-rios, precisamente porque reconhece que é impossível elencar exaustivamente os comportamentos públicos susceptíveis de afrontar a dignidade da magistratura.

Nesta esteira, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 481/01 (DR II Série, de 25-1-02), já decidiu não julgar inconstitucional a norma contida na segunda parte, do aludido art. 82 do E.M.J., com fundamento em que neste preceito “existem claros parâmetros a respeitar, aquando da aplicação de uma pena disciplinar, e que é notória a sua objectividade. Ainda que seja necessário preencher conceitos indeterminados, como vida pública ou dignidade indispensável ao exercício da função de magistrado, a verdade é que são esses e não outros quaisquer conceitos indeterminados a preencher”4.

Relativamente à segunda questão, o Ex.º Juiz invoca os arts. 13º (princípio da igualdade), 18º (força jurídica dos precei-tos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias) e 26º, n.º 1, (outros direitos pessoais) da Constituição da Repú-blica Portuguesa para impedir a aplicação do art. 82º do EMJ.

Ora, o art. 26º, n.º 1, da Constituição consagra o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capa-cidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (sublinhado nosso).

4 Acórdão do STJ de 31.03.2004, no processo n.º 03A1891, em www.dgsi.pt.

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A dignidade da natureza de cada homem, outorga-lhe autonomia não apenas física mas também moral, particularmente na condução da sua vida, na auto-atribuição de fins a si mesmo, na eleição, criação e as-sunção da sua escala de valores, na prática dos seus actos, na reavaliação dos mesmos e na recondução do seu comportamento5.

É nisto que se traduz a reserva do ser particular e da vida privada de cada indiví-duo, abrangendo, na sua expressão mais tí-pica, a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual.

Mas não se pense que o direito à intimi-dade da reserva da vida privada é absoluto, no sentido de não conter restrições, mais ou menos amplas, por força da afirmação de outros direitos ou interesses juridica-mente mais relevantes.

Na verdade, a amplidão da referida tute-la constitucional não é incompatível com a existência de diversos círculos concêntri-cos de reserva, dotados de maior ou menor eficácia jurídica, particularmente de garan-tias mais ou menos profundas6. O grau e o modo do dever de resguardo sobre a intimi-dade da vida privada de outrem estão de-pendentes da natureza do caso, ou seja, da justa identificação, avaliação e ponderação do conjunto dos bens ou interesses juridica-mente relevantes na concreta situação ou relação jurídica de personalidade.

Como refere Capelo de Sousa7, particu-larmente relevante é a condição das pes-soas intervenientes na situação concreta, ou seja, a veste ou o circunstancialismo sócio-individual objectivo em que as pesso-as agem, como será o caso de determinada personalidade desempenhar uma função ou um papel público, agindo em circuns-tâncias da sua vida pública ou praticando actos com repercussões nos interesses da coisa pública (res publica).

5 Capelo de Sousa, “O Direito Geral de Persona-lidade”, pág. 317.6 Adriano de Cupis, “I Diritti della Personalità”, págs. 384 e seguintes.7 Ob. Cit, pág. 326, anotação 824.

Não pode desconhecer-se, neste contex-to, que o papel judicial, na forma em que tradicionalmente é concebido, impõe aos seus actores um acréscimo de rigor e de auto-controlo geralmente maior ao do co-mum dos cidadãos8.

Por isso, as razões que se invocam para proibir aos juízes certas condutas que a um cidadão comum seriam claramente per-mitidas deve-se ao facto de tais condutas diminuírem, desde logo do ponto de vista social, o respeito pelos órgãos de justiça que o conjunto da população deve guardar em toda a sociedade organizada, qualquer que seja o regime político e social que esta adopte. Assume-se, deste modo, que o comportamento impróprio de um juiz é transferível para o conjunto da judicatura e que a percepção de um caso particular gera, ou permite gerar, uma generalização a todos os juízes9.

A contracção do direito à reserva da in-timidade da vida privada e familiar, na ex-pressão normativa do art. 82º do EMJ, ajus-ta-se à necessidade de garantir a dignidade da função de julgar. De facto, é comum afir-mar-se que não basta que os juízes sejam independentes, imparciais, competentes e honoráveis, mas também, tal como a mu-lher de César, assim o devam parecer.

Como flui do que já se deixou dito, a aparência de justiça das decisões judiciais é importante para gerar confiança dos ci-dadãos no sistema de justiça e para desse modo contribuir para a estabilidade do sis-tema jurídico e político10.

Por conseguinte, e em conclusão, não se nos suscita qualquer dúvida sobre a consti-tucionalidade do art. 82º do EMJ.

b.2.As Nulidades (e algumas inconstitu-cionalidades)

8 Perfecto Ibañez, “Justitia/Conflicto”, edição de 1988, pág. 262.9 Jorge Malem Seña, “Revista Julgar”, págs. 31

e seguintes.1� Jorge Malem Seña, ob. cit.

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No articulado da defesa, o Ex.º Juiz “ati-ra” com várias nulidades.

A primeira nulidade é dirigida à delibera-ção do Plenário Ordinário de 16.07.2007.

Diz o Ex.º Juiz que essa deliberação do CSM, ao determinar a realização de “averi-guações mais aprofundadas e fundamenta-das”, permitiu a invasão da reserva da sua vida íntima e familiar do Ex.º Juiz visado, violando assim o disposto nos arts. 13º, 18º e 26º, n.º 1, da Constituição.

Consequentemente – sustenta o Ex.º Juiz – tal deliberação é nula.

O art. 131º do EMJ manda aplicar sub-sidiariamente, em matéria disciplinar, as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcio-nários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante designado por ED), aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Ja-neiro.

O art. 85º do ED, que dá início à regu-lamentação do processamento dos autos de inquérito e sindicância, reporta-se ain-da a uma forma processual não existente no ordenamento anterior: o processo de averiguações. Com efeito, o n.º 5 desse preceito prevê a realização de processo de averiguações com a finalidade de se ob-terem elementos necessários à adequada qualificação de eventuais faltas ou irregu-laridades.

Como resulta do disposto no n.º 3 do art. 88º do ED, o instrutor do processo de averiguações, findo o prazo fixado no n.º 2, pode propor o arquivamento do processo, a instauração de processo de inquérito (se, verificada a infracção, não estiver ainda identificado o seu autor), ou a instauração de processo disciplinar.

Perante os factos constantes da missiva dirigida pela esposa do Ex.º Juiz, o CSM, órgão a quem cabe o exercício da acção disciplinar relativamente aos magistrados judiciais (art. 217º, n.º 1, da Constituição e art. 149º, al. a), do EMJ), ordenou a realiza-ção de averiguações mais aprofundadas e fundamentadas, já que as levadas a efeito

na sequência de anterior deliberação de 15.05.2007 (às quais voltaremos de segui-da) não se afiguraram esclarecedoras.

O CSM, ao emitir a deliberação de 16.07.2007, limitou-se, portanto, a exercer as suas competências, no âmbito da discri-cionariedade administrativa de que goza.

Sobre a alegada violação do direito cons-titucional da reserva da intimidade da vida privada e familiar, decorrente dessa delibe-ração, remetemos para o que escrevemos no ponto anterior.

A segunda nulidade invocada, agora di-rigida à deliberação de 15.05.2007, funda-se na mesma argumentação, valendo aqui, mutatis mutandis, o que já referenciámos.

Não existe nenhum “mistério” no facto de haver duas deliberações. Foi a insuficiência dos elementos recolhidos nas averiguações ordenadas em 15.05.2007 que provocou a emissão de nova deliberação no sentido de que as averiguações fossem “mais apro-fundadas e fundamentadas”.

A terceira nulidade incide sobre a averi-guação sumária, incorporada a fls. 13 e 14 dos autos, em resultado da deliberação de 15.05.2005 que mandou proceder a uma “averiguação discreta e sumária” sobre eventuais dados da vida privada do Ex.º Juiz susceptíveis de se poderem repercutir na sua vida pública de forma incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. Segundo o Ex.º Juiz, esta nulidade radica na circunstância de o CSM não ter competência para ordenar “averi-guações discretas e sumárias”, uma vez que as suas competências são apenas as que constam do art. 149º do EMJ.

Mais uma vez, não assiste razão ao Ex.º Juiz.

De facto, e como já se disse, o art. 149º do EMJ comete ao CSM o poder de exercer a acção disciplinar contra magistrados judi-ciais. Para o exercício desse poder discricio-nário o CSM é livre de escolher o procedi-mento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público

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protegido pela norma que o confere. Neste conspecto, pode o CSM ordenar a realiza-ção de processo de averiguações, que con-siste numa investigação expedita, sumária e despida de solenidade especial, com vis-ta à recolha de elementos que permitam a qualificação de faltas ou irregularidades eventualmente ocorridas nos serviços.

Foi o que sucedeu no caso concreto. O re-sultado dessa investigação sumária consta do curto relatório elaborado pela Ex.ª Ins-pectora Judicial a fls. 13/14.

Também não é verdade que tenha sido preterido o direito de audiência e defesa do Ex.º Juiz.

O que importa para assegurar o direito de audiência e defesa consagrado no art. 32º, n.º 10, da CRP é que ao arguido haja sido propiciado, com oportunidade, ou seja antes da prolação do acto sancionatório, o ensejo de organizar uma defesa completa e eficaz e a coberto de quaisquer surpresas. Tendo sido instaurado mero processo de averiguações, não haverá que seguir neste a tramitação própria de um verdadeiro pro-cesso disciplinar com audiência prévia do suspeito e/ou dedução de uma acusação em termos formais, a que se siga também obrigatoriamente uma fase da defesa es-crita, já que tramitação formal solene e ro-deada das necessárias garantias de defesa se encontra reservada para o processo dis-ciplinar a instaurar ulteriormente, uma vez identificados os prováveis comportamentos censuráveis11.

Na sequência das averiguações reali-zadas, a Ex.ª Inspectora propôs a instau-ração de processo disciplinar, proposta que foi acolhida pelo Plenário do CSM em 27.11.2007 (cfr. fls. 77).

No processo disciplinar o Ex.º Juiz foi ou-vido sobre todas as incidências da instru-ção e foram-lhe concedidas todas as possi-bilidades de defesa, que aliás exerceu.

11 Acórdão do STA de 17.12.1997, no processo n.º 030355, em www.dgsi.pt.

À suposta inconstitucionalidade do art. 111º do EMJ, aludida en passant no art. 66º da defesa, responde-se também bre-vemente: a competência conferida ao CSM para instaurar procedimento disciplinar não se confunde com a necessidade de, previa-mente, se recolherem elementos para a qualificação de faltas ou irregularidades co-metidas nos serviços, através do processo de averiguações. A competência atribuída ao CSM pelo art. 149º, al. a), do EMJ para exercer a acção disciplinar, emanando do comando constitucional do art. 217º, n.º 1, dá integral cobertura legal ao uso desse processo, sempre que o mesmo se mostre ajustado à realização do interesse público.

A quarta nulidade tem como alvo a acu-sação.

Segundo o Ex.º Juiz a acusação é vaga e imprecisa, tornando impossível a sua de-fesa. Diz também que não se encontram especificadas as infracções alegadamente cometidas. Por isso – remata – a acusação é nula, por violar o disposto no art. 117º, n.º 1, do EMJ, o que constitui nulidade in-suprível nos termos do art. 124º, n.º 1, do mesmo diploma.

Vejamos:O que o art. 117º, n.º 1, do EMJ estabelece

é que, concluída a instrução e junto o regis-to disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os precei-tos legais no caso aplicáveis.

Ora, se há coisa que não pode ser apon-tada à acusação é que ela seja vaga e/ou imprecisa. Os factos estão individualizados e descritos de forma minuciosa, com enun-ciação das circunstâncias de tempo, lugar e modo, permitindo a compreensão cabal do âmbito, sentido e alcance dos seus ter-mos.

Os factos narrados na acusação, rele-

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vam, segundo a Ex.º Inspectora, no plano disciplinar e daí a sua proposta de sancio-namento com a pena de transferência.

O Ex.º Juiz percebeu bem todos os ter-mos da acusação, rebatendo-os, ponto por ponto, concluindo até, logo no início da sua defesa (cfr. fls.122), pela “irrelevância dis-ciplinar das imputações acusatórias”.

Conforme entendimento há muito con-solidado na jurisprudência, não existe nu-lidade insuprível, por falta de audiência, independentemente de alguma deficiên-cia narrativa e/ou de particularização, se a acusação, não sendo embora uma peça modelar (o que nem é o caso), satisfaz o mínimo indispensável à vinculação temáti-ca da autoridade decidente e o arguido dá mostras de ter entendido o respectivo sen-tido e alcance, podendo defender-se dela sem limitações12.

A esta luz, surge-nos igualmente despro-positada, salvo o devido respeito, a invo-cação da inconstitucionalidade material do art. 117º, n.º 1, do EMJ.

b.3.O Mérito

A infracção disciplinar consiste no con-creto desrespeito de um dever (geral ou especial) atribuível à função exercida e pressupõe uma conduta voluntária (activa ou omissiva) e censurável, seja a título de dolo ou de negligência.

Constituem elementos objectivos do tipo de ilícito previsto no art. 82º, do EMJ:

- Os actos violadores dos deveres profis-sionais dos magistrados judiciais, estando estes elencados no próprio E.M.J. e, por re-missão do seu art. 131º, no estatuto disci-plinar dos funcionários e agentes da Admi-nistração;

- Os actos ou omissões da vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício da função.

12 Acórdão do STA de 17.01.2007, no processo n.º 820/06, em www.dgsi.pt.

É nesta última dimensão normativa que se integram alguns dos factos descritos na acusação.

O uso de conceitos indeterminados na norma em análise (vida pública, dignida-de indispensável ao exercício da função), como em muitas outras do direito discipli-nar, permite abranger uma multiplicidade de condutas censuráveis que, a existirem maiores exigências do princípio da tipicida-de, poderiam ficar de fora e deixar impunes muitas outras condutas disciplinarmente relevantes. Obviamente que a utilização de fórmulas abertas comporta um maior risco e diminuição de garantias para o magistra-do inculpado, mas, como já tivemos oportu-nidade de referir, os elementos objectivos do tipo legal do art. 82º do EMJ estão sufi-cientemente definidos e previstos.

Passemos, agora, à apreciação dos fac-tos.

Como salienta a Ex.ª Inspectora (cfr. fls. 59 a 67), “ … face ao ordenamento jurídi-co-constitucional português, a imputação de qualquer facto relativo à vida íntima e familiar, não pode, por si só, constituir fun-damento de processo disciplinar a qualquer magistrado judicial, como decorre dos arts. 13º, 18º e 26º, nº1, da Constituição da Re-pública Portuguesa, interpretadas no senti-do de obstarem a qualquer discriminação, designadamente ao nível profissional ou de carreira”.

Mas se os factos relativos à vida íntima e familiar do magistrado se repercutirem na sua vida pública e se, por outro lado, se re-velarem incompatíveis com a dignidade in-dispensável ao exercício das suas funções, então estaremos perante uma infracção disciplinar.

Até ao artigo 17º do libelo acusatório vem descrita a intervenção do Ex.º Juiz no corte-jo alegórico do Carnaval …., que constitui – como é consabido – um evento importante de grande relevância social e turística ….

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Esse cortejo é transmitido em directo na RTP … e os jornais … noticiam amplamente esse evento, publicando, designadamente, fotografias dos participantes.

Admite-se, em abstracto, que a participa-ção de um magistrado judicial num cortejo carnavalesco é susceptível de suscitar na opinião uma certa dose de crítica, muito por culpa do cariz extravagante e da enor-me folia que andam associados ao evento.

Todavia, o que é considerado impróprio em determinado lugar e momento pode não o ser em lugares e momentos diferen-tes.

O cortejo alegórico do Carnaval … é um momento único, nele participando, a con-vite dos organizadores, as personalidades com mais preponderância social e política. Não se vê que a participação do Ex.º Juiz nesse cortejo, a par de outras figuras com relevo na sociedade e na política locais, seja imprópria ou desprestigiante para a magistratura judicial. A própria população encara com naturalidade essa participação (cfr. ponto 14.) Melhor seria, de facto, se o Mmº Juiz se abstivesse de qualquer inter-venção. Mas, na específica e única ambi-ência desse evento, a sua intervenção não coloca minimamente em causa a imagem e dignidade da justiça e o prestígio dos que nela operam.

Diferente é a avaliação dos factos narra-dos nos pontos 18. a 39.

Conta-se aí a relação adúltera do Ex.º Juiz com uma senhora de ..., mantida desde o início de 2000 até, pelo menos, Maio de 2007. Essa relação, que é do conhecimento público, designadamente de alguns colegas do Ex.º Juiz, de advogados e funcionários (cfr. ponto 53.), deu origem a um episódio de confronto conjugal na via pública, a que assistiram vários populares (cfr. pontos 22. a 27.), e também a um incidente entre o Ex.º Juiz e a sua filha …, nas imediações de um bar da cidade (cfr. pontos 32. a 34.).

O Ex.º Juiz, fazendo-se acompanhar em público dessa senhora, num meio pequeno e onde todos se conhecem (cfr. 56.), expõe desse modo uma vertente do seu compor-tamento que não se coaduna com a ima-gem de rectidão e aprumo que se exige de um juiz.

Igualmente censurável é o que vem rela-tado nos pontos 42. a 49.

A partir do final do ano de 2004, princí-pios de 2005, o Ex.º Juiz, às sextas-feiras e sábados, chegava a casa já de madrugada e bem bebido, fazendo bastante barulho, falando alto e com a música do carro muito alta, acordando a vizinhança e buzinando o carro insistentemente. O barulho era de tal ordem que a vizinhança vinha à janela e dizia: “Cala essa merda!”; “Olha! É o juiz!”; “Isto é que é um juiz!”. Além disso, batia muitas vezes à porta e dizia para a espo-sa “Abre a porta, sua puta, que a casa é minha!”. Estes comportamentos, que per-turbavam a vizinhança, repetiram-se com frequência e só acalmaram em Setembro de 2007.

Evidentemente que estes comportamen-tos são impróprios de um juiz e mostram-se incompatíveis com a dignidade indispensá-vel ao exercício das suas funções.

No que concerne aos demais factos cons-tantes da acusação, nomeadamente os que aludem à participação do Ex.º Juiz em con-vívios e festas para os quais é convidado (cfr. pontos 60. a 68.), nada emerge com relevo disciplinar.

Os Tribunais são órgãos de soberania (art. 110º, nº1, da CRP), sendo que o exer-cício da judicatura constitui uma das tare-fas fundamentais e de soberania do Estado de Direito Democrático – cfr. arts. 9º, al. b), e 202º, n.º 1, da CRP

Ao juiz, enquanto titular do órgão de so-berania Tribunais, impõe-se que adopte a sua conduta pública e privada à dignidade

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indispensável ao exercício das suas fun-ções.

Isto não significa a aceitação do perfil do juiz vigente noutras épocas não muito dis-tantes.

Num discurso proferido em 28.05.1955, o Professor Antunes Varela, então investido nas funções de Ministro da Justiça, referiu que o magistrado tem de esforçar-se por ser o espelho das virtudes que, por delegação embora do Direito, a todo o momento exi-ge dos outros13. Essa concepção do modelo do juiz, puro, asséptico e sacerdotalmente devotado à profissão, está definitivamente ultrapassada.

Contudo, não pode admitir-se, em consci-ência, que os juízes não tenham de obser-var mais contenção nos seus actos da vida pública e privada, de forma a transmitirem uma imagem de equidade, objectividade e imparcialidade.

Porque decidem da honra e do bom nome, da fazenda e da liberdade das pes-soas, dando cumprimento à tutela judiciária desses valores fundamentais, os juízes são naturalmente obrigados a uma discrição de hábitos, em público, que não comprometa a credibililidade e a confiança que neles de-positam os cidadãos, em nome dos quais e para os quais administram justiça14.

Isto também porque o juízo de reprova-ção que as condenações têm perde força motivante nos casos em que o juiz efectua as mesmas acções que depois sanciona nas suas sentenças.

O Ex.º Juiz J…, ao praticar publicamente os actos descritos nos pontos 18. a 39. e 42. a 49., colocou flagrantemente em cau-sa valores inerentes à salvaguarda da con-fiança na judicatura, infringindo o disposto no art. 82º do EMJ.

13 BMJ, n.º 51, págs. 8/9.14 Acórdão do STJ de 01.07.2003, relatado por Neves Ribeiro, em www.dgsi.pt. Cfr. ainda Acór-dão do STJ de 11.02.2003, relatado por Ribeiro Coelho, CJSTJ, Ano 2003, Tomo 1, págs. 5 a 8.

Efectuado o enquadramento jurídico dis-ciplinar dos factos, há que determinar a na-tureza e medida da pena a aplicar, tendo presente o princípio da unidade sancionató-ria (art. 14º, nº 1, do ED) e, por outra lado, os elementos ínsitos no art. 96º do EMJ, ou seja, a gravidade do facto, a culpa do agen-te, a sua personalidade e as circunstâncias que deponham a seu favor ou contra.

Há também que ter-se em consideração, na aplicação das penas disciplinares, os princípios da igualdade, da proporciona-lidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé - art. 266, nº2, da Constituição.

As penas aplicáveis em processo discipli-nar envolvem, segundo a sua escala cres-cente de gravidade, a advertência, a multa, a transferência, a suspensão de exercício, a inactividade, a aposentação compulsiva e a demissão – art. 85º, n.º 1, als. a) a g) do EMJ.

A pena de advertência é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo – art. 91º do EMJ.

A pena de multa é aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumpri-mento dos deveres do cargo – art. 92º do EMJ.

A pena de transferência é aplicável a in-fracções que impliquem a quebra do prestí-gio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções – art. 93º do EMJ.

As penas de suspensão de exercício e de inactividade são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ou quando o magistrado for condenado em pena de prisão, salvo se a condenação apli-car pena de demissão – art. 94º do EMJ.

Finalmente, as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado revele definitiva in-capacidade de adaptação às exigências da

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função, falta de honestidade ou conduta imoral ou desonrosa, ou inaptidão profis-sional. Estas penas são também aplicáveis quando o magistrado tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes – art. 95º, n.º 1, do EMJ.

A pena proposta pela Ex.ª Inspectora é a de transferência, que consiste na colocação do magistrado em cargo da mesma cate-goria fora da área de jurisdição do tribunal ou serviço em que anteriormente exercia funções – art. 88º do EMJ.

Cremos ser esta a pena disciplinar que melhor responde às especificidades do caso concreto, mormente no que concerne à gravidade dos factos praticados, à culpa acentuada do Ex.º Juiz, à sua personalidade e ao conjunto de circunstâncias que jogam a seu favor (cfr. pontos 69., 70.), destacan-do-se, neste particular, o facto de durante a sua carreira de cerca de 26 anos de serviço efectivo na judicatura não ter sofrido qual-quer condenação disciplinar.

Efectivamente, retirando-se o Ex.º Juiz do meio onde prevaricou e no qual perma-nece há mais de 20 anos (o que, inelutavel-mente provocou a quebra do seu prestígio como magistrado no meio em que exerce funções) conseguir-se-á evitar a produção de maiores danos na imagem da justiça e nos índices de confiança e de credibilidade dos que a ela recorrem.

DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acor-dam os membros do Permanente do Conse-lho Superior da Magistratura em aplicar ao Ex.º Juiz de Direito Dr. J…. a pena de trans-ferência, por infracção ao disposto no art. 82º do EMJ.

[Relator: Vogal Dr. Henrique Araújo]

7.Acórdão Disciplinar

Violação dos deveres de zelo e de criação no público de confiança

na administração da justiça

Acordam no Plenário do Conselho Superior da Magistratura:

I. RELATÓRIO Na sequência de deliberação do Conselho

Permanente do CSM, de 25.09.2007, foi convertido em processo disciplinar o inquérito realizado ao Ex.º Dr. A..., Juiz de Direito no Tribunal Judicial da Comarca de ....

Realizada a instrução, foi deduzida acusação, nos termos que constam de fls. 283 e seguintes, tendo sido imputada ao Ex.º Juiz a prática de infracção aos deveres de zelo e de criar no público confiança na administração da justiça, com previsão no artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) e no artigo 3.º, nºs 3, 4, alínea b), e 6 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (DL 24/84, de 16 de Janeiro).

Notificado da acusação contra si deduzida, o Ex.º Juiz A... apresentou a sua defesa (fls. 300 e seguintes), onde, em síntese:

- Arguiu a nulidade insuprível do processo, por não ter podido exercer cabalmente o direito de defesa, nomeadamente na fase do inquérito;

- Se insurgiu contra a audição informal de funcionários do Tribunal Judicial de ... e do Ex. Procurador da República junto do Círculo de ...;

- Considerou haver contradição insanável entre a fundamentação do relatório do inquérito e da acusação; e

- Teceu comentários acerca dos artigos da acusação, ora contrariando-os, ora

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

aceitando-os, ora dando-lhes a sua própria interpretação.

Juntou ainda prova documental e arrolou duas testemunhas.

No Plenário Extraordinário de 27.11.2007 foi deliberado aditar ao processo disciplinar o expediente remetido pelo Ex.º Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa relativo à falta de interrogatório de arguido preso pelo Ex.º Juiz A..., no dia 12.07.2007, na comarca de ....

A fls. 604/605, o Ex.º Juiz opôs-se ao aditamento da matéria constante daquele expediente, não deixando de referir que nunca teve conhecimento do teor do ofício 3109/1ª AS/06.1 do Tribunal da Relação de Lisboa.

O Ex.º Inspector Judicial aditou à acusação alguns factos relativos a esse aditamento e comunicou essa alteração ao Ex.º Juiz A... para este, querendo, se pronunciar, nos termos do arts. 303º, n.º 1, e 1º, n.º 1, do CPP, aplicável por força do art. 131º do EMJ.

A fls. 611 e seguintes, o Ex.º Juiz A..., além de impugnar os factos em questão, ainda referiu o seguinte:

- O citado “aditamento” não é admissível, sob pena de estarmos perante uma nulidade nos termos do art. 124º, nºs 1 e 2, do EMJ;

- Mesmo que se admita tal aditamento, o mesmo terá que ser considerado como acusação e, como tal, deverá obedecer aos requisitos do art. 117º, n.º 1, do EMJ, entre os quais avulta a indicação dos preceitos legais aplicáveis; como do aludido expediente não consta tal menção, estamos perante mais uma nulidade da previsão do art. 124º, nºs 1 e 2, do EMJ;

- O prazo para a defesa deveria ser fixado entre 10 e 30 dias – art. 118º, n.º 1, do EMJ;

- De qualquer modo, ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar no que concerne aos factos constantes do expediente remetido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

No relatório final, o Ex.º Inspector Judicial eliminou os arts. 39º e 40º da acusação, alterou os arts. 22º e 23º, acrescentou os arts. 23º-A, 23º-B, 40º-A, 40º-B, 40º-C e 40º-D e modificou os parágrafos 5º e 6º de fls. 608, relativos à matéria anteriormente aditada à acusação.

No mais, manteve a factualidade descrita na acusação e no aditamento, propondo que ao Ex.º Juiz seja aplicada a pena de multa de 15 dias, pela violação dos deveres acima referenciados.

Por acórdão do Conselho Permanente de 18/11/2008, a fls. 662 e ss., foram conhecidas as questões suscitadas pelo Sr. Juiz, ( a) Nulidade insuprível do processo; b) Não formalização das tomadas de depoimentos a vários funcionários; c) Contradição insanável entre a fundamentação do relatório do inquérito e da acusação; d) Inadmissibilidade do aditamento à acusação; e) Inobservância do art. 117º, n.º 1, do EMJ, no tocante ao aditamento; f) Prazo para a defesa; g) Prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos aditados;), e foi apreciada a sua responsabilidade disciplinar em função dos factos que subsistiram como devendo ter-se por provados e disciplinarmente relevantes (dois grupos de factos, de entre os quatro inscritos na acusação.

A final, foi considerado que o Sr. Juiz cometeu uma infracção disciplinar, consubstanciada por violação do dever de zelo e de criação, no público, de confiança na administração da justiça, pelo que lhe foi aplicada uma pena de 10 dias de multa.

Não se conformando com tal deliberação, o Sr. Juiz veio reclamar, repetindo alguns argumentos e expondo novas razões.

Nos termos do art. 167-A. do E.M.J., a reclamação devolve ao plenário do Conselho Superior da Magistratura a competência para decidir definitivamente, nesta sede.

Porém, tendo esta intervenção do Plenário por base a deliberação reclamada, abandonar-se-ão desde já os factos que,

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nos termos desta, perderam relevância disciplinar, quer por não a terem, quer por ter sido considerada prescrita a inerente responsabilidade. Estão nessas condições os factos anteriormente elencados sob os nºs 2 a 17, 28º a 38º, 39º e 40º.

Não havendo qualquer fundamento para se alterar a deliberação do Permanente, pelo menos nessa parte, tais factos – constantes do acórdão a fls. 662 e ss. – já nem constarão dos que infra se descrevem.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) Face à prova produzida e documentada nos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

Está provado que:1. O Ex.º Juiz arguido iniciou funções

na Magistratura Judicial em Setembro de 2000, quando foi nomeado juiz de direito em regime de estágio na comarca de … (DR 214, de 14.09.00). Subsequentemente, foi colocado na comarca de …, como auxiliar (deliberação de 23.01.01, DR 26, de 31.01.01), na comarca de … (deliberação de 09.07.01, DR 214, de 14.09.01) e na comarca de ... (deliberação de 09.07.02, DR de 14.09.02).

2. a 17. (excluídos como referido supra)18. Corre seus termos no Tribunal Judicial

de ... o processo comum colectivo n.º 110/03, relativo ao crime de tráfico de estupefacientes, em que é arguido …., residente no …, que tem como mandatária a Ex.ª Srª Drª. S.., com domicílio profissional na mesma cidade.

As testemunhas arroladas eram mais de duas dezenas, parte delas a inquirir por videoconferência, por residirem em território do Continente.

19. A audiência de julgamento, em que não interviria o Ex.º Juiz de ..., por ter presidido ao debate instrutório e ter proferido despacho de pronúncia, foi designada para os dias 1 e 22 de Março

de 2007, pelas 09H30, dias destinados, habitualmente, às diligências dos Exºs Juízes de Círculo.

Devido à falta da Ex.ª advogada do arguido na data agendada, foi nomeado defensor ao arguido, que requereu tempo para consultar o processo. O julgamento reiniciou-se às 14 horas, tendo sido inquiridas nove testemunhas, após o que foi suspenso, para continuar na segunda data.

20. Nesse dia (22.03.07), já com a presença do arguido (o qual faltara no dia 1) e da sua ilustre mandatária, procedeu-se à audição daquele, depois do que, sendo cerca de 12 horas, foi a audiência suspensa, para continuar no dia 19 de Abril, pelas 09H30, por estarem marcados dois outros julgamentos, um deles com arguido preso, este para o período da tarde e o outro, ainda, para a parte da manhã.

21. No dia 19 de Abril foram ouvidas duas testemunhas no período da manhã, suspendendo-se a audiência às 13H15, para continuar às 14H30, com a inquirição por teleconferência, previamente agendada, de nove testemunhas, uma a partir de … e as restantes de …, e de outras três residentes na Ilha, uma delas detida no Estabelecimento Prisional de ... e, por isso, acompanhada de escolta, e outra presente em consequência da emissão de mandados de detenção para comparência.

22. Quando o colectivo pretendia reiniciar os trabalhos, foi informado que o Ex.º Juiz de ... necessitava da sala de audiências para realizar primeiro interrogatório de arguidos detidos, que lhe haviam sido, entretanto, apresentados.

Tendo sido referido ao Ex.º Juiz que os interrogatórios poderiam ser realizados no respectivo gabinete ou na biblioteca do Tribunal, respondeu que nenhum desses espaços dispunha de computador e que, na comarca, os primeiros interrogatórios de arguidos detidos sempre se haviam realizado na sala de audiências.

Contencioso

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162 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Em face da posição do Ex.º Juiz de ..., a Ex.ª Juiz presidente do tribunal colectivo adiou o julgamento para o dia seguinte, pelas 09H30.

23. O Ex.º Juiz de ... procedeu, efectivamente, ao primeiro interrogatório de dois arguidos detidos, no âmbito dos inquéritos 160/07 e 154/07, constando das respectivas actas que o primeiro se iniciou pelas 14h35 e terminou pelas 15h50 e que o segundo se iniciou pelas 16h00 e terminou pelas 16h50.

23-A. O Ex.º Juiz arguido nunca realizou interrogatórios judiciais de arguidos detidos no respectivo gabinete nem na biblioteca do tribunal.

23-B. A distância que vai da secretária do gabinete do Ex.º Juiz até à parede em frente não ultrapassa um metro e oitenta centímetros.

24. No dia 20 de Abril, foi possível ouvir, apenas, cinco das testemunhas a inquirir por videoconferência (a residente em Lisboa e quatro das residentes em ...), devido ao facto de o Tribunal de ... só disponibilizar aquele sistema no período de tempo compreendido entre as 12H30 e as 14H00 (hora dos Açores). A continuação da audiência foi designada para o dia 3 de Maio, pelas 14 horas, data para a qual o Tribunal de ... disponibilizou, de novo, a videoconferência.

Foram, então, inquiridas as quatro testemunhas em falta e produzidas as alegações finais, tendo sido agendado o dia 24 do mesmo mês, pelas 14H30, para a leitura do acórdão.

25. Cada deslocação do arguido e da sua mandatária à Ilha … acarretava um custo de € 813,88.

O Ex.º Juiz de ... não deu explicação alguma aos intervenientes no processo comum colectivo 110/03, nomeadamente à Ex.ª mandatária do arguido, sobre a ocupação da sala de audiências. Os pertences pessoais desta – processo, mala de viagem e toga – que se achavam na sala

de audiências, em vista da continuação do julgamento, foram-lhe entregues por uma senhora funcionária, que ali os foi recolher.

26. O Tribunal de ... dispõe de uma biblioteca, localizada entre o gabinete do Ex.º Juiz e a sala de audiências.

27. O Ex.º Juiz arguido conhecia bem o processo em questão, sabendo, designadamente, que o arguido e sua mandatária tinham domicílio em Portugal Continental e que estava agendada, para a tarde do dia 19 de Abril de 2007, a inquirição, por teleconferência, de diversas testemunhas residentes, igualmente, no Continente.

28. a 38. (excluídos como referido supra)39. e 40. (excluídos como referido supra)40-A. Nos anos de 2005, 2006 e 2007,

o Ex.º Juiz do Tribunal … realizou alguns julgamentos no Tribunal Judicial de ..., mediante prévio acordo do ora arguido.

40-B. A maior parte deles dizia respeito a factos ocorridos na área da comarca de ....

40-C. Os Ex.ºs Juízes de ..., quando contactados pelo Ex.º Juiz do aludido Tribunal …, com vista à disponibilização da sala de audiências, informaram haver dificuldades nas marcações, pelo facto de só existir uma sala de audiências.

40-D. O Ex.º Juiz arguido não tem antecedentes disciplinares registados – cfr. fls. 195.

41. Ao agir pelo modo que ficou descrito, impedindo que o Tribunal Colectivo prosseguisse o julgamento no processo comum colectivo 110/03, o Ex.º Juiz arguido causou prejuízos aos respectivos sujeitos e intervenientes processuais, por terem de suportar custos derivados de outras deslocações entre o Continente e a Ilha …. e estadias nesta Ilha.

42. (…).43. Mas ocasionou prejuízos, também,

ao Estado Português, por ter transmitido uma imagem de arbitrariedade e de mau funcionamento da administração da justiça.

Acórdão Disciplinar - Violação de deveres de zelo e de criação no público de confiança na administração da justiça

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163Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

44. Sabia o Ex.º Juiz que os julgamentos da competência do Tribunal Colectivo ou do Juiz de Círculo preferem, por regra, sobre as diligências a presidir pelo juiz de comarca, por estarem em causa interesse mais relevantes, quer do ponto de vista patrimonial, quer do ponto de vista das liberdades individuais dos cidadãos, e que não devia, por isso, obstar à realização dos julgamentos nos falados processos.

45. O Ex.º Juiz arguido agiu livre, voluntária e conscientemente e com inteiro conhecimento de que punha em causa a eficiência dos Tribunais, os direitos dos utentes a uma decisão justa e célere e a confiança dos cidadãos na administração da justiça.

46. Sabia, também, que a sua conduta era contrária aos deveres profissionais do cargo e que, por via disso, incorria em responsabilidade disciplinar.

Matéria aditada:47. A solicitação do senhor escrivão

de direito do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ..., o Ex.º Juiz A... foi nomeado pelo Ex.º Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para proceder, no dia 12 de Julho de 2007, ao primeiro interrogatório de arguido detido, no âmbito do processo 460/07.9PBAGH, devido à circunstância de o Ex.º titular do Juízo se achar em gozo de férias e de o Ex.º titular do 2.º Juízo estar impedido na realização de um julgamento de arguido preso, no Tribunal Judicial de ..., em substituição do Sr. Dr. A....

48. O despacho de nomeação foi comunicado ao Ex.º Juiz A..., por “fax”, pelas 15H55 (hora ….) do mesmo dia.

49. Apesar de ter recebido o expediente relativo ao mencionado inquérito pelas 16H06 do dia 12 de Julho de 2007, o Ex.º Juiz decidiu não presidir ao interrogatório para que fora nomeado e, em despacho proferido a hora incerta, mas comunicado ao 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ... às 16H46 do mesmo dia, determinou que o

detido fosse presente no tribunal Judicial de ... no dia 13 de Julho de 2007, pelas 09H30.

50. Para se esquivar à realização do interrogatório, invocou serem 16h20m, estar no Tribunal Judicial de ..., que dista cerca de 25 quilómetros de ..., não ter disponível o seu veículo automóvel, chegar ao Tribunal de ... já depois das 17 horas, fazendo a deslocação em táxi, e estar o Ex.º titular do 2º Juízo disponível no dia seguinte, uma vez que o julgamento em que participava em ... terminaria, previsivelmente, no dia 12.

51. Em consequência da sobredita decisão, o detido só foi presente a um juiz, para primeiro interrogatório, no dia 13 de Julho de 2007, que, no seu termo, determinou a respectiva restituição à liberdade.

52. Ao agir pela sobredita forma, o Ex.º Juiz prejudicou o colega que presidiu ao interrogatório, que teve de efectuar serviço que àquele competia; mas prejudicou, também, e sobretudo, o detido no âmbito do referido processo de inquérito, que ficou privado da possibilidade de ser ouvido por um juiz durante mais de 16 horas, pelo menos, do que aconteceria se tivesse sido interrogado no dia 12; e prejudicou, ainda, o Estado, por ter dado um imagem negativa do funcionamento da administração da Justiça.

53. Agiu livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento de que punha em causa a eficiência da administração da Justiça, o direito dos utentes a uma decisão célere e a confiança dos cidadãos na administração da justiça.

54. Sabia, ainda, que a sua conduta era contrária aos deveres profissionais do cargo que desempenha e que incorria, por isso, em responsabilidade disciplinar.

Considera-se ainda provado que:55. (facto sem interesse, por se reportar

a matéria dos factos 2 a 17, tida por irrelevante para efeitos disciplinares, no acórdão reclamado)

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164 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

A.1 MOTIVAÇÃO DE FACTOA matéria de facto provada resulta da

ponderação e conjugação dos seguintes elementos de prova:

- Declarações do Ex.º Juiz A..., dos Exºs Juízes de Círculo …. e …, e dos Exºs Juízes de comarca … e …;

- Declarações da Ex.ª Advogada …, defensora do arguido no processo comum colectivo …;

- Depoimento escrito do Ex.º Juiz Desembargador … (fls. 429/430);

- Certidões e outros elementos documentais juntos aos autos.

B. O DIREITOAs questões expressamente colocadas

e que importa decidir, ainda que agora já só em relação ao elenco de factos supra descrito, são as seguintes:

a) Nulidade insuprível do processo, por violação do direito de defesa, na fase de inquérito do processo;

b) Não formalização do depoimento tomado ao Sr. Procurador e recusa da sua audição quando requerida pela defesa;

c) Prescrição da responsabilidade disciplinar respeitante aos factos descritos sob os nºs 47 e ss.

d) Inadmissibilidade do aditamento à acusação, designadamente por compreender alteração substancial dos factos;

e) Falta de fundamento da decisão no que respeita à censura por não ter dado prioridade à realização de um julgamento colectivo sobre um interrogatório de arguido preso.

Passemos, então, à análise de cada uma destas questões.

a) Quanto à primeira questão, reitera o Sr.

Juiz que não lhe foi facultada a sua defesa na fase do inquérito, o que – segundo ele – constitui nulidade insuprível nos termos do art. 124º, nºs 1 e 2, do EMJ.

Tal resultaria, designadamente, de não lhe ter sido garantido o direito de não prestar declarações, como deveria acontecer no âmbito de um processo disciplinar. Pelo contrário, teve de prestar declarações no âmbito do inquérito as quais, depois, ficaram a fazer parte do processo disciplinar.

Parte da questão mostra-se tratada no acórdão do permanente, em termos a que não se pode deixar de aderir. A nulidade insuprível prescrita na norma citada é constituída pela falta de audiência do arguido, donde resultaria a sua impossibilidade de defesa, bem como a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade que ainda possam utilmente realizar-se – n.º 1. As restantes nulidades e irregularidades consideram-se sanadas se não forem arguidas na defesa ou, a ocorrerem posteriormente, no prazo de cinco dias contados da data do seu conhecimento – n.º 2.

Este art. 124º surge como corolário do disposto no art. 110º do mesmo diploma, onde se prescreve que o processo disciplinar é sempre escrito e não depende de formalidades, salvo a audiência com possibilidade de defesa do arguido. O seu campo de aplicação é, portanto, o processo disciplinar e não o inquérito. Importa reter, a este propósito, que é impensável pretender para o processo disciplinar um nível de garantismo idêntico ao do processo penal, tal é a diferença dos interesses jurídicos em presença. Assim, tal como no processo disciplinar podem decidir-se em função de critérios de oportunidade, ao contrário do que acontece no processo penal, vinculado a critérios de pura legalidade, também o regime específico e expressamente previsto de aproveitamento de uma actividade instrutória prévia – realizada em fase de inquérito – prescinde do rigor garantístico do processo penal, onde uma tal solução seria inaceitável.

Como se referiu no acórdão do permanente, citando-se de António

Acórdão Disciplinar - Violação de deveres de zelo e de criação no público de confiança na administração da justiça

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Monteiro Martins1, “entende-se por inquérito uma investigação dirigida no sentido de apurar a veracidade de um ou mais factos possivelmente irregulares e quais as pessoas a quem devem ser imputados, isto é, quem é ou quais são os seus autores ou agentes.

No final do inquérito pode então haver a possibilidade, e até a necessidade, de instaurar processos destinados a efectivar a responsabilidade disciplinar dos agentes indiciados nas respectivas conclusões2.

A lei prevê, em nome do princípio da economia processual, que se possa aproveitar como fase instrutória do processo disciplinar o processo de inquérito se nesse processo se apurarem indícios de comportamentos ilícitos do ponto de vista disciplinar – art. 87º, n.º 4, do EDFA e 135º do EMJ.

Foi isso mesmo que sucedeu no presente caso.

Mas isso não inviabilizou o direito de defesa do Ex.º Juiz. Após a dedução da acusação, o Sr. Juiz teve oportunidade para se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados e sobre a respectiva qualificação jurídica, e, bem assim, sobre a prova documental recolhida nos autos. No pleno exercício desse direito arrolou prova testemunhal e juntou prova documental. Só depois disso, e em atenção ao que resultou da audiência do Ex.º Juiz e da defesa que produziu é que o Ex.º Inspector Judicial elaborou o relatório final de harmonia com o disposto no art. 122º do EMJ.”

Mas para além disso, teria ainda o Sr. Juiz a oportunidade de infirmar, explicitar, contrariar quaisquer declarações suas anteriormente prestadas, sendo caso disso. E não o fez. Acresce que apenas por razões formais aparece a invocar aquilo que

1 “A responsabilidade disciplinar na Administra-ção Central, Regional e Local”, edição de 1984, pág. 1032 Marcello Caetano, “Manual de Direito Adminis-trativo”, 10ª edição, pág. 835.

qualifica como nulidade, pois não aponta uma única intervenção sua, um único facto que tenha resultado demonstrado em razão de declarações suas em fase de inquérito que entenda agora dever excluir-se ou uma qualquer outra circunstância que tenha sido relevante e consequente em resultado da sua intervenção e que pretenda deixar de ser tida como demonstrada neste processo.

Ou seja, não só a sua arguição se sustenta num regime garantístico que o regime de instrução e construção de um processo disciplinar não prevê ou justifica, como aparece com um sentido perfeitamente gratuito: o Sr. Juiz aqui arguido não alega que, a verificar-se um tal regime garantístico de direitos que é, dizemos nós, próprio do processo penal mas alheio ao processo disciplinar, não teria prestado quaisquer declarações ao Sr. Inspector e, por via disso, quaisquer factos deixariam de se poder considerar demonstrados; apenas alega que não lhe foi dada a oportunidade de não prestar declarações e que gostaria de a ter tido, mesmo que optasse por prestar declarações.

Por todo o exposto, tal como na deliberação reclamada, afirma-se que o processo disciplinar em causa, precedido de inquérito que veio a incorporar em si mesmo, não sofre da imputada nulidade, por violação do direito de defesa nos termos arguidos pelo reclamante.

b) Diz o Ex.º Juiz que foi ouvido informalmente

o Senhor Procurador da República junto do Círculo de Angra (antes referia-se também à audição informal de vários funcionários do Tribunal Judicial de ...), e que as suas declarações, por não terem sido reduzidas a escrito, não podem servir como meio de prova. Mas mais alega que o mesmo foi arrolado como testemunha do reclamante, em sede de defesa, e que esse depoimento foi rejeitado sem que o pudesse ter sido.

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166 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Tal como referiu o acórdão do Permanente, uma qualquer prestação tendencialmente probatória do Sr. Procurador da República de natureza informal surge despida de qualquer relevância ou valor. Como se verifica da factualidade provada e da respectiva fundamentação, não foi com base em qualquer depoimento do Sr. Procurador da República que se deu como provado qualquer facto, pelo que surge desprovida de qualquer substância ou efeito a arguição da irregularidade de um tal eventual acto.

Questão diferente é a que respeita à rejeição da inquirição desta testemunha, oferecida pelo Sr. Juiz arguido. Com efeito, o Sr. Juiz, em sede de defesa, requereu o depoimento do Sr. procurador à matéria constante dos arts.22 a 27 da acusação e 29º a 37º da defesa.

O Sr. Inspector considerou prescindível tal prova, mas o Sr. Juiz defende que uma tal avaliação de utilidade só é passível de operar em relação aos meios de prova da acusação e não, também aos da defesa. Por isso, a não inquirição do Sr. Procurador consubstancia uma nulidade.

Vejamos a decisão do Sr. Inspector, a respeito da inutilidade da produção de tal prova:

“(…) mas reputo absolutamente desnecessário o do Ex.mo Procurador do Círculo de ..., pela simples razão de que os factos a que foi indicado se acham suficientemente esclarecidos. Como, facilmente, se alcança da leitura dos artigos 29.° a 37.° da defesa, pretende o ex.mo juiz provir que procedeu ao interrogatório de dois arguidos detidos, e não de um só. Como consta da acusação, tarefa que decorreu entre as 14H35 e as 16H50, que utiliza o seu gabinete para a realização de algumas diligências, mas nunca para interrogatório judicial dê arguidos detidos, por ser de pequenas dimensões (a distância da sua secretária à parede em frente não ultrapassa 1,80 metros), que não utiliza

a biblioteca do Tribunal para realizar quaisquer diligências, por não dispor de iluminação suficiente, e que não conhecia o processo comum colectivo n.° 110/03, razão pela qual não sabia que diligências se encontravam concretamente marcadas.

Embora não tenha relevância alguma o número de interrogatórios realizados, é verdade. Como alega o ex.mo juiz que foram dois, e não, apenas, um, como consta da acusação. Os documentos ora juntos são perfeitamente elucidativos a esse respeito, deles resultando que um dos interrogatórios começou às 14H35 e terminou às 15H50 e que o outro se iniciou às 16HÜU e findou pelas 16H50.

(…)A não utilização do gabinete e da biblioteca

para a realização de interrogatório judicial de arguidos detidos parece-me, igualmente, pacífica, em face das declarações do ex.mo juiz. que não foram contrariadas por quem quer que seja. Mas este circunstancialismo pouco relevância também, pois que o que está em causa não é a prática habitual (fácil de compreender, quando não há outras diligências em equação), mas uma determinada situação concreta, a exigir especial ponderação.

(…)Finalmente, que o ex.mo juiz conhecia o

processo comum colectivo 110/03, sabendo, nomeadamente, que o arguido e a sua mandatária tinham domicílio em Portugal continental e que estavam agendadas inquirições por videoconferência, emerge, com suficiente nitidez, das sua próprias declarações (…)

Em suma, toda a matéria a que a testemunha deveria responder, naquilo que não são meras conclusões, se acha suficientemente esclarecida, pelo que a audição do Ex.mo Procurador da República de ... não passaria de uma inutilidade. Nestes termos, e nos dos artigos 115.°, n.° 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 55.°, nº 4, e 56.°, n.° 2, do Estatuto

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Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, indefiro o pedido de inquirição do aludido Magistrado.”

Não há qualquer dúvida sobre a possibilidade de o instrutor indeferir o pedido de audição de testemunhas quando julgar suficiente a prova produzida, nos termos do nº 2 do art. 115º do E.M.J. Esta solução decorre logicamente da ausência de limite para o número de testemunhas cuja inquirição pode ser requerida, nessa fase do processo disciplinar. Permite prevenir a possibilidade de prolongamento indefinido da instrução do processo, para produção de prova requerida pelo arguido.

Porém, após a acusação, em sede de defesa, o arguido só pode indicar três testemunhas a cada facto – art. 121º, nº 2. Daí que não tenha fundamento – nem no texto da lei, nem na sua ratio - a não produção de prova a requerimento do arguido, mesmo se tida por inútil pelo instrutor. Parece, pois, que tal depoimento não deveria deixar de ter sido recolhido.

Questão diferente é, no entanto, a da consequência dessa omissão. Deverá ela determinar a nulidade pretendida pelo reclamante?

A resposta não pode ser positiva. Com efeito, nos termos do nº 1 do art. 124º, uma tal omissão só determina nulidade insuprível do processo quando a diligência for essencial para a descoberta da verdade. Caso isso não aconteça, a omissão da diligência constitui mera irregularidade, a ser arguida no prazo de cinco dias a contar do seu conhecimento.

No caso em apreço, do despacho do Sr. Inspector que supra se transcreveu parcialmente e que consta de fls. 396 e 397, resulta evidente a falta de interesse do depoimento do Sr. Procurador da República à matéria indicada. De facto, ela não tem utilidade pois a matéria sobre que versaria ou se tem por adquirida, em perspectiva idêntica à do arguido, ou é conclusiva, não

podendo corresponder a um depoimento testemunhal, ou foi objecto de prova pelas declarações do próprio arguido, não sendo crível que fosse contrariada por tal depoimento. De resto, nem o próprio Sr. Juiz afirma essa essencialidade.

Assim, a omissão constituiu simples irregularidade, que o Sr. Juiz deveria ter arguido em cinco dias, após a notificação do despacho que lhe anunciou o indeferimento da pretensão de produção desta prova aliás, em 29/11/2007.

Porém, O Sr. Juiz, notificado do despacho, não só não arguiu a irregularidade em análise, como se pronunciou sobre outra matéria, mostrando conformar-se com a decisão de indeferimento do Sr. Inspector.

Por todo o exposto, a omissão de produção deste depoimento testemunhal deve considerar-se uma irregularidade que, por não ter sido arguida em tempo, tem de considerar-se sanada, sendo ineficaz a sua arguição nesta fase.

Improcede, então, também esta pretensão do Sr. Juiz arguido.

c) No que toca aos factos descritos no art.

47º e ss., vem o Sr. Juiz invocar a respectiva prescrição. Tais factos, recorde-se correspondem à nomeação do Sr. Juiz para proceder a um interrogatório de um arguido preso, no dia 12/7/2007, em substituição do Juiz que o deveria fazer por estar impedido noutro serviço, obrigação funcional essa a que o Sr. Juiz se subtraiu, determinando que o arguido fosse apresentado àquele Colega no dia seguinte, sob uma ordem de argumentos tendentes à justificação do seu comportamento.

Invoca o Sr. Juiz que deu conhecimento destes factos ao Sr. Inspector no próprio dia 12/7, bem como que os mesmos eram do conhecimento do Sr. Presidente da Relação de Lisboa pelo menos em 27/7. Assim, afirma que quando foi determinado que os mesmos factos constituíssem objecto

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

de acção disciplinar – o que ocorreu por deliberação do Plenário de 27/11 – já se encontrava prescrita uma eventual responsabilidade disciplinar que pudessem determinar.

Mais alega que, com fundamento no art. 6º, nº 2 da Lei nº 58/2008, de 9/9, que revogou o D.L. 24/84 e que seria de aplicar por ser norma que resultaria mais favorável, a prescrição sempre teria ocorrido por ter sido do conhecimento do Sr. Presidente da Relação que, para efeitos de aplicação deste regime, deverá ser tido como superior hierárquico (aliás em coerência com o facto de ter sido esta entidade quem teve poderes para realizar a sua nomeação para o serviço) e o procedimento disciplinar não ter sido ordenado no prazo de trinta dias.

Quanto a esta questão, é óbvia a falta de razão do Sr. Juiz arguido: em caso algum o Sr. Presidente da Relação pode ser equiparado a dirigente do serviço do Sr. Juiz, para o efeito pretendido. É certo que o Sr. Presidente da Relação tinha poder para realizar a sua nomeação para presidir a esse acto. Tal poder é do CSM, mas está delegado nos Presidentes das várias Relações, que assim o exercem. Já não assim quanto ao exercício da acção disciplinar sobre os Juízes, que cabe ao Plenário e ao Permanente do CSM (cfr. arts. 149º, al. a), 151, al. a) e 152º, nº 2 do EMJ). Por consequência, o conhecimento de um facto por um Inspector Judicial ou por um dos Srs. Presidentes da Relação não tem qualquer relevância para efeitos de contagem do prazo de prescrição da acção disciplinar, pois não é equiparável ao conhecimento da infracção pelo CSM.

Quanto ao mais, não pode deixar de subscrever-se a solução do Permanente do CSM no acórdão reclamado: “Ora, como resulta dos autos, o expediente remetido pelo Ex.º Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa deu entrada neste CSM em 27.07.2007 (cfr. fls. 410).

Decorre do art. 150º, n.º 1, do EMJ que

o CSM funciona em plenário e em conselho permanente.

O expediente em causa apenas foi conhecido pelo Plenário deste Conselho na reunião extraordinária de 27.11.2007, na qual logo se deliberou o seu aditamento ao processo disciplinar em curso (cfr. fls. 406). Por conseguinte, não se mostrando esgotado o prazo estatuído no n.º 2 do art. 4º do EDFA, é manifesta a improcedência da arguição da prescrição quanto a esses factos.”

d) A quarta questão que é novamente

colocada pelo Sr. Juiz arguido prende-se com a admissibilidade do aditamento feito à acusação, por via do qual lhe foram imputados e acabou por ser censurado pelo conjunto de factos que acabaram de se analisar a propósito da sua invocada e não reconhecida prescrição.

No acórdão do Permanente foi entendido que a adição destes factos à acção disciplinar sobre o Sr. Juiz não consubstanciou uma alteração substancial pelo que era admissível, não justificando sequer a observância estrita do regime do art. 117º do EMJ, importando apenas garantir a possibilidade de defesa do arguido a propósito dos mesmos.

A este respeito, consta do acórdão sob reclamação: “De facto, tem-se entendido que é admissível o alargamento do âmbito da investigação inicial pelo instrutor do processo disciplinar, mesmo sem autorização prévia do titular do poder disciplinar (CSM), quando os novos factos se insiram na mesma cláusula geral punitiva dos inicialmente denunciados, se uns e outros se encontrarem entre si directa ou estreitamente conexionados, ou ainda se uns e outros puserem em causa os mesmos valores supostamente ofendidos – cfr. Acs. do STA de 02.11.1993 e de 01.03.19943,

3 Citados por Leal-Henriques, “Procedimento Dis-ciplinar”, 5ª edição, pág. 250.

Acórdão Disciplinar - Violação de deveres de zelo e de criação no público de confiança na administração da justiça

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169Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

este último disponível em www.dgsi.pt. Essa efectiva relação de compatibilidade

normativa permite que se estenda a averiguação a outros factos, que não os inicialmente indicados.

No presente caso, foi o CSM quem, em deliberação tomada em 27.11.2007, mandou aditar ao processo disciplinar em curso o expediente remetido pelo Ex.º Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 406).

O alargamento da instrução aos novos factos participados foi, portanto, devidamente autorizada pela entidade competente para ordenar a instauração de procedimento disciplinar (CSM). Não fazia qualquer sentido que, estando em curso um processo disciplinar contra o arguido, tivesse de instaurar-se um novo processo para averiguação do material reportado nesse expediente. Tal colidiria com o princípio da economia processual.

Da instrução complementar resultaram novos factos que, naturalmente, foram aditados à acusação, tendo sido dadas ao Ex.º Juiz todas as possibilidades para deduzir a sua defesa quanto aos mesmos.”

Além de se aderir ao que acaba de se transcrever, importa ainda assinalar a ausência de razão do Sr. Juiz quanto ao novo argumento usado: representar tal aditamento de factos uma alteração substancial da acusação, por si não consentida, na medida em que daí resultou a sua condenação por uma nova e distinta infracção disciplinar.

Porém, como resulta claramente da análise do acórdão reclamado, falece-lhe razão: em observância do princípio da unidade da infracção disciplinar (“diversos factos, em sentido naturalístico, praticados em momentos diferentes e violando distintos deveres, irão dar origem, em regra, a uma única infracção disciplinar”, in Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente, pg. 45),

apesar da adição dos factos em questão ao processo disciplinar na sequência de deliberação do CSM, o Sr. Juiz foi censurado pela autoria de uma conduta plural, infractora de deveres diversos em momentos diversos. Mas não foi censurada por uma nova infracção e autónoma infracção, eventualmente em concurso com a anteriormente investigada.

Por conseguinte, além de ser formalmente admissível o complemento da acção disciplinar nos termos ocorridos, tal como se mostra fundadamente afirmado no acórdão sob reclamação, é inequívoco que daí não resultou a imputação ao Sr. Juiz (e sua ulterior condenação) por nova e diversa infracção. Assim a subsunção do caso ao regime do art. 358º (ou do art. 303º) do C.P.P., por remissão do art. 131º do EMJ, admissível essencialmente para efeitos de ilustração e melhor compreensão da questão, não precisa de se operar, pois a realidade disciplinar que constitui o substrato em análise é manifestamente diversa da realidade criminal que constitui o fundamento do regime adjectivo da alteração substancial ou não substancial dos factos.

Por outro lado, e isso é verdadeiramente o essencial, constata-se que do alargamento do âmbito deste processo disciplinar aos factos ulteriormente conhecidos, tal como foi determinado pelo CSM, não resultou privação ou limitação do direito de defesa do arguido: os factos foram-lhe comunicados, sobre eles teve ocasião de se pronunciar e requerer o que teve por conveniente em ordem à sua defesa.

Inexiste, pois, a nulidade arguida pelo arguido.

e) Por fim, o Sr. Juiz arguido invoca a falta

de fundamento da decisão no que respeita à censura por não ter dado prioridade à realização de um julgamento colectivo sobre um interrogatório de arguido preso.

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A este respeito, o Sr. Juiz refere inexistir fundamento para censurar o seu comportamento, já que se limitou a tratar preferentemente aquilo que era urgente – em detrimento de serviço de menor importância, inexistindo fundamento para se afirmar aquilo que é referido no acórdão reclamado: a preferência do serviço do Tribunal Colectivo sobre o serviço do juiz singular.

Para sustentar a arguição de nulidade, o Sr. Juiz invoca as soluções vigentes no processo penal para a realização de tal interesse: arts. 379º e 411º do C.P.P.

Salvo o devido respeito, porém, não o faz devidamente: o regime de fundamentação de um acto administrativo como o que é objecto desta apreciação encontra-se no C.P.A., nos arts. 124º e 125º, não cabendo operar-se a referência ao C.P.P., para esse efeito.

A ausência de fundamentação constituiria um vício desse acto, apto a determinar a sua anulação, por vício de forma, nos termos do art. 135º do C.P.A.

No caso, ocorrerá uma tal falta de fundamentação, determinante de vício da decisão disciplinar?

Fundamentar é genericamente entendido como indicar quais os motivos, as razões por que se pratica um acto. O que se pretende é que a fundamentação seja clara, suficiente e coerente, isto é que permita a um destinatário normal saber o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer. A exigência de fundamentação não é mais do que a consagração plena da legalidade da actividade administrativa e uma verdadeira garantia para os cidadãos, imposta desde logo pelo art. 268º, nº 3 da C.R.P.

No caso em apreço não vemos que exista falta de fundamentação. O “itinerário cognitivo e valorativo” subjacente à deliberação punitiva do Sr. Juiz é perfeitamente perceptível. É claramente inteligível o que se censura na conduta

do Sr. Juiz, quanto ao conjunto de factos em questão, qual a conduta que se teria por adequada em alternativa, qual o juízo axiológico subjacente. Assim, o que está em causa não é a ausência de fundamento para o juízo emitido. É, na perspectiva do Sr. Juiz arguido, a impertinência, impropriedade, ineficácia das razões usadas; é a circunstância de lhe ser exigida uma actuação e lhe ser censurada uma actuação distinta que ele entende não estar sustentada em nenhuma norma; é um juízo de censura que ele entende mal formulado.

Porém, isso corresponde a uma questão do mérito da própria decisão, e já não à ausência da sua fundamentação. Analisar-se-á, pois, em momento próprio, afirmando-se, por ora, a não ocorrência da nulidade invocada.

* Tratadas, ainda que sumariamente, as

questões prévias suscitadas, importará passar à análise dos factos apurados e ao seu eventual enquadramento disciplinar.

A este respeito, porém, seguir-se-á de perto a argumentação do acórdão do Permanente, por com ela se concordar, sem prejuízo da consideração específica da questão respeitante à ocupação da sala de audiências em termos que determinaram o adiamento de uma audiência de julgamento, como supra se anunciou.

Como se referiu no acórdão reclamado, “aos juízes, para além dos deveres específicos decorrentes da sua função, especialmente tipificados no capítulo II do seu estatuto, impõem-se ainda, nos termos dos arts. 32º e 131º do EMJ, os deveres gerais previstos no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante designado por ED), aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Janeiro.

Segundo estabelece o art. 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) “constituem infracção disciplinar os factos,

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ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.

Desta definição legal extrai-se a conclusão de que as infracções disciplinares são apenas tendencialmente tipificadas devendo a sua verificação ser encontrada por referência aos deveres gerais e especiais subjacentes à específica função cometida aos magistrados judiciais.

A infracção disciplinar consiste, portanto, no concreto desrespeito de um dever (geral ou especial) atribuível à função exercida e pressupõe uma conduta voluntária (activa ou omissiva) e censurável, seja a título de dolo ou de negligência.”

As intervenções do Sr. Juiz tidas como disciplinarmente relevantes referem-se a dois casos, que se mencionam sumariamente:

1. - (pontos 18. a 27.):“Para os dias 1 e 22 de Março de 2007,

pelas 9h30m, foi designada a audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º …., relativo ao crime de tráfico de estupefacientes em que era arguido ….. O julgamento, iniciado no dia 1, continuou no dia 22, tendo havido a necessidade de prosseguir no dia 19 de Abril, uma quinta-feira. Quando, nesse dia, o colectivo se aprestava para continuar os trabalhos, o Ex.º Juiz A... informou que necessitava da sala de audiências para realizar um primeiro interrogatório de arguido preso que, entretanto, lhe fora apresentado.

Tendo-lhe sido contraposto que o interrogatório poderia ser realizado no respectivo gabinete ou na biblioteca do tribunal, respondeu que nenhum desses espaços dispunha de computador e que, na comarca, os primeiros interrogatórios de arguidos detidos sempre se haviam realizado na sala de audiências.

Perante esta irredutível posição, a Ex.ª Juíza presidente do Tribunal Colectivo adiou o julgamento para o dia seguinte, pelas 9h30m. Nesse dia – 20 de Abril – foi possível ouvir, apenas, cinco das testemunhas a inquirir por vídeo-conferência, tendo a audiência continuado no dia 3 de Maio.”

No acórdão do Permanente, foi já reconhecida a inadequação do gabinete do Sr. Juiz para realizar os interrogatórios de arguidos presos, tal como se reconhece a menor aptidão do espaço constituído pela biblioteca, para esse efeito.

Por outro lado, também se sabe que os interrogatórios judiciais de arguidos detidos constituem actos urgentes, por contenderem com direitos fundamentais, maxime o da liberdade pessoal.

Mas, por outro lado ainda, não deve esquecer-se o princípio geral enunciado no acórdão reclamado, sobre a natural prevalência do serviço do colectivo sobre o do juiz singular. Este princípio geral de organização judiciária, expressamente reafirmado em texto legal através do nº 2 do art. 8º do DL 28/2009, de 28/1/2009, sem prejuízo da salvaguarda dos actos urgentes, é uma solução que decorre naturalmente dos interesses de boa gestão de recursos: se em determinado momento estão reunidos os meios aptos a realizar um julgamento em colectivo, por norma respeitante a interesses mais relevantes que os de um julgamento por juiz singular, deve realizar-se aquele, ainda que com preterição deste, pois será sempre uma solução mais custosa voltar a reunir os meios para realizar o Colectivo, do que repetir os necessários ao funcionamento do Tribunal singular.

Mas, obviamente, este princípio geral não dispensa – e é o que está em causa na situação em análise – a ponderação dos interesses e circunstâncias de cada caso concreto, que podem aconselhar a solução contrária. É exactamente por isso que a ponderação e decisão devem ser

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operados pelos juízes, aptos a ponderar tais interesses e circunstâncias em cada caso concreto e a encontrar, para cada caso, a solução adequada. E é também exactamente por isso que o ocorrido no dia 19/4 merece reparo.

Reconhece-se que o Ex.º Juiz A... não tinha condições para realizar o referido interrogatório no seu gabinete, dadas as reduzidíssimas dimensões do mesmo – cfr. ponto 23-B. Mas não deveria ter deixado de ser discutida e encontrada uma qualquer solução que evitasse o que aconteceu. Naquele dia 19 de Abril tinham sido ouvidas duas testemunhas no período da manhã, suspendendo-se a audiência às 13H15, para continuar às 14H30, com a inquirição por teleconferência, previamente agendada, de nove testemunhas, uma a partir de Lisboa e as restantes de ..., e de outras três residentes na Ilha, uma delas detida no Estabelecimento Prisional de ... e, por isso, acompanhada de escolta, e outra presente em consequência da emissão de mandados de detenção para comparência. Constata-se a vontade e o esforço disponibilizado pelo Tribunal Colectivo, não apenas para conseguir a realização célere do processo, mas para aproveitar os meios afectos a esse fim: Advogada e arguido vindos do continente; uma testemunha com escolta da guarda prisional; outra conduzida ao Tribunal sob detenção; vídeo-conferências coordenadas com outros tribunais.

Não obstante, tudo isto se reuniu em vão, porque o Sr. Juiz arguido não prescindiu de realizar dois interrogatórios de arguidos presos na única sala de audiências existente, e que era exigida para a continuação do julgamento. Teria podido realizá-los na biblioteca? Nunca o fizera, é certo; as condições eram adversas. Mas o quadro de circunstâncias também era excepcional, face a uma esmagadora conveniência de continuar o julgamento do colectivo. Teria sido, certamente, possível, excepcionalmente, realizar

aqueles concretos interrogatórios, ainda que rodeados de cautelas complementares de segurança impostas pelo espaço onde haveriam de decorrer, na biblioteca. Tal como teria sido possível coordenar a sua realização com a continuação, ainda que não com a dimensão prevista, do julgamento, como a continuação deste até determinada hora e a realização dos interrogatórios a partir da hora que se acertasse para o efeito. Ou a realização de um interrogatório, na sala, seguido do despacho sobre a medida de coacção e seus pressupostos no gabinete, enquanto a sala ficava disponível para o julgamento, a interromper novamente, para a realização do outro interrogatório, num momento seguinte. Tal como poderia ter sido possível uma qualquer outra solução que, à distância temporal dos factos, não se consegue configurar, mas que não deveria ter deixado de ser encontrada naquele momento.

Porém, a opção do Sr. Juiz não foi essa: impondo a autoridade da urgência do seu serviço, impediu por completo a realização do outro, frustrando a convergência de recursos ali existente para esse efeito, em termos que não conseguem ser compreendidos nem pelos Colegas, nem por outros intervenientes processuais, nem pelo público em geral.

Como diz o acórdão do Permanente, “A intransigência revelada pelo Ex.º Juiz A... denota um espírito pouco ou nada colaborante para com os colegas do Tribunal Colectivo, impedindo-os de continuar o julgamento num dia em que a sala estava reservada ao funcionamento desse colectivo. (…)

Acresce ainda que conhecia bem o processo em questão, sabendo, designadamente, que o arguido e sua mandatária tinham domicílio em Portugal Continental e que estava agendada, para a tarde do dia 19 de Abril de 2007, a inquirição, por teleconferência, de diversas

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testemunhas residentes, igualmente, no Continente – cfr. ponto 27.”

Desta forma, para os intervenientes daquele processo e para o público, a conclusão que resultou, para além da respeitante a uma evidente insuficiência de meios logísticos, foi a de descoordenação, falta de organização, falta de empenho na realização de soluções eficientes, falta de compreensão do Sr. Juiz em relação ao serviço existente, aos interesses em presença e ao quadro de circunstâncias vigente, a sensação de falta de direcção e responsabilidade nos serviços de administração da justiça e de indiferença em relação aos custos e incómodos dos cidadãos em interacção com o sistema.

A conduta do Sr. Juiz arguido representa, pois, manifesto incumprimento de deveres funcionais já que, naquelas circunstâncias, lhe era imposto outro comportamento, designadamente um que permitisse coordenar a realização dos serviços em causa e não sacrificar um em função dos outros, com as consequências que tal sacrifício comportou, em especial ao nível da confiança do público na eficiência e organização da justiça.

2 – pontos 47 a 54A este propósito, reproduz-se o acórdão

do Permanente, que nenhuma alteração justifica, pois sobre tal matéria o Sr. Juiz apenas suscitou questões que acima já se trataram.

“O Ex.º Juiz A... foi nomeado pelo Ex.º Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para proceder, no dia 12 de Julho de 2007, ao primeiro interrogatório de arguido detido, no âmbito do processo 460/07.9PBAGH, devido à circunstância de o Ex.º titular do Juízo se achar em gozo de férias e de o Ex.º titular do 2.º Juízo estar impedido na realização de um julgamento de arguido preso, no Tribunal Judicial de ..., em substituição do Dr. A....

Essa nomeação foi-lhe comunicada, por

“fax”, às 15h50m desse dia 12 de Julho, tendo recebido o expediente relativo a esse inquérito pelas 16h06m – cfr. ponto 48.

Porém, em despacho proferido a hora incerta, mas comunicado ao 1º Juízo do Tribunal Judicial de ... às 16h46m, o Ex.º Juiz A... determinou que o detido só fosse apresentado nesse Tribunal às 9h30m do dia seguinte.

Para se esquivar à realização do interrogatório, invocou serem 16h20m, estar no Tribunal Judicial de ..., que dista cerca de 25 quilómetros de ..., não ter disponível o seu veículo automóvel, chegar ao Tribunal de ... já depois das 17 horas, fazendo a deslocação em táxi, e estar o Ex.º titular do 2º Juízo disponível no dia seguinte, uma vez que o julgamento em que participava em ... terminaria, previsivelmente, no dia 12 – cfr. ponto 50.

Em consequência da sobredita decisão, o detido só foi presente a um juiz, para primeiro interrogatório, no dia 13 de Julho de 2007, que, no seu termo, determinou a respectiva restituição à liberdade – cfr. ponto 51.

Este é, com toda a certeza, o comportamento funcional mais grave imputado ao Ex.º Juiz A.... Muito cioso do horário de funcionamento normal do Tribunal e indiferente a quem se lhe apresentava na condição de detido para interrogatório, o Sr. Juiz elaborou, em despacho, uma série de “desculpas” para se eximir da prática de um acto processual urgente, fazendo protelar a decisão sobre o estatuto processual do cidadão detido, que só viria a ser libertado no dia seguinte. Ao mesmo tempo, com o despacho protelatório, esvaziou a utilidade da comunicação que lhe foi dirigida pelo Ex.º Presidente da Relação de Lisboa.”

Resulta do exposto que os factos descritos nos pontos 18 a 27 e 47 a 52 constituem violações de deveres funcionais a que o Sr. Juiz estava sujeito, designadamente o de zelo e o de actuar no sentido de criar

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no público confiança no sistema de justiça, nos termos da previsão do 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela lei n.º 21/85, de 30 de Julho) e 3.º, nºs 3, 4, alínea b), e 6 do Estatuto Disciplinar, aplicável por força do art. 131.º daquele primeiro diploma.

A este respeito, de resto, nada cumpre alterar na decisão do Permanente que é objecto da presente reclamação.

Como ali se disse: “O dever de zelo, também conhecido por dever de diligência ou de aplicação, consiste na execução eficiente e correcta da prestação funcional, o que pressupõe que o agente esteja dotado de conhecimentos técnicos e métodos de trabalho e os vá aperfeiçoando em ordem a obter aquele resultado. Face à definição que consta do n.º 6 do art. 3º do ED, há quem distinga três tipos de zelo: o intelectual, que envolve o conhecimento e domínio das normas jurídicas indispensáveis ao bom exercício de funções; o organizativo, que impõe ordem no exercício das funções; e o comportamental, traduzido no efectivo empenhamento no trabalho4.

O conteúdo deste dever converge, em larga medida, com o do dever de criar no público confiança na administração da Justiça. De facto, este último dever só é alcançável com um exercício funcional pronto, correcto e imparcial, por forma a que as decisões criem nos seus destinatários um sentimento de confiança no sistema de justiça e no funcionamento dos tribunais. “

Quanto aos factos descritos nos pontos 18. a 27., já referimos como a actuação do Sr. Juiz resultou na frustração das expectativas de vários agentes e utentes da acção judiciária.

4 João Figueiredo, “Deontologia e Ética do Servi-ço Público, editado pelo Secretariado para a Mo-dernização Administrativa, Boletim Informativo n.º 4/89, 4º trimestre, da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários.

Essa sua atitude egocêntrica e intransigente fez com que o julgamento do processo comum colectivo, para o qual tinham sido convocadas várias testemunhas a depor por vídeo-conferência no Continente, e, inclusive, um preso acompanhado da respectiva escolta prisional e uma testemunha detida com mandado de comparência, tivesse que ser continuado no dia seguinte, tendo apenas sido concluído no dia 24 de Maio.

Para além do acréscimo de despesas que tal atitude provocou ao arguido e à sua mandatária (cfr. ponto 25.), o que temos como certo é que o Ex.º Juiz demonstrou falta de zelo, nas vertentes organizativa e comportamental, impedindo a realização de um acto processual que, além daqueles, envolvia vários magistrados e testemunhas, quando bem podia efectuar o seu serviço sem prejudicar terceiros e sem causar dano à imagem da justiça. Pelo contrário, como se referiu, pior ficou a confiança de todos na bondade, sensatez e eficiência no funcionamento do sistema.

“Relativamente aos factos constantes dos pontos 47. a 54., dúvidas também não restam de que os mesmos corporizam uma flagrante violação do dever de zelo, ao nível comportamental. O Ex.º Juiz podia e devia ter realizado o interrogatório de detido, tal como lhe fora ordenado pelo Ex.º Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Só não o fez por capricho e/ou comodismo, apesar de bem saber que estava em causa, mais do que o seu “sagrado” horário, a liberdade do cidadão detido. Ao diferir, injustificadamente, o interrogatório para o dia seguinte, transferindo-o para um outro colega, o Ex.º Juiz A... prolongou a situação de detenção desse cidadão.

Claro está que uma atitude deste tipo, além de revelar falta de empenho no trabalho, deixa marcas no grau de confiança e de eficiência que o público pode esperar do aparelho de Justiça.”

Acórdão Disciplinar - Violação de deveres de zelo e de criação no público de confiança na administração da justiça

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Continuando a reproduzir a deliberação do Permanente, subscreve-se que à “violação daqueles deveres, por forma negligente, corresponde a aplicação da pena disciplinar de multa entre o entre o mínimo de 5 e o máximo de 90 dias – arts. 85º, nº 1, al. b), 87º e 92º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Na determinação da medida concreta da pena deve atender-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele – art. 96º do EMJ.

No caso, a ilicitude dos factos e a culpa do agente situam-se num nível médio.

Em abono do Ex.º Juiz há apenas a considerar a circunstância atenuante de, à data dos factos, não ter registado qualquer antecedente disciplinar.

Tudo visto, entende-se adequada a pena de 10 (dez) dias de multa.

III. DECISÃO

Pelo exposto, salvaguardando a parte da deliberação do Permanente que não foi objecto de reclamação e declarou extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar relativamente aos factos descritos nos pontos 39. e 40. da matéria de facto anteriormente provada, bem como a irrelevância disciplinar dos descritos nos pontos 2 a 17 e 28 a 38, deliberam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura aplicar ao Ex.º Juiz A..., por violação do dever de zelo e do dever de actuar no sentido de criar no público confiança no sistema de justiça, nos termos da previsão do 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela lei n.º 21/85, de 30 de Julho) e 3.º, nºs 3, 4, alínea b), e 6 do Estatuto Disciplinar, aplicável por força do art. 131.º daquele primeiro diploma, a pena de 10 (dez) dias de multa.

[Relator: Vogal Dr. José Eusébio Almeida]

8.Acórdão Disciplinar

Oficial de JustiçaViolação do dever de correcção

Acordam no Plenário do Conselho Superior da Magistratura :

IPor deliberação do Conselho dos Oficiais

de Justiça (COJ) de 02 de Junho de 2006, foi o processo de Inquérito nº 431-I/05, convertido em Processo Disciplinar contra o arguido ….., Escrivão Adjunto, ao tempo dos factos a exercer funções no Tribunal Judicial da comarca de … e actualmente no Tribunal Judicial da comarca de ….., com o número mecanográfico …, servindo o inquérito como parte instrutória do processo disciplinar, nos termos do nº 4, do art. 87º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Dec. Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro (ED), ex-vi do art. 89º do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo art. 1 do Dec. Lei nº 343/99, de 26 de Agosto (EFJ).

Nos termos do art. 57º, do EDFAACRL, ex vi do art. 89º, do EFJ, aprovado pelo art. 1, do Dec. Lei nº 343/99, de 26/08, foi deduzida Acusação, contra o arguido …., nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 45 a 51, imputando-lhe a prática de factos consubstanciadores de infracção disciplinar por violação do dever geral de correcção, com negligência e má compreensão dos seus deveres funcionais, a punir com a pena de Multa.

Devidamente notificada a Acusação, o arguido ……, apresentou a sua resposta, de fls. 56 a 65, defendendo que o conjunto de letras em causa não tem sentido objectivo e, como tal não tem idoneidade para ofender ou melindrar quem quer que seja.

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176 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Juntou prova testemunhal e conclui o seu articulado, pedindo o arquivamento dos autos.

Resultaram apurados nos presentes autos os seguintes factos :

1ºPelo Sindicato dos Funcionários de

Judiciais foi decretada greve para dia 26 de Outubro de 2005, para todos os funcionários de justiça em exercício de funções nos Tribunais. Devido a essa greve, a Direcção Geral da Administração da Justiça (DGAJ), remeteu, ao Tribunal da Comarca de ….., o ofício circular nº 50/2005, de 20 de Outubro, subscrito pela Exma. Directora Geral, acompanhado da cópia do despacho conjunto que definia os serviços que deviam ser assegurados durante a greve acima referida, cuja recepção foi acusada pela secretária de justiça (fls. 13 a 17).

2.ºA DGAJ, através do ofício circular nº

51/2005, de 24/10/2005, informou como se deveria proceder, no dia da greve de 26/10, quanto à designação dos funcionários que ficariam afectos à prestação de serviços mínimos, definidos no Ofício-Circular nº 50/2005, de 20 de Outubro, ofício esse recebido por e-mail com entrada registada sob o nº 24 651 daquele mesmo dia no Tribunal de …..(fls. 19 e 20).

3.ºNa véspera do dia designado para a

greve, a DGAJ, por e-mail, cuja entrada ficou registada sob o nº 24 697 de 25/10/05, solicitou à Secretária de Justiça do referido Tribunal de ….que, na sequência do pré-aviso de greve emitido pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, para o dia 26 de Outubro (dia seguinte), lhe fossem remetidos, até às 10,00 horas desse dia (dia da greve), pela mesma via (e-mail: [email protected]) os seguintes dados:

“Tribunal:Número total de funcionários de justiça:

Número de funcionários de Justiça ausentes por motivo de greve:

Número de funcionários de Justiça ausentes por outros motivos:

Os serviços mínimos encontram-se assegurados ? Sim.....Não.... “ (fls. 21)

4.ºApesar de terem aderido à greve decreta-da, tanto a referida Secretária de Justiça ….., como o Escrivão Adjunto …., logo pela manhã desse dia (26 de Outubro de 2005), compareceram no Tribunal. No entanto, como a senhora Secretária de Justiça tinha de se ausentar, a fim de tratar assunto de um inventário, e também porque tinha ain-da alguma dificuldade em o fazer, solicitou ao Escrivão Adjunto ….que enviasse um e-mail à DGAJ, informando sobre os dados solicitados, relativos à greve desse dia. Ao que este, como habitualmente, se prontifi-cou a executar.

5.ºEm cumprimento de tal solicitação, o Es-

crivão Adjunto …, elaborou, subscreveu e remeteu, pelas 11,55 horas de 26/10/05, o e-mail, cujo conteúdo consta de fls. 7 e 22, onde fazendo referência ao assunto da greve desse dia dos funcionários judiciais, dirigindo-se à “Ex.ma Senhora Directora da Administração Geral da Justiça”, informa que no Tribunal Judicial da Comarca de ….., o número total dos funcionários era de qua-tro, o número de funcionários ausentes por motivo de greve era de quatro, o número de funcionários ausentes por outro motivo era de zero e que os serviços mínimos não se encontravam assegurados.

6.ºEram pois estes os únicos elementos que

a Secretária de Justiça ….tinha incumbido o Escrivão Adjunto ….. de transmitir à DGAJ, pois correspondiam ao que havia sido solicitado (fls.8).

7.ºNo entanto, aquele Escrivão Adjunto….,

em vez de se ter limitado a transferir tais elementos, porque foram apenas esses que

Acórdão Disciplinar - Oficial de Justiça. Violação do dever de correcção

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foi incumbido pela Secretária de Justiça de comunicar, por sua única iniciativa e sem que tivesse conhecimento de mais ninguém, aditou ao e-mail, como observações, o seguinte texto :-

“ Obs: Encontram-se assegurados da mesma forma e com o mesmo empenho e dedicação com que irão ser assegurados no próximo feriado dia 1/11/2005 (terça-feira) ou em todos os feriados posteriores e domingos do calendário e em que o período de encerramento do Tribunal é em horas e minutos, pelo menos que eu saiba e pelo relógio no que toca aos funcionários judiciais o mesmo e nunca se levantou problema nenhum. DAAAA......”, como consta de fls. 7 e 22.

8.ºQuando a Secretária de Justiça

….regressou ao Tribunal, perguntou ao escrivão adjunto ….se tinha remetido a comunicação que lhe solicitara, ao que o mesmo respondeu afirmativamente, nada lhe tendo referido sobre a observação que havia incluído. Daí ter ficado convencida que o texto correspondia ao que tinha incumbido aquele funcionário de transmitir, que era, tão só, responder ao mail da DGAJ recebido em 25/10/05.

9.ºRecebido na DGAJ o e-mail referido nos

art.ºs 5 e 7.º desta acusação, subscrito pelo Escrivão Adjunto …, a Directora de Serviços de Recursos Humanos, Dr.ª ….., exarou, a propósito do seu texto, uma informação/proposta do seguinte teor : “ Tendo em conta as observações efectuadas pelo sr. oficial de justiça, designadamente a expressão “DAAA...”, proponho a remessa ao C.O.J., considerando que apenas foram solicitados os dados relativos à greve e as expressões utilizadas em nada dignificam a função.”, que, uma vez apresentada à Exma. Directora Geral da Administração da Justiça, obteve despacho de concordância com o proposto, determinando-se a sua remessa ao COJ para os devidos efeitos em

28/10/05 (fls.7).10.ºPor despacho de 02/11/05, o Exmo. Vice

Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça, determinou que, com cópia, fosse solicitado ao Escrivão Adjunto subscritor do e-mail, para, querendo, prestar escla-recimentos adicionais, nomeadamente es-clarecer o significado da sigla “DAAAA...” e, que fosse solicitado ao respectivo secretá-rio de justiça sobre presenças e sentido do informado.

11.ºEm resposta a tal pedido, o Escrivão Ad-

junto …., prestou os esclarecimentos da forma como consta de fls. 2 a 4 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos, considerando-se que o seu teor, além de desadequado, é desrespeito-so, quer para quem se dirige quer para a função, o mesmo se dizendo do conteúdo da observação que incluiu no e-mail que remeteu à Direcção Geral da Administra-ção da Justiça, referido nesta acusação, designadamente no art.º 7.º, exarado por sua única iniciativa e conhecimento, apro-veitando, indevida e abusivamente, uma comunicação de serviço e com o mesmo relacionada, para expressar a sua opinião particular.

FACTOS PROVADOS DA DEFESA:12.º (art.º 22.º da defesa)Na verdade, mesmo antes da requisição

civil chegar ao Tribunal, o arguido e a Secretaria do Tribunal, …., estavam a assegurar os ditos serviços mínimos, e apuseram no Tribunal todas as informações públicas previstas na lei.

13.º (art.º 23.º da defesa)Apesar de terem aderido à greve, até

estavam a cumprir o que, provavelmente não lhes era exigível.

14.º (art.º 35.º da defesa)

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

O arguido é uma pessoa de excelente trato pessoal e humano, perante todas as pessoas com quem contacta, quer no âmbito social quer no âmbito profissional.

15.º (art.º 36.º da defesa)Na sua actividade de funcionário público,

o arguido foi sempre um profissional zeloso, diligente, competente e dedicado à sua função.

16.ºNo Acórdão do COJ, consta que :“O arguido vem acusado de, por

negligência e má compreensão dos seus deveres funcionais, ter violado o dever geral de correcção.

O arguido, através da sua defesa, deixa perceber que a acusação lhe foi perceptível e compreensível em todo o seu alcance.

A D.G.A.J. através do correio electrónico, solicitou determinados elementos relacionados com a greve prevista para aquela data e, tão só esses dados eram esperados da resposta a enviar pelo Tribunal de ….

Foi, do preenchimento dessa resposta que a senhora secretária encarregou o arguido, e este aceitou assim proceder, independentemente dos dois estarem no exercício do seu inalienável direito à greve, ainda que estivessem no Tribunal por preverem a requisição que se veio a verificar (fls.4).

Mas nessa comunicação oficial, em resposta ao pedido da D.G.A.J., o arguido acrescentou, para além dos dados que eram solicitados, os dizeres que constam do documento de fls. 7 e que se referem no art.º 7.º da acusação, culminando essas considerações extra, com a expressão “DAAA”, ou, como se lhe refere na sua defesa, - art.º 11.º - “conjunto de letras”, que como bem se percebe, quando escritas sem intervalo e lidas de uma só vez, adquirem o sentido daquela expressão “DAAA”.

O próprio arguido, quando convidado

pelo Ex.mo Vice-Presidente do C.O.J. a prestar esclarecimentos, nomeadamente esclarecer o significado da sigla “DAAA”, não deixou de lhe chamar palavra e expressão (fls. 2 e 3).

De qualquer modo, o arguido nesse esclarecimento, refere que apesar da expressão “DAAA” (referida na acusação) não constar de nenhum dicionário de Língua Portuguesa, parece ser uma expressão utilizada na linguagem popular (gíria), inclusive por crianças.

Quanto à leitura e ao exercício que faz sobre os dados pedidos pela Direcção Geral e as considerações que se lhe ofereceram a esse propósito, tal não se inscrevia na resposta que o mail enviado pela D.G.A.J. deveria ter.

E, salvo o devido respeito por melhor opinião, o arguido não se limitou a satisfazer o que era solicitado, não tendo com isso observado a devida correcção naquela comunicação, optando por lhe acrescentar considerações e leituras próprias que entendeu fazer constar.

Ainda que não tenha pretendido ser incorrecto ou atingir pessoalmente a Ex.ma Senhora Directora Geral da Administração da Justiça, como o refere na sua defesa, não foi desta forma tão clara que respondeu inicialmente quando lhe foram pedidos esclarecimentos (fls. 2 a 4).

Não temos dúvidas nem dificuldades em aceitar que o arguido, atenta a sua formação e quanto lhe é reconhecido pelo depoimento das testemunhas que apresentou que, ao “...desabafar...” (art.º 27.º da defesa), sem a “...intenção de atingir uma pessoa em concreto...” ( art.º 28.º da defesa ), “... não visou atingir pessoalmente ... a quem protesta o maior respeito e consideração ...” (art.º 30.º da defesa) e como diz no art.º 34.º dessa mesma defesa “ ... agiu sem consciência da eventual ilicitude...”

No entanto, parece-nos não dever deixar sem reparo, ainda que realizada “ ... sem consciência...” a atitude e o

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comportamento de que vem acusado e se deu como provado, a qual será considerada na graduação do montante da pena, que deverá ser de escalão inferior.

Resulta, assim, responsabilidade disciplinar que reside nos factos constantes da acusação imputados ao arguido …..os quais constituem violação, por negligência e má compreensão dos seus deveres funcionais, do dever geral de correcção”.

Face a estes factos e ao exposto pelo Sr. Funcionário Judicial ……, importa começar por assinalar que infringir disciplinarmente não é mais do que desrespeitar um dever geral ou especial decorrente da função que se exerce.

“A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II vol., 9ª edição, pag. 810, acrescentando que «é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação» ; Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar, pags. 27 a 32)” (STJ 31/03/2004, Azevedo Ramos, Processo nº 03A1891, disponível em www.dgsi.pt).

Como refere Orlando Afonso, de “uma maneira geral os conceitos disciplinares são indeterminados, reconduzindo-se o respectivo direito a estereótipos que, exactamente por o serem, comportam uma vasta subsunção factual” (Poder Judicial–Independência In Dependência, Almedina, 2004, pag. 151) : a caracterização do ilícito disciplinar, de modo a desejavelmente poder abranger uma multiplicidade de condutas censuráveis, exige, por vezes, o uso de conceitos indeterminados na definição do tipo (Acórdão nº 384/2003, de 15/07/2003, Helena Brito, DR II série,

30/01/2004, pags. 1709-1713) .O Tribunal Constitucional tem, aliás, vindo

a entender (cfr., Processo nº 664/94, DR II, de 24 de Fevereiro de 1995), que a regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no art. 29º, nº 1, da CRP, só vale qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau, pois as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas, sendo certo que a norma do art. 3º, EDFAACRL, não é imprecisa, ao ponto de violar os princípios da legalidade e da tipicidade, uma vez que os elementos objectivos do tipo estão suficientemente definidos e previstos .

De sublinhar que “quando se trate de prever penas disciplinares expulsivas – penas, cuja aplicação vai afectar o direito ao exercício de uma profissão ou de um cargo público (garantidos pelo artigo 47º, nºs 1 e 2) ou a segurança no emprego (protegida pelo artigo 53º) –, as normas legais têm que conter um mínimo de determinabilidade. Ou seja: hão-de revestir um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos capazes de induzir a inflicção dessa espécie de penas – o que se torna evidente, se se ponderar que, por força dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, elas só deverão aplicar-se às condutas cuja gravidade o justifique (cf. artigo 18º, nº 2, da Constituição)” (Acórdão nº 384/2003, de 15/07/2003, cit.).

“Simplesmente, num Estado de Direito, nunca os cidadãos (cidadãos-funcionários incluídos) podem ficar à mercê de puros actos de poder. Por isso (...) as normas punitivas de direito disciplinar que prevejam penas expulsivas, atenta a gravidade destas, têm de cumprir uma função de garantia. Têm, por isso, que ser normas delimitadoras.

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É que, a segurança dos cidadãos (e a correspondente confiança deles na ordem jurídica) é um valor essencial no Estado de Direito, que gira em torno da dignidade da pessoa humana – pessoa que é o princípio e o fim do Poder e das instituições (cf. artigos 2º e 266º, nºs 1 e 2, da Constituição)” (Acórdão nº 384/2003, de 15/07/2003, cit.)

Quanto ao ilícito disciplinar, existem pois claros parâmetros a respeitar aquando da aplicação de uma pena, sendo notória a sua objectividade, considerando suficiente a existência de critérios de decisão para a aplicação da sanção .

Constituem-se, assim, à face do art. 3º, EDFAACRL, como elementos essenciais da infracção disciplinar :

I - uma conduta activa ou omissiva do agente (facto) ;

II – conduta essa com carácter ilícito (ilicitude da violação do dever) ;

III – censurabilidade da conduta, a título de dolo ou mera culpa (nexo de imputação).

O arguido vem condenado pela prática de factos consubstanciadores da violação do dever especial de correcção previsto pelo art. 3º, nº 4, f) e nº 10 (“O dever de correcção consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superio-res hierárquicos”), do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administra-ção (actualmente, art. 3º, nº 1, 2, h], e 10, do Estatuto Disciplinar da Função Pública, aprovado pela Lei 58/2008, de 09 de Se-tembro), com negligência e má compreen-são dos seus deveres funcionais (arts. 90º, EFJ, 3º, nºs 1, 4, f), e 10, 11º, nº 1, b), 12º, nº 2 e 23º, nº 1 e 2, d), todos do EDFAA-CRL), numa pena de repreensão escrita, suspensa na sua execução por um período de um ano, se não viesse a ser condenado novamente no seu decurso em virtude de procedimento disciplinar.

E tudo porque o recorrente escreveu (em resposta a uma Solicitação da DGAJ) um mail com o seguinte teor : “Exma. Senhora Directora da Administração Geral da Justi-ça.

Informa que no Tribunal Judicial da Co-marca de ….., o número total dos funcio-nários era de quatro, o número de funcio-nários ausentes por motivo de greve era de quatro, o número de funcionários ausentes por outro motivo era de zero e que os ser-viços mínimos não se encontravam assegu-rados.

Obs: Encontram-se assegurados da mes-ma forma e com o mesmo empenho e de-dicação com que irão ser assegurados no próximo feriado dia 1/11/2005 (terça-feira) ou em todos os feriados posteriores e do-mingos do calendário e em que o período de encerramento do Tribunal é em horas e minutos, pelo menos que eu saiba e pelo relógio no que toca aos funcionários judi-ciais o mesmo e nunca se levantou proble-ma nenhum. DAAAA......”.

O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, nomeadamente quando se reporta a situação de liberdade de expres-são, tem limites, sendo que, “quem quiser desenvolver-se e realizar-se com desrespei-to pelo outro, seu semelhante, pelos outros que são a sua comunidade, e pelas Leis morais, como adverte Mirandola, será um bruto” – Pedro Pais de Vasconcellos, Direi-to de Personalidade, Almedina, Almedina, 2006, pag. 75).

Ora, a expressão utilizada (“Daaa……”) é, como o recorrente bem assinala, uma expressão que traduz um “conceito aberto, não preenchido por uma definição certa e definida, aplicável em todas as situações e sempre da mesma forma. É apta a interpre-tação e permite que cada um possa ter a sua percepção do que a expressão signifi-ca”.

E mais diz o recorrente – e também de forma correcta - que ela foi por si utiliza-da “antes de mais como uma manifestação de desagrado por uma situação, perfeita-mente igual a um vulgar feriado, domingo

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ou dia santo, ter sido tratada pela tutela da forma que é do domínio público. Por-que não utilizar os mesmos argumentos e agir rigorosamente da mesma maneira em todas as situações em que os Tribunais se encontrem encerrados pelo mesmo perío-do de tempo? Os direitos dos cidadãos a salvaguardar não serão rigorosamente os mesmos?” .

O recorrente tem todo o direito à indig-nação, tem todo o direito a discordar da actuação governamental, tem todo o di-reito a discuti-la e mesmo a expressar-se contra ela.

Agora, numa correspondência oficial de-monstrar esse seu desconforto e revolta escrevendo para a Sra. Directora Geral da Administração da Justiça em tom irónico e sarcástico, culminando o texto com um “DAAAA……”, e depois ainda vir dizer que se estava a referir às iniciais de Dificulda-de, Admiração, Angústia e Arrependimen-to, realmente passa das marcas.

Espera-se de uma explicação ou de uma versão, a sua verosimilitude, não cabendo nessa característica, o que começou por ser defendido pelo ora recorrente e volta a sê-lo nas alegações de recurso para o CSM.

O oficial de justiça recorrente tem o di-reito de fazer declarações com o conteúdo que muito bem entender, mas não pode esperar ser levado a sério em tudo o que afirma e nas explicações que dá ("não tem o direito de fazer do juiz tolo", diria Heck). Como alguém disse uma vez, Deus manda-nos ser bons, mas não nos manda ser par-vos !

Os “discursos não são apenas (ou só ex-cepcionalmente o são) signos destinados a ser compreendidos, decifrados; são tam-bém sinais de riqueza destinados a ser ava-liados, apreciados e sinais de autoridade, destinados a ser cridos e obedecidos. (…)

A prática linguística comunica inevitavel-mente, para além da informação declarada, uma informação sobre a maneira (diferen-cial) de comunicar, ou seja, sobre o estilo expressivo que, encarado e apreciado por referência a um universo de estilos teóri-

ca ou praticamente concorrentes, recebe um valor social e eficácia simbólica” (Pier-re Bourdieu, O que falar quer dizer, Difel, 1998, pag. 54)

Os actos, tal como as palavras, ganham vida própria (Jean Baudrillard (Palavras de Ordem, Campo das Letras, 2001, pag. 09), ou como escrevia Almada Negreiros, as “palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um” (A Invenção do Dia Claro, Olisipo, 1921 - edi-ção fac-similada da Assírio & Alvim de 2005 - pag. 19), sendo que, por vezes, as “pa-lavras passam, trespassam, se metamor-foseiam e tornam transmissoras de ideias segundo os rumos mais imprevistos, não calculados” (Jónatas E.M. Machado, Liber-dade de Expressão–Dimensões Constitu-cionais da Esfera Pública no Sistema Social, Universidade de Coimbra-Coimbra Editora, 2002, pag. 10).

A expressão em causa (que não é uma simples interjeição ou sinal fonético), cor-respondendo a um conceito aberto, tem – todavia - um âmbito claro de aplicação : miúdos e graúdos usam-na – em ar de gozo e brincadeira - para dizer que o seu interlo-cutor não percebe o que está a dizer ou a fazer, ou que está lento de raciocínio, tudo num contexto de proximidade e de confian-ça.

O recorrente - indignado - pretendeu es-crever um texto tentando ser engraçado, pretendeu ser sarcástico, pretendeu gozar com a situação, pretendeu ironizar sobre a situação, voltando-se contra a entidade que solicitara a informação e que, por sinal, é a entidade de quem depende hierarqui-camente.

Na linha de Bergson, o riso implica “uma espécie de troça social” (“Tem que ha-ver, com efeito, na causa do cómico qual-quer coisa de levemente atentatório (e de especificamente atentatório) contra a vida social, uma vez que a sociedade responde com um gesto que tem todo o aspecto de uma reacção defensiva, com um gesto que produz um leve medo” - Henri Bergson, O Riso, Relógio d’Água, 1991, pag. 130), que

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traz em si “a intenção inconfessada de hu-milhar, e com ela, é verdade, a de corrigir” : “o riso é antes de tudo, uma sanção. Feito para humilhar, deve dar uma impressão do-lorosa à pessoa que é seu objecto. A socie-dade vinga-se por seu intermédio das liber-dades que foram tomadas contra ela. O riso não atingiria o seu objectivo se trouxesse a marca da simpatia e da bondade” (Geor-ge Minois, História do Riso e do Escárnio, Teorema, 2007, pag. 549 ; também, Hen-ri Bergson, O Riso, Relógio d’Água, 1991, pag. 123).

E o recorrente, com o conteúdo da men-sagem de correio electrónico enviada à DGAJ, quis eco para a sua acção, para as suas ironias (o “riso exige um eco”, diria Bergson, ob. cit., pag. 16), porque o sentido do que disse e como o disse era facilmen-te percepcionável pelo(s) destinatário(s) (o “riso subentende um acordo prévio implíci-to, uma cumplicidade quase, diria eu, com outros que, reais ou imaginários, também riem” - ob. loc. cit.).

A ironia “brinca com o perigo”, é um “riso com retardamento, e também riso nascen-te, depressa estrangulado. (…) Troçava do pormenor em nome do todo. Restituía a cada episódio a importância que lhe cabia : ridículo , num conjunto que não passava de um «diabólico vaudeville»” (George Minois, História do Riso e do Escárnio, Teorema, 2007, pag. 597, citando Vladimir Jankélé-vitch).

A “ironia é de natureza oratória, ao passo que o humor tem qualquer coisa de cientí-fico” (Bergson, ob. cit., pag. 83) e “rebaixa (…) nunca é sublime, nunca é generosa” (André Compte-Sponville, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Editorial Presença, 1995, pag. 228), não tem grandeza, nem é profunda (Rainer Maria Rilke, Cartas a um Poeta, Portugália Editora, 2009, pag. 24).

O recorrente escreveu o que pensou, es-quecendo que se tratava da resposta a um pedido oficial e, como tal, a responder de forma oficial, não de uma pergunta que um amigo faz a outro.

Estamos num âmbito institucional, de

serviço e não pessoal, particular, privado, ou mesmo público.

Os pensamentos (…) são caseiros, e mes-mo entre nós, onde desde há muito tempo se encontram quase todos domesticados, não deixam de conservar um pequeno las-tro selvagem : mal abrem asas elas batem à luz do dia, logo se precipitam de novo para as palavras que os abrigam, protegem e dissimulam” (Marc Augé, As Formas do Esquecimento, Íman Edições, 2001, pags. 11-12)

As palavras que o recorrente escolheu foram desajustadas relativamente ao que, como profissional, lhe era exigível, pois ironizam quanto ao que era solicitado pela DGAJ e terminam com uma manifestação de desrespeito que merece censura.

As palavras fugiram ao controlo do re-corrente, que não teve a virtude de ser prudente (“cuidadoso, cauteloso, arguto; implica gerir correctamente as palavras, poupar recursos, evitar perigos, manter a reserva, pensar com antecedência, prepa-rar. Os opostos da prudência – precipitação, irreflexão, urgência – e a maior parte das pessoas é por vezes culpada destas faltas, em graus diversos – tornam a vida muito mais difícil” - A.C. Grayling, O Significado das Coisas, Gradiva, 2001, pag. 58), não sabendo controlar os seus instintos.

Como assinala Anton Chejov (citado por Purificación Pujol Capilla, Guia de Com-portamiento en las actuaciones judiciales, La Ley, 2007, pag. 95), o “melhor uso que pode fazer-se da palavra em muitas oca-siões, é ficar calado” (o “homem deve en-contrar uma medida justa entre o ouro do silêncio e a prata da palavra, porque uma e outra são indissociáveis”, sendo que, quem fala demais “condena a palavra a tornar-se insignificante e expõe-se ele próprio, ao descrédito, por não saber controlar melhor a fala, tornando-se um fazedor de ruído” - David Le Breton, Do Silêncio, Instituto Pia-get, 1999, pag. 73).

No âmbito do seu serviço, o recorrente

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não poderia actuar como se estivesse à mesa de um café com pessoas da sua con-fiança : trabalho é trabalho…

Claro que depois “de as coisas acontece-rem é quase irresistível reflectir sobre o que teria sido a vida se se tem feito diferente” (Miguel Sousa Tavares, Equador, Oficina do Livro, 2003, pag. 11), mas é certo poder-mos concluir (até pelas excelentes qualida-des profissionais de que é portador), que o recorrente errou não sabendo canalizar a sua indignação de forma adequada, dando distinta utilização à sua liberdade de ex-pressão.

O presente procedimento disciplinar teve em vista avaliar se o desempenho do argui-do recorrente é merecedor de ser sancio-nado disciplinarmente por não ter desem-penhado as suas funções na perspectiva da prossecução do interesse público, violando um dever de comportamento perante os seus superiores hierárquicos.

Considerando os requisitos acima defini-dos, podemos afirmar que:

A - A conduta activa (o facto) está pre-sente.

B - A sua ilicitude também (violação in-justificada do dever de correcção).

C - A censurabilidade não é também co-locada em causa, em face da sua actuação negligente .

A “acção disciplinadora, para ser eficaz e para ser adequada, não deve padecer de dureza excessiva”, quanto mais não seja, para evitar a criação de sentimentos de “re-volta perante a injustiça” (STJ 06/03/1986, BMJ 355-186) .

Não interessa punir por punir .Interessa punir para balizar comporta-

mentos e para sancionar condutas erradas e disciplinarmente relevantes.

Interessa punir para não se deixar uma imagem de facilitismo e de que vale-tudo e tudo se pode fazer e dizer, sem reacção do órgão a quem cabe a apreciação da re-levância disciplinar das condutas dos fun-cionários.

O arguido com a sua conduta de-monstrou uma deficiente compreen-são do alcance dos deveres que sobre si impendem.

O que fez foi muito grave ? Não .Foi despropositado? Também não há dú-

vidas.Merece censura ? Claro que merece, pois

confundiu planos, o pessoal e o profissional, mas tem de ser uma censura proporciona-da e equilibrada, que leve em consideração quer a dimensão externa que a conduta assumiu, quer o contexto em que ocorreu, quer as suas excelentes qualidades pesso-ais e profissionais.

E é por isso que a pena aplicada (incluin-do a sua suspensão de execução), se tem como razoável e adequada ao que se pas-sou, não se vislumbrando qualquer motivo para revogar o acórdão do COJ, ora sob re-curso.

Nestes termos, considerando o preceitu-ado pelo art. 28º, EDFAACRL, designada-mente a gravidade dos factos, a culpa do arguido, a sua personalidade, a natureza do serviço, a sua categoria profissional e todas as circunstâncias que depõem a seu favor e contra si, tem-se a pena aplicada como adequada .

A mesma razoabilidade surgindo com a decisão pela suspensão da execução da pena aplicada, pois a simples ameaça da pena é suficiente para realizar de forma adequada as finalidades de punição – art. 33º, cit. Diploma) .

Assim, inexistindo quaisquer vícios na deliberação em apreciação, terá o presente recurso de ser julgado improcedente .

Decisão:Assim, deliberam os membros do Con-

selho Superior da Magistratura, reunidos em Plenário, julgar improcedente o recur-so, por inexistência dos quaisquer vícios, e, em consequência, manter a deliberação impugnada .

[Relator: Vogal Dr. Edgar Taborda Lopes]

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184 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

9.Acórdão Disciplinar

Pena de Demissão de JuizPrática de actos incompatíveis coma dignidade do exercício de funções

Acordam no Conselho Superior da Magistratura

I. RELATÓRIO

Na sessão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 09.10.2007 foi tomada a deliberação de converter em processo disciplinar o inquérito levado a efeito no processo de averiguações levantado à actuação do Ex.º Juiz de direito Dr. ....

Finda a instrução, foi deduzida a acusação, concluindo-se pelo indício da prática de actos na sua vida pública incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções – art. 82º da Lei 21/85 de 30 de Julho – violando os deveres a que aludem as als. a), c) e f) do n.º 4 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo decreto-lei nº. 24/84, de 16 de Janeiro, aplicável por força do disposto nos artigos 32º e 131º da Lei nº. 21/85, de 30 de Julho, propondo-se a aplicação da pena de demissão, prevista nos arts. 85º, n.º 1, al. g), 95º, n.º 1, als. b) e d), e 107º da Lei 21/85 de 30 de Julho e art. 26 n.º 2, als. a) e b) da Lei 24/84 de 16 de Janeiro.

O arguido apresentou a sua defesa, a fls. 230 e seguintes, colocando as seguintes questões:

- Em relação aos arts. 18º a 27º da acusação, o Ex.º Inspector, no relatório que elaborou, concluiu que nenhum facto se apurara, tendo o CSM notificado o respondente da deliberação que homologou as conclusões desse relatório;

- De qualquer modo, os mesmos datam de 18.10.2002, e estão prescritos nos termos do art. 4º n.º 1 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aplicável por força do art. 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

- Os factos 1 a 17 da acusação, ocorridos de 14 para 15 de Agosto de 2002, sobre os quais não houve procedimento criminal, encontram-se igualmente prescritos.

- No entanto o Conselho Superior da Magistratura apenas instaurou o presente procedimento disciplinar pelos factos por que fora julgado no Proc. N.º 101/03 – 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

- E só a recusa do graduado em consignar no auto a hora da fiscalização é que levou o contestante a negar-se fazer o teste de alcoolémia.

- Razão que motivou o graduado a convidá-lo a acompanhar à esquadra, sem que até ao momento lhe fosse alguma vez perguntada a sua profissão.

- De qualquer modo, os factos ocorreram há mais de 5 anos e o procedimento disciplinar, a par do procedimento criminal, encontra-se prescrito de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 4º do EDFACRL.

- A não aceitar-se a prescrição do procedimento disciplinar, deve a ser suspensa a punição, sempre graduada nos seus mínimos.

O Ex.º Juiz visado juntou documentos e arrolou duas testemunhas em sua defesa, só tendo sido possível efectuar a inquirição a uma delas, por se desconhecer o paradeiro da outra.

A Ex.ª Inspectora Judicial elaborou o relatório final, no qual manteve a proposta de demissão.

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOSEstá provado que: 1. Na noite de … para … de Agosto de

Acórdão Disciplinar - Pena de Demissão (prática de actos incompatíveis com dignidade do exercício de funções)

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185Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

2002, cerca das 00,30 horas, na Rua …, frente ao liceu …, o Dr. ... conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, sem que fizesse uso do cinto de segurança, pelo que foi interceptado por dois agentes da PSP que efectuavam patrulhamento auto.

2. Foi abordado pelos agentes da PSP quando se encontrava parado naquele local, mas com o veículo a trabalhar, a falar com uma senhora que se encontrava da parte de fora do veículo junto ao vidro do lugar do acompanhante. O agente J..dirigiu-se ao Dr. ... e perguntou-lhe se estava isento de usar cinto de segurança, ao que aquele respondeu: “Não estou isento, não uso cinto e nem vou usar”;

3.Tendo-lhe de seguida sido solicitada a sua documentação pessoal e a relativa ao veículo automóvel que conduzia, foi-lhe também perguntada a profissão. Ao que o Ex.º Juiz respondeu: “Não sou obrigado a informar a minha profissão”;

4.Reparando que o autuante, J…, se preparava para passar o respectivo auto de contra-ordenação, o Dr. ... disse: “Pode passar as multas que quiser, que eu não pago, tenho uma pasta cheia delas”;

5. Entretanto, necessitando de parquear o veículo, o autuante permitiu que o fizesse advertindo-o que colocasse previamente o cinto de segurança. O Ex.º Juiz sem acatar tal advertência, ao arrancar, disse de novo: “Já te disse que podes passar as multas que quiseres, que eu não pago nenhuma”;

6. Voltando ao local onde os agentes da PSP se encontravam, e estando ainda no local a referida senhora, prosseguiu: “Esta é a polícia que temos; ando aqui para ver se esta gaja me faz um broche; sabe o que é um broche? É mamar no caralho; não sei se é proibido, antigamente ia-se dormir ao chilindró, agora não sei”;

7. Emitidos os autos de contra-ordenação pelas já referidas conduções sem uso de cinto de segurança, o Dr. ... recusou-se a assinar os mesmos, referindo: “Vocês de

trânsito não percebem nada, de trânsito percebo eu, até já me convidaram para dar aulas de trânsito na Escola Prática de Polícia”;

8. Face às frases que utilizou no diálogo com os agentes da PSP, e porque exalava acentuado hálito a álcool foi solicitada a comparência, no local, de uma viatura daquela corporação equipada com o aparelho “Lion Alcometer SD 400”, com o n.º 24335, a fim de se proceder ao teste de despistagem de álcool no sangue através de ar expirado;

9. Chegada a viatura cerca das 1,25 horas, preparado o aparelho e convidado a efectuar os procedimentos necessários à efectivação do referido teste, o Dr. ... recusou-se a fazê-lo, de forma reiterada, apesar de ter sido informado das consequências da sua conduta;

10. Perante os factos praticados foi então detido e conduzido à …ª. Esquadra da PSP de Lisboa, tendo sido tal detenção comunicada por fax ao Magistrado do Mº. Pº. de turno no T.P.I.C., o que aconteceu às 1,50 horas;

11. Só então é que o Dr. ... se identificou como sendo juiz de direito, exibindo o cartão de identificação n.º … emitido pelo CSTAF, o que determinou a sua imediata libertação;

12. O Ex.º Juiz recusou assinar o auto de libertação dizendo: “Não assino nada disso, vocês não me deram voz de detenção! Por isso até agora vocês fizeram o vosso trabalho, no Tribunal vou eu fazer o meu”.

13. O Dr. ... tinha perfeito conhecimento de que estava obrigado a submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue e que, não o fazendo, como não fez, desobedeceria a uma ordem legítima que lhe fora regularmente comunicada pela autoridade para a mesma competente;

14. Agiu da forma atrás descrita de vontade livre e consciente e bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

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186 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

15. Por estes factos, o Dr. ... foi julgado na Relação de Lisboa, no Processo n.º … da …ª. Secção, mediante acusação deduzida pelo Ministério Público e condenado, em acórdão proferido em 12.12.2003, pela prática em autoria material de um crime de desobediência previsto e punível pelas disposições conjugadas do art. 158º. n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código da Estrada, com referência ao art. 348º, n.º 1, al. a), e art. 69º, n.º 1, al. c) ambos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 25 euros, no total de 1500 euros, e na pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir veículos automóveis;

16. Inconformado, recorreu para o STJ que por Acórdão de 03.06.2004 decidiu rejeitar o recurso na vertente em que o mesmo visava a reapreciação da matéria de facto, para além dos vícios a que alude o art. 410º. n.º 2 do Código Processo Penal, e em negar-lhe provimento no restante assim mantendo a condenação aplicada na Relação de Lisboa;

17. Deste Acórdão do STJ recorreu para o Tribunal Constitucional que em Acórdão de 11.07.2006 decidiu não tomar conhecimento do recurso quanto à inconstitucionalidade alegada de algumas normas dos Códigos Processo Penal, Código Penal e Estatuto dos Magistrados Judiciais e, no mais, negar provimento;

18. Aos 18.10.2002 o cabo da GNR – Brigada de Trânsito de Setúbal – S,,,, mandou parar o veículo automóvel de matrícula …., ligeiro de mercadorias, pertencente à C…., sita na Rua …, o qual havia inobservado um sinal de STOP.

19. Porque o condutor do referido veículo não se fazia acompanhar dos seus documentos pessoais, foi passado o respectivo Aviso (modelo 383) para a apresentação posterior dos documentos na GNR de Azeitão; e foi solicitado a um dos passageiros que atestasse a identidade do condutor, ao que o Ex.º Juiz ... se prontificou a fazer;

20. Durante a actuação da patrulha, O Ex.º Juiz recusou-se a falar com o participante, argumentando que era má educação daquele falar com ele com óculos de sol;

21. Ao lhe ser dito que os óculos eram graduados e receitados pelo médico, disse: “Ganhe juízo homem!”, ao que o participante o advertiu que o estava a ofender e que não voltasse a repetir tais palavras. Contudo o Sr. Juiz prosseguiu: “ Disse e volto a repetir, ganhe juízo homem… ganhe juízo!”;

22. Então o participante disse-lhe que a partir daquele momento ele não sairia já dali pois estava detido, pois era um Agente da Autoridade e Órgão de Polícia Criminal, a cumprir o seu dever e que exigia respeito;

23. O Ex.º Juiz respondeu: “Você não é homem, não é agente da autoridade e nem Órgão de Polícia Criminal, mas apenas um militar. Parece que está comprometido com os casos de corrupção que existem na Brigada de Trânsito, pois a forma como o diz, assim o revela”;

24. O participante pediu-lhe então a identificação e a informação sobre a sua profissão, ao que o mesmo disse ser Juiz de Direito no Tribunal Tributário de 1ª Instância. Porque o participante lhe solicitou que evidenciasse um documento que atestasse aquela profissão, o Dr. ... respondeu que não lhe dava qualquer identificação, se quisessem atestar a sua identificação que telefonassem para o Tribunal Tributário...

25. O cabo da GNR – Brigada de trânsito, S,,,, elaborou um auto de notícia relativo aos factos relatados que deu origem ao processo de Inquérito nº. … da 2ª. Secção B da Delegação do Ministério Público do Tribunal Judicial de …l em que era denunciado o Ex.º Juiz de direito Dr. ...;

26. Neste processo de inquérito foi deduzida acusação pelo Ministério Público imputando ao Dr. ... um crime de injúria agravada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 181º, n.º 1, 184º e 132º, n.º 2, al. j) do Código Penal;

Acórdão Disciplinar - Pena de Demissão (prática de actos incompatíveis com dignidade do exercício de funções)

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27. No dia 05.04.2006, no decurso da audiência de julgamento, o Dr. ... reconheceu que se havia excedido e pediu desculpas. Perante a aceitação do participante/ofendido, foi proferido despacho, transitado em julgado, que homologou a desistência de queixa apresentada e consequentemente determinou a extinção do procedimento criminal;

28. No processo disciplinar n.º 134/89 do CSM, foi aplicada em 13.02.1990 ao Ex.º Juiz a pena de 10 dias de multa, suspensa por 1 ano, por na qualidade de Juiz do TIC de …. haver violado com grave negligência os seus deveres profissionais e de correcção;

29. Esta pena foi declarada extinta por despacho do Exmo. Vice-Presidente do CSM de 04.03.1991;

30. O Dr. ... foi desligado do serviço para efeitos de aposentação/jubilação em 05.01.2004 (cf. fls. 63) e, a seu pedido, em 25.05.2004 por deliberação do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, foi suspensa a situação de jubilação, passando à situação de aposentação.

MOTIVAÇÃO DE FACTO A factualidade dada como assente resulta

da valoração e conjugação dos diversos elementos de prova disponíveis nos autos, designadamente:

- Declarações do Ex.º Juiz visado;- Declarações d cabo da GNR S… e do

soldado F…;- Declarações dos agentes da PSP, ...- Declarações do chefe de esquadra da

PSP, M…- Certidão de fls. 122 a 174 e outros

documentos juntos ao processo.

III. O DIREITODa irrelevância disciplinar dos pontos 18.

a 27:Na defesa que apresentou, o Ex.º Juiz

alega que não deve ser conferida qualquer relevância disciplinar ao episódio ocorrido

em 18.10.2002 (pontos 18. a 27.) uma vez que o CSM já lhe havia comunicado, através do ofício ..., Referência ..., de 26.10.2007, o teor do relatório onde se concluiu que “não se conseguiu apurar algum facto susceptível de importar responsabilidade disciplinar ao Ex.º Juiz no episódio denunciado como ocorrido em 18/10/02 com elementos da Brigada de Trânsito da GNR. O Ex.º Juiz quando ouvido no decurso do presente inquérito negou-os tal como foram descritos no auto de notícia, e se é certo que o Ministério Público por eles veio a deduzir acusação no Processo Comum Singular n.º …. a verdade é que por desistência do queixoso extinguiu-se a responsabilidade criminal sem que tivesse sido possível apurar o que na realidade se passou”.

De facto, parece-nos que assim deve ser considerado.

No termo do inquérito instaurado pelo CSM visando a actuação do Ex.º Juiz, foi elaborado o relatório de fls. 176 a 181, que apreciou os elementos relacionados com os incidentes ocorridos em 15.08.2002 e 18.10.2002.

Quanto ao primeiro, o Ex.º Inspector considerou que os elementos apurados permitiam concluir pela prática de uma infracção disciplinar, por violação do dever de correcção e por incompatibilidade com a dignidade indispensável ao exercício das funções de juiz.

Quanto ao segundo, relatado nos antecedentes pontos 18. a 27, o Ex.º Inspector referiu que “não se conseguiu apurar algum facto susceptível de importar a responsabilidade disciplinar do Ex.º Juiz”.

Na Sessão Plenária ordinária de 09.10.2007, o CSM deliberou nos seguintes termos:

“Concordando com os fundamentos e conclusões apostas no relatório do Ex.º Inspector Judicial Dr. ..., relativamente ao teor do expediente relativo aos autos de inquérito instaurados … em que é visada

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a actuação do Ex.º Juiz de direito jubilado Dr. ..., e porque se apuraram factos que poderão indiciar responsabilidade disciplinar daquele magistrado, integrantes da violação do dever de correcção e que denotam indiciariamente incompatibilidade com a dignidade indispensável ao exercício de funções que desempenhava, foi deliberado converter em processo disciplinar o presente inquérito …” – cfr. fls. 183.

O Ex.º Juiz foi notificado desta deliberação do Plenário e do teor do relatório que lhe serviu de fundamento.

Na dita deliberação foram homologados os fundamentos e conclusões desse relatório, determinando-se apenas o prosseguimento do procedimento disciplinar relativamente aos factos do episódio ocorrido em 15.08.2002 – cfr. fls. 180/181.

Qualquer declaratário normal, colocado na posição do Ex.º Juiz, interpretaria essa deliberação com o sentido de que, em relação aos factos referentes ao episódio do dia 18.10.2002, o processo disciplinar não prosseguiria, por falta de indícios, correspondendo a deliberação do CSM, nessa parte, a um implícito arquivamento dos autos – art. 236º do Código Civil.

Por tal motivo, procede a arguição do Ex.º Juiz, não se tomando em consideração, no âmbito do presente processo disciplinar, nenhum dos factos descritos nos pontos 18. a 27.

Torna-se, pois, inútil o conhecimento da questão da prescrição desses factos, suscitada subsidiariamente nos arts. 10º a 12º da defesa do Ex.º Juiz.

Da prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos dos pontos 1. a 17.

O Ex.º Juiz arguiu, também, a prescrição do procedimento disciplinar em relação aos factos ocorridos em 15.08.2002, por já terem passado mais de 5 anos.

Dispõe o art. 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, DL. n.º 24/84, de 16 de Janeiro, sob a epígrafe “Prescrição de procedimento disciplinar”, aplicável por força do art. 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais que:

O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.

Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses.

Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.

Se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infracção, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto.

Suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.

Ora, os referidos factos foram comunicados por este CSM ao Ex.º Presidente do CSTAF, por ofício datado de 27.02.2003, tendo por base uma notícia publicada na edição de ….2003 do diário “Correio da Manhã”. Por despacho proferido em 06.03.2003, foi determinado que o inquérito que já decorria relativamente a outros factos imputados ao Ex.º Juiz fosse alargado aos factos agora comunicados – cfr. fls. 24.

Acórdão Disciplinar - Pena de Demissão (prática de actos incompatíveis com dignidade do exercício de funções)

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Entretanto, como o Sr. Juiz … regressou aos tribunais judiciais, ordenou-se, em 09.12.2003, a remessa dos autos a este CSM – cfr. fls. 59.

Na Sessão do Plenário de 14.01.2004, face ao expediente recebido, foi deliberado:

“Solicitar ao Ex.º Inspector Judicial, a designar pelo Ex.º Vice-Presidente, que proceda a inquérito, relativamente ao teor do expediente relativo aos autos de inquérito instaurados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e em que é visada a actuação do Juiz de direito jubilado Dr. ...”.

Assim, tendo os factos em questão ocorrido em 15.08.2002, o prazo prescricional para instauração de procedimento disciplinar suspendeu-se, de acordo com o disposto no n. º 5 do art. 4 do ED, em 06.03.2002, quando o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos ordenou que se procedesse a inquérito sobre os factos participados.

O inquérito só suspende o decurso do prazo do prazo prescricional do procedimento disciplinar quando a sua instauração seja necessária para averiguar se certo comportamento é ou não subsumível a certa previsão jurídico-disciplinar, quem foi o seu agente e em que circunstâncias aquele se verificou. Se, todavia, desde logo for possível afirmar-se que certo comportamento, imputável a agente ou funcionário determinados, integra falta disciplinar e tal comportamento chegou ao conhecimento do dirigente máximo do serviço, não há que instaurar inquérito mas, de imediato, processo disciplinar contra o infractor, sob pena de não se suspender o prazo prescricional”.

No caso em apreço, mostrou-se indispensável esclarecer os factos integradores da eventual infracção disciplinar e das circunstâncias relevantes em que a mesma terá sido praticada, pelo que sempre haveria lugar ao inquérito.

A suspensão da prescrição, ditada pela instauração do inquérito, não prejudica a

relevância do tempo entretanto decorrido entre a prática do facto e a instauração do processo, uma vez que, como refere o n.º 1 do art. 4º do ED, a prescrição conta-se a partir do cometimento da infracção.

Tendo a infracção sido cometida em 15.08.2002, até à instauração do processo de inquérito no Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais decorreram menos de 7 meses.

Em 09.10.2007, o CSM deliberou converter em processo disciplinar o dito inquérito, constituindo este a parte instrutória daquele, ao abrigo do disposto no art. 135º, n.º 1, do EMJ.

A notificação dessa deliberação ao Ex.º Juiz (ocorrida, presumivelmente, em 29.10.2007 – art. 254º, n.º 3, do CPC) fixou o início do procedimento disciplinar, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, que culminou com a acusação deduzida em 29.01.2008.

Resulta do exposto, que a instauração do processo disciplinar ocorreu bem antes do termo do prazo prescricional de 3 anos referido no n.º 1 do art. 4º, não se afigurando sequer necessário indagar da aplicação do prazo alargado de prescrição previsto no n.º 3 do mencionado artigo.

Improcede, pelo exposto, a arguição da prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos descritos nos pontos 1. a 17.

Voltemo-nos, agora, para a apreciação da questão de fundo.

O Ex.º Juiz ... foi desligado do serviço para efeitos de aposentação/jubilação, por despacho do Ex.º Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura proferido em 15.12.2003 e publicado na II Série do Diário da República de … – cfr. fls. 53.

Porém, à data dos factos (15.08.2002) estava colocado no Tribunal Tributário de 1ª Instância de … – cfr. certificado de registo individual de fls. 117 a 119.

Não é este o tempo de exigir ao juiz que leve uma vida monástica e que se desligue

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de qualquer vivência social, como sucedia noutras épocas. Mas impõe-se que seja o padrão da correcção e de virtudes éticas e sociais. Só assim poderá aparecer aos olhos do público como digno de confiança quando decide. Um juiz que não cumpre as suas obrigações cívicas, que adopta comportamentos socialmente incorrectos ou que tenta iludir o cumprimento de procedimentos legais por parte das autoridades policiais encarregadas de fiscalizar o trânsito, arrisca-se a ver enfraquecida a mensagem reprovadora das sentenças que emite.

Como afirma Perfecto Ibañes, “não pode desconhecer-se que o papel judicial impõe, na forma em que tradicionalmente é concebido, um acréscimo de rigor e de auto-controlo geralmente maior ao do comum dos cidadãos …”.

É inevitável que o comportamento impróprio de um juiz gere, ou permita gerar, uma generalização a todos os juízes, originando descrença no aparelho de justiça.

É esta a razão pela qual o art. 82º do EMJ (Lei nº 21/85 de 30/7), considera constituírem infracção disciplinar não só os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais, mas também os factos (actos ou omissões) da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.

Efectivamente, os juízes não podem ter um comportamento na sua vida privada que afecte o respeito, a consideração, o prestígio em que são tidos no meio social ou a imagem de dignidade associada à magistratura judicial.

Os factos a que se referem os pontos 1. a 17. desenrolaram-se fora da esfera do exercício da judicatura, mas integram-se

na segunda parte do citado preceito, ou seja, relacionam-se com a vida pública do magistrado.

Faltam-nos palavras para classificar o comportamento do Ex.º Juiz.

Muito sumariamente, o que pode dizer-se é que o Ex.º Juiz tratou com arrogância e desrespeito agentes da autoridade, usou de linguagem obscena e recusou efectuar o teste de álcool no sangue, acabando por ser condenado em processo-crime, por esta última actuação, na pena discriminada no ponto 15.

Mas, qual a pena disciplinar a aplicar?Tal como na condenação em direito

penal (direito subsidiário, como consagra o artigo 131º do E.M.J.), também a punição disciplinar tem como pedras de toque o facto e a culpa, impondo-se considerar o princípio da proporcionalidade das penas, isto é a existência de uma proporção entre as vantagens decorrentes do interesse público e os sacrifícios inerentes dos interesses privados.

Os factos praticados são extremamente graves e a culpa do Ex.º Juiz atinge, pelo que já fomos dizendo, um grau elevadíssimo.

Por isso, a pena proposta pela Ex.ª Inspectora Judicial é a de demissão.

Desde já se adianta que a sanção preconizada é a que melhor responde à actuação do Ex.º Juiz.

Vejamos:Nos termos do art. 95º, n.º 1, do EMJ, as

penas de aposentação compulsiva e de demissão, que se assumem como as mais graves da escala punitiva, são aplicáveis quando o magistrado:

Revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função;

Revele falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa;

Revele inaptidão profissional;Tenha sido condenado por crime

praticado com flagrante e grave abuso da

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função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes.

Ora, a conduta do Ex.º Juiz, nas suas variadas vertentes, tem de ser considerada como imoral e desonrosa, na medida em que, através dela, humilhou as funções dos agentes de autoridade que se limitavam a cumprir as suas atribuições de fiscalização do trânsito, dirigindo-lhes um palavreado grotesco que envergonharia qualquer cidadão comum – al. b).

Por outro lado, a recusa em submeter-se ao teste de alcoolemia traduz uma flagrante violação do dever de obediência à lei, violação essa que, por se tratar de magistrado judicial, se apresenta como mais intolerável, tendo dela derivado a condenação criminal referida no ponto 15. dos factos provados – al. d).

De tudo se conclui que, com as condutas descritas, o Ex.º Juiz ..., enquanto magistrado judicial, praticou actos na sua

vida pública incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções – art. 82º da Lei 21/85 de 30 de Julho. E conclui-se também que a pena disciplinar ajustada aos factos praticados é a pena de demissão, prevista nos arts. 85º, n.º 1, al. g), e 95º, do EMJ, pena essa que implica a perda do estatuto de magistrado e dos correspondentes direitos – art. 107º, n.º 1, do EMJ.

IV. DECISÃO

De acordo com o exposto, acordam os membros do Conselho Superior da Magistratura, reunidos em Permanente, em aplicar ao Ex.º Juiz ..., a pena de demissão, pelos factos descritos nos pontos 1. a 17. da matéria de facto provada.

[Relator: Vogal Dr. Henrique Araújo]

Sala de Reuniões do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura

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Sala do Plenário do Conselho Superior da Magistratura

Conselho Superior da Magistratura

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Pareceres

1.Projecto de Alteração ao

Código de Processo do Trabalho

PARECER1

Assunto/objecto: Alteração ao Código do Processo de Trabalho.

Entidade destinatária: Ministério da Justiça (Ref. n.º 2725).

Fundamento da emissão: artigo 149.º, alínea b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

1. Razão de ordemO artigo 149.º do Estatuto dos Magistrados

Judiciais (EMJ) determina a audição do Conselho Superior da Magistratura (CSM), e a correspondente emissão de parecer, quando estejam em causa diplomas sobre matérias relativas à administração da justiça.

Ainda que, de algum modo, directa ou indirectamente, aquele requisito se 1 O CSM, em ocasiões diferentes do processo legislativo, emitiu Parecer sobre as “alterações ao Código do Processo de Trabalho”. O que se ora publica corresponde ao elaborado na última fase daquele processo, já depois da aprovação da “Lei de Autorização Legislativa” na Assembleia da República. Terá em conta (embora neste preciso momento se desconheça essa realidade, por não ter ainda sido publicado o diploma final) a versão mais próxima daquela que, é de esperar, virá a vigorar.

reflicta na generalidade dos diplomas, num caso como o presente, quando está em causa a alteração (revogação, criação e modificação) de um vasto leque de artigos de um diploma de direito adjectivo, não deixa de ser inequívoca a competência e legitimidade do CSM e o sentido útil – assim se espera – do seu contributo.

2. Considerações préviasO Anteprojecto – assim mesmo chamada

pela entidade requerente - que nos é agora apresentado representa a evolução legislativa de projectos anteriores. Como oportunamente se referiu no primeiro Parecer, ele visará colmatar, com a brevidade que se deduz ter sido a possível, os efeitos adjectivos directos da entrada em vigor do Novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009. Ainda assim, como uma leitura breve do articulado logo deixa transparecer, foi aproveitada a oportunidade para outras (e necessárias) alterações, das quais destacamos a adaptação ao regime dos recursos em processo civil, a consagração expressa da teleconferência e outras modificações em sede de processo executivo laboral.

Importa dizer, sobre o primeiro dos aspectos antes focados, que a celeridade (ao menos comparativa) em fazer reflectir na lei adjectiva as novidades das alterações substantivas se mostra muito positiva e segue um caminho diverso do que aconteceu em ocasião pretérita, quando um (o primeiro) Código do Trabalho viveu todo o seu tempo sem que tenha

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III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

havido qualquer adaptação das normas processuais e deixou aos tribunais, numa dimensão superior ao desejado, a função acumulada de criadores de direito, e fez nascer divergências que o tempo não chegou a colmatar devidamente.

3. Considerações gerais sobre o diploma

A dimensão das alterações introduzidas e a real novidade de muitas delas justificariam, salvo melhor opinião, que a opção fosse a de um novo código, com inequívocos ganhos orgânicos de sistematização e com outro tempo de ponderação no procedimento legislativo.

Não deixa de se aceitar, no entanto, que não tenha sido essa a opção legislativa, eventual, mas compreensivelmente, por razões de celeridade.

4. Considerações específicasUma vez que o CSM, em ocasião pretérita,

já se pronunciou sobre muitas das alterações propostas e, várias delas, mostram-se agora modificadas (até no sentido por nós proposto, o que não deixa de se notar) optou-se, desta vez, por uma metodologia que, percorrendo os diversos normativos, salienta, em anotação a cada um deles, o que nos parece mais pertinente.

Pensamos que, deste modo, melhor se entenderá o sentido e o alcance deste Parecer.

(...)

Artigo 1.ºAlteração ao Código de Processo do Trabalho

1 - Os artigos 4.º, 5.º, 10.º, 13.º, 15.º, 18.º, 21.º, 24.º, 26.º, 30.º, 32.º, 34.º a 40.º, 45.º, 46.º, 60.º, 67.º, 68.º, 70.º, 75.º, 77.º, 79.º a 83.º, 87.º, 90.º, 99.º, 101.º, 104.º, 108.º, 120.º, 148.º, 152.º, 162.º, 164.º, 165.º, 168.º, 173.º, 174.º, 180.º, 181.º e 185.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, passam a ter a seguinte redacção:

Em relação ao Anteprojecto inicial já não é alterado o artigo 73.º nem os artigos 170.º, 171.º e 172º. No primeiro havia-se previsto (desnecessariamente, pensamos) um n.º 4 onde se dizia que “No caso de ter sido requerida a reintegração, independentemente da fase do processo em que tenha ocorrido, a sentença deve conhecer essa questão”. Nos artigos 170.º a 172.º, no fundo, usava-se a acção especial – e com destinatários especiais – ali consagrada (a Impugnação Judicial de Decisão Disciplinar) para os casos das sanções previstas nas alíneas a) a e) do artigo 328.º do Código do Trabalho, ou seja, sanções diversas e inferiores ao despedimento disciplinar. Criava-se a ideia – que, assim, quase passava a inequívoca – que este regime (especial) era aplicável à generalidade dos trabalhadores e às diversas formas de contratação laboral, quando lhes deve ser aplicável, isso sim, o processo comum. Pensamos que a não alteração dos aludidos preceitos corrige a questão e passa a afastar as dúvidas que podiam nascer daquele Anteprojecto.

«Artigo 4.º[…]

As associações sindicais e as associações de empregadores outorgantes de convenções colectivas de trabalho, bem como os trabalhadores e os empregadores directamente interessados, são partes legítimas nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções.

Semelhante ao primeiro Anteprojecto, onde já ocorriam as alterações de nomenclatura. Agora, ocorre a substituição das entidades outorgantes por quem efectivamente pode outorgar (associações sindicais e associações de empregadores). Alterações sem razão para crítica.

Artigo 5.ºLegitimidade de estruturas de representação

colectiva dos trabalhadores e de associações de empregadores

Alteração do Código de Processo de Trabalho

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1 - As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam. 2 - As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem: a) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo; b) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores; c) […]. 3 – […]. 4 – […]. 5 - Nas acções em que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores ou dos empregadores, as respectivas associações podem intervir como assistentes dos seus associados, desde que exista da parte dos interessados declaração escrita de aceitação da intervenção. 6 – As estruturas de representação colectiva dos trabalhadores são parte legítima como autor nas acções em que estejam em causa a qualificação de informações como confidenciais ou a recusa de prestação de informação ou de realização de consultas por parte do empregador.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Alterações de simples nomenclatura e correcção adequada do anterior lapso de numeração (n.º 7 em vez de n.º 6). Nada a dizer.

Artigo 10.º[…]

1 - Na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção. 2 - Inclui-se, igualmente, na competência internacional dos tribunais do trabalho:

Os casos de destacamento para outros a) Estados de trabalhadores contratados por empresas estabelecidas em Portugal;As questões relativas a conselhos de b) empresas europeus e procedimentos de informação e consulta em que a administração do grupo esteja sediada em Portugal ou que respeita a empresa do grupo sediada em Portugal.

Igual ao primeiro, mas com a correcção ortográfica (“sediada”).

Artigo 13.º[…]

1 - […]2 - As entidades empregadoras ou seguradoras, bem como as instituições de previdência, consi-deram-se também domiciliadas no lugar onde tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 15.º[…]

1 – […].2 – […].3 – […].4 – É também competente o tribunal do domicilio do sinistrado, doente ou beneficiário se ele o re-querer até à fase contenciosa do processo ou se aí tiver apresentado a participação.5 – Em caso de pluralidade de beneficiários em que vários tenham exercido a faculdade prevista no número anterior é territorialmente competen-te: a) O tribunal da área de residência do maior número de beneficiários; ou b) O tribunal da área da residência do grupo de beneficiários que se formar primeiro, no caso de haver dois ou mais grupos com o mesmo nú-mero de beneficiários.6 – [anterior n.º 5].

Diferente do primeiro Anteprojecto. Aí ocorria a falta de um eventual esclare-cimento para o caso de a pretensão ser formulada em número igual ou ser igual o número dos residentes na área de com-petência de determinado tribunal do tra-balho e, mais genericamente, o saber-se se o número relevante é o da totalidade dos interessados ou o número daqueles que requerem.

Perante essa constatação, surgem agora as alíneas a) e b) do n.º 5.

No entanto, parece-nos que a constru-ção feita pode dificultar a percepção do problema e diminuir a clareza da solução, impondo um novo conceito (grupo de be-neficiários) que nos parece escusado e desnecessário.

Importa dizer que o âmbito relevante

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do preceito se restringe aos acidentes mortais (onde há beneficiários) já que nos processos com sinistrado, a cada si-nistrado corresponde necessariamente um processo e nunca haverá mais que uma pessoa a requerer a modificação de competência.

Parece-nos que a redacção pode ser simplificada, sem deixar de prever todas as hipóteses relevantes (sendo certo que é apenas num processo que a questão efectivamente se coloca, pois se houver mais que um o problema é prévia e é de litispendência).

Sugeria-se a eliminação da alínea b) e, por consequência, também da alí-nea a) do n.º 5 ficando o seu conteúdo compreendido no próprio número e num fórmula deste género: “Em caso de uma pluralidade de beneficiários exercer a faculdade prevista no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da área da residência do maior número deles ou, em caso se ser igual o número de requerentes, o tribunal da área de re-sidência do primeiro a requerer”. (ou do primeiro requerente; ou do primeiro que haja requerido)

Em qualquer dos casos, a expressão não deve mudar, ou seja, contrariamente ao que se escreveu, deve ser “área de residência” ou “área da residência”, mas não ambas as hipóteses, como agora aparecem.

Artigo 18.ºAcções de liquidação e partilha de bens de insti-tuições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comis-sões de trabalhadores e outras em que sejam requeridas essas instituições, associações ou comissões1 - Nas acções de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores ou noutras em que seja requerida uma dessas instituições, associa-ções ou comissões é competente o tribunal da respectiva sede. 2 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar.

Artigo 21.º[…]

[…]: 1.ª […]; 2.ª Acções de impugnação judicial da regularida-de e licitude do despedimento; 3.ª [anterior 2.ª]; 4.ª [anterior 3.ª]; 5.ª [anterior 4.ª]; 6.ª [anterior 5.ª]; 7.ª [anterior 6.ª]; 8.ª [anterior 7.ª]; 9.ª [anterior 8.ª]; 10.ª [anterior 9.ª]; 11.ª […]; 12.ª Outros processos especiais previstos neste código;13.ª [anterior 12.ª]

Quase igual ao primeiro Anteprojecto. A alteração decorre (agora) do novo nome dado à (nova) acção especial que não é “de apreciação judicial de regularidade e licitude do despedimento” mas – como se vê – “de impugnação judicial da regulari-dade e licitude do despedimento”.

Sendo à primeira vista uma diferença apenas de nome, representa bem mais que isso e vinca que a acção em causa não é uma acção de mera apreciação, como inicialmente se chegou a pensar e a defender.

O nome, no caso presente, clarifica o sentido e alcance desta nova acção es-pecial.

Artigo 24.º[…]

1 – […]. 2 - Nos casos de representação ou patrocínio ofi-cioso, a notificação é feita simultaneamente ao representado ou patrocinado e ao representante ou patrono oficioso, independentemente de des-pacho.3 – […]. 4 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nor-ma positiva, que consagra uma prática já habitual e que afasta uma particulari-dade do processo laboral que, em nosso

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entender, já não tinha razão de ser nem justificação.

Artigo 26.º

[...]1 – Têm natureza urgente:a) A acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento;b) A acção em que esteja em causa o despedimento de membro de estrutura de representação colectiva dos trabalhadores;c) A acção em que esteja em causa o despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou trabalhador no gozo de licença parental;d) A acção de impugnação de despedimento colectivo;e) As acções emergentes de acidente de trabalho e de doença profissionalf) A acção de impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas;g) A acção de tutela da personalidade do trabalhador;h) As acções relativas à igualdade e não discriminação em função do sexo.2 – As acções a que se refere a alínea e) do número anterior correm oficiosamente. 3 – Na acção emergente de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação.4 – Na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a instância inicia-se com o recebimento do requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 387.ºdo Código do Trabalho.

Igual ao Anteprojecto, ressalvando o nome da acção (de impugnação) prevista na alínea a).

Continua, por isso, a merecer as críticas que decorrem do facto de cada vez haver mais acções com natureza urgente, perante os mesmos meios disponíveis nos tribunais do trabalho.

É ocasião de repetir aqui o que já se disse em momento anterior.

Assim, permitimo-nos repetir, como consideração geral respeitante a este preceito e à “filosofia” que dele decorre, que “quando tudo é urgente, nada é urgente”, mormente se dentro das urgências previstas nenhuma é distinguida e não se estabelecem quaisquer prioridades entre elas.

Pensamos que este aspecto exige do CSM uma firme e clara posição; com efeito, ou não se lhe dá a importância merecida ou, ao dá-la, constatamos graves consequências na organização e gestão judiciária, desde logo nos efeitos que terá na disponibilização de meios e, nomeadamente, na organização dos turnos de férias.

Sabemos que o ideal é que todos os processos corram com a maior celeridade (possível), em especial quando estão em jogo interesse como aqueles que são os tratados nos tribunais do trabalho. Mas, tantas vezes, o ideal é inimigo do razoável e do possível…

Com o artigo em análise é mantida a natureza urgente de todas as acções que já a tinham (três). Além delas acrescentam-se mais cinco. Torna-se claro que a esmagadora maioria das acções que habitualmente correm termos nos tribunais do trabalho são (ou passam a ser) acções urgentes e o seu número – ponderando os meios existentes nesses tribunais – é claramente incompatível com a sua (verdadeira) tramitação urgente. E quando falamos em meios, acrescente-se, sequer nos estamos apenas a referir aos magistrados, pois é inequívoco que as secretarias não conseguem tratar como urgentes todas estas acções, quando já apresentam notórias dificuldades em assim tratar devidamente os processos especiais emergentes de acidente de trabalho.

Ousamos dizer que o preceito parte de uma ficção que o legislador não deve ignorar, muito menos (e estamos longe de pensar ser esse o propósito) poderá escudar-se na sua definição, na classificação das acções, para passar ao aplicador e aos tribunais os efeitos nefastos de uma real impossibilidade prática.

Devemos dizer, com toda a clareza, que já hoje os tribunais do trabalho

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(compreendidos em toda a sua dimensão: secretarias, juízes e magistrados do M.P.) não conseguem tramitar como urgentes, desde logo nas férias judiciais, todas as acções especiais emergentes de acidente de trabalho (primeiras a serem definidas como urgentes e nas quais inequivocamente os interesses em jogo reclamam acentuada celeridade) e tem-se vivido na aparência que redunda no efeito perverso da urgência se reflectir apenas (ou quase apenas) nos prazos das partes, ou seja, afinal, na preclusão de direitos dos sinistrados ou beneficiários2.

Não pode esquecer-se, por outro lado, que as férias judiciais foram significativamente encurtadas (significativamente no sentido objectivo que o período que ia de 16 de Julho a 15 de Setembro passou a abranger apenas o mês de Agosto) e a tramitação destes processos no mês de Agosto redunda numa escassa celeridade (quando a haja, o que será raro) mas no evidente prejuízo substantivo da sua tramitação ser feita por magistrados não especializados nestas matérias3.

O que importaria era reconhecer esta realidade e, por exemplo, desqualificar parcialmente a urgência dos acidentes de trabalho4 ou, então e por outra via, definir

2 Com efeito, onde se tem verifi cado a conse- Com efeito, onde se tem verificado a conse-quência nefasta da definição daqueles proces-sos como urgentes tem sido na inadmissão de recursos, porquanto instaurados sem se atender ao facto do respectivo prazo correr em férias ju-diciais.

3 Acresce que não será solução organizar tur- Acresce que não será solução organizar tur-nos autónomos, atenta a dimensão da abrangên-cia geográfica dos tribunais do trabalho.

4 Urgência global que, em bom rigor, custa a entender, quando esses processos têm mecanis-mos cautelares de fixação provisória do direito do sinistrado ou beneficiário e, algo incongruen-temente (mas que é mantido…) prevêem actos urgentes (por exemplo o exame por junta médi-ca) dentro da urgência geral. Em muitos caos, a LAT já determina que haja pagamento imediato e provisório da pensão, acautelando o direito do sinistrado.

a urgência, de molde a que os processos não tenham que correr termos nas “curtas (de um mês)” férias judiciais.

No entanto, ao invés, o legislador mantém a urgência sem qualquer alteração e “multiplica-a” por outras acções.

Sugere-se que o preceito seja repensado e que, no mínimo, se estabeleçam preferências (prioridades) dentro das urgências legalmente previstas ou, dentro de cada processo, se definam fases de urgência ou, talvez melhor, se afastem as férias judiciais como ocasião de prosseguimento das acções, ressalvados aí os casos em que essa tramitação seja resultado da obrigação de evitar um dano irreparável.

Não ignoramos que possa parecer “politicamente incorrecto” afirmar-se que nem todos os acidentes são processos urgentes e compreendemos que ao legislador cabe essencialmente uma definição abstracta do modo de defesa e ponderação dos interesses em litígio, mas não podemos deixar de afirmar a falta de realismo prático que decorre do preceito.

Acresce que – e repetimos - a manutenção de todos os processos urgentes que já existiam e o seu acréscimo não pode deixar de implicar que isso mesmo seja tido em conta nos turnos de férias e não deixa de ser complicadíssimo que os juízes de turno, sem a desejada especialização, venham a fazer julgamentos – e decisões – em processos especiais, sejam os emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais sejam os da nova acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Por tudo, sugeríamos, a não ser ponderada uma diminuição clara dos processos considerados urgentes5, que

5 Solução que – admitimos – possa encontrar obstáculos na Lei de Autorização.

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se afastasse a aplicação directa do artigo 144.º, n.º 1 do CPC. Em rigor, este preceito continua a ter a redacção do tempo em que as férias judiciais eram de dois meses e, por outro lado, a dogmática e a autonomia do direito processual laboral permitem, e até aconselham, soluções que não tenham de ser a cópia do processo civil.

Em suma, salvo melhor saber, a solução do “irrealismo” deste preceito tem de passar por uma de duas vias, caso se não entenda possível conciliar ambas:

1. diminuir o número de processos urgentes ou

2. determinar que só corram em férias os processos (urgentes) em que isso mesmo seja declarado pelo juiz titular (à contrário do n.º 1 do artigo 144.º do CPC), naturalmente, neste caso, sem prejuízo de sempre correrem os processos que se destinam à prática de actos que evitem um dano irreparável ( de acordo com o n.º 2 do artigo 143.º do CPC)

Para a primeira hipótese eliminar-se-iam, por exemplo, as urgências das alíneas f) a g) e ainda alguns casos de acidentes de trabalho (por exemplo “as acções emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, antes do início da fase contenciosa e, nesta fase, quando, não estando provisoriamente fixada a pensão, em razão do tempo decorrido desde a participação e ponderando o interesse social relevante, for determinada, em despacho fundamentado, a sua urgência”).

Admitimos que esta primeira hipótese – que só é quantitativamente viável se abranger parcialmente os processos emergentes de acidente de trabalho – possa entrar em conflito com o âmbito da Lei de Autorização. Acresce que preferiríamos a outra (segunda) hipótese, pelas melhores garantias que oferece, em termos de melhor respeito da

especialização dos tribunais do trabalho.Para essa segunda hipótese

sugeriríamos uma formulação deste género, renumerando-se o artigo 26.º:

“2 – Às acções de natureza urgente é aplicável o disposto no artigo 143.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e os actos a praticar nessas acções têm lugar em férias quando, em despacho fundamentado, tal for determinado”. (… praticam-se sem interrupções os actos que se destinem a evitar dano irreparável e o demais actos terão lugar em férias judiais quando, em despacho fundamentado, tal for determinado…. )

Sobre os efeitos desta solução na ac-ção especial de impugnação da regulari-dade e licitude do despedimento, cf. ano-tação ao artigo 98.º - O (Deduções).

Artigo 30.º1 – A reconvenção é admissível quando o pedi-do do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 60.º e no n.º 3 do artigo 98.º - L e nos casos referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei 52/2008, de 28 de Agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.2 – […]

Alterado em relação ao primeiro Ante-projecto. A primeira redacção compre-endia-se como decorrente da existência em simultâneo de duas LOFTJs, a Lei 3/99 e a Lei 52/2008. A crítica então feita (“o princípio que aqui se afirma não deixa de ser negado, nomeadamente na acção es-pecial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, tal como nos casos previstos pelo n.º 2 do artigo 60.º e talvez se aumentasse a clareza deste preceito se, desde logo, as excepções fossem tipificadas, ou fosse prevista, pelo menos, uma fórmula genérica (sem prejuízo das excepções…”) foi levada em conta, facto que se deve assinalar positi-vamente.

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Artigo 32.º[…]

1 – […]2 - Nos casos de admissibilidade de oposição, as partes são advertidas para comparecer pessoal-mente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, fazer-se representar por man-datário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, na audiência, na qual se procederá à tentativa de conciliação.3 – Sempre que as partes se fizerem representar por mandatário nos termos do número anterior, o mandatário deve informar-se previamente so-bre os termos em que o mandante aceita a con-ciliação. 4 – [Anterior n.º 3]

Foi eliminado o n.º 3 do primeiro Ante-projecto, que previa a tentativa de con-ciliação a preceder a audiência. Diversa-mente, no entanto, veio a manter-se essa separação mais à frente, nos casos da audiência de julgamento (artigo 70.º).

O actual n.º 3 resulta, se bem pensa-mos, da constatação de uma realidade que foi evidenciada no Parecer do CSM: os mandatários das partes, desacompa-nhados destas, muitas vezes não conse-guem chegar a acordo, quando, tantas vezes, as próprias partes o alcançariam.

Não obstante essa realidade e elogian-do-se a postura do legislador em não a ignorar e tentar corrigi-la, o certo é que o actual n.º 3 não nos parece ser uma norma de natureza processual, mas uma verdadeira norma deontológica. Mesmo que com algum prejuízo para as conci-liações, entendemos que a obrigação im-posta no n.º 3 não tem cabimento num código de processo.

Por outro lado, é – se a expressão nos é consentida – uma norma vazia, mesmo que bem intencionada. De facto, o dever do mandatário é completamente insin-dicável no processo e não tem qualquer efeito neste.

Em suma, mesmo compreendendo a intenção positiva do legislador, sugeri-mos a eliminação do preceito.

Artigo 34.º[…]

1 - Apresentado o requerimento inicial no prazo previsto no artigo 386.º do Código do Trabalho o juiz ordena a citação do requerido para se opor, querendo, e designa no mesmo acto data para a audiência final, que deve realizar-se no prazo de 15 dias.2 – Se for invocado despedimento precedido de procedimento disciplinar, o juiz, no despacho re-ferido no número anterior, ordena a notificação do requerido para, no prazo da oposição, juntar o procedimento, que é apensado aos autos.3 – Nos casos de despedimento colectivo, por ex-tinção do posto de trabalho e por inadaptação, o juiz notifica o requerido para, no prazo da oposi-ção, juntar aos autos os documentos comprovati-vos do cumprimento das formalidades exigidas.4 – A impugnação judicial da regularidade e li-citude do despedimento, deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no artigo 98.º-C, sob pena de extinção do procedimento cautelar.

Igual ao primeiro Anteprojecto, ressal-vando a alteração do nome da acção no n.º 4 (impugnação em vez de aprecia-ção).

Artigo 35.º[…]

1 - As partes podem apresentar qualquer meio de prova, sendo limitado a três o número de tes-temunhas.2 - O tribunal pode, oficiosamente, determinar a produção de outras provas que considere indis-pensáveis à decisão.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Em termos dogmáticos, continuamos a

ter muitas dúvidas da vantagem da pro-va testemunhal, naturalmente nos caos em que houve um procedimento discipli-nar. Pensamos que melhor seria, quando tenha havido um tal procedimento, que essa prova não fosse admitida. Com efei-to, a providência cautelar, por natureza e definição, célere e urgente, adensa-se e complica-se.

Artigo 36.º[…]

1 - As partes devem comparecer pessoalmente na audiência final ou, em caso de justificada im-

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possibilidade de comparência, fazer-se represen-tar por mandatário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir.2 - Na audiência, o juiz tentará a conciliação e, se esta não resultar, ouve as partes e ordena a pro-dução da prova a que houver lugar, proferindo, de seguida, a decisão. 3 – […].4 – Requerida a impugnação judicial da regula-ridade e licitude do despedimento, aplica-se o disposto no n.º 4 do artigo 98.º - F, sendo dispen-sada a tentativa de conciliação referida no n.º 2.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Como se vê a tentativa de conciliação já estava prevista no n.º 2 e daí a correcta elimina-ção do n.º 3 do artigo 32.º. A possibilidade das partes se poderem fazer representar por mandatário é simplificadora, mas, na prática, corresponderá a uma diminuição das conciliações.

Ainda assim, como se disse supra, achamos que não deve ser plasmada num código do processo a obrigação (in-controlável…) prevista no n.º 3 do artigo 32.º.

Artigo 37.º[…]

1 - Na falta de comparência injustificada do re-querente, ou de ambas as partes, sem que se tenham feito representar por mandatário com poderes especiais, a providência é logo indefe-rida. 2 - Se o requerido não comparecer nem justificar a falta no próprio acto, nem se fizer representar por mandatário com poderes especiais, a provi-dência é julgada procedente, salvo se tiver ha-vido cumprimento do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 34.º, caso em que o juiz decide com base nos elementos constantes dos autos e na prova que oficiosamente determinar. 3 - Se alguma ou ambas as partes faltarem justi-ficadamente, o juiz decide nos termos da segun-da parte do número anterior.

Eliminação do anterior n.º 4 do primeiro Anteprojecto (“Quando a acção principal da qual o procedimento cautelar depen-de seja a acção de apreciação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em caso de falta de comparência de al-guma ou ambas as partes, o juiz decide logo sobre a causa principal, nos termos

do disposto nos artigos 98.º - G e 98.º H, seguindo-se os trâmites aí previstos”)

Artigo 38.º[…]

1 – Se o requerido não cumprir injustificadamen-te o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 34.º, a pro-vidência é decretada.2 – Se o não cumprimento for justificado até ao termo do prazo da oposição, o juiz decide com base nos elementos constantes dos autos e na prova que oficiosamente determinar.

Semelhante ao primeiro Anteprojec-to, mas com o esclarecimento que o juiz decide (não nos termos do n.º 2 do ar-tigo anterior) com base nos elementos constantes dos autos e na prova que ofi-ciosamente determinar. Se bem vemos, parece que o prazo não será aquele que o Juiz fixar, mas o prazo que já se mostra previsto no n.º 2 do artigo 34.º. Mal não haveria, no entanto, que o prazo fosse fi-xado pelo Juiz e que o seu termo final an-tecedesse o esgotamento do prazo total (final) da oposição.

O que se escreveu antes parece agora clarificado, na medida em que, em lugar do “do prazo fixado” se passou a escrever do “prazo da oposição”. Sem embargo de entender-mos melhor um outro prazo, não deixa de ser positiva a clarificação.

Artigo 39.º[…]

1 - A suspensão é decretada se o tribunal, pon-deradas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:a) Pela provável inexistência de processo discipli-nar ou pela sua provável nulidade;b) Pela provável inexistência de justa causa; ouc) Nos casos de despedimento colectivo, pela provável inobservância das formalidades cons-tantes do artigo 383.º do Código do Trabalho2 - A decisão sobre a suspensão tem força execu-tiva relativamente às retribuições em dívida, de-vendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento. 3 - A execução, com trato sucessivo, segue os termos dos artigos 89.º e seguintes, com as ne-cessárias adaptações.

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Modificado em relação ao primeiro Anteprojecto, acrescentando-se exem-plificativamente as alíneas do n.º 1. Já lá estariam todas as hipóteses, mas nada obsta à melhoria de clarificação que se assim é obtida.

Artigo 40º

[…]1 - Da decisão final cabe sempre recurso de ape-lação para a Relação. 2 - O recurso tem efeito meramente devolutivo, mas ao recurso da decisão que decretar a provi-dência é atribuído efeito suspensivo se, no acto de interposição, o recorrente depositar no tribu-nal a quantia correspondente a seis meses de re-tribuição do recorrido, acrescida das correspon-dentes contribuições para a segurança social.3 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar.

Artigo 45.º

[…] 1 - Apresentado o requerimento, o juiz pode de-terminar a realização, pela entidade com compe-tência inspectiva em matéria laboral, de exame sumário às instalações, locais e processos de trabalho, com vista à detecção dos perigos ale-gados pelo requerente. 2 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a dizer.

Artigo 46.º[…]

1 – […].2 – O decretamento das providências não preju-dica a responsabilidade civil, criminal ou contra-ordenacional que ao caso couber, nos termos da lei.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Parece inequívoco que assim tinha necessaria-mente de ser. Nada obsta, no entanto, que isso mesmo seja vincado pelo Códi-go.

Artigo 60.º[…]

1 – […]. 2 - Independentemente do valor da causa pode, igualmente, o autor responder à contestação, no prazo de 10 dias, se o réu tiver usado da facul-dade prevista no n.º 4 do artigo 398.º do Código do Trabalho.

3 – Não tendo sido deduzida excepção ou não havendo reconvenção, só são admitidos articu-lados supervenientes nos termos do artigo 506.º do Código de Processo Civil ou para os efeitos do artigo 28.º.4 – [anterior n.º3].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Louva-se a consagração da inequívoca dupla hi-pótese, agora expressamente resultante da substituição do “e” pelo “ou” no n.º 3 do artigo. Deixa de poder defender-se a necessidade de preenchimento dos dois requisitos para serem admissíveis os ar-ticulados supervenientes.

Artigo 67.ºInquirição de testemunhas

As testemunhas depõem na audiência final, pre-sencialmente ou através de teleconferência, nos termos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do juiz poder ordenar, oficiosamente ou a reque-rimento das partes, que sejam ouvidas presen-cialmente testemunhas que residam na área de competência territorial do tribunal.

Diferente do primeiro Anteprojecto. Na ocasião, foi dito o seguinte: “Constitui uma alteração significativa, mormente para quem defendia que, até agora, o regime da teleconferência não tinha aplicação (ou directa aplicação) ao processo do trabalho. Sem embargo, a aplicação directa do Código de Processo Civil esquece algumas particularidades do processo laboral e da competência territorial dos tribunais do trabalho, tribunais que abrangem habitualmente mais que uma Comarca, mais que um Círculo e, algumas vezes, mesmo mais que dois6. Uma vez que o princípio consagrado no processo civil é o da audição em teleconferência das testemunhas relativamente às quais se não tenha declarado que são apresentadas, irá suceder que o conjunto

6 A título de exemplo, o Tribunal do Trabalho de Coimbra abrange os círculos de Pombal e de Coimbra (ao qual, recentemente, se juntou a Co-marca da Mealhada) e, além deles, a Comarca de Oliveira do Hospital.

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de diligências destinadas à efectivação desse modo de inquirição redundará muitas vezes em clara inutilidade. Por outro lado, a previsão do artigo 623.º, n.º 2 do CPC não é coerente com a marcação da audiência de julgamento na audiência de partes. Os interesses em jogo nos tribunais do trabalho, a disparidade da competência territorial e o dever de marcação da audiência de julgamento na fase inicial do processo deviam obstar a uma transposição directa das normas do processo civil. Melhor seria que se criasse um regime semelhante ao que se prevê para o processo penal, no qual o papel do juiz é relevante no deferimento da possibilidade de utilização da teleconferência. Em suma, a aplicação do regime da teleconferência só representa verdadeira utilidade se for feita “com as devidas adaptações” e estas não podem esquecer a competência territorial dos tribunais do trabalho (como, aliás, não esquecem para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto – artigo 623.º, n.º 5 do CPC) a ocasião legal de marcação da data da audiência final e, nesse contexto, que o uso da teleconferência, diversamente ao que sucede no processo civil, devia ser requerido, em lugar de ser aplicada por falta de declaração contrária. O que se sugere vivamente é de molde a afastar o risco que se vem traduzindo na utilizar de mecanismos pretensamente céleres mas que redundam num efeito contrário. Nesse sentido, pelo menos, devia ficar consagrado que a aplicação do regime da teleconferência era feita:

- a requerimento das partes;- com as necessárias adaptações;- atendendo à competência territorial

dos tribunais do trabalho7 e- salvo se o juiz considerar imprescindível

7 Parece não fazer qualquer sentido que o tri- Parece não fazer qualquer sentido que o tri-bunal se possa (ou deva) deslocar ao local (ainda da sua competência territorial, mesmo que em outro Círculo) e a testemunha tenha que aí ser ouvida por teleconferência!

a presença da testemunha8.”Parte do que então foi dito, devemos

reconhecê-lo, não deixou de ser tido em conta na nova redacção, representando uma sensata alteração que, desde logo, evitará problemas resultantes da diferente competência territorial dos tribunais do trabalho.

No entanto, parece-nos que a parte que apresenta a testemunha já decide a sua audição presencial, não sendo claro se o requerimento é conjunto.

Por outro lado, e mais significativamente, a solução encontrada – ainda que mais clara, deve dizer-se – já resultaria, salvo melhor entendimento, das regras de interpretação da competência territorial (basta pensar nos casos em que o tribunal se desloca ao local para audição da prova testemunhal… desloca-se ao local para o qual tem competência territorial…).

Melhor seria – e isso sim, seria uma alteração verdadeiramente significativa, célere e muito útil – que a faculdade prevista na segunda parte do preceito fosse ampliada. No fundo que se admitisse o seguinte: “que sejam ouvidas presencialmente testemunhas mesmo que residam fora da área de competência territorial do tribunal”.

Admite-se que para esta hipótese sejam criadas algumas condicionantes objectivas e sempre o dever de fundamentação. Uma das hipóteses para a qual devia ser sempre admissível a inquirição presencial é a das Comarcas ou dos Círculos limítrofes9. Para se ter ideia dessa necessidade pode pensar-se no Tribunal do Trabalho de Coimbra: a testemunha residente na saída Norte de Coimbra tinha que se deslocar a

8 No regime que até agora vem vigorando, com claros e compreensíveis benefícios de celeridade e melhor produção de prova, as cartas precatórias não eram expedidas quando o juiz considerava o depoimento necessário.

9 Um princípio que o próprio CPC aplica às áre- Um princípio que o próprio CPC aplica às áre-as metropolitanas de Lisboa e Porto.

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uma comarca mais longínqua que este Tribunal (Mealhada, por exemplo), a fim de ser ouvida por teleconferência.

Não deve esquecer-se que as testemunhas têm direito a serem compensadas na sua deslocação; que o sistema de teleconferência acarreta alguns adiamentos e que há diversos casos (por exemplo, julgamento onde a prova é quase toda de explicação de documentos) em que a teleconferência não permite o correcto apuramento dos factos.

Artigo 68.º[…]

1 – […].2 – […].3 – A instrução, discussão e julgamento da causa incumbem ao tribunal colectivo nas causas de valor superior à alçada da Relação desde que ambas as partes o requeiram e nenhuma tenha requerido a gravação da audiência.4 – A gravação da audiência e intervenção do tribunal colectivo devem ser requeridas na audiência preliminar, se a esta houver lugar, ou até 20 dias antes da data fixada para a audiência de julgamento.5 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 70.ºTentativa obrigatória de conciliação e causas de

adiamento da audiência1 – Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas o juiz procura conciliar as partes.2 – Frustrada a conciliação, é aberta a audiência, sendo o resultado da tentativa registado na respectiva acta.3 – [anterior n.º2].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Continua a não se ver bem a vantagem na separação formal entre o acto conciliatório e a audiência. Nesse sentido, melhor entenderíamos que, tal como actualmente sucede, a conciliação fosse tentada como primeiro acto, após a abertura da audiência.

Artigo 75.º[…]

1 - Sempre que a acção tenha por objecto o cumprimento de obrigação pecuniária, o juiz deve orientá-la por forma que a sentença, quando for condenatória, possa fixar em quantia certa a importância devida. 2 – No caso em que tenha sido deduzido na compensação o montante do subsídio de desemprego, o tribunal deve comunicar a decisão ao serviço competente do ministério responsável pela área da segurança social.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar.

Artigo 77.º[…]

1 – […].2 – Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.3 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. No CPT actual a arguição das nulidades em requerimento aplica-se igualmente aos casos em que se não pretenda recorrer e não vemos a razão desta possibilidade ter sido afastada, agora. Admitimos, no entanto, que alguma razão, advinda do novo sistema de recursos no processo civil, a possa justificar.

Artigo 79.ºDecisões que admitem sempre recurso

[…].Igual ao primeiro Anteprojecto. Apenas

se acrescentou, logo então, a palavra “sempre”. Nada em contrário.

Artigo 80.º[…]

1 – O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias.2 – Nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 79.º-A e nos casos previstos no n.os 2 e 4 do artigo 721.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso reduz-se para 10 dias. 3 – Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias.

Apenas corrigido o que era, no n.º 3, um lapso do primeiro Anteprojecto: os

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prazos são os referidos na parte final dos números anteriores e não na primeira parte, como se dizia.

Artigo 81.º[…]

1 – […]. 2 – […].3 – […].4 – […].5 – À interposição do recurso de revista aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Aplicação do CPC, como agora sucede genericamente nos recursos.

Artigo 82.º[…]

1 – […]. 2 – Se o juiz não mandar subir o recurso, o recorrente pode reclamar.3 – […]. 4 – Se o juiz indeferir a reclamação, mandará ouvir a parte contrária, salvo se tiver sido impugnada unicamente a admissibilidade do recurso, subindo ao tribunal superior para que o relator decida a questão no prazo de cinco dias.5 – Decidida a admissibilidade ou tempestividade do recurso, seguirá este os seus termos normais.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Simplificação e adaptação do regime vigente.

Artigo 83.º

[…]1 – A apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração. 2 – O recorrente pode obter o efeito suspensivose no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado por meio de depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos, ou por meio de fiança bancária ou seguro-caução. 3 – A apelação tem ainda efeito suspensivo casos previstos nos casos previstos nas alíneas b) a e) do n.º 3 do artigo 692.º do Código de Processo Civil e nos demais casos previstos na lei. 4 – O juiz fixa prazo, não excedente a 10 dias, para a prestação de caução, e se esta não for prestada no prazo fixado, a sentença pode ser desde logo executada.5 – O incidente de prestação de caução referido no n.º 1 é processado nos próprios autos.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar.

Artigo 87.ºJulgamento dos recursos

1 – O regime do julgamento dos recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil que regulamentam o julgamento do recurso de apelação e de revista.2 – […].3 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Previsão correcta no n.º 1 das “necessárias adaptações”

Artigo 90.ºExecução de direitos irrenunciáveis

1 – Tratando-se de direitos irrenunciáveis, o autor tem o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de condenação em quantia certa, prorrogável pelo juiz, para iniciar a execução do título executivo.2 – Se o autor não iniciar a execução no prazo fixado, e não tiver sido junto ao processo documento comprovativo da extinção da dívida no prazo referido no número anterior, o tribunal, oficiosamente, ordena o início do processo executivo, cujas diligências de execução são realizadas por oficial de justiça.3 – [eliminado].4 – [eliminado].5 – [eliminado].6 – [eliminado].

Relativamente ao primeiro Anteprojecto corrige-se a falta de menção à eliminação dos números 4 a 6.

Foi alterado o prazo de 10 dias prorrogável para o prazo de 30 dias. Se é certo que o prazo parece excessivo, nada obsta que o autor inicie antes o processo.

O autor será o… autor da execução, o exequente. É que pode não ser o autor da acção declarativa, se for a acção especial de impugnação do despedimento: parece que nessa o trabalhador (naturalmente o único que poderá eventualmente ter direitos indisponíveis a executar) será o réu.

Admitimos que seja difícil chamar exequente a quem “não iniciar a

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execução”. Talvez, para evitar alguma confusão conceitual, chamar-lhe “parte” ou “titular do direito” ou “credor”.

Ao ter-se eliminado o artigo 76.º, deixa de haver uma notificação – mesmo nas acções sobre direitos indisponíveis, como serão as relativas aos direitos resultantes da reparação de um acidente de trabalho – para que o condenado comprove a extinção da dívida. O documento comprovativo dessa extinção, a que se alude, passa a ser uma cautela que evita a execução oficiosa, mas o que irá suceder é que se iniciarão muitas execuções oficiosas que tendem a extinguir-se de imediato, porquanto resultantes de uma mera omissão de junção do documento de extinção ou resultado de um qualquer pagamento extintivo “particular” que se não levou ao processo.

Talvez que o início da execução oficiosa ficasse melhor previsto se precedido de uma notificação ao credor (titular do direito… autor), por forma de evitar eventuais actos inúteis.

Artigo 99.º[…]

1 – […]2 - Quando a participação seja feita por uma entidade seguradora, deve ser acompanhada de toda a documentação clínica e nosológica disponível, de cópia da apólice e seus adicionais em vigor, bem como da Declaração de Remunerações do mês anterior ao do acidente, nota discriminativa das incapacidades e internamentos e cópia dos documentos comprovativos das indemnizações pagas desde o acidente.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar, como, genericamente, nos artigos seguintes que igualmente respeitam à acção especial emergente de acidentes de trabalho.

Artigo 101.ºProcessamento nos restantes casos de

incapacidade permanente

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 104.º[…]

1 – […] 2 - Até ao início da fase contenciosa, o Ministério Público pode requisitar aos serviços da entidade com competência inspectiva em matéria laboral, sem prejuízo da competência legalmente atribuída a outras entidades, a realização de inquérito urgente e sumário sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente, quando: a) […]; b) […]; c) […]; d) […]. 3 - […].4 – Sempre que, em resultado de um acidente, não seja de excluir a existência de responsabilidade criminal, o Ministério Público deve dar conhecimento do facto ao foro criminal competente, remetendo, nomeadamente, o inquérito elaborado pela entidade com competência inspectiva em matéria laboral.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 108.º[…]

1 - À tentativa de conciliação são chamadas, além do sinistrado ou dos seus beneficiários legais, as entidades empregadoras ou seguradoras, conforme os elementos constantes da participação. 2 - […].3 - […].4 - […].5 - […].6 - Nos tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto não há lugar à deprecada para exame médico e tentativa de conciliação.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 120.º[…]

1 - Nos processos de acidentes de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação de cada pensão pela respectiva taxa constante das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remissão, acrescido das demais prestações. 2 – […].3 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. A alteração decorre necessariamente da alteração de outros normativos (reservas matemáticas). Nada a dizer.

Alteração do Código de Processo de Trabalho

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207Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Artigo 148.º[…]

1 – […].2 – […].3 – […].4 – […].5 – Nos tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto não há lugar à deprecada para a entrega do capital da remição.

Igual ao primeiro Anteprojecto, mas devidamente corrigido o lapso em “remição”.

Artigo 152.º[…]

1 – […]. 2 - Em caso de morte do sinistrado, o processo vai com vista ao Ministério Público para os efeitos do disposto nos artigos 142.º e 144.º; nos demais casos, o juiz ouve a parte contrária e o Ministério Público. 3 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 162.º[…]

1 - Os processos do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores seguem os termos do processo comum previsto neste Código, salvo o disposto nos artigos seguintes. 2 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar, tal como nos preceitos seguintes.

Artigo 164.º[…]

1 – As deliberações e outros actos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo, quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em acção intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso.2 – […]3 – […]

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 165.º[…]

1 - O juiz manda citar o réu e ordena que este apresente os documentos relativos à situação objecto de impugnação que ainda não tenham

sido juntos aos autos.2 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 168.ºSuspensão de eficácia

Se na petição inicial o autor requerer a suspensão de eficácia dos actos ou disposições impugnados, demonstrando que da sua execução pode resultar dano apreciável, o juiz pode decretar a suspensão nesse momento ou após a contestação.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 173.º[…]

1 - A liquidação e a partilha de bens de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores efectuam-se como estiver determinado na lei e nos estatutos. 2 – […].

Igual ao primeiro Anteprojecto. Como já se referiu foram agora eliminadas as alterações aos artigos 170.º, 171.º e 172.º, o que parece claramente positivo e de molde a evitar alguma confusão que as mesmas iriam criar, precisamente ao deixar possível a interpretação que essa acção especial se passaria a aplicar também às sanções disciplinares a que se deve (continuar a) aplicar o processo comum.

Artigo 174.º

[…]1 - A entrada em liquidação de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores é participada ao tribunal pela última direcção, ou pelo presidente da mesa da assembleia geral, no prazo de 30 dias a contar do acto que tenha determinado a dissolução. 2 – […]. 3 - Quando a lei ou os estatutos determinem a transferência global do património para outra instituição, associação ou comissão, compete à última direcção, havendo-a, efectuar essa transferência.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 180.º[…]

1 - O juiz pode determinar que todos ou alguns dos liquidatários se mantenham em funções por um prazo não superior a três anos, contados

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208 Boletim Informativo do CSM

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desde a aprovação das contas da partilha, apenas para efeitos de representarem a instituição, associação ou comissão em juízo ou fora dele ou ainda para efectivarem direitos ou satisfazerem obrigações de que só haja conhecimento depois de efectuada a partilha ou cuja subsistência o juiz tenha entendido não dever impedir a partilha. 2 - Se durante o período referido no número anterior não findar algum processo em que a instituição, associação ou comissão sejam partes, o liquidatário mantém-se em funções até ao termo do processo.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 181.º[...]

1 – Se não for possível apurar quais sejam as pessoas que, segundo os estatutos, têm direito à partilha do saldo, feita a nomeação de liquidatários, seguem-se os termos aplicáveis do processo especial de liquidação no caso de herança vaga em benefício do Estado, previsto no Código de Processo Civil. 2 - [...]."

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 185.ºForma, valor do processo e efeitos do recurso

1 – […].2 – Da decisão final cabe sempre recurso de revista até ao Supremo Tribunal de Justiça.3 – […].”

Igual ao primeiro Anteprojecto.

2 – Os seguintes títulos, capítulos, secções, subsecções e divisões do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, passam a ter a seguinte redacção:

Subsecção I da Secção II do Capítulo IV a) do Título III: “Suspensão de despedimento”;

Capítulo III do Título V: “Disposições b) finais”;

Capítulo III do Título VI: “Processo do c) contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores”;

Secção III do Capítulo III do Título VI: d) “Impugnação de estatutos, deliberações de assembleias gerais ou actos eleitorais”;

Secção V do Capítulo III do Título VI: e) “Liquidação e partilha dos bens de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores.»

Igual ao primeiro Anteprojecto. Definição formal e ordenadora do CPT.

Artigo 2.ºAditamento ao Código de Processo do Trabalho

São aditados ao Código de Processo do Trabalho os artigos 2.º-A, 5.º-A, 27.º-A, 40.º-A, 60.º-A, 74.º-A, 79.º-A, 83.º-A, 98.º-A a 98.º-P, 164.º-A, 164.º-B e 186.º-A a 186.º-J, com a seguinte redacção:

Relativamente ao primeiro Anteprojec-to adita-se a gora um novo artigo: o arti-go 98.º ia do 98.º-A a 98.º-O e passa a ir do 98.º-A a 98.º-P (Valor da causa).

“Artigo 2.º-ACapacidade judiciária das estruturas de repre-

sentação colectiva dos trabalhadoresAs estruturas de representação colectiva dos tra-balhadores, ainda que destituídas de personali-dade jurídica, gozam de capacidade judiciária activa e passiva.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Altera-ções formais ou de nomenclatura, como em outros e semelhantes preceitos.

Artigo 5.º - A

Legitimidade do Ministério PúblicoO Ministério Público tem legitimidade activa nas seguintes acções:a) Acções relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos de associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;b) Acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, nos termos do artigo 479.º do Código do Trabalho.

Quase igual ao primeiro Anteprojecto, apenas com o esclarecimento resultante de, agora, se ter feito a remissão para o artigo 479.º do Código do Trabalho.

Artigo 27.º-AMediação

Ao processo de trabalho aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos relativos à mediação previstos no Código de Processo Civil.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 40.º-ACaducidade da providência

O procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca:

Se o trabalhador não propuser a acção a)

Alteração do Código de Processo de Trabalho

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de impugnação de despedimento colectivo da qual providência depende, dentro de 30 dias, contados da data em que lhe tiver sido notificada a decisão que a tenha ordenado;

Nos demais casos previstos no Código b) do Processo Civil que não sejam incompatíveis com a natureza do processo do trabalho.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 60.º-AOposição à reintegração do trabalhador

1 – Tendo a reintegração do trabalhador sido requerida na petição inicial, a oposição à mesma deve ser deduzida na contestação.2 – No caso previsto no número anterior, o autor pode sempre responder à contestação no prazo de 10 dias.3 – Se a reintegração for requerida fora da petição inicial, a oposição pode ser deduzida em articulado autónomo, o qual admite sempre resposta, de forma articulada, no prazo de 10 dias.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Utilidade manifesta na definição processual deste “incidente”.

Artigo 74.º-ACondenação na reintegração do trabalhador

1 – A reintegração deve ser comprovada no processo mediante a junção aos autos do documento que demonstre o reinício do pagamento da retribuição.2 – Transitada em julgado a sentença, sem que se mostre efectuada a reintegração, pode o trabalhador requerer também a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao empregador, nos termos previstos no Código do Processo Civil para a execução de prestação de facto.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Consagração no n.º 2 de uma prática louvável.

No entanto, salvo melhor entendimento – e ressalvando as dúvidas decorrentes de não ser minimamente a nossa especialidade – não é requisito da prestação de facto, prevista no Código de Processo Civil, o prévio trânsito da decisão (sentença).

Logo, se não houver esse requisito, não fará sentido exigir-se aqui, neste preceito, o trânsito da sentença; tudo tem a ver, apenas mas relevantemente, com a força executiva da decisão, ou seja, com os efeitos de um eventual recurso.

Por isso, há que pôr a tónica na força executiva e não no trânsito. Se a expressão for correcta, poderia ser… “2 – Logo que a sentença tenha força executiva, e não se mostre efectuada a reintegração, pode o trabalhador…”

Artigo 79.º-ARecurso de apelação

1 – Da decisão do tribunal de primeira instância que ponha termo ao processo cabe recurso de apelação.2 – Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de primeira instância:a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;b) Da decisão que aprecie a competência do tribunal;c) Da decisão que ordene a suspensão da instância;d) Dos despachos que excluam alguma parte do processo ou constituam, quanto a ela, decisão final, bem como da decisão final proferida nos incidentes de intervenção de terceiro e de habilitação;e) Da decisão prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 98.º-J;f) Do despacho que, nos termos do n.º 2 do artigo 115.º, recuse a homologação do acordo;g) Dos despachos proferidos depois da decisão final;h) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;i) Nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.3 – As restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.4 – No caso previsto no número anterior, o tribunal só dará provimento às decisões impugnadas conjuntamente com a decisão final quando a infracção cometida possa modificar essa decisão ou quando, independentemente desta, o provimento tenha interesse para o recorrente. 5 – Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.

Igual ao primeiro Anteprojecto, salvo

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na remissão feita na alínea e) do n.º 2, agora referindo-se ao n.º 3 do artigo 98.º-J. Adaptação necessária às novidades do processo civil.

Artigo 83.º-ASubida dos recursos

1 – Sobem nos próprios autos as apelações das decisões previstas no n.º 1 do artigo 691.º-A do Código de Processo Civil.2 – Sobem em separado as apelações não com-preendidas no número anterior.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 98.º-ARemissão

Em tudo o que não se encontre especialmente regulado no presente Título aplicam-se as regras do Código de Processo Civil relativas ao processo de execução.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Previ-são de remissão (correcta) para o pro-cesso civil.

Artigo 98.º - BConstituição obrigatória de advogado

Só é obrigatória a constituição de advogado após a audiência de partes, com a apresentação dos articulados das partes.

Igual ao primeiro Anteprojecto.Parece que a norma só faz sentido

para o processo especial previsto no artigo seguinte, no qual o primeiro acto processual é um requerimento tipo e não exactamente um articulado. Nos outros casos, de facto, a audiência de partes já foi precedida de uma petição inicial e a norma carecerá de verdadeiro sentido. E se mesmo na acção especial é duvidosa a bondade da dispensa de advogado (a instância já se iniciou), pensamos é que não pode, de todo, ter aplicação á gene-ralidade dos processos.

Artigo 98.º-CInício do processo

1 – Nos termos do artigo 387.º do Código do Tra-balho, no caso em que seja comunicada por es-crito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalha-dor, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judi-cial da regularidade e licitude do despedimento, inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto

do tribunal competente, de requerimento em for-mulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposi-ção ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 – Caso tenha sido apresentada providência cau-telar de suspensão preventiva do despedimento, nos termos previstos nos artigos 34.º e seguin-tes, o requerimento inicial do procedimento cau-telar do qual conste que o trabalhador requer a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento dispensa a apresentação do for-mulário referido no número anterior.

Relativamente ao primeiro Anteprojecto, muda o nome da acção que passa inequivocamente a afirmar-se como “de impugnação”, ou seja, uma acção de condenação e não – como antes se podia defender – uma acção de (simples) apreciação.

No anteprojecto dizia-se – algo equivocamente – que a acção se referia à apreciação da regularidade do despedimento precedido de “procedimento instrutor”. Agora, parecendo à primeira vista que se alarga o âmbito da acção, diz-se que este processo especial é aplicável aos casos - … a todos os casos, mas só a esses? – em que a decisão de despedimento (individual, por extinção ou por inadaptação) seja comunicada por escrito.

O CPT vem restringir o CT, afastando, desde logo, a aplicabilidade desta acção aos despedimentos verbais. Porém, despedimento por escrito não é exactamente o mesmo que despedimento precedido de procedimento disciplinar.

Nos casos em que o empregador envia uma comunicação ao trabalhador a dizer-lhe que está despedido e nada mais fez anteriormente parece que se aplica esta acção, mas ela pode redundar posteriormente, pensamos, na sua própria inutilidade e o trabalhador, tudo indica, terá de ser remetido, mais tarde, para a acção comum.

Tendo o CPT afastado os despedimentos verbais (aos quais não pode deixar de se aplicar o processo comum) parece que a

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lógica seria aplicar este processo especial apenas aos casos em que houve – mais simples ou mais complexo – um prévio procedimento disciplinar.

Aliás, logo à frente, o n.º 3 do artigo 98.º - F esclarece que o empregador junta o procedimento disciplinar (casos de despedimento individual) ou o processo instrutor (restantes) até ao início da tentativa de conciliação. Se ele não existiu talvez se tenha perdido todo o tempo que decorreu até aqui.

Com efeito, ou a acção especial se aplica a todos os despedimentos – incluindo os verbais (mas reconhece-se que seria tecnicamente impossível, ao menos nos moldes em que está pensada e quando o empregador tem que invocar os factos que decidiram o despedimento) ou, salvo melhor opinião, a distinção deveria ser feita entre os casos em que existiu procedimento e aqueles em que não existiu.10

Admitimos, no entanto, que, ainda assim, decorre uma verdadeira utilidade desta construção: todos os casos em que há uma decisão escrita de despedir significam que já está provado o despedimento. A dicotomia passou a ser, assim, casos em que está provado o despedimento e casos (os verbais, pelo menos) em que o trabalhador tem de provar o despedimento.

Para melhor clarificação entendemos que se devia levar ao Preâmbulo a afirmação que esta acção só se aplica a certos casos (despedimento escrito) e que certos (os mesmos) casos só podem ser impugnados por esta acção.

Mas, outra consequência (ver infra) deve ser esta: o empregador não tem

10 Note-se que a novidade do (novo) Código do Note-se que a novidade do (novo) Código do Trabalho é a opção do empregador pela instrução no procedimento disciplinar, mas não a faculdade de despedir sem procedimento. Sempre o traba-lhador tem de ser ouvido, haver nota de culpa e resposta – artigos 353.º a 358.º do Código do Trabalho.

de apresentar o procedimento disciplinar na audiência de partes, mas juntá-lo com o articulado, porquanto, se não articular ou não juntar o processo será aí condenado.

Artigo 98.º-DFormulário

1 - A entrega em suporte de papel do formulário referido no artigo anterior é feita num único exemplar, na secretaria judicial. 2 - O modelo do formulário é aprovado por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do trabalho.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Por coerência com outros preceitos desta acção especial, o formulário que venha a ser aprovado não deve deixar de terminar com a formulação de um pedido ao tribunal.

Artigo 98.º-ERecusa do formulário pela secretaria

A secretaria recusa o recebimento do formulário indicando por escrito o fundamento da rejeição quando:a) Não conste de modelo próprio;b) Omita a identificação das partes;c) Não tenha sido junta a decisão de despedimento;d) Não esteja assinado.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Pensamos que a recusa pode ser reclamada para o juiz, nos termos gerais do processo civil. Não haveria mal em fazer-se aqui essa remissão.

Artigo 98.º-FNotificação para audiência de partes

1 - Recebido o requerimento, o juiz designa data para a audiência de partes, a realizar no prazo de 15 dias. 2 – O trabalhador é notificado e o empregador citado para comparecerem pessoalmente ou em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, transigir ou desistir. 3 - O empregador junta o procedimento disciplinar ou o processo instrutor, conforme o caso, até ao início da tentativa de conciliação.4 – Tendo sido requerida a suspensão de despedimento, a audiência de partes referida no n.º 1 antecede a audiência final do procedimento cautelar.

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Igual ao primeiro Anteprojecto. Como se disse antes, o empregador junta o procedimento. E se não juntar?

Se não juntar devia ser condenado. No entanto, a condenação não deve

ocorrer nesta fase.Assim, melhor será eliminar o n.º 3 e a

notificação para apresentar o articulado (infra) ser acrescida com a notificação para apresentar o procedimento.

Então aí, se não juntar – ou se não articular – já faz sentido a condenação imediata.

Artigo 98 - GEfeitos da não comparência do empregador

1 - Se o empregador não comparecer na audiência de partes, nem se fizer representar nos termos do n.º 2 do artigo anterior, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado, o juiz:

Ordena a notificação do empregador a) para apresentar articulado para motivar o despedimento, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;

Fixa a data da audiência final, com b) observância do disposto no artigo 155.º do Código do Processo Civil.

2 - Se a falta à audiência de partes for julgada injustificada, o empregador fica sujeito às sanções previstas no Código do Processo Civil para a litigância de má fé.

Apresenta significativas alterações em relação ao primeiro Anteprojecto. Com efeito, neste era prevista a imediata declaração da ilicitude do despedimento, faltando injustificadamente o empregador, e era o empregador condenado, caso não houvesse reintegração, numa indemnização fixa de 30 dias de retribuição e diuturnidades. Essa condenação, agora prevista no artigo 98.º- J já aparece, respeitando os ditames do Código do Trabalho como “pelo menos” 30 dias de retribuição e diuturnidades. Parece-nos correcta a mudança.

Deixou de haver condenação nesta fase liminar do processo especial, salvo a condenação do empregador faltoso nas sanções previstas para a litigância de má fé. Parece-nos, de todo o modo, excessiva

esta condenação, pois a mesma não deveria ir além da condenação por falta injustificada (e não parece que se queira dizer exactamente o mesmo): com efeito, é bem possível que o empregador não veja qualquer efeito útil na sua presença (nomeadamente se despediu de forma escrita mas não organizou um prévio procedimento disciplinar) e, em rigor, ele apenas falta a acto para que foi regularmente notificado.

Como já se disse, entende-se correcta a eliminação em uma condenação de valor eliminatório fixo, porquanto isso representava uma restrição do direito consagrado no Código do Trabalho.

No entanto, a actual previsão do artigo 98.º-J obriga sempre a uma ponderação do valor e, por isso, acaba agora a “pecar por excesso” ao impor um valor mínimo de 30 dias, quando o diploma substantivo faz variar a indemnização entre os 15 dias e os 45.

Admite-se, ainda assim, que o legislador tenha querido construir aqui um agravamento sancionatório à omissão do empregador.

Como se disse no artigo anterior, a notificação é também para juntar o procedimento (decorrente da eliminação do n.º 3 do preceito anterior).

Artigo 98 - H

Efeitos da não comparência do trabalhadorSe o trabalhador não comparecer na audiência de partes, nem se fizer representar nos termos do n.º 2 do artigo 98.º - F, nem justificar a sua falta nos 10 dias subsequentes, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente notificado, determina a absolvição do pedido.

Foi eliminada – e parece-nos bem – a condenação do trabalhador como litigante de má fé, embora (artigo anterior) essa possibilidade tenha passado para o empregador.

A absolvição do pedido pressupõe necessariamente um pedido, o que deve acautelar o legislador quando vier a “elaborar” o requerimento inicial tipo

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com o qual o trabalhador se oporá ao despedimento.

A absolvição do pedido, de todo o modo, fica agora mais clara, na medida em que se passou a considerar esta acção como de impugnação e não de (simples) apreciação.

A acção continua, ainda assim, a representar uma novidade dogmática, já que, em rigor, ainda não há articulado inicial, este da iniciativa do empregador.

Com a alteração actual – justificação da falta em 10 dias – parece que o processo tem que esperar esse prazo. Mas, de justificação em justificação, o processo pode ficar parado.

A justificação deveria ter efeitos para a não condenação (melhor absolvição do pedido), mas o processo não deveria voltar à audiência de partes.

Pode admitir-se, ainda assim, que seja marcada outra – e só outra – audiência de partes, mas o que tem de ficar claro é como prossegue o processo quando o trabalhador justifica a falta.

Artigo 98 – IAudiência de partes

1 - Declarada aberta a audiência pelo juiz, o empregador expõe sucintamente os fundamentos de facto que motivam o despedimento.2 - Após a resposta do trabalhador, o juiz procurará conciliar as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 51.º a 53.º.3- Caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador, e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum. 4 – Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz:

Procede à notificação imediata do a) empregador para apresentar articulado para motivar o despedimento, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;

Fixa a data da audiência final, com b) observância do disposto no artigo 155.º do Código do Processo Civil.

Em relação ao primeiro Anteprojecto foi acrescentado o número 4 e foram

mantidos iguais os anteriores números. Como oportunamente se referiu,

entende-se mal o preciso significado da imposição ao juiz do dever de informar o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar a acção comum. Fica a ideia que a informação há-de ser sobre o prazo concreto (ponderando o tempo já decorrido desde a cessação do contrato) e não sobre o prazo abstracto (um ano – é de pensar – desde o despedimento) mas essa constatação envolve uma actividade que não é própria do juiz e o risco de o juiz, desde logo por falta de concretos e certos elementos, informar erradamente.

Talvez que esta actividade que se impõe ao juiz resulta de se ter eliminado a constituição obrigatória de advogado (artigo 98.º-B) mas se assim for, e salvo o devido respeito, ambas as opções (a eliminação e a informação do prazo) nos parecem desadequadas.

No n.º 3, por outro lado, implicitamente reconhece que há casos em que se pode dar início, desnecessariamente, a esta acção especial. Como supra se comentou, poderão ser esses casos todos os que, não obstante a comunicação escrita de despedimento, não houve um procedimento disciplinar. Com efeito, esta acção só se inicia com um requerimento tipo e onde necessariamente se junta a comunicação do despedimento; se as partes são remetidas para a acção comum talvez seja, a mais das vezes, porque não houve um procedimento.

Mas, como também se referiu, admite-se agora alguma vantagem na previsão dos casos em que não houve procedimento, mas há inequivocamente despedimento.

Parece-nos que falta um prazo na alínea a) do n.º 4. No primeiro Anteprojecto dizia-se que “o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias”.

Tendo a acção passado a ser, de modo

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inequívoco, uma acção de condenação, o articulado inicial do empregador não terá que ter um pedido… esses passará a constar do requerimento tipo do trabalhador.

O empregador nunca poderá usar esta acção para reclamar qualquer direito seu? Parecerá que não, embora tudo isso possa contribuir para a falta de celeridade e para o aumento dos litígios, se todas as questões não ficam logo resolvidas.

A notificação ao empregador será igualmente para juntar o procedimento (cf. notas anteriores).

Artigo 98.º-JArticulado do Empregador

1 – O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. 2 – No caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador nos termos previstos no artigo 392.º do Código do Trabalho, o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão, e apresentar os meios de prova para o efeito.3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:

Condena o empregador a reintegrar a) o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

Ordena a notificação do trabalhador b) para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

4 – Na mesma data, o empregador é notificado da sentença quanto ao referido na alínea a) do número anterior.

A condenação prevista no n.º 3, alínea a) era, ainda que com diferenças, a prevista no artigo 98.º-G do Anteprojecto. Louva-se o fim da restrição ao valor indemnizatório, mas não se entende muito bem que ela tenha que ser

necessariamente superior à que resulta do Código do Trabalho e que será de aplicar no processo comum.

Admite-se a opção político-legislativa, no entanto.

Se o empregador não apresentar articulado, o articulado do trabalhador já não é uma reconvenção, mas verdadeiramente um segundo pedido inicial. Nesse caso, o empregador deve poder contestar (!), embora a contestação só esteja prevista (artigo seguinte) para o trabalhador.

Atendendo aos comentários feitos nos artigos anteriores, a previsão do n.º 3 deveria passar a abranger, além dos casos em que não é apresentado o articulado, aqueles em que não é junto o procedimento.

Artigo 98.º-LContestação

1 – Apresentado o articulado referido no artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo. 2 - Se o trabalhador não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente notificado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo empregador sendo logo preferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.3 - Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, independentemente do valor da acção. 4 - Se o trabalhador se tiver defendido por excepção, pode o empregador responder à respectiva matéria no prazo de 10 dias; havendo reconvenção, o prazo para resposta é alargado para 15 dias.5 – É correspondentemente aplicável o disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 60.º e no n.º6 do artigo 247.º do Código de Processo Civil.6 – As partes devem apresentar ou requerer a produção de prova nos respectivos articulados ou no prazo destes.

Quase igual ao Anteprojecto. Como é bem de ver, esta acção especial comporta todas as possibilidades de articulado e a eles acresce o requerimento inicial. É

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difícil, mesmo classificando o processo como urgente, poder concluir-se que haverá mais celeridade e que o direito vem a ser sentenciado em tempo mais curto do que actualmente sucede.

O legislador processual está claramente condicionado pela lei substantiva (artigo 387.º do Código do Trabalho) tornando-se muito difícil criar mecanismos céleres que respeitem aquela vinculação.

Em termos práticos, no entanto, acharíamos que a celeridade era melhor conseguida se apenas, mantendo a acção comum, fosse respeitado o, prazo encurtado para 60 dias e se afirmasse que a produção de prova começava pela do empregador. No entanto, reconhece-se que é uma sugestão bem diversa daquela que já foi pensada no Código do Trabalho. Tinha uma vantagem acrescida, ainda assim, pois trataria de igual forma (processual) os diversos tipos de despedimento, incluindo o (não tão raro) despedimento verbal.

Aceitamos, no entanto, que o desejo antes manifestado se mostra ultrapassado e não deixamos de enaltecer o trabalho dogmático que, nos apertados limites do Código do Trabalho, foi, ainda assim, possível fazer.

Louva-se o acrescento que representa o n.º 6. Muito bem e de toda a utilidade. Óptimo seria que a teleconferência fosse sujeita a requerimento e, então, as partes também o requereriam logo aqui.

Artigo 98.º – M

Termos posteriores aos articulados1 - Terminada a fase dos articulados, o processo segue os termos previstos nos artigos 61.º e seguintes, devendo a prova a produzir em audiência de julgamento iniciar-se com a oferecida pelo empregador.2 – Se for invocado despedimento precedido de procedimento disciplinar, é ainda aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar.

Artigo 98.º-NPagamento de retribuições intercalares pelo

Estado1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C o tribunal determina que seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador a partir desse momento até à notificação da decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento.2 – A entidade competente da área da segurança social é sempre notificada da decisão referida no número anterior, da interposição de recurso da decisão que declare a ilicitude do despedimento, bem como da decisão proferida em sede de recurso.3 – A entidade competente da área da segurança social efectua o pagamento ao trabalhador das retribuições referidas no n.º 1, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.4 – A dotação orçamental para suportar os encargos financeiros da entidade competente da área da segurança social decorrentes do n.º 1 é inscrita anualmente no Orçamento do Estado, em rubrica própria.

Igual ao Anteprojecto, ressalvando a substituição do “Fundo de Garantia Salarial” pela “entidade competente da área da segurança social”.

Aquando do parecer relativo ao Anteprojecto foi criticada a indefinição do montante da retribuição. Reconhece-se que tal crítica partiu de um lapso; com efeito, o valor a pagar pela entidade competente da área da segurança social será um valor certo, porquanto esse pagamento só ocorrerá depois do trânsito da sentença.

Artigo 98.º-O

Deduções1 – No período de 12 meses referido no artigo anterior não se incluem: a) Os períodos de suspensão da instância, nos termos do artigo 276.º do Código de Processo Civil; b) O período correspondente à mediação, tentativa de conciliação e ao aperfeiçoamento dos articulados. 2 - Às retribuições referidas no artigo anterior deduzem-se as importâncias referidas no n.º 2

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do artigo 390.º do Código do Trabalho. Igual ao primeiro Anteprojecto. Se a solução para os processos

urgentes (como se sugere) passar pela sua não tramitação em férias judiciais, ficaria coerente aqui uma terceira alínea no n.º 1: “c) os períodos de férias judiciais, salvo quando, nesses períodos, tenha lugar a prática de actos, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 26.º”

Artigo 98.º-P

Valor da causa1 – Para efeitos de pagamento de custas, aplica-se à acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento o disposto na alínea e) do n.º n1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais.2 – O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.3 – Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho que admite o recurso.

Artigo novo, não constate do Anteprojecto. O número prevê os casos em que é impossível determinar o valor da causa, mas logo se acrescenta que esse valor é sempre fixado pelo juiz.

O valor da causa será o do n.º 2, que só pode fixar-se a final. Por isso, não se vê bem o âmbito possível do n.º 3: se o recurso é final (como quase sempre) o valor está fixado, se não é final (como raramente) faltam os elementos e é justamente para esses casos de devia valer o n.º 1.

Temos dúvidas da utilidade do preceito e se o pretendido por ele não é naturalmente alcançado pela legislação sobre custas.

Artigo 164.º - AImpugnação de estatutos

1 – Os estatutos das entidades referidas no artigo anterior podem ser impugnados pelo Ministério Público, por iniciativa própria ou a requerimento de qualquer interessado.2 – A petição inicial deve ser acompanhada de cópia dos referidos estatutos.

Igual ao primeiro Anteprojecto. Nada a acrescentar, tal como nos preceitos seguintes.

Artigo 164.º - BImpugnação de actos eleitorais

Os actos eleitorais para os órgãos das entidades referidas nesta secção podem ser impugnados com fundamento na sua ilegalidade por quem tenha ficado vencido na respectiva eleição, no prazo de 10 dias a contar dessa eleição ou do conhecimento da irregularidade, se posterior.

Igual ao primeiro anteprojecto.

Artigo 186.º-ARequerimento

1 – No caso de se pretender a impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas, o autor alega os fundamentos do pedido, indica os pontos de facto que interessa averiguar e requer as providências que repute convenientes.2 – O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-BTermos posteriores

1 – Findos os articulados, o juiz conhece imediatamente do pedido, salvo se entender que se justifica proceder a diligências complementares de prova, caso em que ordena aquelas que repute convenientes.2 – O processo tem natureza urgente.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-CDecisão

1 – A decisão determina as informações que devem ser prestadas e o prazo para a sua prestação. 2 – A requerimento do autor pode ser fixada uma sanção pecuniária compulsória.3 – A decisão é apenas susceptível de recurso para o Tribunal da Relação, com efeito suspensivo.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-DRequerimento

O pedido de providências destinadas a evitar a consumação de qualquer violação dos direitos de personalidade do trabalhador ou atenuar os efeitos da ofensa já praticada é formulado contra o autor da ameaça ou ofensa e, igualmente, contra o empregador.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Alteração do Código de Processo de Trabalho

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Artigo 186.º-ETermos posteriores

1 – Os requeridos são citados para contestar no prazo de 10 dias.2 – Independentemente de haver ou não contestação, o tribunal decide após a apreciação das provas produzidas.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-FNatureza urgente

O processo tem natureza urgente.Igual ao primeiro Anteprojecto.

Pensamos que é essencialmente cautelar o interesse que aqui se “acautela” e, devia ter-se optado por uma providência. Não é o facto de a acção ser urgente que lhe irá dar a necessária celeridade.

Aceitamos que a “crítica” se mostra agora tardia, uma vez que foi outro – e, ainda assim, respeitável – o caminho seguido pelo legislador.

Artigo 186.º-GRemissão

1 – Nas acções relativas à igualdade e não discriminação em função do sexo aplicam-se as disposições correspondentes do processo comum, com as especificações dos artigos seguintes, sem prejuízo do disposto no n.º 2.2 – A declaração judicial de nulidade de disposição de convenção colectiva em matéria de igualdade e não discriminação nos termos do artigo 479.º do Código do Trabalho, segue os trâmites da acção prevista nos artigos 183.º e seguintes.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-HInformação sobre decisões judiciais registadas

Até à audiência de discussão e julgamento, o juiz solicita oficiosamente à entidade que tenha competência na área da igualdade e não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional, informação sobre o registo de qualquer decisão judicial relevante para a causa.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-IComunicação da decisão

O juiz deve comunicar a decisão à entidade competente na área da igualdade e não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional, para efeitos de registo.

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 186.º-JRemissão

A impugnação de decisões de autoridades administrativas que apliquem coimas em processo laboral segue os termos do regime processual das contra-ordenações laborais, que consta de lei específica.”

Igual ao primeiro Anteprojecto.

Artigo 3.ºAlteração à organização do Código de Processo

do Trabalho São feitas as seguintes alterações à organização sistemática do Código de Processo do Trabalho: a) É introduzido um novo capítulo I do título VI, que se inicia com o artigo 98.º-B e termina com o artigo 98.º-P, e passa a denominar-se «Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento», sendo os capítulos subsequentes renumerados em conformidade; b) É introduzido um novo capítulo V do título VI, que se inicia com o artigo 186.º-A e termina com o artigo 186.º-C, e passa a denominar-se «Impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas»;c) É introduzido um novo capítulo VI do título VI, que se inicia com o artigo 186.º-D e termina com o artigo 186.º-F, e passa a denominar-se «Tutela da personalidade do trabalhador»;d) É introduzido um novo capítulo VII do título VI, que se inicia com o artigo 186.º-G e termina com o artigo 186.º-I, e passa a denominar-se «Igualdade e não discriminação em função do sexo»;e) É introduzido um novo Título VII, com o artigo 186.º-J, que passa a denominar-se «Processo de contra-ordenação»

Igual ao anteprojecto, ressalvando a alteração de nome a decorrente da existência de um novo artigo, o 98.º-P.

Artigo 4.ºRevogação

1 – São revogados os artigos 41.º a 43.º, 76.º, 84.º a 86.º, 89.º e 91.º a 97.º do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e n.º 38/2003, de 8 de Março.2 – Com a entrada em vigor do artigo 186.º-J é revogado o Livro II do Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e n.º 38/2003, de 8 de Março.

Semelhante ao Anteprojecto, mas

Pareceres

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218 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

também com a expressa revogação do artigo 76.º

Artigo 5.ºAlteração à Lei de Organização e

Funcionamento dos Tribunais Judiciais1 - O artigo 85.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, passa a ter a seguinte redacção:

“ Artigo 85.º[…]

Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:

[…];a) […];b) […];c) […];d) […];e) […];f) […];g) […];h) […];i) […];j) […];l) […];m) […];n) […];o) […];p) […];q) […];r) Das questões relativas ao controlo s)

da legalidade da constituição, dos estatutos e da actividade das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;

[t) anterior alínea s)].”Igual ao primeiro Anteprojecto. Norma

necessária.

2 – O artigo 118.º da Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:

“ Artigo 118.º[…]

Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:

[…];a) […];b) […];c) […];d) […];e) […];f) […];g) […];h)

[…];i) […];j) […];l) […];m) […];n) […];o) […];p) […];q) […];r) Das questões relativas ao controlo s)

da legalidade da constituição, dos estatutos e da actividade das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;

[t) anterior alínea s)].”Igual ao primeiro Anteprojecto. Norma

necessária.

Artigo 6.ºAplicação no tempo

As normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor.

Diferente do primeiro Anteprojecto. Agora, de modo que se louva como mais simplificador e evitando discussões jurisprudenciais, o novo CPT só se aplica aos processos novos.

Artigo 7.ºRepublicação

É republicado, em anexo, o Código de Processo de Trabalho com a redacção actual, que é parte integrante do presente decreto-lei.

Igual ao primeiro Anteprojecto. É de louvar que sempre assim seja.

Artigo 8.ºEntrada em vigor

1 – O presente diploma entra em vigor no dia ...., sem prejuízo do disposto nos números seguintes.2 – Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 438.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, até à entrada em vigor do n.º 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, o trabalhador pode optar pela reintegração na empresa ou por uma indemnização em substituição da reintegração, até à sentença do tribunal, cabendo ao tribunal fixar o montante dessa indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381.º do Código

Alteração do Código de Processo de Trabalho

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219Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro.3 – O artigo 186.º-J entra em vigor na data de início de vigência do diploma que regular o regime processual aplicável às contra-ordenações em matéria laboral e de segurança social.

Só o n.º 2 é novo em relação ao primeiro Anteprojecto. Compreende-se o porquê do mesmo, mas, salvo o devido respeito, mesmo que se tenha dele a ideia de uma “norma interpretativa retroactiva atípica” o certo é que a mesma entra em vigor no preciso instante em que deixa de vigorar11, já que só prevê situações até à entrada em vigor do artigo 391.º, n.º 1 do Código do Trabalho e este artigo entra em vigor com esta revisão!

Pensamos que o problema que aquele n.º 2 pretende resolver sempre será resolvido sensatamente pela jurisprudência, pois aqui se trata, sem margem a dúvida, de um lapso manifesto e corrigível por interpretação restritiva (restritiva ao conjunto de normativos que não terão entrado em vigor, naturalmente).

Talvez fosse melhor deixar os tribunais resolverem esta questão, em lugar de criar esta norma que, pela redacção que necessariamente tem que ter – atenta a sua finalidade – será objecto de críticas.

Trata-se, no entanto, de uma opção politico-legislativa pura, que nos escusa a outros comentários.

Lisboa, Conselho Superior da Magistratura, 23 de Julho de 2009

José Eusébio Almeida, Duro Mateus Cardoso(Vogais do Conselho Superior da Magistratura)

11 Salvo se o Código, propriamente dito, entrar Salvo se o Código, propriamente dito, entrar em vigor mais tarde do que este número 2.

2.Alteração à “Lei das Armas”

(Proposta de Lei n.º 222/X)

Nos termos do art. 149º, al. b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, compete ao Conselho Superior da Magistratura emitir pareceres sobre diplomas legais sobre matérias relativas à administração da justiça.

No âmbito desta competência, foi solicitado ao Conselho Superior da Magistratura que emitisse parecer sobre uma Proposta de alteração à Lei nº 5/2006, de 23/2, conhecida como “Lei das Armas”.

Tendo presente o sentido da intervenção do Conselho Superior da Magistratura, apenas importará comentar os aspectos desta proposta de diploma que se relacionam com a administração da justiça, designadamente as suas vertentes penais e processuais-penais, desprezando-se, por isso, as suas vertentes técnicas e as de cariz essencialmente administrativo. De resto, assim se corresponderá ao expressamente pedido pela A.R.

Consequentemente, a nossa atenção centrar-se-á nas soluções de agravamento das penas do crime de detenção de arma proibida e dos crimes cometidos com recurso a arma, de detenção, em ou fora de flagrante delito, dos agentes de crimes de detenção de arma proibida ou de crimes cometidos com recurso a arma, de aplicabilidade da prisão preventiva em todos os casos de crimes de detenção de arma proibida e de crimes cometidos com recurso a arma, a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, de agravação genérica das penas aplicáveis a crimes praticados com armas.

Sem prejuízo, sempre se chamará a atenção para uma outra questão que nos parece relevante.

Em recente alteração introduzida por Lei da A.R. ao regime jurídico do

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220 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

divórcio e das suas consequências, foi posta profunda ênfase na ultrapassagem do conceito de “poder paternal” para o de “responsabilidades parentais”, pretendendo-se salientar o grande significado da substituição do tradicional instituto do exercício do poder paternal pelo do exercício das responsabilidades parentais. Foi, aliás, repetidamente mencionada a harmonia que assim se conseguiria com soluções europeias mais avançadas.

Afigura-se-nos, pelo menos por interesses de coerência que a actividade legislativa não deve deixar de observar, senão também pelas razões que presidiram à substituição, que em ulteriores intervenções o legislador deve tender à utilização desse novo conceito.

Assim, quando neste diploma, nos arts. 11º, nº 4, 15º, nº 5, 17º, nº 4 e 19º-A se prevê a intervenção de quem exerça o poder paternal, para habilitar a aquisição ou utilização de armas ou reproduções de armas a menores de 18 anos, deve ponderar-se a substituição da referida expressão.

Será, no entanto, a dimensão penal e processual penal deste projecto legislativo a merecer a nossa atenção.

A primeira questão que se deve colocar é a da consagração de algumas das alterações propostas, num diploma avulso, subtraídas, assim, a tratamento nos Códigos Penal e de Processo Penal.

Esta questão prende-se concretamente com o agravamento genérico em um terço dos limites mínimo e máximo das penas aplicáveis a crimes cometidos com arma, prescrito nos nºs 3 e 4 do art. 86º, e com o regime de detenção e prisão preventiva específico para os crimes cometidos com arma, para além dos previstos. nos arts. 86º, 87º e 89º desta Proposta de Lei.

As virtudes da codificação dos regimes penais e processuais penais vigentes em qualquer comunidade, quer por

referência a interesses da sua utilização pelos operadores, quer em razão da facilidade de acesso ao seu conhecimento pelos respectivos membros, são óbvias e dispensam qualquer análise.

Por outro lado, não deixa de ser certo que uma concreta prescrição penal tem tanto valor e se impõe com tanta força quer esteja incluída num Código geral, quer o esteja numa diploma especial, com origem no mesmo órgão legislativo.

Tendo presente, no entanto, os valores e interesses que correspondem à consagração de determinada solução num código geral e aqueles que, pelo contrário, melhor se satisfazem com um tratamento especializado através de um diploma penal especial, não hesitamos em afirmar que as citadas soluções de agravamento geral de penas e de detenção ou prisão preventiva dos autores de crimes cometidos com arma melhor se satisfariam com a sua inclusão no Código Penal e de Processo Penal, respectivamente.

Nesta Proposta de Lei tipificam-se e punem-se condutas relacionadas directamente com armas, com a sua detenção, venda, aquisição, fabrico, transformação, importação, etc. Há um bem jurídico, ou melhor um conjunto de bens jurídicos muito específicos que se pretende tutelar, para o que o legislador intervém com uma grande densidade de especialização. Ao fazê-lo, tem em vista a relação entre um agente e um objecto, que a lei qualifica como arma, bem como os quadros de circunstâncias e fins dessa relação, designadamente em função da categoria de arma (ou de objectos conexos ou equiparáveis) que esteja em causa.

Por isso, é perfeitamente compreensível o tratamento de tais matérias num diploma especial.

De resto, a esta luz, até se poderia compreender a prescrição de um regime especial para a detenção de pessoas ou sobre as medidas de coacção a aplicar aos

Alteração à «Lei das Armas»

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agentes de tais crimes (previstos nos arts. 86º, 87º e 89º do diploma), em atenção à sua especificidade. No entanto, mesmo a admitir-se isto, não deixaria de ser estranho que, para outros crimes com muito maiores particularidades, o legislador não tenha adoptado idêntica solução: tenha-se presente que, por exemplo até para crimes dolosos de terrorismo, os regimes de detenção e de prisão preventiva se encontram estabelecidos no Código de Processo Penal e não na correspondente legislação especial, e é ali que se consideram as respectivas particularidades e exigências cautelares.

Porém, o que de todo nos parece carecer de justificação é o tratamento de uma generalidade de condutas criminosas, que têm previsão no Código Penal ou noutra legislação penal avulsa, bem como na lei processual, nesta Lei das Armas, apenas em razão do porte de uma arma, aparente ou oculta, pelo autor ou por qualquer comparticipante, no momento do crime.

Com uma tal solução legislativa, o leque de bens jurídicos que esta legislação especial parecia pretender ter como objecto é absolutamente transcendido, passando ela a intervir sobre uma generalidade de comportamentos dos cidadãos que sejam penalmente relevantes. Mas então, por razões de coerência sistemática, tais soluções devem sediar-se nos códigos gerais, ainda que com conteúdos penal e processual próprios, e não num regime legal avulso.

Aliás, para além da referência à legislação especial sobre terrorismo que bem revela a diferente perspectiva do legislador sobre a mesma questão em momento anterior, a própria Proposta de Lei sob apreciação reafirma a validade do princípio que se vem enunciando. Com efeito, no texto da lei original (Lei nº 5/2006, de 23/2), sob o art. 95º, prescrevia-se um regime de responsabilidade criminal próprio para as pessoas colectivas ou equiparadas. Então

inexistia regime penal geral aplicável a este tipo de entidades, pelo que essa previsão era aí imprescindível. Face à reforma penal de 2007, que estabeleceu genericamente a responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas e os seus pressupostos, a presente proposta de lei – e bem – abandona a solução especial e remete o tratamento da questão para os termos gerais prescritos no Código Penal (cfr. art. 95º da Proposta de Lei), reservando para a lei avulsa apenas aquilo que deve merecer uma atenção e um tratamento especializados. Ou seja, adoptando uma solução sistemática adequada e de sinal absolutamente contrário àquela que se critica.

Em conclusão, não pode deixar de se afirmar que a consagração das mencionadas soluções gerais de agravamento de penas para crimes cometidos com armas e de detenção e prisão preventiva de arguidos da autoria de crimes cometidos com armas – admitindo-se a excepção para os crimes especialmente previstos neste diploma - deveria realizar-se no Código Penal e de Processo Penal, respectivamente, bem como que a sua inclusão num diploma avulso, alimentando um fenómeno crescente de “descodificação”, a que se assiste na actividade legislativa, influi negativamente no capítulo da segurança jurídica.

Passemos, agora, à análise das concretas alterações propostas para o texto da Lei nº 5/2006.

No art. 86º, em que se tipifica uma diversidade de condutas que tenham por objecto armas, equipamentos ou materiais com elas conexos, vem aditado o verbo “transferir”. Os nove verbos da norma anterior passam a dez, num exercício que torna ainda mais difícil a apreensão da norma pelos seus destinatários, embora daí nenhum acréscimo de dificuldade advenha para a sua utilização pelos aplicadores.

É perfeitamente compreensível a vontade

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do legislador subjacente à tipificação destas condutas, com uma pretensão de abranger todas aquelas que possam induzir o perigo que se pretende prevenir. Importa cumprir o princípio da legalidade e daí o recurso a uma diversidade de termos que evite que fique de fora do tipo qualquer conduta que identicamente se queira precaver. Porém, tal como alertou a Professora Maria da Conceição Carapinha Rodrigues, na sua intervenção no V Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura, que versou a linguagem, a comunicação e o discurso do direito e do judiciário, importará atentar cada vez mais na necessidade de fácil acesso dos cidadãos ao conhecimento da lei e das decisões dos Tribunais, o que é prejudicado pela crescente densidade e complexidade das normas que vão sendo criadas.

Nenhum reparo se justifica em relação ao agravamento das sanções estabelecidas nas als. c) e d) do nº 1 do art. 86º:

- Na al. c) passa a prever-se um limite mínimo de 1 ano de prisão, que antes não existia, mantendo-se o limite máximo.

- Na al. d) eleva-se de 3 para 4 anos o limite máximo da pena de prisão, bem como de 360 para 480 dias o limite da pena de multa.

Trata-se de pura opção de política criminal, sobre a qual não se considera justificado realizar qualquer comentário.

Como se referiu antes, verdadeira novidade é a solução constante dos nºs 3 e 4 do art. 86º:

3- As penas aplicáveis a crimes cometi-dos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4- Para os efeitos previstos no número an-terior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparen-te ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do

n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.

Em face do nº 3, qualquer que seja o crime que seja cometido com arma, a respectiva pena é agravada, salvo se ele próprio já compreendia o respectivo uso ou porte.

A verdadeira dimensão desta norma só se entende se se tiver presente o que seja um crime cometido com arma: ocorre quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta.

Antes de mais, a nosso ver, importaria deixar claro que a agravação pode ser determinada quando haja apenas um agente do crime e não necessariamente uma situação de comparticipação. Com efeito, atentos os interesses em presença, não teria sentido exigir a comparticipação para o preenchimento da circunstância agravante, tanto mais que a grande maioria dos crimes são praticados por um único agente. Mas isto, de tão claro, pode não estar suficientemente expresso no texto da norma.

Para além disso, estabelece-se, nos termos citados, uma circunstância qualificativa geral, isto é que opera sempre, em relação a qualquer tipo de crime e ainda que a arma não tenha qualquer utilização na sua execução.

É certo que a detenção de uma arma, no momento do crime, independentemente do seu uso ou da sua mera exibição constitui circunstância agravante dos crimes de furto e de roubo (arts. 204º, nº 2, al. f) e 210º, nº 2, al. b) do C.P.). As razões dessa qualificação penal estão perfeitamente sedimentadas quer no direito penal, quer na consciência ético-jurídica da comunidade, pretendendo sancionar-se “o potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente” (expressão de Faria Costa, Comentário Coninbricense do Código Penal, Tomo II, pg. 78).

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Tem-se presente que o intérprete e aplicador da norma não deixará de filtrar as situações em que a existência da arma não tem qualquer interferência de ordem subjectiva no cometimento do crime, como ocorrerá nos casos em que o agente actua sem consciência ou com completo alheamento em relação à presença da arma e à possibilidade da sua utilização. Assim acontecerá, por exemplo, se alguém conduzir um automóvel com uma TAS de 1,3 g/l. e tiver uma arma no porta-luvas do veículo, sem que isso em nada o tenha influenciado na decisão de conduzir depois de beber, ou nem se lembrar da presença da arma.

Porém, as hipóteses que subsistem como passíveis de preenchimento da circunstância agravante podem ser, perante uma formulação tão genérica como a adoptada, excessivas, podendo configurar-se muitas situações respeitantes a tipos de infracção em que o agente de um crime tem uma arma, tem a consciência disso mesmo, mas sem que isso se traduza na disponibilidade de uma superioridade de ataque, nem sequer de protecção a uma eventual necessidade de fuga, por essa circunstância ser completamente alheia ao crime em questão. Veja-se, por exemplo, o caso de crimes de difamação, de corrupção, de incêndio ou poluição, em relação aos quais a existência de uma arma na posse do autor, no momento cometimento do crime, será em princípio completamente indiferente, mas não deixará de tender a constituir circunstância qualificativa nos termos da presente Proposta de Lei.

Por outro lado, perante a legislação actual, uma vez que para qualquer crime se prevê uma moldura penal variável, a detenção da arma pelo delinquente sempre pode obter a devida valoração penal aquando da determinação da medida da pena. Ou seja, sempre que tal se revele adequado, independentemente da expressa qualificação penal, o porte de uma arma no

momento da execução de qualquer crime pode ser levado em conta e ter concretos efeitos penais, na determinação da medida da pena a aplicar, dentro da moldura penal correspondente.

A solução agora proposta é bem mais grave, pois não só se prevê o aumento do limite máximo, mas também o do limite mínimo da moldura penal. Isto significa que, para determinar a medida da pena, o Juiz partirá sempre de um limite mínimo superior ao previsto para o crime em causa sem essa agravação.

Por todo o exposto, a manter-se uma agravação genérica de todo e qualquer crime cometido “com arma”, o que talvez merecesse reflexão seria a hipótese de o agravamento da pena se operar apenas pelo aumento do limite máximo da moldura penal, e não também do limite mínimo.

Por fim, a propósito deste art. 86º, deve afirmar-se a desnecessidade da previsão do nº 5 (fixação do limite máximo da pena de prisão em 25 anos), pois este princípio estruturante do nosso direito penal está devidamente consagrado no art. 41º do Código Penal.

Nenhum comentário se oferece no que respeita à ampliação do elenco de espaços em relação aos quais operam as prescrições dos arts. 89º e 91º, bem como quanto às alterações introduzidas aos tipos legais de contra-ordenação constantes do diploma.

Importante alteração é, ainda, a proposta para os regimes de detenção e prisão preventiva, constantes do art. 95º-A:

1- Há lugar à detenção em flagrante delito pelos crimes previstos nos artigos 86.º, 87.º e 89.º da presente lei e pelos crimes cometidos com arma, a qual se deve manter até o deti-do ser apresentado a audiência de julgamento sob a forma sumária ou a primeiro interrogató-rio judicial para eventual aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.

2 - Fora de flagrante delito, a detenção pe-los crimes previstos no número anterior pode ser efectuada por mandado do juiz ou do Mi-nistério Público.

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3 - As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, nos casos previs-tos na lei, e devem fazê-lo se houver perigo de continuação da actividade criminosa.

4. É aplicável ao arguido a prisão preven-tiva quando houver fortes indícios da prática de crime doloso previsto no n.º 1, punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, verificadas as demais condições de apli-cação da medida.

No que respeita à norma do nº 1, importa considerar o desvio à regra processual geral segundo a qual a detenção em flagrante delito só se deve manter – no caso de a apresentação ao Juiz de Instrução Criminal (JIC) não poder ocorrer imediatamente a seguir à detenção – caso existam razões para crer que o arguido não se apresentará espontaneamente, no prazo que lhe for fixado, perante o MºPº (art. 385º do C.P.P.).

Prevê-se, agora, que a detenção se mantenha efectivamente até à sua apresentação ao MºPº, que promoverá o seu julgamento em processo sumário ou o seu interrogatório para aplicação de medida de coacção.

No caso da norma constante do nº 2, o desvio à regra geral do nº 1 do art. 257º do C.P.P. consiste na legitimação do MºPº para ordenar a detenção do arguido fora de flagrante delito, sem necessidade de o crime indiciado consentir prisão preventiva e sem necessidade de haver razões que indiciem que o visado se não apresentaria voluntariamente.

No caso do nº 3, a especialidade em relação ao regime geral do nº 2 do art. 257º consiste na imposição da detenção por iniciativa da autoridade policial caso se verifique perigo de continuação da actividade criminosa.

No nº 4, o desvio à regra geral prescrita no art. 202º consiste na permissão de aplicação da medida coactiva de prisão preventiva quando ocorram indícios fortes da prática de crimes puníveis com pena superior a três anos, em vez dos cinco

anos estabelecidos como princípio nesta norma (sem prejuízo das logo aí expressas excepções), desde que verificados os demais pressupostos de aplicação desta medida.

Tudo isto, obviamente, desde que estejam em causa os crimes previstos nos arts. 86º, 87º e 89º ou crimes cometidos com arma.

A prescrição destas soluções de excepção para os crimes específicos que são o objecto primeiro desta legislação – detenção de arma proibida, tráfico e mediação de armas, detenção de armas e outros dispositivos ou substâncias em locais proibidos – não pode merecer crítica por parte deste CSM. Estamos perante uma pura opção de política criminal, competindo à AR interpretar e implementar a vontade popular no que respeita à prevenção e combate a tal fenómeno criminal.

Identifica-se claramente um endurecimento no tratamento processual dos arguidos deste tipo de crimes, designadamente no tocante ao seu estatuto de liberdade durante o processo, incluindo no que respeita às entidades com competência para lhe determinarem restrições. Será que isso se justifica na medida em que é prescrito? E que essa solução é coerente com a evolução de sinal contrário resultante da reforma penal de 2007? E que isso se mostra suficientemente justificado pela evolução recente da criminalidade na nossa sociedade?

Como se afirmou, a resposta a estas questões constitui pura política criminal, pelo que nenhum comentário do CSM se justifica.

Porém, em especial nesta matéria, nenhuma norma legal deve consentir dúvidas ou múltiplas interpretações.

Mas isso não se verifica com a norma constante do nº 3 deste art. 95º-A, que estabelece, em relação aos crimes em causa, um dever de detenção para as próprias autoridades policiais, caso identifiquem perigo de continuação da

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actividade criminosa. Com efeito, a redacção deste preceito suscita a dúvida: se houver esse perigo, é dispensada a verificação dos demais pressupostos previstos nas três alíneas do nº 2 do art. 257º? Ou pretende-se apenas que, perante esse perigo e a verificação desses pressupostos, a autoridade policial não tenha apenas uma legitimação para realizar a detenção, antes tenha um especial dever com esse conteúdo?

Afigura-se-nos que o texto da Lei deve excluir tal dúvida.

Por fim, se entendemos não dever discutir o referido endurecimento da reacção do sistema penal, na vertente processual relativa ao estatuto de liberdade do arguido, às condutas especificamente previstas nesta legislação avulsa, isso não se aplicará à classe genérica dos “crimes cometidos com arma”.

Com efeito, e pelas razões já referidas a propósito do agravamento das penas estabelecido para os crimes cometidos com arma, consideramos dever ser seriamente ponderada a solução de extensão deste especial regime de detenção e prisão preventiva a qualquer arguido da prática de um crime indiferenciado, desde que o agente ou qualquer comparticipante tenham consigo uma arma, aparente ou oculta, no momento do seu cometimento.

Tal como então se referiu, uma extensão tão ampla do espectro de aplicação destes institutos processuais penais pode conduzir a situações não previstas, com caracteres de desproporção e desadequação que o equilíbrio do sistema processual penal geral não consentiria e que, por isso mesmo, dificilmente serão compreendidas e aceites pela generalidade dos cidadãos.

É, em observância de interesses de celeridade que foram expressos pela A.R., o que se nos oferece referir sobre a Proposta de Lei analisada.

Porto, 19/11/2008Rui Moreira (Vogal do CSM)

3.Emissão e execução de decisões

de apreensão de bens ou elemen-tos de prova em processo penal

Nos termos do art. 149º, al. b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, compete ao Conselho Superior da Magistratura emitir pareceres sobre diplomas legais sobre matérias relativas à administração da justiça.

No âmbito desta competência, foi solicitado ao Conselho Superior da Magistratura que emitisse parecer sobre uma Proposta de Lei que aprova um regime jurídico para a emissão e execução de decisões de apreensão de bens ou elementos de prova em processo penal.

Antes de mais, importa deixar uma nota.

Como bem se expressa na Exposição de Motivos da Proposta de Lei, o regime jurídico que se pretende fazer aprovar traduz o directo cumprimento da Decisão Quadro nº 2003/577/JAI, do Conselho de 22/7.

Esta realidade é fundamental na medida em que, em concreto, condiciona de forma quase total quer o leque das situações que devem cair no âmbito de aplicação das soluções previstas, quer a natureza e alcance das mesmas.

Por isso, não pode deixar de ter-se presente a noção da pouca relevância de qualquer comentário que aqui se possa fazer.

Em qualquer caso, verifica-se

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226 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

estarmos perante um desenvolvimento importante, no âmbito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, o qual teve a sua expressão mais importante noutra matéria, designadamente a respeitante ao mandado de detenção europeu.

Com o presente regime pretende-se, em relação a determinados crimes, a dispensa de um duplo controlo da incriminação, no “Estado de execução” da decisão de apreensão, reconhecendo este, sem mais, a decisão do “Estado de emissão”, no espaço da União Europeia.

Esta decisão, pretendendo a apreensão de “bens” ou “elementos de prova” – conceitos estes definidos no art. 2º da proposta de Lei em termos exactamente coincidentes com os da Decisão-Quadro cit. – será, então, cumprida no Estado de execução, pela autoridade judicial competente.

A questão que nos parece oportuno colocar é a da definição desses crimes pois o seu elenco, no art. 3º da Proposta de Lei, reproduzindo o elenco de crimes da Decisão-Quadro, nem sempre é coincidente com os tipos de crime constantes da lei penal portuguesa.

Por exemplo, prevê-se a dispensa de controlo de dupla incriminação em relação ao crime de “tráfico de carros roubados”. Se for pedida, ao estado Português, a apreensão de carros subtraídos na Alemanha, dada a diferença dos tipos criminais de furto e roubo, em Portugal, parece não estar dispensado aquele controlo (nos termos do nº 2 do mesmo art. 3º), o que pode constituir uma limitação em relação aos pressupostos da Decisão-Quadro.

Não se pode, pois, deixar de recomendar um exame mais atento na transposição dos conceitos inscritos na Proposta de Lei.

No mais, a sujeição do procedimento de execução da decisão de apreensão transmitida por autoridade judiciária estrangeira ao regime processual penal geral e a fixação da respectiva competência ao juiz de instrução criminal (o texto refere tribunal com competência para proceder à instrução criminal) territorialmente competente afigura-se-nos a solução correcta, sendo, aliás, a única compatível com a nossa legislação processual penal.

Já no que respeita ao regime de recursos, maxime no respeitante aos recursos interpostos em relação a decisões que devam ser executadas em Portugal ao abrigo desta Lei, estando prevista a intervenção da autoridade judiciária do Estado de Emissão, nomeadamente para exercício do direito de resposta, afigura-se-nos que não deveria deixar de ser prevista e regulada a intervenção do MºPº, dados os interesses em presença, bem como o regime tributário desse incidente, em relação ao que a Proposta de Lei resulta completamente omissa, não cabendo, quanto a isso, implementar qualquer solução da Decisão-Quadro, que também a não contém, compreensivelmente.

No mais, e pelo menos nesta sede, nenhum outro comentário nos parece oportuno.

Lisboa, 12/6/2008Rui Moreira

Vogal do Conselho Superior da Magistratura

Emissão e execução de decisões de apreensão de bens ou elementos de prova em processo penal

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227Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

4.Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade

(Proposta de Lei)

A presente Proposta de Lei, além de compreender uma profunda alteração no regime da execução das penas e medidas privativas de liberdade, importa coerentemente profundas alterações ao nível da orgânica judiciária, que devem ser antecipadamente previstas e instaladas, de forma a garantir que a implementação – ou a falta de implementação tempestiva - das medidas substantivas estabelecidas não redunda em agressão de um bem jurídico essencial à dignidade da pessoa humana, presente acima dos demais, nesta matéria: a Liberdade.

Passando de imediato à análise de algumas das questões suscitadas pela presente Proposta de Lei, atente-se em que se prevê, no art. 138º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), que:

2 – Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao Tribunal de Execução das Penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

4 – Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos Tribunais de Execução das Penas, em razão da matéria:

(…)r) Declarar extinta a pena de

prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;

s) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação.

Esta atribuição de competência é, paralelamente, reflectida na LOFTJ, por via das alterações introduzidas no art. 91º, nº 1 e nº 3, al. r) da Lei 3/99, de 13/1, e no art. 124º, nº 1 e nº 3, al. r) da Lei nº 52/2008.

Por outro lado, é também da competência dos TEP’s a decisão das impugnações das decisões dos serviços prisionais, a homologação dos planos individuais de readaptação (sempre obrigatório para menores de 21 anos e para os casos de condenação em pena que deva cumprir-se por mais de um ano – art. 21º) e uma diversidade de outras intervenções que constituem inovação em relação à sua competência anterior.

Por outro lado ainda, muitos dos processos agora previstos passam a ter um nível de garantia de direitos antes inexistente, com superiores níveis de contraditório, o que também implica uma superior densidade formal. Vejam-se as diversas formas de processo previstas no art. 155º, superiores em quantidade e especificidade às anteriormente existentes.

Tudo isto leva a que se deva ter presente que se está a construir uma Jurisdição de Competência Especializada com uma dimensão muito mais ampla do que a actualmente existente, a implicar uma estrutura logística, com meios materiais e humanos, de muito maior dimensão. Estamos perante uma efectiva jurisdicionalização da execução das penas de prisão e medidas privativas de liberdade, integrada por uma pertinente e muito mais efectiva intervenção do MºPº e da figura do Defensor do arguido, em relação a diversas matérias, com uma densificação dos actos formais dos processos aplicáveis.

Com efeito, por exemplo no que a processos respeita, passará a ser

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imprescindível a abertura de um processo individual, tal como se encontra previsto no art. 144º do CEPMPL.

Actualmente, isso não é assim, pois independentemente dos processos individuais existentes nos EPs, só se abrem, nos TEP’s, os processos previstos nos arts. 39º e ss, maxime os processo graciosos para concessão de saída prolongada e liberdade condicional, nos casos em que a dimensão da pena comportam tais soluções, v.g. quando é superior a seis meses.

Porém, cabendo ao TEP, futuramente, a declaração de extinção da pena e a emissão dos mandados de libertação, sempre será imprescindível o cumprimento daquele art. 144º, com a abertura de um processo por cada recluso.

O número de processos irá aumentar significativamente, para além das incidências que cada processo terá, aumentando a necessidade de infra-estruturas, equipamentos, funcionários, magistrados do MºPº e juízes.

Por outro lado, a necessidade de elaboração de muitos mais planos de reabilitação individual – o que também corresponde a uma forma de processo específica - exige um significativo reforço das equipas competentes.

Também os Tribunais da Relação passarão a ser destinatários de uma quantidade de recursos anteriormente impensável.

Importará, pois assegurar antecipadamente a existência destes meios, essenciais à execução das soluções agora previstas, por forma a evitar que as mesmas, constituindo um efectivo aumento dos direitos dos reclusos e uma promoção no que respeita à protecção da dignidade da pessoa humana, não resultem frustradas a final.

Ainda em sede de alterações ao C.P., regista-se com agrado a agilização dos procedimentos que permitem o pagamento

de multa, na iminência do cumprimento da pena de prisão subsidiária (art. 491º-A do CP).

Já no que respeita ao CEPMPL, a primeira grande questão tem a ver com a amplitude dada à hipótese de colocação do recluso em cumprimento de pena em regime aberto no exterior: após o cumprimento de 1/6 da pena, no caso de penas inferiores a cinco anos, e de ¼ da pena, no caso de penas superiores a cinco anos, sob condição de prévia saída prolongada, autorizada judicialmente, e decorrida com êxito.

Mais prescreve a al. b) do nº 6 do art. 14º que a competência para a colocação do recluso em RAnE pertence ao DG dos Serviços Prisionais.

Uma intervenção administrativa com uma capacidade de afectação tão profunda dos efeitos de uma decisão judicial – independentemente da possibilidade de controlo judicial dessa decisão administrativa, por iniciativa do MºPº - parece-nos excessiva, de constitucionalidade, no mínimo, duvidosa e, por certo, que não espelha a consciência ético-jurídica da comunidade, estando por saber se os fins exclusivamente ressocializadores que se pretendem são os únicos a ter em conta, bem como se, mesmos esses, serão suficientemente acautelados com um alívio tão profundo de uma reacção penal a uma conduta criminosa necessariamente grave.

No mais, é de saudar a codificação das soluções legais consagradas para a execução de penas e medidas privativas de liberdade, designadamente no que respeita ao regime de saídas administrativas e jurisdicionais, ao direito disciplinar, à garantia do direito de petição, queixa e exposição, à execução das formas de prisão por dias livres e em regime de semi-detenção.

Lisboa, 19/5/2009Rui Moreira

(Vogal do Conselho Superior da Magistratura)

Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade

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229Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

5.Segunda Lei de Política Criminal

Proposta de Lei n.º 262/X (A.R.)

Após o primeiro biénio de aplicação da Lei de Política Criminal, constante do diploma nº 51/2007, de 31/8, caberá cumprir o disposto na Lei Quadro de Política Criminal (Lei nº 17/2006, de 23/5) e preparar uma nova Lei de Política Criminal destinada a vigorar num novo e idêntico período.

Obviamente que tal tarefa não dispensa, antes exige, a ponderação conjunta de vários elementos: a evolução do fenómeno criminal; as novas soluções penais e processuais penais, decorrentes essencialmente da reforma de 2007, e as suas consequências nesse fenómeno; os efeitos da vigência da primeira Lei de Política Criminal.

Uma análise profunda daqueles factores, apesar de essencial – a nosso ver - noutra sede, tornar-se-ia aqui impertinente.

Por outro lado, é igualmente honesto reconhecer estarem por identificar e quantificar os eventuais efeitos da vigência da actual lei de Política Criminal, desde Setembro de 2007: ocorreram efectivos benefícios da previsão de certos crimes como de prevenção e perseguição prioritárias? Houve um aumento significativo da sensibilidade do MºPº para as medidas de intervenção preferenciais para a pequena criminalidade? Há que admitir que nenhum estudo teve ainda oportunidade de versar sobre a matéria, pelo que não é com base na experiência adquirida que iremos preparar esta Segunda Lei de Política Criminal.

Em qualquer caso, partindo do conhecimento que lhe advém do contacto com os Tribunais e as suas realidades quotidianas, o Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou sobre a

matéria, em sede de preparação desta Proposta de Lei, tendo constatado, com agrado, o acolhimento de algumas das suas sugestões, quer quanto á referenciação de novos fenómenos criminais, quer quanto à abordagem de um problema que é, antes de mais, de eficiência na administração da Justiça: a questão do aparecimento recorrente de “mega-processos”.

Assim, passaremos tão só a elencar alguns aspectos que uma nova Lei de Política Criminal deve levar em conta.

O primeiro para referir um evidente crescimento da sensação de insegurança junto da população, em razão não só da maior visibilidade, mas de um real aumento do número de crimes praticados com inusitado grau de ameaça ou efectiva violência contra as pessoas: os simples roubos de rua, antes cometidos geralmente sob simples ameaça, redundam já em efectivas e desnecessárias agressões sobre as vítimas; o fenómeno do car jacking não foi erradicado, nem parece minorado; começam a aparecer sucessivos casos já designados como home ou house jacking, nos quais a apropriação de bens existentes na residência é operada na presença e com o sequestro dos respectivos ocupantes.

Paralelamente assiste-se ao facto de crimes cometidos em série, de forma mais ou menos homogénea, terem por autores indivíduos de nacionalidade estrangeira, sem ligações ao território, ao qual parecem ter vindo apenas para a prática de tais actos.

Noutra dimensão, são já fenómenos de violência grupal que despertam a atenção e o receio da população.

Sem podermos sustentar tal conclusão em números reais, de que não dispomos no momento, não deixaremos de comentar que neste aumento de criminalidade violenta estará a causa para o facto de a prisão preventiva não ser um instituto

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processual penal em decrescimento, como se pretendia que viesse a acontecer após a reforma penal de 2007 e apesar das soluções então adoptadas e que a isso tenderiam (v.g. a aplicação da medida a crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos e a possibilidade de suspensão da execução de penas até cinco anos, em face do que varia necessariamente o juízo de proporcionalidade sobre a aplicação desta medida de coacção, e a redução dos casos de aplicação).

Constata-se que a nova Lei de Política Criminal atenta em tal realidade, bem como na relevância de outras condutas criminosas que parecem colher grande atenção por parte da comunidade - violência doméstica e maus tratos; crimes sexuais e contra a autodeterminação sexual. E por isso amplia o elenco dos crimes de investigação e de prevenção prioritária. Mantém, assim, o caminho definido pela primeira Lei de Política Criminal, ainda em vigor.

Porém, parece-nos claro que a eficácia de um instrumento como esta Lei dependerá da sua maior especialidade, isto é, da concentração da atenção sobre determinados fenómenos, o que resultará necessariamente numa perda da visibilidade de outros.

A propósito da primeira Lei de Política Criminal, o Conselho Superior da Magistratura pronunciou-se nos seguintes termos:

“(…), a lei estrutura-se em dois vectores: a identificação dos crimes de prevenção prioritária e a identificação dos crimes de investigação prioritária.

Estaria aqui o elemento fulcral da lei: a selecção dos comportamentos sociais a que se deve dar prioridade, ora nas fases de prevenção, ora nas fases de investigação.

No entanto, o objectivo da lei parece frustrar-se na medida em que, numa ordem jurídica conformada pelo princípio

da legalidade, designadamente quanto à prevenção e perseguição criminal de actos ilícitos típicos, não se quis afirmar qualquer juízo de verdadeira oportunidade (na prevenção ou na investigação) em relação a específicas condutas. Disso resultaram dois elencos de condutas típicas absolutamente esmagadores, tal o leque de comportamentos abrangidos.

De facto, e atentando ao panorama dos crimes genericamente identificados na nossa sociedade, isto é, ao leque de crimes recorrentemente acusados e julgados nos tribunais portugueses, verificamos que quase todos são prioritários. E, como expressamente se refere no preâmbulo e nada legitima contrariar, todos são igualmente prioritários. Uns não o são mais do que outros, pelo menos por efeito de qualquer solução trazida pela presente lei.”

Ou seja, tal como antes, continuamos a entender ser imprescindível – em nome de uma efectiva relevância de uma Lei de Política Criminal – o “emagrecimento” do catálogo de crimes de prevenção prioritária e de investigação prioritária.

Admite-se que tal evolução teria dois problemas a resolver: por um lado, pareceria estar-se perante um trabalho difícil, designadamente o da identificação dos crimes a “retirar” dos catálogos existentes na actual Lei; por outro, o da interpretação que essa remoção poderia suscitar junto da comunidade, que teria de ser alertada para nisso não ver uma desatenção para com os crimes excluídos, mas um incremento da atenção sobre os tipos criminais que resultassem previstos.

Ou seja, na tarefa que temos em mãos, a operação a realizar não haveria de ser olhar para o catálogo de crimes da Lei anterior e identificar quais aqueles que haveriam de se excluir. Essa tarefa haveria de ser olhar para a realidade sócio-criminal do país e

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identificar aqueles crimes que, acima dos demais, mereceriam uma intervenção prioritário do sistema de Justiça.

Outra questão que foi ponderada nesta nova Lei, acreditamos que após a sugestão do Conselho Superior da Magistratura, foi a do fenómeno processual conhecido por “mega-processo”.

Na primeira Lei, a questão encontrava-se prevista no art. 16º, onde se alude à conveniência da separação de processos –a requerer pelo MºPº em observância das leis de processo – quando a unidade ou apensação de processos não permitisse o cumprimento de prazos de inquérito ou criasse o risco de prescrição de procedimento criminal.

Tem-se verificado, no entanto, a entrada em Tribunal de um crescente número de “mega-processos”, os quais constituem factor de ineficiência do sistema: há dificuldades logísticas na realização de julgamentos; os riscos de segurança e os incómodos para os sujeitos processuais e intervenientes são maximizados; a eficácia da prova é menor; os julgamentos demoram por tempo incompreensível para os cidadãos, acarretando custos nos índices de confiança destes quanto ao funcionamento do sistema e quanto á sua vocação para uma efectiva realização da Justiça. Tudo em prejuízo da eficácia de uma qualquer consistente política criminal.

O art. 30º do C.P.P. compreende outros pressupostos para a solução de separação de processos, para além daqueles citados no art. 16º, pelo que é acertada a prescrição da al. c) do art. 22º: a separação de processos deve ser adoptada também quando a unidade ou apensação possam comprometer a celeridade processual ou a eficácia da administração da Justiça ou, ainda, prejudicar desproporcionadamente os intervenientes processuais.

Porém, a prescrição deste art. 22º fica aquém do desejável: essa separação não deve ocorrer só por decisão do Tribunal, oficiosamente ou a requerimento do MºPº ou de outros intervenientes processuais: o próprio MºPº, na fase de inquérito, a que se aplica o art. 30º do C.P.P., por remissão do art. 264º, nº 5, deveria prosseguir esses interesses e determinar, por si mesmo, na fase da acusação se não antes, tais processos.

Por fim, cabe-nos apontar uma solução legal criada por esta segunda Lei de Política Criminal que padece de inconstitucionalidade e, desde logo por isso, se considera inaceitável. O Artigo 13.º sob a epígrafe “Inquérito” dispõe:

1 - Compete ao Procurador-Geral da República aprovar directivas e instruções genéricas destinadas a fazer cumprir as prioridades previstas no artigo 4.º

2 - As directivas e instruções genéricas previstas no número anterior vinculam os magistrados do Ministério Público, nos termos do respectivo Estatuto, e os órgãos de polícia criminal que os coadjuvarem, nos termos do Código de Processo Penal e da Lei de Organização da Investigação Criminal.

3 - A identificação dos processos concretos a que se aplicam as prioridades previstas no artigo 4.º é feita pelos magistrados do Ministério Público, de acordo com as directivas e instruções genéricas referidas no n.º 1.

4 - (…)5 - (…)6 – (…)7 -À atribuição de carácter prioritário na fase

de inquérito deve corresponder precedência na designação de data para realização de actos de instrução, de debate instrutório e de audiência de julgamento, sem prejuízo da prioridade a conferir aos processos considerados urgentes pela lei.

Por um lado, a inserção sistemática

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desta norma está errada. Regras sobre a designação de data para a realização de actos de instrução, debate instrutório e audiência de julgamento são completamente alheias à fase de inquérito de um processo penal. Por isso, não é boa solução a da sua inclusão num último número de uma norma cuja epígrafe é inquérito. Aí inseridas sistematicamente, tais regras perdem visibilidade, o que pode ser o primeiro motivo para a sua inobservância.

Por outro lado, o nº 1 desta norma refere que o Sr. PGR emitirá directivas e instruções genéricas destinadas a fazer cumprir as prioridades estabelecidas no art. 4º, que identifica os “crimes de investigação prioritária”. Depois, o nº 4 prevê que, interpretando e aplicando essas directivas e instruções, os magistrados do Ministério Público procederão à identificação dos processos concretos a que se aplicam as prioridades previstas nesse artigo 4.º

Tais prioridades são, depois, observadas em fase de investigação e promoção processual, pelos magistrados do MºPº, que são hierárquica e funcionalmente destinatários dessas directivas e instruções.

Porém, o citado nº 7 estende isso para o Tribunal, pretendendo o condicionamento da actividade do tribunal, isto é do Juiz, quer em fase de Instrução, quer em fase de Julgamento: será à luz de directivas e instruções do Sr. PGR que os Magistrados do MºPº classificarão, em concreto, determinados processos como prioritários; dessa classificação, insusceptível até de qualquer controlo – e não da interpretação e aplicação, pelo Tribunal, de uma norma legal - decorrerá a prioridade de um processo, nas fases de instrução e julgamento.

Desta forma – sem prejuízo de um necessária e óbvia salvaguarda dos processos legalmente classificados como

urgentes – fica o Juiz condicionado não pela lei, mas pela interpretação e aplicação que o Sr. PGR e, subsequentemente, os Srs. Procuradores e Procuradores-adjuntos fazem da Lei, considerando uns processos como precedentes em relação a outros.

Importa afirmar que o Conselho Superior da Magistratura não vê obstáculo a que, no âmbito de uma Lei de Política Criminal, se estabeleça um elenco de crimes que, actuando os interesses nela cristalizados, devam merecer precedência em relação a outros, também na fase de Instrução e de Julgamento. Isso é feito noutras Leis, que estabelecem a urgência para determinados processos ou para processos que versem sobre determinados crimes. Porém, essa solução deverá impor-se, para o Tribunal, a partir da Lei (art. 203º da CRP: Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei), e não através da actuação concreto do MºPº em relação a determinados processos.

Por isso, o nº 7 do art. 13º não pode deixar de ser eliminado.

Se tal for o interesse do legislador, numa outra norma haverá de ser prescrita solução que leve os Tribunais a estabelecer um leque de precedências no tratamento de determinados processos, eventualmente em harmonia com a selecção já constante nesta proposta de Lei. Mas necessariamente em termos que não podem ficar dependentes da actuação do MºPº, ou da aplicação feita pelo MºPº das prioridades aqui estabelecidas.

São estes os comentários que se nos afiguram como mais importantes, designadamente em atenção às competências do Conselho Superior da Magistratura.

Lisboa, 19/5/2009Rui Moreira

Vogal do Conselho Superior da Magistratura

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6.Tratamento de dados

referentes ao Sistema JudicialProposta de Lei n.º 246/X

1. Objecto

1.1. Foi recebida pelo Conselho Superior da Magistratura, para emissão de parecer, a Proposta de Lei n.º 246/X, apresentada pelo Governo, que visa estabelecer o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial.

Sobre esta mesma matéria, ainda que sob outra designação, a saber, “Proposta de Lei relativa à partilha de informação e protecção de dados no sistema judicial”. A redacção dessa proposta foi, no entanto, sujeita a várias alterações, algumas delas acolhedoras do anterior Parecer do Conselho Superior da Magistratura, datado de 05 de Maio de 2008.

1.2. Nesta conformidade, o presente Parecer visa elencar, de forma sintética, algumas questões que nos parecem relevantes, numa vertente essencialmente prática e que permitam a efectiva concretização de um regime jurídico que constitua a salvaguarda e segurança no tratamento dos dados referentes ao sistema judicial.

1.3. Assinala-se, ainda, muito relevante a definição expressa das entidades responsáveis pelo tratamento dos dados, atribuindo essa responsabilidade, consoante as categorias em causa, ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e à Procuradoria-Geral da República, reconhecendo — no que ao CSM diz respeito — caber a estas entidades velar pela legalidade da consulta ou da comunicação da informação e garantir o cumprimento

das medidas necessárias à segurança e tratamento da informação, bem como ao arquivo electrónico.

1.4. Compreende-se também que em virtude dos processos judiciais não terem como utilizadores apenas Juízes, antes os dados têm natureza partilhada, as competências sejam exercidas de forma conjunta e coordenada por uma Comissão para a Coordenação do Tratamento e da Administração de Dados.

1.5. No entanto, cabendo a direcção dos processos ao Juiz, parece-nos que para uma mais eficaz e célere resposta às necessidades de intervenção que possam verificar-se, deve ser reconhecida uma competência específica aos Juízes Presidentes relativamente à introdução de dados e formas classificativas dos processos e prevendo-se um dever específico de obediência dos operacionais informáticos na concretização dessas determinações.

Com efeito, actualmente, para a simples correcção de espécies de distribuição, inserção de subespécies na distribuição ou regras para o averbamento dos requerimentos que entram nos Tribunais, não existe qualquer possibilidade de exercício de poder efectivo de intervenção do Juiz relativamente ao programa informático, restando-lhe a opção de proferir provimentos que, embora se destinam unicamente à secção de processos, não permitem uma actuação directa sobre o programa informático que regista os dados dos processos que correm termos nos Tribunais Judiciais.

2. Tratamento versus gestão de dados

2.1. Em face do teor da Proposta de Lei nº 246/X tem-se como conveniente uma melhor clarificação das competências pela gestão e tratamento dos dados. A

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234 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

referida Proposta pretende estabelecer um regime jurídico a aplicar ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial.

No seu art.º 1.º, alíneas a) e b), define-se que a Proposta de Lei estabelece as regras relativas à recolha e registo de todos os dados necessários ao exercício das competências dos magistrados. Esta matéria tem como pressuposto a criação de um novo paradigma de processo que deixe de assentar no papel, passando ter um suporte digital, com hardware e software próprios.

Daí que seja necessário definir as regras respeitantes à gestão dos dados inseridos em suporte distinto do papel.

2.2. Mas, neste ponto, há que ter presente (e a proposta de diploma não parece assentar nesta base), que é da exclusiva responsabilidade dos juízes e magistrados do Ministério Público titulares de cada processo (em qualquer área jurisdicional) o conjunto de dados que constituem o conteúdos dos processos (a que podemos chamar o seu conteúdo informacional), bem como a sua inserção, alteração ou manutenção (e não apenas as situações referidas no art.º 21-º, nº 6): neste aspecto, não há, por força dos princípios da separação de poderes e da independência dos Tribunais, qualquer capacidade de interferência por parte dos Conselhos Superiores [cfr., alínea c) e art.º 21.º, nº. 1).

Assim, o tratamento dos dados de cada processo ou procedimento (recolhidos pelo seu juiz titular com a finalidade de proferir uma decisão) é da exclusiva responsabilidade dos magistrados titulares dos processos e tal deveria ser expressamente afirmado.

2.3. Já quanto à responsabilidade pela gestão global do sistema judiciário digital, nada há a obstar a que esteja cometida, aos Conselhos Superiores e à

Procuradoria-Geral da República (acessos e segurança), bem assim como — no que respeita aos meios materiais — aos órgãos da administração, DGAJ e ITIJ (o art.º 23.º enuncia que cabe ao Ministério da Justiça desenvolver as aplicações informáticas necessárias à tramitação dos processos e à gestão do sistema jurisdicional), assim se respeitando o princípio da separação de poderes.

2.4. São questões distintas, são conceitos diferentes que não podem ser confundidos, necessitando o articulado de alguma precisão terminológica.

Assim:O art.º 21.º (“Entidades a)

responsáveis”) dispõe que o CSM é o responsável pelo tratamento dos dados previstos nas alíneas a), e) e h) do art.º 3.º (n.º 1); o CSTAF é o responsável pelo tratamento dos dados previstos na alínea b), do art.º 3.º (n.º 2) e a PGR é a responsável pelo tratamento dos dados previstos nas alíneas c), d) e f) do art.º 3.º (n.º 3).

Por seu turno, o n.º 4, ao concretizar b) as competências dessas entidades apenas consagra responsabilidades pela gestão de acessos e sua legalidade, e medidas de segurança da informação e tratamento dos dados.

2.5. Assim, sugere-se que na Proposta de Lei, quando se fale em “tratamento de dados” se passe a referir “gestão de dados” (reservando-se a primeira expressão para a actividade dos juízes e magistrados do Ministério Público exercida sobre o conteúdo dos processos, com vista ao proferimento de uma decisão).

3. A recolha de dados

3.1. Abrangência dos dados passíveis de recolha

Da redacção do art.º 3.º da PL246/X parece

Trtamento de Dados referentes ao Sistema Judicial

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235Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

resultar que o tratamento informático das categorias de dados ali elencadas, constitui o simples registo de todos os actos e documentos que são tramitados num processo judicial [cfr. art.º 5.º, al. g)].

Os “dados” passíveis de recolha podem ser formais, classificados em categorias genéricas passíveis de tratamento estatístico, mas do art.º 11.º, al. d) e 13.º, al. f) parece resultar que têm também natureza substantiva, isto é, dizem também respeito ao conteúdo dos actos (na parte em que se admite o tratamento dos dados referentes às condenações anteriores e respectivos crimes).

Aliás, da redacção da al. d) do art.º 4.º parece resultar que podem ser tratadas todas as informações constantes de um processo, inclusive a materialidade de cada acto praticado, ao prever-se que a recolha de dados tem por finalidade «facultar, aos diversos intervenientes processuais, as informações às quais os mesmos possam aceder, nos termos da lei», sabendo que quanto às partes e seus mandatários essas informações podem corresponder à totalidade do processo, bem como a outros processos relativamente aos quais não tenham tido qualquer intervenção, mas tenham interesse directo na sua consulta (cfr. art.º 167.º do Código de Processo Civil).

Deste modo, carece de concretização se os “dados dos processos nos tribunais judiciais” [al. a) do art.º 3.º] se referem unicamente aos elementos distintivos do processo, dos sujeitos processuais, do pedido, causa de pedir e resultado do mesmo (procedência, improcedência, condenação ou absolvição), tal como constam da relação do art.º 20.º ou se também poderão versar sobre o tratamento do texto integral, caso em que tais situações devem ser concreta e individualmente previstas, por forma a que a recolha desses dados não fique sujeita a actos discricionários, já que não resulta da al. q) do n.º 1 do art.º 20.º

que as categorias de dados aí enunciadas incidam sobre o respectivo texto integral.

3.2. Prazos processuaisO diploma não faz referência expressa ao

controlo dos prazos processuais. Este elemento tem significativa importância, designadamente nas inspecções judiciais efectivadas pelo CSM ou nas inspecções aos oficiais de justiça efectivadas pelo COJ.

No art.º 4.º, al. m) e o), estabelece-se que a recolha de dados tem por finalidade «facultar aos órgãos e agentes competentes, as informações necessárias à acção disciplinar contra magistrados e funcionários de justiça» e ainda «facultar os dados [estatísticos] aos órgãos com competência de gestão do sistema judicial, tendo em vista a monitorização do respectivo funcionamento».

Por sua vez, o art.º 6.º, referente aos «dados dos processos nos tribunais judiciais» prevê a possibilidade de serem recolhidos «dados da tramitação do processo» [al. l)].

Porém, no art.º 20.º, onde se encontra discriminados os dados passíveis de recolha (sendo certo que a relação é meramente exemplificativa, por ter na sua previsão a referência que tal recolha incide, “designadamente” sobre as categorias ali elencadas), não consta a menção aos prazos processuais.

Actualmente, o sistema Citius já permite a contabilização dos prazos em curso, relativamente a processos que estejam a aguardar a prática de um acto, mas não faz essa contabilização para utilização futura, designadamente dos prazos de cumprimento desses actos.

Sendo este um elemento fundamental de avaliação do funcionamento do sistema judicial, seria pertinente que no art.º 20.º fosse acrescentada uma nova alínea, referente aos prazos processuais, seu registo e cálculo, por forma a que não se suscite qualquer dúvida na legalidade

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236 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

da utilização desses dados também para aquele citado fim.

4. Responsabilidade pelo tratamento (e/ou gestão) dos dados

4.1.O CSM como Entidade Responsável.

A proposta de lei atribui ao Conselho Superior da Magistratura a responsabilidade pelo tratamento dos dados previstos nas alíneas a), e), g) e h) do art.º 3.º, isto é, aqueles que se referem aos processos que são tramitados nos Tribunais Judiciais ou sobre a direcção de um Magistrado Judicial.

De acordo com o art.º 3.º, al. d) da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (que transpôs para a ordem interna a Directiva n.º 95/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24.10.1995), define-se responsável pelo tratamento dos dados “a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais”.

Por conseguinte, a atribuição ao Conselho Superior da Magistratura dessa competência é um imperativo constitucional e legal.

Sucede porém que esta atribuição de per se não é nem suficiente, nem os termos em que o controle pode ser efectivado se encontra suficientemente acautelado nos termos previstos na Proposta de Lei n.º 246/X, conforme infra se passará a expor.

4.2. A abrangência da responsabilidade.

4.2.1. A responsabilidade que está atribuída ao CSM, de tratamento dos dados não se pode cingir à definição dos quadros de natureza técnica que depois sejam implementados pelo ITIJ, IP, enquanto responsável pelo “desenvolvimento aplicacional” (art.º 23.º), já que na

repartição de competências está previsto ser o Ministério da Justiça, através do ITIJ, que deve desenvolver as “aplicações necessárias à tramitação dos processos e à gestão do sistema jurisdicional, incluindo a necessária análise, implementação e suporte”.

Com efeito, é precisamente no âmbito desse desenvolvimento que se suscitam as questões mais relevantes, designadamente quanto aos conteúdos das aplicações e a sua necessária adaptação à específica função jurisdicional.

4.2.2. Se o Conselho Superior da Magistratura não puder ter intervenção activa no âmbito desse desenvolvimento, que implica a prévia experimentação, com programas e aplicações beta antes da sua disponibilização no sistema, pela qual se podem aferir das correcções ou adaptações que se justifiquem, ficará esvaziado o sentido prático da atribuição que lhe é conferida. E essa experimentação não se pode cingir às questões de natureza informática e à sua implementação, mas também sobre os inputs e outputs próprios da tramitação processual, sem os quais as aplicações deixam de ter a funcionalidade adequada, considerando os utilizadores que serão seus destinatários — os Juízes.

4.2.3. Vê-se precisamente essa dicotomia não resolvida no actual estádio de desenvolvimento do Citius. Este, constitui um passo importante na desmaterialização da tramitação processual. Trata-se de uma plataforma informática multifacetada, partilhada por Juízes, magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça, advogados e solicitadores, os quais com acessos diferenciados, podem praticar a generalidade dos actos processuais por tramitação electrónica de dados. O Citius é uma verdadeira plataforma de desmaterialização dos processos judiciais, sendo de relevar o facto que, de acordo

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com o art.º 17.º da Portaria n.º 114/2008, de 06.02, a partir de 5 de Janeiro de 2009, os processos judiciais passam a ser tramitados essencialmente de forma electrónica, através do aludido sistema, passando todo o fluxo processual a estar coberto por aplicações informáticas.

Todavia, o “módulo dos magistrados” como inicialmente estava classificado, foi desenvolvido a partir da aplicação Habilus destinada ao exercício funcional dos Oficiais de Justiça. Sucede que a abrangência, dimensão, natureza e complexidade das funções dos oficiais de justiça é completamente distinta da exercida pelos Juízes. O Conselho Superior da Magistratura não interveio em qualquer definição material ou de conteúdo da aplicação Citius destinada aos Magistrados Judiciais e, por essa razão, verificam-se algumas disfuncionalidades derivadas não propriamente na arquitectura tecnológica e programática da aplicação, mas da sua insuficiente adaptação à específica realidade do exercício da função jurisdicional.

4.2.4. Conclui-se, assim, que a análise das aplicações informáticas destinadas à tramitação dos processos e à gestão do sistema jurisdicional, não pode ficar circunscrita à exclusiva competência do Ministério da Justiça, antes tem que ser partilhada com o Conselho Superior da Magistratura, no que aos Tribunais Judiciais e Magistrados Judiciais diga respeito. Essa análise deve ser prévia à disponibilização definitiva, mas também tem que ser permanente no acompanhamento da sua implementação e execução, o que será possível de efectivar pelo Conselho Superior da Magistratura, designadamente através da delegação de competência para cada um dos Juízes-Presidentes das Comarcas (admissível ao abrigo do art.º 88.º, n.º 7 da LOFTJ).

4.2.5. Por outro lado, a atribuição da

responsabilidade no tratamento dos dados tem que abranger igualmente o próprio modelo das aplicações que sejam criadas, desenvolvidas e implementadas. Sendo um dos objectivos a desmaterialização da tramitação processual, este fim não pode circunscrever o âmbito da tramitação processual para outros domínios, designadamente limitando, alterando ou restringido as regras processuais. Ora, a função jurisdicional deve ser exercida com base em regras emanadas do poder legislativo e não por regras, directrizes, limitações ou esquemas definidos apenas do ponto de vista informático e relativamente às quais se verifique uma situação de impotência, designadamente porque quem executa, implementa e analisa não está na dependência funcional do Juiz [no caso concreto] ou, maxime, do Conselho Superior da Magistratura [na generalidade das situações].

Ora, esta nova arquitectura funcional pode condicionar o curso de um processo ou o acesso ao mesmo, que não pode ficar dependente exclusivamente das regras técnicas ou da execução do técnico de informática, já que é o sistema informático que deve adaptar-se às regras de prática e tramitação processual e não esta ter de conformar-se com aplicações relativamente às quais apenas é concedida atribuição de análise, implementação e suporte ao Ministério da Justiça (ITIJ).

Ou seja, estas atribuições devem ser partilhadas, na medida em que os Tribunais são órgãos de soberania que administram a justiça e não simples «escritórios electrónicos», como se fossem «delegações» de uma «empresa», em cujo modelo estão a ser criadas grande parte das aplicações informáticas de tramitação de processos e de gestão do sistema jurisdicional, que acaba por criar uma tutela derivada da aplicação informática, que não pode existir relativamente aos Juízes, na medida em que quanto a estes apenas o

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Conselho Superior da Magistratura tem competência constitucional para actuar.

4.2.6. Por conseguinte, sugere-se que na redacção do art.º 23.º passe a constar a figura do direito de consulta na modalidade de audição prévia por parte do Ministério da Justiça (ITIJ) no âmbito da análise, implementação, suporte (que inclui manutenção e desenvolvimento) das aplicações a instalar ou instaladas que versem sobre a tramitação dos processos e a gestão do sistema jurisdicional, designadamente podendo ter a seguinte redacção, que se sugere (com o aditamento de novo número):

Artigo 23.º(…)

1 — [redacção actual: O Ministério da Justiça assegura, através do ITIJ, IP, sem prejuízo dos regimes do segredo de justiça e do segredo de Estado, o desenvolvimento das aplicações informáticas necessárias à tramitação dos processos e à gestão do sistema jurisdicional, incluindo a necessária análise, implementação e suporte].

2 — O referido no número anterior é precedido de audição prévia das entidades referidas no artigo 21.º, quanto ao âmbito, conteúdo, extensão e forma do desenvolvimento das aplicações informáticas.

4.3. Especificidade de alguns dos dados

No que concerne às competências dos Conselhos e da PGR, há que sublinhar que:

a) A Proposta atribui responsabilidades ao CSM, pela gestão de dados processuais cuja titularidade é do Ministério Público (os dados respeitantes aos mandados de detenção e aos dados relativos à conexão processual no processo penal, em certos casos);

b) A Proposta atribui à PGR responsabilidades pela gestão de dados, cuja titularidade é de um Juiz (os dados respeitantes à suspensão provisória do processo).

Importa clarificar estas situações.

4.4. Composição O ideal seria que a gestão desses dados

fosse feita conjuntamente pelos Conselhos e pela PGR, no âmbito de uma Comissão (com oito elementos) maioritariamente constituída por magistrados nomeados por aqueles (que poderiam ser assessorados por técnicos informáticos na sua dependência funcional) — dois por cada, acrescendo um funcionário designado pela DGAJ e outro pelo ITIJ .

Tal Comissão haveria de ser presidida por um dos juízes indicados pelo CSM, de preferência de categoria superior à de Juiz de Direito.

Nesta base, haveria ainda que proceder à alteração — em conformidade — do art.º 22-º, o qual por sinal nem sequer indica quem preside à Comissão em causa (o que se tem como essencial e que poderia ser resolvido também com a previsão da aprovação de um Regulamento Interno que resolva estas e outras questões).

Assim não se considerando, ainda que cada uma das Entidades Responsáveis nomeie apenas um representante, não pode deixar de assinalar-se a discordância quanto ao requisito previsto para essa nomeação, nos termos que infra se passa a enunciar.

4.5. O representante do CSM na Comissão para a Coordenação do Tratamento e da Administração de Dados

4.5.1. Na sequência do supra enunciado, não se pode concordar com a redacção proposta para o n.º 5 do art.º 21.º e o n.º 3 do art.º 22.º, quando limita que os representantes de cada Entidade Responsável (como é o caso do Conselho Superior da Magistratura) sejam apenas “pessoas com competência e experiência técnica em matéria de administração de sistemas”.

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4.5.2. Trata-se de uma limitação que cria obstáculos restritivos à liberdade das respectivas entidades na nomeação da pessoa que considerem melhor represente o âmbito de intervenção e as específicas preocupações no tratamento e administração de dados, de acordo com a amplitude das competências atribuídas a cada entidade responsável, designadamente pela especificidade inerente ao exercício da função jurisdicional.

Com efeito, “velar pela legalidade da consulta e da comunicação da informação” [al. a) do n.º 4 do art.º 21] e “garantir o cumprimento de medidas necessárias à segurança da informação e dos tratamentos de dados” [al. b) do mesmo número] não se resume apenas à verificação de natureza técnica que possa ser realizada por um informático administrador de sistemas, mas envolve outras questões de natureza específicas, relacionadas com o próprio conteúdo dos dados, seu registo e tratamento, nos termos já supra elencados.

4.5.3. Por conseguinte, o preceito deveria permitir que cada entidade responsável procedesse livremente à nomeação do(s) seu(s) representante(s) na Comissão para a Coordenação do Tratamento e da Administração de Dados, sem prejuízo — designadamente quando o representante não fosse informático — desse representante poder ser assessorado por pessoa com competência e experiência técnica em matéria de administração de sistemas, ao qual seria facultado o acesso previsto na 2.ª parte da redacção proposta para o n.º 5 do art.º 21.º.

4.5.4. Ou seja, sem prejuízo do referido supra em 4.4., e em caso de não ser seguida essa orientação, sugere-se que a redacção do n.º 5 do art.º 21.º e do n.º 3 do art.º 22.º passe a ser, respectivamente, do seguinte teor:

Artigo 21.º(…)

5 — Para o exercício das competências previstas no número anterior, cada responsável pelo tratamento de dados designa um representante, o qual pode ser assessorado por pessoa com competência e experiência técnica em matéria de administração de sistemas para a Comissão para a Coordenação do Tratamento e da Administração de Dados prevista no artigo seguinte, o qual tem pleno acesso às instalações e infra-estruturas físicas de suporte ao tratamento de dados, bem como aos dados recolhidos nos termos da presente lei, sem prejuízo dos regimes do segredo de justiça e do segredo de Estado.

Artigo 22.º(…)

3 — Os representantes referidos nos números anteriores quando não possuam competência técnica para o efeito, devem ser assessorados por pessoa com experiência técnica em matéria de administração de sistemas.

4.6. Poderes de fiscalização da Comissão

A Proposta de Lei não atribuiu qualquer capacidade de fiscalização por parte da Comissão criada, importando que exista uma sinalização imediata de todos os acessos irregulares.

Nesta conformidade, sugere-se seja acrescentada uma nova alínea ao n.º 2 do art.º 26.º, com a redacção que se passa a propor:

Artigo 26.º(…)

1 — (…)2 — (…)e) Que qualquer acesso irregular seja

de imediato comunicado aos membros da Comissão prevista no artigo 22.º.

4.7. Os meios técnicos e humanosA atribuição legal das competências

e atribuições ao CSM como uma das entidades responsáveis pelo tratamento de dados no sistema judicial, implica que seja munido dos necessários meios, materiais e humanos, para o desempenho

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da atribuição, sob pena de assim não sucedendo poder ficar coarctado esse desempenho e, consequentemente, a confiança dos cidadãos neste específico sector de funcionamento do sistema de justiça.

A letra da lei deve ser concretizada e regulamentada com a atribuição de condições mínimas para o exercício da responsabilidade inerente, incluindo ponderando-se a entrada em vigor só ocorrer depois que essas condições mínimas estejam salvaguardadas.

Na medida em que do art.º 56.º consta que “a presente lei entra em vigor seis meses após a data da publicação”, deve ser assegurado neste período a implementação das aludidas condições ou se porventura for considerado que esse prazo é incipiente, ser alterado o aludido prazo de início de vigência.

5. Protecção dos dados consultados

5.1. Garantia de inadmissibilidade da sua eliminação

5.1.1. O art.º 24.º da Proposta de Lei n.º 246/X estabelece a garantia de protecção dos dados consultados, nela se incluindo os dados abrangidos pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado, os dados constantes de documentos que se encontrem em versão de trabalho apenas possam ser consultados e alterados pelo seu autor (caso paradigmático dos processos em estado de conclusão para despacho ao Juiz) e que os dados constantes de documentos que se encontrem em versão final não possam ser alterados, mas nenhuma referência se fazendo, no que se refere a estes últimos, que não possam ser eliminados / removidos, o que constitui uma garantia fundamental de certeza, estabilidade, segurança e confiança no sistema.

5.1.2. Por conseguinte, sugere-se que a redacção da al. c) do n.º 1 do art.º 24.º passe a ser seguinte:

Artigo 24.º(…)

1— (…)c) Os dados constantes de documentos que

se encontrem em versão final não possam ser alterados ou eliminados.

5.2. O acesso pelo Juiz-Presidente da Comarca

5.2.1. O projecto de lei é omisso quanto ao acesso que o Juiz-Presidente da Comarca carece de ter às aplicações informáticas para efeitos de exercício da sua função.

Com efeito, dispõe o art.º 88.º da LOFTJ (na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), que o Juiz Presidente do Tribunal tem, entre outras, as seguintes competências:

Acompanhar a realização dos a) objectivos fixados para os serviços do tribunal por parte dos funcionários [art.º 88.º, n.º 2, al. b)];

Adoptar ou propor às entidades b) competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça [art.º 88.º, n.º 2, al. d)];

Elaborar, para apresentação ao c) Conselho Superior da Magistratura, um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta [art.º 88.º, n.º 2, al. g)];

Implementar métodos de trabalho e d) objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica [art.º 88.º, n.º 4, al. a)];

Acompanhar o movimento processual e) do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e propondo as medidas que se justifiquem [art.º 88.º, n.º 4, al. c)];

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Participar na concepção e execução f) das medidas de organização e modernização dos tribunais [art.º 88.º, n.º 6, al. e)];

5.2.2. Por sua vez, o n.º 9 do art.º 88.º da mesma LOFTJ estabelece que “para efeitos de acompanhamento da actividade do tribunal, incluindo os elementos relativos à duração dos processos e à produtividade, são disponibilizados dados informatizados do sistema”.

5.2.3. Ora, apesar do art.º 26.º da proposta de lei prever o acesso para consulta por vários utilizadores, incluindo “os magistrados do Ministério Público com competência de direcção, coordenação e fiscalização dos serviços do Ministério Público” [cfr. al. c) do n.º 1], matéria que é desenvolvida com especificidade no art.º 29.º, a proposta não tem qualquer menção ao acesso que é devido ao Juiz Presidente do Tribunal da Comarca, que também tem competências de direcção, coordenação e gestão.

5.2.4. Sugere-se, assim, o aditamento de uma nova alínea no n.º 1 do art.º 26.º, com o seguinte teor, que também se sugere:

Artigo 26.º(…)

1— (…)h) Os Juízes Presidentes dos Tribunais de

Comarca, designadamente nos termos e para os efeitos previstos no n.º 9 do art.º 88.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto. 5.2.5. Eventualmente, na decorrência

do aditamento desta alínea ao artigo 26.º, pode ser conveniente ou pertinente criar um novo número no artigo 30.º que verse especificamente sobre a forma de consulta dos dados pelo Juiz Presidente do Tribunal de Comarca, no que se refere à situação dos serviços se tal não for considerado totalmente abrangido pela previsão da al. a) do n.º 2 do mesmo preceito, sem prejuízo da inclusão de uma alínea circunscrita ao

direito de acesso pelos Juízes Presidentes.

Artigo 30.º(…)

1— (…)e) Os Juízes Presidentes dos Tribunais de

Comarca, para os efeitos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 26.º.

5.3. O acesso pelo Juiz de turno

5.3.1. A proposta de Lei n.º 246/X é igualmente omissa relativamente ao acesso específico do Juiz de turno aos dados dos processos que lhe são presentes nessa qualidade.

O Juiz de turno, durante o exercício das respectivas funções, carece de ter acesso específico a processos de vários Tribunais ou Juízos (que fazem parte do serviço de turno) e que não estão associados às permissões normalizadas durante todo o demais período temporal do exercício da sua função jurisdicional.

Se não estiver prevista uma norma específica que atribua o acesso para consulta e inserção de dados, com a atribuição concretizada da afectação dos respectivos processos no período temporal do exercício das funções enquanto Juiz de turno, pode ser necessária a impressão dos actos relativamente aos processos que se encontrem já submetidos a uma tramitação exclusivamente electrónica.

5.3.2. Por conseguinte, sugere-se que se adite ao n.º 1 do art.º 26.º uma nova alínea (além da supra sugerida relativa aos Juízes Presidentes da Comarca):

Artigo 26.º(…)

1— (…)i) O magistrado que exerça funções de juiz

de turno ou procurador de turno, relativamente aos processos individualizados que lhe sejam apresentados para decisão.

Lisboa, 10 de Março de 2009.Joel Timóteo Ramos Pereira

Adjunto do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos Membros do Conselho Superior da Magistratura

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7.Regime Jurídico do

Apadrinhamento CivilProposta de Lei n.º 253/X/4.ª

Excelentíssimo Senhor Vice-PresidenteConselho Superior da Magistratura

1. Objecto Pelo Exmo. Presidente da Comissão de

Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República, foi determinada a remessa ao Conselho Superior da Magistratura do texto da Proposta de Lei n.º 253/X/4.ª (Gov) que visa aprovar o regime jurídico do apadrinhamento civil, solicitando que sobre a mesma seja emitido parecer.

Por Sua Excelência, o Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, foi determinado que sobre esta matéria seja emitido parecer pelo Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos membros do Conselho Superior da Magistratura.

2. Âmbito O apadrinhamento civil é configurado na

proposta de lei como a integração de uma criança ou jovem em ambiente familiar, confiando-o a uma pessoa singular ou a uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem estar e desenvolvimento (artigo 2.º).

Visa criar uma relação jurídica nova no ordenamento jurídico, entre a tutela e a adopção restrita, procurando ultrapassar a dimensão afectiva e emocional que se deseja promover e atenuar as exigências colocadas pela adopção restrita (conforme consta do Preâmbulo).

Embora a designação de “padrinho” ou de “madrinha” possam ter importância para o êxito do instituto, afigura-se que o seu campo de intervenção não irá para além das situações normais de tutela ou da adopção restrita.

3. Apreciação

3.1. Capacidade para ser apadrinhado

3.1.1. O art.º 5.º prevê que possa ser apadrinhada “qualquer criança ou jovem menor de 18 anos”, estabelecendo-se nas suas quatro alíneas as condições particulares para que tal apadrinhamento possa ser juridicamente admitido.

3.1.2. Compreende-se a necessidade de evitar o conceito de menor de 18 anos que é seguido noutras disposições normativas do Código Civil, adoptando-se o conceito de criança ou jovem. No entanto, passa a surgir no ordenamento jurídico português uma nova designação — “criança ou jovem”, quando nos instrumentos de direito internacional nunca é feita tal distinção, apontando-se por exemplo o disposto no artigo 1.º da Convenção dos Direitos da Criança, onde se faz referência a “todo o ser humano menor de dezoito anos”, salvo se atingir a maioridade mais cedo”.

3.1.3. Nesta conformidade e visando o princípio da unidade do sistema jurídico, sugere-se que se adopte o mesmo critério constante do Código Civil, a saber, “menor de dezoito anos”, suprimindo-se a menção a “criança ou jovem”, porque no conceito civilístico de “menor de dezoito anos” já se encontra incluído todo o objecto visado, não havendo necessidade de criação de mais conceitos concretamente não densificados e sem que dos mesmos resulte qualquer mais valia em termos do rigor do conceito jurídico.

3.2. Exercício das responsabilidades parentais - controlo externo

3.2.1. O artigo 7.º, n.º 2 da proposta de lei em apreço, prevê que serão aplicáveis os artigos 1936.º a 1941.º do Código Civil quanto aos actos praticados pelos padrinhos, remetendo para o regime jurídico da tutela.

Contudo, importa considerar que na constituição da relação jurídica de

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apadrinhamento, não existe a previsão de constituição de conselho de família (nos termos em que sucede para a tutela). Dado que o n.º 2 do art.º 7.º remete, quanto aos actos praticados pelos padrinhos, o regime jurídico previsto para a tutela, considera-se que seria conveniente ou, no mínimo, pertinente, o estabelecimento de um controlo externo da actividade dos padrinhos, podendo assentar, designadamente, numa actividade fiscalizadora a ser efectivada pelo Ministério Público em representação dos interesses do menor.

3.2.2. Ainda no âmbito do controlo externo, no n.º 4 do projectado artigo 7.º, prevê-se que “as obrigações (…) são cumpridas perante as entidades que constituem o vínculo de apadrinhamento civil”.

Ora, o artigo 14.º da proposta de lei prevê que o vínculo pode ser constituído fora do Tribunal de Família e Menores, o que implica que, designadamente a prestação de contas (art.º 1944.º do Código Civil), a autorização de actos ou a declaração nulidade dos actos praticados pelo padrinho em contravenção à proibição dos actos (artigos 1937.º a 1939.º do Código Civil, aplicáveis ex vi art.º 7.º, n.º 2 da proposta de lei) seriam decididas por entidade diversa do Tribunal, o que é passível de configurar uma norma inconstitucional, por violação da reserva de jurisdicionalidade que, face à natureza dos actos em causa, estaria circunscrita à competência dos Tribunais, à semelhança do que sucede com o regime jurídico da tutela para o qual o regime jurídico do apadrinhamento civil pretende remeter.

3.3. Legitimidade para tomar a iniciativa

3.3.1. Parece-nos existir uma confusão conceptual e terminológica entre a epígrafe, a alínea a) do n.º 1 e o n.º3 do projectado artigo 10.º. Com efeito, a epígrafe do preceito proposto é «legitimidade para tomar a iniciativa», surgindo logo na al. a) do n.º 1 a atribuição de legitimidade ao Tribunal.

3.3.2. Ora, o pressuposto processual da legitimidade está sempre afecto a uma parte ou interveniente com interesse directo ou legalmente atribuído para a constituição de uma relação jurídica ou para o reconhecimento de um determinado direito. Razão por que a legitimidade afere-se, nos termos 26.º do Código de Processo Civil, quando o requerente tenha interesse directo em demandar ou o requerido tenha interesse directo em contradizer, sabendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida (n.º 3 do referido preceito).

3.3.3. O Tribunal surge sempre como órgão de soberania supra-partes e nunca no exercício de um direito próprio de uma parte. Por conseguinte, não pode surgir como entidade com legitimidade (segundo o termo usado na epígrafe do artigo) para efeitos de apadrinhamento civil. Acresce que no n.º 3 já se prevê expressamente — e nesse âmbito conceptual e processualmente adequado — que “o apadrinhamento pode também ser constituído oficiosamente pelo Tribunal”. Para que a decisão seja oficiosa, necessário se torna que o procedimento também possa ter uma determinação do Tribunal [designadamente nos casos da al. b) do n.º 1 do art.º 14.º], mas neste âmbito não se confundindo os conceitos de oficiosidade e legitimidade para a iniciativa.

3.3.4. Por conseguinte, sugere-se: a) A eliminação da alínea a) do n.º 1 do

artigo 10.º; b) Que o n.º 3 do artigo 10.º passe a ter

a seguinte redacção: «3 - O apadrinhamento civil pode também ser oficiosamente constituído pelo Tribunal, que também pode determinar a instauração de procedimento visando, designadamente, o previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 14.º».

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3.4. Tramitação electrónica

3.4.1. O artigo 20.º, n.º 8 vem estabelecer que o processo judicial de apadrinhamento civil é tramitado por via electrónica nos termos gerais das normas de processo civil, solução adoptada também no caso do artigo 26.º, n.º 4 (a propósito da revogação).

3.4.2. Importa ter presente que estes processos estão classificados como de jurisdição voluntár (cfr. art.º 20.º, n.º 7) e, consequentemente, não exigem a constituição de advogado. Acresce que, certamente em muitos casos, serão tramitados inicialmente nas comissões de protecção de crianças e jovens em perigo, onde a intervenção directa no processo cabe aos próprios interessados (pais ou potenciais padrinhos), os quais não disporão de meios para acesso electrónico ao processo, situação que se sugere seja devidamente salvaguardada, sem prejuízo da tramitação electrónica pelos oficiais de justiça e pelos magistrados.

3.5. Constituição do Tribunal

3.5.1. Dispõe o n.º 6 do proposto artigo 20.º que “se não for apresentada prova, a decisão é da competência do juiz singular, se for apresentada prova há lugar a debate judicial perante um tribunal composto pelo juiz que preside, e por dois juízes sociais”.

3.5.2. Parece resultar implicitamente do preceito que o mesmo está configurado conforme seja ou não apresentada prova testemunhal, embora a norma não faça qualquer distinção. Ora, da experiência dos Tribunais, resulta que, mesmo quando não há apresentação de testemunhas, o Tribunal recorre a relatórios (cfr. o mencionado no n.º 1 do mesmo preceito) ou a outros elementos corporizados em documentos que constituirão elementos de prova e que o Tribunal também poderá determinar oficiosamente, atenta a sua natureza de jurisdição voluntária.

3.5.3. Na medida em que quando não seja apresentada prova testemunhal, parece-nos que não se justifica a constituição do colectivo (que se resumiria à apreciação da prova documental ou pericial oficiosamente determinada), de forma a evitar interpretações contraditórias, sugere-se que a redacção deste número passe a ser do seguinte teor:

“6 - Se não for apresentada prova testemunhal, a decisão é da competência do juiz singular, se for apresentada prova testemunhal há lugar a debate judicial perante um tribunal composto pelo juiz que preside, e por dois juízes sociais”.

3.6. Mediação 3.6.1. O n.º 9 do art.º 20.º parece impor

que previamente à mediação exista o consentimento dos interessados. Ora, o sucesso da mediação depende sempre do consentimento dos interessados, mas a submissão a essa mediação não deveria estar condicionada a esse consentimento prévio, sob pena de reduzir significativamente o número da intervenção de serviços públicos ou privados de mediação. Assim não se considerando, nunca deveria estar na dependência do consentimento dos interessados a possibilidade do Juiz determinar a realização de uma sessão de pré-mediação, à semelhança do que sucede nos Julgados de Paz, por forma a que os interessados possam ser sensibilizados sobre as virtualidades e os benefícios de uma mediação.

3.6.2. Por outro lado, não se compreende que esta possibilidade (de determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação) esteja também conferida ao Ministério Público, já que esta entidade apenas pode intervir em caso de inexistência de conflito. Ora, inexistindo conflito, não se justifica a submissão da causa à mediação, sendo suficiente a homologação do compromisso de apadrinhamento civil [art.º 14.º, n.º 1, al. b)].

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245Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

3.6.3. Considerando as questões supra elencadas em 3.6.1. e 3.6.2., sugere-se a seguinte redacção alternativa para o n.º 9 do artigo 20.º:

«9 – Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação, para uma sessão de pré-mediação, ou obtido o consentimento dos interessados, para submissão imediata à mediação».

3.7. Obrigação de alimentos Suscita-nos algumas reservas

relativamente à constituição de uma obrigação legal de alimentos em relação aos padrinhos e afilhados, prevista no projectado artigo 22.º.

É certo que já se encontram plasmados princípios semelhantes nos artigos 1935.º, n.º 1 e 1874.º, n.º 2 do Código Civil (em relação à tutela) e no artigo 1997.º do mesmo Código (em relação à adopção restrita), porém receia-se que uma imposição desta natureza possa restringir ou condicionar o voluntarismo que subjaz à figura do apadrinhamento civil.

3.8. Impedimento matrimonial Sem prejuízo da redacção do preceito,

sugere-se a ponderação na adopção da mesma regra prevista no artigo 1609.º do Código Civil a propósito da dispensa em relação aos impedimentos impedientes, já que configurando-se o apadrinhamento civil a meio termo entre a tutela e a adopção restrita, é conveniente que sejam previstos os cuidados estabelecidos nos n.os 2 e 3 deste artigo do Código Civil.

3.9. Alteração do Código de Registo Civil

Na alteração ao artigo 78.º do Código de Registo Civil, convém ter presente que a redução do prazo para a comunicação de cinco para um dia é aplicável a todos

os processos que impliquem a necessidade de comunicação da decisão ao registo civil (v.g. regulações das responsabilidades parentais, confiança judicial com vista a futura adopção ou adopção, tutela, inibição e limitação das responsabilidades parentais, etc.).

Nesta conformidade, sugere-se seja devidamente ponderado se não será preferível estabelecer um prazo diferente do ora pretendido estabelecer, já que, por um lado, o actual prazo de cinco dias não constitui uma demora excessiva no processo e na comunicação subsequente, sendo certo que o prazo de um dia (que nem sequer é estabelecido como dia útil) pode acarretar dificuldades pelo elevado número de casos a que respeita e que não se circunscreverá ao apadrinhamento civil.

3.10. Entrada em vigor A proposta de lei é omissa sobre a entrada

em vigor e não estabelece qualquer regime transitório em relação a processos de promoção e protecção ou tutelares cíveis já em curso, designadamente se pode ser aplicável a essas situações, o que seria pertinente fosse objecto de previsão.

4. Na medida em que a redacção dos restantes normativos não implica qualquer influência sobre o regular funcionamento das instâncias judiciais nacional e do exercício da função jurisdicional nos termos constitucionalmente previstos, antes resume-se a matéria com natureza de política legislativa, é nosso parecer que o Conselho Superior da Magistratura deve abster-se de sobre a mesma efectivar qualquer outra observação, razão por que submete-se o presente parecer, nos termos supra enunciados, ao melhor e douto entendimento de Vossa Excelência.

Lisboa, 21 de Abril de 2009Joel Timóteo Ramos Pereira

Adjunto do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos Membros do Conselho Superior da Magistratura

Pareceres

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246 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

8.Princípio da plenitude

da assistência dos Juízes(Artigo 654.º do C.P.C.)

Excelentíssimo Senhor Vice-PresidenteConselho Superior da Magistratura

1. Objecto

1.1. Por Sua Excelência, o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) foi apresentada a conveniência do Conselho Superior da Magistratura se pronunciar sobre o alcance do “princípio da plenitude da assistência dos juízes”, na sequência da deliberação do CSTAF, de 19.11.2008 que recomendou a todos os juízes em exercício nos TAF que “seja o juiz do julgamento da matéria de facto a elaborar a respectiva sentença”, invocando três razões para a conveniência do CSM se pronunciar, a saber:

a) A movimentação de juízes ocorre não só dentro da mesma jurisdição, mas também dos TAF para os Tribunais Judiciais e vice-versa;

b) Nos Tribunais localizados nas Regiões Autónomas, a substituição dos juízes dos TAF ali instalados compete aos juízes dos Tribunais Judiciais;

c) Impõe-se harmonizar as posições do CSM e do CSTAF.

1.2. Na sessão Plenária Ordinária de 02 de Junho de 2009, do Conselho Superior da Magistratura, foi tomada a deliberação do seguinte teor: «Foi deliberado remeter o expediente remetido pelo Exmo. Presidente do CSTAF, Dr. Manuel Fernando dos Santos Serra, relativamente à aplicação do “princípio da plenitude da assistência dos juízes – artigo 654.º do

Código de Processo Civil”, ao Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos Membros do CSM, para elaboração de Parecer.

2. Previsão legal

2.1. O princípio em causa encontra-se expressamente plasmado no artigo 654.º do Código de Processo Civil (CPC), o qual é do seguinte teor:

«1. Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final.

2. Se durante a discussão e julgamento falecer ou se impossibilitar permanentemente algum dos juízes, repetir-se-ão os actos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interromper-se-á a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem, de preferência, a repetição dos actos já praticados, o que será decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência ou à nova audiência.

3. O juiz que for transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento, excepto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se, em qualquer dos casos, também for preferível a repetição dos actos já praticados, observado o disposto no número anterior.

O juiz substituto continuará a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efectivo».

2.2. A redacção do artigo 654.º do CPC mantém-se inalterada desde o Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, que aprovou o Código de Processo Civil e é equivalente à do CPC de 1939, que aperfeiçoou, com aditamento no n.º

Princípio da Plenitude da Assistência dos Juízes

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2, da parte final (decisão, sem recurso, pelo juiz que deva presidir) e, no n.º 3, do termo alternativo da repetição dos actos já praticados. É, por conseguinte, um princípio basilar e sedimentado, que perpassa o processo civil português durante quase um século.

3. Natureza intrínseca

3.1. Conforme enuncia Lebre de Freitas, “o princípio da plenitude da assistência dos juízes é um corolário dos princípios da oralidade e da apreciação da prova: para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência” 1.

3.1.1. Este princípio centra-se na instrução e apreciação da prova que é produzida em sede da audiência de julgamento, a qual inicia-se com a declaração de abertura pelo juiz que à mesma deva presidir (art.º 652.º do CPC), com a produção de todos elementos probatórios, sendo esta fase designada de “instrução do processo” (capítulo III do Subtítulo I – processo ordinário, do Título II – processo de declaração, do CPC), de discussão da matéria de facto (art.º 652, n.os 3 e 4) e de debates pelos advogados (art.º 652.º, n.º 5), a que se segue o julgamento da matéria de facto (art.º 653.º), com leitura dessa decisão, possíveis reclamações contra ela e respectiva decisão (art.º 653.º, n.º 4). Já a discussão de direito deverá, em regra, ser efectuada perante o juiz que proferirá a sentença (art.º 653.º, n.º 5).

3.1.2. É precisamente no âmbito da audiência de julgamento, com a prática

1 Lebre de Freitas, José, Código de Processo Ci-vil Anotado, II, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p.633.

dos actos supra enunciados, que se cumpre o princípio da imediação e os princípios que deste são instrumentais, a saber, da oralidade e, na medida do possível, da concentração.

Pelo primeiro (princípio da imediação), os actos de produção da prova constituenda, que seguem outro princípio — o da audiência contraditória (cfr., art.º 517.º, n.º 1 do CPC —, devem ter lugar perante o tribunal, em regra singular, mas que também pode ser colectivo (cfr., art.º 646-º, n.os 1 e 2 do CPC), ao qual compete apreciá-la (art.º 653.º, n.º 1 do CPC).

Já relativamente ao segundo (princípio da oralidade), verifica-se a produção dos meios de prova, designadamente confissão por depoimento de parte, esclarecimentos dos peritos em audiência e produção dos depoimentos testemunhais que, por regra, devem ser prestados oralmente, perante o tribunal que julga a matéria de facto.

Como refere aLberto dos reis, «o que se passa oralmente na audiência de julgamento só pode ser captado por quem assista, do princípio ao fim, a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência. Tal assistência é condição absolutamente imprescindível do poder de julgar; não pode decidir a matéria de facto quem não presenciou os actos sobre que há-de assentar a decisão» 2 (ad. itálico).

3.2. A estreita ligação ao princípio da oralidade tem a sua consagração no n.º 1 do preceito em análise, nos termos do qual “só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência de final”. Ou seja, se um juiz que integre o

2 aLberto dos reis, Código de Processo Civil Ano-tado, Coimbra, Coimbra Editora, IV, p. 564.

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tribunal colectivo não assistir a todos os actos de instrução ou se algum elemento probatório que deva ser produzido em audiência de julgamento for produzido perante outro juiz, verifica-se a violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, porque este tem que assistir a todos esses actos a fim de estar habilitado para decidir sobre a matéria de facto (provada ou não provada) bem como para providenciar pela ampliação da base instrutória da causa [art.º 650.º, n.º 1, al. f) do CPC] ou providenciar pela produção de outros elementos probatórios em ordem à descoberta da verdade material [princípio do inquisitório, nos casos em que tal seja admissível, cfr. art.º 265.º do CPC].

3.3. Esta “assistência” é independente do registo fonográfico (gravação) dos actos da audiência de julgamento, pois este só por si não garante nem preenche o princípio da plena assistência do juiz, já que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

Na verdade, a convicção do tribunal (no julgamento da matéria de facto) é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, 'olhares de súplica' para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e

depoimentos. Trata-se de um acervo de informação

não verbal, dificilmente documentável, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova que seja produzida a fim de ser apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, pressupostos subjacentes à livre apreciação e convicção do julgador em análise crítica das provas que concorreram para a formação da sua convicção (art.º 655.º do CPC).

Como também enuncia Lebre de Freitas, «ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física no acto da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do tribunal, e é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo» 3.

3.4. O princípio da plenitude de assistência do juiz também está fundado no dever de motivação (fundamentação) da decisão proferida sobre a matéria de facto, já que não basta indicar os concretos meios de prova que estiveram na base da formação da convicção do julgador, mas também na especificação dos meios de prova, da razão por que lhes foi atribuída maior ou menor relevo ou credibilidade. Este dever de fundamentação que a lei impõe ao juiz, «obriga-o a prestar maior atenção à prova produzida (…) para fazer uma análise crítica ao conjunto das provas» 4. Ou seja, reitera-se com o princípio está relacionado apenas com a apreciação da matéria de facto.

4. Manifestação extrínseca

4.1. Como se garante o cumprimento 3 Lebre de Freitas, José, Ibidem, p.633.4 Pais de amaraL, Jorge Augusto, Direito Proces-sual Civil, Coimbra, Almedina, 2004 (5.ª ed.), p. 310.

Princípio da Plenitude da Assistência dos Juízes

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do princípio da plenitude da assistência dos juízes em situações em que o juiz que preside à audiência de julgamento fique impossibilitado ou mude a sua situação, colocação ou estatuto ? Os números 2 e 3 do artigo 654.º estatuem as soluções processuais para a salvaguarda da sua observância.

4.2. Assim, se durante a discussão e julgamento falecer ou se impossibilitar permanentemente algum dos juízes, todos os actos já praticados têm de repetir-se. A audiência de julgamento não pode continuar com outro juiz, v.g., procedendo este à audição da gravação da audiência, já que esta, para este princípio, é irrelevante, em estreita conexão com a necessidade de formação da convicção e da forma de fundamentação 5.

4.3. Já se a impossibilidade for temporária, a lei quis favorecer que o julgamento da matéria de facto seja efectuado pelo juiz que iniciou a audiência de julgamento e, por isso, determina que esta seja interrompida pelo tempo indispensável, salvo se as circunstâncias aconselhem, de preferência, a repetição dos actos já praticados, o que será decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência ou à nova audiência.

5 Cfr. Ac. Relação de Coimbra, 09.05.2000, proc. 3393/99-2 - «I - O principio da imediação e da plenitude da prova implicam que o juiz assista a todos os actos que possam influir no exame e na decisão da causa, incluindo-se nestes aqueles actos que justifiquem ou não o prosseguimento da acção. II - Tendo o despacho que determinou o prosseguimento da acção, nos termos do artº 25º do DL 132/93 de 23.4, sido proferido por um juiz distinto daquele que no decurso do processo inquiriu seis testemunhas, cujo depoimento se re-velou determinante por não haver suficiente prova documental, violou-se dessa forma o princípio da plenitude».

4.4. Finalmente, o preceito estabelece qual a tramitação que deve ser seguida quando o juiz seja transferido, promovido ou aposentado. Mesmo nestes casos, a lei concede prevalência a que o juiz conclua o julgamento — necessariamente apenas da decisão da matéria de facto e não da prolação de sentença.

A lei só admite que os actos produzidos sejam de repetidos se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se, em qualquer dos casos, também for preferível a repetição dos actos já praticados, devendo em tal caso o juiz proferir despacho fundamentado nesse sentido 6.

5. Relação com a prolação da decisão final

5.1. A doutrina e a jurisprudência são unânimes que o princípio da plenitude da assistência dos juízes circunscreve-se ao julgamento da matéria de facto e não tem qualquer extensão para a fase subsequente de aplicação do direito.

«O princípio da plenitude da assistência

6 É o caso da situação em que o juiz que iniciou o julgamento tenha sido promovido e entretanto já não se recorde do que se passou na audiência. A Decisão do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 02.04.2008, num processo de conflito de competência atípica foi que: « I-Sendo reco-nhecido pelo próprio Juiz que iniciou o julgamento que já não tem recordação do que se passou na audiência, deve aceitar-se que em tais circunstân-cias tenha de repetir-se a audiência de julgamen-to para que possa produzir-se uma decisão sobre a matéria de facto efectivamente fundamentada. II-E uma vez decidida a repetição do julgamento já não se justifica a observância do princípio da plenitude da assistência dos juízes uma vez que este se circunscreve no âmbito dos actos que se desenvolvem na audiência desde início até final da mesma. III-Estando o Senhor Juiz que iniciou o julgamento a exercer actualmente funções num Tribunal Superior, a audiência de julgamen-to terá de ser repetida pelo actual Senhor Juiz de Circulo». (in http://www.trp.pt/reclamacoes/conflito08_1.html).

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dos juízes circunscreve-se no âmbito dos actos da audiência final, deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença, a qual, no caso, designadamente de transferência do juiz que haja presidido à audiência, cabe ao juiz que o substituir» (Ac. Do STJ, 10.11.1992, BMJ, 421, p. 343; Ac. STJ, 02.05.2007, Recurso n.º 4610/06 e Acórdão da Relação de Coimbra, 15.11.2005, proc. 2374/05).

Lebre de Freitas recorda que «o princípio tão-pouco se aplica quando, total ou parcialmente anulado o julgamento efectuado, a audiência final tenha de ser repetida nos termos do art.º 712.º, n.º 4», sendo esta também a posição de rodrigues bastos 7.

5.2. Se assim não fosse entendido, ter-se-ia também de considerar que, por exemplo, num procedimento cautelar, quer a decisão interlocutória, quer a decisão final teriam que ser proferidas pelo mesmo juiz. Mas a jurisprudência tem sido clara no sentido de inexistir qualquer violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes quando tais decisões sejam proferidas por juízes distintos 8.

7 rodrigues bastos, Notas ao Código de Proces-so Civil, III, p. 174. Neste mesmo sentido, cfr. Ac. STJ, 16.03.1999, CJSTJ, 1999, I, p. 170.8 Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 18.12.2006, proc. 0655519, dgsi.pt - «I - Não é violado o prin-cípio da plenitude da assistência dos juízes se um magistrado preside à produção de prova e decide um procedimento cautelar (de arrolamento) e um outro preside à prova e decide da oposição dedu-zida. II - Aquele princípio deve ser observado, sob pena de violação, em cada momento de produção de prova a que se segue decisão. III - A decisão proferida no fim da primeira fase de produção de prova é, ou pode ser, apenas provisória, já que visou evitar que a audiência do requerido puses-se em risco sério o fim ou a eficácia da providên-cia. IV - O Juiz que preside à segunda fase de produção de prova acaba por assistir a todos os actos de instrução nos quais se vai basear para proferir a decisão - decisão final da providência - tanto mais por ter acesso à prova inicialmente produzida».

E mesmo quando seja anulado, ainda que parcialmente, um julgamento da matéria de facto feito pelo tribunal colectivo, a repetição parcial do julgamento traduz-se num julgamento novo, com autonomia própria, não cabendo na previsão do artigo 654.º do CPC 9.

Também a jurisprudência tem decidido que a rectificação de um erro material ou o suprimento de uma nulidade de uma sentença, no caso de entretanto ter sido transferido o juiz que a proferiu, deve ser feita pelo juiz em exercício no Tribunal ou Juízo em que corre o respectivo processo 10, inexistindo nesse caso qualquer violação do princípio plasmado no art.º 654.º do CPC, por este se circunscreve ao julgamento da matéria de facto.

5.3. É certo que, em termos práticos, existe conveniência que a decisão do aspecto jurídico da causa (prolação de sentença ou acórdão) seja proferida pelo

9 Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 03.07.2000, proc. 50884, dgsi.pt - «I- Anulado parcialmente um julgamento da matéria de facto feito pelo tri-bunal colectivo, a decisão do Tribunal da Relação (em novo recurso, interposto do despacho que determinou a efectivação do novo julgamento por juiz singular, com gravação da prova) de que este novo julgamento tinha que ser feito pelo mesmo tribunal colectivo, não constitui caso julgado so-bre quais os juízes que devem integrar este. II - A repetição parcial do julgamento traduz-se num julgamento novo, com autonomia própria, não cabendo na previsão do artigo 654 do Código de Processo Civil. III - Não é, pois, imperioso que sejam os mesmos juízes que compuseram o pri-meiro colectivo a integrarem o segundo» e Acór-dão da Relação de Évora, de 20.04.1999, proc. 1153/98, dgsi.pt - «I - A anulação dum julgamento, ainda que parcial (contradição das respostas à base instrutória) não se confunde com uma conti-nuação de audiência. II - Assim, devem intervir na repetição, os Juizes que no momento estão em funções no tribunal, por terem sido transferidos, ou jubilados, aqueles que procederam à anterior audiência (ou da parte não viciada)».10 Acórdão Relação do Porto, de 15.10.2004, Acórdão Relação do Porto, de 15.10.2004, proc. 0432913, dgsi.pt.

Princípio da Plenitude da Assistência dos Juízes

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tribunal que procedeu ao julgamento da matéria de facto, pelo conhecimento mais profundo que tem dos autos. Mas não existe fundamento legal para, com base no princípio estatuído no artigo 654.º do CPC, recomendar que seja o juiz do julgamento da matéria de facto a elaborar a respectiva sentença, quando toda a jurisprudência aponta precisamente que o princípio da plenitude da assistência dos juízes circunscreve-se no âmbito dos actos de audiência final, de discussão da causa e decisão da matéria de facto provada e não provada, não sendo aplicável à elaboração da sentença.

5.4. Razão por que será apenas sustentar que ao juiz que, segundo as regras da competência e organização judiciária, for concluso o processo ou que o receber na sequência de movimentação judicial ou distribuição interna, tem o dever de proferir sentença no prazo legalmente estatuído para o efeito (art.º 658.º do CPC), pois o cumprimento desse prazo é o único que permite obstar à situação que motivou o expediente em análise, a saber, que ocorra a prolação de sentenças meses ou anos depois do julgamento da matéria de facto.

CONCLUSÕES

I – A audiência de julgamento no âmbito de uma acção declarativa que corra os seus termos num tribunal judicial, tem o seu termo com o julgamento da matéria de facto, nos termos enunciados no artigo 653.º do Código de Processo Civil.

II – O princípio da plenitude da assistência dos juízes radica na imperatividade de tal julgamento da matéria de facto só poder ser realizado pelos juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final (art.º 654.º, n.º 1 ex vi art.º 652.º, n.os 3 a 7 do CPC).

III – Os princípios subjacentes da imediação, oralidade e concentração impõem que seja o tribunal (singular ou

colectivo) perante o qual foi efectivada a discussão da causa que profira decisão sobre a matéria de facto julgada provada e não provada, circunscrevendo-se a esta matéria o aludido princípio da plenitude da assistência dos juízes.

IV – Razão por que, se durante a discussão e julgamento se verificar alguma das circunstâncias referidas nos n.os 2 e 3 do art.º 654.º do CPC, têm de repetir-se todos os actos anteriormente praticados perante outro tribunal (juiz), não sendo nesse caso valorável o registo fonográfico que tiver havido.

V – A prolação de sentença constitui uma fase distinta da do julgamento da matéria de facto, consistindo na aplicação do direito à causa (658.º a 661.º do CPC), sendo eventualmente precedida de uma outra fase, igualmente singular, de discussão do aspecto jurídico da causa pelos mandatários (art.º 657.º do CPC).

VI – Embora haja conveniência que a decisão do aspecto jurídico da causa (prolação de sentença ou acórdão) seja proferida pelo tribunal que procedeu ao julgamento da matéria de facto, pelo conhecimento mais profundo que tem dos autos, não existe fundamento legal para, com base no princípio estatuído no artigo 654.º do CPC, recomendar que seja o juiz do julgamento da matéria de facto a elaborar a respectiva sentença.

VII – Sendo apenas de sustentar que ao juiz que, segundo as regras da competência e organização judiciária, for concluso o processo ou que o receber na sequência de movimentação judicial ou distribuição interna, tem o dever de proferir sentença no prazo legalmente estatuído para o efeito (art.º 658.º do CPC).

É este o meu parecer, salvo melhor e mui douto entendimento de Vossa Excelência e do Eminente Plenário do Conselho Superior da Magistratura.

Lisboa, 02 de Julho de 2009Joel Timóteo Ramos Pereira

Adjunto do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos Membros do Conselho Superior da Magistratura

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252 Boletim Informativo do CSM

III Série | N.º 2 | Outubro de 2009

Excelentíssimo Senhor Vice-PresidenteConselho Superior da Magistratura

1. Objecto Por Sua Excelência, o Ministro da

Justiça, foi determinada a remessa ao Conselho Superior da Magistratura do texto de Anteprojecto da Proposta de Lei do Cibercrime, que transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI relativa a ataques contra sistemas de informação e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa., solicitando que sobre a mesma seja emitido parecer.

Por Sua Excelência, o Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, foi determinado que sobre esta matéria seja emitido parecer pelo Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos membros do Conselho Superior da Magistratura.

2. Âmbito 2.1. O presente anteprojecto de proposta

de lei visa transpôr para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI relativa a ataques contra sistemas de informação e adaptar o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.

2.2. A Convenção sobre Cibercrime, assinada em Budapeste, data de Novembro de 2001 e surgiu como o primeiro instrumento internacional sobre este tipo de criminalidade. O documento visa a harmonização das legislações nacionais dos Estados na área do cibercrime,

9.Lei do Cibercrime

Anteprojecto da Proposta de Lei

bem como facilitar a cooperação internacional e as investigações de natureza criminal. A Convenção define crimes contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade dos sistemas de computadores, crimes referentes aos conteúdos e crimes informáticos. Inclui também medidas processuais, de investigação e cooperação internacional adaptadas às infracções ao crime cometida no ciberespaço ou por meio de computadores.

2.3. Já a Decisão-Quadro supra referenciada, visa o reforço da cooperação entre as autoridades judiciárias e outras autoridades competentes, nomeadamente as autoridades policiais e outros serviços especializados responsáveis pela aplicação da lei nos Estados-Membros, mediante uma aproximação das suas disposições de direito penal em matéria dos ataques contra os sistemas de informação.

2.4. O legislador nacional adopta a metodologia de transposição praticamente literal dos textos originais da Decisão-Quadro, razão por que, na sua generalidade, não contém soluções que mereçam especiais considerações por parte do Conselho Superior da Magistratura, na medida em que este não deve, em cumprimento do princípio da separação dos poderes, interferir em matéria de opções político-legislativas, mas apenas observar aquilo que tenha influência sobre o regular funcionamento das instâncias judiciais nacional e do exercício da função jurisdicional.

2.5. Nesta conformidade, este parecer limitar-se-á a efectivar as observações e propostas que se consideram pertinentes a evitar interpretações dúbias sobre a forma da sua aplicação ou da extensão em que execução seja idónea a efectivar-se.

Lei do Cibercrime

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253Boletim Informativo do CSMIII Série | N.º 2 | Outubro de 2009

3. Apreciação

3.1. Crimes já previstos na Lei da Criminalidade Informática

O anteprojecto alarga o âmbito de crimes já tipificados na Lei da Criminalidade Informática (LCI) — Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto. Assim sucede com os seguintes crimes:

— Crime de falsidade informática (art.º 2.º do anteprojecto vs art.º 4.º da LCI);

— Crime de dano relativo a programas ou outros danos informáticos (art.º 3.º do anteprojecto vs. art.º 5.º da LCI);

— Crime de sabotagem informática (art.º 4.º do anteprojecto vs. art.º 6.º da LCI);

— Crime de acesso ilegítimo (art.º 5.º do anteprojecto vs art.º 7.º da LCI);

— Crime de intercepção ilegítima (art.º 6.º do anteprojecto vs. art.º 8.º da LCI);

— Crime de reprodução ilegítima de programa protegido (art.º 7.º do anteprojecto vs art.º 9.º da LCI).

O diploma tem coerência sistemática porque no seu art.º 32.º declara revogada a LCI.

3.2. Definição de intercepção

3.2.1. Apesar da citada coerência sistemática, no artigo 1.º do anteprojecto (referente às definições para os efeitos da lei), não se faz expressa referência à definição de intercepção. Ora, no art.º 2.º, al. f) da actual LCI é considerado intercepção o “acto destinado a captar informações contidas num sistema automatizado de dados, através de dispositivos electromagnéticos, acústicos, mecânicos ou outros”.

Esta definição é muito relevante para a integração de condutas no âmbito da previsão do respectivo crime (cfr. art.º 6.º do texto do anteprojecto) que, sem uma definição precisa é susceptível de interpretações dúbias, atento o princípio da tipicidade que vigora no direito penal.

3.2.2. Estão neste âmbito, as seguintes acções:

Sniffing • (este, mais pacífico, por se enquadrar totalmente na intercepção)

Varredura de portas • (utilização de programas que procuram na internet os computadores que tenham portas activas, abertas e/ou com componentes ou periféricos compartilhados em rede, isto é, que podem ser acedidos por terceiros);

Ataques DoS• — Denial of Service, mediante a utilização de computador que gere múltiplas mensagens aparentemente normais, como no caso dos pacotes UDP — User Datagram Protocol. Esses pacotes dão a impressão de que se originam no mesmo servidor que os está a receber. Ao tentar responder a esse fluxo constante de dados defeituosos, o servidor que está a ser vitimado, torna-se incapaz de aceitar outras conexões, o que faz com que qualquer envio de mensagem implique um retorno nulo.

Ping O’Death, • que consiste em enviar-se um pacote IP com tamanho maior que o máximo permitido (65535 bytes), para o computador que se deseja atacar. O pacote é enviado na forma de fragmentos (a razão é que nenhum tipo de rede permite o tráfego de pacotes deste tamanho) e quando a máquina destino tenta montar estes fragmentos, inúmeras situações podem ocorrer: a maioria dos sistemas bloqueiam, alguns reinicializam, outras abortam e mostram mensagens de erro irrecuperável.

3.2.3. Deste modo, e face à sua relevância conceptual em sede de integração de acções na previsão do crime de intercepção ilegítima, sugere-se que seja aditada uma alínea ao artigo 1.º com a definição de intercepção, designadamente com a redacção constante da al. f) do art.º 2.º da LCI.

Pareceres

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3.3. Crime de acesso ilegítimo

3.3.1. No art.º 5.º do anteprojecto, relativamente ao crime de acesso ilegítimo, reproduz-se grosso modo o teor do actual art.º 6.º da LCI, apenas se acrescentando que o benefício ou vantagem ilegítimo seja “de natureza patrimonial ou não patrimonial”.

3.3.2. Crê-se que este aditamento relaciona-se com o teor do art.º 2.º da Convenção sobre o Cibercrime, que estabelece quanto ao crime de acesso ilegítimo que «Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para estabelecer como infracção penal, no seu direito interno, o acesso intencional e ilegítimo à totalidade ou a parte de um sistema informático. As Partes podem exigir que a infracção seja

cometida com a violação de medidas de segurança, com a intenção de obter dados informáticos ou outra intenção ilegítima, ou que seja relacionada com um sistema informático conectado a outro sistema informático» (1)

3.3.3. Ora, esta é uma noção completamente diversa da que consta da Lei da Criminalidade Informática Portuguesa, designadamente deixa de ser essencial a obtenção de uma vantagem patrimonial, passando o núcleo da protecção a ser o acesso intencional e ilegítimo à totalidade ou a parte de um sistema informático.

Esta diferença pode ser essencial na integração de condutas ilícitas, designadamente de crackers, se devem ser consideradas como sabotagem informática (mais grave) ou como simples acesso ilegítimo (2).

(1) Para rogério bravo, O Crime de acesso ilegítimo na Lei da Criminalidade Informática e na Ciberconven-ção, Direito na Rede n.º 1 [on-line], Ordem dos Advogados, Lisboa, 2004, in www.oa.pt/direitonarede/detalhe.asp? idc=11741&scid=17730&idr=11760&ida=17734, “desde há muito que o computador deixou de ser um mero ordenador. Um computador, seja de secretária ou de bolso, constitui hoje um terminal de comunicações complexo, que permite deter, exibir, processar e difundir informação, mormente sob as formas de som e de imagem, em que o papel escrito aparece como uma forma marginal de representação dessa informação. Este terminal de comunicações é hoje um apetrecho tecnológico que tanto equipa um gabinete como um domicílio, por isso mesmo comportando inexoravelmente uma dimensão pessoal daqueles que o utilizam e que acabam, invariavelmente, por nele deixarem informação de carácter pessoal, comercial, de qualquer dos modos restrita, no sentido de não destinada a ser partilhada. Parece-nos portanto ser grande a propriedade e a clarividência dos juristas portugueses já o tinham percebido, quer aquando da transposição da Recomendação R(89)9 para a nossa LCI, referindo-se, directa ou indirectamente, uns ao “domicílio informático”, outros ao conceito de “se-gurança do sistema informático. (…) A este panorama, o texto da Convenção vem agora impor uma de duas vias: um mínimo, que é o da punição do acesso ilegítimo a sistemas ou a redes informáticas, seja a todo ou a parte do sistema ou da rede - passou a ser punido o mero acesso, com ou sem uma intenção, de obtenção do que quer que seja”.

(2) Cfr. Acórdão de 19.06.1997, da 9.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção, Processo 1/97, in manueL LoPes rocha, Direito da Informática nos Tribunais Portugueses (1990-1998), Centro Atlântico, V.N.Famalicão, 1999, pp. 17-26. Tratou-se do caso de um estudante português, que foi condenado pela prática de um crime, p. e p. pelo art.º 6.º, n.º 1 da Lei 109/97, mas ao qual era imputada também a prática de crimes previstos nos art.os 7.º, n.os 1, 2 e 3, al.a) da mesma lei. Enquanto aluno do Instituto Superior, com acesso a uma determinada parte no sistema informática, o mesmo serviu-se de um programa disponível na Internet e, após a obtenção das passwords dos administradores do sistema, entrou em diversas áreas de outros utilizadores, substituindo comando do sistema operativo, enviando mensagens simuladas, criando ainda criando directórios, ficheiros e contas de utilizadores inexistentes. Ficou provado que o estudante actuou na ânsia de conseguir algo que não lhe era facilmente acessível e de desafiar as proibições através dos seus conhecimentos informáticos pelo prazer de ultrapassar barreiras e por rivalidade com outro estudante. Não ficou provado que o mesmo tenha tido qualquer benefício, mas apenas que provocou prejuízos. Por isso, o Tribunal entendeu que tal conduta se subsumia apenas na previsão do art.º 6.º (sabotagem informática) e não no art.º 7.º. Escreveu-se nesse acórdão o seguinte (para o que aqui releva): “Não se apurou, igualmente, que o arguido tivesse violado quaisquer regras de segurança ou segredo legalmente protegido. Porém, entende-se que incorreu tão só na prática de um crime de sabotagem informática, por se considerar existir entre as aludidas normas referidas uma situação de concur-so aparente. Com efeito, cumpre fazer referência, desde logo, ao conceito de sistema informático, entendendo

Lei do Cibercrime

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3.3.4. Ou seja, parece-nos que a inserção da menção «de natureza patrimonial ou não patrimonial”, além de ser susceptível de conduzir a complexas interpretações sobre em que consiste a natureza não patrimonial, vai no sentido oposto ao da Convenção do Cibercrime, que em no rigor formal e conceptual exigiria que fosse retirada da previsão legal o requisito da intenção de alcançar benefício ou vantagem ilegítima, na medida em que o núcleo da protecção deve ser apenas o acesso intencional e ilegítimo à totalidade ou a parte de um sistema informático.

3.3.5. Por outro lado, convém considerar que na Convenção sobre o cibercrime, ao contrário do que sucede com a legislação nacional e do que consta no n.º 4 do art.º 5.º do anteprojecto em apreciação, não está prevista a punibilidade da tentativa.

3.4. Penas acessórias A actual Lei da Criminalidade Informática

(Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto) estabelece no seu capítulo III (artigos 11.º e ss.) várias

penas acessórias que podem ser aplicadas aos crimes previstos nesse diploma.

No presente anteprojecto apenas se faz referência à perda de bens (art.º 10.º), cujo regime já resulta do regime geral previsto no Código Penal.

O elenco das penas acessórias previstas na actual LCI, a saber, caução de boa conduta, interdição temporária do exercício de certas actividades ou profissões, encerramento temporário do estabelecimento, encerramento definitivo do estabelecimento e publicidade da decisão condenatória mantêm significativa relevância em crimes desta natureza e a sua manutenção não contrariaria qualquer disposição da Convenção sobre o cibercrime, nem a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI — antes, pelo contrário, reclama sanções específicas designadamente para as pessoas colectivas (cfr. art.º 9.º da Decisão-Quadro (3)), razão por que se sugere que esse elenco se mantenha na proposta de lei do Cibercrime, com as especificidades relativamente às pessoas colectivas nos termos do art.º 9.º da Decisão-Quadro.

este como conjunto de um ou mais computadores, equipamento periférico e suporte lógico que assegura o pro-cessamento de dados. No que respeita ao tipo p. e p. pelo aludido artigo 7.º da Lei nº 109/91, de 17/ 08, o bem jurídico protegido pelo mesmo é a segurança do sistema informático. Para que tal tipo se verifique é necessário que o agente, não estando autorizado, aceda, de qualquer modo, a um sistema ou rede informáticos. No que respeita aos elementos subjectivos do tipo, terá o agente de actuar com a específica intenção de alcançar para si ou para terceiro benefícios ou vantagens ilegítimas. No que se refere ao crime previsto no artigo 6º da dita Lei, o bem jurídico protegido pelo mesmo é o interesse do proprietário ou do utente de um sistema informático em que o mesmo funcione bem. Para que o mesmo se verifique é necessário que o agente: introduza, altere, apa-gue ou suprima dados ou programas informáticos num sistema informático ou de telecomunicações de dados à distância. No que toca ao elemento subjectivo do tipo, deverá o agente actuar com a intenção de entravar ou perturbar o funcionamento do sistema de comunicações (dolo específico). Trata-se, portanto, de um crime de dano. O arguido praticou todas as suas descritas condutas, para além do mais, em obediência à resolução de aceder a áreas do CIIST a que não estava autorizado e de perturbar o normal funcionamento do aludido siste-ma, o que conseguiu, tendo causado os referidos prejuízos no mesmo. Porém, a prática do segundo dos ditos ilícitos envolve necessariamente a prática do primeiro, representando como que um mais em relação àquele, pelo que se considera que o consome-relação de consunção. E assim sendo, incorreu o arguido na prática de um crime p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 109/91, de 17/08.

(3) Texto do art.º 9.º da Decisão-Quadro: Artigo 9.º (Sanções aplicáveis às pessoas colectivas):1. Cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para assegurar que uma pessoa colectiva

considerada responsável nos termos do n.o 1 do artigo 8.o seja passível de sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas, incluindo multas ou coimas e eventualmente outras sanções, designadamente:

a) Exclusão do benefício de vantagens ou auxílios públicos;b) Interdição temporária ou permanente de exercer actividade comercial;c) Colocação sob vigilância judicial;d) Dissolução por via judicial.2. Cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para assegurar que uma pessoa colectiva

considerada responsável nos termos do n.o 2 do artigo 8.o seja passível de sanções ou medidas efectivas, proporcionadas e dissuasivas.

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3.5. Restante conteúdo do Projecto de Proposta de Lei

A redacção proposta para os restantes normativos corresponde, na sua generalidade, à transposição com grande proximidade literal das normas constantes da Decisão-Quadro e da Convenção sobre o Cibercrime.

Na medida em que tal redacção não implica qualquer influência sobre o regular funcionamento das instâncias judiciais nacional e do exercício da função jurisdicional nos termos constitucionalmente previstos, antes resume-se a matéria com natureza

de política legislativa, é nosso parecer que o Conselho Superior da Magistratura deve abster-se de sobre a mesma efectivar qualquer outra observação.

Submete-se o presente parecer ao melhor e douto entendimento de Vossa Excelência.

Lisboa, 09 de Abril de 2009Joel Timóteo Ramos Pereira

Adjunto do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos Membros do Conselho Superior da Magistratura

Biblioteca do Conselho Superior da Magistratura

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