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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 021.269/2006-6 GRUPO I - CLASSE III - PLENÁRIO TC-021.269/2006-6 Natureza: Consulta Órgão: Ministério da Saúde Interessado: José Agenor Álvares da Silva (então Ministro de Estado) Sumário: CONSULTA. INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO DECRETO QUE REGULAMENTA O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS. CONHECIMENTO. RESPOSTA. ARQUIVAMENTO. 1. O prazo de vigência da ata de registro de preços não poderá ser superior a um ano, admitindo-se prorrogações, desde que ocorram dentro desse prazo. 2. No caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços, dentro do prazo de vigência não superior a um ano, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93. RELATÓRIO Este processo tem por objeto a consulta formulada pelo Sr. José Agenor Álvares da Silva, então Ministro de Estado da Saúde, sobre a interpretação de dispositivos do Decreto nº 3.931/2001, alterado pelo Decreto nº 4.342/2002, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93. 2. Na primeira instrução, a 4ª Secex formulou a seguinte proposta (fls. 08/14): “(...) A) o conhecimento da presente consulta, diante do preenchimento dos requisitos de admissibilidade estabelecidos no artigo 265 do Regimento Interno deste Tribunal, B) a emissão de ofício ao digno consulente, informando que: - o prazo de vigência de ata de registro de preços submete-se ao disposto no inciso III do § 3º do artigo 15 da Lei nº 8.666/1993; 1

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃOTC 021.269/2006-6

GRUPO I - CLASSE III - PLENÁRIOTC-021.269/2006-6Natureza: ConsultaÓrgão: Ministério da SaúdeInteressado: José Agenor Álvares da Silva (então Ministro de Estado)

Sumário: CONSULTA. INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO DECRETO QUE REGULAMENTA O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS. CONHECIMENTO. RESPOSTA. ARQUIVAMENTO.1. O prazo de vigência da ata de registro de preços não poderá ser superior a um ano, admitindo-se prorrogações, desde que ocorram dentro desse prazo.2. No caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços, dentro do prazo de vigência não superior a um ano, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93.

RELATÓRIO

Este processo tem por objeto a consulta formulada pelo Sr. José Agenor Álvares da Silva, então Ministro de Estado da Saúde, sobre a interpretação de dispositivos do Decreto nº 3.931/2001, alterado pelo Decreto nº 4.342/2002, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93.

2. Na primeira instrução, a 4ª Secex formulou a seguinte proposta (fls. 08/14):“(...)A) o conhecimento da presente consulta, diante do preenchimento dos requisitos de

admissibilidade estabelecidos no artigo 265 do Regimento Interno deste Tribunal, B) a emissão de ofício ao digno consulente, informando que: - o prazo de vigência de ata de registro de preços submete-se ao disposto no inciso III do § 3º

do artigo 15 da Lei nº 8.666/1993;- a prorrogação da ata de registro de preços traz como efeito o restabelecimento dos

quantitativos iniciais, desde que evidenciado no processo administrativo ser a proposta mais vantajosa para a Administração e em conformidade com os dispositivos albergados no § 2º do artigo 4º e nos §§ 1º e 2º do artigo 12 do Decreto nº 3.931/2001;

- a menção à possibilidade eventual de prorrogação da ata de registro de preços e do contrato dela decorrente deve constar do edital, em atenção aos princípios da igualdade, da publicidade e da vinculação ao instrumento convocatório constantes do artigo 3º da Lei nº 8.666/93;

C) o encaminhamento da cópia da instrução do presente processo e da deliberação a ser proferida, bem assim do relatório e do voto que a fundamentarem, a título de subsídio, ao consulente;

D) o arquivamento do presente processo.”3. Por sua vez, o representante do Ministério Público emitiu o seguinte parecer (fls. 16/19):

“(...)

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7. Muito embora não se trate da questão fulcral objeto da presente consulta, examina-se, a seguir, diante da discussão suscitada na instrução técnica (fls. 09/11), se o prazo de validade do registro de preços pode ser superior a um ano.8. Nota-se, à luz do disposto no inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93, que a regra geral é de que a ata de registro de preços não deverá, em condições normais, ter prazo de validade superior a um ano.9. Ao tratar do assunto, o Decreto nº 3.931/2001, em seu art. 4º, dispõe, in verbis:

‘Art. 4º O prazo de validade da Ata de Registro de Preço não poderá ser superior a um ano, computadas neste as eventuais prorrogações.

§ 1º Os contratos decorrentes do SRP terão sua vigência conforme as disposições contidas nos instrumentos convocatórios e respectivos contratos, obedecido o disposto no art. 57 da Lei n o 8.666, de 1993. (Redação dada pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002);

§ 2º É admitida a prorrogação da vigência da Ata, nos termos do art. 57, § 4º, da Lei nº 8.666, de 1993, quando a proposta continuar se mostrando mais vantajosa, satisfeitos os demais requisitos desta norma.’10. É preciso reconhecer que o regulamento repete, no caput, o mandamento legal, ao confirmar a regra de que o prazo de validade da ata de registro de preços não poderá ser superior a um ano, admitindo prorrogações, desde que ocorram dentro deste prazo.11. Por sua vez, o § 2º do citado art. 4º cria uma exceção à regra geral, ao admitir prorrogação da vigência da ata nos termos do art. 57, § 4º, da Lei nº 8.666/93, que prevê, in verbis:

‘§ 4º Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses.’ [Grifos nossos.]12. Não obstante a perplexidade de alguns doutrinadores com a exceção criada pela norma regulamentar, entre os quais pode-se citar Marçal Justen Filho (vide Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª ed., São Paulo: Dialética, 2002, p. 165), entende-se que tal dispositivo não deva ser, de antemão, considerado ilegal, na medida em que cria um mecanismo excepcional, que somente pode ser adotado nas condições estabelecidas no regulamento e na lei. Assim como a Lei nº 8.666/93 admite a ocorrência de fatos supervenientes ou imprevisíveis, pode-se entender que o Decreto nº 3.931/2001 também o faz, neste caso. Note-se que, preenchidos os requisitos legais e regulamentares para a prorrogação em tela — de caráter excepcional, deve-se ressaltar —, não se vislumbra, em princípio, na sua dimensão finalística, prejuízo ao interesse público nem ofensa aos princípios que regem o procedimento licitatório.13. Neste ponto, vale trazer à colação os comentários de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes a respeito do caput do art. 4º do Decreto nº 3.931/2001 (in Sistema de Registro de Preços e Pregão, Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 371):

‘Sintetizando os aspectos relevantes do art. 4º, tem-se que:1. o prazo de validade máximo para o SRP é de um ano, ressalvada a exceção prevista no § 2º,

adiante comentada;2. se for fixado prazo inferior, admite-se a prorrogação do prazo até que se complete um ano;3. a possibilidade de prorrogação, em face do princípio da vinculação da Administração e dos

licitantes ao instrumento convocatório, deverá estar prevista no respectivo edital, como conditio sine quae non à prorrogação;

(...).’14. Em relação ao § 2º do referido art. 4º, o supracitado autor apresenta os seguintes comentários (ob. cit., p. 375):

‘Inovando, o Decreto nº 3.931/01 passou a admitir a prorrogação excepcional da Ata de Registro de Preços por até um ano, excepcionalmente.

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A excepcionalidade que justifica a aplicação dessa norma foi delimitada às seguintes condições:

a) continuar se mostrando vantajosa.Esse fato pode ser comprovado pela pesquisa de preços, pela satisfação dos usuários e

eficiência das contratações. Não é, portanto, poder discricionário livre de questionamentos, mas que deve ser motivado, sempre à luz do interesse público.

b) manter os demais requisitos do Decreto.A obediência às demais regras do SRP é inafastável.’

15. Cabe destacar, ademais, que este é o entendimento exposto na obra Licitações e Contratos: Orientações Básicas, editada por este Tribunal de Contas da União (3ª ed., rev. atual. e ampl., Brasília: TCU – Secretaria de Controle Interno, 2006, p. 102):

‘A validade da Ata de Registro de Preços não será superior a um ano.

Admite-se prorrogação da validade da Ata de Registro de Preços por mais doze meses, em caráter excepcional, devidamente justificado e autorizado, quando a proposta vencedora continuar sendo mais vantajosa para a Administração.’

16. Por fim, é importante frisar que, diferentemente do que parece ser o entendimento defendido na presente consulta, a medida prevista no mencionado § 2º somente pode ser adotada em casos de comprovada excepcionalidade — é exceção à regra geral —, não podendo ser aceita como motivo para sua utilização a mera deficiência no planejamento inicial do órgão gerenciador do SRP. Nestes casos, caberá a esta Corte, quando da apreciação de caso concreto, verificar se estavam presentes os requisitos fáticos e jurídicos que justificavam a sua adoção.

III

17. Feitas essa considerações preliminares, passa-se ao exame da questão que ensejou a presente consulta, qual seja, a possibilidade de se restabelecerem os quantitativos iniciais no caso de prorrogação da ata de registro de preços.

18. Consideramos, pelos motivos que serão expostos a seguir, que tal hipótese não deve ser admitida, por ser incompatível com diversos princípios, entre os quais se pode citar o da legalidade, da impessoalidade, da economicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da moralidade.

19. Com efeito, suponhamos que determinado órgão realize uma concorrência objetivando o registro de preços de 1.000 itens de certo produto e que, após sucessivas prorrogações da ata de registro de preços, venha a adquirir 5.000 itens. Ora, é evidente, neste simples exemplo, a possibilidade de que várias empresas que se interessariam em fornecer os 5.000 itens não tenham se interessado por oferecer apenas 1.000. Ademais, em regra, o preço unitário será menor no caso da licitação para a aquisição de 5.000 itens do que para apenas 1.000, tendo em vista a economia de escala. Outro aspecto a ser considerado, nesta hipótese, é o eventual favorecimento de uma empresa em detrimento de outras possíveis interessadas.

20. Deve-se observar, a propósito, que, segundo conceito apresentado por Jorge Ulisses J. Fernandes (ob. cit., p. 27), o ‘Sistema de Registro de Preços é um procedimento especial de licitação, que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração.’ [Grifos nossos.]

21. É importante, portanto, para o deslinde da questão, separar o que é procedimento licitatório e o que é contratação.

22. Convém salientar que, uma vez realizado um procedimento licitatório convencional, a Administração poderá contratar com o licitante vencedor as quantidades fixadas no objeto. Se se

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verificar, no momento da contratação, que o quantitativo licitado não é mais suficiente, não se pode ‘prorrogar’ aquela licitação, aumentando a quantidade a ser contratada.

23. Adotando-se este mesmo raciocínio na questão em tela, verifica-se, claramente, que a prorrogação da ata de registro de preços com o restabelecimento dos quantitativos iniciais significaria, na verdade, admitir a alteração do objeto da licitação após a realização do procedimento licitatório, o que não encontra base legal.

24. Desse modo, uma vez exaurido o registro, não cabe realizar novas contratações com base naquele registro, uma vez que a licitação foi efetivada para a contratação do objeto fixado. Com efeito, se a licitação previa a contratação máxima de 1.000 itens de um produto, como justificar a contratação de 2.000 itens desse mesmo produto com base naquela licitação? Assim sendo, a possibilidade de prorrogação não implica o restabelecimento dos quantitativos iniciais, permitindo apenas a contratação da quantidade remanescente no registro.

25. É importante salientar que esta conclusão também se aplica no caso da contratação de serviços a serem executados de forma contínua.

IV26. Ante todo o exposto, este representante do Ministério Público, com as devidas vênias por divergir da unidade técnica, manifesta-se no sentido de que seja conhecida a presente consulta, respondendo-se ao consulente que, no caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93.”

3. Tendo em vista a importância e complexidade da matéria, determinei à Segecex que fosse elaborado um profundo estudo e proposto um encaminhamento fundamentado (fl. 20).

4. Em seguida, o Grupo de Trabalho constituído pela Segecex efetuou o estudo que transcrevo a seguir (fls. 22/34): “(...)1.1. O Sistema de Registro de Preços – SRP está previsto no art. 15, inciso II e parágrafos 1º a 6º, da Lei nº 8.666/93, e foi regulamentado pelo Decreto nº 3.931/01, alterado pelo Decreto nº 4.342/02. O Decreto nº 3.931/01, em seu art. 1º, parágrafo único, I, define o SRP como um ‘conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras’.1.2. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes sintetiza o conceito de Sistema de Registro de Preços da seguinte maneira: ‘é um procedimento especial de licitação, que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração’ [FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 27]. 1.3. Para Marçal Justen Filho, ‘O registro de preços é um contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital’ [JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 179].1.4. Referido autor explica da seguinte forma o funcionamento do Sistema de Registro de Preços:

‘Para melhor compreender o sistema de registro de preços, é necessário compará-lo com a situação comum, em que a Administração realiza contratação específica, antecedida de licitação com objeto específico. Nesses casos, a licitação tem um objeto específico e determinado e o contrato dela derivado terá de respeitar esses limites (...).

Já numa licitação de registro de preços, os interessados não formulam propostas unitárias de contratação, elaboradas em função de quantidades exatas. As propostas definem a qualidade do produto e o preço unitário, mas as quantidades a serem adquiridas e a ocasião em que ocorrerá a

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aquisição dependerão das conveniências da Administração. Uma vez decidida a contratar, a Administração verificará se os preços registrados são compatíveis com os praticados no mercado. Em caso positivo, realizará as aquisições com eficiência, rapidez e segurança. O licitante não poderá se negar a contratar (desde que o contrato se compatibilize com os limites estabelecidos no ato convocatório). Mais ainda, podem ocorrer diversas contratações tomando por base o registro, de modo que a licitação não se exaure com uma única contratação.

No sistema de registro de preços, a principal diferença reside no objeto da licitação. Usualmente, a licitação destina-se a selecionar um fornecedor e uma proposta para uma contratação específica, a ser efetivada posteriormente pela Administração. No registro de preços, a licitação destina-se a selecionar fornecedor e proposta para contratações não específicas, seriadas, que poderão ser realizadas durante um certo período, por repetidas vezes. A proposta selecionada fica à disposição da Administração que, se e quando desejar adquirir, se valerá dos preços registrados, tantas vezes quantas o desejar (dentro dos limites estabelecidos no ato convocatório).’ [JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 180]1.5. Nas licitações para registro de preços, os licitantes vencedores são chamados para assinar a ata de registro de preços, e não para assinar o contrato de fornecimento ou de prestação de serviços, o que só ocorrerá em uma etapa subseqüente.1.6. A assinatura da referida ata não obriga a Administração a realizar as contratações previstas no edital, a teor do art. 15, § 4º, da Lei nº 8.666/93. Contudo, o detentor da ata (licitante vencedor) tem a obrigação de realizar as contratações, quando a Administração assim o desejar, respeitado o quantitativo do bem ou do serviço previsto no edital e na ata.1.7. A ata de registro de preços é definida no Decreto nº 3.931/01 como o ‘documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, onde se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas’ (art. 1º, parágrafo único, II).1.8. O SRP veio a atender a diversas necessidades da Administração, no intuito de simplificar os procedimentos para a aquisição de produtos e serviços de consumo freqüente e diminuir o tempo necessário para a efetivação das aquisições, aproximando a Administração Pública a conceitos modernos de logística, como o ‘Almoxarifado Virtual’ e o ‘Just-in-Time’. Pode-se apontar, ainda, outros benefícios advindos da adoção do SRP:

a) redução da quantidade de licitações, em virtude da desnecessidade de realizar certames seguidos com objetos semelhantes;

b) eliminação do fracionamento de despesa, visto que o registro de preços deverá ser precedido de procedimento licitatório na modalidade concorrência ou pregão, independentemente do valor;

c) não há obrigação de a Administração adquirir o quantitativo registrado;d) diminuição dos custos de armazenagem e das perdas por perecimento ou má conservação,

uma vez que a Administração contrata na medida de suas necessidades; e) possibilidade de maior economia de escala, uma vez que diversos órgãos e entidades podem

participar da mesma ata de registro de preços, adquirindo em conjunto produtos ou serviços para o prazo de até um ano.1.9. A despeito de propiciar essas vantagens para a Administração Pública, alguns autores também alertam para os riscos que advêm da utilização do SRP. Marçal Justen Filho ressalta os riscos de obsolescência e de incompletude [JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008. pp. 182-183]. Devido ao primeiro, a Administração deve atentar para o surgimento de novos produtos e para as oscilações de preços no mercado, para aferir se o produto (ou serviço) registrado ainda encontra-se adequado.1.10. Em relação ao segundo (incompletude), afirma que seria reflexo da padronização imposta pelo registro de preços. Isso pois, quando a Administração organiza o registro e promove a licitação,

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acaba estabelecendo categorias gerais de produtos, que podem não atender a necessidades específicas.1.11. Além desses riscos, podemos também citar os advindos de disposições expressas do Decreto nº 3.931/01, como a possibilidade de adesão de ilimitados ‘caronas’ a atas de registro de preços já vigentes, e de omissões do mencionado decreto, como a possibilidade de prorrogações sucessivas de atas de registro de preço com a renovação de seus quantitativos iniciais em cada prorrogação.1.12. Como exemplo, o ilustre professor e Procurador-Geral do MP/TCU, Lucas Rocha Furtado, assim disserta em relação aos riscos inerentes à sistemática do ‘carona’:

‘Não obstante a sistemática da carona se trate de medida que valoriza a eficiência e a economia processual, ela abre as portas à fraude e ao conluio.

Apenas para se ter uma idéia, se determinada unidade da Administração Pública decide realizar a contratação, por meio do Sistema de Registro de Preços, de cem notebooks, esta contratação poderá transformar-se no fornecimento de mais de mil outras unidades, caso outros diferentes órgãos ou entidades decidam ‘tomar carona’ na licitação feita pela primeira unidade administrativa.

A situação supra descreve com clareza a dificuldade vivida pela Administração Pública: sempre que alguma medida de economia processual ou de melhoria de eficiência do setor público é proposta, sempre surge alguém disposto a dela tirar proveito por meio de fraudes, conluios, acertos ilícitos etc.

No exemplo citado, o fornecedor, desde que tenha previamente acertado com outros órgãos a celebração desses contratos de carona, informação que não é compartilhada pelos demais fornecedores, sabe que pode apresentar preço mais reduzido porque irá ganhar com a economia de escala, com violação básica do princípio da isonomia entre os licitantes.’ [FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. pp. 387-388]2. DA VIGÊNCIA DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS2.1. O prazo de vigência da ata de registro de preços é regulado pelas seguintes disposições:

‘Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: (...)II – ser processadas através de sistema de registro de preços;(...)§ 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as

peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições: (...)III - validade do registro não superior a um ano.’ (Lei nº 8.666/93, art. 15)‘Art. 4º O prazo de validade da Ata de Registro de Preço não poderá ser superior a um ano,

computadas neste as eventuais prorrogações. (...)§ 2º É admitida a prorrogação da vigência da Ata, nos termos do art. 57, § 4º, da Lei nº

8.666, de 1993, quando a proposta continuar se mostrando mais vantajosa, satisfeitos os demais requisitos desta norma.’ (Decreto nº 3.931/01, art. 4º)

‘Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: (...)

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 27.5.98)

(...)§ 4º Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade

superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.648, de 27/05/98)’ (Lei nº 8.666/93, art. 57)

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2.2. O disposto no § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01 pode gerar dúvida quanto ao seu significado, tendo em vista a remissão feita ao § 4º do art. 57 da Lei nº 8.666/93, que trata da prorrogação excepcional por até 12 meses dos contratos de prestação de serviços continuados, além do prazo de 60 meses fixado no inciso II do art. 57 da Lei nº 8.666/93.2.3. Há quem interprete o § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01 de forma que não implique exceção ao caput do referido artigo, ou seja, de modo que a ata de registro de preços (referente a compras ou serviços) possa ser prorrogada em caráter excepcional, observando-se os procedimentos preconizados no art. 57, § 4º, da Lei nº 8.666/93, desde que não conduza a um prazo de validade superior a um ano. [Essa é a interpretação adotada por Sidney Bittencourt (Licitação de registro de preços. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003, p. 89)]2.4. Outro entendimento possível é o de que a prorrogação da ata de registro de preços por mais 12 meses, além do prazo de um ano contido no caput do art. 4º do Decreto nº 3.931/01, aplica-se apenas ao caso de serviços continuados, não se aplicando aos demais serviços nem às compras. [Essa é a interpretação constante da Cartilha do Registro de Preços do Governo do Estado de Minas Gerais (disponível em http://www.globalred.com.br/pdf/Cartilha_Registro_de_Precos.pdf, acesso em 28/7/2008)]2.5. Entendemos que o objetivo do § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01 foi o de estabelecer uma exceção ao caput do mesmo dispositivo, de modo que a ata de registro de preços, independentemente de se referir a serviços continuados, a serviços não continuados ou a compras, possa ser prorrogada por mais 12 meses, além do prazo de um ano, desde que a prorrogação seja em caráter excepcional, devidamente justificado, que haja a autorização da autoridade superior e que a proposta continue a ser mais vantajosa.2.6. Com essa interpretação, verifica-se que o § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01, ao possibilitar que uma ata de registro de preços vigore por até dois anos, contrariou o disposto no art. 15, § 3º, III, da Lei nº 8.666/93, que impõe que a validade do registro de preços não seja superior a um ano.2.7. Desse modo, pode-se considerar que o § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01 é ilegal, mesmo que só se aplique em situações excepcionais, porquanto qualquer exceção ao prazo máximo de um ano deveria ter sido estabelecido por lei, e não por decreto. O decreto regulamentador deve se ater às condições traçadas na lei. Não pode inovar no ordenamento jurídico nem contrariar o texto da lei que está sendo regulamentada.2.8. Quanto à ilegalidade do § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01, assim se manifesta Marçal Justen Filho:

‘O prazo de validade do registro é de um ano, tal como previsto no art. 15, § 3º, inc. III, da Lei de Licitações. A determinação constante do art. 4º, § 2º, do Regulamento é gritantemente ilegal. É evidente a impossibilidade de aplicar ao registro de preços a determinação específica e excepcional contida no art. 57, § 4º, da Lei de Licitações. Essa disposição refere-se única e exclusivamente aos contratos de prestação de serviços contínuos. Não é extensível a qualquer outra manifestação contratual. Uma ata de registro de preços não retrata um ‘serviço continuado’. Quando muito, é uma relação jurídica continuada. A disposição examinada contraria frontalmente o texto expresso da Lei.

(...). A renovação de ata de registro de preços, além do prazo original, configura infração ao texto expresso da Lei nº 8.666, devendo ser reconhecida como inválida.’ [JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 193]2.9. Eliana Goulart Leão, em obra anterior à edição do Decreto nº 3.931/01, ao referir-se à Lei nº 10.544/88 do Município de São Paulo, consignou que o art. 13 da referida lei, na parte referente à possibilidade de prorrogação por mais um ano do prazo de validade do registro de preços, foi implicitamente revogado pelo art. 15, § 3º, III, da Lei Federal de Licitações. Segundo a autora, ‘(...) pode haver atas com prazos inferiores a 12 (doze) meses que comportem uma prorrogação ou mais, por idêntico período, desde que, somados todos os prazos, não ultrapassem um ano.’ [GOULART,

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Eliana Leão. O sistema de registro de preços: uma revolução nas licitações. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 208]2.10. Também Paulo Sérgio de Monteiro Reis posicionou-se contrariamente à prorrogação da ata além do período de um ano:

‘Dispõe o art. 15, § 3º, III, que a validade do registro de preços não poderá ser superior a um ano. Qualquer prazo até esse limite máximo poderá ser estabelecido pela Administração para a validade da Ata de Registro de Preços. Nunca superior, portanto. Isso apesar do que consta o § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01, com sua redação atual. (...)

Ademais, não podemos olvidar que a Lei nº 8.666/93 é peremptória, dispondo, em seu art. 15, que a vigência da Ata não poderá ser superior a um ano. Como admitir, então, que um decreto, diploma legal estritamente regulamentador, que não pode criar inovações no ordenamento jurídico, venha a contrariar expressamente a lei, dispondo que essa vigência poderá exceder a um ano, por meio de prorrogação por até mais um ano?

O § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01, alterado pelo Decreto nº 4.342/02, é flagrantemente inconstitucional e não pode ser utilizado. A vigência da Ata de Registro de Preços não poderá, em nenhuma hipótese, ultrapassar a um ano.’ [REIS, Paulo Sérgio de Monteiro. Sistema de registro de preços: a panacéia nas contratações? Disponível em www.pauloreis.adv.br. Acesso em 25/7/2008]2.11. Além disso, a sistemática promovida pelo SRP, embora constitua fator de simplificação e facilitação do trabalho do gestor, não prescinde das funções de planejamento e controle. Pelo contrário, considerando a necessidade de prover os fornecedores da estimativa correta de quantitativos (máximos e mínimos) a serem fornecidos, da freqüência de fornecimento, dos locais de entrega, etc., é imperiosa a conclusão de que uma implementação do SRP exige planejamento e controle contínuos. 2.12. Nesse sentido, se o gestor já tem conhecimento, de antemão, do prazo de vigência da ata, e do fato de que tal prazo não pode superar um ano, qual a justificativa para não realizar, com antecedência suficiente, novo procedimento licitatório para a obtenção de nova ata? Não pode o SRP se tornar mero instrumento de conveniência ao gestor desidioso quanto aos seus deveres.2.13. Embora o MP/TCU tenha se pronunciado pela legalidade do art. 4º, § 2º, do Decreto nº 3.931/01, com o argumento de que se trata de medida de caráter excepcional, não se pode ignorar que a Lei de Licitações já prevê mecanismos adequados à aquisição de produtos e serviços em situações consideradas excepcionais, como as previstas nos incisos III e IV do art. 24 e no § 4º do art. 57. Desse modo, não se observa justificativa para, por decreto, contrariando a Lei de Licitações e a Constituição Federal, instituir mais um mecanismo para atendimento a situações excepcionais.2.14. Assim, este Grupo de Trabalho filia-se ao entendimento de que não há amparo legal para que uma ata de registro de preços vigore por prazo superior a um ano.2.15. Quanto aos contratos celebrados com fulcro na ata de registro de preços, sua vigência rege-se pelo art. 57 da Lei nº 8.666/93, segundo dispõe o art. 4º, § 1º, do Decreto nº 3.931/01. A vigência do contrato pode ir além da vigência da ata respectiva, conforme ensina Bittencourt:

‘As contratações realizadas com fundamento numa Ata de Registro de Preços só têm validade se realizadas dentro do prazo de validade desse instrumento; no entanto, a execução do contrato pode ocorrer após o término desse prazo, sendo importante, nesse caso, que o documento contratual, ou seu substitutivo, tenha sido celebrado ou emitido ainda dentro desse lapso temporal.’ [BITTENCOURT, Sidney. Licitação de registro de preços. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003, pp. 88-89]2.16. No mesmo sentido, pronuncia-se Eliana Goulart Leão:

‘As compras por intermédio de ata de registro de preços só são legítimas se realizadas no prazo de validade do registro, embora possa haver casos em que a aquisição se efetue durante esse prazo e a entrega do objeto venha a ser feita após o respectivo término.’ [GOULART, Eliana Leão. O sistema de registro de preços: uma revolução nas licitações. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 67]

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2.17. Assim, os contratos firmados com embasamento em ata de registro de preços terão sua vigência regulada pelo art. 57 da Lei nº 8.666/93, podendo ser prorrogados de maneira independente da vigência das respectivas atas. 3. DA POSSIBILIDADE DE RESTABELECIMENTO DOS QUANTITATIVOS NO CASO DE PRORROGAÇÃO DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS3.1. Analisada a questão da vigência da ata de registro de preços e dos contratos dela decorrentes, passamos a analisar o ponto que foi propriamente objeto da consulta, a saber: o efeito da prorrogação da vigência da ata em relação ao restabelecimento dos quantitativos originalmente registrados.3.2. Trata-se de questionamento que deverá ser respondido, sobretudo, em função dos princípios aplicáveis, em razão não apenas do silêncio do Decreto nº 3.931/01, mas também da ausência de um enfrentamento direto da questão por parte da doutrina e da jurisprudência.3.3. O Decreto nº 3.931/01, assim dispõe quanto aos requisitos mínimos do edital de licitação para registro de preços:

‘Art. 9º O edital de licitação para registro de preços contemplará, no mínimo: (Redação dada pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002)

I - a especificação/descrição do objeto, explicitando o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para a caracterização do bem ou serviço, inclusive definindo as respectivas unidades de medida usualmente adotadas;

II - a estimativa de quantidades a serem adquiridas no prazo de validade do registro; III - o preço unitário máximo que a Administração se dispõe a pagar, por contratação,

consideradas as regiões e as estimativas de quantidades a serem adquiridas; IV - a quantidade mínima de unidades a ser cotada, por item, no caso de bens; (...)’

3.4. Observa-se que o decreto estabelece que o edital deverá definir uma estimativa de quantidades a serem adquiridas dentro do prazo de validade do registro e uma quantidade mínima a ser cotada, no caso de bens.3.5. Embora não exista no Decreto nº 3.931/01 determinação expressa para a inclusão de um quantitativo máximo de aquisições, o art. 12 dispõe que ‘A Ata de Registro de Preços poderá sofrer alterações, obedecidas as disposições contidas no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993’. Pode-se inferir de tal artigo que existe um limite máximo a ser fornecido, uma vez que a Administração não poderá impor ao detentor do registro de preços o fornecimento do produto ou serviço em quantitativo superior em 25% ao originalmente previsto.3.6. Marçal Justen Filho também se posiciona favoravelmente à existência de um limite máximo para as aquisições derivadas de uma ata de registro de preços:

‘É possível atingir-se o limite das aquisições previstas no edital. Se tal vier a ocorrer, dar-se-á o exaurimento do registro. Isso se verificará, por exemplo, quando a licitação para o registro tiver envolvido certo quantitativo de produtos. Imagine-se que as necessidades da Administração superem suas estimativas. É preciso adquirir quantidades que ultrapassam os montantes indicados por ocasião do registro. Nesse caso, aplicam-se as regras gerais acerca de vinculação dos contratos aos termos da licitação. Por decorrência, não caberá fundamentar a aquisição no registro de preços, eis que esse já se exauriu.’ [JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 193]3.7. Embora a Administração não seja obrigada a adquirir o quantitativo previsto, espera-se que as estimativas sejam bem elaboradas, de modo que os fornecedores tenham uma base mais segura para a elaboração das propostas de preço. Quanto mais precisa a estimativa, melhores poderão ser os ganhos para a Administração, conforme salienta Jacoby:

‘É certo que a Administração passará a encontrar cada vez mais vantajosas propostas quando puder exibir aos licitantes que as suas expectativas de consumo chegam a 90 ou 95% de acerto.’ [FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 117]

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3.8. Assim, antes de iniciar um procedimento licitatório, a Administração deve realizar um planejamento adequado acerca dos quantitativos dos produtos/serviços a serem adquiridos pelo SRP.3.9. Os potenciais fornecedores formularão seu preços de acordo com o quantitativo previsto no edital, o qual vinculará os contratos a serem firmados.3.10. Durante a vigência da ata de registro de preços, os contratos poderão ser celebrados até que se esgotem os quantitativos registrados. 3.11. Se, ao se aproximar o fim da vigência da ata, a Administração perceber que os quantitativos foram superestimados, poderá prorrogá-la (desde que dentro do período de um ano), a fim de possibilitar novas contratações pelo quantitativo remanescente.3.12. Caso não haja quantitativo remanescente, ou este seja pouco para justificar uma prorrogação da ata, a Administração deverá, então, realizar nova licitação, para registrar os preços dos produtos/serviços a serem contratados no próximo período.3.13. A realização de nova licitação, nessa última hipótese, em vez de uma prorrogação da ata com o restabelecimento de quantitativos, é o que melhor atende aos princípios da isonomia, da economicidade e da vinculação ao instrumento convocatório.3.14. O princípio da isonomia fica assegurado, uma vez que todos os licitantes tiveram conhecimento prévio do quantitativo máximo a ser fornecido, avaliando suas condições de participação no certame de acordo com esse quantitativo. A prorrogação da vigência da ata com restabelecimento dos quantitativos implica alteração nas condições originais, estabelecendo favorecimento injusto à empresa que detém o registro de preços. Se tais condições fossem de conhecimento prévio de todas as empresas interessadas em participar do certame, seria possível que determinadas empresas que optaram por não participar o tivessem feito. 3.15. Quanto ao princípio da economicidade, é preciso considerar que, em razão da economia de escala, quanto maior o quantitativo de um produto ou serviço a ser adquirido, menor tende a ser seu preço unitário. Assim, se um edital prevê a aquisição de determinada quantidade de um produto ou serviço, mas é adquirido o dobro, ainda que no dobro do prazo inicialmente previsto, é possível que tenha havido desvantagem para a Administração em termos de economia de escala.3.16. Há ainda o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que impede que se façam contratações além do limite quantitativo previsto no edital, a não ser na hipótese de aplicação do art. 65, I, ‘b’, da Lei nº 8.666/93.3.17. Além disso, decorre do disposto no art. 15, § 4º, da Lei nº 8.666/93 que a Administração pode se utilizar de outros procedimentos previstos em lei para efetivar suas aquisições. Assim, se surge um imprevisto que faz aumentar consideravelmente as quantidades do produto ou serviço que a Administração necessita adquirir, ela pode realizar novo procedimento licitatório com o objetivo de obter melhores condições, em virtude do novo parâmetro de economia de escala.3.18. Como argumento favorável ao restabelecimento dos quantitativos nas prorrogações, poder-se-ia invocar o permissivo contido no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931/01, que dispõe sobre a adesão à ata de registro de preços (prática conhecida como ‘carona’):

‘Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

(...)§ 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder,

por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços. (Incluído pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002)’3.19. Esse dispositivo possibilita que o fornecedor que tiver seus preços registrados celebre contratos com inúmeros órgãos da Administração, o que, na prática, poder levar ao fornecimento do produto ou serviço em quantitativos muito superiores à estimativa da ata de registro de preços. No entanto, tal dispositivo tem causado grande perplexidade na doutrina, perante o flagrante desrespeito

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aos princípios da economicidade, ampla concorrência e isonomia. A esse respeito, cabe citar a lição de Marçal Justen Filho:

‘O princípio da isonomia impõe que todos os potenciais interessados tomem ciência da extensão das contratações que a Administração pretende realizar. Não é possível que uma licitação aparentemente irrelevante, que não desperta atenção e competição entre os empresários do setor, seja transformada em uma fonte inesgotável de contratações para o licitante que a venceu.’ [JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, pp. 190-191]3.20. A repulsa à possibilidade de o particular multiplicar ganhos indefinidamente às custas da Administração já levou também este Tribunal a determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), no Acórdão 1.487/2007- Plenário, que:

‘adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto nº 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, (...)’3.21. Outro argumento em prol do restabelecimento dos quantitativos seria o formulado pelo consulente, quando alega que, se não houver tal restabelecimento, a prorrogação da ata equivalerá à prorrogação do prazo de entrega do objeto registrado, esvaziando-se a utilidade da prorrogação prevista no Decreto nº 3.931/01.3.22. No entanto, a prorrogação da ata de registro de preços, mesmo que não se renovem os quantitativos registrados, não equivale à mera prorrogação do prazo de entrega do objeto, uma vez que permite que novos contratos sejam firmados, mesmo que limitados ao quantitativo ainda não utilizado. Assim, a prorrogação mantém sua utilidade, possibilitando a utilização dos quantitativos remanescentes, nos casos em que a Administração tenha superestimado o quantitativo a ser fornecido, bem como nos casos em que a demanda pelos produtos ou serviços no decorrer do período tenha sofrido variações por motivos imprevistos. 3.23. Portanto, não há como justificar que a Administração prorrogue uma ata de registro de preços com o fito de contratar aquisição de produtos ou prestação de serviços em quantitativos superiores aos que constam do edital e da própria ata. Esse tipo de prorrogação só encontraria azo na total ausência de planejamento, em que não se realizassem as licitações com a devida antecedência, o que não pode ser admitido por esta Corte de Contas.3.24. A 4ª Secex considerou em sua análise a possibilidade de restabelecimento dos quantitativos quando da prorrogação da vigência da ata, com a condição de que constasse previsão expressa no edital de licitação para registro de preços (fl. 12). Embora tal previsão no instrumento convocatório possa minorar a possibilidade de lesão aos princípios da economicidade, vinculação ao instrumento convocatório e isonomia, restaria ainda a tendência de elevação dos preços propostos pelos fornecedores, ante a incerteza quanto à prorrogação da ata, bem como a possibilidade de favorecimento a determinado licitante, pela via do fornecimento de informações privilegiadas (conluio).3.25. Ante as considerações expostas, este Grupo de Trabalho filia-se ao entendimento de que a prorrogação da vigência da ata de registro de preços não implica o restabelecimento dos quantitativos originalmente previstos.3.26. Não obstante tal entendimento constitua imposição de limite à utilização do SRP, é necessário observar que o gestor já dispõe de outros instrumentos, previstos na própria Lei nº 8.666/93, hábeis a atender às necessidades da Administração após o exaurimento do quantitativo inicialmente registrado em ata, como a realização de outro procedimento licitatório, a prorrogação de contrato de serviços continuados ou a contratação direta por dispensa de licitação. 4. PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

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4.1. Por todo o exposto, este Grupo de Trabalho propõe ao Tribunal:a) conhecer da consulta formulada, ante o preenchimento dos requisitos de admissibilidade

previstos no art. 264 do Regimento Interno do TCU;b) responder ao consulente que, em caso de prorrogação da ata de registro de preços, não se

restabelecem os quantitativos que foram fixados no edital da licitação e na própria ata;c) alterar o entendimento constante da obra ‘Licitações e Contratos: Orientações Básicas’,

para que, em sua próxima edição, conste orientação no sentido da impossibilidade de vigência das atas de registro de preços por prazo superior a um ano, já computadas nesse prazo as eventuais prorrogações.”

5. Em novo parecer, o representante do Ministério Público assim se manifestou (fl. 37):“A respeito do prazo de vigência da ata de registro de preços, este representante do Ministério

Público, evoluindo no posicionamento defendido em sua anterior manifestação de 05/02/2007 (fls. 16/19), tendo em vista a discussão doutrinária atual, a exemplo da obra ‘Registro de preços – Aspectos práticos e jurídicos’, de Edgar Guimarães e Joel de Menezes Niebuhr (Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 91-92), propõe, desta feita, que esta Corte firme o entendimento de que tal prazo não poderá ser superior a um ano, admitindo-se prorrogações, desde que ocorram dentro deste prazo, dando ciência da deliberação que vier a ser proferida à Casa Civil da Presidência da República e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, para a adoção das medidas cabíveis, ante a contradição existente entre o disposto no § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/2001 e no inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93.2. No que tange à questão fulcral que ensejou a presente consulta, este representante do MP/TCU ratifica seu anterior pronunciamento, no sentido de que seja respondido ao consulente que, ‘no caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93’ (fl. 19).”

6. Observo que o Tribunal decidiu, entre outras medidas, no processo de representação sobre suposto direcionamento na aquisição de mobiliário mediante prorrogação de ata de registro de preços no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (Acórdão nº 2.890/2008 – Plenário):

“9.1. conhecer da representação, para, no mérito, considerá-la improcedente;(...)9.3. recomendar ao Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região que, até o julgamento de

mérito do TC nº 021.269/2006-6, quando o Tribunal deverá deliberar sobre o assunto, abstenha-se de promover prorrogações de atas de registro de preços cuja soma do período original e de sua prorrogação possa superar um ano, bem como de realizar contratações a partir de atas de registro de preços cuja validade seja superior a um ano, já computadas nesse prazo as eventuais prorrogações;

(...)”

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, destaco que a presente consulta preenche os requisitos de admissibilidade previstos no art. 264 do Regimento Interno/TCU e, portanto, pode ser conhecida.

2. Em seguida, esclareço que o consulente apresenta questionamento sobre a possibilidade de restabelecimento dos quantitativos inicialmente fixados no caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços.

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3. Antes da manifestação sobre esse item, observo que, apesar de não ser objeto imediato desta consulta, a Segecex mostra que o § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/2001 é ilegal, mesmo que só se aplique em situações excepcionais, haja vista que qualquer exceção ao prazo máximo de um ano de vigência da ata de registro de preços deveria ter sido estabelecida por lei, e não por decreto, que tem caráter estritamente regulamentador.

4. De fato, ao possibilitar que uma ata de registro de preços vigore por até dois anos, aquele dispositivo contraria o disposto no art. 15, § 3º, inciso III, da Lei nº 8.666/93, que estabelece que a validade do registro de preços não deve ser superior a um ano.

5. Apesar de reconhecer a correção dos argumentos da Segecex e do Ministério Público no que se refere ao prazo de vigência da ata de registro de preços, considero adequado, tendo em vista a competência para edição de novo decreto regulamentador, dar ciência da deliberação à Casa Civil da Presidência da República, para a adoção das medidas cabíveis, ante a contradição existente entre o previsto no art. 4º, § 2º, do Decreto nº 3.931/2001 e no art. 15, § 3º, inciso III, da Lei nº 8.666/93.

6. Quanto à consulta, concordo com a Segecex e o Ministério Público que o restabelecimento dos quantitativos iniciais no caso de prorrogação da ata de registro de preços não deve ser admitido, por contrariar os princípios básicos que norteiam a atividade da Administração Pública, tais como o da legalidade, da impessoalidade, da economicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da moralidade.

7. Na verdade, a prorrogação da ata de registro de preços com o restabelecimento dos quantitativos iniciais provoca a modificação do objeto da licitação e a conseqüente alteração das condições pactuadas, não sendo possível afirmar que a proposta vencedora permanece vantajosa para a Administração, uma vez que somente o contratado, e nenhum outro fornecedor do mercado, participa da negociação para alteração das quantidades previstas no edital.

8. Também ressalto que a condição de procedimento especial de licitação atribuída ao Sistema de Registro de Preços não justifica a concessão de vantagem a competidor que seja vedada no procedimento licitatório convencional.

9. Por fim, ante a recomendação feita por esta Corte de Contas no Acórdão nº 2.890/2008 – Plenário, cabe remeter cópia do acórdão, acompanhado do voto e do relatório que o fundamentam, ao Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região.

Dessa forma, acolho, em parte, os pareceres da Segecex e do Ministério Público e voto por que o Tribunal adote o acórdão que ora submeto ao Plenário.

TCU, Sala das Sessões, em 13 de maio de 2009.

MARCOS VINICIOS VILAÇARelator

ACÓRDÃO Nº 991/2008 - TCU - PLENÁRIO

1. Processo nº TC-021.269/2006-62. Grupo I – Classe III – Consulta3. Órgão: Ministério da Saúde4. Interessado: José Agenor Álvares da Silva (então Ministro de Estado)5. Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça6. Representante do Ministério Público: Subprocurador-Geral Paulo Soares Bugarin7. Unidade Técnica: Segecex8. Advogado constituído nos autos: não há

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9. Acórdão:VISTOS, relatados e discutidos estes autos de consulta sobre a interpretação de dispositivos do

Decreto nº 3.931/2001, alterado pelo Decreto nº 4.342/2002, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da presente consulta, com base no art. 264 do Regimento Interno/TCU;9.2. responder ao interessado que, no caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços,

dentro do prazo de vigência não superior a um ano, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93;

9.3. dar ciência deste acórdão, bem como do voto e relatório que o fundamentam, à Casa Civil da Presidência da República, para a adoção das medidas cabíveis, ante a contradição existente entre o disposto no art. 4º, § 2º, do Decreto nº 3.931/2001 e no art. 15, § 3º, inciso III, da Lei nº 8.666/93;

9.4. remeter cópia deste acórdão, acompanhado do voto e do relatório que o fundamentam, ao Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região; e

9.5. arquivar o presente processo.

10. Ata n° 18/2009 – Plenário.11. Data da Sessão: 13/5/2009 – Ordinária.12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-0991-18/09-P.13. Especificação do quorum:13.1. Ministros presentes: Ubiratan Aguiar (Presidente), Marcos Vinicios Vilaça (Relator), Valmir Campelo, Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro e José Jorge.13.2. Auditores presentes: Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira.

UBIRATAN AGUIAR MARCOS VINICIOS VILAÇAPresidente Relator

Fui presente:

LUCAS ROCHA FURTADOProcurador-Geral

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