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RECUSA AO BAFÔMETRO E PRESUNÇÃO LEGAL DE
EMBRIAGUEZ
Joaquim José Miranda Júnior (*)
RESUMO: Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis
decigramas, comprovada por exame de sangue, ou a três décimos
de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, a ser aferida por
bafômetro, nos termos do Decreto n. 6.488, de 19 de junho de 2008,
ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência. Eventual recusa a submeter-se ao
bafômetro ou a ceder amostra de sangue não obsta a persecução
penal, o crime que pode ser comprovado mediante a aplicação dos
princípios dos artigos 158 e 167 do Código de Processo Penal,
relatório policial, prova testemunhal ou exames diversos que supram
a ausência de perícia específica, conquanto obstada pelo próprio
infrator.
(*) Joaquim José Miranda Júnior é promotor de justiça há 20 anos. É mestre
em ciências jurídico-penais pela Universidade de Coimbra, doutor pela UMSA e
pós-doutorando pela Universidade de Lisboa. Atualmente coordena o Centro de
Apoio Operacional Criminal
1 INTRODUÇÃO AO TEMA
Dentre outros recordes, nosso país se desponta nas estatísticas mundiais
como aquele que ostenta o mais alto índice anual de acidentes
automobilísticos. Segundo dados do CONTRAN, mais de 350 mil acidentes nas
nossas ruas e estradas resultam em um saldo de mais de 33 mil mortos e 400
mil feridos anualmente1. Esta realidade tem preocupado as autoridades
brasileiras.
É do conhecimento de todos que a ingestão de pequenas quantidades de
álcool pode provocar alterações cognitivas e comportamentais. Mesmo os
indivíduos com alcoolemia baixa podem apresentar sinais e sintomas de
intoxicação alcoólica incompatíveis com o ato de dirigir - designa-se alcoolemia
a concentração de etanol no sangue. Como se sabe o álcool etílico é uma
substância psicoativa depressora do sistema nervoso central que altera
percepções e comportamentos, podendo aumentar a agressividade e diminuir a
atenção.
Os acidentes de trânsito são causa de grande preocupação em saúde pública.
Visando à proteção de motoristas e passageiros, e a redução dos números de
acidentes, são introduzidas medidas de segurança, tais como o uso de cinto de
segurança, dispositivos de retenção para crianças e capacetes, a existência de
veículos mais seguros e a melhoria nas pistas, bem como o estabelecimento
de limites de velocidade e de concentração de álcool no sangue, essas
medidas são fundamentais na redução do número de mortes nas ruas e
1 Dados obtidos em consulta à Resolução 166 de 15 de setembro de 2004, que aprova as diretrizes da Política Nacional de Trânsito – PNT. Destaque-se que o Brasil ocupa, ainda, a 5° colocação dentre os países com mais morte no trânsito (35,1 mil por ano), atrás apenas de Índia (105,7 mil), China (96,6 mil), Estados Unidos (42,6 mil) e Rússia (35,9 mil), conforme pesquisa realizada pela OMS, com base em dados do ano de 2007. Disponível em <http://www.portaldotransito.com.br/noticias/brasil-e-quinto-pais-do-mundo-em-mortes-por-acidentes-de-transito.html>. Acesso em 09 set. 2010.
2
estradas.
Ultimamente, há um mover mundial no sentido de diminuir os níveis máximos
de alcoolemia permitidos para a condução de veículos automotores. O álcool é
reconhecido como um fator causador de acidente de grande importância no
trânsito, pois afeta importantes funções utilizadas na condução, como visão e
tempo de reação, além de fatores comportamentais que estimulam a tomada
de riscos, como dirigir em alta velocidade, avançar em sinais vermelhos e
deixar de usar cinto de segurança.
Com isso observamos a importância da correta interpretação e aplicação da L.
11.705/08, que na intenção de instituir alcoolemia zero, busca diminuir os
índices de acidentes no trânsito devido à ingestão de bebida alcoólica pelos
condutores de veículos que, amparados na falta de inibição à sua conduta,
tomam a direção dos veículos de forma irresponsável.
3
2 MOTIVOS DA LEI
Antes de 1997 sequer era crime o ato de conduzir veículo automotor sob
influência etílica. Com o surgimento do Código de Trânsito – Lei n. 9.503/97,
passou-se a criminalizar tal conduta, limitada, todavia, às situações em que tal
direção significasse perigo à direção viária. Em outras palavras, o artigo 306,
da referida lei, previa como crime a conduta de quem conduzisse veículo
automotor, em via pública, sob a influência de álcool, expondo a dano
potencial2 a incolumidade de outras pessoas. Não interessava a taxa de
alcoolemia do motorista, podendo a infração ser caracterizada através de prova
testemunhal de que o condutor apresentava notórios sinais resultantes do
consumo de substância etílica.
Entretanto, seguindo recente tendência mundial, buscou-se dar um passo a
mais no combate aos acidentes de trânsito provocados pelos motoristas
embriagados, editando-se, em 19 de junho de 2008, a Lei n. 11.705, que trouxe
como objetivo explícito “estabelecer alcoolemia zero e impor penalidades mais
severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool” 3.
Esta norma alterou, assim, o artigo 306 do CTB, que agora tem a seguinte
redação:
2 De acordo com Fernando Galvão, os crimes de perigo não exigem a ocorrência de alterações no bem juridicamente protegido, pois a incriminação consolida-se, antes, com a simples exposição do bem à situação de perigo. Para a satisfação dos requisitos objetivos do tipo, basta a violação da norma que pretende proteger o bem jurídico da situação de perigo. Os crimes de perigo não se fundamentam apenas na concreta probabilidade de dano aos bens jurídicos, mas também diante de situações em que seja presumido pelo legislador o aumento das chances de lesão. GALVÃO, Fernando. Direito Penal - curso completo – parte geral. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 211-212.
3 Exposição do motivo da Lei 11.70588.
4
Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Redação anterior à Lei 11.705/08:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
Penas – detenção, de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Como se vê, a nova Lei, com a pretensão de ser mais severa, passou a exigir
que a concentração de álcool por litro de sangue seja igual ou superior a seis
decigramas, o que equivale à concentração de álcool igual ou superior a três
décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões4, para se ter como
caracterizada a conduta criminosa da condução de veículo automotor na via
pública sob embriaguez.
Assim, a nova tipificação, com o fim de prevenir um possível acidente,
antecipou a repressão afirmando que a mera conduta de dirigir um automóvel
4 Em princípio, a prova técnica para se comprovar a existência de determinada quantidade de álcool no sangue é obtida mediante exame de sangue. Para identificar a quantidade de álcool no ar expelido pelos pulmões usa-se o bafômetro. A concentração de álcool permitida e a equivalência entre os meios de se medi-la – exame de sangue ou etilômetro – é dada pelo art. 2° do Decreto 6.488, de 20 de junho de 2008.
5
com os sentidos alterados expõe a sociedade a um risco proibido. Ou seja, a
classificação da infração assumiu contornos mais rigorosos. Não é mais
necessária a prova da exposição do perigo, o que facilitou o sucesso da
pretensão acusatória, desde que observado o limite descrito na lei.
Percebemos facilmente que a intenção do legislador foi aumentar o rigor da lei,
retirando do texto legal a exigência de direção perigosa para a caracterização
do crime. Porém, para evitar que a conduta penal fosse a simples ingestão de
qualquer quantidade de bebida alcoólica por quem estivesse dirigindo um
automóvel - já que não haveria mais a necessidade de que o condutor do
veículo estivesse trafegando de forma a oferecer risco à sociedade - o
legislador estabeleceu um mínimo de álcool presente no sangue, assim
somente quem ingerir tal quantidade se enquadra no tipo penal.
Seria inconveniente que o legislador, no tocante ao álcool, considerasse a
existência de crime de embriaguez ao volante somente pela presença de álcool
no sangue em qualquer dosagem. Um exemplo dessa inconveniência seria o
caso de uma pessoa que estivesse acompanhada de seus amigos em uma
mesa de bar, rodeados por bebidas alcoólicas, acabasse ingerindo apenas uns
poucos goles de bebida, e ao sair do local acabasse se envolvendo em um
acidente de trânsito. Quando lhe questionassem se ingeriu bebida alcoólica,
ante a sua resposta afirmativa, estaria caracterizado o crime. Ao passo que,
com a dosagem mínima de álcool presente no sangue estabelecida pelo
legislador, essa pessoa poderia se valer dos testes de alcoolemia, como o uso
de etilômetro (popularmente conhecido como bafômetro), por exemplo, para
provar que não estava dirigindo embriagada, já que a dose ingerida de álcool
fora muito pequena.
Entretanto, surgiram controvérsias relativas ao tema na doutrina e
jurisprudência. Um dos problemas que se coloca diz respeito à exegese do
novo texto legal. A pretensão do legislador, apesar de ter anunciado que a
norma busca punir mais severamente, seria de vincular a caracterização do
6
novo tipo penal a uma espécie de prova tarifada, excluindo do tipo penal todos
os que dirigirem embriagados (mesmo em níveis altos), mas não pudessem ou
não quisessem se submeter ao teste do bafômetro e nem fornecer amostra de
sangue, destinada a exame, no momento do flagrante, ainda que seu estado
de ebriedade fosse notório?
Ora, se entendido como imprescindível a prova do nível exato de embriaguez
mediante bafômetro ou exame de sangue, estaria evidente que a inovação
legislativa, ao contrário do anunciado pelo legislador, seria mais benéfica que a
norma anterior e de agora em diante não alcançaria os motoristas que
simplesmente se recusassem a fornecer elementos de prova. E mais, enquanto
norma posterior benéfica, atingiria também todos os demais casos de
processos relativos à embriaguez ao volante em andamento na justiça e, por
assim dizer, até os já transitados em julgado, onde não se tenha obtido a prova
nos moldes que se pretende para o novo dispositivo.
Fazer a afirmação neste sentido é apregoar a impunidade, o desmando e a
liberação para a ebriedade. Ainda mais tendo em conta que a maioria dos
Estados, a exemplo de Minas Gerais, dispõem de reduzido número de
bafômetros5 – a maior parte das comarcas mineiras não dispõe de sequer uma
unidade.
5 Quando a “Lei Seca” entrou em vigor, a Polícia Militar de Minas Gerais contava com apenas 20 bafômetros para fiscalizar mais de 800 municípios. Dados disponíveis em <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL871848-5598,00-POLICIA+DE+MG+RECEBE+ MAIS+DE+BAFOMETROS+PARA+REFORCAR+FISCALIZACAO.html.>. Acesso em 08 set. 2010.
7
3 CARACTERIZAÇÃO DA EBRIAGUEZ AO VOLANTE
O assunto precisa ser corretamente interpretado. A mera direção sob a
influência de álcool – qualquer que seja a concentração de álcool por litro de
sangue, caracteriza a infração administrativa prevista no artigo 165 do Código
de Trânsito, in verbis:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração gravíssima.
Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.
Medida administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
A aplicação da respectiva penalidade de multa e da suspensão do direito de
dirigir por 12 meses deve ser precedida de processo administrativo, do qual
constarão, evidentemente, o contraditório e a ampla defesa.
Assim, nos termos do artigo supracitado, se o motorista for abordado
embriagado, o agente de trânsito, de forma imediata, deverá efetuar a
apreensão da carteira de habilitação e proceder à retenção provisória do
veículo, que só serão restituídos depois de cessado o estado de embriaguez do
condutor, podendo, é claro, ser o veículo confiado a outro motorista não
embriagado.
Conforme se extrai da lei, é preciso que a embriaguez do condutor seja
atestada via exame de alcoolemia – teste do bafômetro ou exame de sangue,
8
ou ainda através de quaisquer outras provas admitidas no direito, como exame
clínico, declarações de testemunhas etc., nos termos do disposto no artigo 277
do CTB, in verbis:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Uma hipótese que poderá ocorrer e que não será possível a realização do
exame de alcoolemia por meio do bafômetro ou coleta de sangue, será quando
o agente estiver em torpor tão intenso, que será incapaz de manifestar-se,
inclusive para seu assentimento para exames e testes. A recusa em produzir
prova não pode ter o condão de excluir o crime, afinal, neste exemplo, os sinais
de embriaguez serão visivelmente reconhecidos, por óbvio que uma pessoa
que foi vista bebendo, está com odor de bebida alcoólica, e com os sinais
físicos de quem consumiu bebida alcoólica, está com a concentração de álcool
no sangue maior que 0,6 g/l!
Assim, a não obrigatoriedade de submissão ao bafômetro ou a exames clínicos
não impede a caracterização do delito previsto no artigo 306 do CTB. Se assim
9
fosse considerado, não restaria ninguém punido por prática do delito em tela,
pois os motoristas embriagados jamais produziriam provas contra si mesmos.
Temos no artigo 167 do Código de Processo Penal que a prova testemunhal
pode suprir a prova pericial. Ademais, a interpretação dos textos legais deve
pautar-se pelo objetivo de conferir-lhes efetividade e preservar a intenção do
legislador.
Claro que o condutor pode se recusar a submeter-se aos testes de alcoolemia,
sob a alegação de que não está obrigado a fazer prova contra si mesmo6, mas,
nesta hipótese, ante a presunção da embriaguez, arcará com a penalidade da
infração administrativa prevista no artigo 277, § 3º, do CTB – multa de R$
957,70 e suspensão da carteira de habilitação por 12 meses.
Acerca do tema em análise, apesar de escassa a jurisprudência, tem-se que é
correntemente aceito pelos Tribunais o uso de outros meios de prova por falta
de perícia direta:
O laudo pericial, diante do desaparecimento dos vestígios, pode ser suprido pela prova testemunhal. [STJ, HC 95873 / SP; Rel. Min. LAURITA VAZ, julg. 06.03.2008, publ. 07.04.20087].
O exame de corpo de delito indireto, fundado em prova testemunhal idônea e/ou em outros meios de prova consistentes (CPP, art. 167) revela-se legítimo, desde que, por não mais subsistirem vestígios sensíveis do fato delituoso, não se viabilize a realização do exame direto. [STF, HC 85955 / RJ, Rel. Min. ELLEN GRACE, julg. 05.08.2008, publ. 22.08.20088].
[...] mesmo não existindo exame complementar, nos termos
6 Sobre o princípio do Nemo tenetur se detegere, Gomes Filho se posiciona da seguinte forma: “O direito à não auto-incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional.” GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 114.
7 In http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?ref=CPP-41+MESMO+ART+ ADJ+%2700167%27&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3; acesso em 10 set. 2008.
10
dos arts. 167 e 168, §3º, do Código de Processo Penal, permite-se que a prova testemunhal supra sua ausência, desde que tenha força probante da gravidade das lesões sofridas pela vítima. [TJMG, autos 1.0210.99.001714-2/001(1), Rel.Des.SÉRGIO BRAGA, julg. 08.05.2007, publ. 17.05.20079].
Na vigência da nova norma, eis a corrente doutrinária que vem sendo
construída:
A pergunta imanente que habita o intelecto daquele que recalcitra em admitir a prova testemunhal como elemento probatório nos delitos de embriaguez ao volante, após a reforma do CTB, é a seguinte: como a prova testemunhal pode aferir a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas?!
[...]
Reza o artigo 291[...] do CTB que aos crimes cometidos na direção de veículos automotores aplicam-se as normas gerais do Código de Processo Penal.
No Capítulo II do CPP, onde se versa sobre o exame de corpo de delito e sobre as perícias em geral, consta, no art. 158[...], que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Todavia, no art. 167[...] do CPP, consta que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Ora, se o condutor embriagado não permitiu sua submissão corporal ao teste do bafômetro, bem como não aceitou a coleta de sangue do seu corpo, para aferição de seu estado etílico, bem como, por exemplo, não tenha sido possível a sua imediata condução a exame clínico, desaparecendo, então, o que não é raro, os vestígios da embriaguez alcoólica,
8 Inhttp://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=HC.SCLA.%20E%2085955.NUME.&base=baseAcordaos; acesso em 10 set. .2008.
9 Inhttp://www.tjmg.gov.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0210&ano=99&txt_processo=1714&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=; acesso em 10 set. .2008.
11
perfeitamente viável é o suprimento dessa lacuna pela prova testemunhal.10
Assim também o estudo técnico e sua conseguinte diretriz oriundos do Centro
de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Estado de Santa Catarina
(CAOCrim/SC):
[...] Suponhamos que, em regra, dois copos de cerveja sejam suficientes para alcançar o limite de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Se ficar comprovado, por meio de testemunhas, que o condutor ingeriu não dois copos, mas duas dúzias de cerveja pouco antes de dirigir, estando quase que em coma alcoólico, não é certo que a sua concentração alcoólica ultrapassou, em muito, o limite legal estabelecido no art. 306? Há alguma dúvida da caracterização do delito?
Encontradas, outro exemplo, dentro do carro, várias garrafas de cachaça, com o condutor confessando que acabou de consumi-las, completamente embriagado, mas recusando-se ao bafômetro, há alguma dúvida de que o limite de seis decigramas foi alcançado? É evidente que não.
O art. 158 do CPP assevera que quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. No caso, porém, como o condutor recusou-se a fazer o teste de alcoolemia, perfeitamente possível a aplicação do disposto no art. 167 do CPP, analogicamente, podendo a prova testemunhal suprir a falta da perícia. Ademais, se outros meios de prova podem ser usados para atestar a infração administrativa de embriaguez ao volante (art. 277, § 2º, do CTB), por qual razão não podem ser utilizados para o prova da
10 ROGER SPODE BRUTTI; Delegado de Polícia Civil no RS; Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (UNICRUZ); Mestrando em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Franciscana do Brasil (UNIFRA); Especializando em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA); Professor Designado de Direito Constitucional, Direito Processual Penal e Direito Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS); in <http://www.webartigos.com /articles/9336/1/A-Eficacia-Da-Prova-Testemunhal-Nos-Delitos-De-Embriaguez-Ao-Volante/ pagina1.html>. Acesso em 13 abr. 2011.
12
mesma conduta na esfera criminal?
Temos, pois, que apesar de o tipo penal prever o limite matemático de concentração alcoólica, a prova deste fato não pode cingir-se aos testes de alcoolemia apenas. Se através de exames clínicos, da prova testemunhal ou de qualquer outro meio probatório lícito for possível concluir, com certeza, que a concentração alcoólica do condutor foi em muito superior ao limite mínimo, diante da sua recusa em submeter-se aos testes de alcoolemia, não vislumbramos óbice ao uso de outros instrumentos probatórios. O que importa é ter a certeza de que o condutor dirigiu o seu automóvel com uma concentração superior ao limite mínimo. E, no caso de embriaguez patente, escancarada, é perfeitamente possível aferir-se tal conclusão de outra forma, longe dos testes de alcoolemia.
[...] [Ao final conclui-se:]
[...] em regra, a constatação da concentração de álcool do condutor deve ser verificada por meio de exame de alcoolemia (sangue ou bafômetro) [...];
[...]
[...] se o motorista se recusar a submeter-se ao teste de alcoolemia, para a configuração do crime de embriaguez ao volante, é possível valer-se de outros meios de prova em direito admitido (exame clínico, prova testemunhal, etc..) [negritamos], apenas quando o caso tratar-se de embriaguez patente, ou seja, com acentuado grau de concentração alcoólica (em muito superior ao limite estabelecido), de fácil percepção, sem necessidade do exame matemático, mas possível de ser atestada por meio de exame clínico ou de prova testemunhal [...] 11
No mesmo sentido a orientação do Ministério Público do Estado do Paraná:
11 ROBISON WESTPHAL, Procurador de Justiça, Coordenador-Geral; ANDREY CUNHA AMORIM, Promotor de Justiça, Coordenador; FABIANO HENRIQUE GARCIA, Promotor de Justiça, Coordenador-Adjunto; todos em exercício no Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (CAOCrim/MP/SC); Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/noticias /cao/ccr/parecer_0052008_ccr.doc; publicação em 29 jul. 2008. Acesso em 11 set. 2008.
13
[...] diante de recusa a submissão a testes de alcoolemia (etilômetro e/ou sangue e urina), desde que o condutor apresente de forma evidente, notória, os sinais/sintomas acima indicados [embriaguez] (constatados pelo exame clínico, pela coerente prova testemunhal que teve contato direto e visual com o acusado ou por outras provas em direito admitidas), será plenamente possível a comprovação de que o teor de álcool etílico no sangue é superior a 6 decigramas previsto no tipo penal (art.306, do CBT) e, consequentemente, perfeita a configuração o crime.
E desta forma, não há que se falar em retroatividade da lei mais benigna (art.2º, parágrafo único, do Código Penal) simplesmente porque ela assim não se apresenta. Além de passar a ser, agora, crime de perigo abstrato (não precisa mais dirigir de forma anormal para a configuração do crime, mas apenas dirigir com mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue), a pena continua exatamente a mesma anteriormente prevista (detenção de seis meses a três anos) e sua ocorrência pode continuar a ser comprovada por todas as provas em direito admitidas. 12
12 ERNANI SOUZA CUBAS JUNIOR, Procurador de Justiça, Coordenador; ROSANGELA GASPARI, Promotora de Justiça; MARCELO BALZER CORREIA, Promotor de Justiça; CATIANE DE OLIVEIRA PRETO, Assessora Jurídica; todos em exercício no Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, do Júri e de Execuções Penais do Ministério Público do Estado do Paraná (CAOP/MP/PR); Disponível em: http://www.mp.pr.gov.br/cpdignid/telas/cep_ic_1.html; publicado em 29 ago. 2008, acesso em 16 set. 2008.
14
4 O DIREITO DE NÃO FAZER PROVA CONTRA SI
MESMO E O CRIME DE EMBRIAGUEZ NA DIREÇÃO DE
VEÍCULO AUTOMOTOR
O aspecto criminal, que nos interessa mais de perto, constata-se de pronto que
o crime de embriaguez ao volante do artigo 306 do Código de Trânsito
Brasileiro passou a ser de perigo abstrato13, não se exigindo mais a exposição
a dano potencial, exigindo-se, todavia, para sua constatação, a prova de uma
concentração alcoólica mínima por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas. Apenas a título de ilustração, seis decigramas equivalem
aproximadamente a dois copos médios de cerveja ou a uma dose de bebida
destilada para uma pessoa que pesa setenta quilogramas.
Nesta hipótese, tem sido divulgado que se o motorista se recusar a submeter-
se aos testes de alcoolemia arcará somente com as penas da infração
administrativa, e, se “desejar” correr o risco da submissão ao teste, abrem-se-
lhe duas oportunidades. Se não comprovada a embriaguez no teor de 6 dg/l de
sangue, não receberá multa alguma nem será penalizado criminalmente. Se,
todavia comprovada a embriaguez no nível dos seis decigramas mencionados,
restarão configuradas tanto a infração administrativa – multa, quanto à conduta
criminosa.
O melhor entendimento, todavia, nos parece ser aquele no sentido de que, se o
motorista aparentemente embriagado se recusar a submeter-se ao teste de
alcoolemia, para a configuração do crime de embriaguez ao volante, será
13 Zaffaroni e Pierangeli sustentam que os crimes de perigo abstrato são aqueles em que “há uma inversão do ônus da prova, pois o perigo é presumido com a realização da conduta, até que o contrário não seja provado, circunstância cuja prova cabe ao acusado.” ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro - vol. 1 - parte geral. 6 ed.: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006. p. 482.
15
possível valer-se de outros meios de prova admitidos no direito, como relatórios
policiais, exame clínico, prova testemunhal e etc., para comprovação do crime.
Claro que isto só se dará nos casos de embriaguez patente, em que o estado
etílico seja possível de ser atestado pelos próprios agentes de trânsito, por
meio de exame clínico ou de prova testemunhal. E isto não é novidade. Esta
modalidade de prova já é admitida em Processo Penal, que exige exame
pericial para todas as infrações que deixam vestígio, mas aceita em seu lugar a
prova testemunhal 14 quando houverem desaparecido tais sinais – artigos 158 e
167 do CPP. O motorista bêbado não será exceção. Se estiver evidentemente
bêbado, a impossibilidade material de realização de perícia – conquanto por ele
mesmo obstada – , não impedirá também a sua punição penal. Nesse sentido,
votou o ilustre Desembargador Irineu João da Silva do tribunal de Justiça de
Santa Catarina, na Apelação Criminal n° 2009.007530-3:
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N. 9.503/97. NECESSIDADE DE DAR INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA À LEI N. 11.705/2008, PARA ATENDER AOS SEUS PRÓPRIOS FINS. AUSÊNCIA DE TESTE DO BAFÔMETRO. ESTADO ETÍLICO QUE PODE SER DEMONSTRADO POR OUTRAS PROVAS. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
(...)
Com efeito, data vênia de entendimento de parcela significativa da comunidade jurídica, na qual, obviamente, o prolator da sentença absolutória se insere, a ausência do teste do bafômetro ou do exame de sangue não afastam a possibilidade de comprovação da ebriedade por outros meios, pois é sabido que podem ser supridos pelo "exame clínico feito por médico,
14 O valor da prova testemunhal é tal que, em alguns casos, pode ser usada até mesmo em contraposição à prova pericial, devendo prevalecer sobre esta. Observe-se: "A embriaguez pode ser provada não apenas pelo exame de dosagem alcoólica que não é essencial, como também pela prova testemunhal. Esta última tem até preponderância sobre aquele exame, ante a relatividade dos efeitos do álcool sobre as pessoas “ (JUTACrimSP - AC 311.583 - Rel. Dias Tatit). "Sendo relativa, para cada indivíduo, a influência do álcool, prevalece a prova testemunhal sobre o laudo positivo de dosagem alcoólica. Impõe-se a solução, eis que aquela informa com maior segurança sobre as condições físicas do agente" (TACrim - AC - Juricrim - Relator Correia das Neves Franceschini, nº 2.008).
16
que atesta ou não o estado de embriaguez, verificando o comportamento do sujeito através de sua fala, seu equilíbrio, seus reflexos etc. Na falta desses exames, a jurisprudência tem admitido a prova testemunhal" (FERNANDO CAPEZ E VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES, Aspectos criminais do Código de Trânsito Brasileiro, 2ª ed., SP: Saraiva, 1999, p. 45).
E, isso, salvo melhor juízo, mesmo após a edição da Lei n. 11.705/2008, que, para alguns, é "novatio legis in mellius", pois, considerar imprescindível a existência de teste de bafômetro para a tipicidade do crime do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro seria atentar contra vários princípios de do processo penal brasileiro, senão da lógica.
Senão, vejamos. Como constatar a dosagem alcoólica se o infrator não desejar submeter-se ao teste do bafômetro ou ao exame de sangue? E, obviamente que o legislador não se atentou para o fato de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Ao operador do direito, atento às incongruências do legislador, outra solução não resta do que lançar mão da hermenêutica jurídica para decifrar a vontade da lei em face da realidade do país e da necessidade de impor maior rigor aos infratores das normas de trânsito, não obstante as imperfeições humanas.
Nesse sentido, colhe-se da doutrina virtual (ROGER BRUTTI, A eficácia da prova testemunhal nos delitos de embriaguez ao volante. In http://www.webartigos.com/articles/ 9336/1/a-eficacia-da-prova- testemunhal- nos-delitos- de-embriaguez- ao-volante/ pagina1.html, acesso em 8.5.2009):
Por meio, pois, de uma singela interpretação, estampa-se que o Legislador, quando implementou a reforma em tela, asseverando, reclamando, protestando, anunciando o seu intuito, de forma contextual, no sentido de tornar a Lei mais rigorosa para com o condutor embriagado, fê-lo já no primeiríssimo artigo da Lei n. 11.705/2008, ao utilizar ele a cabal expressão "com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool.
Se, portanto, o desígnio claríssimo do legislativo foi o de impor maior rigor no combate à embriaguez ao volante, qual o sentido em se infundir óbice à prova testemunhal como suficiente para a constatação do seu estado etílico?! (...)
Não seria a embriaguez ao volante, sabidamente, uma das principais causas de acidentes e mortes no trânsito brasileiro? O álcool e as demais substâncias de efeitos embriagantes não
17
atuariam, como é de todos cediço, diretamente sobre o sistema nervoso central, diminuindo sensivelmente a capacidade de reação do condutor de veículo automotor e colocando, assim, a segurança coletiva em irrefutável xeque?
Pois bem. É com tijolos imperfeitos, mais uma vez fornecidos pela Excelsa Olaria do Legislativo, donde surgem os principais materiais necessários à construção e consolidação do Estado democrático e de direito anunciado no art. 1º da CF, que nos compete construir os pilares da Justiça.
De qualquer forma, não há que se olvidar que o teste do bafômetro serve apenas para comprovar a quantidade de bebida alcoólica ingerida pelo condutor do veículo, não comprovando de fato se aquela pessoa está ou não embriagada, pois, "o álcool ingerido por uma pessoa que não é acostumada a beber tem seus efeitos rapidamente demonstrados, já para outras pessoas que consomem bebida alcoólica freqüentemente, os efeitos do álcool demoram a aparecer, quando efetivamente aparecem. Contudo, o bafômetro, no processo penal, no que se refere ao crime de embriaguez do artigo 306 do Código de Trânsito, é inservível, pois, pouco importa a quantidade de bebida alcoólica ingerida pelo condutor de veículo automotor, mas, sim, se este efetivamente ingeriu bebida alcoólica, vez que, o crime exige diversas condutas do agente, entre elas, estar dirigindo veículo automotor, causar dano a incolumidade pública e estar sob a influência de álcool, na falta de qualquer um destes requisitos inexistirá o crime" (FABIANO AUGUSTO VALENTE, A utilização do bafômetro como meio de prova. In: http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3930, acesso em 8.5.2009).
Donde se conclui, na linha esboçada pela doutrina, que, fiel ao que prescreve o art. 291 do CTB, aplicando-se aos crimes de trânsito as normas gerais do Código de Processo Penal, nas infrações que deixam vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito (art. 158), mas, não sendo ele possível, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167).
É o caso dos autos, devendo ser acolhido o inconformismo ministerial, para dar prosseguimento à ação penal.
Ao CPP seguramente se aplica as regras do CTB, conforme estatuem em seus
artigos 1º, caput, e 291, caput, respectivamente. Logo, não há como negar que
18
a prova pericial exigida pelo art.306 do CTB pode ser suprida por outro meio.
Art. 291 do CTB. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.
Ademais, sendo esta a hipótese, não poderá o agente da conduta prevista no
artigo 306 do CTB, ao sofrer a persecução penal, alegar nulidade processual
em virtude da ausência de laudo, haja vista o disposto no artigo 565 do CPP.
Do contrário, estaríamos legitimando uma burla ao devido processo legal ao
autorizar que o infrator se valha da própria torpeza15.
Art. 565 do CPP. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.
Outro raciocínio nos levaria a crer que o praticante da conduta do art.306 do
CTB que se negasse a fazer o teste de alcoolemia seria punido apenas com
multa, enquanto que aquele que fizesse o teste, pessoa, portanto, menos
desobediente e menos nociva socialmente, sofreria, contraditoriamente, duas
sanções: uma administrativa e outra penal. A ofensa ao senso comum é
torturante.
Observa-se ainda que a aplicação do artigo 167 do CPP pode ocorrer não
apenas nos casos em que o infrator negar submeter-se ao bafômetro ou ceder
15 O Princípio Geral de Direito de que a ninguém é dado se valer de sua própria torpeza, ou “Nemo audiatur propriam turpitudinem allegans”, encontra-se implícito no art. 565 do Código de processo Penal: “Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.”
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amostra de sangue. Eis que, mesmo estando ele cooperativo, podem, todavia
não existir os bafômetros e nem mesmo peritos para realização de exame de
sangue.
O mau aparelhamento do Poder Público é notório. A título de exemplo,
observa-se o caso da capital paulista. São Paulo conta com uma frota de cerca
de seis milhões de veículos. Para fiscalizar a correta aplicação da Lei, a Polícia
possui, no entanto, apenas alguns bafômetros16. E estamos a falar da maior
cidade do país.
Nesses casos de embriaguez patente, portanto, mesmo sem os testes ou
exames, é plenamente possível a prisão em flagrante do condutor e a
instauração da competente ação penal mediante os meios alternativos
apontados.
4.1 OS NÍVEIS DE ÁLCOOL PRESENTE NO SANGUE
PODEM SER CONSTATADOS POR OUTROS MEIOS EFICAZES
Além disso, a jurisprudência entende que os níveis de álcool presente no
sangue podem ser constatados por outros meios eficazes, e, devem ser aceitos
como prova da materialidade do delito.
Nesse sentido:
16 Em 2008 o Estado tinha apenas 15 bafômetros. Confira em: http://g1.globo. com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL610418-5605,00-COM+FROTA+DE+MILHOES+DE+VEICULO+SP+TEM +BAFOMETROS.html. Acesso em 08 abr. 2011.
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EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 306 DO CTB. ALEGAÇÃO DEAUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL. COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ. EXAME DE ALCOOLEMIA NÃO REALIZADO POR AUSÊNCIA DE EQUIPAMENTOS NA COMARCA. REALIZAÇÃO DE EXAME CLÍNICO. I - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006). Na hipótese, há, com os dados existentes até aqui, o mínimo de elementos que autorizam o prosseguimento da ação penal. II - Para comprovação do crime do art. 306 do CTB, o exame de alcoolemia somente pode ser dispensado, nas hipóteses de impossibilidade de sua realização (ex: inexistência de equipamentos necessários na comarca ou recusa do acusado a se submeter ao exame), quando houver prova testemunhal ou exame clínico atestando indubitavelmente (prontamente perceptível) o estado de embriaguez. Nestas hipóteses, aplica-se o art. 167 do CPP. III - No caso concreto, o exame de alcoolemia não foi realizado ante a recusa do paciente. Entretanto, foi realizado exame clínico . Desta forma, considerando que não houve a produção de prova em sentido contrário, seria demasiadamente precipitado o trancamento da ação penal.Ordem denegada.( HC n. 150445 / PB, Quinta Turma, Relator: Min. Felix Fischer, Julgado em 18/02//2010, Publicado em:DJe 19/04/2010).
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 306 DO CTB. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL. COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ. EXAME DE ALCOOLEMIA NÃO REALIZADO POR AUSÊNCIA DE EQUIPAMENTOS NA COMARCA. REALIZAÇÃO DE EXAME CLÍNICO. I - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel Min.
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Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006). Na hipótese, há, com os dados existentes até aqui, o mínimo de elementos que autorizam o prosseguimento da ação penal. II - Para comprovação do crime do art. 306 do CTB, o exame de alcoolemia somente pode ser dispensado, nas hipóteses de impossibilidade de sua realização (ex: inexistência de equipamentos necessários na comarca ou recusa do acusado a se submeter ao exame),quando houver prova testemunhal ou exame clínico atestando indubitavelmente (prontamente perceptível) o estado de embriaguez. Nestas hipóteses, aplica-se o art. 167 do CPP. III - No caso concreto, o exame de alcoolemia não foi realizado por inexistência de equipamento apto na comarca, e não houve esclarecimento da razão pela qual não se fez o exame de sangue. Entretanto, foi realizado exame clínico. Desta forma, considerando que não houve a produção de prova em sentido contrário, é demasiadamente precipitado o trancamento da ação penal.Ordem denegada. ( HC 123374/MT, Quinta Turma, Relator: Min. Felix Fischer, Julgado em 06/10//2009, Publicado em: DJe 07/12/2009).
HABEAS CORPUS. CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL NO ORGANISMO VERIFICADA POR "BAFÔMETRO". EXAME ALEGADAMENTE IMPRECISO. TESTE DE SANGUE ESPECÍFICO NÃO REALIZADO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL COM BASE NESSE FATO. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE COMPROVADA, SEM ESTREME DE DÚVIDAS, POR CRITÉRIO VÁLIDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.1. Segundo o art. 306 do Código de Trânsito Nacional, configura-se o crime de embriaguez ao volante se o motorista "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".2. Realizado o teste do
22
"bafômetro" e verificada concentração alcoólica no ar dos pulmões que corresponde a concentração sanguínea superior ao que a lei proíbe, não se pode falar em ausência de justa causa para a persecução penal. 3. A mera alegação de imprecisão no teste do bafômetro não pode sustentar a tese defensiva, mormente no caso, em que a quantidade de álcool no ar dos pulmões (1,02 mg/l) corresponde a aproximadamente 20 dg por litro de sangue - mais de três vezes a quantidade permitida -, não se mostrando crível que o Paciente dirigia sóbrio. 4. "A prova da embriaguez ao volante deve ser feita, preferencialmente, por meio de perícia (teste de alcoolemia ou de sangue), mas esta pode ser suprida (se impossível de ser realizada no momento ou em vista da recusa do cidadão), pelo exame clínico e,mesmo, pela prova testemunhal, esta, em casos excepcionais, por exemplo, quando o estado etílico é evidente e a própria conduta na direção do veículo demonstra o perigo potencial a incolumidade pública, como ocorreu no caso concreto." (STJ, RHC 26.432/MT, 5.ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 22/02/2010.) 5. "O crime do art. 306 do CTB é de perigo abstrato, e para sua comprovação basta a constatação de que a concentração de álcool no sangue do agente que conduzia o veículo em via pública era maior do que a admitida pelo tipo penal, não sendo necessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva de sua conduta." (STJ, HC 140.074/DF, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 14/12/2009.) 6. Ao cotejar-se o tipo penal incriminador indicado na denúncia com a conduta supostamente atribuível ao Paciente, vê-se que a acusação atende aos requisitos legais do art. 41 do Código de Processo Penal,de forma suficiente para a deflagração da ação penal, bem assim para o pleno exercício de sua defesa, mormente porque comprovada a materialidade do delito, sem estreme de dúvidas. 7. "O reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de 'habeas corpus', reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível,impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal" (STF, HC 94.592/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 02/04/2009). Na hipótese, ao contrário, há indícios nos autos de que os fatos ocorreram como descritos na denúncia, razão pela qual não há justificativa para o trancamento da ação penal. 8. Habeas corpus indeferido.( HC 155069 / RS, Quinta Turma, Relatora: Min. Laurita Vaz, Julgado em 06/04/2010. Publicado em: DJe 26/04/2010).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TIPICIDADE. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART.
23
306 DA LEI 9.507/97. RECUSA AO EXAME DE ALCOOLEMIA. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE PREENCHIDO ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO - CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL DO SANGUE. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME ESPECÍFICO PARA AFERIÇÃO DO TEOR DE ÁLCOOL NO SANGUE SE DE OUTRA FORMA SE PUDER COMPROVAR A EMBRIAGUEZ. ESTADO ETÍLICO EVIDENTE. PARECER MINISTERIAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO DESPROVIDO.1. O trancamento de Ação Penal por meio de Habeas Corpus,conquanto possível, é medida de todo excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.2. A ausência de realização de exame de alcoolemia não induz à atipicidade do fato pelo não preenchimento de elemento objetivo do tipo (art. 306 da Lei 9.503/97), se de outra forma se puder comprovar a embriaguez do condutor de veículo automotor. Precedentes. 3. A prova da embriaguez ao volante deve ser feita, preferencialmente, por meio de perícia (teste de alcoolemia ou de sangue), mas esta pode ser suprida (se impossível de ser realizada no momento ou em vista da recusa do cidadão), pelo exame clínico e, mesmo, pela prova testemunhal, esta, em casos excepcionais, por exemplo, quando o estado etílico é evidente e a própria conduta na direção do veículo demonstra o perigo potencial a incolumidade pública, como ocorreu no caso concreto. 4.Recurso desprovido, em consonância com o parecer ministerial.(RHC 26432 / MT, Quinta Turma, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 19/11/2009, Publicado em: DJe 22/02/2010).
24
5 PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA
A doutrina dita garantista pode argumentar, como o faz em casos tais, que o
ônus é do Estado e que o cidadão não pode ser responsabilizado pelas
deficiências administrativas. Todavia, não podemos perder de vista que o
objeto da norma é a proteção de toda a sociedade. Assim, se o que se quer é a
garantia de direitos, a vedação do uso de outros meios de provas, in casu,
impede o resto da coletividade de ter garantidos os seus.
Temos, então, que é a proteção de todos os direitos que deve ser buscada.
Não é lícito ao jurista fechar os olhos para a realidade, as deficiências do Poder
Público não podem ser causa de danos à coletividade. Se há meios de se
preservar todos os direitos, por que se valer de uma interpretação individualista
da Lei? Por que premiar a irresponsabilidade, se a persecução penal lícita pode
ser garantida sem prejuízo ao perseguido?
Ademais, o princípio constitucional mais relevante a ser justificado para a
correta interpretação da lei n.. 11.705/08, é o princípio de conservação da vida
como bem maior do indivíduo, visto que tem o maior peso, e não o princípio da
liberdade individual. A vida deve ser preservada a qualquer custo, por isso a
nova lei em vigor busca em sua essência proteger o cidadão contra atos
exercidos por indivíduos que resultarão em prejuízos não somente de ordem
financeira, mas à integridade do cidadão e a garantia de uma vida com
independência, segurança e liberdade.
Do ponto de vista jurídico como também lógico, as alegações daqueles que
defendem que a aplicação do direito penal está condicionada à comprovação
da quantidade mínima de álcool no sangue, de tal sorte que se não
comprovada essa quantidade mínima, não estará demonstrada a tipicidade da
conduta, e, que essa quantidade só pode ser demonstrada por meio de
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exames de dosagem alcoólica no sangue ou de dosagem alcoólica no ar
pulmonar17, não prosperam. Uma vez que, não obstante seus pressupostos
sejam amplamente sustentáveis, trazem em seu bojo a possibilidade absurda
de que qualquer indivíduo poderá dirigir embriagado, pois não será possível ser
atingido pela lei penal, tendo em vista que mesmo estando disposto a assumir
as conseqüências de seu ato, poderá por vezes não atingir o tipo penal, devido
à impossibilidade de realização do exame, ante a precária distribuição de
etilômetros. E muito pior, uma pessoa mais aventurosa poderia colocar em
risco sua própria vida, daqueles que porventura estiverem lhe acompanhando
em seu veículo, e ainda, a vida de pessoas inocentes que trafegam pelas vias
públicas, já que tem conhecimento de que poderá consumir álcool em doses
acima do permitido, pois não terá conseqüências no mundo penal, visto que
não produzirá prova contra si mesmo.
Outro argumento extremamente relevante, seria a interpretação lógica
sistemática com o direito civil, especificamente no caso de investigação de
paternidade. Isto porque, nessa seara, já se pacificou que a recusa do suposto
pai à realização do exame de DNA, induz presunção de paternidade, conforme
já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 301)18. O que sustenta
tal presunção é o argumento de que o direito do indivíduo de saber quem é o
seu próprio pai prevalece sobre o direito à intimidade e liberdade do suposto
pai.
Ora, se tal presunção poderá ser feita em casos de filiação, incoerente seria
rejeitá-la na esfera penal, que visa punir os condutores alcoolizados que
colocam em risco a vida da população. Mais absurdo ainda seria negar o
suprimento da prova pericial por outros meios de prova para aqueles que se
recusam a realizar os testes de alcoolemia. Nesse caso, em razão dos
17 GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Crime de embriaguez ao volante e ativismo punitivista do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2428, 23 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/ 14396>. Acesso em: 8 abr. 2011.
18 Sumula 301 do STJ; ”Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum de paternidade”.
26
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o direito de proteção à vida
dos indivíduos da sociedade deverá prevalecer sobre o direito de inocência do
indivíduo que se recusa a submeter aos testes de alcoolemia.
O que se pretende não é obrigar o condutor sob suspeitas a realizar o exame,
ou seja, produzir prova contra si mesmo, ofendendo a sua liberdade, mas sim
que, uma vez negada a submissão ao exame, o nível alcoólico acima do
permitido possa ser constatado através de prova testemunhal e exame clínico
efetuado pelos agentes de trânsito.
27
6 FORMAS DE ATESTAR A EMBRIAGUEZ
É de suma importância destacar que a prova testemunhal e o exame clínico
são instrumentos perfeitamente hábeis para constatar o nível de álcool acima
do permitido para condutores de veículos.
Nesse sentindo, a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET),
através de estudo detalhado, inserido no laudo da Doutora Milene Sandra
Saldanha Caldeira Numn19, demonstra que, através de constatação de
determinados sintomas, pode-se verificar com clareza a quantidade de álcool
que o indivíduo apresenta no sangue, conforme os efeitos por dose no sistema
nervoso central (dg de álcool/litro de sangue):
Euforia (3 a 12%): perda da autocrítica, excesso de autoconfiança; perda da
concentração e atenção; rubor fácil; dificuldade de movimentos finos como
escrever ou assinar seu nome;
Excitação (9 a 25%): pode se tornar sonolento; dificuldade para entender e
lembrar fatos (mesmo os mais recentes); não reage prontamente às situações;
movimentos incoordenados; perda fácil do equilíbrio; visão turva; perda de
audição, paladar, sensibilidade, etc;
Confusão (18 a 30%): profunda confusão- não sabe onde está e o que está
fazendo; vertigens e quedas; condição emocional exacerbada, agressividade,
valentia, violência; fala, visão e percepção prejudicadas; incoordenação, pouca
resposta a estímulos dolorosos; náuseas e vômitos ocorrem com freqüência;
Estupor (25 a 40%): movimentos seriamente prejudicados; lapsos de
consciência, podendo adormecer e entrar em coma; totalmente desatento;
19 Milene Sandra Saldanha Caldeira Numn (analista do Ministério público de Minas Gerais-Médica-CRM/MG 31921)
28
alheio ao meio, passagem do tempo e ações;
Coma (35 a 50%): inconsciência; abolição de reflexos; respiração lenta e
superficial. ritmo cardíaco irregular, podendo ocorrer óbito neste estágio;
Morte (maior que 50%): o álcool causa falência do Sistema Nervoso Central
resultando em morte.
Para melhor elucidar, vejamos a seguinte tabela que demonstra os sintomas
clínicos de quem ingeriu álcool, conforme os níveis indicados por exame de
sangue ou bafômetro:
Tabela 1: Estágios da intoxicação pelo álcool
BAC
(g/100 ml de sangue
ou g/210 l de ar
respirado)
Estágio Sintomas clínicos
0.01 - 0.05 subclínico Comportamento normal
0.03 - 0.12 Euforia
Euforia leve, sociabilidade,indivíduo torna-se mais
falante.
Aumento da auto-confiança, desinibição, diminuição
da atenção, capacidade de julgamento e controle.
Início do prejuízo sensório-motor
Diminuição da habilidade de desenvolver testes
0.09 - 0.25 Excitação
Instabilidade e prejuízo do julgamento e da crítica
Prejuízo da percepção, memória e compreensão
Diminuição da resposta sensitiva e retardo da
resposta reativa
Diminuição da acuidade visual e visão periférica
Incoordenação sensitivo-motora, prejuízo do
equilíbrio
Sonolência
29
0.18 - 0.30 Confusão
Desorientação, confusão mental e adormecimento
Estados emocionais exagerados
Prejuízo da visão e da percepção da cor, forma,
mobilidade e dimensões
Aumento da sensação de dor
Incoordenação motora
Piora da incoordenação motora, fala arrastada
Apatia e letargia
0.25 - 0.40 Estupor
Inércia generalizada
Prejuízo das funçõesmotoras
Diminuição importante da resposta aos estímulos
Importante incoordenação motora
Incapacidade de deambular ou coordenar os
movimentos
Vômitos e incontinência
prejuízo da consciência, sonolência ou estupor
0.35 - 0.50 Coma
Inconsciência
Reflexos diminuídos ou abolidos
Temperatura corporal abaixo do normal
Incontinência
Prejuízo da respiração e circulação sanguínea
Possibilidade de morte
0.45 + Morte Morte por bloqueio respiratório central
Fonte: Efeitos do álcool. Disponível em:< http://www.alcoolismo.com.br/artigos/efeitos.htm>.
Acesso em 11/11/2011.
A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), indica os testes
de sobriedade que poderão ser aplicados pelo agente de trânsito treinado,
quais sejam:
I) Equilíbrio estático (sinal de Romberg):
O examinado deve permanecer de pé por 2 minutos com os pés em planos
paralelos, juntos, mas sem se tocarem, inicialmente com os olhos abertos e
30
depois fechados. Em condições normais o equilíbrio não se altera. Quando
embriagado, o examinado oscila com tendência a queda para um dos laudos.
II) Andar em linha reta:
Com os olhos abertos, o examinado deve caminhar em determinado sentido,
depois retornar sobre seus passos ou mudar imediatamente a direção da
marcha, segundo as ordens do agente de trânsito. A marcha da pessoa
embriagada (ebriosa) caracteriza-se pelo aumento da base de sustentação e
tendência a desvios de direção, incoordenadamente corrigidos.
II) Coordenação dos movimentos:
a) Diadococinesia: Inversão sucessiva da situação das mãos: os membros
superiores são estendidos para frente e a superfície palmar de ambas as mãos
é voltada para baixo e para cima sucessivamente e no plano horizontal.
b) Indez-Nariz: Na prova índex-nariz solicita-se ao examinado para estender e
encolher os braços e, a seguir, colocar os dedos indicadores no nariz,
repetidamente de olhos abertos e, a seguir, de olhos fechados. Durante o
movimento, observa-se a harmonia, a medida e o aparecimento de tremores.
A intoxicação alcoólica aguda faz com que estas provas se alterem, indicando
que há incoordenação dos movimentos.
IV) Movimento dos olhos (nistagmo)
Observar oscilações repetidas e involuntárias rítmicas de um ou ambos os
olhos que podem estar presente nas intoxicações alcoólicas agudas.
Conforme se depreende das informações acima, será perfeitamente possível
constatar, através da análise dos sintomas que o condutor apresenta, qual o
nível de álcool que o mesmo apresenta no sangue. Trata-se de fatores
31
totalmente perceptíveis por qualquer pessoal, independentemente de
conhecimentos técnicos, que poderão se identificados através de exames
clínicos realizados através dos testes acima mencionados e comprovados, com
segurança, por depoimentos de testemunhas.
Como parâmetro para uso do exame indireto (artigo 167 do CPP), segue, em
anexo, parecer de n.1/2008, emitido por Perito Médico Legista do Ministério
Público do Estado de São Paulo.
32
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, temos que a conduta prevista na primeira parte20 do caput
do artigo 306 do CTB será provada prioritariamente por exame de alcoolemia.
Frustrada esta prova e desaparecidos os vestígios, terá aplicação o artigo 167
do CPP.
O consumo de pequenas quantidades de álcool provoca modificação nos
comportamentos humanos, atuando no sistema nervoso central, alterando
percepções e comportamentos, o que, no trânsito, é um perigo real à
sociedade.
Devido à embriaguez ao volante ser uma das principais causas de acidentes e
mortes em nosso país, o legislador, na tentativa de diminuir esse índice, editou
a Lei 11.705/08 como forma de estabelecer a “alcoolemia zero”. Porém, há
aqueles que deixam de aplicar a lei, por entenderem que para a caracterização
do tipo penal descrito no art. 306 do CTB só se faz por meio de exame de
sangue ou etilômetro. Porém, na verdade, não sendo possível a realização
desses citados exames, eles podem ser supridos pelo exame clínico, ou, ainda,
prova testemunhal.21
Conforme manifestou sabiamente ROGER BRUTTI, se "o desígnio claríssimo
do legislativo foi o de impor maior rigor no combate à embriaguez ao volante,
qual o sentido em se infundir óbice à prova testemunhal como suficiente para a
20 Cremos que, quanto à segunda parte, vez que o exame de alcoolemia não se presta como prova, a produção de evidências pode se dar tranqüilamente por qualquer meio lícito.
21 "exame clínico feito por médico, que atesta ou não o estado de embriaguez, verificando o comportamento do sujeito através de sua fala, seu equilíbrio, seus reflexos etc. Na falta desses exames, a jurisprudência tem admitido a prova testemunhal" (CAPEZ , Fernando; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios, Aspectos criminais do Código de Trânsito Brasileiro, 2 ed., SP: Saraiva, 1999. p. 45).
33
constatação do seu estado etílico?!22”.
Conclui-se no esboçado pela doutrina que nas infrações que deixam vestígios,
será indispensável o exame de corpo de delito (art. 158), mas, não sendo ele
possível, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá
suprir-lhe a falta (art. 167), assim aplica-se aos crimes de trânsito as normas
gerais do Código de Processo Penal, conforme prescreve o art. 291 do CTB.
Desta forma, deverão as autoridades policiais e os agentes de tráfico, ante a
recusa sem justificativa pelo motorista em realizar os exames de alcoolemia,
demonstrar o fato ao Diretor do Departamento de Trânsito para que ele tome
conhecimento, e instaure o competente processo administrativo, com o objetivo
de impor a penalidade de suspesão da licença para dirigir, conforme o artigo
277, § 3 c/c o artigo 261, ambos do Código de Trânsito Brasileiro.
22 BRUTTI,Roger. A Eficácia da Prova Testemunhal nos Delitos de Embriaguez ao Volante, Webartigos.com, 15/09/2008. Disponível em:<http://www.webartigos.com/articles/ 9336/1/A-Eficacia-Da-Prova-Testemunhal-Nos-Delitos-De-Embriaguez-Ao-Volante/pagina 1.html>. Acesso em 13 abr. 2011.
34
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setembro de 1997, que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei nº
9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à
propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos,
terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição
Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo
automotor, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20
jun. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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e 306 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito
Brasileiro, disciplinando a margem de tolerância de álcool no sangue e a
equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de
trânsito. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jun. 2008. Disponível
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