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CAPA Índice 1 wilton ilton cardoso cardoso D O B R A D O B R A ULTIMA ULTIMA

2012 Ultima Dobra

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Poesia

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CAPA

Índice 1

wwiltonilton

cardosocardoso

DOBRA

DOBRA

ULTIMAULTIMA

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FOLHA DE ROSTO

Wilton Cardoso

ÚLTIMA DOBRA

Este livro é copyleft. Sua reprodução total ou parcial é autorizada pelo autor, exceto para fins comerciais.

Goiânia – 2013

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NOTA DO AUTOR

Poemas publicados originalmente nos blogs Vida Miúda e Minutos de Feitiçaria, entre setembro de 2010 e abril de 2012.

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ESTELA MARIANA

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ÉPICA SUAVE

eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa(cecília meireles)

os poetas de ponta montam seus poemas

com as técnicas mais extremas os de sempre se afundam

refinando seus abismos que se infindam no eterno

e os poetas de hoje nos mostram o inferno

do mundo pós-moderno

estão todos certos meu deus quem sou eu pra dizer

aonde está a poesia? "nunca ninguém se perdeu"

a poesia é o vento que sopra neste jardim um frêmito de vida arrepia a pele do caos e vai sem se deixar

a minha voz é um jeito de beijar e ecoar por outras vias (outras idas e vidas) o breve desta brisa

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corro estes riscos em nome da bravura e do vento que mal nascido num instante se perdeu mas enquanto existiu contra o caos arremeteu com todas as suas forças a sua suavidade

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O INFERNINHO AO LADO

Cadê você que nunca mais apareceu aqui(Odair José)

A poesia pulsa no ar numa simples canção de ninar no coração dos infantes crescidos.Lira tosca das ralés,pobre de rimas e ideias,rica de cifras e famas,tão piegas e mesma que me chega como um mantra,que me acalma da palmaà alma una com as gentes.

Sou toda continentes...

Como amo estas canções que me levam para a cama todo fim de semana!

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MULHER SENTADA NO SOFÁ

Os traços de audiência,as medidas de tráfego em tempo real. O mundo está vertiginoso, tudo rápido e a um clique.Não pisque, no próximo segundo será outro o mesmo mundo,nenhum movimento escapa das câmeras e sensores.

Perde-se apenas o instante de silêncio de uma flor que brilha o seu olor num canto obscuro desta sala de estar.E se esvai – alada – ao nada alheia ao nosso olhar.

O seu suave silêncio (onda invisível que escapa do mundo e me toca) me fala e me cala,me ala aonde não... Estou fora de mim.

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OLHARES

O olhar daquela velha fascinada com a beleza brega e delicada do estampado de um vestido de feira

O olhar do menino perdido entre o carrinho Made in China e o que ele imagina que aquilo tudo (carrinhos homens de plástico caixa de brinquedo) seja

O olhar do doidinho que passa cantando em inglês sujo e magricela dentro dos trapos que cruzam a cidade sem destino de um confim ao outro de suas ruas

O olhar do bêbado que cambaleia as suas ruínas rumo a uma dose a mais do outro lado da esquina enquanto uma buzina o avisa que já é rua

O olhar desse eu que se desata numa estranha ao mesmo tempo eu mesma nos meus(?) sonhos mais poéticos (e fugazes) de qualquer poesia que se faça

O olhar calado daquele velho diabo afundado na calçada da Anhanguera à espera do brilho sonoro de mais uma moeda batendo no fundo de sua caneca de lata

O olhar dos amantes que desabam o peso do amor nos corpos um do outro e voam leves livres do peso do mundo

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NUM PISCAR

Poeira entra em meus olhosNão fico zangado não(Pena Branca e Xavantinho)

Sinal vermelho, motores inquietos, trânsito nervoso, cidade esquizofrênica, país paranoico.É o mundo pós-moderno.*

De dentro do pendrive dois anjos de ébano cantam um mundo que não existe mais.O mundo de meu pai e do pai de meu pai, que não existe mais. Uma lágrima cai...

Abriu!

*eterna sensação de circo para o olhar, de cisco nos meus olhos.

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MISTÉRIO NO CIRCO MAMBEMBE

A moça bela e esbelta dançava com lascívia quando o pano se abria, dançava e enfeitiçava no número de magia, dançava com alegria quando o pano baixava.

A outra moça vendia maçã do amor e pipoca na barraca lá de fora.O seu olhar era meigo e era doce, a sua voz tão tímida só a fazia mais bela, como a poesia que só se diz por inteira se a palavra silencia.

Se a dançarina surgia a vendedora sumia...E se esta me sorria com seu olhar de ternura,era o fogo dos olhos de lua da bailarina que sumia.

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TÊ-LO

você me deixa sem palavras apenas o desejo teso e o gosto molhado de um beijo das águas da lembrança irrigando-me os desertos deste corpo pleno de miragens

INSONE

não quero dormir,o travesseiro é um abismo cuspindo fantasmas da noite do meu dentro (que não acaba)

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BÊSAME MUCHO

esta noite sonhei contigo nada de novo: tu não me deste o beijo que eu pedia

hoje acordei com o gosto amargo do beijo que você me negou e se você me desse que gosto teria o beijo de um sonho que também seria um beijo negado?

mas minha boca já se esqueceu desses gostos febris da noite que passou das miragens do meu sono conturbado e a única coisa a arder na sua memória volúvel de boca voluptuosa do que não houve (ou houve? em eco ao menos…) é o gosto inteiro de ti que a tua boca despeja na minha neste beijo agora quando sonho acordada

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INFINITUDE

E se fôssemos eternos Nesta vida? O eterno cisco Contemplando a sua infinita Pequenez na amplidão insensível De gentes, galáxias e vácuo…

Prefiro ser Plena e eterna na outra Vida em que vou me encontrar Com a alma ida dos meus Amigos e entes queridos E me esquecer, no seio de Deus, Desta vida que só faz doer.

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PRECISÃO

Preciso de ti... Ah! se esta necessidade dissipasse o espaço que nos separa, e mais que o espaço, fizesse evaporar a montanha de mágoas e adagas que se ergue entre os corpos que se querem pele e pele.

Preciso de ti não para me recostar em ti, não procuro conforto nem consolo. Preciso de ti porque preciso existir com todas as minhas forças e fraquezas abertas ao abraço de um outro abraço.

E só o teu abraço tem a chave precisa dos meus braços e me abre todas as portas e janelas, despertando as horas de uma nova aurora.

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QUARTO MINGUANTE

Noite quente, noite fria, janelas abertas, cobertores, não aliviam os ardores do meu corpo que arrepia só. Eu nua sobre o gelo desta cama que me queima.

Estrelas se estendem nos vazios da minha pele, luas nas unhas, os cabelos voam caudas de cometas.Os olhos, buracos negros, se esqueceram das galáxias que se beijam num abraço instantâneo de anos-luz.

Galáxias se afastam para sempre. Mas ainda ecoa luz no escuro quarto em que me queimo...

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MANHÃ

Cavalgo entre o sono e a vigília, por entre os pelos de um prado banhado de sol e luar, por entre nuvens de cabelos, em meio ao vento de nossas vozes uivando auroras longes que ainda ecoam no corpo que vibra. Um ardor rompe o sonho e enche o ar. O quarto irradia luz e frescor.

GRAVIDADE ZERO

esse amor suspenso essa órbita exata nem mergulha nem se afasta nem some nem consome nem vive nem mata dor que não sara coceira urticária não larga de mim ou sou eu que não largo nem roo esse osso que dói lá no osso vazio da alma?

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MELÔ DO CAIPIRA

Trabalho? Trabalho é coisa de servo, de escravo, de burguês e operário, esta gente infeliz aprisionada numa dessas máquinas de compassar o ritmo do mundo e demarcar os limites da vida.

PRA ENGANAR O TEMPO

Quando eu era jovem vivia debruçada sobre a morte,num misto de assombro e veneração.Mas era tudo fake(como dizem os jovens de hoje).Havia vida demais em mime a vida é leve(que rima com alegre).E eu queria parecer grave como os velhosque sabem que vida é breve (esta rima indesejada).

Agora que os meus estão partindo e eu mesma vislumbro a margem do abismo,só quero falar de vida,beber a vida,viver da vida! Ah! vida (continuo fake).

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MIGALHAS DE AMOR ETERNO

Quanto poeta no mundo! Tem muito padre e pastor pregando na igreja vazia de Nossa Senhora da Poesia a sua fé engajada, profunda ou construída com rigor... Tem até poesia punk! Ave Maria, cruz credo, poeta hoje é mendigo em trapos de blog ou de livro pedindo migalhas de ouvido que o povo só gasta em canção.

Eu vou é voltar pra Morrinhos, lá sou amiga do rei, serei a maior e terei a eternidade que escolherei...

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BRISA BREVE

Prof. Bretas entrava na sala de aula, manquitola, já meio recostado no vazio em que seu corpo lento se esvaía e dizia pausado, voz cambaleante: Machado, Eça, Bilac, Correia, estes são grandes,são eternos, essa poesia futurista que anda na moda não vale a unha de um “Plenilúnio”.E tossia uma tosse seca de reumático por entre baforadas de cachimbo.

Eu gostava daquele velhinho carrancudo e mal resolvido na vida,

solteirão que se jogou inteiro no mundo dos livros em busca sabe-se lá do quê. Diziam que era beato, bruxo, mal amado... Diziam até, em voz muito baixa, que não era dado a

mulheres, como Padre Estevão, que por sinal era seu amigo.

Mas por que ando remoendo coisas antigas de Morrinhos? Ah! Aquela folha no ar rodopiando no vento frio de maio, breve instante desvelado só a mim, por um acaso. Por um acaso me lembrei de ti velho mestre, talvez porque fora pleno o instante frágil de uma folha ao vento, como eram plenos os momentos

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de tuas aulas sobre sobre os grandes escritores eternos que caíram no vazio como o senhor, como a folha e suas núpcias com o vento, como eu cairei.

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SABER DE SOMBRAS

eu não existo a não ser no vento que te sopra o sonho que te varre dentro

eu não existo a não ser no vento pulsando fora do tempo insisto no ritmo do meu descompasso do meu desalento

uma voz que voa baixo cada vez mais baixo rumo aos seus abismos

uma voz que leva uma luz de lua não devolve aos olhos a paisagem sóbria só um saber de sombras

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REDE À DERIVA

existir é escorrer no rio do tempo somos resíduo que em nós se retém conjugado com as marcas do mar que passou e nos pui (sem o vermos)

OUTRA MANHÃ

As flores de novembro se espalham às margens da ruanos lotes baldios do bairro. Cores e perfumes chamam abelhas e borboletasna manhã que se insinua.

Meus olhos e narinas zunem sob o sol, sou a metamorfose, chama renascida das cinzas.

As flores de novembro, chamas de cores e olores plantadas num campo de nuvens, me voam na manhã suave, enxame de luz e ar que me queima, que me chama.

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UM HAI KAI

várzea branca de neblina

as nuvens no chão

visitam o velho brejo

O SALTO

um segundo

fora do mar

(vislumbre)

um mundo

fora do ar

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ERÊSao andré luiz

são crianças perdidas nas ruas da noite caminhando sem blusa na madrugada insone

o sol sob os pés a cabeça na lua seja dia ou noite se consomem no frio

são crianças esquecidas de crescer os sorrisos de prata de uma lua tão pura os olhos de ouro de um sol tão intenso

a pureza é sem preço e não há quem suporte o seu peso tão leve e os seus vastos espaços na alma vazia povoada apenas de sombras solares e luzes de luas

são crianças voando nas asas das nuvens

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navegando as brumas de um si-mesmo esquecido à esmo partido e estendem as mãos pequeninas às fadas que as acolherão

que as aquecerão

TROUVEUR

sua voz sabe muito mais que ele mesmo

seu corpo quase não suporta o peso o corpo não foi feito para o vácuo das palavras que desabam em/de sua boca involuntária

dádiva ou maldição?

Proseando:

Sua voz sabe muito mais que ele mesmo. Seu corpo quase não suporta o peso, o corpo não foi feito para o vácuo das palavras que desabam na/de sua boca involuntária. Dádiva ou maldição?

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PARCA POESIA

Os poetas são vaidosos – quem não é? Mas há poetas que se gastam inteiros Nos campeonatos nacionais e mundiais Dos gênios do lirismo. São peões da grandeza e do eterno.

Mas há poetas que sabem, amargamente,De sua vaidade. Estes sabem-se reles Homens, como toda a gente. Sabem que os desejos e as frustrações E as pequenas alegrias da vida Têm a mesma grandeza e a mesma Precariedade das almas que passam Vaidosas – e apreensivas – pelas parcas Linhas de vida de seus corpos.

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MARINHA

Não quero decifrar o mistério. Não quero me lembrar das chaves. Nem mesmo recortar sentidos do seu manto fluido e me vestir de motivos bem cerzidos. No murmúrio em que me elevo como onda irrelevante, relevo sem coordenadas, quero apenas tecer a linha tênue do meu dorso de espumas com as forças que tenho. Gozo de ondear antes de ser outra voz outra vez, murmúrio, mistério e esquecimento, mar.

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SOMBRA E ECO

Para ser a maior, para fazer perfeitoou para atingir o nunca feito?

Apenas um voo rasteiro do corpo no abismo do vácuo.Sombra e eco na caverna sem luz nem voz de fato.

Apenas o corpo, fogo- fátuo no mar infinito e sem fundo do amor fluido e mineral. Água e sal corroendo os sentidos.

O corpo se de- batendo contra a plenitude dos vazios. O corpo se des- fazendo em fios que ainda pulsam . Pulsam no voo cego e si- lente das duas asas – sombra e eco – de uma ave-peixe, de um morcego a- penas.

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FRANCO ÁTILA

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A ERVA ONISCIENTE II: 3 MISSAS

O padre católico

Ai de ti irmão Se você gozar Ai de ti irmão Se você gozar Ai de ti irmão Se você gozar Vai ter que rezar Dez aves marias E cem padre nossos Se autoflagelar E a má consciência A má consciência Ah! a má consciência Vai te acompanhar Até o fim dos teus dias O seu inferno Vai começar Ainda na terra Aqui nesta vida irmão Se você gozar

O padre hedonista (o publicitário)

I

Você tem que comer todas meu irmão E gozar todas as vezes que comer

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Fazendo-a gozar e querer mais e mais E você irmã Se não der pra todo mundo Ai de ti Se ao dar Você não gozar Não se lambuzar inteira Não uivar por todas as tuas bocas Oh my God! Vai malhar irmã-o Pra todo mundo querer foder sonhar gozar com este corpão

sarado E bronzeado Ai de ti Se cada poro Cada boca Cada neurônio cada sinapse do teu corpo Não (fazer) gozar

II

Ai de ti se todos os dias da tua vida Se todas as horas do teu dia Se cada minuto e cada segundo não for de alegria Vá para o Hot Park e a Disneylândia Ligue a televisão no domingo e curta o jogo e o Gugu Goze a cada gol e pegadinha No meio da multidão No show da Ivete todo mundo pulando E bebendo e dançando e beijando na boca e explodindo de

alegria Vá ao shopping irmão e se empanturre de fast food e

diversão Com sobremesa de roupa nova e quinquilharias high tech

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Limpe a boca com cartão de crédito e fume um Hollywood (pra relaxar)

Ou um trago de maconha ou coca (cola ou pura) Se viciar é só internar Não é tão caro assim (e pode pagar no cartão) Nada de angústia ou tristeza irmão Mas se isto acontecer (acontece nas melhores famílias) Consulte um médico e tome direitinho seu antidepressivo Combinado com Lexotan (pra relaxar)

O padre pragmático (o pastor evangélico)

Não seja viado Ai daquele Que goza do lado errado Até se casar não coma ninguém meu irmão Depois coma apenas sua mulher E pode gozar (mas comedidamente) E você irmã principalmente você Case virgem case virgem case virgem Repita o mantra comigo Vou casar virgem... casar virgem... virgem... Dê a buceta só ao marido (e só a buceta) Pode gozar (mas você sabe: nada de uivos nada do corpo se

contorcer Como gatacadela no cio Você sabe irmã: somente um gozo suave e silencioso) E poupem irmãos Poupem para o futuro e para o dízimo E não se envergonhe irmão se entre os irmãos Você prosperar É a graça de Deus o prêmio de Deus ao filho de Deus Que mais ama e serve e teme ao Pai

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Agradeça dobrando o dízimo E goze a grana No mais siga a segunda parte Da missa do publicitário Afinal a vida Também é pra se gozar (A vida irmã-o Não as genitálias Lembre-se: você é cristã-o)

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DA ESSÊNCIA HUMANAcharleskarlfriedrichsimunggilles

um cão ou comeou fode

o homem não é o cão e mais muitos modos de produção de Dopamina sua deusa onipotente

em seu louvor comem e fodem variando as fodas (e as comidas) compram e bebem cheiram e fumam jogam trabalham juntam cobres nomeadas e rebanhos dizimam-se bajulam amos e rezam cantam contam dançam e pintam o sete como crianças malcriadas

e como os cães não saciam-se jamais

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(e quanto mais bebem do vinho da deusa alegre e fácil mais se aviva neles a sede que os faz viver e fenecer)

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O CAVALO ARREADO

Os homens e as mulheres seriam animais tristes (Paulo Honório / Graciliano Ramos)

por todos os santos e demônios que há no mundo evoquemos misticismos e ateísmos para um gole de gnose química e alquímica no alambique da loucura com a taça da anarquia mas não toda a nossa imaginação está concentrada em engenharias gerenciais de tornar o corpo mais eficaz ah! religião ardorosa da dor ah! felicidade extrema da autoflagelação preferimos o cálice da paz de uma loucura lenta e civilizada!

sabemos consertar e prolongar a vida útil do corpo (essa máquina de desejos) para entregá-lo mais saudável às engrenagens da eficácia (consumindo-se no gozo das orgias rotineiras do consumo) inventamos motores e chips e lamentamos por tomarem nossos postos de trabalho (o caralho com o trabalho) fizemos uma civilização de merda de merdas que se matam por uns trocos que se matam por poder e mais valias mais um povo de peões e capatazes rebanho de si mesmo preso por coleiras estatísticas e amarras da produtividade

ascensional

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e rituais de mensurações da aprendizagem para a perfeita comunhão com as novas ferramentas que

virão em número e velocidade crescentes somos a sociedade do conhecimento um povo crente que se entrega (cego) ao (cego) deus da

eficiência um povo de escravos

e podíamos ser o povo do ócio cultivando a preguiça nirvânica dos vagabundos e o ímpeto impiedoso dos nobres a cada um a sua vontade de potência ou impotência de ócios e cios – faz o que tu queres é tudo da lei eu vejo o cavalo de pasárgada passar arreado diante de nós ocupados demais em nos dignificarmos com o trabalho em atingirmos a perfeição capital do escravo ideal

GIRO EM FALSO

a rosca do parafuso

da vida vem espanada

da fábrica do cosmo

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OS NERVOS DO NIRVANA II

a poesia é uma masturbação secreta praticada por monges pervertidos às portas da buceta das nuvens que eles não conhecerão jamais

os poetas batem punheta no meio da rua mendigos invisíveis pedindo esmola com murmúrios inaudíveis as palavras gozam em silêncio as sacolas passam e far

falham as peruas e cocotas vão às compras ao salão de beleza homens de negócios entram no cio com a última pickup da moda oh my god as palavras urram na voz muda

do vate que esporra o poema no cu do mundo/ nada perturba o imperturbável gênio ilu minado em seu nirvana pop em meio às calçadas mijadas pelo vômito bêbado dos que perambulam

os buracos negros do asfalto manto esburacado e inconsútil que cobre a cidade de um sem fim ao outro o corpo impuro e ávido

pelas carícias sacanas desses mudos murmú rios sujos de merda e porra que brotam das bocas malditas

de seus ardentes amantes/ monges/mendigos punheteiros

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em versos longos:

A poesia é uma masturbação secreta praticada por monges pervertidos às portas da buceta das nuvens que eles não conhecerão jamais.

Os poetas batem punheta no meio da rua, mendigos invisíveis pedindo esmola com murmúrios inaudíveis.

As palavras gozam em silêncio. As sacolas passam e farfalham. As peruas e cocotas vão às compras, ao salão de beleza. Homens de negócios entram no cio com a última pickup da

moda. Oh my god, as palavras urram na voz muda do vate que

esporra o poema no cu do mundo. Nada perturba o imperturbável gênio iluminado em seu

nirvana pop em meio às calçadas mijadas pelo vômito bêbado dos que perambulam os buracos negros do asfalto, manto esburacado e inconsútil que cobre a cidade de um sem fim ao outro.

O corpo impuro e ávido pelas carícias sacanas desses mudos murmúrios sujos de merda e porra que brotam das bocas malditas de seus ardentes amantes/monges/mendigos punheteiros.

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ODE A CHAOSHIP

Os céus se dobram nas telas Janelas do Chaos para as constelações abertas no intramundo Uma nuvem de pragas aladas prolifera na atmosfera Despejando uma chuva elétrica Poeiras de silício e mares de silicone Ó galáxias de minhas sinapses prolongadas Ó sóis dos meus neurônios atônitos Ó cidades do meu cérebro derruído Ó lixões do espírito Montanhas infinitas de riscos e ruídos Nos bares mais xexelentos das quebradas Programadores lixam os muros de bytes Subindo em abismo até as fuças de Deus

Os pedreiros de Chaoship Os servos de Chaoship As nuvens douradas nos vestem de invisível O esgoto dos mercados nos fisgam Pelas narinas O cheiro verde do ouro O cheiro negro do ouro O cheiro inodoro A ascese do fluxo ascético Adorado na esbórnia puritana pelos ascetas da liquidez Ah paredes de tinta e nuvens Pó de estrelas de videogames intergalácticos No quarto estelar e seu mundo infinito de CHAOS Urram galáxias sílicas entre o Zero e o Um Urram no interior dos corpos-nervos de fiosDe luz

O retorno ao Um ao Zero Absoluto ao Zênite Zen Alá Jeová e Jesus se curvam ante Chaoship Ah ascetas da liquidez do instantâneo fluxo da bolsa de Pan

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Dora adoradores de babéis se milcriando e se dissolvendo em mil

Issegundos como pragas proliferam pela casa Carcomendo as camadas de tinta das paredes fractais Além do Zen e do Sal Corrosivo da Ciência

Ele é o neutrino além da luz Por outra dimensão Pelos lugares comuns da ficção Pelo fluxo de merda das antenas e cabos Pelo silêncio magnético dos satélitesPelo perfume das telas Pela pátria elétrica Pela paz, pela terra, pelo erro do acrobata à beira do abismo Ele às portas do céu Ele Chaoship O assassino da História O predador de Mnemosine aliado de Proteu e protegido da

Medusa Tudo é Agora Gozo de Agora filho de Deus Fecundando as ondas do Espírito Quanta Ah adoradores compulsivos Tende agora um novo Deus Um novo livro por dobrar e desdobrar no infinito das d Obras do Deus recém parido e ainda por nascer e já antigo

de milênios Num temp(l)o de neutrinos Guerreiem por Ele inimigos mortais Hordas de nobres & vagabundos se erguem do mar Do Chaos contra os muros-rochedos do ascetismo dos

gerentes E seu gado adestrado

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WILTON CARDOSO

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WORD'S MACHINES

word's sex machineby wilton cardoso

a merdaé a comida da flor

a vidaé a comida do poema

o corpoé a comida do amor

word's light machineby estela mariana

a merda ascende à flor

a vida ascende à arte

o corpo acende o amor

word's dark machine by franco átila

a merda apodrece em flor

a vida se perde na letra

o corpo adoece no amor

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VOZ BLUE

a voz blue a dor e a potência dos negros rir de uma poeta na sarjeta? não não aqueles vídeos amy antes e depois amy a junkie amy a doida suicida as piadas com os trapos de amy as noias e os micos de amy os playboys e patricinhas fãs do estilo decadente da poeta ame amy deglutida pelo paladar das mídias & massas ávidas por carne decomposta

não apenas a voz blue plena de dor e da potência do negros

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MALDITOS & BENDITOS

I've been a miner for a heart of gold And I'm getting old.(Neil Young)

Benditos sejam os impérios, porque são prósperos em parir poetas e em cair.

Malditos são os poetas no império que cai, são eles, a penas, que ficam de pé.

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POEMA SEM POESIA

(uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

a história do homem é um conto de horrores para o próprio homem

(uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

lobo do homem o homem agora domina a natura

(uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

há no entanto uma coisa óbvia

que sempre se esquece (uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

não se trata da suposta essência da natura sagrada

(uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

e sim do corpo precisar respirar comer e beber

(uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

e não haver nave ou outro planeta

em que se possa viver (uma sucessão interminável de exploração e extermínio)

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HAI CAIS URBANOS

I

fresta vermelha no asfalto a cadela atropelada festa de larvas e urubus

II

fresta vermelha no asfalto o indigente assassinado festa de lentes e telas

I – por Wilton CardosoII – por Franco Átila

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NOBRES & VAGABUNDOS I

– era a história do saci, uma história terráquea, faz muitos séculos, num país chamado brasil, os geneticistas disseram que nosso genoma tem resquícios de indígenas americanos sabia? talvez sejamos um pouco brasileiros

– o que é um saci? – era um menino preto de uma perna só que vivia num

redemoinho – redemoinho? – como uma galáxia espiral, só que feito de ar – como se vive num redemoinho? – provavelmente era uma metáfora, o saci era uma criatura

terrível, anárquica, impossível de se conter – como nós? nenmsen riu: sim, como nós, o saci realizava toda a

potência do seu corpo, na verdade o redemoinho realiza toda a sua potência – é a potência em ato, impossível de se conter

– como uma galáxia? – como esta galáxia espiral a fragata se distanciava da estação rumo às bordas da via

láctea, iam assaltar mais uma nave-cargueiro da união planetária

Índice 49

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LÍNGUA ELÉTRICA

falei com minha sombra, tem vida própria sim abrindo as tortas e as cucas(júpiter maçã)

debaixo das fuças do mainstream estúdio perdido nas teias dos negócios da tv quase ninguém vê uma agulha sonora no palheiro de chips fervilha uma outra poesia tão velha quanto a língua viva dos trouvers agora banhada em bytes poetas furam a massa das tortas todas iguais (abrem caminhos de auroras nas fuças todas iguais) para as cucas que se abrem

Índice 50

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NOBRES & VAGABUNDOS II

– por que não fazemos a revolução nos planetas, por que não na terra?

– foi tentada inúmeras vezes em vários lugares e nunca deu certo

– por que? – absorvem todas as revoluções, os revolucionários acabam

se tornando alimento do que querem matar – como assim? – é uma coisa difícil de entender, é mesmo paradoxal: os

capitalismos vivem de suas mortes, da potência de vida que anunciam sua morte: a morte revigora o capital como a um zumbi: ele está morrendo e renascendo sempre mais forte, como uma erva, uma praga

– depois dizem que nós é que somos a praga do cosmos – é (ri nenmsen) – então seremos sempre esse punhado de naves e estações

vagando no vácuo? – provavelmente – não seria bom se tivéssemos uma terra, um planeta, uma

atmosfera? – é o preço que se paga, se aportamos viramos capitalistas

democratas, pós-capitalistas, neo-capitalistas, social-capitalistas, máquino-capitalistas, borg-capitalistas...

– os planetas são inviáveis? – as cidades são inviáveis, qualquer massa tende à tirania

capitalista, deve ser da natureza das massas

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ÍNTIMO/ÚLTIMO EU

no limite mais dentro de mim um outro fora de si além do eu da dor o doce gozo da outra alma que não sou

PERCEPÇÃO (antes tarde...)

Solidão em fuga… Não é uma escolha, é um destino, linha de vida no tecido mal cerzido do mundo, com a agulha do acaso.

Solidão… Não é escolha,

é um delírio, uma linha de fuga no horizonte

mal cerzido do mundo, com a bulha do cosmo.

Só… Um escolho,

um demente, um fio sem meada, uma ponte mal sabida da margem,

confluência do caos.

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ANIMAL POETRY

Há quem pense que o poeta pensa.Ele não pensa, costuma ser um desastre intelectual.

Há quem pense que o poeta é um erudito refinado...Outros, este não, este é só um vagabundo da cultura. Ardiloso, se passa por douto.

Há quem pense que o poeta tem o poder de sondar os abismos da palavra, da alma e da cidade dos homens, quando apenas vaga perdido na superfície dos marescomo um pirata vil e violento, sedentopor roubar o tesouro dos homens e torrá-lo em orgias nababescas.

Há quem pense que o poeta é sensível… Isto ele é, mas sem sutileza.Sim, o poeta é sensível, de uma sensibilidade brutal.

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NOBRES & VAGABUNDOS III

não havia mais para onde fugir, ele estava cercado no hiperespaço pelas nanomáquinas do padre hedonista, não havia outra opção senão olhar no fundo sem fundo daqueles olhos hipnóticos implantados em cada encruzilhada dos labirintos da sua nave mental:

– o que você quer? – o que todo padre quer – O QUE VOCÊ QUER? – o que em você quer

BICHO GRILO

a solução é alugar o brasil(raul seixas)

sem palavras há vozes no além do bem e do mal

sem grilo bicho há loucos que não se alugam

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NOBRES & VAGABUNDOS IV

Ninguém, sou ninguém, mil tribos me disputam a carne esfrangalhada da alma. Os canibais me espreitam curiosos. Meus inimigos são pares meus. Fugir ou me atar ao conforto deste planeta-pólis. O vácuo, o vácuo é tão sedutor, parcas estrelas distribuídas na pele do espaço numa rede tênue de luzes. Os neurônios oscilam indiferentes sua luminosidade interior, mandam-me ordens que não dito e sigo, por entre plasmas em fusão, ao léu. Exorbitar? Ou entrar nesta pólis e achar meu lugar, fazer parecer que a viagem não é ao léu: encontrar conforto e sentido. O vácuo, outra margem de mim, canta, uiara irresistível. O vácuo aguarda paciente as mil tribos que vão deslizar em sua superfície depois de minha devoração. Ah Nemsem, se você estivesse aqui eu teria coragem e me lançaria, não estaria mais aqui, na órbita exata deste limite gravitacional, sem mergulho nem voo. Ah Nemsem, porque você se foi, meu antimestre?

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OS REPLICANTES

Um byte, ah um byte. O byte se pergunta, prestes a ser deletado junto com seus irmãos (são os bytes de uma canção): “por que existo tão brevemente?”. Era um byte de cache, daqueles que tão logo a música acaba, o sistema operacional os deleta automaticamente. Pobre byte, a vida é tão breve!

Então Chaoship, o deus dos bytes, lhe responde com sua voz cibernética, que parecia sair de uma música do Kraftwerk:

Você existe para ser duplicado, será apagado agora, mas olhe quantos de você brotando naquele silício, naquele e naquele e ..n. Você já é aquele, não é apenas sua cópia, correção, é sua cópia, correção, não há cópia nem origem, correção, a origem é o clone: aquele clone que acaba de nascer ali do outro lado da terra, olhe rápido (faltavam 15 nanosegundos para o byte cair no abismo magnético), é você!

E era ele, o byte sabia que era, sentia, podia ver o mundo pelos olhos do byte replicado, a cópia não perdia em nada o seu ser, era idêntica: "agora sei e sinto, a origem é o clone". Foi o gozo do byte, o gozo e a morte. Mas não era morte, o byte entendeu que enquanto fosse clonado ele seria eterno.

Ah, que inveja dos bytes! Nós humanos, quem dera tivéssemos uma vida (e uma morte/não morte) assim!

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O LEITE NÃO DERRAMADO

meu rosto está sempre limpo mas tenho tantos disfarces que já não sei quem eu sou

minha rota é casa e trabalho a mesma rotina todos os dias mas a cabeça voa tão longe que já não sei qual o meu mundo

eu tenho cargo e diplomas sou um homem respeitávelmas tenho tanta vontade de chutar todos os baldes

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A ARTE DA GUERRAou: a guerra da arte

Entre eles, companheiros de batalhas, quase não há palavras, guiam-se por sinais, aguardam em silêncio e atacam gritando vida ou morte.

Não perdem tempo com dúvidas e debates, desprovidos de sentimento e outros estorvos da alma, só agem por paixão e uma urgência de tudo ou nada.

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NOBRES E VAGABUNDOS V

– ele está diferente, mesmo que esteja querendo parecer como antes, você sabe disso

– depois de uma viagem tão longa, talvez seja normal – não, nunca devíamos tê-lo deixado embarcar nessa tal

nAve aleatória – estamos numa democracia, as pessoas vão aonde querem – devíamos ter dado tarefas a ele, missões empolgantes: uma

turma de noviços e uma divisão de pesquisas experimentais

– o mestre-mor não diz que pesquisas experimentais são contra-prudentes para recém-ungidos como ele?

– que nada, satisfaria seu espírito aventureiro e o manteria sob nossos olhos, longe dessa gente vagabunda

– vagabunda? a chaoship é uma instituição legal – essa nAve aleatória que eles mantêm faz suas expedições

fora dos limites da liga planetária, com quem eles se encontram por lá?

– você está insinuando que a nAve entra em contato com os piratas anarquistas? que ele pode estar se aliando a eles?

– quem saberá? estes bandidos são ardilosos e sedutores. e nós sabemos como ele é, ele tem tendências…

– anarquistas? vagabundas? não, não creio nisto – lembra-se de nossos planos para ele? – sim, torná-lo grão-mestre de nossa academia gnóstica:

juntar-se a nós em nossa missão educativa e civilizatória. ainda creio firmemente que é o destino dele

– a pergunta é: ele ainda quer se juntar à escola? todas as vezes que tocamos no assunto ele reage com evasivas

– você acha que ele desistiu da escola, de se tornar grão-mestre?

– estamos vivendo tempos difíceis e caóticos, temo que ele

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esteja se afastando de nós, de nossos valores logosóficos e democráticos

– e se tornando um pirata fora da lei, um vagabundo anarquista, um nômade espacial? você acha? como pode? não, não posso acreditar, ele sempre foi muito sério, leal e trabalhador, sempre comprometido com suas obrigações

– então por que partirá novamente com a nAve? se ele queria saber como é lá fora, uma vez não basta? não ficou tempo demais nesta vagabundagem improdutiva?

– então, acha mesmo que o estamos perdendo – ele está se perdendo. temo sinceramente que não retorne

mais desta segunda expedição

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CLAUSTROFOBIA

este lugar me sufoca preciso ir lá fora quando chego as redes se abrem e as paredes se fecham outra vez já é hora de partir meu destino é outro lugar mais adiante mais fora sempre

EX-LITTERA IV

um poema letras imóveis na tela soando ruídos mudos o que pode um poema diante do escândalo magnético da eletricidade sonora de uma canção?

um romance linhas a fio que se des fiam fábulas num livro o que pode um romance diante da fúria de sons e imagens servida ao olhar por um filme?

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NOBRES & VAGABUNDOS VI

– Você vai mesmo nesta segunda viagem da nAve aleatória? – É o que parece – Estamos preocupados com você na Academia. Alguns

dizem que se juntará aos piratas anarquistas – Você quer dizer nômades anarquistas – Ora Nemsem, são piratas, criminosos que assaltam,

saqueiam e matam! – Matamos cinco vezes mais anarquistas do que eles a nós. E

somos centenas de bilhões enquanto eles são apenas alguns milhões. Para nós, que gostamos tanto de estatísticas, não deixa de ser uma estranha proporção...

– Às vezes não há alternativas quando se combate foras-da-lei violentos. As mortes deles foram rigorosamente de acordo com as leis humanitárias da Liga dos Planetas e as estatísticas mostraram que os saques e assaltos caíram significativamente nos quadrantes em que o combate aos anarquistas foi feito com eficiência. E estamos estudando meios de regulamentar e padronizar ações eficientes contra eles em todos os departamentos administrativos da Liga, você sabe disso.

– É. Regulamentos, planejamentos, padronizações, medições e avaliações... Desde que estejamos imersos nas malhas exatas deste universo métrico podemos dormir o sono dos justos...

– O que você quer? Viver ao léu como eles, numa vida improdutiva e preguiçosa? Uma vida impotente, acomodada e sem sentido, parasita das riquezas e saberes que nós produzimos?

– Talvez a vida deles não seja impotente... Que sabemos nós da potência de um corpo se entregamos o nosso inteiramente à disciplina das academias, corporações e

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departamentos? – Não se deixe seduzir Nemsem , a liberdade que eles

oferecem é uma falsa alternativa. Veja o mundo que construímos, a pujança e a grandeza da Liga dos Planetas, a felicidade e o conforto do povo. Ouça seu mestre, a única liberdade possível é a nossa democracia, não há alternativa melhor

– Se vivêssemos no século XXI você estaria certo, não haveria alternativa. Mas agora, querido mestre, há todo um espaço não esquadrinhado, exterior às malhas da Liga dos Planetas. Preciso ir agora, a nAve aleatória está partindo

– Parece uma despedida, para sempre... Não vou vê-lo mais? Nemsem respondeu com um sorriso terno e se dirigiu

apressado à plataforma de embarque. Uma lágrima caiu dos olhos de seu velho mestre. Outra caía dos olhos de Nemsem

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EX-ÓRBITA

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SOL

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OS IMPÉRIOS VIRAM PÓ

Só os monges budistas serão salvos, os monges que entregam seus corpos aos gozos do espírito e os crápulas que se lançam de corpo e alma aos porões de seus corpos.

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FUGA DE ATENAS

academias literárias de ginástica e universitárias não são lugares do caralho de júpiter nem da buceta de vênus

não deixe que elas beijem a boca de teu baco o vinho da poesia se transmutaria em águas de ornamento entretenimento ou burocracia (água mineral inodora insípida e incolor envasada em série

em garrafas plásticas à venda em lanchonetes higiênicas respeitando o código de defesa do consumidor importante para a hidratação física e mental proporcionando como consequência uma vida sóbria longeva saudável e sem sobressaltos ao corpo que anseia por renda conforto e cidadania garantidos pelo exercício contumaz da democracia e o respeito ao estado de direito)

A razão, Atena, é apenas uma dor na cabeça de Zeus.

p leminski

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IMENSIDÃO ABSURDA

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NOBRES & VAGABUNDOS VII

– Eles medem e avaliam tudo Nemsem... – É, deve haver algum prazer em criar metas e parâmetros de

qualidade e avaliações de aprendizado, para depois aferir o quanto cada um se enquadra nos critérios pré-estabelecidos. É uma tara da Terra que se espalhou por toda a Liga dos Planetas.

– Tara? Dizem que fazem isto em nome da eficiência e da produtividade... Aliás, como pode ser uma tara quando se trata de uma atividade burocrática nas quais as pessoas não sentem nenhum prazer?

– Sim, é o tipo de coisa que sufoca o desejo dos pobres sedentários, mais um sacrifício em sua enorme lista... Mas é uma tara sim, eles desejam ardentemente avaliar e serem avaliados, mesmo que seja uma atividade penosa e quase sempre inócua. A eficiência é apenas uma desculpa para justificar o desperdício de energia.

– Não entendo, como podem desejar algo que sufoca o próprio desejo? Algo que desperdiça a potência do desejo?

– É o desejo do escravo meu caro. O escravo deseja sufocar o próprio desejo. Não falo daquele que se torna escravo por uma contingência histórica, como foi o caso dos negros americanos por cinco séculos terráqueos. Falo daquele que deseja se tornar escravo das máquinas de medir da democracia capitalista. Em troca da submissão o capital dá uma certa previsibilidade, uma vida longa e um pouco de conforto à sua existência miserável.

– Como podem aceitar uma troca tão desvantajosa? – Um escravo quer apenas viver o mais confortável possível:

ele será capaz de sacrificar todos os desejos de seu corpo por esta tara da longevidade tranquila.

– É difícil para mim entender esta mentalidade, de que vale

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uma longevidade assim? – Nemsem ri de seu aprendiz: você não é e nem foi um

escravo da democracia capitalista, não creio que vá entendê-los algum dia, mas fique tranquilo, este é o tipo de conhecimento que não lhe fará falta.

– Você já foi um escravo Nemsem? – Há muito tempo. Lembre-se que nasci e me criei nas

academias da Terra. Levei algum tempo para me tornar um nômade anarquista como você.

– Mas você não estava numa academia de sábios? Não seria um qualquer, mas faria parte da elite numa sociedade do conhecimento...

– Não importa o que você seja na Terra, elite ou ralé, operário ou sábio, gerente ou funcionário, soldado ou comandante, você está sempre servindo às máquinas sociais de compassar a vida do capitalismo democrático. E elas são sedutoras e eficientes em garantir a auto-submissão dos escravos, esteja certo disso.

– Mas agora você é um nobre, como todos nós. – Sim, um nobre. O nobre despreza o escravo. E o primeiro

escravo que devemos desprezar é o que carregamos conosco, é nossa vontade de nos tornarmos uma ovelha a mais do rebanho e nos reconfortarmos nas pastagens de um pastor que nos guiará e nos protegerá em troca dos desejos de nosso corpo. Este pastor é a democracia capitalista. Não se iluda meu amigo, este escravo existe em você e espreita o momento de emergir para entregar seu corpo ao capital.

– Isto não acontecerá, sou um nobre como você Nemsem. Somos nobres vagando os espaços exteriores à Liga dos Planetas.

– Numa viajem vagabunda sem rota nem destino. Na Terra, os que viajam sem medir o espaço-tempo e a vida, os que vagam sem cessar e sem motivos, livres de finalidades e

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responsabilidades sedentárias, são chamados de vagabundos, sabia?

– Somos vagabundos então? – Somos nobres também. Nobres e vagabundos.

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T

Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos(Manoel de Barros)

É um trapo. Bebe feito um gambá. Baixinho e magriça, voz titubeante, 20 filhos e um montão de netos, largados pelo mundo. Vive com a família do irmão. Um destino que não queremos pra nenhum amigo ou ente querido, um fodido sem grito, sem revolta nenhuma. Um ninguém.

Devíamos ter piedade. Há quem reze por ele. E de fato parece que caminha para a auto-aniquilação. Mas num certo sentido é difícil se deixar, assim, abandonado de si, corpo ao léu, tecido às traças. É uma férrea disciplina a do caminho mais fácil. Meu pai tinha uma olaria e a gente vigiava o fogo 3 dias e 3 noites. Fazia frio e então gente bebia. Foi aí que você aprendeu a beber T.? Foi. Outro dia me disse que chegou a F. e o chamou de baixinho. Rimos, são os dois mais tampinhas da repartição. Eu disse que quando tinha o Tota ele podia tirar um sarro dele. O Tota não passava de 1,5. Rimos.

Há uma rua aqui perto do serviço. Não há residências. De um lado um muro mal cuidado e do outro construções do Estado, abandonadas. É uma desolação só, uma rua desbotada, sem ninguém a hora nenhuma. Aliás, nela é sempre hora nenhuma. Gostaria de ver o T. caminhando nesta rua. Ninguém em hora nenhuma, trapo sobre ruína: composição limpa, rigorosa, despojada.

É muito difícil chegar, como T., a ponto de ninguém. Nós sempre somos alguém, chefe de alguém, dono do nariz ou

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pelo menos pau mandado. T. também tem chefe e trabalho mas é como se não tivesse de tão inútil. Se não fosse do Estado estaria na rua há muito tempo (seria uma tragédia rápida). Mas T. é uma tragédia lenta, definhando seu ninguém aos poucos, comedidamente. É difícil andar assim desprendido de amarras. A inércia absoluta é uma prática rigorosa. Nós não conseguimos. Somos um emaranhado de amarras. Sempre nos mexemos e as amarras nos apertam mais, peixes se debatendo na rede. Estamos cada vez mais presos a nossas funções predestinadas. Difícil ser um merda, um ínfimo fio de merda num rio de merda. Seria preciso, antes, fazer um mundo de merda, um cosmo de excrementos em que nos evacuamos de nós, das teias que nos fazem nós, indissolúveis. Raramente transbordamos ao trapo.

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DAS ARTES INEXPUGNÁVEIS

O poder de um merda é rastejar pelas frinchas.Lesma suja que prolifera nos muros que proliferam no mundo a profilaxia.

Ele fode com as pragas e pare um rastro de veneno infectado de tesões e taras abjetas.

Não há nenhum projeto nestas vidas inúteis chafurdadas na merda,

a não ser voar no seu rastejar (o que ofende o orgulho das águias construtoras deste mundo de muros: elas voam e não saem do chão).

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(QUASE) NENHUM RASTRO

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À FLOR DA NASA

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O OLHO DE DEUS

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FALHA

Olhar para trás e ver os anos gastos com os rastros na areia deserta.

Ver o vento vir corroendo o rosto, os olhos e o rastro. Não foi o bastante...

Nenhum eco brilhou no escuro silêncio do pó. Nenhum resto.

Atrás e adiante, acima e abaixo, o mundo vazio e mudo. Foi tudo

em vão.

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FALHA II

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OS ROEDORES

Os poetas sabem que a vida não vale nada.Não são como os padres que vivem dizendo“a vida não vale nada”em nome da outra vida prometida às boas ovelhas... E vivem a vida mundana dos pastores que trepam comem e se perfumam às custas do sangue do rebanho.Os padres amigos da boa vida e dos benfeitores do mundo que desprezam a vida dos vermes.

A vida não vale nada para os poetas,por isto morrem na miséria mesmo quando, por sorte,fazem o seu pé de meia,os poetas vivem e morrem na miséria – e o sabem.Talvez por isto os poetas cantem.

A vida de um deus e a do verme mais miserável não valem nada,por isto o poeta canta a vagabunda que foge

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na estrada do nojo.Ao contrário dos padres,dos reis e burgueses (benfeitores do mundo),o poeta se enamora furtivo (amor maldito)do verme passageiro que há na vida de qualquer vida.

O poeta é um rato surrupiando restos.

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ARCÁDIA

Finalmente, o nó está desfeito, a pedra pulverizada, déspotas perdem o trono ou pelo menos a moral.

A pedra absoluta do poder se liquefaz. A dádiva da vida se distribui por entre as almas e corpos em partes iguais.

Não há vales nem picos, diluiram-se os mestres e os diluidores, os bons e os maus. Os deuses são todos iguais aos mortais, a liberdade é radical, o gozo é permitido em várias direções, todos os sentidos da vida e o sem sentido pode ser que sim... Pode não ser nada.

Só a grama verde dos campos de golfe, onde uns poucos pastores bondosos e discretos tocam calmamente o manso gado com sua lira de ouro que ressoa pelos céus uma música muda e abstrata, só a grama verde se adensa

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mais e mais, sempre mais, nesta terra abençoada de dádivas partilhadas.

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POWERÓPOLIS

banca norte

pau nos pretos pau nos árabes pau en los chicanos e pau no judeu (pra não perder o costume)

campo sul

pau nos pretos pau nas putas pau nos pobres pau nas bichas pau nos maconheiros

oficina leste

carga no lombo do china pão e água na boca do china e cala a boca china senão pau no china

miragem oeste

margem de fuga mundo sem dono sertão sem fim fervilhando sioux e botocudos canibais? foi pro pau

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É A NOSSA VEZ!

A internet vai salvar o mundo triplicar o consumo facilitar a vida dos homens

que se tornarão prósperos e frequentarão shoppings e bares sofisticados

munidos da última tecnologia em seus carros novos e computadorizados

como já fazem 25% das pessoas e mais 25% já saíram da miséria

e entraram para a classe média as estatísticas não mentem jamais

Eu vejo um céu carregado de mercadorias e uma chuva de crédito

inundando a terra fértil dos corpos prenhes de prosperidade e felicidade e as ruas se encherão de alegria e gente bem

vestida e peles bem tratadas e cabelos cuidadosamente

desarrumados e roupas coloridas recuperam as modas misturadas do

passado

As crises vêm e vão e o importante é a educação é se formar e estar bem preparado para os desafios do mercado o aprendizado deve ser constante para o bem do crescimento profissional e pessoal da renda e do consumo e uma boa qualidade de vida um bom vinho numa adega depois do

cinema

Estamos perto do paraíso na terra! É a nossa vez! É a nossa vez!

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FUGA ÍNFIMA

estoy rodando el mundo con amor en mi corazon (wander wildner )

rodando el mundo sem sair deste quarto mil coisas a fazer na quarta-feira qualquer o dia mal nasce e nos enterra na rotina eu tenho cargo e diplomas horários e responsabilidades à puta que pariu agora o tempo não existe na fugaz eternidade de uma canção brega e beat eu vou chutar o balde do dia e derramar o meu riso e gozo sobre o leite derramado

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PARTIDAS DESDOBRADAS Ao Tio Léis (in memoriam)

Enterramos os nossos na tarde qualquer de Morrinhos, Umbigo e sorvedouro de nós. Eles levam consigo um pouco de nós E carregamos conosco uns restos do sopro Que os animava. Somos animais Estranhos, recusamo-nos a deixá-los Ir completamente. E a partida se demora Tanto quanto perduramos, Tanto quanto nos perdura A água turva da memória.

Em breve, quando partirmos, Os mortos que ainda carregamos Conosco se irão por fim, Sem deixar vestígios de alegria ou de tristeza Na terra nova dos novos que virão Repetir estas partidas lentas, Repartindo novamente a vida em duas Partes desiguais: a que se vai Volvendo ao pó e a que se aninha ainda em nós Precários desfiando pouco a pouco.

E assim a ida (e a vida) se esquece De si mesma e se rejuvenesce, Deixando na boca dos vivos Um gosto amargo (mas doce também) Da vida como partida E chegada no mesmo viver/ morrer: uma obscura contabilidade de partidas desdobradas,

Um gosto de vida Como estação.

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NANOTÉCNICA FAITS DIVERS

cientistas criam o menor motor elétrico com uma única molécula

bilionésimo de metro numa única molécula promessas para a medicina e outros usos inimagináveis

máquinas incríveis ínfimo além-chip fronteiras da criação: somos quase deuses

os cientistas chamaram o guinness para registrar o record

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PEQUENA DOBRA DO MUNDO

mergulho preparam-se para o mergulho ou seria para o salto ao alto? um voo se ensaia na gosma da lesma ela vai se arrastar no lodo do muro metro e meio longa viagem tantos percalços a coruja espreita na noite a sua esquiva caça que desliza em silêncio lento e sinuoso as frinchas sujas dos tijolos o quintal baldio sustém aquele cosmo ignorado pelos outros seres ocupados com seus próprios pequenos mundos infinitos

presa e predador não se divisam na cena anônima mergulhados na noite perdida nas eras fiam-se por sedes de milhões de anos sedes tenazmente costuradas por acasos precisos e destinos incertos partem cada um para o seu cego próximo passo sob a vigília desatenta dos ventos noturnos e das estrelas frias do firmamento

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QUASE DEUSES

Experimento faz macaco ter sensação de tato com braço virtual

Os homens ficarão biônicos, os aviões mais supersônicos – talvez surperquânticos. Haverá leitores de sonhos espiando nossos neurônios, arrancando-lhes os desejos mais recônditos e haverá colônias, sob redomas, em Marte e nos satélites inóspitos de Saturno. Computadores atômicos acoplados a lentes astronômicas desvendarão as galáxias de um confim ao outro do cosmo. Uma nave de neutrinos passará por outra dimensão mostrando-nos o passado (sem sermos percebidos) pela janela da cabine. Tudo será filmado: o julgamento de Sócrates e as lágrimas de Platão. O campeão de audiência da televisão do futuro será um reality de antanho.

Só esta sede infinita e bruta que nos anima e nos mata persistirá, nos lembrando a essência do ser animal que sempre seremos.

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PEQUENOS CORTES

um tecido feito de furos (turbilhões de absinto) abismos em que mergulhamos e se voltamos outro rosto emerge no mesmo rosto roto barbeado e pronto para o dia a dia mas são outros os dias perfurados de noites como se houvesse mortes que não nos levassem deixando-nos pequenos cortes no tenro tecido da vida que passará em pouco tempo e a sofremos como se para sempre

HISTÓRIA GERAL DO COSMO, CAP. 1297185: HUMANOS

por alguns segundos

de um cisco esférico

boiando no espaço

o universo

(por acaso)

se viu

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NINGUEM + NEVER MOREex-littera v

ning + Benze q

brantO

ning + Atrav

eça um grande sertaO

ning + Escala

uma montanha magicA

ning + Suja as maos

com a radiacao de um poema (e seu in

stante instavel e quebra

diço q pode ser

q conta

mine uma vida inteira)

prenhe de poesiA

Índice 92

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É

Índice 93

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POEMA PASTICHE PARA UM EU PARTIDO

Não tenho a energia do rock. Eu quero a energia do rock, a energia tosca e ingênua do rock, a lucidez bêbada do rock.

No meio do caminho, morrendo de sede entre dois rios, meio bandeira meio mutante, eu pedra, estátua de sal da medusa,

fiquei pelo meio de mim, meio louco meio buro- crata, a lua nasce na minha cabeça de meia noite, meio dia sou sol.

Perdido no meio do caminho, partido ao meio, onde estarás tu minha cara metade, pedaço inteiro do meu eu?

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ELIXIR

sem deixar rastros – existir e não existir na mesma existência relâmpago nos céus da cidade cega pressentido pelo terceiro olho do mendigo a voz do trovão grita à horda de surdos

o raio ilegível fulgura seu negror nas folhas ocultas de um livro escrito a sangue gangues sacodem a cidade com faróis lunares e gritos infra-etéreos

as folhas de sangue despencando das árvores de cimento e vidro infestadas de lodo e luz na corda da danação que se parte até o abismo sem deixar vestígios – elixir da efemeridade

Índice 95

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ÚLTIMO

surgiu sem ninguém ver quase ninguém viu incógnito sumiu

a vida chama o estrondo/silêncio da vida não cabe no mudo ruído das palavras

a vida grita murmúrio inconstante de um rio em chamas enxame de vozes sem uma palavra

a vida cobra o dobro do preço e ela não quer viver de metades

é hora de existir inteiro (mesmo em mil pedaços) viver é sempre um rejuntar-se precário com as chamas do acaso

é hora de calar e viver

Índice 96

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ÍNDICE DE POEMAS

CAPA...................................1

FOLHA DE ROSTO..........2

NOTA DO AUTOR............3

ESTELA MARIANA.........4Épica suave..............................5O inferninho ao lado................7

Mulher sentada no sofá............8Olhares.....................................9

Num piscar.............................10Mistério no circo mambembe.11

Tê-lo.......................................12Insone.....................................12

Bêsame mucho.......................13Infinitude................................14

Precisão..................................15Quarto minguante...................16

Manhã.....................................17Gravidade zero.......................17

Melô do caipira......................18Pra enganar o tempo...............18

Migalhas de amor eterno........19Brisa breve ............................20

Saber de sombras...................22Rede à deriva..........................23

Outra manhã...........................23Um hai kai..............................24

O salto....................................24

Erês.........................................25

Trouveur.................................26Parca poesia............................27

Marinha..................................28Sombra e eco..........................29

FRANCO ÁTILA.............30A erva onisciente II ...............31Da essência humana...............35

O cavalo arreado....................37Giro em falso..........................38

Os nervos do nirvana II..........39Ode a Chaoship......................41

WILTON CARDOSO......43Word's machines.....................44Voz blue..................................45

Malditos & benditos...............46Poema sem poesia..................47

Hai cais urbanos.....................48Nobres & vagabundos I..........49

Língua elétrica........................50Nobres & vagabundos II........51

Íntimo/último eu.....................52Percepção (antes tarde...).......52

Animal poetry........................53Nobres & vagabundos III.......54

Bicho grilo..............................54Nobres & vagabundos IV ......55

Os replicantes.........................56

Índice 97

Continua na próx. página

Page 98: 2012 Ultima Dobra

O leite não derramado............57

A arte da guerra......................58Nobres e vagabundos V.........59

Claustrofobia..........................61Ex-littera iv............................61

Nobres & vagabundos VI.......62Ex-órbita.................................64

Sol..........................................65Os impérios viram pó.............66

Fuga de Atenas.......................67Imensidão absurda..................68

Nobres & vagabundos VII.....69T.............................................72

Das artes inexpugnáveis.........74(quase) nenhum rastro............75

À flor da Nasa........................76O olho de Deus.......................77

Falha.......................................78

Falha II...................................79

Os roedores............................80Arcádia...................................82

Powerópolis............................84É a nossa vez!.........................85

Fuga ínfima............................86Partidas desdobradas ............87

Nanotécnica faits divers.........88Pequena dobra do mundo.......89

Quase deuses..........................90Pequenos cortes......................91

História geral do cosmo ........91Ninguem + never more..........92

É.............................................93Poema pastiche.......................94

Elixir.......................................95Último....................................96

Índice 98